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A INSERÇÃO DA REALIDADE NA FICÇÃO TELEVISIVA Um estudo sobre a telenovela Páginas da Vida 16/09/2008 Carla Cristina da Silva * INTRODUÇÃO Os meios de comunicação de massa se fazem presentes no cotidiano oferecendo inúmeros serviços. A televisão é, entre eles, uma das que mais aparecem na nossa rotina, se tornando uma espécie de parente próxima que mesmo sem notarmos está sempre por perto. A televisão é um meio de comunicação que muito influi no comportamento e no imaginário da sociedade. Abrangente, não escolhe faixa etária, classe social ou etnia. Os programas televisivos atraem e emocionam, a televisão se transforma em um ambiente de encontro onde temos: informação, entretenimento, fantasia, diversão, e uma infinidade de atrações que, de certa forma, identificam-se com nossa realidade. No Brasil esse meio de comunicação, consiste num sistema complexo que fornece o código pelo qual os cidadãos se reconhecem brasileiros, a televisão é o meio pelo qual o homem expande as fronteiras de seu espaço e encontra algo que o sociabiliza com os demais. A televisão consegue, ao mesmo tempo em que substitui o contato imediato e pessoal com o mundo, entreter e aproximar diferentes pessoas oferecendo um espaço de compartilhamento capaz de formar uma experiência comum e de gerar identidade. A ficção televisiva tem como uma de suas grandes representantes a telenovela, a qual encontra uma enorme receptividade por parte do público telespectador, sendo responsável pela elevação dos índices de audiência. Ortiz (1991) enfatiza que a novela domina a programação nacional e compete com a produção importada de filmes, ela é um gênero fundamental e supera a audiência dos shows de auditório e noticiários. A telenovela circula por assuntos diversos: o amor, a família, a traição, o sofrimento, a doença, a solidariedade, o bem e o mal. Esse gênero da televisão tem o poder de entrar no cotidiano das pessoas ganhando uma importância impressionante, podendo influenciar a mudança de atitude, a quebra de tabus etc. A teledramaturgia fala do homem, da mulher, da vida, e Manoel Carlos, autor de Laços de Família, Mulheres Apaixonadas, Por Amor e outras novelas marcantes, faz isso com propriedade. Em sua mais recente novela, Páginas da Vida, Manoel Carlos além de simular os temas da vida humana, traz um fenômeno que transporta a própria realidade para a ficção. Isso se tornou possível através da inserção de depoimentos teoricamente reais no final de cada capítulo, o que confere um elevado grau de veracidade à trama. Os depoimentos falam sobre temas variados que, na maioria das vezes, se assemelham as histórias e dramas vividos pelos personagens da novela. Páginas da Vida foi uma obra exibida às 21 horas pela Rede Globo de televisão, durante o período de julho de 2006 a março de 2007. Com essas informações, buscamos um maior entendimento acerca da temática telenovela, suas características, peculiaridades, abordando a mesma enquanto um gênero televisivo que exibe um recorte da realidade do país, enfatizando, em especial, o fenômeno da inserção do real dentro da ficção televisiva Páginas da Vida. A partir do momento em que percebemos uma peculiaridade no formato desta teledramaturgia, abrimos os olhos para a importância de se estudar a relação entre a ficção televisiva e o mundo real, uma vez que, especialmente na telenovela em questão, esses dois pontos, de certa forma, se misturam. A escolha do formato ensaio tornou-se mais adequado, pois através deste foi possível utilizarmos reflexões e abordagens científicas, buscando o aprofundamento do nosso tema. Optamos também por este tipo de estudo com o intuito de deixarmos a nossa contribuição para futuras pesquisas sobre o tema.

A INSERÇÃO DA REALIDADE NA FICÇÃO TELEVISIVA Um … · tempo em casa. (COSTA, 2002, p. 70 ... fazendo a última refeição em terra, ... Falar de TV no Brasil é lembrar Francisco

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A INSERÇÃO DA REALIDADE NA FICÇÃO TELEVISIVA Um estudo sobre a telenovela Páginas da Vida 16/09/2008 Carla Cristina da Silva * INTRODUÇÃO

Os meios de comunicação de massa se fazem presentes no cotidiano oferecendo inúmeros serviços. A televisão é, entre eles, uma das que mais aparecem na nossa rotina, se tornando uma espécie de parente próxima que mesmo sem notarmos está sempre por perto.

A televisão é um meio de comunicação que muito influi no comportamento e no imaginário da sociedade. Abrangente, não escolhe faixa etária, classe social ou etnia. Os programas televisivos atraem e emocionam, a televisão se transforma em um ambiente de encontro onde temos: informação, entretenimento, fantasia, diversão, e uma infinidade de atrações que, de certa forma, identificam-se com nossa realidade. No Brasil esse meio de comunicação, consiste num sistema complexo que fornece o código pelo qual os cidadãos se reconhecem brasileiros, a televisão é o meio pelo qual o homem expande as fronteiras de seu espaço e encontra algo que o sociabiliza com os demais.

A televisão consegue, ao mesmo tempo em que substitui o contato imediato e pessoal com o mundo, entreter e aproximar diferentes pessoas oferecendo um espaço de compartilhamento capaz de formar uma experiência comum e de gerar identidade.

A ficção televisiva tem como uma de suas grandes representantes a telenovela, a qual encontra uma enorme receptividade por parte do público telespectador, sendo responsável pela elevação dos índices de audiência. Ortiz (1991) enfatiza que a novela domina a programação nacional e compete com a produção importada de filmes, ela é um gênero fundamental e supera a audiência dos shows de auditório e noticiários.

A telenovela circula por assuntos diversos: o amor, a família, a traição, o sofrimento, a doença, a solidariedade, o bem e o mal. Esse gênero da televisão tem o poder de entrar no cotidiano das pessoas ganhando uma importância impressionante, podendo influenciar a mudança de atitude, a quebra de tabus etc.

A teledramaturgia fala do homem, da mulher, da vida, e Manoel Carlos, autor de Laços de Família, Mulheres Apaixonadas, Por Amor e outras novelas marcantes, faz isso com propriedade. Em sua mais recente novela, Páginas da Vida, Manoel Carlos além de simular os temas da vida humana, traz um fenômeno que transporta a própria realidade para a ficção. Isso se tornou possível através da inserção de depoimentos teoricamente reais no final de cada capítulo, o que confere um elevado grau de veracidade à trama. Os depoimentos falam sobre temas variados que, na maioria das vezes, se assemelham as histórias e dramas vividos pelos personagens da novela. Páginas da Vida foi uma obra exibida às 21 horas pela Rede Globo de televisão, durante o período de julho de 2006 a março de 2007.

Com essas informações, buscamos um maior entendimento acerca da temática telenovela, suas características, peculiaridades, abordando a mesma enquanto um gênero televisivo que exibe um recorte da realidade do país, enfatizando, em especial, o fenômeno da inserção do real dentro da ficção televisiva Páginas da Vida.

A partir do momento em que percebemos uma peculiaridade no formato desta teledramaturgia, abrimos os olhos para a importância de se estudar a relação entre a ficção televisiva e o mundo real, uma vez que, especialmente na telenovela em questão, esses dois pontos, de certa forma, se misturam.

A escolha do formato ensaio tornou-se mais adequado, pois através deste foi possível utilizarmos reflexões e abordagens científicas, buscando o aprofundamento do nosso tema. Optamos também por este tipo de estudo com o intuito de deixarmos a nossa contribuição para futuras pesquisas sobre o tema.

Tornou-se importante seguirmos algumas etapas metodológicas, as quais foram fundamentais para que o caminho até as considerações finais do presente estudo fosse cumprido de acordo com as metas e prazos definidos.

Metodologia enfatiza Rodrigues (2001), pode definir-se como a ciência que estuda e discute objetivos, metas e fins, que analisa e indica os meios mais adequados para alcançá-los. É a arte de elaborar e implementar planos, projetos e programas, de formular objetivos, escolhendo e adotando os meios disponíveis mais apropriados para atingi-los.

Iniciamos nosso estudo com uma pesquisa exploratória, que segundo Gil (1999) tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Fomos então, na pesquisa exploratória, fazer um levantamento de autores e obras que abordassem a temática ficção televisiva seriada, em especial, a teledramaturgia. Dessa forma, pudemos nos familiarizar com o assunto, e a leitura das obras nos forneceram o embasamento necessário para o desenvolvimento desta pesquisa.

Em seguida partimos para a pesquisa explicativa, que conforme Gil (1999) tem como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Este é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas. Desse modo, na pesquisa explicativa foram feitas as análises das mensagens televisivas encontradas na telenovela Páginas da Vida. Focalizamos nossa pesquisa no estudo do fenômeno que insere, através de depoimentos verídicos, a realidade na telenovela em questão.

Para tanto, gravamos, anteriormente, os capítulos de Páginas da Vida exibidos durante o mês de janeiro de 2007, o qual foi escolhido por ser mais conveniente, uma vez que, coincide com o recesso de férias da Universidade Federal da Paraíba, sendo portanto, o espaço de tempo, teoricamente, mais tranqüilo para acompanharmos a novela. É válido citarmos a dificuldade pela qual passamos para conseguir gravar os capítulos, pois não tínhamos videocassete nem DVD disponíveis. Contamos com a colaboração de uma colega que se dispôs a gravar os capítulos em videocassete. No entanto, por problemas no aparelho de videocassete não conseguimos obter as gravações de todos os capítulos.

Fizemos então, a coleta temática dos depoimentos do mês de janeiro, afim de definirmos quais as temáticas mais abordadas, e então dentro do nosso universo de amostra, escolhermos o corpus que, posteriormente, seria analisado. Definimos como corpus para análise os depoimentos da última semana de janeiro de 2007, uma vez que nela estavam contidas as temáticas mais discutidas durante esse mês.

Entre os temas que mais apareceram durante a última semana do mês de janeiro, foram escolhidas três categorias que mais se relacionam com a telenovela: a família, a doença e a morte. Procuramos entender como os depoimentos estavam inseridos dentro do contexto de Páginas da Vida, se tinham relação com o capítulo do mesmo dia ou era aleatório, o que eles representam para o gênero telenovela, entre outras.

Logo após a análise partimos para as considerações do nosso estudo, onde apresentamos os aspectos mais importantes sobre o tema, procurando expor como se deu a inserção do real na telenovela, assim como procuramos deixar nossa contribuição para estudos na área da ficção televisiva seriada. 1 A TELEVISÃO 1.1 Breve histórico da televisão

O aparelho de televisão se faz muito presente nas residências da população brasileira, sendo considerado um item de elevada importância. Através dele as pessoas recebem informação, diversão e entretenimento, se caracterizando como um espaço de encontro, onde a sociedade todas as noites, por exemplo, assiste a novela ou telejornal predileto. “A TV é menos uma orientação fechada e mais um ambiente, é menos um veículo para ideários e mais uma ideologia em si mesma”, afirma Bucci (1997, p. 13).

A televisão torna-se, na segunda metade do século XX, a principal mídia da sociedade contemporânea e, efetivamente, o mais completo veículo de comunicação de massa, por sua linguagem audiovisual com a captação simultânea de imagem e som, pela possibilidade de transmissão das mesmas imagens, ao mesmo tempo, para pontos distantes, por sua domesticidade e verossimilhança. Como o rádio, a televisão apresenta uma programação variada e ininterrupta, que atende aos mais diferentes gostos, especialmente aos das mulheres e crianças, que permaneciam, nessa época, mais tempo em casa. (COSTA, 2002, p. 70)

Quando surgiu, porém, a televisão era pouco acessível, os aparelhos eram caros,

vistos como supérfluos, os programas eram ao vivo e em preto e branco, os imprevistos eram freqüentes, a TV tinha baixa credibilidade.

Várias pesquisas foram feitas por cientistas até que a televisão fosse criada. Em 1906, Arbwehnelt desenvolveu um sistema de televisão por raios catódicos, sendo que o mesmo ocorreria na Rússia por Bóris Rosing. O sistema empregava a exploração mecânica de espelhos somada ao tubo de raios catódicos. Em 1920, na Inglaterra as transmissões foram realizadas graças ao inglês Jonh Logie Baird. Paternostro (1999) especifica a importância do cientista russo naturalizado americano Vladimir Zworykin, que inventou em 1923 o iconoscópio, um tubo a vácuo com uma tela de células fotoelétricas que faz uma varredura eletrônica da imagem, base do olho na TV. Foi também Zworykin, o criador da válvula orthicon, a qual melhorava a luz e a qualidade técnica da imagem. Em março de 1935, surge a televisão na Alemanha e em novembro na França, sendo a Torre Eiffel o posto emissor. Em 1936, ocorre em Londres a inauguração da estação regular da BBC. Já em 1939, iniciam-se as transmissões nos Estados Unidos, com a National Broadoasting Company (NBC) transmitindo a inauguração da Feira Mundial de Nova York.

Após anos de desenvolvimento, a televisão, a partir de 1940, aparece com um sistema totalmente eletrônico, se configurando na década de 50 como um forte meio de comunicação de massa.

O que acontece é que a televisão se apresenta com os mecanismos necessários para integrar expectativas diversas e dispersas, os desejos e as insatisfações difusas, consegue incorporar novidades que se apresentem originalmente fora do espaço que ela ocupa e, em sua dinâmica, vai dando os contornos do grande conjunto, com um tratamento universalizante das tensões. (BUCCI, 1997, p. 12)

Garantida a boa qualidade técnica da televisão, surgiu a necessidade de um

sistema que acrescentasse cor à imagem, a qual até então, era em preto e branco. As pesquisas começaram antes da Segunda Guerra Mundial, mas as transmissões regulares em cores nos Estados Unidos, só começaram em 1954. Vários sistemas foram criados, porém era mais conveniente que o novo sistema fosse compatível com os milhões de aparelhos em preto e branco existentes no início da década de 50. Então em 1953, nos Estados Unidos, os técnicos do National Television System Committee (NTSC) descobrem um sistema de transmissão em cores, denominado NTSC, que conseguiu adaptar os antigos aparelhos ao sistema em cores.

Com a implantação das transmissões via satélite tornou-se possível a comunicação instantânea entre vários lugares do planeta. Lançado em 1962, o satélite de

comunicação Telstar I, considerado pioneiro dos satélites comerciais, permitiu a primeira transmissão em caráter experimental entre os Estados Unidos e a Europa.

A transmissão via satélite, ao vivo, para o Brasil teve início com o lançamento da Apolo IX, quando direto do Cabo Kennedy nos Estados Unidos, afirma o Jornal Nacional (2004), uma reportagem mostrou os três tripulantes da nave, James McDivitt, David Scott e Russel Shcweikart, fazendo a última refeição em terra, antes do vôo, no dia 3 de março de 1969.

Transmitir fatos ao vivo foi uma conquista trazida pelo satélite, assim, assistimos jogos de futebol, shows, competições esportivas, acidentes, guerras, tudo em tempo real. O telespectador experimenta a sensação de estar, cada vez mais próximo dos acontecimentos, independente de onde eles estejam ocorrendo. "Essa é a magia da imagem que a televisão amplia, difunde, populariza e eterniza para sempre", diz Paternostro (1999, p. 26). 1.2 A Tv chega ao Brasil

Não demorou muito para que a televisão chegasse ao Brasil e conseguisse conquistar um grande espaço. Na época o rádio era o principal meio de comunicação de massa, oferecendo uma diversidade na sua programação (debates, notícias, radionovelas, etc), de onde, aliás, foram inspirados os primeiros programas televisivos.

Falar de TV no Brasil é lembrar Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o empresário que em 1950 foi o responsável pela vinda da televisão para o país.

Assis Chateaubriand decidiu trazer os técnicos norte-americanos da RCA para implantar a televisão no Brasil. Importou também os equipamentos; uma antena foi instalada no alto do edifício do Banco do Estado de São Paulo para retransmitir as imagens que viriam dos estúdios montados no prédio dos Diários Associados. (PATERNOSTRO, 1999, p. 28)

Chateaubriand era o proprietário dos Diários e Emissoras Associadas, uma

empresa que incorporava vários jornais, revistas e rádios. Diários e Emissoras Associadas pode ser considerado o primeiro império de comunicação do Brasil.

O primeiro programa da televisão brasileira foi o TV na Taba, transmitido no dia 18 de setembro de 1950 pela PRF-3 TV Difusora (depois TV Tupi) de São Paulo, confirma Paternostro (1999). Em janeiro de 1951, entra no ar a segunda emissora do Brasil a TV Tupi do Rio. Dois programas se tornaram referência na história da televisão brasileira: Clube dos Artistas (Tupi do Rio e de São Paulo) e TV Vanguarda (Tupi São Paulo). Funcionavam no país, até o final da década de 50, as TVs Tupi, Record (1953) e Paulista (1952) em São Paulo; Tupi Rio (1955) e Excelsior (1959) no Rio de Janeiro e Itacolomi (1956) em Belo Horizonte.

Em 27 de setembro de 1953, estreou em São Paulo a Rede Record de Televisão, a emissora pertencia ao empresário Paulo Machado de Carvalho. A Record exibia no início, programas musicais, esportes, teatro, humor e informação. Roberto Carlos apresentou um grande sucesso, o programa Jovem Guarda. A emissora se tornou líder de audiência na década de 60.

A decadência da emissora Record começa a partir de 1968, mesmo assim, é válido destacar as excelentes novelas exibidas por ela no início da década de 70: As Pupilas do Senhor Reitor e Os Deuses estão Mortos, ambas de Lauro César Muniz. No início da década de 90 acontece uma mudança no controle acionário da emissora e a Record entra com uma nova programação, mantendo o jornalismo como carro-chefe. Séries e filmes também foram comprados. A Rede Record se tornou de alcance nacional a partir de 1990, ela é a mais antiga emissora de TV do país em existência.

A chegada do equipamento de videotape ao Brasil, na década de 60, representa uma inovação na forma de fazer TV. Com o videotape os programas podem ser

gravados, as cenas cortadas várias vezes, para que depois passem pelo processo de montagem, assim, torna-se melhor a qualidade dos programas. Paternostro (1999) afirma que a primeira emissora do Brasil a utilizar o VT foi a TV Tupi de São Paulo que, em 21 de abril de 1960, gravou a festa da inauguração de Brasília e exibiu a gravação em outras cidades.

Em abril de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada a Rede Globo de Televisão, atualmente a maior emissora de televisão do país, estando também entre as maiores do mundo. A Globo está presente em diversos países através da Globo Internacional.

A TV Globo exibiu, em 31 de março de 1972, o especial Meu Primeiro Baile, o primeiro programa da televisão totalmente gravado em cores. A primeira transmissão colorida ocorreu em rede nacional, afirma o Jornal Nacional (2004) via Embratel, no dia 10 de fevereiro de 1972 e registrou a Festa da Uva na cidade de Caxias, Rio Grande do Sul, pela TV Difusora, com colaboração da TV Rio. Ainda em 1972 estreou na TV Globo o programa Globo Repórter. Em 1973 entrou no ar o Fantástico, uma revista eletrônica exibida semanalmente. Em 1977 toda a programação da emissora passa a ser em cores. A Globo alcança grande êxito com a produção de telenovelas, gênero televisivo no qual a emissora se especializa, obtendo sucesso no país e no exterior.

A televisão, embora em sua primeira década de existência ainda fosse considerada cara, já ia se firmando no país. A programação crescia e era diversificada, a princípio, os teleteatros, debates e entrevistas predominavam, a elite era o público do momento.

O primeiro teleteatro teve estréia em novembro de 1950 pela TV Tupi. A Vida por um Fio (baseado no norte-americano Sorry, Wrong Number) era um drama policial com Lima Duarte, Lia de Aguiar, Walter Forster, Dionísio Azevedo e Yara Lins, contando a história de uma mulher estrangulada pelo marido com um fio de telefone.

Várias versões de programas radiofônicos adaptados para a televisão tiveram êxito. É válido enfatizar a importância da radionovela, a qual serviu de base para as telenovelas, que rapidamente conseguiram despertar o interesse e a audiência do telespectador.

Em menos de duas décadas a televisão no Brasil estava consolidada, tinha ampliado sua área de penetração, funcionando em vários estados, e o preço dos televisores estava mais acessível, o que contribui para o aumento da audiência deste veículo de comunicação. 1.2.1 A radionovela

Ao estudarmos sobre a televisão, torna-se importante citarmos o papel da radionovela, gênero radiofônico que conquistou grande audiência na década de 40 e serviu de inspiração para o surgimento da telenovela.

É por volta de 1935, em Havana, Cuba, que começam a surgir as radionovelas, no início patrocinadas por fábricas de sabão: Crusellas e Savatés, que depois foram incorporadas por Colgate-Palmolive e Procter and Gamble (firmas norte-americanas patrocinadoras das soap-óperas americanas). Ortiz (1991) observa que até meados dos anos 30, os programas radiofônicos de Cuba (musicais, teleteatros, dramas de aventura etc) se dirigiam a um público genérico, porém, com a criação da radionovela o alvo passou a ser, primeiramente, a audiência feminina e depois o resto da família. Afinal, as mulheres eram as principais consumidoras dos produtos (bens domésticos) anunciados na radionovela.

O estilo das radionovelas cubanas privilegiava o lado trágico, melodramático da vida, um grande sucesso foi El derecho de nacer , do cubano Félix Caignet. No Brasil, O Direito de Nascer estende-se por 260 capítulos, transmitidos de 8 de janeiro de 1951 a 17 de setembro de 1952.

Segundo Reynaldo Tavares citado por Ferraretto (2001), durante a apresentação dos capítulos de O Direito de Nascer, a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, era absoluta em termos de audiência e, naquele horário, os cinemas, os teatros e os outros meios de entretenimento ficavam vazios, as ruas como por encanto silenciavam. Era um horário

religioso, uma imensa reunião emudecida e atenta que comumgava, junto aos receptores, todas aquelas emoções vividas pelos personagens da radionovela.

Mas as radionovelas latino-americanas não se resumem as lágrimas, um tema importante passa para o primeiro plano: o amor. Não é fácil reconstruir os fios históricos que fazem com que esta temática seja introduzida nos textos radiofônicos, mas é provável que toda uma literatura existente, especializada no público feminino, tenha sido utilizada como referência. (ORTIZ, 1991, p. 24)

Através da radionovela os sonhos mais românticos das mulheres eram realizados,

desafios em busca do homem perfeito se tornam constantes, e como sempre: as lágrimas transbordam e o amor prevalece.

Em 1941 a radionovela invade o Brasil, a Rádio São Paulo lança A Predestinada de Oduvaldo Viana e a Rádio Nacional apresenta Em Busca da Felicidade, do cubano Leandro Blanco. A radionovela surge, segundo Ortiz (1991) como um produto importado, o que significa dizer que no Brasil ela segue o padrão folhetinesco e melodramático, visando o público composto pelas donas-de-casa.

O sucesso da radionovela no país foi rápido, as histórias logo conseguiram atrair o interesse do ouvinte. O rádio, principal meio de comunicação da época, penetrava pelo país, tornava-se efetivamente popular e fazia da radionovela uma grande fonte de audiência. Entre 1942 e 1945, diz Ortiz (1991) foram transmitidas 116 novelas pela Rádio Nacional, num total de 2.985 capítulos. Já a Rádio São Paulo tinha novelas nos três horários, chegando a ter no ar, somente no horário diurno, nove novelas.

Os títulos das radionovelas deixavam transparecer o tom meledramático que possuíam: Mulher sem Alma, Sonhos Desfeitos, Almas Desencontradas, e em especial, o Direito de Nascer levaram aos prantos o povo brasileiro. Os temas desenvolvidos priorizavam as questões ligadas à busca do casamento, mulheres traídas, mães solteiras rejeitadas pela família e pela sociedade, adultério, preservação da pureza feminina etc. Temas estes, que mais tarde, seriam também abordados nas telenovelas.

Diferente da telenovela, onde a imagem aparece pronta, com cenários e figurinos definidos, na radionovela o ouvinte tem a possibilidade de criar, através da imaginação, o ambiente que julgue adequado aos diálogos e efeitos sonoros emitidos pelo rádio. Desse modo, o protagonista de uma radionovela pode, ao mesmo tempo, ser um pouco mais alto ou baixo, magro ou forte, de acordo com a preferência da ouvinte. A radionovela é capaz de fazer fluir a imaginação de quem a escuta, imaginar como cada cena se desenvolve é algo que fascina o público desse gênero radiofônico.

A novela transmitida pelo rádio se constituiu ao longo de sua fase de sucesso, como um produto rentável, que atendia os desejos femininos e satisfazia os interesses financeiros do mercado. 2 A FICÇÃO TELEVISIVA SERIADA 2.1 Tipos de ficção

Ao falarmos sobre ficção televisiva torna-se comum lembrarmos da telenovela, porém, mesmo ela sendo a mais conhecida, não é a única que podemos classificar como ficção televisiva seriada.

Ora, o programa televisivo de ficção é a história mais ou menos longa, mais ou menos fracionada, inventada por um ou mais autores, representada por atores, que se transmite com linguagem e recursos de TV, para contar uma fábula, um enredo,

como em outros tempos se fazia com o teatro e depois se passou a fazer também em cinema. (PALLOTTINI, 1998, p. 23)

A ficção televisiva pode ser compreendida, então, como a encenação de histórias

contadas e interpretadas por atores, através da televisão, meio de comunicação apropriado para a apresentação deste gênero, pois reúne imagem, som e movimento.

Procuramos brevemente classificar de acordo com as características formais, os principais tipos de ficção televisiva: o unitário, o seriado, a minissérie, e é claro, a telenovela. Pallottini (1998) define como unitário, a ficção para TV levada ao ar de uma só vez, com duração de aproximadamente uma hora, que conta uma história com começo, meio e fim, esgota sua proposição na unidade e nela se encerra.

O unitário é também denominado pela Rede Globo como "Caso Especial", citamos como exemplos, Garota da Capa (1988) e A Farsa da Boa Preguiça (1995). Os episódios do programa Você Decide, exibido durante cerca de sete anos pela Globo, podem ser chamados de unitários. O episódio levado ao ar não tinha continuação, os personagens não eram fixos, a trama se apresentava, era desenvolvida e encerrada dentro do tempo determinado para o programa, em geral, uma hora.

Diferente do unitário, o seriado é estruturado, segundo Pallottini (1998) em episódios independentes que têm cada um em si, uma unidade relativa. A unidade se dá por um propósito do autor, por um objetivo autoral, uma visão de mundo que ele pretende transmitir. Um episódio deve contar sua história, inserir-se no conjunto e respeitar as características lançadas pelo programa no seu total.

Seriado, diz-se dos filmes ou programas constituídos por episódios independentes, mas relacionados entre si pelo mesmo tema, pelos mesmos protagonistas, pela mesma linha dramática e filosofia de produção. Os seriados são apresentados em dias e horários determinados (geralmente uma vez por semana) sempre sob o mesmo título, podendo variar apenas o título do episódio. (RABAÇA & BARBOSA, 1998, p. 532)

O seriado pode ter seus episódios relacionados pela protagonista, como é o caso

de A Diarista (2006), seriado global onde a personagem Marinete ( Cláudia Rodrigues) é o foco de todas as histórias, o que aconteceu em Malu Mulher (1979) e em A Justiceira (1997) ambas tendo como protagonistas uma única personagem.

Existe o caso em que uma família é a responsável por protagonizar o seriado, como ocorre em A Grande Família. Lineu (Marco Nanini), Nenê (Marieta Severo), Bebel (Guta Stresser), Agostinho (Pedro Cardoso) e Tuco (Lúcio Mauro Filho) são os personagens principais de A Grande Família. Os episódios deste seriado têm a relação necessária para que possam ser vistos independentemente. Se em uma semana Lineu está com um problema grave, na semana seguinte é a vez de Bebel ser o alvo da complicação, e assim, os personagens se revezam focalizando, um de cada vez, aspectos de suas vidas.

O seriado é uma ficção de TV com o número de episódios indefinido, pode ser exibido durante anos, caso de Carga Pesada, seriado exibido de 1979 a 1981, tendo como protagonistas os caminhoneiros Pedro (Antônio Fagundes) e Bino (Stênio Garcia) e, relançada em abril de 2003, com os mesmos atores principais, estando no ar até hoje. É diferente da minissérie, a qual possui a quantidade de episódios previamente definida.

A ficção televisiva que mais se assemelha a telenovela é a minissérie, popularmente conhecida como mininovela, ou seja, uma novela com curta duração. Para Pallottini (1998) a minissérie é uma espécie de telenovela curta, totalmente escrita quando começam as gravações, é uma obra definida em sua história, peripécias e final, no momento em que se vai para a gravação.

A minissérie desenvolve uma trama básica e no decorrer do programa outros acontecimentos são acrescentados, mantendo-se o foco no conflito central, como verificamos na minissérie A Casa das Sete Mulheres (2003) onde vários romances foram desenvolvidos, traições descobertas, mas sem fugir da trama principal: a Guerra dos Farrapos.

Além de A Casa das Sete Mulheres, outras minisséries foram bem sucedidas como: Anos Rebeldes (1992), Hilda Furacão (1998), Chiquinha Gonzaga (1999), Presença de Anita (2001) e Amazônia (2007). As minisséries brasileiras, em geral, exploram temas de época: conflitos pelo território brasileiro no século XIX, a construção das grandes cidades, a luta da mulher no século XX por um lugar na sociedade e contra o machismo, enfim, as minisséries ousam mais na escolha da temática central, raramente elas se passam no tempo atual, fato muito comum quando o assunto é telenovela.

A ficção televisiva telenovela possui, aproximadamente, 170 capítulos, um núcleo fixo (cerca de 30 personagens), inúmeros figurantes, cenários específicos de acordo com cada novela e gravações externas que conferem maior dinamismo a mesma.

A telenovela tem, em média, dois ou três focos principais que permanecem até o final e várias outras histórias paralelas, ela é uma obra sujeita a modificações durante seu percurso, uma vez que o autor continua a escrever as tramas enquanto a novela já está no ar, assim, é possível que ele sinta a resposta dos telespectadores e se for conveniente para o desenvolvimento da trama, mude alguns capítulos.

A telenovela se constitui como um gênero peculiar, um dos programas mais envolventes da televisão brasileira. 2.2 A telenovela

Os programas televisivos atraem uma enorme audiência, e nesse aspecto, a telenovela é hoje um bom exemplo. Sendo envolvente, ela exerce um fascínio sobre o telespectador, geralmente a pessoa que assiste a primeira semana de uma telenovela, se familiariza com os personagens e não deixa de acompanhá-la até o capítulo final.

Esse relacionamento entre o público e a telenovela é reforçado na medida em que a trama vai se desenvolvendo, quanto mais próxima da realidade dos espectadores ela estiver, maior a identificação dos mesmos com as histórias.

A telenovela seria uma história contada por meio de imagens televisivas, com diálogo e ação, criando conflitos provisórios e conflitos definitivos; os conflitos provisórios vão sendo solucionados e até substituídos no decurso da ação, enquanto os definitivos – os principais – só são resolvidos no final. A telenovela se baseia em diversos grupos de personagens e de lugares de ação, grupos que se relacionam interna e externamente, ou seja, dentro do grupo e com os demais grupos; supõe a criação de protagonistas, cujos problemas assumem primazia na condução da história.(PALLOTTINI, 1998, p. 35)

A telenovela faz parte do cotidiano da sociedade brasileira, nela determinados

problemas são expostos e diversos aspectos da nossa realidade exibidos. Segundo Paiva (2007) as telenovelas podem ser vistas como séries de imagens, cuja disposição permite mostrar as faces do Brasil em toda sua potência, exibindo os estilos híbridos que caracterizam a cultura brasileira.

A construção dramática empreendida pelos novelistas brasileiros privilegia não apenas tipos humanos e situações vivenciais factíveis de acontecerem no Brasil e em outras sociedades do

Terceiro Mundo ou do espaço cultural latino, mas combina o conflito e a violência com o humor, a simplicidade e a afetividade. Tudo isso bem dosado, de modo a prender a atenção dos telespectadores, seduzindo-os para acompanhar a história até o fim. ( MELO, 1988, p. 56)

A telenovela ocupa grande parte do tempo (principalmente o noturno) do

telespectador, ela tenta recriar situações comuns do modo mais próximo da realidade, buscando assim, construir uma relação de afinidade, de intimidade com o espectador. A caracterização de cada personagem é feita de maneira cuidadosa, os múltiplos tipos de caráter inseridos na trama despertam no público sentimentos que passam pelo carinho, admiração, piedade, chegando ao desprezo, raiva, ódio. Não é raro acontecer cenas constrangedoras com o ator que interpreta o vilão de uma telenovela, muitos já foram agredidos verbalmente na rua por telespectadores indignados com as atitudes do vilão, isso demonstra o quanto a telenovela entra na vida dos brasileiros.

Atualmente, a telenovela conta com equipamentos, figurinos e cenários adequados, bons intérpretes e profissionais qualificados. Porém, quando começou era feita de maneira precária, improvisada, os estúdios eram pequenos e os profissionais acostumados a fazer a radionovela, onde a locução é o fundamental, não tinham a expressão corporal necessária para lidar com as câmeras. Ortiz (1991) afirma que este predomínio do texto sobre a filmagem, fez com que vários críticos da época considerassem a telenovela como uma espécie de rádio com imagens.

A falta de profissionalismo contribuiu para que a telenovela, durante seus primeiros anos de existência, fosse vista como um gênero menor, sem prestígio, mas que crescia, tornava-se popular e merecia atenção.

Sua Vida me Pertence de Walter Forster, foi a primeira novela, ainda ao vivo, da TV brasileira, exibida em 1951 pela TV Tupi, afirma Paternostro (1999) e já com a utilização do videotape, a TV Tupi de São Paulo produz a telenovela: O Direito de Nascer.

O primeiro grande sucesso da telenovela no Brasil ocorreu em 1964, quando a TV Tupi exibiu O Direito de Nascer, uma radionovela escrita pelo cubano Félix Caignet, cuja versão brasileira foi sucesso no final da década anterior. A partir de então, as principais emissoras de São Paulo, Tupi e Record, investiram bastante no gênero, mobilizando escritores, atores e diretores, que começaram a dar os contornos de uma produção diferente daquela corrente nos países hispano-americanos e nos Estados Unidos. Basicamente, elas se tornaram teledramas com duração superior às produções argentinas e mexicanas, geralmente estruturadas para quatro ou seis semanas, passando a ocupar nove a dez meses; mas também diferiram das produções norte-americanas, onde uma história pode perdurar durante vinte anos. (MELO, 1988, p. 26)

A primeira telenovela diária, 2-5499 ocupado, do argentino Alberto Migré, foi ao ar

em 1963 pela Excelsior, e contava com a presença de Tarcísio Meira e Glória Menezes. A TV Tupi lança em 1968, Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, considerada um marco no gênero telenovela. Ramos e Borelli (1991) salientam a importância de Beto Rockfeller enquanto uma novela que rompe com os diálogos formais, propondo uma narrativa de cunho coloquial, repleta de gírias e de expressões populares. A preocupação central do autor era trazer o cotidiano vivido para o vídeo, se aproximando da realidade.

Com ritmo mais rápido, linguagem e movimentos mais soltos, Beto Rockfeller introduz principalmente um outro tipo de herói e de impulso dramático: não se trata mais do princípio maniqueísta do Bem e do Mal, o herói não é mais o executor da vingança, a encarnação da paixão ou o portador do Bem, mas um indivíduo de origem modesta, habitante da cidade, sujeito a erros, cheio de dúvidas, inseguro, buscando estima, pondo em prática todos os seus recursos de astúcia para subir na escala social. (MATTELART, 1989, p. 30)

Em 1973, afirma Paternostro (1999) vai ao ar a primeira telenovela em cores: O

Bem Amado, de Dias Gomes, exibida pela TV Globo, emissora que, mais tarde, se torna referência quando o assunto é teledramaturgia. Pecado Capital (1975) foi a primeira novela em cores transmitida às 20 horas, ela alcançou audiências excepcionais e foi vendida para diversos países, entre eles a Bolívia, Espanha, Guatemala e Peru.

As histórias das telenovelas nacionais se expandem pelo mundo, rompendo as barreiras políticas, econômicas e geográficas entre os países. China Popular, Polônia, Grã-Bretanha, países escandinavos, Angola, Portugal, Espanha, Itália, Cuba, Japão, Países Baixos etc, todos vibraram sucessivamente com as telenovelas brasileiras. Em 1985, os poloneses escolhiam a novela Escrava Isaura como a melhor produção da TV dos últimos dez anos, afirma Mattelart (1989), já em Portugal, a novela Gabriela parava o país a partir das 20:30 horas. A companhia de telefones portuguesa revelou ter registrado uma enorme queda nas comunicações durante sua apresentação e uma sessão da Assembléia da República foi suspensa para permitir que os parlamentares assistissem a novela brasileira.

Escrava Isaura (1976) de Gilberto Braga, baseada no romance homônimo de Bernardo Guimarães foi vendida para vários países. Na Europa, segundo o Dicionário da TV Globo (2003), a Itália foi o primeiro país a adquirir um bom número de produções brasileiras, lá a Escrava Isaura alcançou grande audiência. Em 1985 a China transmitiu essa novela e concedeu a atriz Lucélia Santos o Prêmio Águia de Ouro por sua atuação. Tal novela já havia sido vendida, em 1985, para cerca de 27 países.

Em 1978, Dancin' Days de Gilberto Braga mobilizava milhões de telespectadores em todo o país e aguçava o desejo de consumo da população. A novela lançou diversos modismos e acabou promovendo vários produtos, com as meias lurex, uma água-de-colônia, sandálias de salto fino e a boneca Pepa, companheira de uma das personagens. Determinada fábrica chegou a vender 400 mil unidades da boneca, afirma o Dicionário da TV Globo (2003). O tema de abertura, "Dancing days", composto por Nelson Motta e gravado pelas Frenéticas foi um sucesso provocando uma onda de discotecas pelo país.

Algo parecido ocorreu em 1994 com a exibição de A Viagem da autora Ivani Ribeiro, a qual abordou como temática central o espiritismo, a questão da vida após a morte. A telenovela foi um sucesso de audiência aumentando em 50% a venda de livros sobre o espiritismo, segundo o Dicionário de TV Globo (2003). Por outro lado, a trama provocou protestos de diversos grupos negros, que enviaram cartas à emissora repudiando a discriminação dos autores por não apresentarem negros no céu. O espiritismo foi tema da novela Anjo de Mim (1996) e O Profeta (2006), entre outras.

Em 1983, Guerra dos Sexos de Sílvio de Abreu sofre com a censura que impõe mudanças em personagens considerados demasiadamente liberais, em diálogos e cenas vistas como imorais. Roque Santeiro (1985) de Dias Gomes foi censurada em 1975, antes mesmo de estrear, o fato se deu depois que a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) descobriu que o autor estava adaptando um texto teatral de sua autoria, escrito em 1963, O berço do herói, proibido pela censura Federal. Somente dez anos depois, em 1985, Roque Santeiro finalmente era regravada e exibida. Segundo o Dicionário da TV Globo (2003), esta telenovela atingiu recordes de audiência, e foi vendida para vários países, entre eles, Angola, Canadá, Chile, Cuba, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal.

A telenovela também aborda questões éticas, morais, políticas e econômicas, em Pátria Minha (1994), por exemplo, a situação política do país foi questionada, a novela foi exibida às vésperas das eleições presidenciais de 1994, logo depois do impeachment do então presidente Fernando Collor.

Algumas telenovelas se destacaram e mereceram uma segunda versão, entre elas, a novela Pecado Capital de janete Clair, exibida pela primeira vez em 1975, e posteriormente em 1998, com a autoria de Glória Perez. A trama básica de Pecado Capital foi mantida: o motorista de táxi, Carlão (Eduardo Moscovis), encontra uma mala cheia de dinheiro em seu carro e fica em dúvida se deve ou não ficar com ela. Glória Perez acrescentou novos personagens na segunda versão da trama de Janete Clair, foi criada, por exemplo, a personagem Laura (Vera Fischer) para formar par romântico com Salviano Lisboa ( Francisco Cuoco).

Na primeira versão de Pecado Capital, Carlão, interpretado por Francisco Cuoco, morre baleado, enquanto sua noiva Lucinha (Betty Faria) casa-se com Salviano (Lima Duarte). Já na segunda versão, Carlão (Eduardo Moscovis) morre assassinado, e Lucinha (Carolina Ferraz) apenas chora a sua morte. Alguns atores participaram das duas novelas, como Francisco Cuoco que viveu Carlão em 1975 e Salviano Lisboa em 1998. O ator Mário Lago interpretou o mesmo personagem, o dr. Amato, em ambas as versões.

Irmãos Coragem (1970), outra novela de Janete Clair, também teve segunda versão, o remake foi exibido em 1995, adaptado por Dias Gomes. Em 1970 a primeira novela foi ao ar ainda em preto e branco, tendo como protagonistas os irmãos João (Tarcísio Meira), Jerônimo (Cláudio Cavalcanti) e Duda (Cláudio Marzo).

Na segunda versão de Irmãos Coragem, alguns filhos de atores ocuparam os papéis que haviam sido dos pais em 1970. Gabriela Duarte fez Ritinha, personagem de sua mãe, Regina Duarte, na trama original e, Maurício Gonçalves é Braz, antes interpretado por seu pai Milton Gonçalves. A trajetória dos irmãos coragem, João (Marcos Palmeira), Jerônimo (Ilya São Paulo) e Duda (Marcos Winter) obteve êxito também em 1995, conquistando mais uma vez o país.

Outra novela que teve remake foi Anjo Mau (1976) de Cassiano Gabus Mendes, a qual conta a história de Nice (Suzana Vieira), uma mulher pobre e ambiciosa que não se conforma com sua condição financeira e faz o que for preciso para ascender socialmente. Ao contrário da primeira versão, onde Nice morre de parto, na adaptação escrita por Maria Adelaide Amaral, exibida em 1997, ela não falece e fica ao lado de Rodrigo (Kadu Moliterno).

Na segunda versão de Anjo Mau as histórias se passam em São Paulo, enquanto na novela original o Rio de janeiro ambienta a trama. Em 1997 a Nice foi interpretada por Glória Perez e, Suzana Vieira, a personagem Nice da primeira versão, fez um,a participação especial no último capítulo como a nova babá da família Medeiros, ambas as versões foram grandes sucessos da teledramaturgia da Globo.

Ramos e Borelli (1991) enfatizam a importância da TV Globo para a evolução das telenovelas, somente na década de 80, a Globo produziu: Jogo da vida (1981), Guerra dos sexos (1983), Cambalacho (1986), Sassaricando (1988) de Sílvio de Abreu; Transas e caretas (1984) de Lauro César Muniz; Amor com amor se paga (1984), A gata comeu (1985) de Ivani Ribeiro; Vereda tropical (1984), Bebê a bordo (1988) de C. Lombardi; Um sonho a mais (1985) de Daniel Más; Ti-ti-ti (1985) e Brega e chique (1987) de Cassiano Gabus Mendes.

A Rede Globo foi, e continua sendo, uma das maiores responsáveis pelo crescimento da telenovela: Roque Santeiro, Terra Nostra, Explode Coração, Tieta, Laços de Família, e outras, são reconhecidas mundialmente como novelas de grande qualidade.

A novela de televisão, produzida de forma amadora, já não existe mais. As telenovelas ganharam status de superproduções, contando com profissionais especializados e autores que se dedicam, exclusivamente, a arte de escrever teledramaturgias. 2.3 As telenovelas de Manoel Carlos

Nascido em São Paulo, na década de 30, Manoel Carlos Gonçalves de Almeida é o responsável por diversas telenovelas que marcaram a televisão brasileira e permanecem na memória dos telespectadores.

Manoel Carlos iniciou sua carreira como ator e diretor, na década de 50, na TV Tupi e TV Excelsior. Dirigiu e produziu programas como a Família Trapo, na Rede Record no final dos anos 60. Dirigiu a primeira fase do Fantástico entre 1973 e 1976, e ainda escreveu e produziu o programa de entrevistas Globo Gente com Jô Soares, em 1973, afirma o Dicionário da TV Globo (2003).

As telenovelas escritas por Manoel Carlos reúnem várias características de uma dramaturgia bem sucedida: elas abordam assuntos que se assemelham a realidade, falam sobre temas polêmicos e mostram conflitos comuns ao cotidiano popular, facilitando, assim, a identificação dos telespectadores com os personagens.

Maria, Maria, baseada no romance Maria Dusá, de Lindolfo Rocha, foi a primeira novela de Manoel Carlos, na qual era narrada a história das irmãs gêmeas Maria Alves e Maria Dusá (interpretadas por Nívea Maria). A novela foi exibida no início de 1978 e se passava em 1860, no Nordeste, mais especificamente, no sertão baiano.

Em outubro de 1978 tinha início A Sucessora, adaptação de Manoel Carlos do romance homônimo de Carolina Nabuco. A telenovela é ambientada no Rio de Janeiro, lugar comum entre as novelas do autor. A Sucessora fala do amor entre Roberto (Rubens de Falco) e Marina (Suzana Vieira), duas pessoas de personalidade opostas, pertencentes a classes sociais diferentes: ela, criada no campo, humilde, ele, rico, viúvo e sofisticado. Vendida para cerca de 50 países, entre eles, Holanda, Suíça e Itália, A Sucessora foi o primeiro grande sucesso de Manoel Carlos.

Como co-autor em 1980, Maneco (como é também conhecido), participa de Água Viva, novela de Gilberto Braga. Água Viva abordava a moda do topless nas praias cariocas, tema polêmico na época, o que provocou debates sobre o assunto.

Em Baila Comigo de 1981, Manoel Carlos explorou, assim como em Maria, Maria, a história de gêmeos. Os irmãos, Quinzinho e João Victor, foram interpretados por Tony Ramos. Baila Comigo se passava no Rio de Janeiro, somente os primeiros capítulos foram ambientados em Portugal, onde inicialmente morava João Victor. A mãe dos gêmeos era Helena, interpretada por Lilian Lemmertz, primeira atriz a viver a marcante Helena de Manoel Carlos. Um tema que se destacava na trama erra a dança, algo previsível devido o nome da novela. Joana (Betty Faria) era professora de dança em uma academia de ginástica, onde ocorria parte de ação de Baila Comigo.

Sol de Verão, exibida de outubro de 1982 a março de 1983, também desenvolvida no Rio de Janeiro, girava em torno da personagem Rachel ( Irene Ravache), a qual decidiu deixar um casamento, aparentemente, perfeito para iniciar um romance com um mecânico. Sol de Verão ficou marcada pela morte de um de seus protagonistas, o ator Jardel Filho, após esse fato Maneco se sentiu impossibilitado de continuar escrevendo a novela, coube, então, a Lauro César Muniz a responsabilidade de concluir a mesma.

Um personagem que se destacou em Sol de Verão foi Abel (Tony Ramos), um surdo-mudo, divertido e inteligente. Com a repercussão desse personagem, o público começou a se interessar em aprender o alfabeto dos sinais.

Inspirado em contos de A Morte da Porta-estandarte, de Aníbal Machado, Manoel Carlos escreve em 1991, Felicidade, obra iniciada em Minas Gerais onde morava Helena (Maitê Proença) que depois vai para o Rio de Janeiro. Helena é apaixonada por Álvaro (Tony Ramos) com quem tem uma filha, eles se separam, enfretam dificuldades e buscam encontrar a felicidade juntos. Felicidade fez bastante sucesso no exterior, sendo vendida para Austrália, China, Cuba, Itália, Rússia, Venezuela, Líbano, entre outros.

Os conflitos entre pais e filhos, a gravidez indesejada e a luta contra o câncer de mama, são alguns assuntos abordados em História de Amor, novela exibida em 1995, estrelada por Regina Duarte, a qual vivia Helena, uma mulher de classe média, doce e sensível, que enfrenta problemas com a filha e com seu namorado Carlos (José Mayer). O merchandising social feito pela novela ao abordar o câncer como tema, fez com que aumentasse a procura das mulheres pelo exame preventivo de câncer de mama. História de Amor foi ambientada nos bairros do Leblon, Jardim Botânico, Gávea e Barra, ambos no Rio de Janeiro.

Por Amor foi ao ar em 1997, trouxe como atrizes principais, Regina Duarte (novamente como Helena) e sua filha Gabriela Duarte, que vivia Maria Eduarda, filha de Helena. Mãe e filha engravidam e tem os filhos no mesmo dia, o bebê de Eduarda morre, Helena resolve trocar as crianças, põe, então, seu filho no lugar do bebê morto. A história se desenvolve em torno desse segredo guardado por Helena. O autor também abordou temas sociais como o alcoolismo e o bissexualismo.

Um triângulo amoroso inicia o enredo da novela Laços de Família (2000/2001): Helena (Vera Fischer) e sua filha Camila (Carolina Dieckmann) se apaixonam pelo mesmo rapaz, Edu (Reynaldo Giannecchini). Helena desiste de Edu, o qual casa-se com Camila. Esta descobre que está com leucemia e precisa se submeter a um transplante de medula. Desesperada por não encontrar um doador compatível com Camila, Helena decide engravidar para salvar, através do sangue do bebê, sua filha Camila. As cenas em que Camila tinha a cabeça raspada comoveram o país, segundo o Dicionário da TV Globo (2003) o número de doadores de sangue, órgãos e medula osséa aumentou. O Instituto Nacional do câncer, que registrava dez novos cadastramentos por mês, recebeu 149 só nas semanas seguintes ao término da novela.

Algumas tramas paralelas merecem destaque: Giovanna Antonelli vive a jovem universitária Capitu, que se prostitui para sustentar o filho e os pais, enquanto a rebelde Iris (Deborah Secco) atormenta a vida de Helena e Pedro (josé Mayer). O principal ambiente de Laços de Família é o bairro do Leblon, Rio de Janeiro.

Em 2003, Maneco escreve Mulheres Apaixonadas, onde os desejos e insatisfações femininos são expostos. Helena (Christiane Torloni), suas irmãs Hilda (Maria Padilha) e Heloísa (Giulia Gam) e a cunhada Lorena (Suzana Vieira), são mulheres fortes que questionam o sentido do amor, da paixão. Heloísa chega a fazer parte de uma associação de mulheres que sofrem por serem possessivas, obcecadas por seus companheiros, a MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas), a qual existe realmente. Mulheres Apaixonadas falava sobre lesbianismo, agressão à mulher, virgindade e a questão da terceira idade, representada por um casal de idosos maltratados pela neta e pela sociedade.

Em Páginas da Vida (2006/2007) Manoel Carlos aborda vários temas voltados para o social, como a bulimia, a adoção, o alcoolismo, o racismo e a Síndrome de Down, assunto que pela primeira vez mobilizou uma trama do autor.

Os capítulos iniciais da novela se passam em Amsterdã, Holanda, onde Nanda (Fernanda Vasconcellos) e Léo (Thiago Rodrigues), jovens apaixonados, moram e estudam. Nanda engravida, é abandonada por Léo e volta para a casa dos país no Brasil. Helena (Regina Duarte) é a médica que faz o parto de Nanda, a qual tem filhos gêmeos e falece logo após o nascimento das crianças. Martha (Lilia Cabral) fica com o neto, mas rejeita a neta Clara (Joana Mocarzel), por ela ser uma criança com Síndrome de Down. Martha deixa Clara com Helena, a médica adota a menina e com ela enfrenta os preconceitos da sociedade e as dificuldades de ter uma criança que necessita de cuidados especiais.

Cinco anos depois do nascimento das crianças, Léo pede na justiça a guarda dos filhos, provocando uma discussão, na novela e por parte dos telespectadores, sobre a adoção no país. No final as crianças permanecem com suas respectivas famílias.

O personagem Bira (Eduardo Lago) se destacou, pois, através dele foi possível mostrar o quanto o alcoolismo pode prejudicar um indivíduo. Manoel Carlos tem a sensibilidade necessária para falar sobre assuntos delicados, a bulimia, doença enfrentada por Gisele (Pérola Faria) é um exemplo disso. Páginas da Vida, assim como todas as românticas novelas de Manoel Carlos, teve um final feliz, as pessoas se conciliam e de alguma forma tem seus problemas resolvidos.

As telenovelas de Manoel Carlos se constituem, em geral, como tramas urbanas, ambientadas no bairro do Leblon, Rio de Janeiro. Elas retratam o cotidiano das camadas médias das grandes cidades, embora, os dramas vividos pelos personagens sejam capazes de ocorrer em qualquer classe social, o alcoolismo, por exemplo, é um problema que pode acontecer com qualquer cidadão, independente da sua situação financeira.

Uma personagem que se faz presente nas novelas do autor é Helena, mulher de classe média, batalhadora, romântica, bondosa e forte. Em Páginas da Vida, Maneco

apresentou sua sétima Helena, vivida pela terceira vez por Regina Duarte, que interpretou essa personagem também, em História de Amor e Por Amor.

Embora Helena mantenha algumas características básicas em todas as novelas, ela tem suas peculiaridades, algo que a difere das demais. A Helena de Laços de Família, interpretada por Vera Fischer é uma mulher sedutora, charmosa, que tem vários amores, já a Helena de Mulheres Apaixonadas, vivida por Christiane Torloni, é mais conservadora, preocupada com as regras impostas pela sociedade.

O ator Tony Ramos, assim com Regina Duarte, participou de muitas tramas de Manoel Carlos. Ele fez os gêmeos, Quinzinho e João Victor, de Baila Comigo; viveu o engraçado Abel de Sol de Verão; o charmoso Álvaro, par romântico de Helena, em Felicidade; o culto Miguel, em Laços de Família e interpretou o músico Téo, marido de Helena, em Mulheres Apaixonadas.

As vilãs escritas por Manoel Carlos são dignas de elogios, elas conseguem fazer com que o telespectador as ame e deteste ao mesmo tempo. Essas vilãs são más, é claro, porém, donas de um humor irresistível e um charme natural. Martha vilã de Páginas da Vida fez o público rir com suas piadas e afirmações irônicas, se sensibilizar ao vê-la triste por não ter o amor do marido e detestá-la por rejeitar sua neta. A verdade, é que as vilãs de Manoel Carlos não são totalmente ruins, elas amam e superprotegem seus amados, a exemplo de Branca, vilã de Por Amor, mulher capaz de tudo por amor aos seus filhos.

Uma característica marcante nas telenovelas de Manoel Carlos é a inclusão de temas sociais nas histórias, o merchandising social feito pelo autor, aproxima a novela da vida cotidiana, as tramas comovem e provocam debates dentro da sociedade, algo que é um dos méritos das obras de Manoel Carlos.

Em Por Amor, por exemplo, o personagem Orestes (Paulo José) é um alcoólatra que luta para controlar o vício. O alcoolismo é um drama enfrentado, também, por Bira em Páginas da Vida, o qual não admite que é alcoólatra e só com a ajuda da filha Marina (Marjorie Stiano) ele é internado em uma clínica para dependentes químicos e então, consegue superar o alcoolismo. Com esses dois casos, Manoel Carlos consegue estimular as pessoas que sofrem com esse vício a procurar ajuda e mostrar à sociedade que o alcoolismo é uma doença que prejudica não somente o dependente, mas também sua família e os que convivem com ele.

Já em Laços de Família a impotência masculina é posta em evidência através do personagem Viriato (Zé Victor Castel). A exibição do tema permitiu que o público esclarecesse algumas dúvidas acerca da questão. Rachel, personagem vivida por Helena Ranaldi, em Mulheres Apaixonadas, era espancada pelo marido, levantando na novela e na sociedade o problema da agressão à mulher, um merchandising social que mostra a preocupação do autor Manoel Carlos com as questões sociais. 3 O MERCHANDISING SOCIAL 3.1 O merchandising social na telenovela

Antes de chegarmos ao merchandising social vamos, inicialmente, esclarecer o que vem a ser o merchandising e como ele aparece na telenovela.

O merchandising é a publicidade implícita que se faz no interior da ficção, durante o decorrer da ação na telenovela. Criada no texto pelo próprio autor, essa publicidade é inserida no fluxo narrativo, na corrente ficcional, e dela passa a fazer parte. Difere da publicidade comum, que aparece desligada da ficção, é explícita e se assume como tal, o merchandising disfarça tenta passar pelo que não é. (PALLOTTINI, 1998, p. 128)

O merchandising aproveita a enorme audiência da telenovela para divulgar diversos produtos: automóveis, perfumes, grifes, eletrodomésticos, produtos de higiene, entre outros, ele funciona como uma mensagem publicitária ligada ao enredo da novela através dos personagens.

Com a utilização do merchandising os anunciantes fogem da possibilidade de uma mudança de canal pelo telespectador, o qual mesmo percebendo o anúncio ou serviço inserido na telenovela, não muda de emissora porque não quer perder o decorrer da cena. O merchandising é também definido da seguinte forma;

Termo que designa em mídia, a veiculação de menções ou aparições de um produto, serviço ou marca, de forma não ostensiva e aparentemente casual, em um programa de TV ou de rádio, filme cinematográfico, espetáculo teatral, fotonovela etc. Técnica de inserir anúncios não declaradamente publicitários no contexto de uma encenação, com a devida naturalidade. (RABAÇA & BARBOSA, 1998, p. 396)

Atualmente, o merchandising já não aparece tão naturalmente, determinada marca

de cosméticos, por exemplo, que antes só aparecia, rapidamente, nas mãos de uma personagem, agora pode, de acordo com seu poder aquisitivo, trazer a personagem para sua loja e mostrá-la provando diversos produtos, aumentando, assim, o tempo de exibição da marca na telenovela, mas perdendo a naturalidade. É claro que os custos de uma superprodução, como é hoje a telenovela, são caros, e a veiculação de produtos ajuda a cobrir os investimentos para a produção da mesma, no entanto, é importante que essa publicidade não interfira de modo abusivo no desenvolvimento das cenas, prejudicando a telenovela.

A função básica do merchandising na telenovela é dar mais visibilidade ao produto, levando em consideração a grande audiência desse gênero televisivo. Além disso, o produto conquista a confiança do telespectador, pois, em geral, o merchandising está relacionado ao núcleo honesto, correto da novela. Dessa forma, um produto de beleza usado pela heroína de determinada trama ganha credibilidade junto ao público e, provavelmente, êxito nas vendas.

Enquanto o merchandising visa vender um produto, o merchandising social objetiva divulgar mensagens com preocupações sociais e educativas. A telenovela vem sendo utilizada com sucesso como instrumento para a inserção de temas sociais em suas histórias.

Não é obrigação da teledramaturgia abordar temas sociais, cabe, em geral, ao autor a decisão de incluir ou não esse tipo de assunto em sua trama, no entanto, quando isso ocorre o grau de envolvimento do público com a história revela-se mais forte, uma vez que existe uma identificação maior entre os dramas ficcionais e os da vida real.

Merchandising social é a inserção sistematizada e com fins educativos de questões sociais nas telenovelas e minisséries. Com ele, pode-se interagir com essas produções e seus personagens, que passam a atuar como formadores de opinião e agentes de disseminação das inovações sociais, provendo informações úteis e práticas a milhões de pessoas, simultaneamente de forma clara, problematizadora e lúdica. (SCHIAVO,2002, p.1)

Um dos primeiros merchandisings sociais aconteceu na telenovela Vale Tudo

(1988), escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres, com a personagem Heleninha Roitman (Renata Sorrah) que era alcoólatra. Outro exemplo de

destaque foi a novela De Corpo e Alma (1992) de Glória Perez, que abordou a doação de órgãos.

Manoel Carlos é conhecido como o autor que mais defende e utiliza o merchandising social, seguido pela autora Glória Perez, a qual contribuiu, por exemplo, para o esclarecimento da sociedade acerca da clonagem, tema polêmico, exposto em O Clone (2001). Nessa novela foi também discutido, através dos personagens Mel (Débora Falabella), Nando (Thiago Fragoso) e Lobato (Osmar Prado), a questão da dependência química.

Em Pátria Minha (1994) através da personagem Alice (Cláudia Abreu), o autor Gilberto Braga trata de tabus típicos da juventude, como a virgindade, a gravidez na adolescência e a primeira relação sexual, alertando os jovens sobre a necessidade do uso de preservativos para prevenir a gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis.

Em 1996, na telenovela Explode Coração, Glória Perez aborda o problema do desaparecimento de crianças, merchandising social que estimulou uma grande campanha nacional afim de reencontrar essas crianças. Também no ano de 1996, a vida dos trabalhadores do Movimento dos Sem Terra (MST) foi enfatizada na novela O Rei do Gado de Benedito Ruy Barbosa, o tema pela primeira vez exposto em uma novela, teve grande repercussão na mídia e na sociedade.

Meu Bem Querer, de Ricardo Linhares, exibida em 1998, denunciou a exploração do trabalho infantil no Brasil, salientando a importância do estudo para a formação da criança e, mostrando que seu lugar é na escola, não trabalhando.

A novela Coração de Estudante (2002) escrita por Emanuel Jacobina, também incluiu o merchandising social, a mesma abordou a Síndrome de Down através da personagem Amelinha (Adriana Esteves), a qual teve que se adaptar e procurar mais informações sobre o assunto ao descobrir que estava grávida de uma criança com Síndrome de Down.

Fica evidente que o merchandising social é um instrumento muito útil como disseminador de informações educativas e sociais, fazendo da telenovela não apenas um programa de entretenimento, mas que proporciona também o conhecimento de assuntos de interesse da sociedade em geral. 4 A INSERÇÃO DO REAL EM PÁGINAS DA VIDA 4.1 As páginas da telenovela

Escrita por Manoel Carlos, com direção de Jayme Monjardim, a telenovela Páginas da Vida foi exibida no chamado horário nobre, às 21 horas, pela Rede Globo de Televisão. A mesma teve início em 10 de julho de 2006, substituindo Belíssima de Sílvio de Abreu e foi encerrada em 2 de março de 2007 (com reprise do último capítulo no dia seguinte).

Páginas da Vida contou com um conceituado núcleo de atores e atrizes, entre os quais podemos citar: Tarcísio Meira, Glória Menezes, Regina Duarte, Lilia Cabral, José Mayer, Marcos Caruzo, Ana Paula Arósio, Edson Celulari, Thiago Lacerda, Marcos Paulo, Caco Ciocler, Déborah Evelyn, Renata Sorrah e Helena Ranaldi.

A novela se passou em duas fases, apresentou suas principais tramas no ano de 2001 e em seguida chegou a 2006, onde elas foram desenvolvidas. Por se tratar de um intervalo pequeno de tempo, apenas cinco anos, o núcleo permaneceu praticamente o mesmo, modificando-se as crianças e acrescentando-se alguns personagens a história.

Os primeiros capítulos de Páginas da Vida introduziram o conflito principal e algumas subtramas, apresentando os principais personagens e deixando o mistério sobre o desenvolvimento das histórias.

Páginas da Vida se inicia recorrendo a imagens de um país diferente, ela transporta o telespectador para um lugar distante, exótico. Nessa telenovela, os personagens Nanda e Léo tem um romance ambientado em Amsterdã, na Holanda. Tal

país aparece envolvido em um universo romântico, encantador, seduzindo, dessa forma, o telespectador que sente-se atraido pelas imagens do desconhecido, do novo.

No entanto, o que o público gosta, realmente, é de se identificar com os personagens e ambientes da telenovela, desse modo, ele poderia se sentir frustrado caso determinada novela fosse inteiramente ambientada em um país muito diferente do Brasil. No caso da telenovela Páginas da Vida somente os primeiros capítulos aconteceram na Holanda, sendo o Rio de Janeiro, principalmente o bairro do Leblon, o lugar mais utilizado para ambientar a história.

A trama que conduz a telenovela é basicamente o destino das crianças, Clara (Joana Mocarzel) e Francisco (Gabriel Kaufmann), irmãos gêmeos separados após a morte da mãe, Nanda (Fernanda Vasconcellos), sendo que várias histórias secundárias se desenvolvem ao lado da principal.

Três famílias se destacam no enredo da telenovela: a família de Seu Aristides (Tarcísio Meira), a de Helena (Regina Duarte) e a de Martha (Lilia Cabral), os membros desses núcleos estão, geralmente, envolvidos nos acontecimentos da novela.

Seu Aristides é um homem amoroso e conservador, pai de seis filhos, entre eles, Olívia (Ana Paula Arósio) inicialmente casada com Sílvio (Edson Celulari), mas que depois se envolve com Léo (Thiago Rodrigues), pai de Clara e Francisco. Carmem (Nathália do Valle) é a filha mais problemática de Seu Aristides, ela não se relaciona bem com a filha Marina (Marjorie Estiano), é casada no início da novela com Bira (Eduardo Lago), mas o trai com Greg (José Mayer). Já Jorge (Thiago Lacerda) é o mais novo entre os filhos de Seu Tide, ele tem um caso conturbado com Sandra (Danielle Winits), mas encontra seu verdadeiro amor ao conhecer a jovem Telminha (Grazieli Massafera), irmã de Sandra.

Helena (Regina Duarte) é uma médica obstetra respeitada por sua competência, tem um romance com o também médico Diogo (Marcos Paulo), é mãe adotiva de Salvador (Jorge de Sá) e Clara, criança com Síndrome de Down, filha biológica de Nanda, que faleceu logo após o parto dos gêmeos. Os confidentes de Helena são seu ex-marido, Greg, sua vizinha Ana (Déborah Evelyn) e o casal Selma (Elisa Lucinda) e Lucas (Paulo César Grande), os quais trabalham no mesmo hospital que Helena. Embora seja uma mulher honesta, Helena vive atormentada com a possibilidade da família verdadeira de Clara reivindicar a guarda da menina ao descobrir que a garota está viva e foi adotada por ela. A única que sabe da adoção de Clara é Martha (Lília Cabral), no entanto ela não desconfia quem a adotou.

Martha é mãe de Sérgio (Max Fercondini) e Nanda, ela e o marido, Alex (Marcos Caruzo) pagavam os estudos da filha em Amsterdã, na Holanda, onde Nanda engravidou do namorado, foi abandonada por ele e teve que voltar para o Brasil. Na casa dos pais ela sofreu com a incompreensão da mãe, mas encontrou apoio no irmão e no pai, até o dia em que faleceu. Alex tem problemas cardíacos e não acompanhou o nascimento dos netos porque estava em outro hospital passando por uma cirurgia, somente Martha soube que uma das crianças havia nascido com Síndrome de Down, e ela mesma tomou a decisão de rejeitar a neta, deixando-a com Helena para que fosse encaminhada à adoção. Martha disse a todos da família que a menina havia morrido.

Comovida com a menina, Helena resolve adotá-la e, a partir de então, o autor passa a utilizar o merchandising social para levar ao telespectador informações sobre a Síndrome de Down. Por ser mãe de uma criança que necessita de cuidados especiais, a personagem Helena precisou aprender mais sobre o assunto e teve que enfrentar o preconceito por parte da sociedade. Através da telenovela Páginas da Vida, ficou evidente, por exemplo, a dificuldade pela qual uma mãe passa para encontrar um colégio adequado as necessidades de uma criança com Síndrome de Down.

Para superar os desafios Helena conta, entre outros, com a ajuda da vizinha Ana, a qual é mãe de Gisele (Pérola Faria), adolescente que desde criança tem sua vida extremamente controlada pela mãe. Gisele , apesar de estar com o peso adequado à sua altura, acha-se gorda, sente-se culpada ao comer, ela desenvolve uma doença pouco conhecida pela sociedade em geral: a bulimia. A preocupação excessiva com o corpo é uma das características que pode levar a anorexia ou a bulimia, por medo de engordar a

pessoa prefere não se alimentar ou vomitar após a refeição. O tema alertou vários pais para esse problema que, as vezes, só é detectado quando não há mais solução.

Em Páginas da Vida o alcoolismo foi abordado em vários capítulos. Através do drama vivido pelo personagem Bira esse assunto gerou muitos debates e conseguiu expor o sofrimento não só do dependente, mas também da família, que muitas vezes não sabe como agir diante de tal situação. No caso, coube a Marina a responsabilidade de ajudar seu pai, ela teve que abdicar de várias coisas para suportar o peso de ter um parente tão próximo com o vício do álcool.

O preconceito racial foi abordado por uma ótica pouco explorada, utilizando uma criança, a personagem Gabriela (Carolina Oliveira), como disseminadora do preconceito, ela é filha de Lucas, o qual é casado com Selma, que por ser negra é vítima do racismo. Embora Selma tente se aproximar da garota, ela percebe que Gabriela é preconceituosa e isso se deve em parte, a educação dada pela mãe dela, também racista. Angélica (Cláudia Mauro), mãe de Gabriela, é o retrato da hipocrisia que predomina na sociedade brasileira quando o assunto é racismo, na teoria a grande maioria afirma não ter nenhum preconceito, mas na prática as atitudes mostram o contrário.

Emoções, conflitos, motivações e desencontros são itens indispensáveis em uma telenovela que pretende conquistar o telespectador, tais características estavam presentes na ficção de Manoel Carlos, juntando-se a elas outra característica que marcou Páginas da Vida: a inserção de depoimentos “reais” no final de cada capítulo, o que fez aumentar a credibilidade da telenovela junto ao público. 4.2 A interligação entre o ficcional e o real

Com o desenvolvimento das histórias da telenovela é comum que o telespectador crie um envolvimento afetivo com os personagens e quanto mais próxima da realidade forem essas histórias maior será a identificação do público com a telenovela.

Por ser uma obra sujeita a modificações, já que continua sendo escrita enquanto está no ar, a telenovela tem a possibilidade de abordar acontecimentos que estejam ocorrendo na vida real durante sua exibição, utilizando os personagens para vivenciar ou comentar os fatos.

Em Páginas da Vida alguns acontecimentos foram comentados pelos personagens, podemos citar, o capítulo exibido no dia 18 de novembro de 2006, onde a personagem Gisele diz a sua mãe, Ana, que não quer mais comer porque está gorda. Preocupada com a filha, Ana fala sobre o drama vivido pela modelo Ana Carolina, jovem de 21 anos de idade, que morreu vítima da anorexia. Desse modo a ficção introduziu no drama existente na telenovela, um trágico fato acontecido poucos dias antes na vida real.

Do mesmo modo, no dia 08 de janeiro de 2007, foi exibido um capítulo no qual Seu Aristides comenta indignado, sobre a violência que assusta a população do Rio de Janeiro. Ele chama a violência urbana de terrorismo e, fala do absurdo que foi queimarem um ônibus cheio de pessoas dentro. A indignação do personagem é apenas uma encenação do que realmente devem ter sentido as pessoas que viveram esse terror, mas o desabafo dele reflete a revolta dos cidadãos cariocas, os quais assim como Seu Aristides querem um Rio de Janeiro com mais segurança.

Um fato que marcou a população de São Paulo foi o desabamento de uma parte em construção de um metrô, o qual deixou uma enorme cratera em uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo. Enquanto isso, em Páginas da Vida, no capítulo do dia 15 de janeiro, Alex lê em um jornal as notícias sobre o acidente, em seguida comenta com Martha que as vítimas ainda não haviam sido encontradas.

Segundo Trindade (2001), o que faz o elo entre a ficção e a realidade na telenovela são as representações do cotidiano, ou seja, os discursos referentes às construções de realidades ou sobre realidades. Portanto tem-se um fio condutor, o discurso do cotidiano, o qual inter-relaciona esses elementos: a ficção e a realidade.

Em 09 de fevereiro um ato de extrema violência é comentado pela telenovela: o assassinato do menino João Hélio, de apenas 6 anos, o qual estava no carro da sua mãe quando bandidos os assaltaram, a mãe tentou tirá-lo do automóvel, mas ele ficou preso

pelo cinto de segurança. Os assaltantes aceleraram o carro e saíram arrastando João Hélio por vários quarteirões, ele não resistiu. Uma violência brutal que foi lida em um jornal pelas freiras que trabalham no mesmo hospital que Helena. Elas comentaram o fato, falaram sobre a impunidade no país, lembrando que um dos bandidos era menor de idade e por isso seria apenas apreendido, e em seguida emocionadas, fizeram uma oração que deu lugar a paisagem do Cristo no Rio de Janeiro em meio ao silêncio (sem nenhuma música de fundo).

Na ficcionalidade proposta pelos meios de comunicação, o real se apresenta não por coerências que remetem diretamente à existência, evocando-a, mas por um distanciamento que remete a memória, as expectativas e ao envolvimento afetivo. A ação dos personagens pode não reproduzir fielmente a experiência vivida, mas é seguramente a experiência que melhor pode ser compartilhada ou comunicada. (COSTA, 2002, p. 108)

Um ônibus é rendido por bandidos e queimado com os passageiros dentro, esse

fato que já havia sido comentado pelos personagens de Páginas da Vida, mereceu, na opinião do autor, um destaque maior e no dia 26 de fevereiro, foi reproduzida uma cena na qual Gabriela e sua mãe, Angélica, voltam para cidade de Belo Horizonte, onde moram, durante a viagem o ônibus que elas estão é assaltado e, em seguida incendiado. Gabriela consegue sair do ônibus, mas assim como na realidade algumas pessoas morreram, Angélica morre queimada. A cena representou com o máximo possível de semelhança a realidade do fato. 4.3 Os depoimentos

A telenovela Páginas da Vida trouxe uma inovação para o formato e a linguagem desse gênero televisivo. Uma nova possibilidade de interligação entre os dramas ficcionais e as histórias da realidade cotidiana foi apresentada através da inserção diária de depoimentos tidos como reais, no final de cada capítulo da telenovela.

Os depoimentos tinham, em média, cerca de um minuto de duração, onde pessoas anônimas expunham da maneira mais natural possível, algum fato relevante de suas vidas. Os depoimentos são desprovidos de qualquer artifício que possa identificar o autor do relato, não existe na tela a presença de caracteres informando o nome, idade ou local onde eles foram gravados.

O que fica evidente na grande maioria dos relatos é a intenção do autor e do diretor, em passar ao telespectador a idéia de que nada era previamente combinado, se fazia necessário parecer que o indivíduo estava, por acaso, circulando em determinado local, quando encontra a produção da novela e, sem muita preparação, resolve contar uma página importante da sua história.

Teoricamente, qualquer pessoa poderia ter seu momento de fama, mas apenas fazer anônimos aparecerem não era o propósito principal da telenovela, e sim levar ao telespectador mensagens positivas, esperançosas, verdadeiras lições de vida.

Os depoimentos, assim como as telenovelas em geral, abordam temáticas variadas, falam sobre o amor, a doença, a morte, a família, os amigos, o preconceito, entre outros assuntos. Também são diversificadas a etnia e a faixa etária dos depoentes.

A inclusão de alguns relatos supostamente reais foi antes utilizada, de forma discreta, por Glória Perez em Explode Coração (1995), onde o problema do desaparecimento de crianças era discutido. Nesta telenovela a autora juntou na mesma cena as Mães da Cinelândia, mulheres que dedicam toda a vida à busca de filhos desaparecidos, e a personagem Odaísa (Isadora Ribeiro) a qual procurava seu filho Gugu (Luiz Cláudio Júnior). As mães tinham um espaço na novela para mostrarem as fotos dos filhos, além de falarem um pouco sobre o desaparecimento deles.

Em O Clone (2001)escrita também por Glória Perez, foram utilizados depoimentos reais de usuários de drogas, fazendo relação com a questão da dependência química abordada na novela. Pessoas famosas como Carlos Vereza e Nana Caymmi, participaram da novela dando depoimentos verídicos sobre o assunto.

Em ambos os casos citados, os relatos verídicos eram somente sobre determinado tema e de alguma forma estavam interligados com as cenas. Em Páginas da Vida os depoimentos apareciam, inicialmente, envolvidos pelo fator surpresa, pois era impossível para o telespectador saber qual seria o assunto desenvolvido, levando em consideração a diversidade de temas abordados. Desse modo, em uma única semana vários assuntos eram explorados e mesmo quando a temática se repetia não ficava monótono, uma vez que cada pessoa tinha uma história particular e um modo próprio de narrar os acontecimentos.

Esteticamente, o formato dos depoimentos pouco variavam, seguiam em geral, o mesmo padrão. Assim que encerrava-se o capítulo surgia uma imagem (semelhante a uma página de um livro ou revista) com palavras em itálico e alguns pequenos quadrados em movimento, os quais apresentavam partes das cenas do capítulo seguinte, atraindo e organizando, assim, o olhar do telespectador da telenovela, na medida em que tratava de antecipar o desenrolar do capítulo posterior. Essa imagem durava por alguns segundos e era encerrada quando a música de fundo (tema de abertura da novela) chegava a frase: Vou te contar...; Neste momento aparecia, então, a pessoa que viria contar ao telespectador um pouco de sua história.

O ambiente onde o depoimento era gravado, parecia ser ao ar livre (uma praça ou jardim), o mesmo se apresentava desfocado sendo utilizado como pano de fundo para a pessoa que contaria o fato, esta aparentemente encontrava-se sentada e era enquadrada em um plano acima da cintura, focalizando assim, os gestos e as expressões faciais do depoente e evitando chamar a atenção do telespectador para outros detalhes que por ventura ocorressem durante o relato.

A grande maioria dos depoimentos eram dados individualmente, raras foram as exceções, podemos citar o caso em que aparecem casais como no dia 27 de fevereiro de 2007, quando os pais do garoto João Hélio, assassinado por assaltantes, deram juntos um depoimento emocionante falando sobre a violência e a impunidade no país. Outro tipo diferente de depoimento é aquele que começa com uma pessoa, mas um segundo indivíduo surge no final para confirmar o teor de realidade da história, por exemplo, no dia 10 de janeiro de 2007 um homem fala sobre sua filha que após ser atingida por uma bala perdida ficou paraplégica, no fim do relato a garota aparece, reforçando com sua presença a veracidade do fato contado.

Percebe-se que não há uma preocupação em editar detalhadamente os depoimentos, eles se apresentam com cortes bruscos nos discursos, a novela poderia ter optado por editar de forma mais cuidadosa as histórias contadas, afim de que quando fossem finalizadas tivessem o tempo determinado de um minuto (média de tempo dos depoimentos). Porém, com o pouco uso dos recursos da edição foi possível manter a relação de suposta liberdade dada ao depoente, o telespectador pode perceber que ele não falou algo programado apenas para aquele minuto, tinha contado uma história completa que depois foi resumida pelos responsáveis por Páginas da Vida, era como se o depoimento só fosse cortado por causa do tempo.

Páginas da Vida pode ser considerada uma novela com dois fins para cada capítulo, primeiro encerra-se a parte ficcional, mas não acaba o capítulo, pois, logo em seguida chega o momento em que aparece um personagem da vida real, aquele que mais mantém uma relação de semelhança com o cotidiano popular, porque se mostra, supostamente, como realmente é, falando diretamente para o telespectador tal qual falaria com um amigo próximo. Somente após esse depoimento pode se dizer que o capítulo acabou.

Existe uma empatia por parte do público com os depoimentos, esse universo de imagens afetivas passa a manter uma relação íntima e cotidiana, introduzindo na vida das pessoas não somente uma encenação do real, como acontece na telenovela, mas a própria realidade é posta em evidência. Diariamente, algum desconhecido invade o espaço da telenovela e dirige-se ao telespectador comentando fatos, dando-lhe

conselhos, fazendo-lhe confidências e enchendo os ambientes de lágrimas, risos e sentimentos diversos.

Alguns depoimentos repercutem mais que o esperado e até de forma negativa, caso do relato exibido no dia 15 de julho de 2006, onde uma senhora fala sobre seu primeiro orgasmo. Ela contou como, através da masturbação, chegou ao orgasmo, esse depoimento foi considerado apelativo por boa parte do público. A senhora de 68 anos que até então era anônima, teve sua privacidade invadida, e dona Nelly da Conceição, como se chama, foi alvo de discussões em algumas revistas, sites e programas de TV.

Na vida ficcional do seriado A Grande Família um depoimento também gerou polêmica. No episódio do dia 05 de outubro de 2006, intitulado: Joga Pedra na Nenê, a personagem dona Nenê protagonizava o depoimento da telenovela Páginas da Vida, onde a mesma falava sobre ser casada e ter fantasias sexuais com outros homens. Algo interessante se revelava aos telespectadores, os quais puderam acompanhar o seriado em questão encenar uma história de outra ficção, o depoimento dona Nenê aparece no lar da família de Lineu da mesma maneira que se apresenta na casa do público real.

A repercussão do depoimento de dona Nenê no cotidiano de A Grande Família encenou como devem acontecer na vida real os comentários sobre os relatos exibidos todos os dias na telenovela em questão.

Um aspecto atraente aos olhos do telespectador em relação aos depoimentosé o fato de que em qualquer dia um amigo, parente ou vizinho pode, sem nenhum aviso prévio, invadir a tela da televisão e por alguns instantes protagonizar a novela . Diferente das obras tradicionais, Páginas da Vida traz através da utilização dos depoimentos a possibilidade do público se ver na novela, não apenas vê-se identificado pelos personagens. Os depoimentos se constituem como espelhos do mundo real, onde vemos refletida nossa imagem ou a representação que mais se assemelha a ela.

A mensagem mais emitida pelos depoimentos ao longo da trajetória da telenovela Páginas da Vida é, sem dúvida, a de que viver é algo precioso e os desafios por maiores que pareçam, devem ser enfrentados com otimismo. O que de certa forma transparece a alma do cidadão brasileiro que apesar das adversidades acredita que tudo ser solucionado da melhor maneira possível. 4.4 Os personagens da vida real nos depoimentos

Interessa-nos neste momento examinar as mensagens televisivas encontradas nos depoimentos de Páginas da Vida. Entre os depoimentos disponíveis gravados no mês de janeiro de 2007, verificamos que a maior parte dos relatos, 16, são protagonizados por mulheres, enquanto o sexo masculino aparece contando os fatos em 7 depoimentos.

Entre os homens 2 abordam a questão da violência, 2 falam do amor a família, 1 sobre alcoolismo, 1 acerca do homossexualismo e outro sobre morte. No caso feminino os assuntos mais abordados são a família, o câncer, a AIDS e a morte. Diante de um panorama geral detectamos que os diversos tipos de doenças: alcoolismo, câncer, AIDS, bulimia, anorexia, são os assuntos mais citados no mês de janeiro de 2007.

Desse modo, selecionamos os últimos depoimentos exibidos no mês de janeiro para analisarmos, uma vez que, nele estão contidos os temas mais discutidos: a doença, a morte, a família. Utilizamos os depoimentos dos dias 24, 25, 26, 27, 29, 30 e 31 de janeiro. Como foi explicado na introdução desse estudo não gravamos todos os depoimentos do mês de janeiro devido a problemas no aparelho de videocassete, dessa forma, por isso não analisamos o relato do dia 28.

A telenovela com seus personagens, cenários e ambientes faz fluir a imaginação do telespectador, há um deslocamento da realidade objetiva para o mundo subjetivo, cheio de representação da realidade. É o espaço onde o telespectador pode, ao menos de forma simulada, experimentar o poder de falar tudo que sente acerca de determinado personagem, de ser espontâneo sem precisar fingir uma empatia para manter as aparências.

Em relação aos depoimentos acontece algo diferente, pois por se tratar de uma história real, de pessoas que expõe suas vidas, o público perde de certo modo a certeza sobre o que sente ou o que acha dos relatos, tendo em vista que não se sabe nada

(além do que está sendo dito) sobre a pessoa, enquanto acerca do personagem e possível saber tudo, e assim fazer um julgamento sem culpas.

Para Fausto Neto (1991) o real é agregado à ficção, e a única prova, único referencial de que se dispõe para se crer na veracidade do enunciado, no sentido de diferenciá-lo daqueles enunciados ficcionais, trata-se do campo do implícito. Assim, a mensagem emitida nos depoimentos deve dispor de naturalidade e firmeza para passar ao telespectador uma sensação de realidade.

A linguagem utilizada no discurso dos depoimentos é simples, coloquial e direta, o depoente fala não para uma câmera, mas para o público que naquele momento se torna uma espécie de confidente a quem a história é contada.

Contar um fato íntimo para alguém é difícil, ainda mais relatar uma história admitindo uma doença para boa parte dos brasileiros que acompanhavam a telenovela Páginas da Vida.

No depoimento exibido em 25 de janeiro de 2007, uma mulher revela ser soro positivo, diz que tem AIDS desde os 18 anos de idade e que contraiu a doença através de seu marido. O termo AIDS é envolvido por uma série de tabus e preconceitos, sendo mais comum haver uma negação da doença. Para Fausto Neto (1991, p.64):

A questão moral aflora: a problemática da AIDS e explicada pela “janela da culpa”, seja da maneira como os sujeitos produzem e desenvolvem seus comportamentos sexuais, seja pela localização de um outro, a quem se atribui causas responsáveis. Voltamos, pois a questão de que sempre se precisa de um outro (causas, diagnósticos, versões, avaliações pessoais), para se desviar dessas designações que tratam de simbolizar a questão da terminalidade do ser humano. As recusas aqui apresentadas o são, no primeiro momento, na forma de desolações, lamentações, aporias, presunções etc.

No depoimento da telenovela, porém, a mulher demonstra uma outra atitude, ela

não se apresenta com sentimento de culpa por estar com AIDS, ao contrário, enfatiza que contraiu o vírus através do marido, transferindo a responsabilidade por seu estado para ele e se livrando do pré julgamento da sociedade ao afirmar implicitamente sua fidelidade ao marido.

Testemunho sobre a AIDS, em geral tem credibilidade junto ao público, que leva em consideração a coragem necessária para que uma pessoa fale publicamente sobre este assunto.

Assim, a mídia se converte não apenas no dispositivo que assegura a prova da testemunhalidade do real do sujeito, mas ao mesmo tempo constrói a noção deste real, bem como seu respectivo desdobramento. Neste caso as imagens citadas se prestam a várias finalidades: são operadoras de identificação, também se convertem em conceitos, na medida em que, sendo imagem da vida do sujeito em ação, procuram produzir junto a recepção, enquanto efeito de sentido, valores como tenacidade, e irreverência, e aponta para um constante referente: sua luta contra o fim. (FAUSTO NETO, 1991, p.129).

Entretanto, a depoente de Páginas da Vida transparece um bem estar físico e

psicológico, no depoimento mostra que convive com a doença desde os 18 anos, se

cuida e leva uma vida relativamente comum e que o fato de ter AIDS não significa o fim da vida. Ela ainda fala sobre a prevenção contra as doenças sexualmente transmissíveis.

Em Páginas da Vida a AIDS é abordada através do personagem Gabriel, homem que é internado na clínica onde trabalha o médico Diogo. O preconceito parte do próprio hospital que não aceita paciente com essa patologia. Devido a isto Diogo é obrigado a mentir acerca da doença de Gabriel, somente o médico e a personagem Lavínia sabem do verdadeiro diagnóstico, o hospital acredita que o paciente está com tuberculose.

O discurso funciona segundo Fausto Neto (1991) à base de um implícito, de um proibido, que é bloqueado ou inibido por outras operações de significantes que tratam de manter sob a barra outras nomeações, não deixando vir à tona, na forma de inscrição da linguagem, uma questão proibida: a AIDS.

Embora haja um maior esclarecimento da sociedade sobre as formas de transmissão, prevenção e tratamento da AIDS, o preconceito ainda existe na telenovela o próprio Gabriel não que inicialmente se tratar, acha que vai morrer em pouco tempo. Cabe então ao médico a função de ajudá-lo a superar o medo e esclarecer as questões sobre a doença, tudo de forma sigilosa, evitando que outros saibam do caso.

Em nenhum momento do depoimento da telenovela a doença é negada, mas sim enfrentada com força de vontade e otimismo. É a esperança que de vez em quando se insinua, de que tudo isso não passa de um pesadelo irreal; de que acorde uma manhã com a notícia de que os médicos vão testar um novo medicamento que parece promissor, e que talvez seja escolhido para desempenhar um papel especial na vida, afirma Kubler-Ross (1989).

Podemos citar também o depoimento do dia 27 de janeiro onde uma mãe fala sobre o seu filho que, logo após nascer teve um problema cerebral. Ela diz que passou por dificuldades, mas consegui superar os obstáculos. Atualmente o garoto está com 9 anos, e apesar da doença, é uma criança esperta e amada. No final do depoimento a mulher mostra o seu filho, um orgulho para ela.

A personagem Helena tem uma historia semelhante à dessa mulher, a mesma sendo mãe adotiva de uma criança com Síndrome de Down, enfrentou vários desafios, sofreu com o preconceito da sociedade, mas sempre contornou os problemas. Apesar da doença de sua filha, Clara, Helena não a olha com pena, nem se envergonha dela, ao contrário, a admira e é uma mãe realizada.

No dia 30 de janeiro um depoimento emocionou o país, ao ter uma doença quando era criança uma moça ficou paraplégica. A partir de então, ela teve sua vida modifica, mas consegui estudar, trabalhar e quando menos esperava conheceu um rapaz casou-se com ele e para coroar sua vitória está esperando um bebê.

A esperança e a vontade de ser feliz são as marcas deste depoimento, para encerra o relato sobre esta pagina de sua vida, a moça deixa uma frase que se constitui como uma verdadeira lição àqueles que se deixam abater pelas doenças, ela afirma ser deficiente, mas não incapaz, mostrando que nada é impossível quando se acredita no seu potencial. O fato de ter uma doença não é segundo os depoimentos dados na telenovela, motivo de desespero e nem significa que a morte está próxima.

A temática morte apareceu nos dia 24 e 26 de janeiro. Em ambos os casos ela está ligada à violência, problema que aflige o país.

No dia 24 de janeiro uma mãe veio angustiada falar sobre a morte do filho, um rapaz batalhador escolheu a profissão a fim de defender a população contra a violência, ele era policial e morreu assassinado por bandidos.

É inconcebível para o inconsciente imaginar um fim real para nossa vida na terra e se a vida tiver um fim, este será sempre atribuído a uma intervenção maligna fora do nosso alcance. Explicando melhor, em nosso inconsciente só podemos ser mortos; é inconcebível morrer de causa natural ou de idade avançada. Portanto, a morte em si está ligada a uma ação má, a um acontecimento medonho, a algo

que em si clama por recompensa ou castigo. (KUBLER-ROSS, 1989, p.14)

Embora carregue consigo a revolta por ter tido a vida do filho violentamente

interrompida, a mãe que relatou este fato faz implicitamente um protesto contra a violência, mais principalmente exalta a memória do rapaz e se mostra feliz pelo filho que teve.

Na telenovela Páginas da Vida foi também por causa da violência que a personagem Angélica faleceu, ele foi vítima de um assalto do ônibus no qual viajava, os bandidos queimaram o automóvel impossibilitando a mesma de sair. Angélica morreu queimada deixando um sentimento de dor e revolta entre os personagens da novela. Sua filha Gabriela, também se encontrava no ônibus, mas consegui sair com ajuda de outro passageiro, caso contrário, ela seria mais uma vitima da violência.

O homem tem que se defender de vários modos contra o medo crescente da morte e contra a crescente incapacidade de prevê-la, e precaver-se contra ela. Psicologicamente, ele pode negar a realidade de sua morte por um certo tempo. Em nosso inconsciente, não podemos conceber nossa própria morte, mas acreditamos em nossa imortalidade. Contudo, podemos aceitar a morte do próximo e as noticias do número dos que morrem nas guerras, nas batalhas, e nas auto-estradas só confirmam a crença inconsciente em nossa imortalidade, fazendo com que, no mais recôndito de nosso inconsciente, nos alegremos com um “ainda bem que não fui eu”. (KUBLER-ROSS, 1989. p. 26).

Outro depoimento abordando o tema morte foi exibido no dia 26 de janeiro, dessa

vez o assunto é envolvido por uma atmosfera sobrenatural. Um rapaz diz ter visto seu falecido pai, que o avisou para sair da casa onde estava. Acreditando no aviso do mesmo, ele obedeceu e depois ficou sabendo que naquele local houve um assassinato em massa. Desse modo, o rapaz provavelmente estaria morto caso não levasse em consideração a ordem vinda de outro plano através do seu pai.

A personagem Nanda de Páginas da Vida morreu nos capítulos iniciais da trama, no entanto continuo aparecendo para os seus filhos, Clara e Francisco, os quais podiam vê-la, além de conversarem com a mãe. Durante toda a trajetória da novela, Nanda mesmo morta, se fez presente como uma espécie de anjo da guarda para os seus filhos. Ela foi indiretamente uma das responsáveis pela união das crianças.

Como Nanda não podia ser vista por outras pessoas, ela mandava sinais com objetivo de que entendessem o que estava tentando falar. Helena, no capitulo do dia 8 de janeiro ficou assustada com alguns acontecimentos sobrenaturais causados por Nanda, como ventanias e objetos caindo, para que ela não deixasse Clara ir para casa naquele momento, a médica de certo modo entendeu a mensagem.

No depoimento o rapaz tranqüilo não aparenta ter medo da morte ou dos mortos, mas parece agradecido pela atitude do pai, que mesmo depois da morte continuou o protegendo.

Para Kubler-Ross (1989) há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste demais sob vários aspectos, sobretudo é muito mecânico e desumano. Porém, nos depoimentos o que prevalece mais que a morte ou o medo dela é a presença daqueles parentes que faleceram, seja a presença na memória ou aparição sobre a forma de uma espécie de protetor que continua por perto.

Em 29 de janeiro a família foi posta em evidência através do depoimento de Paginas da vida. Um homem, jovem veio expor em público o amor que sente pela sua família.

Impõe-se a família dita contemporânea, ou pós-moderna, que une, ao longo de uma duração relativa, dois indivíduos em busca de relações intimas ou realizações sexual. A transmissão da autoridade vai se tornando então cada vez mais problemática à medida que divórcios, separações e recomposições conjugais aumentam. (ROUDINESCO, 2003. p.19).

O rapaz enfatiza em seu relato que é casado e ama a esposa, a família é segundo

ele algo de enorme relevância. No contexto atual em que os relacionamentos começam e terminam com tamanha facilidade, o depoimento desse jovem nos transporta a tempos passados, quando a família era uma instituição considerada imutável, fixa. Os casamentos, em geral, duravam a vida inteira, o que não significa dizer que os casais estavam satisfeitos com o relacionamento, mas havia uma tentativa maior de se manter a família. Os filhos eram poupados de uma possível separação dos pais. Para Roudinesco (2003) a ordem familiar econômico-burguesa se baseava em três fundamentos: a autoridade do marido, a subordinação das mulheres e a dependência dos filhos.

Em Paginas da Vida a família de Seu Aristides se apresenta como uma espécie de família patriarcal do século XXI, aquela regida pela figura do pai, o homem que comanda, toma as decisões, exige respeito por parte da esposa, com quem é casado há várias décadas, e dos filhos os quais devem permanecer ao redor dos, pois mesmo depois de constituírem suas próprias famílias.

O depoimento do rapaz surpreende pela certeza que o mesmo demonstra, embora seja jovem de que aquela é a família perfeita para ele.

É uma mulher que protagoniza o depoimento exibido em 31 de janeiro, ela aborda a questão de não poder ter filho, problema que enfrentou, fez tratamento e consegui superar.

Essa mulher se apresenta como um reflexo da mulher moderna que toma a iniciativa quando deseja algo. O seu problema inicialmente detectado não a fez desistir do sonho de ter um filho e assim constituir sua família.

Em lugar de ser divinizada ou naturalizada, a família contemporânea se pretendeu frágil, neurótica, consciente de sua desordem, mais preocupada em recriar entre os homens e as mulheres um equilíbrio que não podia ser proporcionado pela vida social. Assim, fez brotar do seu próprio enfraquecimento um vigor inesperado. Construída, desconstruida, reconstruída, recuperou sua alma na busca dolorosa de uma soberania alquebrada ou incerta. (ROUDINESCO, 2003, p. 153).

A família da personagem Helena transparece uma das novas formas de constituição da família. Ela é solteira, independente e mãe adotiva de um rapaz negro e uma criança portadora da Síndrome de Down. O amor que ela dedica aos filhos é, no entanto, o mesmo que uma mãe biológica dedicaria a seus filhos verdadeiros.

Os depoimentos da telenovela Páginas da Vida, aparecem como uma janela na qual observamos a realidade exposta da forma mais natural possível e por onde podemos nos ver refletidos diante dos relatos observados na novela. Considerações finais

O presente estudo nos proporcionou um crescimento acerca de conceitos sobre

televisão, ficção televisiva e, em especial, sobre telenovela, esse gênero que antes já nos atraia e a partir das descobertas obtidas durante esse estudo conseguiu nos fascinar ainda mais.

Entendemos que a telenovela com seus personagens, falas e situações do mundo ficcional povoam o imaginário e o cotidiano da sociedade, ela funciona como parte de nossas vidas, tendo um lugar garantido nas conversas, discussões e debates que podem gerar novas formas de sociabilidade e comunicabilidade entre os indivíduos.

Embora existam muitos enfoques tratando da televisão, e sobretudo, da telenovela como fontes de alienação e dependência, temos que reconhecer que os meios de comunicação, ou a sua programação, podem influenciar, de certo modo, a vida do público, porém, é preciso admitirmos que os telespectadores tem competência para administrar as mensagens televisivas, sendo capazes de diferenciar e escolher a programação que mais os agrada.

A telenovela Páginas da Vida apresentou-se superando as fronteiras entre o real e o ficcional, através da inserção dos depoimentos verídicos na novela, o telespectador acostumado em apreciar a simulação da realidade, deparou-se com o próprio real diante da televisão.

Os depoimentos demonstram uma visão otimista da vida, mostram o lado positivo dos acontecimentos marcantes, passam uma mensagem de esperança em dias mais agradáveis. Observamos que os mesmos, em geral, não se relacionam com o capítulo exibido em seu respectivo dia, eles abordam temas diferentes dos que foram centrais na telenovela naquele capítulo, somente em alguns casos, os assuntos coincidem.

Entre os relatos analisados encontramos casos em que o desespero, o medo e a revolta poderiam ter sido os sentimentos priorizados no discurso, no entanto, os depoentes demonstraram uma sobriedade acerca do tema que estavam abordando, passando naquele momento ao telespectador, através das histórias de superação dos problemas, palavras de consolo, de força e de coragem necessárias para enfrentar os obstáculos que aparecem durante a trajetória da vida.

Os depoimentos se constituem como verdadeiras lições de vida, eles fazem o telespectador se comover e sensibilizar com os relatos, ao mesmo tempo em que o incentiva, implicitamente, a não se deixar abater diante dos problemas. Ficando claro no decorrer da pesquisa, que esse foi o estilo escolhido para os relatos da telenovela, esse pensamento positivo transparece a reação da maior parte dos brasileiros, mas não podemos esquecer que a telenovela mostra apenas um recorte da realidade e até mesmo o real exposto nos depoimentos tem seu outro lado.

Caso observemos em nossa volta perceberemos que diante de problemas relativamente pequenos as pessoas se desesperam, cometem crimes, suicídios, e então, entenderemos que a ideologia escolhida pela telenovela é uma parte do real, mas não é, e nem se propõe a ser, a realidade de todos os brasileiros. Os depoimentos devem, ao que nos parece ao longo da pesquisa, ser selecionados evitando, desse modo, que relatos com sentimentos não edificantes apareçam na telenovela. Os depoentes falam o quanto e o que quiserem, ficam como se estivessem conversando com um amigo, mas depois os responsáveis pela edição da novela se encarregam de resumir e aproveitar as mensagens otimistas ditas pelas pessoas. É interessante enfatizarmos que mesmo a história sendo triste, a mensagem que prevalece sempre é positiva.

É, sobretudo, importante esclarecermos que os depoimentos da telenovela Páginas da Vida se constituíram como um novo estilo de linguagem televisiva, capaz de transformar pessoas anônimas em protagonistas, misturando de certa forma, o universo ficcional e o real, sendo, portanto, um grande passo para uma novela que se pretende estar cada vez mais semelhante a realidade.

Com este estudo foi possível percebermos que a vida cotidiana se transporta por alguns instantes para o universo ficcional, fazendo deste um espelho onde vemos, através de um personagem da vida real, a representação mais próxima de nossa realidade.

Dessa forma, concluímos que os depoimentos encontrados na telenovela Páginas da Vida são direcionados por um viés voltado para um mundo positivista, no qual mesmo diante de situações pouco agradáveis que acontecem no decorrer da vida (doenças, violência, morte, perdas amorosas, entre outras), os indivíduos se mostram fortes e determinados a reverter a sua condição de fragilidade em coragem para a mudança dessa situação. Em vez de olhar o mundo por uma ótica pessimista, eles enxergam pelo prisma de novas perspectivas para a vida. Notas Não foi possível encontrar mais detalhes acerca de Arbwehnel, foraM consultados diversos sites que só traziam as informações citadas no texto. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Candido José Mendes de.; ARAÚJO, Maria Elisa de. (org.s). As perspectivas da televisão brasileira ao vivo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997. COSTA, Maria Cristina Castilho. Ficção, comunicação e mídias. São Paulo: Senac, 2002. DICIONÁRIO DA TV GLOBO, vol. 1: Programas de dramarturgia e entretenimemto/Projeto memória das Organizações Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. FAUSTO NETO,Antônio. Mortes em derrapagem: os casos Corona e Cazuza, no discurso da comunicação de massa. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1991. FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: O veículo, a história e a técnica. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. JORNAL NACIONAL: a notícia faz história / Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. KUBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. MATTELART, Michéle & Armand. O carnaval das imagens: A ficção na TV. São Paulo: Brasiliense, 1989. MELO, José Marques de. As telenovelas da Globo: Produção e exportação. São Paulo: Summus, 1988. ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia H. Simões e RAMOS, José Mário. Telenovela: História e produção. 2. ed. São Paulo; Brasiliense, 1991. PAIVA, Cláudio Cardoso de. Dionísio na Idade Mídia: Estética e sociedade na ficção televisiva seriada. Atualização da tese de doutorado, Sorbonne: Paris (a ser editado em 2007). PALLOTTINI, Renata. Dramartugia de televisão. São Paulo: Moderna, 1998.

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