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A infração penal e a prerrogativa de foro (Artigo - Celso) - Celso Jerônimo de Souza

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A INFRAÇÃO PENAL E A PRERROGATIVA DE FORO

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Celso Jerônimo de Souza, Promotor de Justiça da 3ª Promotoria Cível de Rio Branco-Ac. Presidente da Associação do Ministério Público do Acre, Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Público.

1. Introdução.2. Fundamentação.2.1. A prerrogativa de foro.2.2. A prerrogativa de foro para membros do Ministério Público.2.3. A prerrogativa de foro para integrantes da Procuradoria do Estado e Defensoria Pública.2.4. O foro especial do Procurador-Geral do Estado.3. Conclusões.

1. INTRODUÇÃO.

Na visão do constituinte originário, todos, homens e mulheres, são iguais perante a lei em direitos e obrigações. Com isso, pode-se dizer que ele repudia tratamentos distintos arbitrários entre iguais. Todavia, aqui e acolá o Texto Maior consagra tratamentos diferenciados entre destinatários que se encontram na mesma situação, v. g., o tempo para a aposentadoria da mulher é menor que o do homem. A regra é a não distinção, porém, existem exceções agasalhadas pela a própria Carta Política, sem que isso importe negação ao princípio da isonomia.

Outro importante exemplo de distinção regrada é a intitulada prerrogativa de foro, de cunho processual para determinados cargos públicos, ante a importância deles e a relevância das suas funções. Seus titulares, por vontade do constituinte originário, receberam um tratamento diferenciado.

É sobre o foro especial dos membros do Ministério Público, da Procuradoria do Estado, da Defensoria Pública, bem como do Procurador-Geral do Estado, por crimes comuns e de responsabilidade, que iremos abordar neste ensaio, mas sem a pretensão de esgotar o assunto ou de firmar verdades absolutas.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

2.1. A PRERROGATIVA DE FORO.

A Carta de Princípios resolveu excepcionar algumas pessoas, em razão do cargo ou função que elas ocupam, conferindo-lhes o que os léxicos tratam como sinônimo, a prerrogativa ou privilégio de foro para os crimes comuns ou de responsabilidade, e objetiva proteger, não propriamente, o ocupante do cargo, mas a dignidade da sua função, segundo entende o STF.

Esta prerrogativa, então, pode ser definida como um direito de natureza processual, que o agente público tem de, em praticando conduta tipificada como crime, não ser processado e julgado por outro juízo que não o Tribunal competente, portanto, um colegiado. Fica, pois, afastada, v.g., a possibilidade de ser processado ou julgado no primeiro grau de jurisdição.

A distinção conferida a estes agentes públicos, reside exatamente no fato de que qualquer outro cidadão, em situação idêntica, de regra, será levado a responder perante o juízo monocrático ou processado por este e julgado pelo Tribunal do Júri, se e quando tratar de crime doloso contra a vida, CF., art. 5º, XXXVIII, d.

A propósito, a regra constitucional referida está a sugerir que nenhuma outra poderá modificar a competência do tribunal popular. É verdade. Mas o constituinte não elidiu a hipótese de exceção, apenas vedou essa possibilidade ao legislador complementar. Com isso, estamos convencidos que somente uma outra norma constitucional pode estabelecer de forma diversa, afastando, excepcionalmente, a competência do conselho de

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sentença. Quando dizemos disposição constitucional, referimo-nos à Constituição Federal. A permissão de excepcionar, neste particular, não alcança nem mesmo ao intitulado constituinte estadual.

Como já foi dito em linhas pretéritas, faremos reflexões acerca da prerrogativa de foro dos membros do Ministério Público, em crimes comuns ou de responsabilidade, passando pela prerrogativa conferida pelo legislador complementar e constitucional acreano, aos membros da Defensoria Pública, da Procuradoria do Estado do Acre e do seu Procurador-Geral, respectivamente.

2.2. A PRERROGATIVA DE FORO PARA MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Anuncia a Constituição Federal, art. 102, I, b, o seguinte:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; (O realce é nosso).

Por seu turno, do art. 105, I, a, consta:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. (G.N.).

Extrai-se do artigo 108, I, a, o seguinte:

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I – processar e julgar, originariamente:

a)- os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. (Negritamos).

Faz-se mister observar, todavia, os comandos emergentes do artigo 125, § 1º, que pedimos vênia para reproduzir:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º. A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. (O destaque não consta do original).

Deste comando constitucional, é possível inferir que cabe à Constituição do Estado fixar a competência do seu Tribunal de Justiça, não podendo ser fixada através de norma hierárquica inferior. É induvidoso que a

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consagração de foro especial à determinada categoria de agente político, afeta o universo de atuação do Sodalício e interfere nos limites da sua jurisdição1.

Considerando, pois, ancorado nesse raciocínio, que a competência do Tribunal de Justiça é definida pela Constituição Estadual, além daquela fixada pelo constituinte originário, torna-se imperativo analisar o que dispõe a Carta acreana, verbo ad verbum:

Art. 95 – Em matéria judiciária, compete ao Tribunal de Justiça do Estado, funcionando em plenário:

I – processar e julgar, originariamente:

a – o Vice-Governador, os Secretários de Estado, o Procurador-Geral do Estado, o Procurador-Geral da Justiça, os Prefeitos, os Juízes Titulares e Substitutos em crimes comuns e de responsabilidade.

b – os Deputados Estaduais e o Prefeito da Capital, nos crimes comuns, ressalvada a competência da Justiça da União. (O grifo é proposital).

A leitura deste dispositivo pode desaguar em questionamentos, vale dizer: se o constituinte estadual não estendeu a competência do Tribunal para processar e julgar membros do Ministério Público, é de se concluir que inexiste foro especial para eles?

Se apenas ao Procurador-Geral de Justiça foi outorgado este foro, os demais membros do Parquet seriam julgados pelo juízo de primeiro grau? O cochilo do constituinte estadual afasta a prerrogativa de foro destes últimos? A resposta negativa se impõe.

Ocorre, entretanto, que o foro especial dos membros do Ministério Público do Acre é recolhido diretamente da Constituição Federal, mais precisamente do artigo 96, III, que reproduzimos para facilitar a conferência:

Art. 96. Compete privativamente:

III – aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. (G.N).

No mesmo diapasão, a Lei de Organização Judiciária do Estado do Acre, Lei Complementar nº 47, de 22 de novembro de 1995, atenta ao comando constitucional regulou:

Art. 11. O Tribunal de Justiça funcionará precipuamente em:

I – Tribunal Pleno;II – Câmara Cível;III – Câmara Criminal;IV – Câmara de Férias;V – Conselho da Magistratura; eVI – Conselho de Administração.

Art. 16. Compete ainda, originariamente, ao Tribunal Pleno processar e julgar:

XII – nos crimes comuns e de responsabilidade, o Vice-Governador do Estado, Secretário de Estado, Juízes de Direito, Juiz Auditor Militar, membros do Ministério Público e Prefeitos, ressalvada a competência das Justiças Especializadas. (Grifamos).

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Antes mesmo do legislador estadual, a Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público já agasalhava o foro especial:

Art. 40. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica:

IV – ser processado e julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça de seu Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada exceção de ordem constitucional. (G.N).

Com a mesma orientação veio a Lei Complementar Federal nº 75 de 20 de maio de 1993, que instituiu o Estatuto do Ministério Público da União estipulando:

Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:

II – processuais:

b) do membro do Ministério Público da União que oficie perante tribunais, ser processado e julgado, nos crimes comuns e de responsabilidade, pelo Superior Tribunal de Justiça.

c) do membro do Ministério Público da União que oficie perante juízos de primeira instância, ser processado e julgado, nos crimes comuns e de responsabilidade, pelos Tribunais Regionais Federais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. (O realce é nosso).

Examinando as constituições dos outros Estados da Federação pudemos constatar que apenas a acreana olvidou a prerrogativa de foro aos membros do Parquet estadual.

A Constituição de Alagoas acolheu o foro especial no art. 133, IX, alínea “a”; a do Amapá, no art. 133, II, alínea “a”; a do Amazonas, no art. 71, X; a da Bahia, no art. 123, I, alínea “a”; a do Ceará, no art. 108, VII, alínea “a”; a do Espírito Santos, no art. 109, I, alínea “a”; a de Goiás, no art. 46, VIII, alínea “e”; a do Maranhão, no art. 81, II; a do Mato Grosso, no art. 96, I, alínea “a”; a do Mato Grosso do Sul, no art. 114, I, alínea “a”; a de Minas Gerais, no art. 106, I, “b”; a do Pará, no art. 161, I, alínea “a”; a da Paraíba, no art. 104, XIII, alínea “b”; a do Paraná, no art. 101, VII, aliena “a”; a de Pernambuco, no art. 61, I, alínea “a”; a do Piauí, no at. 123, III, aliena “c” nº 2; a do Rio de Janeiro, no art. 161, IV, “d” nº 2; a do Rio Grande do Norte, no art. 71, I, alínea “d”; a do Rio Grande do Sul, no art. 95, XI; a de Rondônia, no art. 87, IV, alínea “a”; a de Roraima, no art. 77, X, aliena “a”; a de Santa Cantarina, no art. 83, XI, alínea “b”; a de São Paulo, no art. 74, II; a de Sergipe, no art. 106, I, alínea “a” e finalmente a de Tocantins, no art. 48, § 1º, V.

2.3. A PRERROGATIVA DE FORO PARA INTEGRANTES DA PROCURADORIA DO ESTADO E DEFENSORIA PÚBLICA.

Se por um lado é indiscutível o foro especial para os membros do Ministério Público do Estado do Acre, em crimes comuns ou de responsabilidade, o mesmo não se pode dizer, data maxima venia, acerca de igual prerrogativa conferida aos membros da Procuradoria do Estado e da Defensoria Pública através de leis infraconstitucionais.

Tanto a Constituição Federal quanto a Constituição do Estado do Acre, não consagram o foro especial para os titulares dos cargos destas carreiras jurídicas, exceto ao Procurador Geral do Estado. Sendo assim, foi casuístico o legislador estadual e os dispositivos legais editados se apresentam eivados de inconstitucionalidade.

Vejamos os textos em discussão:

A Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado do Acre, promulgada sob o título de Lei Complementar nº 045, de 26 de julho de 1994 oferece como prerrogativa aos Procuradores do Estado do Acre o seguinte:

Art. 56. São prerrogativas do Procurador de Estado:

IV – ser originariamente processado e julgado pelo Tribunal de Justiça, nos crimes comuns e nos de responsabilidade. (G.N.).

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Na mesma onda seguiu a Lei Complementar estadual nº 96, de 24 de julho de 2001, que instituiu a Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado do Acre com o decreto:

Art. 63. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado:

IV – ser originariamente processado e julgado pelo Tribunal de Justiça, nos crimes comuns e nos de responsabilidade. (O destaque é nosso).

É axiomático que a locução crimes comuns deve ser compreendida, com a inclusão dos dolosos contra a vida.

Ocorre, como já visto, que somente a Constituição Federal pode excepcionar a competência privativa do tribunal do júri para julgar os crimes dolosos contra vida. No entanto, os diplomas legais citados fazem tabula rasa do Texto Maior, e findam por retirar do tribunal popular, a competência para julgar o Procurador de Estado e Defensor Público do Acre pela prática dos crimes deste jaez. A partir deste entendimento, é correto dizer que inexiste argumento capaz de afirmar a constitucionalidade das sobreditas normas, haja vista se oporem flagrantemente não apenas ao disposto no artigo 5º XXXVIII, alínea d, como ao artigo 125, § 1º, da Magna Carta. Os dispositivos transcritos usurpam a Constituição do Acre, já que ela desautoriza o legislador complementar adentrar em matéria da sua exclusiva competência. Aliás, de complementar nada tem, já que inexiste a norma constitucional a ser complementada.

Mercê disto, o constituinte originário não estabeleceu foro especial para Procuradores do Estado ou Defensores Públicos, como fez expressamente para os membros do Ministério Público. É verdade que delegou ao constituinte estadual o poder de definir a competência residual do seu Tribunal de Justiça. Em conseqüência, este pode contemplar prerrogativa a outros atores públicos, desde que não ofenda a Lei Maior. Entretanto, não é lícito ao legislador infraconstitucional substituir o constituinte local para conferir foro especial ampliando a competência do Tribunal.

Força é convir, todavia, que a Carta da República não passou um cheque em branco ao constituinte estadual. Com isso, queremos dizer que, se a Constituição acreana autorizasse a prerrogativa de foro aos Defensores Públicos e Procuradores do Estado, nos crimes comuns, forçosamente teria de ressalvar os dolosos contra vida.

Lição importante nos dá o ex-membro do Ministério Público paulista, Alexandre de Moraes, quando diz:

“desde que expressamente previsto na Constituição Estadual, os deputados estaduais e Secretários de Estado serão processados e julgados nos crimes dolosos contra a vida, pelo Tribunal de Justiça de seu respectivo Estado”.

Poderia estender o foro especial, nestes crimes, aos Procuradores do Estado e Defensores Público? A negativa parece ser a melhor resposta.

Contudo, se a competência do tribunal do júri foi erigida a dogma constitucional, de regra, só por norma de igual hierarquia pode ser excepcionada. De fato, a exceção não será possível através de regra inferior como a Constituição Estadual, lei federal ou estadual. Nesse sentido é a doutrina de Júlio Fabbrini Mirabete. Então, estaria equivocado o ilustre Professor Alexandre de Moraes? Por certo que não, como veremos logo mais.

Cabe registrar a posição manifestada pela Suprema Corte no HC nº 78168/PB, relatado pelo Ministro Néri

da Silveira, julgado em 18.11.1998, publicado no Informativo nº 132 do STF, sobre a prerrogativa de foro conferida a Procurador do Estado pela Constituição da Paraíba:

“Embora seja permitido à Constituição de Estado-membro instituir foro especial por prerrogativa de função (CF, art. 125, § 1º), ela não pode excluir a competência constitucional do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5º XXXVIII, d), a não ser em relação aos agentes políticos correspondentes àqueles que a Constituição Federal outorga tal privilégio. Com esse fundamento, o Tribunal, em face de habeas corpus impetrado em favor de procurador do Estado da Paraíba que fora condenado por crime de homicídio perante o Tribunal de Justiça Estadual em virtude de privilégio de foro, deferiu o pedido para anular o acórdão condenatório e o processo penal em que ele foi proferido, ab initio, determinando a devolução dos autos da ação penal à comarca de origem, por entender inaplicável aos crimes dolosos contra a vida atribuídos aos Procuradores do Estado a regra inscrita no art. 136, XII, da Constituição do

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Estado da Paraíba (‘São assegurados ao Procurador do Estado:...(XII – ser processado e julgado, originariamente, pelo Tribunal de Justiça do Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade’).”

Estamos com o STF, quando afirma que a Constituição Estadual só pode estabelecer privilégio de foro amplo aos agentes políticos correspondentes àqueles que a Constituição Federal hospeda com igual prerrogativa. Só nesse caso não há que se falar em exceção indevida. Razão porque é incensurável a doutrina de Alexandre de Moraes.

Confira-se o exemplo da Constituição do Piauí, art. 123, III, d, 4, que outorga foro especial aos membros do Parlamento Mirim, vereadores. A prerrogativa é lícita porque a Constituição Federal assegura foro especial aos membros do Congresso Nacional, CF., art. 102, I, b.

Desta forma, se o legislador complementar estadual diz que compete ao Tribunal de Justiça, processar e julgar Procuradores de Estado e Defensores Públicos, nos crimes comuns e de responsabilidade, isso importa em expansão da competência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Acre, sem a devida cobertura constitucional. Se nem a Constituição Estadual pode excepcionar a competência do Tribunal do Júri, menos ainda poderá fazê-lo lei hierarquicamente inferior.

De outro plano, fazendo-se o cotejo, é possível constatar que a fonte inspiradora das leis estaduais referidas foi a Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que instituiu a Lei Orgânica da Defensoria da União, Distrito Federal e Territórios.

No entanto, esta lei, em momento algum, acomodou foro especial para os Defensores Públicos da União ou do Distrito Federal e dos Territórios arrolando como prerrogativas apenas as constantes do art. 44.

Este diploma, ao reverso, sinaliza a competência do primeiro grau de jurisdição ao dizer no inciso III, do comando normativo citado, que o defensor público será recolhido a prisão especial ou sala especial de Estado-Maior, com direito a privacidade e, após sentença condenatória transitada em julgado... Só o juízo monocrático profere sentença. Se acaso quisesse deixar, ainda que implícita, a possibilidade de foro especial diria: decisão condenatória transitada em julgado, uma vez que o tribunal não produz sentença, mas acórdão; aquela e este são espécies do gênero decisão.

No Título III, versou sobre a organização da Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios, art. 52 e seguintes. Conservou as mesmas prerrogativas, sendo diferente apenas o destinatário, acolá Defensor Público da União, aqui Defensor Público do Distrito Federal e dos Territórios.

Finalmente, o Título IV se importou com as regras gerais para organizar a Defensoria Pública dos Estados, artigo 97 e seguintes, sugerindo exatamente as mesmas prerrogativas conferidas aos agentes correlatos da União, Distrito Federal e Territórios, sem nada dizer sobre foro especial.

O eventual contraponto aos argumentos aqui expendidos, poderá advir da regra contida no artigo 128, caput da lei em comento, cuja redação vale conferir:

Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer: (Negritamos e sublinhamos).

Uma leitura apressada pode levar a conclusões precipitadas. O que o legislador federal quis dizer, é que a lei estadual pode consagrar outras prerrogativas, desde que não ofendam às Constituições Federal e Estadual. O comando não representa, nem é, um cheque em branco para o legislador estadual preencher segundo seu alvedrio.

2.4. O FORO ESPECIAL DO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO.

Algumas considerações precisam ser feitas com relação ao foro especial facultado ao Procurador-Geral do Estado.

A Constituição do Estado do Acre, como já apontado em outro lugar, confere competência ao seu Tribunal de Justiça para processar e julgar o Procurador-Geral do Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade, ex vi do art. 95, I, alínea “a”, 3ª figura, verbis:

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“Em matéria judiciária, compete ao Tribunal de Justiça do Estado, funcionando em plenário: processar e julgar, originariamente: o Procurador-Geral do Estado em crimes comuns e de responsabilidade”.

Interessante notar que a Lei de Organização Judiciária do Estado do Acre, Lei Complementar nº 47, de 22 de novembro de 1995, ao disciplinar a competência do Tribunal de Justiça, no art. 16, XII, nada referiu sobre a prerrogativa do citado agente político. A propósito disso, veja-se o rol dos agentes contemplados:

“Compete ainda, originariamente, ao Tribunal Pleno processar e julgar: nos crimes comuns e de responsabilidade, o Vice-Governador do Estado, Secretário de Estado, Juízes de Direito, Juiz Auditor Militar, membros do Ministério Público e Prefeitos, ressalvada a competência das Justiças Especializadas”.

Essa aparente omissão afasta a prerrogativa do Procurador-Geral? A verdade é que não há omissão alguma,

como se verá oportunamente.

Cabe analisar quais são as fontes avalizadoras do foro especial concedido ao multicitado agente público.

Já vimos que a Constituição Federal, art. 125 § 1º, delegou ao legislador constituinte estadual, o poder de definir a competência do seu Tribunal de Justiça. Concluímos, também, que a este não foi autorizado abolir competência que o poder constituinte originário fixou.

Assim, o só fato da Constituição Estadual estabelecer prerrogativa de foro ao Procurador-Geral do Estado, não abona concluir que abarca os crimes dolosos contra a vida.

Todavia, no caso do Procurador-Geral, é garantido o foro especial, que intitulamos de amplo, não por força da previsão contida no artigo 95, I, a, da Carta Estadual, mas por uma minúcia de outro dispositivo.

Pois bem. O cargo de Procurador-Geral do Estado equivale ao Advogado-Geral da União, CF., art. 131, § 1º c/c art. 132. Àquele só poderia ser titular da prerrogativa de foro, se o Diploma Maior tivesse previsto o privilégio para este. Não previu!

Deste modo, o chefe da Procuradoria detém foro especial amplo, não por causa deste cargo, mas pelo status de Secretário de Estado, CE, art. 124, verbis:

“A Procuradoria-Geral do Estado terá por chefe o Procurador-Geral do Estado, de livre escolha do Governador e com prerrogativas de Secretário de Estado”. (Enfatizamos).

Daí porque a Lei de Organização Judiciária do Acre, apenas aparentemente, olvidou o PGE. Ela o alcança, de certo, por força da condição de Secretário estadual.

Para sedimentar, o Secretário de Estado goza do foro especial nos crimes comuns, inclusive os dolosos contra a vida e os de responsabilidade, não pela só previsão na Constituição e Lei de Organização Judiciária local, CE, art. 95, I, a c/c LCE nº 47/95, art. 16, XII, mas por força da Constituição Federal que assegura foro especial a agente político similar, no caso, o Ministro de Estado, CF., art. 102, I, c:

“Compete ao Supremo Tribunal Federal, processar e julgar, originariamente nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado”.

Assim sendo, a prerrogativa de foro do Procurador-Geral por crimes comuns é ampla, e se positiva a partir

da exegese dos artigos 102, I, c e 125 § 1º, da Constituição Federal, c/c os artigos 95, I, a, e 124, da Constituição Estadual, e ainda, art. 16, XII, da LCE nº 47/95.

3. CONCLUSÕES.

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3.1. Aos membros do Ministério Público do Estado do Acre, malgrado a omissão da Constituição Estadual, é assegurada prerrogativa de foro ampla em crimes comuns, incluído os dolosos contra a vida e nos de responsabilidade. A competência para processá-los e julgá-los é do Tribunal de Justiça do Estado do Acre.

3.2. A prerrogativa de foro é matéria reservada às Constituições Federal e Estadual, sendo que a competência delegada à última para legislar é residual e limitada, sendo-lhe vedado imiscuir na esfera de competência exclusiva da primeira. Por isso é de se inferir que o foro especial não pode ser instituído em sede de lei infraconstitucional.

3.3. Os dispositivos das Leis Complementares Estaduais nº 045, de 26 de julho de 1994 e nº 96, de 24 de julho de 2001, que outorgam foro especial aos Procuradores do Estado e Defensores Públicos Estaduais, nos crimes comuns e de responsabilidade, são formal e materialmente inconstitucionais, e o seu controle pode ser exercido tanto pela via indireta ou de exceção, quanto pela via de ação direta. Em outras palavras, pela via difusa ou concentrada.

3.4. Se a Constituição Estadual tivesse acolhido a prerrogativa de foro para os agentes públicos referidos na conclusão anterior, ainda assim, não poderia alcançar os crimes dolosos contra a vida.

3.5. O Procurador-Geral do Estado do Acre possui prerrogativa de foro ampla, tanto para os crimes comuns quanto nos de responsabilidade, em face da sua condição de Secretário de Estado.

Celso Jerônimo de Souza Promotor de Justiça