49
A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO Carlos Henrique Goulart Árabe nead_capa_09.qxp 5/11/2008 16:15 Page 1

A inserção do_tema_agrário

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A inserção do_tema_agrário

A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO Carlos Henrique Goulart Árabe

nead_capa_09.qxp 5/11/2008 16:15 Page 1

Page 2: A inserção do_tema_agrário

A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO Carlos Henrique Goulart Árabe

MDABrasília, 2008

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 1

Page 3: A inserção do_tema_agrário

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVAPresidente da República

GUILHERME CASSELMinistro de Estado do Desenvolvimento Agrário

DANIEL MAIASecretário-Executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário

ROLF HACKBARTPresidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ADONIRAM SANCHES PERACISecretário de Agricultura Familiar

ADHEMAR LOPES DE ALMEIDASecretário de Reordenamento Agrário

JOSÉ HUMBERTO OLIVEIRASecretário de Desenvolvimento Territorial

CARLOS MÁRIO GUEDES DE GUEDESCoordenador-Geral do Núcleo de EstudosAgrários e Desenvolvimento Rural

ADRIANA L. LOPESCoordenadora-Executiva do Núcleo deEstudos Agrários e Desenvolvimento Rural

Nead Debate 15Copyright 2008 MDA

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃOHenrique Milen

REVISÃO E PREPARAÇÃODE ORIGINAISAndréa Aymar

PRODUÇÃO EDITORIALAna Carolina Fleury

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTOAGRÁRIO (MDA)www.mda.gov.br

NÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS EDESENVOLVIMENTO RURAL (Nead)SBN, Quadra 2, Edifício Sarkis – Bloco D –loja 10 – sala S2 CEP 70040-910Brasília/DFTelefone: (61) 3961-6420www.nead.org.br

PCT MDA/IICA – Apoio às Políticas e à Participação Social no DesenvolvimentoRural Sustentável

A658i Árabe, Carlos Henrique Goulart.A inserção do tema agrário nas estratégias de desenvolvimento /

Carlos Henrique Goulart Árabe. – Brasília : MDA, 2008.48 p. ; 21 cm. - (Nead Debate ; 15).

ISBN 978-85-60548-40-8

Questão agrária – desenvolvimento - Brasil. 2. Reforma agrária – Brasil.I. Título. II. MDA. III. Série.

CDD 333.81

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 2

Page 4: A inserção do_tema_agrário

3NEAD DEBATE 15

APRESENTAÇÃO 4A INSERÇÃO DO TEMAAGRÁRIO NAS ESTRATÉGIASDE DESENVOLVIMENTO 8

Desenvolvimentismo e questão agrária: uma revisão crítica necessária 9Reflexões recentes sobre a reforma agrária 30

BIBLIOGRAFIA 40

SUMÁRIO

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 3

Page 5: A inserção do_tema_agrário

4 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

O BRASIL DEPARA-SE COM UMA OPORTUNIDADE históricapara impulsionar um novo padrão de desenvolvi-mento. Inflexões importantes na ação do Estado e narelação do governo com a sociedade, combinadascom uma trajetória de crescimento sustentado comredução das desigualdades sociais, já repercutem nademocratização da agenda nacional e também estãopresentes na pauta do desenvolvimento rural.

Construído pela participação social, há um conjuntorenovado e amplo de políticas públicas voltadas paraa garantia do direito à terra e aos territórios, para ofortalecimento econômico da agricultura familiar edas comunidades rurais, para a promoção da igualda-de das mulheres rurais e para a integração solidáriada América do Sul. Os impactos destas políticas sobrea dinâmica econômica e social das regiões são perce-bidos, ainda, de forma fragmentada, mas mesmoassim já revelam as potencialidades destas políticas.

Estas e outras mudanças reconfiguram a própriaquestão agrária – o que nos demanda um esforçocoletivo de atualização programática para inseri-laem um novo projeto nacional de desenvolvimento.

APRESENTAÇÃO

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 4

Page 6: A inserção do_tema_agrário

5NEAD DEBATE 15

Não basta hoje apenas reafirmar a necessidade dareforma agrária, é preciso expor com clareza as impli-cações da democratização do acesso à terra sobre otipo de desenvolvimento que se quer para o País. Issosignifica compreender que a reforma agrária nãopode ser vista como um imperativo do desenvolvi-mento, como demonstra a própria experiência brasi-leira em que o aumento da produção e da produtivi-dade ocorreu sem a democratização da estrutura fun-diária, uma modernização conservadora da agricul-tura sem reforma social.

Se a reforma agrária não pode ser vista como um"imperativo" do desenvolvimento, ela deve ser perce-bida como uma escolha democrática da sociedade.Como essa escolha não se faz de forma neutra, poisela é construção social – e há poderosos interessescontrários –, cabe às forças políticas e sociais intervi-rem em todos os planos – teórico, programático, nasexperiências de governo e nas próprias experiênciasde reforma agrária e de economia solidária – parabuscar avanços qualitativos que permitam a melhorescolha, a mais democrática, a mais sustentável,aquela capaz de produzir mais igualdade.

Esta tarefa militante de construção de uma opçãomajoritária na sociedade pela reforma agrária e pelastransformações do meio rural precisa integrar-se aodebate mais amplo sobre os próprios rumos dodesenvolvimento, buscando construir uma coaliza-

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 5

Page 7: A inserção do_tema_agrário

6 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

ção mais abrangente, e não apenas setorial, capaz deimpulsionar as mudanças que tantos querem e quepodemos fazer.

Este foi um dos desafios, que assumimos, a partir dareflexão crítica sobre a nossa experiência e do diálo-go com movimentos, especialistas e centros depesquisa. Entre as principais iniciativas está a coope-ração estabelecida entre o Núcleo de Estudos Agrá-rios e Desenvolvimento Rural, do Ministério doDesenvolvimento Agrário (Nead/MDA), e a Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp) com o pro-jeto de pesquisa A questão agrária e o desenvolvimentonacional, coordenada pelo professor Reginaldo Mora-es e pelo pesquisador Carlos Henrique Árabe.

No âmbito desta cooperação, realizamos, em junhode 2007, um seminário com o mesmo título, no qualse estabeleceu um rico diálogo entre pesquisadores dediferentes abordagens que indicou novos caminhospara a continuidade dessa reflexão.

Dando mais um passo neste esforço de elaboração,o Nead/MDA publica agora o texto A inserção do temaagrário nas estratégias de desenvolvimento, de CarlosHenrique Árabe. O autor interage com importantesquestões suscitadas no seminário e aprofunda a discus-são com alguns dos aspectos centrais. Com agudeza,Árabe assinala que "a questão agrária (...) só se coloca comoquestão efetiva quando se transforma em questão política, ou

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 6

Page 8: A inserção do_tema_agrário

seja, quando se transforma em programa teórico e prático dasforças socais e da teoria social interessada na transformaçãodo capitalismo".

É este o desafio militante encarado com competênciae criatividade pelo autor e que esperamos estimule osleitores e leitoras.

Boa leitura!

GUILHERME CASSEL

Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário

7NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 7

Page 9: A inserção do_tema_agrário

Uma preocupação central nos debatesrecentes sobre a reforma agrária é areinserção do tema em uma estratégia dedesenvolvimento nacional. Responder a

essa preocupação é fundamental porque se refere aoesclarecimento da própria natureza da reforma agrária.

A reforma agrária ainda tem relação commudanças do sistema produtivo, de produção e depropriedade que caracterizam o desenvolvimentorural capitalista?

A modernização, e com ela a intensa urbanização,teria mudado tanto os termos do debate clássicosobre a chamada questão agrária nos paísesdependentes (e no Brasil, em especial) de modo queessa questão já não mais poderia ser colocada?

A maneira de inserir a questão agrária no tema dodesenvolvimento nacional contribui, de modoinverso, para um exame crítico sobre o quanto as

8 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

A INSERÇÃO DO TEMAAGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

Carlos Henrique Goulart Árabe

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 8

Page 10: A inserção do_tema_agrário

próprias concepções sobre desenvolvimento nacionalse desgarram do campo teórico da modernização docapitalismo na sua periferia (e o quanto expressariamuma perspectiva utópica de ultrapassagem desseslimites). Trata-se, portanto, de uma abordagem em“mão dupla”.

O estudo aqui apresentado está dividido em duaspartes. A primeira é uma revisão crítica do debatedesenvolvimentista relacionado à reforma agrária; asegunda comenta intervenções recentes sobre areforma agrária.

Desenvolvimentismo e questão agrária:uma revisão crítica necessária

I. Um dos dilemas atuais é a análise da chamadaquestão agrária – termo cunhado em debatesclássicos sobre a relação entre regime de propriedadeterritorial e desenvolvimento capitalista. Seuprogressivo deslocamento da agenda política eteórica, como tema de interesse para as pesquisassobre o desenvolvimento, tem sido flagrante.Importantes abordagens que buscaram responder aessa questão pelo ângulo especificamente agrário –isto é, pelo estudo do desenvolvimento da economiae comunidade camponesas – chegaram a impasses,como assinala Bengoa.

E, de outro lado, como descreve Kay, o desenvolvimentismo

9NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 9

Page 11: A inserção do_tema_agrário

não foi capaz de integrar o desenvolvimento no campona estratégia de desenvolvimento nacional.1

Essa linha de estudos a que nos referimos tem comoespaço privilegiado de análise as experiênciasrelacionadas à América Latina. Outra situação é a deestudos agrários relativos às experiências asiáticas dedesenvolvimento, em geral pouco lembrados porqueo foco de atenção sobre essas experiências tem sido oseu desenvolvimento industrial. Essa linha detrabalho situa o desenvolvimento agrário como umdos eixos do desenvolvimento nacional, numaabordagem bastante diferente daquelas que seconstituíram em torno do desenvolvimentismolatino-americano marcado pela ênfase naindustrialização e pela subordinação das demaisvariáveis a esse objetivo.2

Pensamos que é possível contribuir para acompreensão da questão agrária por meio dasrelações entre esta e as estratégias dedesenvolvimento nacional, sobretudo dos limitescom que as teorias desenvolvimentistas,especialmente na América Latina, formularam achamada questão agrária, como a inseriram naproblemática geral do desenvolvimento.

Pensamos em situar a pesquisa nas elaborações quetiveram curso em torno da Comissão Econômica paraAmérica Latina e Caribe (Cepal), destacando doismomentos históricos do seu período mais virtuoso. O

10 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

2 HAYAMI, Y. andRUTTAN, V. W.Agricultural Development: anInternational Perspective. Baltimore: JohnsHopkins UniversityPress, 1985.

1 BENGOA, J. 25años de estúdiosrurales.Sociologias/UFRGS/Programa de Pós-Graduação emSociologia - nº 10(jul./dez. 2003);KAY, C. Enfoques sobre eldesarrollo rural emAmérica Latina yEuropa desdemediados de sigloveinte. Inhttp://www.javeria-na.edu.co/fear/m_des_rur /documents /kay2005ponencia.pdf

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 10

Page 12: A inserção do_tema_agrário

primeiro é aquele que corresponde a seuflorescimento nos anos 1950 e início dos anos 1960; osegundo momento é o que condensa o seu balançocrítico, em meados dos anos 1960, elaboradoprincipalmente por autores da própria Cepal. Ambosos momentos são marcados, de forma admirável, pordocumentos e elaborações de Raúl Prebisch,naturalmente, acompanhados de outras formulaçõesimportantes.

Essa abordagem permite compreender o lugar queocupou e o modo de conceber a questão agrária nasestratégias de desenvolvimento nacional na AméricaLatina nesses dois momentos históricos e analíticos.De modo complementar, mas extremamente útil parauma compreensão que leva em conta parâmetrosinternacionais, consideramos importante incluirabordagens oriundas das elaborações e estratégias dedesenvolvimento com referência em experiências daÁsia, especialmente do Japão.

II. As décadas de 1940 e 1950 registraram oaparecimento de uma série de estudos econômicos esociológicos sobre o “subdesenvolvimento”. Entre osestudos inseridos nesta perspectiva situam-se oselaborados pela (e no âmbito da) Cepal. E dentreestes os mais notórios são os do economistaargentino Raúl Prebisch.3

El desarrollo económico de la América Latina y algunos desus principales problemas4 foi escrito por Prebisch no

11NEAD DEBATE 15

3 Antes de dirigir aCepal, Raúl Prebisch foi diretor-geral do BancoCentral da RepúblicaArgentina. Ele foi osegundo nome aocupar o posto desecretário-executivoda Cepal, desempenhandoesse papel entre1948 e 1963. Assu-miu em seguida ocargo de diretor-geral da Conferênciadas Nações Unidassobre Comércio eDesenvolvimento(Unctad). Para umretrospecto de suaatuação à frente daCepal, ver Entrevistainédita a Prebisch:logros y deficienciasde la Cepal. DavidPollock, Daniel Kernere Joseph L. Love.Revista de la Cepalnº 75, dezembro de2001.

4 PREBISCH, R.El desarrolloeconómico de laAmérica Latina yalgunos de susprincipalesproblemas. inCepal - BoletínEconómico deAmérica Latina, vol.VII, nº 1, Santiago deChile, 1962. Para aversão emportuguês,, verPREBISCH, R.O desenvolvimentoeconômico daAmérica Latina ealguns de seusproblemas principais.In BIELSCHOWSKY,R. (Org.) Cinqüentaanos de pensamentona Cepal. Rio deJaneiro: Record,2000.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 11

Page 13: A inserção do_tema_agrário

final da década de 40. Chamado por Hirschman de“manifesto latinoamericano”, esse documento inaugurade modo magistral o desenvolvimentismo. Valedizer, um modelo de análise, um programa e mesmouma época cujo horizonte, para a periferia capitalista,era a superação da condição subdesenvolvida.

Prebisch constatava que o atraso econômico era umacondição da periferia. Entre os vários aspectosassinalados nestes esquemas, está a análise daintrodução e difusão de forma assimétrica – devido àcondição particular ocupada no comérciointernacional e ao processo histórico de constituiçãodas economias nacionais periféricas – do progressotécnico gerado no centro, além da decorrenteheterogeneidade do tecido social e econômico queapresentava desníveis acentuados de produtividadeem seus espaços e setores, desenvolvendo formaspermanentes de dualismo econômico e social.

“Prebisch se negó a tratar como anomalía lo que ensu experiencia fue percibiendo como un modo deser. Entendió que el subdesarrollo no puede identi-ficarse con un simple estado de atraso, con frecuen-cia atribuido al peso de factores extraeconómicos,supuestamente ligados a la estructura social. Antesbien, lo visualizó como un patrón de funcionamien-to y de evolución específica de ciertas economías,que como tal merece un esfuerzo de elaboración teó-rica también específico.”5

12 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

5 RODRIGUEZ, O.Prebisch:Actualidad de susideas básicas.Revista de la Cepalnº 75, dez. 2001.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 12

Page 14: A inserção do_tema_agrário

Subjacente a esta especificidade está a idéiafundamental da superação do atraso por meio depolíticas de desenvolvimento induzidas a partir defora do mecanismo econômico, isso é, por meio doplanejamento estatal.

A utilização do planejamento e o preponderantepapel econômico atribuído ao Estado objetivavamexatamente a constituição do mercado e de relaçõestípicas deste sistema econômico em economias queconservavam estruturas atrasadas e cujodesenvolvimento “espontâneo” não as conduzianeste rumo.

Nos estudos da Cepal não há exatamente um modelode capitalismo tomado como base. Talvez se pudessefalar em certas características de um modeloinacabado: um espaço econômico mais homogêneo,um Estado regulador ao estilo keynesiano, e,sobretudo, um capitalismo de bases nacionais. Detodo modo, a perspectiva é a saída dosubdesenvolvimento por meio de um desenvolvimentocapitalista induzido pelo Estado.

O programa para atingir este objetivo, aindustrialização e a constituição de um mercadointerior, dinamizaria um conjunto de elementosconstitutivos do projeto em questão.6 Trata-se de um:

“(...) projeto sociopolítico, por meio do qual setornam visíveis os vínculos do pensamento em

13NEAD DEBATE 15

6 Ver a esterespeito aimportância queCelso Furtado dáao mercado internopara a unificaçãodas regiões do paíse para aconstrução de umaidentidade eautonomianacionais. InFURTADO, C.Brasil: a construçãointerrompida, Riode Janeiro, 2ª ed.,Paz e Terra, 1992.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 13

Page 15: A inserção do_tema_agrário

questão com os pontos de vista e interesses dedeterminados grupos e classes sociais, revelandoseu caráter ideológico.Sobressai em primeiro lugar o papel atribuído àburguesia industrial nacional. A ela cabe liderar oafiançamento de relações de tipo capitalista (...)Assim pois, o projeto sociopolítico implícito nopensamento da Cepal não só aparece comocompatível, mas também como convergente com osinteresses do grupo mencionado.É de se observar, no entanto, que mesmo quandodefende e privilegia tais interesses, esse projeto – ecom ele o pensamento que o contém – possuitambém um cunho policlassista.”7

O agente e condutor desse projeto é o Estado,concebido:

“como uma entidade externa ao sistemasocioeconômico, capaz de apreendê-lo de uma formaconsciente e de atuar sobre ele, imprimindo-lheuma racionalidade que, por si só, ele não possui econduzindo-o a resultados que, de outra maneira,seria impossível atingir.”8

III. Na visão da Cepal, a agricultura sob a condiçãoperiférica é um dos principais obstáculos internos aodesenvolvimento. É preciso identificar o papel daagricultura dentro da inserção internacional peculiar

14 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

7 RODRIGUEZ, O.Teoria doSubdesenvolvimentoda Cepal. Rio deJaneiro: Ed.Forense-Universitária, 1981;p. 264.

8 Idem, p. 265.* Missão do BancoInternacional (Bird)à Colombia, cf.Bielschowsky, R.op. cit., p. 194.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 14

Page 16: A inserção do_tema_agrário

aos países subdesenvolvidos e, em seguida, analisarsuas repercussões internas para o conjunto daeconomia. Vale dizer, como se organizam e evoluemas relações de produção e de consumo induzidas poressa forma específica de inserção internacional.

A inserção internacional periférica implica em umcrescimento econômico subordinado aos ciclos domercado mundial. A renda nacional cresce oudecresce conforme o movimento mais geral docomércio internacional. Além disso, a Cepal concluique o ritmo da demanda dos produtos agrícolastende a ser menor que o crescimento da renda nospaíses centrais. Com a introdução do progressotécnico na agricultura, essa dinâmica provocarecorrentes crises de “superprodução” (um dosexemplos é o café, conforme a análise clássica de CelsoFurtado). Esse processo foi agravado com a passagemdo “centro cíclico” do sistema internacional, conformepalavras de Prebisch, da Inglaterra para os EstadosUnidos (menos dependente do que aquela em relaçãoaos produtos primários).

Desde um ponto de vista interno, a agriculturaperiférica é responsável pela constituição de um regimede produção dual, “moderno-atrasado”. Ao lado dagrande exploração agrícola de exportação, o latifúndiode baixa produtividade e pequenas propriedades desubsistência. Interligados, latifúndio e minifúndioexpressariam um sistema atrasado, pré-capitalista, deprodução. Ainda que a grande exploração agrícola de

15NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 15

Page 17: A inserção do_tema_agrário

exportação se modernize, ela não é capaz de estender oprogresso técnico à própria dinâmica do campo e tãopouco ao conjunto da economia.

O regime dual de produção agrícola deriva, naanálise cepalina, de um regime dual de propriedade.O regime de propriedade, herança colonial, é o fundamentointerno da agricultura subdesenvolvida. Nele convivema grande propriedade e o minifúndio. A primeira, emparte voltada ao mercado exterior, mas em grandemedida constituindo-se também como largaspossessões improdutivas e o segundo, organizadopara a subsistência, são avessos à construção domercado interior, condição para estruturar odesenvolvimento em bases nacionais próprias.

IV. A partir da noção de que o regime de propriedadeé fundamental para determinar as condições doprogresso técnico e, de modo geral, dodesenvolvimento capitalista no campo e no conjuntoda economia, a resolução da questão agrária aparececomo um dos principais desafios do projeto nacional-desenvolvimentista. Se a elaboração cepalina chega aesse umbral decisivo, as soluções apontadas sãoextremamente acanhadas, quase analíticas, e muitodistantes do esforço de transformar em projetosoperacionais e viáveis o conjunto de temasvinculados mais diretamente à industrialização.

Vejamos como a questão é formulada por Prebischem documento escrito em 1952:

16 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 16

Page 18: A inserção do_tema_agrário

“Não há a menor dúvida de que esse problemapoderá ir sendo resolvido à medida que o desenvol-vimento industrial continuar a absorver a mão-de-obra do campo. Mas esse processo tem sido muitolento... No fundo, portanto, ele é um problema deinvestimentos de capital... Os grandes investimen-tos que aumentarem a demanda de braços em ativi-dades de muito maior produtividade forçarão osgrandes proprietários a mecanizar e aumentar orendimento da terra. (...)Isso não deve ser interpretado no sentido de que aquestão da posse da terra, em vários países latino-americanos, seja do tipo que admite umapostergação. Ao contrário, ela também deve serparte integrante dos programas de desenvol-vimento econômico, a partir de um exame objetivoe imparcial dos diferentes termos em que éformulado o problema essencial do aumento daprodução agrícola. Nas regiões em que não é a posseem si, mas a falta de investimentos e de ação técnicapor parte do Estado que vem retardando o progressoagrícola, a solução não pode ser idêntica à de outrasem que a forma da posse constitui o grandeobstáculo interveniente. Não deixa de ser umasurpresa quão pouco se tem explorado esse assuntoaté hoje em termos concretos, apesar do muito quejá se escreveu e projetou sobre o problema da terra.Em outras palavras, quando é perceptível acapacidade de assimilar a técnica produtivamoderna, a posse extensa pode significar o meio

17NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 17

Page 19: A inserção do_tema_agrário

mais econômico para elevar o nível deprodutividade. Nesse sentido, convém chamar aatenção para a recomendação da Missão Curriepara promover o melhor aproveitamento da terra naColômbia. Ela propõe gravar a terra em relação aseu potencial produtivo, de tal sorte que oproprietário que a cultivar mal fique em condiçõesde inferioridade em relação aos que a cultivarembem. É claro que entre outros fatores, tal sistemarequer uma classificação adequada dos solos, o quenão é tarefa simples. Mas essa proposta tem ointeresse de apontar possibilidades de ação que,aliadas a medidas oportunas para fracionar asgrandes extensões de terra ou impedir suapulverização (sobretudo quando a forma de possecria obstáculo à melhoria da produtividade),merecem ser seriamente examinadas numprograma de desenvolvimento econômico”.9

Nesse registro prebischiano aparece a dimensãopropriamente política do pensamento da Cepal desseperíodo. Percorrendo os principais documentos eelaborações do período da fundação até o fim dociclo propriamente desenvolvimentista da Cepal(meados dos anos 1960), não se encontra umaformulação significativamente diferente da qual acitação acima é emblemática.10 Trata-se dedesenvolver as linhas nacionais (e supostamente asmais racionais) do desenvolvimento, isso é, darsentido teórico, técnico e estratégico àqueles

18 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

9 PREBISCH, R.Problemas teóricose práticos do crescimento econômico. In BIELSCHOWSKY,R. (Org.) Cinqüentaanos de pensamento naCepal. Rio deJaneiro: Record,2000, p. 212.

10 FRANCO, R.;BESA, J. Principales aportesde la Cepal aldesarrollo social,1948-1998Levantamientobibliográfico: perío-do 1948-1982. San-tiago de Chile:Cepal/División deDesarrollo Social,octubre 2003. Inhttp://www.eclac.cl/publicaciones/ (en29 de maio de2006).

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 18

Page 20: A inserção do_tema_agrário

processos históricos de resistência econômicaimpostos pela condição periférica. A industrializaçãoé isso: um processo que já vinha ocorrendo desde osidos da Grande Depressão e se “impunha” comosaída natural e historicamente necessária, apesar dasresistências conservadoras.11 Trata-se, ao mesmotempo, de formular um programa nacional – decompromisso entre classes sociais – e, portanto,acima dos conflitos internos e que deveria se por aesse serviço.

A reforma agrária não é isso: é um grande conflitointerno entre classes sociais. Assim, a formulaçãocepalina sobre esse tema central para a superação deum dos grandes obstáculos internos ao desenvol-vimento (conforme sua própria análise) ésimplesmente analítica e não se transforma em projetopolítico. Nessa interpretação crítica quanto aos limitescepalinos, poder-se-ia agregar a extrema confiança noprogresso como demiurgo histórico para a superaçãode contradições objetivas e sociais, naturalmente semsujeito social.12

V. A análise da Cepal sobre os problemas internos docrescimento deu-se a partir da crítica da inserçãointernacional do país e do que seria o seu modoespecífico de superação, a industrialização. Esseângulo geral de observação obscureceu, como sesabe, a compreensão da dinâmica interna dodesenvolvimento e suas contradições.

19NEAD DEBATE 15

11 Assim diziaPrebisch em seuúltimo livro: “Laindustrialización yahabia tomadoaliento a raíz de lagran depressión.Pero despertabafuertes resistênciasdentro y fuera de laAmérica Latina.Correspondió a laCepal demonstrar laracionalidad de estaexigencia ineludibledel desarrollo.”PREBISCH, R.CapitalismoPeriférico: crisis ytransformación.México, D.F.: Fondode CulturaEconómica, 1981; p.26.

12 Recorrendonovamente aPrebisch: “Ennuestros escritosno aparecenotoriamente elproblema de ladistribuición delingreso. Quedabaacaso em nuestrotrasfondo mental unresabioneoclássico: elmismo vigor deldesarrollo traeríaespontáneamentela equidaddistributiva com elandar del tiempo.También es ciertoque discurrimosacerca del sistemade tenencia de latierra, que no solodificultaba lapenetración delprogreso técnicosino que traíaconsigo una graninequidad social,pero no fuimos másallá.” PREBISCH,R. op. cit.; p. 28.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 19

Page 21: A inserção do_tema_agrário

A primeira lacuna que provocou foi a incompreensãodas transformações no campo para o desenvolvimentonacional. Essa constatação aparece no discurso dedespedida de Prebisch do cargo de secretário-executivo da Cepal em 1963 (que adiante será citado).Ela levaria à crítica do regime de propriedade dualnão mais pelo ângulo do bloqueio à elevação daprodutividade dos “fatores de produção” no campo,mas pelo seu caráter excludente, concentrador derenda e de poder, e avesso à formação do espaçonacional com equilíbrio social e entre os espaçosurbanos e rurais, ou seja, como um projeto decivilização nacional superior ao propiciado pelomodelo industrialização-com-modernização-do-latifúndio.

A segunda lacuna do argumento da Cepal,decorrente do seu método, foi demonstradapioneiramente para o Brasil por Caio Prado Jr.13

Residia na incompreensão do caráter de mútuorelacionamento entre latifúndio-minifúndio e da suainserção de conjunto no mercado. Essa lacunaconduziu à caracterização de relações feudais ousemi-feudais no campo e a enfocar de mododogmático as possibilidades de evolução das relaçõessociais no campo subdesenvolvido. Uma dasconseqüências desse modelo interpretativo foi asubestimação e mesmo a não-consideração dodesenvolvimento no campo baseado no regime depequenas propriedades e na agricultura familiar.14

20 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

13 VEIGA, J. E.Apresentação dolivro de Caio PradoJr. A QuestãoAgrária Brasileira,São Paulo: EditoraBrasiliense, 20005a. edição, pp. III-XXIII.

14 ABRAMOVAY,R. Paradigmas docapitalismo agrárioem questão.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 20

Page 22: A inserção do_tema_agrário

Outra possível conseqüência da interpretação cepalinateria sido a subestimação dos programas pós-reformaagrária (ou anexos a ela: relativos à inovação e àinserção do desenvolvimento rural no conjunto dodesenvolvimento nacional), gerando uma expectativade certo automatismo entre a mudança do regime depropriedade e o progresso técnico.

VI. A saída de Prebisch da Cepal, o encerramento dociclo virtuoso da elaboração desenvolvimentista dainstituição e o acirramento dos problemas dodesenvolvimento real latino-americano, sobretudo coma crise brasileira que desembocaria no golpe de 1964,mudam o cenário e o pensamento sobre as questões dodesenvolvimento na periferia do capitalismo.

Prebisch volta a intervir no tema agrário de umaforma autocrítica e com muita agudeza na busca deconstrução de alternativa para a reforma agrária e oproblema agrícola como um todo. Traça um paralelocontrastante com o processo norte-americano dedesenvolvimento agrário. Acentua a importância doEstado para uma condução “socializada” dodesenvolvimento no campo:

“Dissemos socialização, porquanto não foi ainiciativa privada, movida pelo interesse privado, queintroduziu o progresso técnico, e sim a ação do Estadoe das universidades, movidos pelos interessescoletivos. Não há outro campo em que se revela maiso ‘anacronismo do Estado latino-americano’...”.15

21NEAD DEBATE 15

15 PREBISCH, R.op. cit., p. 484.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 21

Page 23: A inserção do_tema_agrário

Nessa construção, insiste, naturalmente, no aspectotécnico para avançar a produtividade, mas suaatenção vai na direção de um planejamento estatalpara a ocupação racional e produtiva da terra.Formula por fim uma proposta de como definir opreço da terra para desapropriação e de como criaras condições para planejar o desenvolvimentoagrário. Defende:

“...a conveniência de fixar o valor da terra deacordo com seu rendimento atual e oferecerprazos longos e juros moderados para o seupagamento. Do contrário, poder-se-ia reduzirsensivelmente o incentivo ao aumento daprodutividade entre os novos proprietários,comprometendo o êxito da reforma agrária. Esseé um ponto essencialíssimo...”16

Trata-se pois de retirar legitimidade de um mercadode terras como condição fundamental para umareforma agrária “rápida e maciça”, com provimentode técnica adequada, com equilíbrio e dosagem nastransferências de força de trabalho do meio ruralpara o urbano, enfim, com forte planejamento estataldo desenvolvimento agrário. Nesse novo momentohistórico – pós-desenvolvimentista e profundamenteautocrítico –, o principal teórico da Cepal revêelementos fundamentais que organizaram a visãoanterior sobre a questão agrária. De uma questão aser resolvida para liberar forças para a

22 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

16 Ibidem, p. 487.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 22

Page 24: A inserção do_tema_agrário

industrialização passa a ser uma questãorelativamente autônoma e potencialmente, elamesma, um espaço próprio de desenvolvimento doespaço nacional.

VII. Debates em torno do tema que une regime depropriedade territorial e desenvolvimento capitalistaaparecem em vários outros momentos da história dodesenvolvimento capitalista. Destaquemos doisdeles, propositalmente contrastantes pelo ângulo domarco ideológico que os orienta. Em um deles,aquele que se organizou a respeito dodesenvolvimento do capitalismo na Rússia nocomeço do século XX, destacam-se as elaborações deLênin. Em outro registro histórico, aparece na últimadécada dos anos 1960, nos escritos de economistasagrícolas vinculados ao debate do desenvolvimento,em geral tributários da obra de Schultz e também deexperiências de desenvolvimento na Ásia.17 Emambos e a partir de métodos distintos busca-sedemonstrar que o regime de propriedade não éimpeditivo ao progresso técnico e aodesenvolvimento nacional.

Lênin sustentou firmemente que o regime de proprie-dade não era empecilho para o progresso técnico daagricultura. Para ele, o fundamental era o regime derelações sociais no campo, suas contradições e sua evo-lução de forma articulada com o conjunto do desenvol-vimento capitalista. “En general, es equivocado pensarque se requiere una forma especial de posesión de la tierra

23NEAD DEBATE 15

17 SCHULTZ, T.Transforming traditional agriculture. NewHaven (CN): YaleUniversity Press,1964; HAYAMI, Y.and RUTTAN, V. W.op cit.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 23

Page 25: A inserção do_tema_agrário

para que aparezca el capitalismo agrícola”. E, citandoMarx,

“La forma en que el modo de producción capitalis-ta naciente encuentra a la propriedad de la tierra nocorresponde a ese modo. El mismo crea la forma quele corresponde sometiendo la agricultura al capital;de esse modo, la propriedad feudal de la tierra, laproriedad del clan e la pequeña propriedad campe-sina con la comunidad de la tierra se convierten enla forma económica que corresponde a ese modo deproducción, por muy diversas que sean sus formasjurídicas.”18

Naturalmente, a interpretação de Lênin estava inseridaem um amplo debate sobre o desenvolvimentocapitalista na Rússia e não só sobre o desenvolvimentocapitalista no campo.19 Restringiremos as observaçõesa este último aspecto.

A intensa polêmica sobre as possibilidades dodesenvolvimento da pequena unidade familiar(chayanovista) e sobre a hipótese (leninista) da“descampenização” (e conseqüente proletarização damaioria do campesinato em processo dedesintegração)20 em certa medida obscureceu aquelarelativa ao tema que nos ocupamos: regime depropriedade e progresso técnico. Nesse aspecto, aliás,tanto leninistas quanto chayanovistas parecem de acordo:o progresso técnico movido por impulsos diferentes –

24 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

18 LENIN, V. I. Eldesarrollo del capitalismo enRusia. Barcelona:Ed. Ariel, 1974; p.300.

19 ROSDOLSKY,R. Gênesis yestructura de ElCapital de Marx(estudios sobre losGrundrisse). México (DF): SigloXXI Ed, 1978. Verespecialmente aseção La polémicaen torno a losesquenmas de lareproducción deMarx, pp. 491 eseg.

20 ABRAMOVAY,R. op. cit.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 24

Page 26: A inserção do_tema_agrário

para Lênin pelo desenvolvimento capitalista, paraChayanov pela dinâmica do desenvolvimento daagricultura familiar – tende a ocorrer sobrepondo-se (emodificando) as relações de propriedade.21

De outro lado, há questionamentos encontrados naeconomia clássica a respeito de uma interpretação“linear”, ao estilo de Lênin, sobre as condições dodesenvolvimento do capitalismo agrícola face às rela-ções de propriedade. Mandel lembra que: “los repre-sentantes más lógicos de la burguesia industrial liberal,especialmente Ricardo y John Stuart Mill, combatierampor la supressión de la propriedad de la tierra”.22

Este mesmo autor parece situar-se entre ainterpretação de Lênin e a interpretação aos moldescepalinos: o regime de propriedade privada da terraentorpece y retrasa a expansão do desenvolvimentocapitalista no campo.23

Essa interpretação encontra reforço em Marx, paraquem a propriedade da terra (uma vez estabelecidase decompostas as antigas relações de propriedade)age como limitação do lucro mas não como umrequisito para a produção capitalista.24

Mudando de registro, passemos aos economistasdesenvolvimentistas agrícolas seguidores de Schultz.Eles partem da crítica ao desenvolvimentismobaseado nos processos de industrialização porsubstituição de importações e que buscam

25NEAD DEBATE 15

21 Sobre Chaya-nov, ver ABRAMOVAY, R.op. cit..

22 MANDEL, E.Tratado deeconomia marxista.México (DF):Ediciones Era,1972; p. 258.

23 Idem, p. 265.

24 MARX, K.Grundrisse.Londres: PenguinBooks, 1993; p.279.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 25

Page 27: A inserção do_tema_agrário

reorganizar a economia, aí incluída a agricultura, emfunção do esforço industrializante.

“In the early post-World War II literature, agriculture,along with other natural resource-based industries,was viewed as a sector from which resources could beextracted to fund development in the industrial sector.Growth in agricultural production was viewed as anessential condition, or even a precondition, for growthin the rest of the economy. But the process by whichagricultural growth was generated remained outsidethe concern of most development economists.”By the early 1960s a new perspective, more fullyinformed by both agricultural science and econo-mics, was beginning to emerge. I had becomeincreasingly clear that much of agriculturaltechnology was ‘location specific’.(…)In an iconoclastic book, Transforming TraditionalAgriculture, Theodore W. Schultz (1964) insistedthat peasants in traditional agrarian societies arerational allocators of available resources and thatthey remained poor because most poor countriesprovided them with only limited technical and eco-nomic opportunities to wich they could respondthat is, they were ‘poor but efficient’”.25

Essa linha de interpretação do desenvolvi-mento agrícola sustenta a superioridade daagricultura baseada em unidades familiaresface à grande propriedade (plantations).26

Aliás, essa última teria uma única vantagem,26 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

25 RUTTAN, V. W.Productivity,Growth in WorldAgriculture:Sources andConstraints.University ofMinnesota,Department ofAppliedEconomics,College ofAgricultural, Food,and EnvironmentalSciences. Journal ofEconomicPerspectives 16 (Fall2002): 161-184.(Disponível em13/7/2006,http://agecon.lib.umn.edu/cgi-bin/pdf_view.pl?paperid=3845&ftype=.pdf)

26 HAYAMI, Y.Family Farms andPlantations inTropicalDevelopment.Foundation foradvanced Studieson InternationalDevelopment.Tokyo, Japan.2003. Acessado nainternet, em13/7/2006, emhttp://www.fasid.or.jp/english/surveys/research/program/research/pdf/discussion/2003-001.pdf

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 26

Page 28: A inserção do_tema_agrário

a organização agrícola em áreas de expansão,sem infra-estrutura construída. No entanto,ao longo do tempo a sua tendência é de ope-rar a custos crescentes, incluindo os ambien-tais, perdendo, portanto, sua única vantagemcomparativa. Para essa corrente, a redução (emesmo superação) do sistema de plantations ea expansão do sistema baseado em pequenasunidades familiares deve ser obtida por meiode mecanismos econômicos e de políticaspúblicas (agravamento fiscal e forte vigilânciapública quanto ao cumprimento de legislaçãotrabalhista e ambiental, para o primeiro; estímu-los econômicos, aparato de pesquisa e inovação,planejamento e infra-estrutura, para o segun-do). Considera a reforma agrária uma rupturaque comporta demasiados riscos políticos e eco-nômicos, devendo, por isso, ser evitada.

O que importa, de todo modo, é registrar o enfoquedistinto para o desenvolvimento específico daagricultura e do regime de propriedade do solo. Emgrande parte, sobretudo para a obra de Hayami, areferência empírica é o processo de desenvolvimentoem países asiáticos, especialmente o Japão.

VIII. Diferente das matrizes desenvolvimentistas-industrializantes, as análises contidas no item anterioroperam conceitos de desenvolvimento nacional maisamplos. A consideração de formas de desenvolvimentoa partir da agricultura – e não necessariamente

27NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 27

Page 29: A inserção do_tema_agrário

voltadas para a industrialização – recoloca em outrostermos a questão agrária, ainda que comportandodiversos desdobramentos analíticos e políticos.

IX. A crise do desenvolvimentismo na AméricaLatina parece ter produzido um solapamento dasantigas sustentações teóricas da questão agrária,desde um ponto de vista reformista, por duas razõespolíticas ligadas a dois problemas teóricos:

1º – O reducionismo na concepção dodesenvolvimento, em grande medida convertido emindustrialização, levando à não-consideração daagricultura como uma vertente do desenvolvimento,implicou em uma visão da reforma agrária paraviabilizar o progresso técnico no campo e aadequação da agricultura às exigências daindustrialização. Essa formulação era incapaz defazer frente e de criticar a modernização semmudanças na estrutura agrária, porque, ao fim e aocabo, esta também produzia progresso técnico eajustava o crescimento agrícola aos requerimentos daurbanização e da industrialização. E disso tirouamplo proveito os teóricos da modernização, como,no Brasil, Delfim Netto o fez na sua polêmicamilitante contra o reformismo agrário defendido pelaCepal e, especialmente, Celso Furtado. Mesmoconsiderando que as armas da crítica foramsubstituídas, com o golpe militar de 1964, pela críticadas armas, não há como desconsiderar que oargumento desenvolvimentista foi derrotado peloargumento modernizador. E isso se deu porque havia

28 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 28

Page 30: A inserção do_tema_agrário

algo em comum entre eles, qual seja, o desiderato doprogresso técnico capitalista no campo e a submissãoda agricultura ao processo de industrialização.

2º – A idéia de que a quebra do latifúndio era apré-condição para o progresso técnico e para aconstituição de relações capitalistas no campo tambémsubestimou o processo de modernização. De outrolado, levou a que os processos de reforma agráriasubestimassem a necessidade de um programaeconômico que induzisse elevação da produtividadee avanços na organização de um sistema produtivo einstitucional em substituição ao latifúndio. Essasconseqüências políticas derivaram da identificaçãoequivocada (ou a não-separação) entre relações depropriedade e relações sociais de produção, levando àconsideração que o desenvolvimento capitalista nocampo tinha como requisito prévio o fim do latifúndio,e implicando em certo automatismo entre o fim de um(latifúndio) e o início do outro (progresso técnico).

X. Uma retomada da pesquisa em torno da relaçãoentre questão agrária e desenvolvimento exige,portanto, um balanço crítico de como essa correlaçãofoi construída – aprofundando os passos iniciadospelos autores da Cepal, especialmente Prebisch, nosseus balanços autocríticos de meados dos anos 1960 –mas também recorrendo a reflexões sobre outrasexperiências de desenvolvimento nacional quederam interpretação específica ao duplo temaquestão agrária-desenvolvimento.

29NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 29

Page 31: A inserção do_tema_agrário

Reflexões recentes sobre a reforma agrária

Continua a existir uma questão agrária no Brasil?Retomando a colocação inicial de que a questãoagrária é um termo cunhado em debates clássicossobre a relação entre regime de propriedadeterritorial e desenvolvimento capitalista, devemos,aqui, complementá-la: ela só se coloca como questãosocial efetiva quando se transforma em questãopolítica, ou seja, quando se transforma em programateórico e prático das forças sociais e da teoria socialinteressadas na transformação do capitalismo.

Essa afirmação é fundamental para não dissociarfatores objetivos e subjetivos. Afinal uma estruturada terra concentrada, um desenvolvimento comdestruição do solo e com exacerbada apropriaçãoprivada de recursos sociais, uma urbanização caóticae a continuidade da miséria no campo são elementosque atestam a permanência, em potencial, de umaquestão agrária no Brasil. Ela, no entanto, só setransformará em questão de facto se transformadapela ação política e teórica em caminhos decompreensão crítica e de ação historicamente viável.

1. Reflexões dessa natureza, ainda que vistas comoparte de um amplo mosaico em construção, estãocontidas no Seminário Desenvolvimento e QuestãoAgrária no Brasil27, que foi palco de contribuiçõesnotáveis para voltar a debater sobre esse tema geral.

30 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

27 Realizado emBrasília (DF) nosdias 27 e 28 dejunho de 2007,seus resultadosforam divulgadospelo Nead na suapágina na internetwww.nead.org.br

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 30

Page 32: A inserção do_tema_agrário

Buscaremos, nessa parte, discutir as idéias centraisali apresentadas, naturalmente cabendo ao autordeste estudo a responsabilidade pela interpretaçãodessas formulações.

2. Começamos pela contribuição do professorReginaldo Moraes que situa o problema dalegitimidade política perdida pela reforma agrária noquadro dos amplos deslocamentos internacionais deforça e do pensamento teórico em direção a posiçõesconservadoras.28

Esse quadro internacional, simbolizado peloConsenso de Washington, implicou na deslegitimaçãoda ação política como meio de orientar (e disputar) osrumos do desenvolvimento da sociedade. Aintervenção do Estado na economia e a reformaagrária como ação política para transformar arealidade rural (com suas implicações natransformação da própria sociedade) sofreram umprofundo questionamento.

Evidentemente, há um contraponto necessário: oBrasil e o mundo nem sempre andaram no mesmocompasso; ao longo da história do século XX emvários momentos assistimos a dessincronias queforam fundamentais para o desenvolvimentonacional. Sobretudo nos anos 1990, a sincronia, noentanto, se impôs. E voltou a se desfazer a partir doinício dos anos 2000, embora de forma incipiente.

31NEAD DEBATE 15

28 MORAES, R. C.C. Contribuição aoSeminárioDesenvolvimento eQuestão Agrária.Brasília: 2007,mimeo.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 31

Page 33: A inserção do_tema_agrário

Uma observação muito importante contida nacontribuição do professor Reginaldo refere-se àretomada de debates sobre o desenvolvimento e aoambiente de crítica que veio se formando emresposta às diversas crises dos programas market-oriented impulsionados pelas forças políticasapoiadas pela grande potência cuja capital deu nomeao Consenso. Um novo momento histórico, marcadoagora, pelo dissenso, abre espaços para a retomadados debates sobre desenvolvimento nacional e, numritmo mais lento e sem automatismo, da própriaquestão agrária e do desenvolvimento da agricultura(neste caso, com muitas relações com o temaambiental). Essa situação não é de simples reposiçãoou de atualização dos debates clássicos. Ainda quecontenha elementos clássicos, exigem-se respostas aproblemas novos em uma situação nova.

3. A contribuição do professor Graziano discute semrodeios a possibilidade de não mais se colocar umaquestão agrária no Brasil, ainda que tome o cuidadode não excluir a hipótese de reconstituição decondições históricas que possam recolocá-la comoopção para a sociedade. Considera que a questãoagrária não é mais um tema nacional, mas regional,ou mais especificamente do Nordeste semi-árido.29

Ainda que não seja um texto voltado para sustentaressa afirmação, mas para apontar caminhos atuais aoavanço da solução de conflitos agrários, devemosdiscutir esse ponto de partida.

32 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

29 GRAZIANO DASILVA, J. Areforma agrária noBrasil do séculoXXI. Mimeo: 2007.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 32

Page 34: A inserção do_tema_agrário

Há uma generalização no texto que parececontraditar a afirmação sobre a extinção da questãoagrária: não haveria outra “porta de saída” senão areforma agrária para o emprego de parte daspopulações pobres das periferias das grandesmetrópoles e dos grotões das zonais rurais capaz deresolver a miséria e fome crônicas. Colocando deoutra forma: ainda que parcelas dessas populaçõespobres possam vir a inserir-se no mercado detrabalho urbano, haveria um excedente que aí nãoencontraria abrigo. Ora, esse raciocínio retoma umargumento clássico da questão agrária clássica nassociedades periféricas ou dependentes.

De outro lado, propõe o professor Graziano umareforma agrária restrita a situações sociais e a regiõesespecíficas. Os assentamentos deveriam ser dirigidosa acampados sem-terra, a quilombolas e a outrosgrupos específicos. Além disso, deveriam organizar-se com um caráter rural mas não essencialmenteagrícola, isso é, com vínculos com o mercado detrabalho urbano. Ainda assim, mesmo quecircunscritas regional e socialmente, haveria umproblema relacionado ao sistema produtivo a serdesenvolvido nas áreas “agrário-reformadas”.Haveria que ter, portanto, um programa econômicode dinamização dessas áreas, caso contrário, oobjetivo de superar a miséria e a forme crônicas nãoobteria sucesso. Esse arrazoado também nos leva devolta a um dos aspectos centrais da questão agrária –o sistema produtivo ou econômico alternativo ao

33NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 33

Page 35: A inserção do_tema_agrário

latifúndio ou à grande propriedade. É bem verdadeque esse tema é uma das grandes lacunas dopensamento desenvolvimentista latino-americano,mas não está ausente do debate mais amplo sobre aquestão agrária.

Na sua contribuição, o professor Graziano alerta paraos limites de uma reforma agrária, mesmo queseletiva social e territorialmente, baseada apenas eminstrumentos econômicos, em especial na aquisiçãode terras. E acentua a necessidade de instrumentospolíticos – como, por exemplo, a redefinição dosíndices de produtividade visando ampliar adesapropriação de terras sem elevar seu preço. Naverdade, essa questão implica na necessidade deestabelecer uma nova relação política entre o Estado(ou a sociedade) e os grandes proprietários de terras,naturalmente reforçando os direitos e o poder dasociedade e reduzindo o poder dos terratenientes.30

Evidentemente, esse argumento também retomamais um dos elementos das análises clássicas daquestão agrária.

4. Essas “partículas” de questão agrária presentes noargumento sobre a não-existência atual de umaquestão agrária no Brasil por certo não significamrepor o tema como um todo. Mostram, no entanto, apermanência de elementos que podem vir (ou não) acompor uma “nova” questão agrária. E nesse sentidooutras contribuições, no mesmo seminário,comparecem.

34 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

30 Abramovay (emLa liaisonincomplète:reforme agraire etdémocratie)também chama aatenção para aimportância dacorrelação deforças entre Estadoe grandesproprietários para aefetividade (ounão) de políticaseconômicas dedesenvolvimentoda agriculturafamiliar. Para quepossam funcionar,precisam vencer aresistênciaconservadora dosgrandesproprietários e paraisso estes devemser confrontadoscom o risco deperdas.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 34

Page 36: A inserção do_tema_agrário

5. Dentre elas estão as que procuram expressar oscontornos de uma “questão da terra”, mais do queuma questão agrária. Elas remetem em duas direções:em primeiro lugar, para a crítica da modernizaçãoagrícola; em segundo lugar, para a retomada dereflexões sobre comunidades que vivem da (e na)terra e outras formas de associação para a produção.Em ambas, está presente o argumento ambiental.31

6. A crítica à modernização refere-se ao modeloinstitucional que acompanhou a constituição daempresa agrícola nos processos modernizantes dosanos 1970. Se as sucessivas políticas agrícolasiniciadas por Delfim Netto32 induziram o crescimentoda produção agrícola e uma indústria de insumos emáquinas voltadas à agricultura – e tornou essecrescimento funcional à industrialização –, elas nãoforam capazes de constituir um “sujeito social” capazde tornar esse crescimento um processo orgânico evirtuoso de desenvolvimento ou mesmo decrescimento econômico no interior do territórionacional. Dentre as características desse processo,destacam-se a apropriação de fundos públicos (queresulta dos recorrentes refinanciamentos dedívidas)33, a precariedade institucional (uma ampladesregulamentação do uso do território e da própriafirma agrícola nas suas relações com a sociedade, aíincluídas as relações trabalhistas e tributárias) e,muitas vezes, o caráter predatório em relação aosrecursos naturais e às fronteiras agrícolas, impondoum elevado custo social e ambiental à sociedade.

35NEAD DEBATE 15

31 Refiro-me àscontribuições dosprofessoresGuilherme Dias,Paul Singer eAlfredo Wagner.Como não foramapresentadas porescrito, asreferências estarãorelacionadas comos aspectostemáticos e idéiasselecionadossegundo ainterpretação doautor deste estudo,a quem cabeeventuaisomissões.

32 Para uma análise crítica dessas políticas,ver o capítulo 3 dapesquisa Desenvolvimento eQuestão Agrária.Nead/Unicamp,2007.

33 DIAS, G.L.S. OEstado e o Agroem tempos de liberalização.Disponível na internet emwww.scielo.br/pdf/resr/v44n3/a01v44n3.pdf

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 35

Page 37: A inserção do_tema_agrário

7. A crítica à modernização agrícola real deve seraprofundada, mas essa crítica esbarra tanto numapoderosa articulação de interesses políticos eeconômicos beneficiários dessa mesmamodernização como (e por isso mesmo) nos mitoscriados em torno ao progresso técnico e capitalista nocampo. Nesse sentido, ela deve ser “produzida”pelas vozes interessadas na ampliação dos debatessobre desenvolvimento nacional e questão agrária,tanto para uma abordagem que vê como possíveluma atualização da questão agrária clássica ou comopara as que se abrem à construção de uma novaquestão agrária no Brasil. A crítica rigorosa damodernização inverte o “ônus da prova”. Não setrata de discutir criticamente apenas a reformaagrária, o que está em questão é o “conjunto da obra”agrária e agrícola.

8. Não só camponeses nem só trabalhadores rurais.A disputa da terra inclui quilombolas, indígenas emuitas outras comunidades34. A abordagem queconsidera a relação de diversas comunidadestradicionais com a terra é inteiramente nova para odebate sobre desenvolvimento nacional e questãoagrária. Por esse enfoque seria mais adequado falar em“questão da terra”. Pelos relatos de conquistas legais,essas comunidades – que, parece, utilizam-se da terracomo propriedade comunal – apresentam formasdiferentes de reivindicação da terra das queconhecemos quando se trata de conflitos agrários. Essesnovos sujeitos que conservam a terra por necessidade e

36 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

34 WAGNER, A.A.Conceito de terrastradicionalmenteocupadas.Disponível nainternet emwww.escola.agu.gov.br/revista/Ano_V_novembro_2005/alfredo-indio.pdf

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 36

Page 38: A inserção do_tema_agrário

cultura começam a se expressar e a construir realidadespolíticas que devem ser consideradas. Significam umnovo campo de alianças para a construção de uma novaquestão agrária no Brasil.

9. Para uma nova construção da questão agrária éfundamental inserir a dimensão especificamentepolítica destacada no início dessa seção. A questãoagrária, vinculada ao debate dos modelos dedesenvolvimento da agricultura e estes submetidos àescolha democrática da sociedade. E essa é acontribuição trazida pela intervenção do ministro doDesenvolvimento Agrário Guilherme Cassel.35

“(...)Ela retoma com clareza a idéia da legitimidade daação política para definir os rumos do desenvolvimento(e com isso um papel de planejamento e intervençãodemocrática do Estado) e introduz no debate dareforma agrária a necessidade de uma coalizão deforças mais ampla do que aquela que congrega osbeneficiários diretos da reforma agrária e osmovimentos sociais que lhes dão identidade e força.Estes têm o caráter de sujeito social insubstituível efundamental para o avanço de reformas democráticasna terra e no País. Ao mesmo tempo, a necessidade deconstruir coalizões políticas mais amplas responde aodesafio democrático e à compreensão crítica dasrelações de poder conservadoras oriundas de umaestrutura agrária concentrada e da sua modernizaçãoque entrelaçou os interesses do negócio agrícola aos deoutras frações do capital.

37NEAD DEBATE 15

35 Esse argumentofoi desenvolvidopelo ministro Guilherme Casselnos artigos A atualidade dareforma agrária,publicado na Folhade S. Paulo em4/3/2007; e Agricultura familiar:escolhas e desafios, publicadona Folha de S. Pauloem 30/7/2007.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 37

Page 39: A inserção do_tema_agrário

Há que se acrescentar que essa via democrática nãopode prescindir da construção de um modelo dedesenvolvimento agrícola e agrário capaz de darcredibilidade a uma mudança de paradigma. Essaconstrução está longe de estar ‘pronta’. Careceainda do desenvolvimento de experiênciasconcretas que antecipem esse modelo alternativo.Nesse sentido, as políticas públicas e as ações pelofortalecimento econômico da agricultura familiar ea sua constituição como sujeito político – isso é,com identidade e capacidade de agir politicamente –cumprem um papel fundamental. Isso, naturalmente, não implica em uma idéia deque um longo processo cumulativo de construçãode um outro modelo dentro do atual seja suficientepara promover mudanças significativas daestrutura agrária e das relações de poder no campoe na sociedade.De outro lado, o esforço de construção de ummodelo alternativo e crível para o desenvolvimentono campo também carece de novos desdobramentosnas elaborações teóricas sobre o tema, naturalmentevisto de forma articulada com o debate mais geralsobre o desenvolvimento nacional”.

São Paulo, 3 de novembro de 2007.

38 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 38

Page 40: A inserção do_tema_agrário

39NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 39

Page 41: A inserção do_tema_agrário

40 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

BIBLIOGRAFIA

ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário emquestão. Campinas: Hucitec/Edunicamp/Anpocs,(2ª ed.), 1999.

_______________ - La liaison incomplète: reforme agraireet démocratie. Cahiers du Brésil Contemporain,numéro spécial – nº 27/27: 191-208 – 1005.

ALAVI, H. and SHANIN, T., ed Introduction to the Sociology of “developing societies”. New York: Mon-thly Review Press, 1982.

AMSDEN, A. H. The rise of “the rest”: challenges to thewest from late-industrializing economies, Oxford :Oxford Univ. Press, 2001.

BENGOA, J. 25 años de estúdios rurales. Sociologias/UFRGS/Programa de Pós- Graduaçãoem Sociologia. vol. 1, nº 1 (jan./jun. 1999).

BIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro.Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.

BIELSCHOWSKY, R. (Org.) Cinqüenta anos de pensamentona Cepal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 40

Page 42: A inserção do_tema_agrário

41NEAD DEBATE 15

CASSEL, G. A atualidade da reforma agrária. Artigopublicado na Folha de São Paulo em 4/3/2007.

__________ Agricultura familiar: escolhas e desafios. Artigo publicado na Folha de São Paulo em30/7/2007.

DIAS, G. L. S. O Estado e o Agro em tempos de liberalização.Disponível na internet em http://www.scielo.br/pdf/resr/v44n3/a01v44n3.pdf

____________ Mudanças estruturais na agricultura bra-sileira: 1980-1998. Cepal: 2001. Disponível nainternet em http://www.eclac.org/publicaciones/xml/9/6119/LCL1485P.pdf

EICHER, C. K. and STAATZ, J. M., ed. Internationalagricultural development. Baltimore: The JohnHopkins University Press.

FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesen-volvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 4.ª ed.,1981.

FIGUEROA, A. Desarrollo agrícola em la América Latina.In SUNKEL, O. (Org) El desarrollo desde dentro.México (DF): Fondo de Cultura Económica, 1991.

FRANCO, R.; BESA, J. Principales aportes de la Cepal aldesarrollo social, 1948-1998. Levantamiento biblio-gráfico: período 1948-1982. Santiago de Chile:Cepal/División de Desarrollo Social, octubre

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 41

Page 43: A inserção do_tema_agrário

42 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

2003. In http://www.eclac.cl/publicaciones/ (em29 de maio de 2006).

FURTADO, C. Brasil: a construção interrompida, Rio deJaneiro, 2ª ed., Paz e Terra, 1992.

HAYAMI, Y. Family Farms and Plantations in TropicalDevelopment. Foundation for advanced Studieson International Development. Tokyo, Japan.2003. Acessado na internet, em 13/7/2006, emhttp://www.fasid.or.jp/ english/ surveys/research/program/research/pdf /d i scus -sion/2003-001.pdf

HAYAMI, Y. and RUTTAN, V. W. AgriculturalDevelopment: an International Perspective.Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1985.

IANNI, O. Origens agrárias do Estado brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 2004.

JOHNSTON, B. F. e KYLBY, P. Agricultura e transformação estrutural: estratégias econômicas depaíses em desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar,1977.

KAY, C. Enfoques sobre el desarrollo rural en AméricaLatina y Europa desde mediados de siglo veinte. Inhttp://www.javeriana.edu.co/fear/m_des_rur/documents/kay2005ponencia.pdf

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 42

Page 44: A inserção do_tema_agrário

43NEAD DEBATE 15

_______ Why East Asia overtook Latin America: agrarianreform, industrialisation and development. ThirdWorld Quarterly, vol. 23, nº 6, pp 1073–1102, 2002.

LEITE, S. P. Estado, padrão de desenvolvimento e agricultura: o caso brasileiro. Estudos Sociedade eAgricultura/CPDA, outubro de 2005, vol. 13, nº 2.

LENIN, V. I. El desarrollo del capitalismo en Russia.Barcelona: Ed. Ariel, 1974.

MANDEL, E. Tratado de economia marxista. México (DF): Ediciones Era, 1972.

MARX, K. Grundrisse. Londres: Penguin Books, 1993.

MORAES, R. C. C. Planejamento: democracia ou ditadura?São Paulo: Tese de Doutoramento, Depto. de Filo-sofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1987.

________________ Contribuição ao seminário Desenvolvimento e Questão Agrária. Brasília: 2007,mimeo.

MORAES, R. C. C. et al. Desenvolvimento e Questão Agrária. Nead/Unicamp, 2007.

PALMEIRA, M. Modernização, Estado e questão agrária.Estudos Avançados, IEA-USP, vol.3 nº 7 SãoPaulo Sep./Dec. 1989.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 43

Page 45: A inserção do_tema_agrário

44 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

POLLOCK, D.; KERNER, D.; LOVE, J. Entrevista inédita a Prebisch: logros y deficiencias de la Cepal.Revista de la Cepal nº 75, dezembro de 2001.

PREBISCH, R. El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas. inCepal - Boletin Econômico de América Latina,vol. VII, nº 1, Santiago de Chile, 1962.

____________ Capitalismo Periférico: crisis y transformación.México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1981.

____________Problemas teóricos e práticos do crescimentoeconômico. In BIELSCHOWSKY, R. (Org.) – Cin-qüenta anos de pensamento na Cepal. Rio deJaneiro: Record, 2000, p. 212.

RODRIGUEZ, O. Prebisch: Actualidad de sus ideas básicas. Revista de la Cepal, nº 75, dezembro de 2001.

RODRIGUEZ, O. Teoria do Subdesenvolvimento daCepal. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária,1981; p. 260.

RODRIK, D. Growth strategies. Disponível em http://www.ksg.harvard.edu/rodrik/ 2003.

ROSDOLSKY, R. Gênesis y estructura de El Capital de Marx (estudios sobre los Grundrisse). México(DF): Siglo XXI Ed, 1978.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 44

Page 46: A inserção do_tema_agrário

45NEAD DEBATE 15

SCHULTZ, T. Transforming traditional agriculture. New Haven (CN): Yale University Press, 1964.

SUNKEL, O. (Org.) El desarrollo desde dentro: un enfoque neoestructuralista para la América Latina.México: El Trimestre Económico, Lecturas nº 71,Fondo de Cultura Económica, 1991.

VEIGA, J. E. Apresentação do livro de Caio Prado Jr. AQuestão Agrária Brasileira, São Paulo: EditoraBrasiliense, 2000 (5a edição).

__________ O desenvolvimento agrícola – uma visãohistórica. São Paulo: Edusp Hucitec, 1991.

WADE, R. H. Governing the Market: Economic Theory and the Role of Government in East AsianIndustrialization. Princeton University Press, 1990.

WAGNER, A.A. Conceito de terras tradicionalmente ocupadas. Disponível na internet emh t t p : / / w w w. e s c o l a . a g u . g o v. b r / r e v i s t a /Ano_V_novembro_2005/alfredo-indio.pdf

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 45

Page 47: A inserção do_tema_agrário

46 A INSERÇÃO DO TEMA AGRÁRIO NAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

CARLOS HENRIQUE GOULART ÁRABE éeconomista e mestre em CiênciaPolítica. Foi um dos organizadores doSeminário Desenvolvimento e QuestãoAgrária no Brasil, realizado em 27 e 28de junho de 2007, em Brasília, noâmbito da pesquisa sobre o mesmotema conduzida pela UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp) eapoiada pelo Núcleo de Estudos Agráriose Desenvolvimento Rural (Nead) doMinistério do Desenvolvimento Agrário(MDA).

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 46

Page 48: A inserção do_tema_agrário

47NEAD DEBATE 15

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 47

Page 49: A inserção do_tema_agrário

Este livro foi produzido em Brasília, emnovembro de 2008. Composto com as

tipologias Palatino 12 e Arial 18 sobre papel Reciclato LD 90 g/m2. Impresso

pela Coronário Editora Gráfica Ltda.

nead_arabe.qxp 12/11/2008 11:28 Page 48