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A integração energética sul-americana

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A integração energética sul-americana: subsídios para uma agenda socioambiental - julho 2008

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A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICASUL-AMERICANA

SUBSÍDIOS PARA UMA AGENDASOCIOAMBIENTAL

Carlos VainerEconomista e sociólogo, Doutor em

Desenvolvimento Econômico e Social,Université de Paris I, Panthéon-

Sorbonne.

Mírian NutiAntropóloga, Doutora em PlanejamentoUrbano e Regional, Universidade Federal

do Rio de Janeiro.

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2008, INESC

VAINER, Carlos, NUTI, Mírian. A integração energética sul-americana: subsídios para umaagenda socioambiental – Brasília: INESC, 2008.

72 p.:il.Inclui referências bibliográficas

1. América do Sul, integração energética. 2. América do Sul, agenda socioambiental.

Editora ResponsávelLuciana Costa

Projeto gráficoZapp Comunicação

Fotografias (gentilmente cedidas)Arquivo do Movimento dos Atingidospor Barragens (MAB)Agência BrasilItaipu binacional

ImpressãoGráfica Athalaia

Colegiado de GestãoAtila RoqueIara PietricovskyJosé Antônio Moroni

Conselho DiretorArmando Martinho RaggioDavid FleischerFernando Oliveira PaulinoGuacira César de OliveiraJurema Pinto WerneckLuiz Gonzaga de AraújoNeide Viana CastanhaOswaldo Braga Jr.Silvia Ramos

AssessoriaAlessandra CardosoAlexandre CiconelloAna Paula FelipeEdélcio VignaEliana GraçaEvilásio SalvadorJair Barbosa Jr.Luciana CostaLucídio BicalhoRicardo Verdum

Instituições que apóiam o InescActionAidCharles Stewart Mott FoundationChristian AidEvangelischer Entwicklungsdienst - EEDFastenopferFundação AvinaFundação FordInstituto Heinrich BöllKinder Not Hilfe - KNHNorwegian Church AidOxfam InternacionalOxfam Novib

Permitida a reprodução,desde que citada a fonte.

Realização: Apoio:

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5A integração energética sul-americanasubsídios para uma agenda socioambiental

Dando prosseguimento à discussão introduzida com as publi-cações intituladas “O jogo das águas transfronteiriças nocontexto da integração regional” e “Integração, usinas hidre-

létricas e impactos socioambientais”, produzidas pelo Instituto deEstudos Socioeconômicos (Inesc) em 2007, a presente publicaçãovisa chamar a atenção para determinadas dimensões e desafios rela-cionados com a integração energética na região sul-americana.

Essa integração passa pela questão da água, recurso cada vez maisestratégico para a humanidade, com importância ecológica, econômi-ca, social e cultural. A forma como vem se dando a exploração dessesrecursos hídricos tem resultado em impactos severos e prejudiciais àspopulações urbanas e rurais dos países da América do Sul. Diante dapreocupação mundial com a questão da água, as Nações Unidas im-plantaram a Década Mundial da Água, a partir de 2005. Mas é precisomais que isso: é preciso reverter a tendência hegemônica de mercantilizaras riquezas naturais do continente; é preciso garantir que a integraçãoenergética na América do Sul não se dê a qualquer custo, pautada porum modelo produtor de mais desigualdades e exclusões.

A construção de usinas hidrelétricas ameaça populações indígenas eribeirinhas e, muitas vezes, a própria sustentabilidade das reservas natu-rais. Por essa razão, é preciso que organizações e movimentos sociais parti-cipem do debate da integração. E que se mobilizem para defender umaintegração que respeite e considere os direitos humanos, a diversidade cul-tural dos povos e que seja sustentável ambientalmente. Já passamos e muitoda hora em que prevalecia o desenvolvimento econômico a qualquer pre-ço. Assim, buscando contribuir com as discussões, o Inesc lança a publica-ção “A integração energética sul-americana: subsídios para uma agendasocioambiental”. O objetivo é provocar o debate e apresentar pontos im-portantes para serem considerados no processo de construção de uma agen-da socioambiental referente à integração energética na América do Sul.

Colegiado de Gestão do InescAtila Roque

Iara PietricovskyJosé Antônio Moroni

A P R E S E N T A Ç Ã O

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7A integração energética sul-americanasubsídios para uma agenda socioambiental

A integração regional sul-americana está novamente na ordem do dia. Informada pelas idéias e objetivos que conformam o chamado “novo regionalismo latino-americano”, denominado

“regionalismo aberto”, quer dizer, “um processo de crescenteinterdependência econômica em âmbito regional, impulsionado tantopor acordos preferenciais de integração como por outras políticasem um contexto de abertura e desregulamentação, com o objetivode aumentar a competitividade dos países da região” (Cepal, 1994)1,chega aos anos 2000 consolidando uma estratégia de articulaçãodas infra-estruturas econômicas dos setores de transporte, energiae comunicações. Essa estratégia vai ser chamada de Iniciativa deIntegração das Infra-estruturas Regionais Sul-americanas, IIRSA.Chama a atenção o protagonismo que o Brasil, os setores públicos eprivados, tem tido neste processo. O fato político mais recente nes-te sentido é a criação, em 2007, da União das Nações Sul-america-nas (Unasul), que reúne os 12 países da região.

A partir dos anos 1990, e num ritmo mais acelerado nos últimosanos, acentuou-se a inserção dos países da região no contexto glo-bal como exportadores de commodities. No caso do Brasil, o atualmodelo de desenvolvimento tem provocado relevante impacto so-bre o meio ambiente, fruto da demanda crescente por recursos na-turais. Segundo estudo recente realizado pela Comissão Econômicapara a América Latina e o Caribe (Cepal)2, os Investimentos Exter-nos Diretos (IED) na América do Sul têm se concentrado principal-mente no acesso aos recursos naturais disponíveis na região3.

No Brasil, as regiões Norte e Centro-Oeste ocupam papel funda-mental no atual modelo nacional de desenvolvimento. O complexoda mineração e do agronegócio (incluídos os agro-combustíveis) está

I N T R O D U Ç Ã O

1. Comisión Económica para América Latina (Cepal). El Regionalismo abierto en América Latina y elCaribe. La integración económica en servicio de la transformación productiva con equidad. Santiago do Chile, 1994.2. Comisión Económica para América Latina (Cepal). Evolución y composición de los flujos de inversiónextranjera en América del Sur bajo la óptica de las principales empresas inversionistas. Texto elaborado porLúcia Felix, no âmbito do Convênio PNUD/CEPAL/NAE. Brasília, 2007.3. Ver: Cepal (2007).

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hoje na linha de frente das transformações em curso, na forma deocupação e de exploração das potencialidades do patrimônioambiental nessas regiões. Está também orientando a oferta de infra-estrutura de transporte e de geração de energia a ser reforçada peloPlano de Aceleração do Crescimento (PAC). Este Plano faz partede uma estratégia mais ampla das elites que orientam o processo dedesenvolvimento e expansão econômica brasileira, seja para regiõesdo território nacional ainda não integradas completamente ao siste-ma econômico capitalista, seja em direção aos países vizinhos.

Os anos 2000 trazem de volta os grandes projetos de infra-es-trutura do setor de energia. No Brasil, citaríamos as obras de apro-veitamento viário e hidroelétrico (AHE) do Rio Madeira, emRondônia, e a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (noPará). Também os investimentos no setor nuclear, inclusive com aampliação do número de usinas nucleares (Angra III e outras). NaArgentina, estão em curso as negociações bilaterais entre Brasil eArgentina para a construção da represa de Garabi, no rio Uruguai.Na Colômbia, a Cia. Vale do Rio Doce quer construir uma usinacom capacidade de geração de 1,5 mil megawatts (MW), totalizandoum investimento de aproximadamente US$ 2,4 bilhões, juntamentecom uma unidade de beneficiamento da alumina e um porto paraescoar a produção gerada.

Como salientamos em outras ocasiões, de um modo geral o de-bate sobre a macroestratégia de integração das infra-estruturas na-cionais e suas repercussões em termos de sustentabilidade ambientale direitos humanos são questões pouco analisadas na profundidadenecessária. Predominam visões fragmentadas e muito suscetíveis apolíticas clientelistas e assistenciais.

Do nosso ponto de vista, entendemos ser necessário estabelecerpontes (redes) entre os diferentes esforços dos setores democráti-cos e pluralistas no âmbito da sociedade civil regional visando: (i)compreender, numa escala mais ampla, os processos de integraçãoterritorial, política e econômica em curso; (ii) realizar e mobilizaranálises críticas do processo de ampliação e conexão das infra-es-truturas econômicas regionais da perspectiva da sustentabilidadesocial, ambiental e cultural; (iii) promover o intercâmbio de conhe-cimento e informações no Brasil e entre os países sobre a gestãopolítica e financeira dessa integração; (iv) sensibilizar os fóruns e

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redes existentes nos países e as articulações transfronteiriças paraque incidam de forma organizada nos espaços de decisão sobre po-líticas e projetos de integração regional e na criação de novos espa-ços de governança (nacional e sul-americano) efetivamente demo-cráticos. Isso inclui também o recém-criado Parlamento do Mercosul,instalado na cidade de Montevidéu.

Um exemplo desse esforço, em âmbito nacional, é a denominadaPlataforma BNDES, que agrupa um conjunto de entidades e redesque, com diferentes abordagens e focos de incidência, vêm atuandode forma articulada junto ao Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) para que este dê maior transparên-cia aos empréstimos financeiros que tem realizado no país e às obrasnos países vizinhos e mesmo em outros continentes (Ásia e África).

Ricardo VerdumAssessor de Políticas Indígena e Socioambiental

do Instituto de Estudos SocioeconômicosMembro da coordenação da Rede Brasil sobre

Instituições Financeiras Multilaterais

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A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICASUL-AMERICANA

SUBSÍDIOS PARA UMA AGENDASOCIOAMBIENTAL

I. INTRODUÇÃOO debate acerca das potencialidades de uma maior integração e

cooperação entre os países latino-americanos e, em particular, do con-tinente sul-americano, tem uma longa história, que vem desde o sé-culo XIX, do processo de independência e constituição dos estadosnacionais nesta parte do mundo. No pós-guerra, a questão daintegração e cooperação continental foi concebida e equacionada nocontexto da guerra fria. A derrocada do socialismo real, a democrati-zação da maioria dos países do continente, os processos aceleradosde adoção e difusão do ideário neoliberal nos anos 90, bem como aconstituição de novos espaços e instituições regionais, criaram umnovo contexto para o debate sobre a integração continental.

Quando os processos contemporâneos de globalização capitalistaameaçam reiterar e aprofundar as condições de periferização e de-pendência dos países latino-americanos e, em particular, da Américado Sul, devem ser bem-vindas todas as possibilidades para reabrir eampliar o debate acerca da cooperação continental. Neste trabalho,pretende-se alinhar alguns elementos que deveriam ser consideradosquando se pensa a questão da integração continental a partir da pers-pectiva do setor de energia. Mais que respostas e propostas acabadas,o que se busca aqui é um roteiro de temas e problemas que deveriaser percorrido para que a questão da integração energética possa vir aser equacionada à luz de uma perspectiva que não se limite a integrarofertas e demandas, mas que também considere as dimensões sociaise ambientais, inseparáveis de uma perspectiva abrangente do desen-volvimento energético continental.

Assim, nas sessões II e III percorre-se, de maneira sintética, atrajetória de experiências e esforços voltados para construir asbases da integração energética. Em seguida, na sessão IV, ali-nham-se alguns subsídios para a elaboração de uma agenda soci-al e ambiental da integração energética continental.

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II. PRIMEIROS PASSOS DA INTEGRAÇÃOA integração energética, entendida como possibilidade de importa-

ção-exportação de energia elétrica entre países vizinhos, começou a ga-nhar maior espaço na pauta das relações entre países do continente apartir dos anos 1990. A formulação dos objetivos de integração entre asempresas de serviços de suprimento de energia ou entre os países sul-americanos, que tivera início cerca de 20 anos antes, assumiu novos ob-jetivos e significados. É importante cotejar velhos e novos significados, afim de apreender as concepções sob a égide das quais a integração vemsendo pensada e experimentada ao longo das últimas décadas.1

Em meados da década de 1960, tiveram início articulações para acriação de uma entidade que viesse a promover a integração energéticanos países da América Latina. Em 1965, foi oficialmente instituída aComissão de Integração Elétrica Regional – Cier -, como organismo in-ternacional, com o objetivo de “promover em caráter permanente o intercâmbiode informações, experiências e trabalhos técnicos entre empresas de energia elétrica daAmérica do Sul” (Eletrobrás, 2004:16). A Cier progressivamente se afir-maria, nos anos seguintes, como instituição de referência na área.

A importância da cooperação técnica e do intercâmbio de conhe-cimento, com o objetivo de superar o “isolamento” entre as empresasresponsáveis por serviços públicos de eletricidade na América do Sul,foi a principal justificativa à época para a constituição de um espaçoinstitucionalizado, dando início à organização de um fórum de arti-culação que incorporou a quase totalidade dos países sul-americanos.A integração então discutida pelos representantes das empresas esta-tais de energia não era concebida como “integração física”, mas como“um intercâmbio de informações [...], uma integração de gerenciamento, de in-formações, de formação de pessoal”2 (Eletrobrás, 2004:533).

O relacionamento iniciado na década de 1960 viria facilitar o desen-volvimento de trabalhos posteriores consagrados à viabilização de proje-tos binacionais, como o da usina hidrelétrica de Itaipu, e aos estudos paraa hidrelétrica de Garabi (rio Uruguai, na fronteira Argentina-Brasil). Deuma maneira ou de outra, as redes de relacionamento pessoal surgidas do

1. Ao elencar as visões sobre os primórdios da integração, busca-se evidenciar os elementosconformadores da concepção de integração energética a partir dos atores que fundaram edesenvolvem a temática no setor elétrico.2. Depoimento de Nelson da Franca Ribeiro dos Anjos. Ele foi secretário executivo da Cier etrabalhou na Organização dos Estados Americanos (OEA) e Eletrobrás. (Eletrobrás, 2004:14)

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intercâmbio de informações técnicas, bem como a ex-periência individual de alguns técnicos em instituiçõesinternacionais, como a Organização dos Estados Ame-ricanos (OEA) e o Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID), acabaram contribuindo para criaruma rede que ofereceria as bases para a concretizaçãodas ações futuras deintegração e a materia-lização de projetos.

Depoimentos dosprimeiros atores daintegração3, relativos àsduas primeiras décadasde existência da Cier,fazem referência cons-tante à viabilização doprojeto de aproveita-mento hidrelétrico doSalto de Sete Quedas,posteriormente Itaipu, e, mais tarde, aos estudos paraa Usina Hidrelétrica (UHE) Garabi. Nota-se a con-formação de um campo de ação no qual interagiamrepresentantes governamentais, empresas deconsultoria e empresas estatais. Pode-se dizer que,nesse período, caminhou-se na direção da constitui-ção de linguagens e parâmetros técnicos comuns, lan-çando-se os antecedentes diplomáticos e contratuaisque viriam, mais adiante, possibilitar o desenvolvi-mento de projetos binacionais e de acordos no cam-po da energia entre os países latino-americanos.

Em novembro de 1973, o Tratado de Lima crioua Organização Latino-Americana de Desenvolvi-mento Energético – Olade -, entidade pública in-ternacional e inter-governamental, sediada emQuito, Equador. Integrada pela representação mi-nisterial de 26 países da América Latina, a Olade

Margem doRio Madeira(RO), ondeserá construídabarragempara hidrelétri-ca. Movimentodos Atingidospor Barragens(MAB) estimaque 10 milfamílias serãoatingidas.RooseveltPinheiro/ABr

3. Depoimentos colhidos durante a pesquisa para a tese de doutorado de Mirian Nuti (Nuti, 2006).

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tinha como objetivos a “cooperação, coordenação e as-sessoria, com o propósito fundamental de promover aintegração, desenvolvimento, conservação e uso racional ecomercialização dos recursos energéticos da região”. A or-ganização foi concebida como “mecanismo de coope-ração entre os países da região para desenvolver seus recur-sos energéticos e atender conjuntamente os aspectos relati-vos ao aproveitamento eficiente e racional, a fim de contri-buir com o desenvolvimento econômico e social da região”4.

Além das posições que revelam o caráter de coo-peração técnica e institucional direcionada àviabilização de projetos, merecem ser registradas, ain-da, outras afirmações e constatações que se referemao posicionamento dos atores no cenário daintegração, no período de 1965 a 1990. A preocupa-ção preponderante era a integração como relação bi-lateral entre países, objetivando viabilizar interessescomuns, como a exploração ou o recebimento de ener-gia, com foco em projetos específicos, localizados pró-ximos das fronteiras nacionais. Notadamente durantea década de 1970 e início da década de 1980, tal ten-

dência levou à efetivaimplantação de usinashidrelétricas importan-tes, como Salto Gran-de (rio Uruguai, limi-te entre Uruguai e Ar-gentina), cujos estu-dos desenvolvidos noperíodo de 1938 a1946 resultam naconstrução da usina,iniciada em 1974.Também merecemmenção Yaciretá eItaipu.

Moradiasdesocupadas

devido àinundação daárea por lagode barragem,

paraconstrução de

hidrelétrica.Arquivo MAB

4. Disponível em www.olade.org.ec

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Para além da integração das redes de geração e transmissão, umapostura que se reivindicava como mais “internacionalista”(Eletrobrás 2004:228), sugeria ir além das questões diretamenterelacionadas aos problemas de abastecimento, de modo a abrangertoda a cadeia produtiva, da fabricação de equipamentos ao fluxo decapitais, movimentos que necessariamente envolvem outros conti-nentes e os países detentores de capital financeiro e tecnológico.

Há que se notar que as tendências e propostas de integraçãosempre se defrontaram com, e foram contrabalançadas por posi-ções segundo as quais o equacionamento das demandas energéticase da organização do setor de energia elétrica deveria dar-se noslimites estritos do território nacional. Essas posições quase sem-pre estiveram fundadas na convicção de que o abastecimento deenergia oriundo das interconexões internacionais poderia sofrerdescontinuidade em conseqüência de problemas políticos entreos países. Tal posicionamento perdurou até a década de 1990 epode ser observado, ainda hoje, em alguns fóruns5.

Há correntes que defendem que o Brasil, por já ter realizado umgrande processo de integração de sistemas no território nacional, es-taria apto a contribuir positivamente para futuras ações no sentido daintegração continental. Ventura (2004) explica que esse fato se deveà característica predominantemente hídrica do sistema elétrico brasi-leiro, dentre outros fatores que permitiram germinar as condições ne-cessárias a um processo de integração elétrica ou energética, seja en-tre países ou em sistemas isolados no território nacional. Não seriaexagero sugerir que a integração continental, nessa perspectiva, apa-rece quase que como uma continuidade natural da integração do se-tor elétrico em escala nacional.

No caso brasileiro, as primeiras interligações de energia elétricacom países fronteiriços começaram em julho de 1965, ligando Livra-mento, no Rio Grande do Sul, a Rivera no Uruguai. Esta foi a primei-ra interligação trans-fronteiriça no continente (Eletrobrás, 2004:22).

Em dezembro de 1973, foi estabelecida com o Paraguai a InterligaçãoAnde-Copel, trazendo energia de duas máquinas da usina hidrelétricaAcaray, operando em 60 Hz e atendendo à Companhia de Energia Elé-5. Seria possível arriscar que, no momento atual, pelo menos no Brasil, fortalecem-se os defen-sores da auto-suficiência, sobretudo após os problemas referentes a contratos de fornecimentode gás boliviano decorrentes da nacionalização das jazidas pelo Governo Evo Morales, e asemergentes reivindicações paraguaias de revisão do Tratado de Itaipu, após as recentes eleições.

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trica do Paraná (Copel) emtensão de 132 kV, até1981. A segundainterligação com oParaguai, a InterligaçãoAnde-Enersul, data deabril de 1980 e opera atéhoje, em Ponta Porã – MS,com dois conversoresrotativos em 23 kV e po-tência de 3,5 MVA. Essasinterligações envolverampequenas localidades situ-

adas nas regiões de fronteira com o Paraguai. Apósessas duas primeiras experiências, veio a construçãoda usina hidrelétrica Itaipu.

“O processo de integração elétrica do Brasil com os paíseslimítrofes iniciou-se na realidade com a implantaçãode projetos hidrelétricos binacionais, que constituem porassim dizer um elo natural de interconexão elétricainternacional. As interligações elétricas internacionaissão reconhecidamente uma das formas mais importan-tes e concretas de impulsionar a integração energéticaentre os países”. (Eletrobrás, 1994)

Os embates técnicos e diplomáticos acerca do apro-veitamento energético das águas do rio Iguaçu influen-ciaram o desenvolvimento de novos projetosbinacionais e o próprio processo de integraçãoenergética no continente, não somente com relação àconstituição de uma rede de articulação técnica (con-forme já mencionado), mas também à opção pelo de-senvolvimento de outros projetos binacionais. O pro-jeto da UHE Garabi é um bom exemplo dos reflexosdos embates a respeito de Itaipu e, principalmente, dasexigências da Argentina para o aproveitamento com-partilhado do trecho internacional do rio Uruguai.

Lago da UsinaHidrelétrica de

Cana Brava,em Goiás.

Arquivo MAB

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Garabi foi concebida “em duplicata”, como se no rio existisse uma linhadivisória imaginária, demarcando os limites político-administrativos en-tre os países. Foram projetadas duas casas de força e dois elevadores parapeixes, entre outras características técnicas. Os estudos foram desenvol-vidos por equipes técnicas separadas, em cada país, com coordenaçãogeral compartilhada. O arranjo geral do projeto original demonstra a con-cepção cautelosa visando à futura exploração do potencial local6.

Caberia, nessa rápida recuperação histórica, registrar igualmenteque vários foram os significados atribuídos a expressões comointegração e interligação ao longo do tempo. Os documentos permi-tem verificar variações na formulação de objetivos e aplicações des-sas noções, de acordo com o propósito (planejamento, projeto etc.), aconjuntura e o tipo de fonte energética em pauta. Em vários momen-tos, a integração foi vista como sinônimo, e remeteu quase que exclu-sivamente à idéia, de interconexão de sistemas, isto é, de interligaçãopor meio de linhas de transmissão. Mais comumente, porém, aintegração elétrica tem sido referida à agregação de um montante deenergia ao sistema existente, como, por exemplo, a energia de umanova usina que se incorpora ao sistema elétrico nacional. Dessa ma-neira, empreendimentos binacionais de geração não seriam conside-rados de interligação, mas de integração.

O termo integração também tem sido usado, mais recentemente, parareferir-se à integração de mercados de energia elétrica ou ainda, ampliandoseu escopo à integração energética, mesclando diferentes fontes e recursose associando interligações de sistemas elétricos com exploração de fontesdistintas de energia.

A integração avançou sem um claro caráter programático. Até ofinal da década de 1980, não se encontram propostas em escala con-tinental para a interligação ou integração energética; no máximo apa-recem menções a possíveis projetos a serem elaborados e promovi-dos bilateralmente. Ainda assim, apoiado por iniciativas governamen-tais e internas às empresas estatais de energia, o tema da integração edesenvolvimento energético se institucionaliza no continente e no

6. Já existiram várias iniciativas para a retomada dos estudos para a usina hidrelétrica de Garabi.Em 2005, o Ministério de Minas e Energia (MME) tomou para si a tarefa de coordenarinstitucionalmente uma nova tentativa para a retomada dos estudos visando à sua adaptação àconjuntura atual (revisão do projeto em termos de estruturas, cota do reservatório etc.). Recen-temente, em 2008, o ministro de Minas e Energia voltou a falar da relevância do projeto eanunciou que os estudos estavam em andamento.

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Brasil, criando as bases da articulação e promoção de quadros técni-cos que, de certa forma, favoreceram o intercâmbio pretendido nacriação das organizações e a concretização de acordos e projetos es-pecíficos para a geração de energia elétrica.

III. A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA A PARTIR DOS ANOS 1990:PRINCIPAIS ATORES INSTITUCIONAIS E SEUS OBJETIVOS

No contexto mais geral do movimento de integração latino-americana, principalmente na vertente comercial, e a partir da cri-ação, em 1991, do Mercado Comum Sul-Americano (Mercosul),pode ser observado um maior impulso na integração energéticacontinental7. Em agosto de 2000, a Reunião de Cúpula realizadano Rio de Janeiro consagrou a integração da América do Sul comoprioridade no âmbito das relações internacionais do Brasil. Desdeentão, os discursos presidenciais citam a integração da infra-es-trutura, e a energética em particular, como prioridades de ação doBrasil em relação aos demais países.

Historicamente, os principais proponentes do movimento decooperação entre os países têm sido os funcionários governamen-tais dedicados às relações internacionais, sob a hegemonia doscorpos diplomáticos, principais responsáveis pela elaboração dodiscurso da integração.

A partir dos anos 1990, analistas da política de relações inter-nacionais reconhecem que os temas econômicos, de direitos hu-manos, de minorias étnicas e de meio ambiente adquiriram tal re-levância no cenário internacional que os representantes governa-mentais afetos a essas áreas ganharam representatividade e certaautonomia frente à esfera diplomática8.

7. Quando de sua criação, o Mercosul contou com um grupo de trabalho específico para o estudo dosaspectos energéticos, enfatizando a legislação e os marcos regulatórios vigentes nos diversos países. Em2001, foi aprovado o Acordo Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul, que será comentado adiante.8. Segundo Soares (1997), um dos aspectos inovadores da diplomacia contemporânea é a invasãoda política internacional em terrenos de atuação das autoridades internas dos países, destacando-se a questão do desarmamento, dos direitos humanos e da proteção nacional e internacional domeio ambiente. A proteção ambiental, nesse contexto, refere-se tanto a fenômenos ou proces-sos que se sobrepõem ou transcendem as fronteiras político-administrativas, com rebatimentoem diversos países (poluição transfronteiriça, utilização internacional de recursos hídricos,rotas migratórias), como a questões consideradas locais que atualmente podem estar inseridasem contextos internacionais através de financiamento multilateral e a ação das organizações não-governamentais, interligadas em rede e atuando internacionalmente. Questões relacionadas adireitos de minorias étnicas e populações tradicionais ilustram a interpenetração entre diploma-cia e política internacional, de um lado; e assuntos nacionais, de outro lado.

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19A integração energética sul-americanasubsídios para uma agenda socioambiental

Na arena energética, além dos atores que histori-camente têm se dedicado à integração energética,principalmente Olade e Cier, mais recentemente apa-rece no cenário a Iniciati-va para a Integração daInfra-estrutura RegionalSul-americana (IIRSA).

Em termos de produçãode informação, a Cier atuadiretamente com as empre-sas associadas, através deconsultores independentes,enquanto a Olade trabalhaprincipalmente com insti-tutos de pesquisa e univer-sidades, contratados direta-mente ou por meio da co-laboração dos governos locais. Também os corpostécnicos das empresas estatais de energia dos paísesmembros contribuem para a produção de conheci-mento para esses organismos. A difusão das infor-mações é feita por intermédio dos governos e dasempresas em cada país.

No que diz respeito à IIRSA, esta conta com aparticipação direta de representantes governamen-tais e com um Comitê de Coordenação Técnica(CCT), constituído por representantes do BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID), daCorporación Andina de Fomento (CAF) e do Fundode Desenvolvimento para a Bacia do Prata(Fonplata). O CCT coordena o apoio técnico pres-tado pelas entidades que o compõem, nas áreas deação estabelecidas pelo Comitê de Direção Execu-tiva e pelos Grupos Técnicos Executivos, integra-dos por representantes dos países.

No circuito das agências multilaterais, o BID e aCAF são os bancos mais claramente vinculados àtemática da integração, atuando no financiamento de

Itaipu (Brasil/Paraguai): amaior hidrelé-trica do mundoem geraçãode energia.Caio Coronel/ItaipuBinacional

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projetos para produção e transmissão de energia e noincentivo à produção de informações sobre a “região”(nesse caso, a América Latina e o Caribe).

Na vertente de críticas à integração, desde a cria-ção do Mercosul, foram constituídas algumas organi-

zações não-governamen-tais voltadas para o deba-te dos aspectos econômi-cos, sociais e ambientais.Em algumas universida-des, principalmente doChile e da Argentina, gru-pos temáticos têm se de-dicado ao exame daintegração, sem, contudo,haver um direcionamentoespecífico para as questõesde integração energética.

A proposta de criaçãoda Área de Livre Comér-

cio das Américas (Alca) reacendeu as discussões epassou a integrar a pauta de organizações e protes-tos anti-globalização (Fórum Social Mundial, Gri-tos dos Excluídos, entre outros). No Brasil, o Proje-to Brasil Sustentável e Democrático9 produziu sig-nificativo material de análise sobre a sustentabilidadeenergética no país e participou do debate das ques-tões relacionadas aos problemas ambientais e à “im-portação” de concepções e padrões de desenvolvi-mento sustentável.

Outros atores, cuja importância tem crescido nosdebates e nas ações concretas relativas ao desenvol-vimento energético nos países do continente, são asempresas energéticas privadas e os grupos econô-

Área que seráencobertapela Usina

HidrelétricaFoz do

Chapecó, nadivisa de SantaCatarina e Rio

Grande do Sul.Arquivo MAB

9. Esse projeto teve o patrocínio institucional do Fórum Brasileiro de ONGs e a participação de cincoorganizações não-governamentais (Fase, Ibase, PACS, Redeh, AS-PTA). Também o integraram doiscentros universitários (IEE/USP, Ippur/UFRJ). O projeto contou com apoio da Fundação HeinrichBoll, Fundação Ford e desenvolveu intercâmbio, entre outros, com Amigos da Terra – Europa,Instituto Wuppertal (Alemanha), New Economic Foundation (Inglaterra) e Redefining Progress (EUA).

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micos, nacionais e estrangeiros que integram atividades nos setoresminero-metalúrgico-energético e grandes obras de engenharia. Com aprivatização progressiva dos setores elétricos, tanto através da vendade empresas estatais geradoras e distribuidoras quanto de concessõesde novos empreendimentos a grupos privados, grandes grupos eco-nômicos têm assumido o controle de diferentes segmentos setoriais -distribuição, geração térmica e hidrelétrica e linhas de transmissãoem alta tensão. Atuando com estratégias globais de formação de re-des de negócios diversificados e em vastos territórios, esses “agentesde mercado” combinam nichos de consumo com visão geopolítica.Segundo Oliveira e Tolmasquim (2000), tais grupos, que atuam glo-balmente, procuram direcionar seu negócio para a infra-estrutura (água-esgoto, lixo, telecomunicações, gás e energia elétrica)10. No Brasil,eles participam tanto do segmento da geração como da distribuiçãode energia e, na maior parte das vezes, estão presentes nos dois seg-mentos da cadeia.

O conhecimento de algumas características das principais insti-tuições que atuam no campo da integração energética contribui paraesclarecer posições e ações dos atores nessa arena. Parte-se do enten-dimento inicial de que “atores institucionais” são sujeitos de açãopolítica, com representação de interesses governamentais ou repre-sentantes de organismos governamentais, de instituições que se auto-definem como técnicas, entidades atuantes no suporte ao negócio daenergia elétrica sem, no entanto, representarem diretamente grupossociais. Existem inúmeras instituições, organizações e agências mul-tilaterais com o objetivo de integração na América Latina. O quadroem anexo relaciona as instituições que atuam com o objetivo expres-so de integração entre os países latino-americanos.

Um simples olhar sobre os atores do campo da integração energéticaindica as novas condições sob as quais prossegue o processo, à medidaque avança a década de 1990. Agora, são notórios os esforços paraadaptar o contexto e o projeto de integração, antes dominado ampla-mente por empresas estatais, aos novos ventos privatistas e liberalizantes.Progressivamente, assiste-se à configuração de um cenário marcadopela preponderância das grandes empresas. Alterações nas estruturas,nos produtos oferecidos e na composição da Comissão de Integração

10. Os autores fazem um levantamento dos grupos atuantes no Brasil e os localizam na Américado Sul e em seus países de origem.

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Elétrica Regional (Cier) e da Organização Latino-Americana de De-senvolvimento Energético (Olade) demonstram esse esforço, tambémdirecionado para a revisão dos objetivos da própria integração.

Desse modo, o que havia se iniciado em determinados marcos, e tendoem vista a cooperação técnica e a constituição de uma rede de articulaçãoentre atores de diversos países, passando em seguida por alguns projetosbinacionais sob a égide dos estados nacionais, passa a se defrontrar comcerta indefinição no que concerne aos modos de integração dos mercados,geralmente enunciados como “integração das infra-estruturas” físicas –entre as quais se inclui, com destaque, a geração e transmissão de energia.

Quais as “marcas” desse processo?No final dos anos 1980 e na década de 1990, a Olade produziu

instrumentos de planejamento energético e de política para o desen-volvimento de projetos de integração e planejamento conjunto para aAmérica Latina. Profissionais de países como o Brasil, Argentina eColômbia, entre outros, participaram da elaboração de modelos edocumentos de política, aprovados pelas instâncias superiores da or-ganização e, oficialmente, pelos países membros, e aceitos à épocacomo política comum de desenvolvimento energético11.

A mesma Olade começou a discutir sua reestruturação no iníciodos anos 2000. A privatização setorial em muitos países membrosafetou diretamente a organização, inclusive em seu suporte financei-ro12. Em outubro de 2003, foram aprovadas a nova estrutura e o novoregulamento, sempre reafirmando os objetivos do Tratado de Lima,que deu origem à organização. Os propósitos fundamentais da insti-tuição atualmente definidos são: integração, proteção, conservação,aproveitamento racional, comercialização e defesa dos recursos

11. Exemplos claros são o “Superolade”, modelo de planejamento energético proposto para seradotado no planejamento de todos os países (a partir de módulos de execução hídrica, térmica ede meio ambiente) e na política energética de desenvolvimento sustentável (1997), bem como apublicação “Integración Energética en América Latina y Caribe” (1996), documento que propõe abase de uma política de integração entre os países.12. Com um sistema pautado na contribuição de cotas por países, o não-pagamento da contribui-ção anual por 30% dos países membros, nos anos de 1999 a 2002, comprometeu a manutenção daprópria Secretaria Permanente e de outras atividades que ela coordenava (Informe del Comité deEstrategia y Programación, CEP/Olade, 2003). Além disso, os próprios objetivos da organizaçãopassaram a ser questionados veladamente com relação a possíveis ações integradoras para osmercados de energia que, pelo ideário dominante à época, deveriam funcionar por meio dacompetição entre empresas privadas, num mercado quase totalmente livre, isto é, minimamenteregulado. Os projetos para o desenvolvimento de políticas e instrumentos de planejamentodiminuíram ou foram interrompidos. A atividade de sistematização de informações e estatísticasfoi mantida, bem como aqueles projetos que receberam financiamento de outras fontes.

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energéticos da Região. Suamissão ficou estabelecidacomo sendo a promoção deacordos entre seus EstadosMembros e a realização deações para satisfazer suas ne-cessidades energéticas, medi-ante o desenvolvimento sus-tentável das diferentes fon-tes de energia. (Olade, 2003).

Além dos objetivos de co-operação, assistência técnicae informação, são descritasas atividades a seguir relacionadas, no que diz res-peito aos aspectos de posicionamento internacional,mercado e desenvolvimento sustentável, enfatizandoainda um importante papel para o setor energéticona integração do continente:

“a) Adoptar decisiones políticas para fomentar que laactividad energética en los Estados Miembros propicie laintegración regional y el desarrollo sustentable en materiade energía, para elevar el nivel de vida de la población;b) Fomentar el desarrollo de políticas energéticas afinescomo factor de integración regional;c) Promover acciones destinadas al desarrollo de nuevasfuentes de energía, a la protección y conservación de losrecursos energéticos de la región, impulsando el desarrollo,uso y comercialización de tecnologías limpias;d) Contribuir al fortalecimiento de la capacidad denegociación internacional de los Estados Miembrosen el sector energético;e) Promover la creación y desarrollo de mercados parabienes y servicios energéticos” (Olade, 2003 - ên-fases nossas) 13

Comunidadede pescadoresatingida porrepresa dehidrelétrica:famílias afeta-das reclamamque nãoreceberamindenização.RooseveltPinheiro/ABr

13. Observam-se também, como pontos de interesse no novo regulamento, as restrições departicipação aos países que não contribuírem com as cotas de financiamento, conforme constado Capítulo III do Regulamento Geral da organização, aprovado em 2003.

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Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o enfoque dado àintegração energética foi direcionado à criação de um espaço sul-america-no de integração no qual as questões energéticas apareceram relacionadasà ênfase na institucionalização do Mercosul e à negociação e implantaçãode infra-estrutura física do continente, culminando com a criação da Inici-ativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA),cujo marco foi a primeira Reunião dos Presidentes dos Países da Américado Sul, realizada em setembro de 2000, na cidade de Brasília. Na declara-ção final da reunião, os presidentes presentes manifestaram seu apoio aoprocesso de expansão e aprofundamento da integração econômica do he-misfério, reafirmando a importância de um espaço econômico para o livrecomércio das Américas e um melhor relacionamento com a União Euro-péia e a Organização Mundial do Comércio, bem como a expectativa deque tais iniciativas extra-regionais pudessem vir a contribuir para “a plenaintegração dos países sul-americanos na economia internacional” (Comunicado deBrasília – Reunião de Presidentes da América do Sul, setembro de 2000).

A IIRSA não foi concebida e criada como um programa diplomático,convênio internacional ou como um outro instrumento estabelecido en-tre seus 12 países membros (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela)14. Cer-tamente já influenciada pelo processo de desestatização dos setores deinfra-estrutura, constituiu-se como um projeto que, apesar de contar coma chancela dos presidentes dos países, opera de maneira mais ou menos“informal”, quer dizer, fora dos circuitos das relações oficiais entre esta-dos. Segundo seu coordenador no Brasil:

“O projeto tinha três grandes vertentes. Uma, a construção de uma visãoestratégica da América do Sul, um quadro básico de referência, digamos,projetado para a América do Sul para os próximos 20 anos, de tal modo quea integração se olhasse e se visse inserida em um projeto de construção de umsubcontinente integrado econômica e socialmente e, ao mesmo tempo, fisica-mente. O segundo item importante da IIRSA era a constituição de um portfólio,de uma carteira de projetos de infra-estrutura que integrasse a América doSul nas três grandes infra-estruturas: energia, transportes e comunicações. Eum terceiro tipo de agenda era a formação de grupos setoriais que pudessem

14. O projeto de integração da infra-estrutura para a América do Sul está em andamento. Para avisualização dos eixos de integração física, vide sítio da Internet (www.iirsa.org). Observa-se quea Guiana Francesa também não participa desta iniciativa.

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discutir os temas regulatórios que permitissem que aintegração física não fosse só física, mas fosse tambémregulatória, de tal modo que os serviços que decorressemda integração física tivessem harmonização” (Entre-vista com Ariel Cecílio Garces Pares, coordena-dor da IIRSA, em 14/12/2004)15.

No início do governo Luís Inácio da Silva, a parti-cipação do setor de energia, tanto na IIRSA quantona Olade, passou por uma série de questionamentos,talvez em virtude de algumas resistências iniciais àopção claramente privatista16. Não obstante, as in-tenções de projetos de integração bem como a cartei-ra de projetos da IIRSA foram mantidas, embora commenos destaque que no governo anterior.

Gravitando em torno das estruturas governamen-tais (ou dentro delas), mas sem serem claramentedirigidas por estas17, osatores institucionaisda integraçãoenergética e de infra-estrutura física não lo-graram atrair, até ago-ra, grandes empresastransnacionais para aconsolidação de seusobjetivos mais gerais.Por outro lado, estasúltimas continuamatuando com suas es-

Comunidadeinundada pelolago dabarragem deAcauã, naParaíba.Arquivo MAB

15. A ênfase nos “temas regulatórios” sinaliza a passagem inquestionável da integração dominadapor empresas privadas e operando nos marcos do mercado, sendo a intervenção do estado antesregulatória que empreendedora.16. Como é sabido, a reforma setorial – designada de novo modelo do setor elétrico – levadaa cabo no Governo Lula mostrou que as resistências iniciais foram superadas e a privatizaçãoseguiu seu curso, com algumas adequações, a principal delas a manutenção de Furnas, Com-panhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) e Eletronorte sob controle do estado.17. Ilustrativa dessa relativa fragilidade é a ausência de claras diretrizes para a representaçãobrasileira na Olade. Se acordos bilaterais foram firmados para o equacionamento de questõesespecíficas, parece inexistir qualquer perspectiva de conjunto ou propostas mais abrangentesdos atores institucionais ou dos governos.

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tratégias globais e pressionam novos posicionamentosna revisão de acordos, objetivos e projetos, visando aoestabelecimento de um planejamento em que a pre-sença do Estado esteja restrita ao que for indispensá-vel à consecução de seus objetivos.

As projeções para a integração energéticae as declarações de intenção ambientais

Durante a segunda metade da década de 1990,os planos de expansão do setor de energia elétrica

brasileiro previram várias li-gações com os demais paí-ses da América Latina, alte-rando um padrão de produ-ção de energia e de compor-tamento setorial no qual asrelações internacionais pri-vilegiavam as transações co-merciais com os países de-senvolvidos (principalmen-te para obtenção de finan-ciamentos e compra deequipamentos) e deixavamaos países vizinhos as rela-ções de intercâmbio de in-

formações e de capacitação técnica, com raras pos-sibilidades de integrações elétricas reais. Tambémnesse período, instituições como a Cier, a Olade e,mais recentemente, a IIRSA estimularam propos-tas de integração e divulgaram projeções para aconstituição de uma América do Sul integradaenergeticamente em termos físicos e de mercadode energia.

Ainda que formulados em épocas um pouco defa-sadas e de posições institucionais e políticas por ve-zes diferenciadas, tais discursos apresentam projeçõesconceituais e espaciais, com elementos comuns so-bre o que seria a integração energética dos novos tem-

Cacique daetnia Tenharim(AM) reclamados impactos

socioambientaiscausados emcomunidadesindígenas porusina hidrelé-

trica. ValterCampanato/

ABr

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27A integração energética sul-americanasubsídios para uma agenda socioambiental

pos. Lembrando Bourdieu (1989), com relação à produção do podersimbólico, podem-se pensar as projeções como representações inseridasna luta simbólica de classificação para imposição do mundo social al-mejado e conforme os interesses de determinado grupo18.

A proposta veiculada pela Olade (1996) forneceu as bases parauma política energética regional em que a integração faria partede uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a região,embora não tenha jamais ficado muito claro o que se entenderiapor “desenvolvimento sustentável”. Quanto à fundamentação danecessidade de integração regional, está calcada numa referência,também bastante geral , aos movimentos mais gerais daglobalização. Na visão da Olade, esse é o contexto no qual osEstados iniciam os processos de integração, organizados em blo-cos econômicos e com o objetivo de atenuar os efeitos da compe-tição internacional. A competição no mercado mundial, sobretu-do industrial, exigiria uma expressiva melhoria na qualidade dosserviços e, mais que tudo, redução dos riscos de desabastecimentoou interrupção e custos competitivos. Se é reiterada a referência àproteção ambiental, a ênfase na competitividade como condiçãode inserção global da economia continental sugere uma poucoexplicitada opção por uma estratégia energética, e de infra-estru-tura em geral, voltada para a exportação19.

Em certo sentido, pode-se afirmar que o objetivo seria, por assimdizer, ampliar à escala continental os ganhos de eficiência e segurançaque a integração nacional do setor elétrico brasileiro já teria permitidoalcançar. Assim, ganhos hidrológicos resultantes da interligação de ba-cia contribuiriam para uma otimização da gestão de fluxos e reservató-rios, complementada por ganhos na substituição de outras fontes não-renováveis por gás natural.

Se a integração física viria potencializar os ganhos da integração dosrecursos energéticos, a integração dos mercados, por seu turno, seriapropiciada pela harmonização dos processos regulatórios entre os paí-

18. “As diferentes classes e frações de classe estão envolvidas numa luta propriamente simbólicapara imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem ocampo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo dasposições sociais”. (Bourdieu, 1989:11)19. Observa-se que a aludida competição trava-se não entre países mas entre empresasmultinacionais no mercado mundial. O paradoxo estaria em que a desregulamentação setorial eas privatizações parecem estar conduzindo antes ao aumento, que à diminuição, dos preços deenergia para o consumidor final.

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ses e a eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias. Comungandodas premissas de integração física e de mercados, Olade e Cier projeta-ram interligações, geração compartilhada e harmonização de regras20.

A proposta de integração energética para a América Latina daOlade (1996) foi acompanhada de uma proposta metodológica deavaliação da integração que incorporasse o conceito de desenvolvi-mento humano sustentável (Olade, 1997)21. A noção de“sustentabilidade” está associada à idéia de harmonização do cresci-mento econômico, da eqüidade social e da proteção ao meio ambien-te. Nessa formulação, o conceito de desenvolvimento se refere ao“desenvolvimento humano” conforme definição do Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o que traria as vanta-gens de incluir as dimensões sociais e econômicas, ambientais e polí-ticas ao desenvolvimento da Região (aqui entendida como os 26 pa-íses membros da Olade). Ora, isso não se coaduna com a políticas epráticas históricas do setor elétrico brasileiro.

Historicamente, o planejamento energético em geral e o brasileiro, emparticular, pautaram-se pelo princípio do suprimento de energia ao me-nor custo. Tal pressuposto também estava associado a uma determinadanoção de desenvolvimento segundo a qual a energia é considerada bemessencial e “base” para alcançar o crescimento econômico e produtivo,que nessa visão são sinônimos de qualidade de vida e bem-estar.

A energia, portanto, deveria ser oferecida com o melhor padrão técni-co e ao menor custo para promover as instalações de infra-estrutura soci-al e o consumo industrial e domiciliar. O bem energia, nesse caso, é parteintrínseca do desenvolvimento. Onde houver disponibilidade de energiaelétrica, seja para uso doméstico, público ou industrial, estarão presentesas condições para o desenvolvimento, cujo significado é “progresso”. Poresse raciocínio, o aumento do consumo de energia constitui, de per si, umindicador de qualidade de vida e bem-estar social. Nessa formulação,energia e desenvolvimento praticamente se confundem, independente-mente da forma como é produzida, como e por quem é consumida.20. Para informações mais detalhadas, ver Nuti: 2006, Parte I, cap.6 e 7)21. Em 1997, a Olade publicou o documento que propõe uma política energética para a AméricaLatina, “Energía y Desarrollo Sustentable en América Latina y Caribe: Enfoques para la PolíticaEnergética”, consolidando uma “apreciação conceitual para estimular uma revisão das políticasenergéticas com a finalidade de integrá-las a uma política geral a favor do desenvolvimentosustentável” (Olade, 1997:1). Essa publicação integra o projeto Olade Energia e Desenvolvimen-to Sustentável para a América Latina e Caribe, desenvolvido pela Olade/Cepal/GTZ, iniciadoem 1993 e com referências até 1999. Atualmente, não são encontrados registros sobre suacontinuidade nos documentos da entidade.

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Até que ponto seria possível tomar como consis-tentes e efetivamente normativas, e não como meraretórica, tais declarações de intenção?

IV. SUBSÍDIOS PARA UMAAGENDA SOCIOAMBIENTALDA INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA

O balanço socioambiental dos empreendimentos dosvários setores elétricos nacionais não recomenda qual-quer otimismo. No Brasil, essebalanço é, para dizer o mínimo,dramático, tamanhos os custossociais e ambientais não adequa-damente compensados e repa-rados na implantação de proje-tos hidrelétricos. A violação dedireitos humanos levou ao pon-to de o Conselho de Defesa dosDireitos da Pessoa Humana, li-gado à Secretaria Especial deDireitos Humanos da Presidên-cia da República, criar uma Co-missão Especial para “realizarum levantamento empírico” de“ocorrências de violações de direitos humanos decorrentes daimplementação de barragens no país” e “apresentar sugestões epropostas no que concerne à prevenção, avaliação e mitigaçãodos impactos sociais e ambientais da implementação dessas bar-ragens, e a preservação e reparação dos direitos das populaçõesatingidas” (Resolução nº 26/2006).

São igualmente conhecidos os graves danos provo-cados pela implantação de usinas hidrelétricas sobrepopulações tradicionais, tanto na Amazônia brasileira(Tucuruí, Balbina), quanto no Chile (Bio Bio) e Colôm-bia (Arru). Projetos binacionais não escaparam à mes-ma problemática, como o demonstram os problemaspendentes em Yaceritá e, mesmo, em Itaipu, onde a situ-ação dos Guarani Oco´y permanece sem solução.

Repressão doExército aosatingidos pelaUsina Hidrelé-trica deTucuruí,no Pará.Arquivo MAB

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Mas, se tomamos as declarações de intenção como efetivos com-promissos dos governos integrantes da Olade, parece que estão da-das as condições para um sério e difícil debate sobre os termos daagenda social e ambiental de integração energética. Essa agenda po-deria ser formulada em três níveis, ou horizontes: agenda emergencial,agenda precaucional e agenda energética estratégica.

Agenda EmergencialEloqüente demonstração da gravidade dos problemas sociais enfren-

tados pelas populações atingidas por empreendimentos hidrelétricos nocontinente está no avanço da luta e organização de populações atingidas,inclusive com a emergência de organizações e reuniões continentais22.

As situações, às vezes dramáticas, de populações atingidas, suge-rem que o primeiro componente de uma política social e ambientalmenteresponsável seria o equacionamento e enfrentamento dos problemassociais e ambientais pendentes nos vários países. Consta, por sinal, dasrecomendações da World Commission on Dams23 a implementação de polí-ticas e procedimentos para reparar todos os danos sociais e ambientaisprovocados pela implantação de barragens já existentes, conforme su-gerimos anteriormente.

Políticas decididas de identificação do passivo social e ambiental e dereparação das perdas sinalizariam a clara intenção dos governos de incor-porarem às políticas e aos projetos associados à integração energéticaregional as lições aprendidas em escala nacional.

Agenda PrecaucionalHoje, são diversas as regras sociais e ambientais para o licenciamento

de projetos energéticos, em particular de projetos hidrelétricos. Ade-mais, são notórias as limitações das legislações e normas referentes aos

22. A referência aqui é à Rede Latino-americana contra Represas, que realiza seu IV EncuentroLatinoamericano na Colômbia, em julho de 2008. Não caberia, neste trabalho, um levantamentoexaustivo do passivo social e ambiental dos setores elétricos nacionais do continente, mas asfontes são abundantes e de fácil acesso. Assim, por exemplo, pode-se consultar o sítio da Redlar(http://www.redlar.org), da International Rivers Network (http://internationalrivers.org/en/latin-america) ou os anais do I Encuentro Latinoamericano Ciencias Sociales y Represas, realiza-do em Salvador, em novembro de 2007.23. Em 1997, o Banco Mundial, governos, empresas e organizações não-governamentais consti-tuíram a Comissão Mundial de Barragens, independente, para avaliar as barragens construídas nomundo. Após dois anos de estudos e audiências, em novembro de 2000, a Comissão lançou umrelatório contendo análise bastante crítica do desempenho econômico, social e ambiental debarragens no mundo, bem como uma série de recomendações (World Commission on Dams,2000). Para a síntese e discussão dos principais resultados e recomendações, ver Vainer (2001).

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impactos sociaise ambientais deprojetos energé-ticos, em particu-lar de projetos hi-drelétricos.

Um primeiropasso, pois, es-taria no levanta-mento e nacomparação dasregras vigentesnos vários paí-ses, na direção do estabelecimento de regras co-muns. Essas novas e compartilhadas normas teri-am que incorporar os avanços resultantes tantodas experiências nacionais quanto do debate in-ternacional. Em particular, haveria que adotarcomo patamar mínimo as recomendações da WorldCommission on Dams (2000), em particular:

• Processos abrangentes e participativos de avalia-ção tanto das necessidades e dos objetivos quantodas diferentes opções existentes para atingi-los de-vem ser implementados antes que qualquer estudosobre qualquer projeto específico seja iniciado;

• Antes de qualquer decisão de construir novos pro-jetos, deve ser conferida prioridade aos esforçospara otimizar a gestão e o consumo de água e ener-gia, isto é, para melhorar a performance das infra-estruturas existentes, inclusive de geração e dis-tribuição de água e energia;

• Nenhuma barragem deverá ser construídasem a plena informação e aceitação das po-pulações atingidas24.

24. A Comissão Mundial de Barragens também recomendou o estudo e a implantação demecanismos para reparar todos os danos sociais e ambientais provocados pela implantação debarragens já existentes, conforme sugerimos neste trabalho. Para um relato acerca da WorldCommission on Dams, ver Vainer, 2001.

Usina Hidrelé-trica de Xingo,em Alagoas.João Zinclar.Arquivo MAB

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Evidentemente, essa nova postura deverá im-plicar tanto uma profunda democratização dos pro-cessos de planejamento energético em escala naci-onal quanto a criação de mecanismos efetivamen-te abertos à participação da sociedade civil no âm-bito das instâncias coordenadoras dos processos deplanejamento e decisão acerca de empreendimen-to energéticos.

Agenda Energética EstratégicaA energia, o uso e a gestão de recursos hídricos

e, de modo mais amplo, as formas de apropria-ção do território e dos recursos ambientais(territorializados) são, sem nenhuma dúvida, te-mas decisivos em qualquer estratégia ou projetonacional. Da mesma maneira, devem ocupar lu-gar de destaque em projetos e estratégias de lon-go prazo voltados para a integração regional. Emque medida pretende-se reproduzir, em escala

continental, os padrões deconcentração econômicahoje vigentes em escalanacional , reiterando, emesmo aprofundando, asdesigualdades regionais?Até que ponto pretende-se aprofundar um modelode integração continentalna economia mundial quetransformaria nossos paí-ses, de maneira definitiva,em exportadores de ener-gia e produtos eletro-in-tensivos, às custas da de-

gradação de nossos rios e da exaustão de nossosrecursos naturais, da fragilização e mesmo des-truição de muitas de nossas comunidades tradi-cionais?

Protesto dosatingidos porbarragens deMinas Gerais.Arquivo MAB

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As políticas e práticas vigentes em escala nacional têm sidomuito pobres na implementação de políticas voltadas para a eco-nomia e conservação de energia. Embora documentos da Olade,como visto anteriormente, proclamem um compromisso com aconservação, aproveitamento eficiente e uso racional das recur-sos energéticos, bem como o desenvolvimento sustentável dediferentes fontes de energia, muito tímidos têm sido os progra-mas e as políticas nessa direção.

Seria de dramáticas conseqüências para o continente se aintegração energética regional se realizasse sobre a égide de ummodelo energívoro e exportador de eletro-intensivos, o que exi-ge, de fato, que seja colocada na pauta de discussão o modelo dedesenvolvimento e, em particular, o modelo de integração regio-nal à economia mundial.

V. COMENTÁRIOS FINAISComo anunciado na introdução, não se pretendeu, neste arti-

go, senão reunir elementos para pensar os termos de uma agendade discussões que incorpore de maneira decidida a questão soci-al e ambiental ao campo de debates acerca da integraçãoenergética. Como é sabido, o modelo energético é solidário deum modelo de desenvolvimento e um não pode ser pensado se-paradamente do outro. Por essa mesma razão, as decisões relati-vas aos modos de produção, transmissão e consumo de energia,assim como às formas de integração energética, em âmbito con-tinental e do continente com o resto do mundo, envolvem inte-resses do conjunto da sociedade.

Ora, vivemos, em nosso continente, em sociedades profun-damente desiguais, nas quais parcelas expressivas das popula-ções estão à margem de processos decisórios de que dependemtanto seu cotidiano quanto seu futuro. Se acreditamos que aintegração energética pode contribuir para superar os processosde produção e reprodução das desigualdades, será indispensávelavançar, em primeiro lugar, na constituição de processos de dis-cussão e decisão que, de fato, permitam incorporar de maneirainformada representações consistentes da sociedade civil conti-nental. Esse constitui um desafio bem maior que a construçãode barragens, usinas ou linhas de transmissão.

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Nome/Sigla

Associação Latino-Americana de Co-mércio - ALALC (1)

Associação Latino-Americana deIntegração - ALADIBanco Interamericanode Desenvolvimento- BIDInstituto para aIntegração da Améri-ca Latina e Caribe -INTAL (2)

Comunidade Andina- CAN

Corporação Andinade Fomento - CAF

Comunidade doCaribe – CARICOM

Comissão Econômi-ca para a América La-tina e Caribe - CEPAL

Objetivos

Eliminar as restrições comerciais existentes entre ospaíses membros.

Promover a criação de uma área de preferências eco-nômicas na região, objetivando um mercado co-mum latino-americano.Promover a redução da pobreza e a eqüidade social,além do crescimento ecologicamente sustentável.

Desenvolver tarefas de pesquisa, cooperação técnicaa governos e instituições nos âmbitos acadêmico eempresarial e capacitação em apoio aos processos deintegração e cooperação regionais.Promover um desenvolvimento equilibrado e har-mônico dos países membros e em condições deeqüidade; acelerar o crescimento via integração eco-nômica e social; impulsionar o processo deintegração regional com vistas à formação de ummercado comum latino-americano; e buscar amelhoria de vida de seus habitantes.Promover o desenvolvimento sustentável e aintegração regional por meio de mobilização efici-ente dos recursos.Fornecer liderança e serviços dinâmicos, em parceriacom as instituições e os grupos da comunidade,para viabilizar uma comunidade internacional com-petitiva e sustentável, com melhor qualidade de vidapara todos.

Contribuir para o desenvolvimento econômico daAmérica Latina, coordenando as ações nessa dire-ção; e reforçar as relações dos países membros entresi e com as demais nações do mundo.

Data de criação

1960

12 de agostode 1980

1959

1964

26 de maiode 1969

1966

4 de julho de 1973

25 de fevereirode 1948

ORGANIZAÇÕES LATINO-AMERICANAS RELACIONADAS À INTEGRAÇÃO

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35A integração energética sul-americanasubsídios para uma agenda socioambiental

Abrangência (países)

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equa-dor, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba,Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai eVenezuela.Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Bra-sil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salva-dor, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica,México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Repú-blica Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago,Uruguai, Venezuela.

Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica,Equador, Espanha, Jamaica, México, Panamá, Paraguai,Peru, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize,Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, MonteSerrá, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicentee Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago. Mem-bros associados: Anguilla, Bermuda, Ilhas Cayman,Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Turks e CaicosAntígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize,Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba,Dominica, Equador, El Salvador, Espanha, Estados Uni-dos da América, França, Granada, Guatemala, Guiana,Haiti, Honduras, Itália, Jamaica, México, Nicarágua, Paí-ses Baixos, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Uni-do da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, RepúblicaDominicana, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, SãoVicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uru-guai e Venezuela. Membros associados: Anguilla, AntilhasHolandesas, Aruba, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgensdos Estados Unidos, Monte Serrá e Porto Rico.

Ato formal

Tratadode Montevidéu

Tratadode Montevidéu

ConvênioConstitutivo

Acordo subscrito en-tre o BID e o Gover-no da República Ar-gentinaAcordo de Cartagena

Declaração de Bogotá

Tratado deChaguaramas

Resolução 106 (VI)do Conselho Econô-mico e Social

Local da sede

Montevidéu -Uruguai

Montevidéu -Uruguai

Washington -EUA

Buenos Aires -Argentina

Lima - Peru

Caracas -Venezuela

Georgetown -Guiana

Santiago doChile - Chile

ENERGÉTICA

Page 36: A integração energética sul-americana

36

Nome/Sigla

Comissão deIntegração Energéticae Regional - CIER

Fundo Financeiropara o Desenvolvi-mento da Bacia doPrata - FONPLATAMercado Comum doSul - MERCOSUL

Organização dos Es-tados Americanos –OEA

Organização Latino-Americana de Ener-gia – OLADE

Objetivos

Promover e incentivar a integração dos setores elé-tricos regionais.

Apoiar técnica e financeiramente as iniciativas de de-senvolvimento harmônico e de integração no âm-bito dos países membros da bacia do Rio da Prata.

Integrar os quatro Estados Partes, por meio da livrecirculação de bens, serviços e fatores produtivos, doestabelecimento de uma tarifa e da adoção de umapolítica comercial comuns, da coordenação de políti-cas macroeconômicas e setoriais e da harmonizaçãode legislações nas áreas pertinentes, para alcançar ofortalecimento do processo de integração.Fortalecer a cooperação e desenvolver interesses co-muns dos países membros. A OEA tem comoponto central de sua missão o compromissoinquestionável com a democracia.

Incentivar a cooperação e integração, sobretudo aenergética, entre os países membros.

Data de criação

10 de julhode 1964

23 de abrilde 1969

26 de marçode 1991

1948

2 de novembrode 1973

ORGANIZAÇÕES LATINO-AMERICANAS RELACIONADAS À INTEGRAÇÃO

Notas:(1) Esta foi secundada pela Associação Latino-Americana de Integração (Aladi).(2) O Intal é parte do Departamento de Integração e Programas Regionais do Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID).(3) Cuba é membro integrante, porém o governo atual de Cuba é excluído da participação na Organizaçãodos Estados Americanos (OEA).

Page 37: A integração energética sul-americana

37A integração energética sul-americanasubsídios para uma agenda socioambiental

Abrangência (países)

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador,Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.Membros associ-ados: Canadá, Espanha, França, México e Portugal

Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. MembrosAssociados: Bolívia e Chile.

Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados,Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, CostaRica, Cuba (3), República Dominicana, Equador, ElSalvador, Estados Unidos, Granada, Guatemala,Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicará-gua, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lúcia, São Vicentee Granadinas, São Cristóvão e Névis, Suriname,Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela.Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colôm-bia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Gra-nada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica,México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Repú-blica Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago,Uruguai e Venezuela.

Ato formal

Aprovada no Primei-ro Congresso deIntegração Elétrica Re-gional.Tratado da Bacia dorio da Prata

Tratado de Assunção

Carta de Bogotá

Convênio de Lima

Local da sede

Montevidéu -Uruguai

Santa Cruz -Bolívia

Montevidéu -Uruguai

Washington DC- EUA

Quito - Equador

ENERGÉTICA

Page 38: A integração energética sul-americana

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