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A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NA PROTEÇÃO DA FAMÍLIA HOMOAFETIVA Autores: Pedro Vitor Serodio de Abreu: Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá, auxiliar jurídico no escritório CAS Assessoria Jurídica, curso em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão. Matheus Rodrigues dos Santos: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, 10º período, auxiliar jurídico na área do Direito Reais, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica, formado em conciliação e suas técnicas pela Escola de Administração Judiciária- ESAJ. Sumário: Introdução, 1 - A Organização dos Estados Americanos e o Pacto de São José da Costa Rica; 2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção a família homoafetiva; 3 - Opinião Consultiva 24/2017; 3.1 Dos conceitos; 3.2 Da interpretação; 3.3 Do direito a igualdade; 3.4 O direito à identidade de gênero e a mudança de nome; 3.5 - Sobre o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica; 3.6 A proteção internacional dos vínculos de casais do mesmo sexo; 4 - Definição de família homoafetiva no Direito brasileiro; 5 - Evolução no Direito Civil; 6 - A proteção a família homoafetiva na constituição federal; 7 - Do casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo; 8 -Entendimento do Supremo Tribunal Federal; 9 - Entraves ainda existentes ao casamento homoafetivo; Conclusão; Referências bibliográficas. Resumo Ao longo da história do Direito no Brasil é constante a falta de observância no que tange aos direitos das pessoas homossexuais. Modificações jurisprudenciais recentes no âmbito do STF tentam cumprir o respeito ao direito de igualdade previsto constitucionalmente. O que de certa forma garante o direito a busca da prestação jurisdicional, mas não lhes garante a proteção necessária; sendo devida a análise dos tratados de direitos

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A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

NA PROTEÇÃO DA FAMÍLIA HOMOAFETIVA

Autores:

Pedro Vitor Serodio de Abreu: Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá,

auxiliar jurídico no escritório CAS Assessoria Jurídica, curso em Relações Internacionais

pela Fundação Getúlio Vargas e Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão.

Matheus Rodrigues dos Santos: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá,

10º período, auxiliar jurídico na área do Direito Reais, Família, Sucessões, Consumidor

e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica, formado em conciliação e suas

técnicas pela Escola de Administração Judiciária- ESAJ.

Sumário: Introdução, 1 - A Organização dos Estados Americanos e o Pacto de São José

da Costa Rica; 2 – A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção a família

homoafetiva; 3 - Opinião Consultiva 24/2017; 3.1 – Dos conceitos; 3.2 – Da

interpretação; 3.3 – Do direito a igualdade; 3.4 – O direito à identidade de gênero e a

mudança de nome; 3.5 - Sobre o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica; 3.6 – A proteção

internacional dos vínculos de casais do mesmo sexo; 4 - Definição de família homoafetiva

no Direito brasileiro; 5 - Evolução no Direito Civil; 6 - A proteção a família homoafetiva

na constituição federal; 7 - Do casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo;

8 -Entendimento do Supremo Tribunal Federal; 9 - Entraves ainda existentes ao

casamento homoafetivo; Conclusão; Referências bibliográficas.

Resumo

Ao longo da história do Direito no Brasil é constante a falta de observância no que tange

aos direitos das pessoas homossexuais. Modificações jurisprudenciais recentes no âmbito

do STF tentam cumprir o respeito ao direito de igualdade previsto constitucionalmente.

O que de certa forma garante o direito a busca da prestação jurisdicional, mas não

lhes garante a proteção necessária; sendo devida a análise dos tratados de direitos

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humanos e a legislação interna, visando a proteção dos casais homoafetivos diante a

sociedade.

Abstract

Throughout the history of law in Brazil, there is a constant lack of observance regarding

the rights of homosexual people. Recent jurisprudential changes in the scope of the

Supreme Court try to fulfill or respect the constitutionally provided for forecasting right.

What guarantees the right to seek jurisdictional guarantees, but does not guarantee the

necessary protection; due to the analysis of human rights and internal legislation, the

protection of same-sex couples before society.

Palavras-chave: Direito homoafetivo, Corte Interamericana de Direitos Humanos,

igualdade, família, homossexuais.

Áreas jurídicas: Direito Internacional, Direito Constitucional do Brasil e Direito Civil

do Brasil.

Introdução

Após a promulgação do Pacto de San José da Costa Rica no Brasil, no ano de 1992, o

Direito Civil brasileiro passou por importantes modificações em sentido amplo. Porém,

cabe destacar a sua importância na proteção dos mais diversos tipos de família existente,

sobretudo, na proteção dos casais homoafetivos, que ao longo da história moderna

sofreram os mais diversos tipos de discriminação e eram julgados por uma sociedade

patriarcal e cristã, que não viam a homossexualidade com bons olhos.

A luta da família afetiva abrange temas como, casamento e união estável entre pessoas

do mesmo sexo, adoção de crianças por casais homoafetivos, porém, a lei de adoção

brasileira só permitia adotar crianças se o casal estivesse em união estável ou sob o regime

de casamento, o que não era possível ser realizado por pessoas do mesmo sexo, devido à

previsão no Código Civil que reconhece a união estável entre o homem e a mulher.

Então, em 2013, nasce no Brasil a resolução n.175 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)

que trata sobre a regulamentação da celebração do casamento civil ou conversão de união

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estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um marco histórico no Direito

Homoafetivo [1], atingindo a marca de mais de 15 mil casamentos já realizados, gerando

importantes precedentes, jurisprudência e doutrina a tratar sobre a constituição da união

homoafetiva tal como da união heteroafetiva, impondo tratamentos iguais,

inclusive naquilo que faz parte da área do Direito de Família, tratando sobre a adoção por

casais homoafetivos, o casamento, o reconhecimento da união estável, os direitos

sucessórios e alimentos.

Todavia, cabe destacar que há tempos é esperado uma mudança legislativa na tentativa

de assegurar perante a lei, casamentos homoafetivos, entretanto, pela tardança no sentido

de assegurar esses direitos, a mudança foi realizada no âmbito judiciário, sendo necessária

a evolução da legislação brasileira em respeito à proteção da instituição familiar destacada

na Constituição Federal do Brasil e no Pacto São José da Costa Rica.

1 - A Organização dos Estados Americanos e o Pacto de São José da Costa Rica

A Organização dos Estados Americanos é uma organização internacional regional

instituída através do Tratado de Bogotá, na Colômbia, no dia 30 de abril de 1948, entrando

em vigor internacional em 13 de dezembro de 1951. Junto com a Carta da OEA, foram

assinados, naquela ocasião, o Tratado Americano de Soluções Pacíficas, a Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem, o Convênio Econômico de Bogotá e a

Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, sendo que os dois últimos acabaram

não vingando por falta das ratificações necessárias para a sua entrada em vigor. [2]

Os Estados fundadores, participantes da criação da OEA em 1948 são: Argentina, Bolívia,

Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador,

Estados Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai,

Peru, Uruguai e Venezuela [3]. E os novos Estados posteriormente incorporados à Carta,

entre 1967 e 1990, foram: Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá,

Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Saint Kitts

e Nevis, Suriname e Trinidad e Tobago, perfazendo atualmente 35 Estados.

Um grande avanço da Organização dos Estados Americanos é o Pacto de São José da

Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos,

entrou em vigor no ano de 1978 [4], que fortaleceu o sistema de direitos humanos

implantado com a Carta da OEA e explicitado pela Declaração Americana, ao atribuir

mais efetividade à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que até então

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funcionava apenas como órgão da OEA. Também pode-se dizer que a Convenção

Americana estabeleceu nas Américas um padrão de “ordem pública” relativa a direitos

humanos, até então inexistente.

Para a proteção e monitoramento dos direitos que estabelece, a Convenção Americana

vem integrada por dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como objetivo

promover a defesa dos direitos humanos no continente americano [5]. A Corte

Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurisdicional do sistema interamericano

que resolve sobre os casos de violação de direitos humanos perpetrados pelos Estados

partes da OEA e que tenham ratificado a Convenção Americana. Dessa maneira, a

referida corte tem sede na Costa Rica e é composta por sete juízes de nacionalidades

diferentes e provenientes dos estados membros da OEA.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos detém uma competência consultiva,

referida as disposições legais elencadas na Convenção e das disposições de tratados

concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos [6]. A Corte

também tem uma competência contenciosa, de caráter jurisdicional, para julgamento de

casos envolvendo os membros da OEA, quando se alega que um dos Estados-partes na

Convenção violou algum de seus preceitos. Entretanto, a competência contenciosa da

Corte se limita aos estados partes que se submeteram a essa jurisdição.

2 – A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção a família homoafetiva

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem significativa importância na legislação

no Direito de Família no Brasil. Sobretudo após a Emenda Constitucional de n.º 45 [7],

que acrescenta, dentre outras modificações, o §3º ao artigo 5º da Constituição Federal do

Brasil, impondo o status de norma constitucional aos tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos.

Mediante esse mecanismo, esses tratados internacionais se equivalem à emenda à

Constituição. E desse modo, é visível a força vinculante e a interferência da aplicação e

da criação da norma, que deverá sem expor dentro dos limites impostos pela Carta Magna.

E desse modo, é concreta a importância do Pacto de São José da Costa Rica, como criador

da CIDH, organismo de interpretação e aplicação do Direito e sobre o dever do Estado de

proteger essa instituição e promover a igualdade entre seus integrantes.

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Em vista do seu conteúdo, atendo-se ao seu artigo 17, ao tratar da proteção da família. E

apresenta de forma clara o dever do Estado, ao se vincular ao tratado, se obrigando a reger

e criar mecanismos que possibilite aplicação e o respeito aos direitos assegurados no

tratado.

“A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela

sociedade e pelo Estado. ” No tópico 1 do referido artigo, diante disto o Estado Brasileiro

se vincula com dever de proteção da família. O que também encontra o seu devido

respaldo na Constituição Federal (artigo 226, caput, Constituição Federal da República

Federativa do Brasil). Logo, a proteção devida não se restringe a instituição heteroafetiva

e logicamente também a família homoafetiva.

3 - Opinião Consultiva 24/2017

Todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos têm o direito de

obter opinião consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, em 24 de

novembro de 2017 foi emitido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos o Parecer

Consultivo 24/2017. A opinião foi pedida pelo Governo da Costa Rica, versando sobre a

identidade de gênero, igualdade e não discriminação. A finalidade do parecer era a

manifestação da Corte em relação aos artigos 1°, 11.2, 18, 24, observando a

compatibilidade com o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica, para a alteração do nome

através da identidade de gênero, assim, os referidos artigos exemplificam:

“Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos

1.Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e

liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que

esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo,

idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou

social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2.Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade

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2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida

privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas

ilegais à sua honra ou reputação.

Artigo 18. Direito ao nome

Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um

destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes

fictícios, se for necessário.

Artigo 24. Igualdade perante a lei

Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem

discriminação, a igual proteção da lei. “

O art. 54 do Código Civil da Costa Rica estabelece o seguinte: "Todo costarriquenho

inscrito no Registro Civil pode mudar seu nome com a autorização do Tribunal, o que

será feito mediante os procedimentos da jurisdição voluntária promovida para esse fim.

” [8]

O Governo da Costa Rica formulou à Corte às seguintes perguntas:

1. "Levando em consideração que a identidade de gênero é uma categoria protegida pelos

artigos 1° e 24 da CADH, além do estabelecido nos artigos 11.2 e 18 da Convenção, esta

proteção e a CADH contemplam a obrigação do Estado de reconhecer e facilitar a

mudança de nome das pessoas, de acordo com a identidade de gênero de cada uma?"

2. "Caso a resposta à consulta anterior for afirmativa, poderia considerar-se contrário à

CADH que a pessoa interessada em modificar seu nome próprio possa ter acesso apenas

a um processo judicial sem que exista um procedimento para tanto em via administrativa?

3. “Poderia ser entendido que o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica deve ser

interpretado, de acordo com a CADH, no sentido de que as pessoas que desejem mudar

seu nome próprio a partir de sua identidade de gênero não estão obrigadas a submeter-se

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ao processo judicial ali contemplado, mas que o Estado deve prover a estas pessoas um

trâmite administrativo gratuito, rápido e acessível para exercer esse direito humano? ”

4. “Tomando em consideração que a não discriminação por motivos de orientação sexual

é uma categoria protegida pelos artigos 1 e 24 da CADH, além do estabelecido no artigo

11.2 da Convenção, essa proteção e a CADH implicam que o Estado deve reconhecer

todos os direitos patrimoniais que se derivam de um vínculo entre pessoas do mesmo

sexo? ”

5. “Caso a resposta anterior seja afirmativa, é necessária a existência de uma figura

jurídica que regulamente os vínculos entre pessoas do mesmo sexo para que o Estado

reconheça todos os direitos patrimoniais que se derivam desta relação? ” [9]

Dessa forma, a Corte salientou que na análise das questões são utilizados conceitos e

definições sobre os quais não há acordo entre os organismos nacionais e internacionais.

Portanto, a análise do caso está sujeita a uma dinâmica conceitual onde há de modo

frequente uma mudança temporal, por isso a avaliação deve ser realizada de maneira

delicada. A Corte citou os seguintes conceitos, que são tomados por fontes orgânicas

internacionais:

3.1 – Dos conceitos

“Sexo: em sentido estrito, o termo sexo se refere às diferenças biológicas entre homens e

mulheres, suas características fisiológicas, a soma das características biológicas que

definem o espectro das pessoas como mulheres e homens ou à construção biológica que

se refere às características genéticas, hormonais, anatômicas e fisiológicas em cuja base

uma pessoa é classificada como masculina ou feminina no nascimento. Nesse sentido,

uma vez que este termo apenas estabelece subdivisões entre homens e mulheres, não

reconhece a existência de outras categorias que não se encaixam dentro do binário

mulher/homem.

Sexo atribuído no nascimento: essa ideia transcende o conceito de sexo como masculino

ou feminino e está associada à determinação do sexo como uma construção social. A

atribuição de sexo não é um fato biológico inato; em vez disso, o sexo é atribuído no

nascimento com base na percepção que os outros têm dos órgãos genitais. A maioria das

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pessoas é facilmente classificada, mas algumas pessoas não se encaixam no binário

mulher/homem.

Sistema binário do gênero/sexo: modelo social e cultural dominante na cultura ocidental

que "considera que gênero e sexo englobam duas, e apenas duas, categorias rígidas, a

saber, masculino/homem e feminino/mulher. Esse sistema ou modelo exclui aqueles que

não se enquadram nas duas categorias (como as pessoas trans ou intersexuais).

Intersexualidade: todas as situações nas quais a anatomia sexual da pessoa não se ajusta

fisicamente aos padrões culturalmente definidos para o corpo feminino ou masculino.

Uma pessoa intersexual nasce com uma anatomia sexual, órgãos reprodutivos ou padrões

cromossômicos que não se encaixam na definição típica de homem ou mulher. Isso pode

ser aparente no nascimento ou se tornar assim ao longo dos anos. Uma pessoa intersexual

pode ser identificada como homem ou como mulher ou como nenhuma das duas. A

condição intersexual não é a orientação sexual ou identidade de gênero: pessoas

intersexuais experimentam a mesma gama de orientações sexuais e identidades de gênero

que as pessoas que não são.

Gênero: refere-se às identidades, funções e atributos socialmente construídos de

mulheres e homens e do significado social e cultural atribuído a estas diferenças

biológicas.

Identidade de gênero: a identidade de gênero é a experiência interna e individual do

gênero como cada pessoa a sente, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no

momento do nascimento, incluindo a experiência pessoal do corpo (o que poderia

envolver – ou não – a modificação da aparência ou da função corporal através de meios

médicos, cirúrgicos ou outros, desde que seja escolhido livremente) e outras expressões

de gênero, incluindo o vestuário, o modo de falar e maneirismos. A identidade de gênero

é um conceito amplo que cria espaço para a autoidentificação, e que se refere à

experiência que uma pessoa tem de seu próprio gênero. Assim, a identidade de gênero e

sua expressão também assumem várias formas, algumas pessoas não se identificam como

homens, nem mulheres, ou se identificam como ambos.

Expressão de gênero: entende-se como a manifestação externa do gênero de uma pessoa,

por meio da sua aparência física, que pode incluir o modo de vestir, penteado, uso de

artigos cosméticos, ou por meio de maneirismos, modo de falar, padrões de

comportamento pessoal, comportamento ou interação social, nomes ou referências

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pessoais, entre outros. A expressão de gênero de uma pessoa pode ou não corresponder à

sua identidade de gênero autopercebida.

Transgênero ou pessoa trans: quando a identidade ou expressão de gênero de uma

pessoa é diferente daquela que normalmente está associada ao sexo atribuído no

nascimento. As pessoas trans constroem sua identidade independentemente do tratamento

médico ou intervenções cirúrgicas. O termo trans é um termo “guardachuva” usado para

descrever as diferentes variantes da identidade de gênero, cujo denominador comum é a

não conformidade entre o sexo atribuído ao nascimento da pessoa e a identidade de gênero

tradicionalmente atribuída a ela. Uma pessoa transgênero ou trans pode se identificar com

os conceitos de homem, mulher, homem trans, mulher trans e pessoa não binária, ou com

outros termos como hijra, terceiro gênero, biespiritual, travesti, fa'afafine, queer,

transpinoy, muxé, waria e meti. A identidade de gênero é um conceito diferente da

orientação sexual.

Pessoa Transexual: as pessoas transexuais se sentem e concebem a si mesmas como

pertencentes ao gênero oposto àquele social e culturalmente atribuído ao seu sexo

biológico e optam por uma intervenção médica - hormonal, cirúrgica ou ambas - para

adaptar sua aparência físico-biológica à sua realidade psíquica, espiritual e social.

Pessoa Travesti: em termos gerais, pode-se dizer que as pessoas travestis são aquelas

que manifestam uma expressão de gênero - de forma permanente ou transitória – mediante

o uso de roupas e atitudes do gênero oposto àquele social e culturalmente associado ao

sexo atribuído no nascimento. Isso pode incluir a modificação ou não do seu corpo.

Pessoa Cisgênero: quando a identidade de gênero da pessoa corresponde ao sexo

atribuído no nascimento.

Orientação Sexual: Refere-se à atração emocional, afetiva e sexual por pessoas de um

gênero diferente do seu, ou de seu próprio gênero, ou de mais de um gênero, bem como

relações íntimas e/ou sexuais com estas pessoas. A orientação sexual é um conceito amplo

que cria espaço para a autoidentificação. Além disso, pode variar ao longo de um

continuum, incluindo a atração exclusiva e não exclusiva pelo mesmo sexo ou pelo sexo

oposto. Todas as pessoas têm uma orientação sexual, a qual é inerente à identidade da

pessoa.

Homossexualidade: Refere-se à atração emocional, afetiva e sexual por pessoas do

mesmo gênero, bem como as relações íntimas e sexuais com estas pessoas. Os termos

homossexuais e lésbicas se encontram relacionados a essa acepção.

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Pessoa Heterossexual: mulheres que se sentem emocional, afetiva e sexualmente

atraídas por homens; ou homens que se sentem emocional, afetiva e sexualmente atraídos

por mulheres.

Lésbica: é uma mulher atraída emocional, afetiva e sexualmente de forma duradoura por

outras mulheres.

Gay: muitas vezes é usado para descrever um homem que se sente emocional, afetiva e

sexualmente atraído por outros homens, embora o termo possa ser usado para descrever

tanto os homens gays quanto as mulheres lésbicas.

Homofobia e transfobia: a homofobia é um medo, um ódio ou uma aversão irracional

em relação a pessoas lésbicas, gays ou bissexuais; a transfobia denota medo, ódio ou

aversão irracional em relação às pessoas trans. Uma vez que o termo "homofobia" é

amplamente conhecido, às vezes é usado globalmente para se referir ao medo, ao ódio e

à aversão às pessoas LGBTI em geral.

Lesbofobia: é um medo, um ódio ou uma aversão irracional em relação às pessoas

lésbicas.

Bissexual: Pessoa que se sente emocional, afetiva e sexualmente atraída por pessoas do

mesmo sexo ou de sexo diferente. O termo bissexual tende a ser interpretado e aplicado

de forma inconsistente, muitas vezes com um entendimento muito restrito. A

bissexualidade não implica atração pelos dois sexos ao mesmo tempo, nem deve implicar

a atração por igual ou o mesmo número de relações com os dois sexos. A bissexualidade

é uma identidade única, que precisa ser analisada por direito próprio.

Cisnormatividade: ideia ou expectativa de acordo com a qual, todas as pessoas são

cisgênero e que as pessoas que receberam sexo masculino ao nascer sempre crescem para

ser homens e aquelas que receberam sexo feminino no nascimento sempre crescem para

ser mulheres.

Heterormatividade: tendência cultural em favor das relações heterossexuais, que são

consideradas normais, naturais e ideais e são preferidas em relação ao mesmo sexo ou ao

mesmo gênero. Este conceito apela a regras legais, religiosas, sociais e culturais que

obrigam as pessoas a agir de acordo com os padrões heterossexuais dominantes e

predominantes.

LGBTI: Lésbica, Gay, Bissexual, Trans ou Transgênero e Intersexual. O acrônimo

LGBTI é usado para descrever os vários grupos de pessoas que não estão em

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conformidade com as noções convencionais ou tradicionais de papéis de gênero

masculino e feminino. Nesta sigla, em particular, a Corte lembra que a terminologia

relacionada a estes grupos humanos não é fixa e evolui rapidamente, e que existem outras

formulações diversas que incluem pessoas Assexuadas, Queers, Travestis, Transsexuais,

entre outros. Além disso, diferentes termos podem ser usados em diferentes culturas para

descrever pessoas do mesmo sexo que fazem sexo e que se auto identificam ou exibem

identidades de gênero não binárias (como, entre outros, hijra, meti, lala, skesana,

motsoalle, mithli, kuchu, kawein, queer, muxé, fa'afafine, fakaleiti, hamjensgara ou dois

espíritos). Não obstante o acima exposto, se a Corte não decidir quais as siglas, os termos

e as definições representam a forma mais precisa e justa para as populações analisadas,

apenas para os propósitos deste parecer e, como tem feito em casos anteriores, também

como tem sido a prática da Assembleia Geral da OEA, esta sigla será utilizada de forma

indistinta, sem que isso implique ignorar outras expressões de expressão de gênero,

identidade de gênero ou orientação sexual. ” [10]

Com base nos referidos conceitos, é possível entender e analisar melhor a situação a qual

se encontram os casais homossexuais. A CIDH abordou sobre a preocupação Conselho

de Direitos Humanos da ONU em relação aos atos violentos praticados contra a

comunidade em todas as regiões do mundo. É possível observar que a sociedade

heteronormativa enxerga os homossexuais como algo diferente, o que tende a gerar a

homofobia. Muitas das vezes essas sociedades são compostas boa parte por religiosos que

discriminam o grupo LGBTI por não aceitarem a evolução natural da sociedade, querendo

assim permanecer no sistema patriarcal.

Cabe destacar que não só a violência física é praticada contra esse grupo. A violência

moral, ocorre no dia a dia, com a exclusão dos grupos por parte da sociedade, seja na

escola, trabalho ou em casa. Dessa forma, a Corte destacou que os LGBTI sofrem

discriminação inclusive por parte do Estado, que tipifica como crime a

homossexualidade. Foi ressaltado pela Corte que esse tipo de conduta foi considerado por

vários órgãos internacionais como contrária ao Direito Internacional dos Direitos

Humanos. Em razão dos fatos expostos, a CIDH cita que o Estado do Brasil [11]criou um

Conselho Nacional de Combate à Discriminação, subordinado à Secretaria de Direitos

Humanos, cujo objetivo é formular e propor "diretrizes para a ação governamental a nível

nacional para combater a discriminação e promover a defesa dos direitos de Lésbicas,

Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

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3.2 – Da interpretação

Para a interpretação do parecer a Corte se baseia na aplicação da Convenção

Interamericana de Direitos Humanos e na Convenção de Viena sobre os Direitos dos

Tratados. Assim, o objeto e finalidade da CIDH é a proteção dos direitos fundamentais

dos seres humanos, dessa forma, a Convenção Americana prevê as diretrizes de

interpretação em seu artigo 29:

“Artigo 29. Normas de interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o

gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou

limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que

possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados

Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos

referidos Estados;

c. excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano

ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e

d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais

da mesma natureza.”

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É incluído no artigo 29 o princípio pro persona, o que implica que nenhuma disposição

desse tratado pode ser interpretada no sentido de limitar o exercício de qualquer direito

ou liberdade. [12]

3.3 – Do direito a igualdade

A Corte observou que a igualdade que é inseparável da dignidade essencial da pessoa,

não estava sendo preservada, por considerar um determinado grupo superior, ao tratá-lo

com privilégio, ou, de modo inverso, ao tratá-lo com hostilidade ou qualquer forma de

discriminação. A jurisprudência da CIDH indicou ainda que diante da evolução do Direito

Internacional, o princípio da igualdade entrou no domínio do ius cogens, que trata a base

jurídica da ordem pública nacional e internacional e permeia todo o ordenamento jurídico.

A Convenção Interamericana não tem um conceito exato de “discriminação”, dessa

maneira, a Corte destaca que utiliza de parâmetros internacionais como o artigo 1.1 da

Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância e o

Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Assim, a discriminação pode ser definida como "qualquer distinção, exclusão, restrição

ou preferência baseada em certos motivos, como raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião

política ou de outra índole, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou

qualquer outra condição social e que tenham por objeto ou por resultado anular ou

prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, dos direitos

humanos e liberdades fundamentais de todas as pessoas." [13] No entanto, é destacado

que nem todas as diferenças no tratamento serão consideradas discriminatórias, mas

apenas as condutas que não tenham motivos razoáveis, ou seja, quando perseguem um

fim ilegítimo e não existe relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados

e a finalidade almejada. [14]

Em consonância com o artigo 1.1 da Convenção Interamericana, a corte especificou que

o artigo não constitui uma lista taxativa e limitativa, mas meramente enunciativa. Logo,

a redação do artigo deixa os critérios abertos com a inclusão do termo “outra condição

social” para incorporar outras categorias que não foram citadas de modo explícito. Em

virtude disso, se faz necessária a escolha da hermenêutica mais favorável à proteção dos

direitos da pessoa humana, de acordo com a aplicação do princípio pro persona.

Sobre a orientação sexual, a corte afirmou que a orientação sexual, a identidade de gênero

e a expressão de gênero estão protegidas pelo artigo 1.1 da Convenção. Desse modo, os

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tratados de direitos humanos são instrumentos vivos, cuja interpretação deve acompanhar

a evolução dos tempos e das condições das condições de vida atuais. A interpretação se

torna evolutiva consequente com as regras gerais estabelecidas no artigo 29 da Convenção

Interamericana.

Nesse sentido, em razão da a expressão “qualquer condição social”, elencada no artigo

1.1, deve sempre ser escolhida a alternativa mais favorável para a tutela dos direitos

protegidos pelo referido tratado, de acordo com o princípio pro homine. Assim, a redação

do referido artigo deixa os critérios abertos com a inclusão da formulação "outra condição

social", para incorporar, assim, outras categorias que não foram explicitamente indicadas.

A expressão "qualquer outra condição social" do artigo 1.1. da Convenção deve ser

interpretada pela Corte, consequentemente, na perspectiva da opção mais favorável para

a pessoa e da evolução dos direitos fundamentais no direito internacional contemporâneo.

[15]

3.4 – O direito à identidade de gênero e a mudança de nome

A Corte Interamericana trata sobre a preservação da dignidade da pessoa humana como

um dos valores fundamentais para a existência do ser humano. Logo, se trata de um direito

inerente aos atributos da pessoa, sendo um direito humano fundamental oponível erga

omnes como expressão de um interesse coletivo da comunidade internacional como um

todo, onde a Corte não admite a derrogação nem suspensão desse direito.

A CIDH especificou que a proteção do direito à vida privada não se limita ao direito à

privacidade, uma vez que cobre uma série de fatores relacionados à dignidade da pessoa,

incluindo, por exemplo, a capacidade de desenvolver sua própria personalidade,

aspirações, determinar sua identidade e definir suas relações pessoais. O conceito de vida

privada engloba aspectos da identidade física e social, incluindo o direito à autonomia

pessoal, o desenvolvimento pessoal e o direito de estabelecer e desenvolver relações com

outros seres humanos e com o mundo exterior. Da mesma forma, a vida privada inclui a

forma como a pessoa se vê e como ela decide se projetar para com os outros, sendo esta

condição indispensável para o livre desenvolvimento da personalidade. [16]

Em relação ao direito à identidade, a Corte indicou que pode ser conceitualizado, em

geral, como o conjunto de atributos e características que permitem a individualização da

pessoa na sociedade e que, nesse sentido, inclui vários direitos de acordo com o sujeito

de direitos em questão e as circunstâncias do caso, podendo ser afetado por inúmeras

Page 15: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

situações ou contextos que podem ocorrer desde a infância até a idade adulta. Mesmo sem

a especificidade do direito à identidade na Convenção, no entanto, inclui outros direitos

que o compõem. Por consequência, o direito à identidade não pode ser reduzido,

confundido ou subordinado a um ou outro dos direitos que inclui, nem à somatória dos

mesmos. [17]

Dessa forma, a identidade de gênero e sexual está conectada ao conceito de liberdade e à

possibilidade de todo ser humano se autodeterminar e escolher livremente as opções e

circunstâncias que dão sentido à sua existência, de acordo com suas próprias convicções,

bem como o direito à proteção da vida privada. Portanto, a vida afetiva com o cônjuge ou

companheiro permanente, dentro do qual, logicamente, se encontram as relações sexuais,

é um dos principais aspectos desse âmbito o círculo de intimidade, que está dentro do

âmbito da vida privada. [18]

A Opinião Consultiva destacou a identidade de gênero como “a experiência interna e

individual do gênero como cada pessoa sente, o que pode corresponder ou não ao sexo

atribuído no momento do nascimento. O que precede também leva à experiência pessoal

do corpo e outras expressões de gênero, como são a vestimenta e o modo de falar (supra,

par. 32.f). Nesta linha, para esta Corte, o reconhecimento da identidade de gênero está

necessariamente ligado à ideia de que sexo e gênero devem ser percebidos como parte de

uma construção de identidade que é o resultado da decisão livre e autônoma de cada

pessoa, sem ter que estar sujeita à sua genitalidade. “ [19]

Isto posto, a Corte trata “o nome como atributo da personalidade é uma expressão da

individualidade e tem como finalidade afirmar a identidade de uma pessoa ante a

sociedade e nas atuações perante o Estado. Com isso se procura garantir que cada pessoa

possua um sinal único e singular frente aos demais, com o qual possa se identificar e se

reconhecer como tal. Se trata de um direito fundamental inerente a todas as pessoas pelo

simples fato de sua existência. Além disso, esta Corte indicou que o direito ao nome

reconhecido no artigo 18 da Convenção e também em diversos instrumentos

internacionais, constitui um elemento básico e indispensável da identidade de cada

pessoa, sem o qual não pode ser reconhecido pela sociedade nem registrado ante o Estado.

” [20]

É perceptível que a mudança de nome é necessária para a materialização da identidade de

gênero, que se configura diante da personalidade do ser humano, diante de tudo

vivenciado legitimando a aplicação da mudança. Assim, a identidade de gênero está

Page 16: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

conceituada como uma liberdade de autodeterminação que se faz necessária para a

inserção em sociedade. Assim sendo, a resposta à primeira pergunta apresentada pela

Costa Rica sobre a proteção oferecida pelos artigos 11.2, 18 e 24 em relação ao artigo 1.1

da Convenção para o reconhecimento da identidade de gênero foi a seguinte:

“A mudança de nome, a adequação da imagem, assim como a retificação à menção do

sexo ou gênero, nos registros e nos documentos de identidade, para que estes estejam de

acordo com a identidade de gênero autopercebida, é um direito protegido pelo artigo 18

(direito ao nome), mas também pelos artigos 3° (direito ao reconhecimento da

personalidade jurídica), 7.1 (direito à liberdade) e 11.2 (direito à vida privada), todos da

Convenção Americana. Consequentemente, em conformidade com a obrigação de

respeitar e garantir os direitos sem discriminação (artigos 1.1 e 24 da Convenção) , e com

o dever de adotar as disposições de direito interno (artigo 2° da Convenção) , os Estados

estão obrigados a reconhecer, regular e estabelecer os procedimentos adequados para tais

fins.

C. Sobre o procedimento de pedido de adequação dos dados de identidade de acordo com

a identidade de gênero autopercebida. ” [21]

A Corte destacou que embora os Estados tenham a possibilidade de determinar, de acordo

com a realidade jurídica e social nacional, os procedimentos mais adequados para cumprir

com os requisitos para um procedimento de retificação do nome, o procedimento que

melhor se adapta aos requisitos estabelecidos nesta opinião é aquele que é de natureza

materialmente administrativa ou cartorial, dado que o processo de natureza jurisdicional

pode, eventualmente, incorrer, em alguns Estados, em formalidades e atrasos excessivos

que se observam nos trâmites dessa natureza. Desse modo, um trâmite de natureza

jurisdicional para obter uma autorização para que se possa efetivamente materializar a

expressão de um direito dessas características representaria uma limitação excessiva para

o requerente e não seria apropriado uma vez que deve ser um procedimento materialmente

administrativo, seja em sede judicial, ou em sede administrativa. De acordo com o que

foi afirmado pela Corte, a resposta à segunda pergunta foi:

Page 17: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

“Os Estados têm a possibilidade de estabelecer e decidir sobre o procedimento mais

apropriado de acordo com as características de cada contexto e sua legislação nacional,

os trâmites ou procedimentos para mudança de nome, adequação de imagem e retificação

da referência ao sexo ou gênero, nos registros e nos documentos de identidade para que

estejam de acordo com a identidade de gênero autopercebida, independentemente de sua

natureza jurisdicional ou materialmente administrativa, 335 devendo cumprir os

requisitos indicados nesta opinião, a saber: a) deve estar focado na adequação integral da

identidade de gênero autopercebida; b) deve estar baseado unicamente no consentimento

livre e informado do solicitante, sem que se exijam requisitos como as certificações

médicas e/ou psicológicas ou outros que possam resultar não razoáveis ou patologizantes;

c) deve ser confidencial. Além disso, mudanças, correções ou adequações nos registros e

em documentos de identidade não devem fazer menção às mudanças que decorreram da

alteração para se adequar à identidade de gênero; d) devem ser expeditos, e na medida do

possível, gratuitos, e e) não devem exigir a certificação de operações cirúrgicas e/ou

hormonais.

Dado que a Corte observa que os procedimentos de natureza materialmente

administrativos ou cartoriais são os que melhor se ajustam e se adequam a estes requisitos,

os Estados podem fornecer paralelamente um canal administrativo, que possibilite a

escolha da pessoa. ” [22]

3.5 - Sobre o artigo 54 do Código Civil da Costa Rica

A Costa Rica solicitou a CIDH para opinar sobre a aplicação do artigo 54 do Código Civil

da República da Costa Rica às pessoas que desejem optar por uma mudança de nome com

base em sua identidade de gênero, com os artigos 11.2, 18 e 24, em relação ao artigo 1.1

da Convenção. O Estado da Costa Rica proferiu a pergunta “Pode-se entender que o artigo

54 do Código Civil da Costa Rica deve ser interpretado de acordo com a CADH no

sentido de que as pessoas que desejem mudar seu nome a partir de sua identidade de

gênero não estão obrigadas a submeter-se ao processo jurisdicional ali contemplado, mas

sim que o Estado deve prover-lhes um trâmite administrativo gratuito, rápido e acessível

para exercer esse direito humano? ” [23]

O artigo 54 do Código Civil da Costa Rica estabelece que “todo costarriquenho inscrito

no Registro Civil pode mudar seu nome com a autorização do Tribunal, o que será feito

pelos procedimentos da jurisdição voluntária promovida para esse fim.”, noutro giro, o

Page 18: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

artigo 55 do Código Civil estabelece que “uma vez que o pedido de mudança tenha sido

apresentado, o Tribunal ordenará a publicação de um decreto no Diário da República

concedendo 15 dias para apresentação de oposições” e o artigo 56 do Código Civil afirma

que “em qualquer pedido de alteração ou modificação de nome será ouvido pelo

Ministério Público e, antes de resolver o precedente, o Tribunal solicitará um informe de

boa conduta anterior e de antecedentes criminais do requerente. Também informará ao

Ministério da Segurança Pública. ” [24]

A Corte destacou que embora o pedido tratasse sobre o artigo 54, a regra da mudança de

nome está conectada com os artigos 55 e 56, da mesma norma, pois os artigos especificam

as modalidades do procedimento. Dessa forma, a CIDH considerou que a resposta à

terceira pergunta formulada pelo Estado da Costa Rica é a seguinte:

“O artigo 54 do Código Civil da Costa Rica, em sua redação atual, estaria de acordo com

as disposições da Convenção Americana unicamente se o mesmo é interpretado, seja em

sede judicial ou regulamentado administrativamente, no sentido de que o procedimento

que esta norma estabelece possa garantir que as pessoas que desejem mudar seus dados

de identidade para que sejam conformes à sua identidade de gênero autopercebida, seja

um trâmite materialmente administrativo, que cumpra com os seguintes aspectos:

a) deve estar focado na adequação integral da identidade de gênero autopercebida; b) deve

ser baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante sem que se

exijam requisitos como as certificações médicas e/ou psicológicas ou outros que possam

resultar não razoáveis ou patologizantes; c) deve ser confidencial. Além disso, mudanças,

correções ou adequações nos registros e documentos de identidade não devem fazer

menção que decorreram de alteração para se adequar à identidade de gênero; d) devem

ser expeditos e devem, na medida do possível, gratuitos; e e) não devem exigir as

certificações de intervenções cirúrgicas e/ou tratamentos hormonais.

Em consequência, em virtude do controle de convencionalidade, o artigo 54 do Código

Civil da Costa Rica deve ser interpretado de acordo com os padrões previamente

estabelecidos para que as pessoas que desejem adequar integralmente os registros e/ou os

documentos de identidade à sua identidade de gênero autopercebida, possam gozar

efetivamente desse direito humano reconhecido nos artigos 3°, 7°, 11.2, 13 e 18 da

Convenção Americana.

O Estado da Costa Rica, com o propósito de garantir, da maneira mais efetiva, a proteção

dos direitos humanos, poderá expedir um regramento mediante o qual incorpore os

Page 19: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

padrões antes mencionados do procedimento de natureza materialmente administrativa,

que possa prover de forma paralela, em conformidade com o indicado nos parágrafos

anteriores da presente opinião (supra, parágrafo 160). ” [25]

3.6 – A proteção internacional dos vínculos de casais do mesmo sexo

O Tribunal destacou, maneira preliminar, que a representação da Costa Rica, em seu

pedido de Parecer Consultivo, não explicitou a qual vínculo entre pessoas do mesmo sexo

se referia. Não obstante, a Corte observa que, na pergunta formulada, o Estado faz alusão

ao artigo 11.2 da Convenção, o qual protege as pessoas, inter alia, de ingerências

arbitrárias à vida privada e familiar.

Da mesma forma, a Corte salientou que existe uma lista em expansão de direitos,

benefícios e responsabilidades dos quais os casais do mesmo sexo poderiam ser titulares.

Estes aspectos incluem impostos, heranças e direitos de propriedade, regras de sucessão

sem testamento, privilégio do cônjuge no direito processual probatório, autoridade para

tomar decisões médicas, os direitos e benefícios dos sobreviventes, certidões de

nascimento e morte, normas de ética profissional, restrições financeiras em temas

eleitorais benefícios de compensação trabalhista, seguro de saúde e custódia dos filhos.

Tudo isso, a juízo do Tribunal, deve ser assegurado sem discriminação alguma às famílias

conformadas por casais do mesmo sexo. Assim, o Tribunal estabeleceu a proteção aos

direitos direitos civis e políticos, econômicos ou sociais, assim como outros

internacionalmente reconhecidos. A proteção se estende àqueles direitos e obrigações

estabelecidos pelas legislações nacionais de cada Estado, que surgem dos vínculos

familiares de casais heterossexuais. Diante do exposto, a resposta à quarta pergunta

realizada pela Costa Rica foi concluída pela Corte, que obteve o seguinte entendimento:

“A Convenção Americana protege, em virtude do direito à proteção da vida

privada e familiar (artigo 11.2) assim como o direito à proteção da família

(artigo 17), o vínculo familiar que pode derivar de uma relação de um casal

do mesmo sexo. A Corte também estima que devam ser protegidos, sem

discriminação alguma, com respeito aos casais entre pessoas heterossexuais,

de acordo com o direito à igualdade e à não discriminação (artigos 1.1 e 24),

todos os direitos patrimoniais que derivam do vínculo familiar protegido entre

pessoas do mesmo sexo. Sem prejuízo do anterior, a obrigação internacional

Page 20: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

dos Estados transcende as questões vinculadas unicamente aos direitos

patrimoniais e se projeta em todos os direitos humanos internacionalmente

reconhecidos, assim como aos direitos e obrigações reconhecidos no direito

interno de cada Estado que surgem dos vínculos familiares de casais

heterossexuais (supra, parágrafo 198).

B. Os mecanismos pelos quais o Estado poderia proteger as famílias diversas”

[26]

O Tribunal entendeu que do princípio da dignidade humana deriva da plena autonomia

do indivíduo para escolher com quem quer manter um vínculo permanente e marital, seja

natural (união de fato), ou solene (matrimônio). Esta escolha, livre e autônoma, constitui

parte da dignidade de cada pessoa e é intrínseca aos aspectos mais íntimos e importantes

de sua identidade e projeto de vida (artigos 7.1 e 11.2). Além disso, a Corte considera

que, desde que exista uma vontade de se relacionar de maneira permanente e formar uma

família, existe um vínculo que merece igualdade de direitos e proteção

independentemente da orientação sexual de seus contraentes (artigos 11.2 e 17).

Assim é possível que alguns Estados superem dificuldades institucionais para adequar

sua legislação interna e estender o direito de acesso à instituição matrimonial às pessoas

do mesmo sexo, em especial quando mediam formas rígidas de reforma legislativa,

suscetíveis de impor um trâmite não isento de dificuldades políticas e passos que

requerem certo tempo, por se tratar de uma evolução jurídica, judicial ou legislativa. A

Corte afirmou que os Estados que ainda não garantem às pessoas do mesmo sexo seu

direito de acesso ao matrimônio, estão igualmente obrigados a não violar as normas que

proíbem a discriminação dessas pessoas, devendo, portanto, garantir-lhes os mesmos

direitos derivados do matrimônio, no entendimento de que sempre se trata de uma

situação transitória. Portanto, a resposta à quinta pergunta, foi proferida pela referida

Corte como:

“Os Estados devem garantir o acesso a todas as figuras já existentes nos

ordenamentos jurídicos internos, para assegurar a proteção de todos os

direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo, sem discriminação

com respeito às que estão constituídas por casais heterossexuais. Para isso,

poderia ser necessário que os Estados modifiquem as figuras existentes por

Page 21: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

meio de medidas legislativas, judiciais ou administrativas, para ampliá-las aos

casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. Os Estados que tiverem

dificuldades institucionais para adequar as figuras existentes,

transitoriamente, e enquanto promovem estas reformas de boa-fé, têm da

mesma maneira o dever de garantir aos casais constituídos por pessoas do

mesmo sexo, igualdade e paridade de direitos em relação àquelas de sexos

diferentes, sem discriminação alguma.” [27]

Realizando uma análise do parecer consultivo, a Corte define que o Estado é o garantidor

da proteção da livre expressão de gênero, que é entendida como parte da dignidade da

pessoa humana, contribuindo para a sua formação como pessoa, dessa forma, não devem

haver discriminações, deve ser garantido assim, um tratamento igual, de acordo com o

princípio da isonomia. Portanto, é observado que o direito não se trata de uma ciência

exata, mudando conforme o tempo, em razão disso, é necessária a adequação das normas

e princípios de Direito Internacional. Logo, a proteção se estende aos benefícios e

responsabilidades dos quais os casais do mesmo sexo poderiam ser titulares, tratando

assim de um procedimento que visa resguardar bens materiais estabelecidos por uma

união homoafetiva. O artigo 54 do Código Civil da Costa Rica está portanto, de acordo

com a Convenção Interamericana e deve ser garantido um trâmite materialmente

administrativo, que cumpra com os aspectos estabelecidos no parecer.

4 - Definição de família homoafetiva no Direito brasileiro

Foi perceptível ao longo dos tempos a diminuição dos laços entre o Estado e a igreja e

isso ocasionou uma profunda evolução da sociedade. Assim, começaram a surgir novas

formas de família, é possível citar como exemplo as famílias formadas por pessoas vindas

de outros relacionamentos, o que antes era inaceitável pela igreja. Desse modo, o Estado

antes não se preocupava em estabelecer uma definição de família, pois ela se configurava

com o casamento. Esse tipo de falha excluiu durante muito tempo o conceito de família

afetiva no âmbito jurídico, o que acarretou na exclusão do grupo LGBTI e também a

negação de direitos para qualquer família que não se encontrasse nos padrões normativos.

[28]

Page 22: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

É imperioso então, o abarcamento a todos os tipos de família existentes, necessitando o

conceito de família pautar-se no conceito de que são todos os relacionamentos que se

baseiam no vínculo de afetividade, não dependendo de sua formação. Resta claro então

que é o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do

direito obrigacional, cujo núcleo é a vontade, para inseri-lo no direito das famílias, que

tem como componente estruturante o sentimento do amor que une as almas e embaraça

patrimônios, gera responsabilidades e empenhos mútuos. Esse é o divisor em meio ao

direito obrigacional e o familiar: os interesses têm por substrato exclusivamente a

vontade, enquanto a linha diferenciadora do direito da família é o afeto. A família é uma

aliança social fundada essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento

da família patriarcal, que cumpria funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas.

Em razão disso, não é entendível a razão a qual a Constituição emprestou, de modo

expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher. Ora, a

nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status

de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (1.º III) consagra, em

norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa. Não há nenhuma diferença, portanto,

entre a família homoafetiva e a heterossexual. Assim, descabe estigmatizar a orientação

homossexual de alguém, já que negar a realidade não soluciona as questões que emergem

quando do rompimento dessas uniões. [29]

5 - Evolução no Direito Civil

Após a promulgação do Pacto de San José da Costa Rica, em 1992, a legislação brasileira

teve grande evolução, e com isso, podemos ver grandes mudanças no Direito Civil, como

a alteração no Código Civil de 2002 [30], que eliminou qualquer forma de distinção entre

filhos nascidos fora e dentro do casamento, que age em extrema concordância com artigo

17 do Pacto, o reconhecimento na ADPF 132 que equipara a união estável homoafetiva

com a heteroafetiva, utilizando-se como base o parecer consultivo OC 24/2017 realizado

pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Assim, a referida Opinião

Consultiva fala sobre a não discriminação de casais do mesmo sexo, e cita sobre a

proteção da corte nos mais diversos tipos de família existentes, como ocorre com a nova

Lei de Adoção (Lei 12.010/2009), onde surge um novo conceito de família, onde

“Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade

Page 23: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a

criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.

6 - A proteção a família homoafetiva na constituição federal

A criação da Constituição Federal de 1988 [31] representou grande avanço nos direitos e

garantias fundamentais, direitos como dignidade da pessoa humana e da isonomia

representam tal evolução. Porém, apesar de todos os direitos e garantias para o ser

humano como um todo, nenhuma norma reguladora trata expressamente sobre a proteção

dos direitos homoafetivos, ou sequer prevê a discriminação por orientação sexual.

Entretanto, apesar do legislador não ter garantido diretamente a proteção das parelhas de

mesmo sexo, existem dispositivos legais que garantem a efetividade da proteção dos

direitos humanos, e que, de maneira consequente, protegem também os casais

homossexuais.

A dignidade da pessoa humana, presente no artigo 1°, III, CF, estabelece a proteção do

ser humano diante de qualquer forma de discriminação, sem qualquer taxatividade,

estabelecendo assim a proteção contra a discriminação contra homossexuais. Além disso,

o princípio da isonomia, é observado no no artigo 5° da CF:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade...”

O presente artigo estabelece que todos são iguais perante a lei, tratando assim, também,

da não distinção entre casais homoafetivos e casais heteroafetivos, os quais recebiam

tratamento diferenciado no procedimento de união estável, pois a própria Constituição

Federal estabelece, a união estável apenas entre o homem e a mulher, e por isso, durante

anos, muitos parlamentares tentaram impedir o casamento homoafetivo.

Page 24: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

Dessa forma, Sarlet [32] preceitua sobre a proteção sobre todos os direitos fundamentais,

onde se inclui o princípio da isonomia, como reconhecimento da pessoa humana:

“A dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio

normativo) fundamental, exige e pressupõe o reconhecimento e

proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões, muito

embora – importa repisar – nem todos os direitos fundamentais (pelo

menos não no que diz com os direitos expressamente positivados na

Constituição Federal de 1988) tenham um fundamento direto na

dignidade da pessoa humana. Assim, sem que se reconheçam à pessoa

humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade

estar-se-á negando-lhe a própria dignidade, o que nos remete à

controvérsia em torno da afirmação de que ter dignidade equivale

apenas a ter direitos (e/ou ser sujeito de direitos), pois mesmo em se

admitindo que onde houver direitos, pelo menos de acordo com o que

sustenta parte da doutrina, consiste no fato de que as pessoas são

titulares de direitos humanos em função de sua inerente dignidade”

Ademais, a Constituição Federal, em seu artigo 3°, diz em seu inciso IV que “Constituem

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

”. Portanto, além das garantias citadas acima, a CF prevê também a não discriminação

por quaisquer formas de discriminação, o que incluiria, também, a não realização do

casamento homoafetivo.

7 - Do casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo

O casamento, que no Direito brasileiro é entendido como instituto do direito civil, onde

estabelece a união voluntária de duas pessoas com o intuito de estabelecer uma família,

sendo assim, o Código Civil atual não prevê nenhuma forma de exclusão ou

discriminação por sexo para que seja realizado o casamento. Porém, por sua vez, a

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3, em uma grande evolução no direito

de família brasileiro, reconheceu a união estável entre o homem e a mulher, realizando

assim, uma revolução no conceito de união e família no ordenamento jurídico.

Page 25: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

Entretanto, a limitação da união estável apenas entre o homem e a mulher mostrava que,

apesar da grande evolução realizada, o sistema jurídico brasileiro não poderia recepcionar

ou aceitar possíveis casamentos realizados entre pessoas do mesmo sexo. Deste modo,

durante décadas, esse dispositivo legal foi utilizado como motivo para a não aceitação de

casamentos homo afetivos.

Diante disso, as presentes normas demonstram clara evolução do direito brasileiro na

recepção do instituto do casamento e da união estável, pois, ao analisar a época da

promulgação das legislações citadas, podemos observar que a Constituição Federal foi

criada em 1988, época em que, apesar de grandes conquistas e avanços de direitos e

garantias essenciais, ainda existia forte influência da igreja na sociedade e a pressão para

a não aceitação da união homossexual e a existência de um modelo de família

padronizado.

8 -Entendimento do Supremo Tribunal Federal

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 132 e Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) n.4277, foram julgadas em conjunto pela Suprema Corte do

Brasil no ano de 2011, e representam o início ao reconhecimento da união homoafetiva

dentro do sistema jurídico do país. E serviram como fundamento para a resolução de n.

175 do CNJ que resolve que é “vedado às autoridades competentes a recusa de

habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em

casamento entre pessoas do mesmo sexo. ”

Os referidos julgamentos em crítica ao artigo 1.723 do Código Civil, previa de forma

expressa o reconhecimento da união estável entre homem e mulher, configurada na

convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição

de família. O que louvou durante muitos anos a impossibilidade de configuração de união

estável entre pessoas do mesmo sexo, em vista de uma aplicação literal da norma,

impondo um positivismo desrazoável, sem conceder espaço para uma hermenêutica

constitucional. Sem a análise dos princípios insculpidos na Constituição Federal e no

Pacto São José da Costa Rica, tal como o Direito à liberdade pessoal, Direito de Igualdade

e Dignidade da pessoa humana. De forma que a aplicação da norma infraconstitucional

deve estar em conformidade com a constituição. [33]

Page 26: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

Diante deste cenário, é que foram propostas as referidas Ações, visando o respeito ao

preceito fundamental do Direito à Igualdade e a inconstitucionalidade o artigo 1.723 do

Código Civil.

Objetivo que fora alcançado, com a procedência de ambas as ações, em análise conforme

a constituição ao prever que, nas palavras do Relator Ministro Ayres Britto: “Família em

seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal

ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares

homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita

sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou

liturgia religiosa. ” [34]

9 - Entraves ainda existentes ao casamento homoafetivo

Em contrapartida, o Brasil vive uma realidade complicada com relação à proteção aos

casais homoafetivos. Visto que embora exista o entendimento jurídico sobre o tema e a

resolução administrativa do CNJ. A regulamentação deste direito apresenta um

entendimento do STF, embora com força vinculante, ainda é motivo de críticas e

descumprimentos 3. por não está formalizado mediante uma lei criada pelo Poder

Legislativo, sendo que aguardar essa análise levaria a não concretização desse direito

fundamental. [35]

Isso ocorre, pois o Legislativo é formado em sua grande maioria por congressistas

religiosos, a famosa “bancada religiosa” que cresce cada vez mais [36]. Ademais, segundo

um estudo apresentado pela Conectas Direitos Humanos, afirma que: “dez propostas em

tramitação na Câmara dos Deputados são incompatíveis com os direitos dos

homossexuais e garantias fundamentais constitucionais. Entre elas, seis impossibilitam a

equiparação das relações homoafetivas ao casamento ou à entidade familiar. ” 4. Bem

como o procedimento em curso com objetivo de declarar inconstitucional a possibilidade

do casamento entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4966 STF). [38]

O que representa o principal entrave à proteção dos casais homoafetivos, que infelizmente

não pode contar com o Congresso Federal para regulamentar o direito a igualdade entre

os casais homoafetivos e heteroafetivos. Já que existem membros de importantes

instituições que se recusam a realização desse casamento, é visível em alguns estados que

membros do Ministério Público se posicionam contrários às uniões homoafetivas. [39]

Page 27: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

Conclusão

Após a promulgação do Pacto de San José da Costa Rica no Brasil houveram relevantes

modificações jurídicas no Direito da América Latina. De modo a impor uma evolução na

proteção dos Direitos Humanos, seguindo a lógica internacional do pós Segunda Guerra

Mundial. Nesse diapasão, a análise no que tange aos direitos da família homoafetiva

tornou-se imprescindível para a manutenção do direito de Igualdade entre os cidadãos,

bem como para a proteção das minorias e respeito a dignidade da pessoa humana.

A realidade mundial, caminha para uma evolução e aceitação de todas relações afetivas e

dos indivíduos dentro da sua liberdade de expressão e de autodeterminação. O que

infelizmente ainda não é aceito por todos, em vista da forte influência religiosa em alguns

países. No entanto, recentes julgados e pareceres apresentados pela Corte Interamericana

de Direitos Humanos demonstram uma evolução e o reconhecimento da união

homoafetiva e a sua correlação a união heteroafetiva.

Respeito a dignidade, a honra, ao nome e a igualdade, foram princípios basilares para o

entendimento da Opinião Consultiva proferida pela Corte, de modo a não restringir a

proteção apresentada no Pacto de San José da Costa Rica somente aos casais

heteroafetivos. E sim buscando a ampliação dessa proteção aos casais homoafetivos, visto

que deve prevalece a igualdade entre essas instituições familiares. O que de fato não

poderia existir diante da interpretação do Pacto que não deve permitir a qualquer dos

Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades

reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista. Logo

a interpretação da família deve analisada como um todo maior, englobando todas as

formas de família.

Da mesma forma, a Corte salientou que existe uma lista em expansão de direitos,

benefícios e responsabilidades dos quais os casais do mesmo sexo poderiam ser titulares.

Estes aspectos incluem impostos, heranças e direitos de propriedade, regras de sucessão

sem testamento, privilégio do cônjuge no direito processual probatório, autoridade para

tomar decisões médicas, os direitos e benefícios dos sobreviventes, certidões de

nascimento e morte, normas de ética profissional, restrições financeiras em temas

eleitorais benefícios de compensação trabalhista, seguro de saúde e custódia dos filhos.

Tudo isso, a juízo do Tribunal, deve ser assegurado sem discriminação alguma às famílias

conformadas por casais do mesmo sexo.

Page 28: A INFLUÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS …

Ao longo te toda essa evolução jurídica apresentada pelo Pacto de San José da Costa Rica,

o Poder Legislativo no Brasil não deu muita importância para o assunto. De modo que

até os dias atuais inexiste legislação alguma que verse sobre Direito Homoafetivo, ou

proteção a família homoafetiva, tampouco com relação ao combate a homofobia. O que

representa uma grave omissão da legislação do país. No entanto, o avanço no país veio

por intermédio do Poder Judiciário, não mediante ativismo judicial, mas sim mediante a

interpretação da Constituição Federal o que também engloba o Pacto de San José da Costa

Rica.

O que levou ao Supremo Tribunal Federal, em análise quanto a constitucionalidade da

proibição da união estável e o casamento de pessoas do mesmo sexo, tal como previa o

Código Civil que afirmava somente a união entre homem e mulher, fazendo uma exclusão

quanto aos homossexuais. O que vai de encontro com todas as previsões expostas pela

Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desse modo o STF, em controle de

constitucionalidade, julgou por fazer uma análise conforme a Constituição Federal para,

em respeito ao direito de igualde e dignidade da pessoa humana, dispor a possibilidade

do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

No entanto, o país ainda apresenta muitos entraves à união homoafetiva, mesmo diante

da determinação apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça, ainda existem cartórios

que se negam a realização do casamento ou união estável. De modo a restringir os direitos

dessa população que, infelizmente, ainda sobre com o preconceito da população. É

inegável o avanço que o Pacto de San José da Costa Rica representa na evolução do

Direito Homossexual como um todo, principalmente com relação a proteção da família

homoafetiva. Noutro giro, torna-se imprescindível que os países sigam esse entendimento

em prol da proteção dos Direitos Humanos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

[1] https://www.cnj.jus.br/lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-completa-

4-anos/

[2] (Curso De Direito Internacional Público - 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio

de Oliveira, Pág 969).

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[3] (Curso De Direito Internacional Público - 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio

de Oliveira, Pág 973).

[4] (Curso De Direito Internacional Público - 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio

de Oliveira, Pág 1339).

[5] (Curso De Direito Internacional Público - 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio

de Oliveira, Pág Pág 1349).

[6] (Curso De Direito Internacional Público - 12ª Ed. 2019. Autor: Mazzuoli, Valerio

de Oliveira, Pág Pág 1350).

[7] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=393561

[8] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 4)

[9] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 4-5)

[10] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 15-21)

[11] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 26)

[12] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 29)

[13] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 31)

[14] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 33)

[15] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 34)

[16] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 41)

[17] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 42)

[18] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 43)

[19] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (pág 44)

[20] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 48)

[21] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 51)

[22] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 55)

[23] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 65)

[24] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 56)

[25] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 67)

[26] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 74)

[27] http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_por.pdf (Pág 80)

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[28] (Manual De Direito Das Famílias - 11ª Ed. 2016. DIAS, Maria Berenice. Pág

231)

[29] (Manual De Direito Das Famílias - 11ª Ed. 2016. DIAS, Maria Berenice. (Pág

238)

[30] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

[31] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[32] (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 2 eds. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 392 p.)

[33]https://www.conjur.com.br/2019-out-03/senso-incomum-literalista-voluntarista-

diante-caes-plataforma

[34] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633

[35] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=239066

[36]https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/renovada-bancada-evangelica-

chega-com-mais-forca-no-proximo-congresso/

[37] https://www.conectas.org/noticias/casamento-igualitario-nenhum-passo-atras

[38] https://www.conectas.org/noticias/casamento-igualitario-nenhum-passo-atras

[39]https://www.cnj.jus.br/lei-sobre-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo-

completa-4-anos/