24
1 A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os ajustes estruturais na América Latina Eduardo Costa Pinto e Paulo Balanco (UFBA) Resumo: neste artigo procura-se localizar as origens do processo de retrocesso vivido pela América Latina desde meados dos anos 1970. Considera-se, como procedimento metodológico, a crise dos países latino-americanos como parte integrante da própria crise de superprodução, atrelada ao excesso de capacidade e de produção, experimentada pelo capitalismo no mesmo período. Sendo assim, localiza-se o endividamento como a componente estrutural principal que, na era da globalização, conforma uma integração passiva da região ao circuito de valorização do capital, principalmente, a partir da assunção do modelo de desenvolvimento liberal na década de 1990. JEL: P16; ÁREA: A mundialização e a América Latina Palavras chave: Crise, Globalização Capitalista, América Latina, Integração Passiva I Introdução A regressão social e econômica vivenciada pelos países da América Latina, durante as duas últimas décadas, não consegue ser explicada pela tese da herança cultural, associada à suposta incompatibilidade, entre os valores ibéricos tradicionais, o pluralismo político e a liberdade de mercado. Na verdade, as crises sociais e econômicas recorrentes, o crescimento da instabilidade e da vulnerabilidade, o retrocesso e a maior desarticulação social materializadas a partir das décadas de 1980 e 1990, só conseguem ser apreendidas, em sua totalidade, a partir da percepção das modificações associadas à dinâmica de acumulação do capitalismo contemporâneo que abriram espaço para a globalização financeira e, por conseguinte, para a emersão do rentista à posição hegemônica na disputa entre frações da classe dominante. Tal configuração está eminentemente vinculada à contestação da hegenon, ao excesso de capacidade, à crise de lucratividade e à retomada da hegemonia norte-americana e, mais recentemente, à política externa americana pós-dissolução do pacto de Varsóvia e do fim da União Soviética. Neste cenário, propugna-se o aprofundamento da dependência dos países

A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

1

A Integração Passiva no âmbito da Globalização:

os ajustes estruturais na América Latina

Eduardo Costa Pinto e Paulo Balanco (UFBA)

Resumo: neste artigo procura-se localizar as origens do processo de retrocesso vivido pela

América Latina desde meados dos anos 1970. Considera-se, como procedimento

metodológico, a crise dos países latino-americanos como parte integrante da própria crise de

superprodução, atrelada ao excesso de capacidade e de produção, experimentada pelo

capitalismo no mesmo período. Sendo assim, localiza-se o endividamento como a componente

estrutural principal que, na era da globalização, conforma uma integração passiva da região ao

circuito de valorização do capital, principalmente, a partir da assunção do modelo de

desenvolvimento liberal na década de 1990.

JEL: P16; ÁREA: A mundialização e a América Latina

Palavras chave: Crise, Globalização Capitalista, América Latina, Integração Passiva

I – Introdução

A regressão social e econômica vivenciada pelos países da América Latina, durante as

duas últimas décadas, não consegue ser explicada pela tese da herança cultural, associada à

suposta incompatibilidade, entre os valores ibéricos tradicionais, o pluralismo político e a

liberdade de mercado. Na verdade, as crises sociais e econômicas recorrentes, o crescimento

da instabilidade e da vulnerabilidade, o retrocesso e a maior desarticulação social

materializadas a partir das décadas de 1980 e 1990, só conseguem ser apreendidas, em sua

totalidade, a partir da percepção das modificações associadas à dinâmica de acumulação do

capitalismo contemporâneo que abriram espaço para a globalização financeira e, por

conseguinte, para a emersão do rentista à posição hegemônica na disputa entre frações da

classe dominante.

Tal configuração está eminentemente vinculada à contestação da hegenon, ao excesso de

capacidade, à crise de lucratividade e à retomada da hegemonia norte-americana e, mais

recentemente, à política externa americana pós-dissolução do pacto de Varsóvia e do fim da

União Soviética. Neste cenário, propugna-se o aprofundamento da dependência dos países

Page 2: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

2

latino-americanos, amplificada pela integração passiva da região nos anos 1990 (adoção de

estratégias liberais de desenvolvimento) no processo de acumulação capitalista.

Nesse contexto, tornaram-se necessárias medidas, por parte do capital, de reorientação da

acumulação em direção a formas alternativas de recuperação da lucratividade e da ampliação

da ideologia liberal, atreladas a transformações políticas no âmbito das relações nacionais e

internacionais. Desde então ocorreu, nos países latino-americanos, um aumento da

dependência econômica e do aprofundamento do quadro social desigual. Para estes países, a

cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um processo estrutural de

reprodução da dependência e da crise associado ao endividamento.

Este artigo enseja analisar o aprofundamento da dependência estrutural dos países latino-

americanos, principalmente do México, da Argentina e do Brasil, aos países centrais na fase

da globalização do capitalismo e seus efeitos deletérios na articulação social da região. Para

tanto, elegeu-se como variável explicativa relevante o processo do endividamento estrutural

da região associado à dinâmica dos fluxos de capital, vinculada às mudanças nas políticas

internas e externas dos Estados Unidos. Perseguindo este objetivo, e considerando o grau de

complexidade que cerca esta problemática, metodologicamente, alocou-se o objeto aqui

destacado em uma dialética materialista histórica, implicando, por conseguinte, na

necessidade de uma caracterização do capitalismo na fase de globalização e a integração

passiva dos países latino americanos nessa dinâmica.

Para este propósito, além desta introdução, discute-se na segunda seção deste artigo, o

papel da crise econômica e política na conformação de novos padrões de valorização do

capital e seus impactos sobre os países latino-americanos, nas últimas três décadas do século

passado, destacando: o papel do endividamento no processo de acumulação, a questão da

hegemonia no quadro das relações entre as nações e o novo papel das instituições

supranacionais. Na terceira seção, avalia-se a assunção dos modelos de desenvolvimento

liberal (ajustes estruturais) nos países da América Latina, a partir dos anos 1990, e seus efeitos

deletérios na articulação econômica e social da região. Por fim, na quarta seção, procura-se

alinhavar algumas idéias a título de conclusão.

II – A Globalização e sua face excludente: a regressão latino-americana

A expansão econômica do pós-segunda guerra esteve vinculada à capacidade do núcleo de

países capitalistas avançados de realizar e sustentar altas taxas de lucro, produzindo

excedentes relativamente elevados a partir do uso de capital fixo/estoque de capital

Page 3: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

3

(instalações e equipamentos).1 As elevadas taxas de lucro alcançadas pelas economias

avançadas proporcionaram a possibilidade da manutenção de altos índices de investimentos,

gerando uma aceleração da produtividade associada a um crescimento rápido dos salários

reais sem ameaçar os lucros (BRENNER, 2003). Nesse período, a maioria das economias

capitalistas avançadas, e alguns países periféricos latino-americanos, tais como México, Brasil

e Argentina, que engendraram os modelos de desenvolvimento cepalinos de substituição de

importações, vivenciaram um longo boom econômico. Nos países centrais verificou-se uma

elevação historicamente inéditos dos índices de crescimento do investimento, de produção, de

produtividade e dos salários em associação com pequenos índices de desemprego e processos

recessivos reduzidos.

A expansão econômica dos anos dourados foi materializada a partir da articulação entre

crescimento das taxas de lucro e dos salários reais nos países centrais – economia da demanda

efetiva. Essa articulação só se tornou factível em virtude de determinados eventos políticos, a

saber, a segunda guerra mundial e a posterior consolidação do bloco socialista, conformando a

divisão do mundo em dois pólos. No pólo capitalista, os Estados Unidos, buscaram configurar

o êxito econômico para seus aliados e concorrentes como forma de consolidar a ordem

capitalista – um mundo seguro para a livre empresa – e combater o regime comunista. Nesse

cenário, o estado americano, já consolidado enquanto hegemonia, arquitetou uma cooperação

antagônica entre os principais países capitalista, isto é, uma cooperação entre Estados

capitalistas concorrentes (THALHEIMER apud MEYER, 2000), alçando o crescimento

econômico a uma questão de segurança nacional.

O boom econômico na América Latina no pós-segunda guerra assume características

bastante diferenciadas da dos países centrais, em virtude da sua condição de economia

industrial dependente2. Nessa condição não se verifica, na região, a construção de uma

economia de demanda efetiva ampla como nos países centrais do capitalismo, já que a

construção da industrialização não significou uma forte elevação dos níveis salariais, nem

uma ampla redução do exército industrial de reserva da região, apesar da elevação ingente dos

índices de crescimento do investimento, de produção e de produtividade na região.

1 Entre 1950 e 1973, a taxa de lucro líquido, em média anual, foi de 24,35% nos EUA, 23,1% na Alemanha e 40,4% no Japão (BRENNER, 2003) 2 “O movimento interno do capitalismo dependente para a resolução de seus problemas de realização encontra

três formas possíveis de solução: a exportação de mercadorias e de capitais; o consumo estatal e o

aprofundamento do consumo suntuário” (MARTINS, 2000, p.8).

Page 4: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

4

Deste modo, a dinâmica do crescimento regional foi atrelada à substituição do modelo de

desenvolvimento “para fora” (primário-exportador), das vantagens comparativas ricardianas3,

pelo modelo de substituição de importações cepalino (industrialização dependente), assentado

na tese da deterioração dos termos de troca4. A industrialização dependente só consegue se

consolidar através da ampliação do consumo das camadas médias e do esforço para aumentar

a mais-valia absoluta e relativa (superexploração do trabalho), condição necessária para

baratear as mercadorias, configurando, portanto, um modelo de demanda efetiva incompleto

(MARINI, 2000).

O processo de expansão mundial não ocorreu de forma simultânea no núcleo dos países

avançados e muito menos ainda nos países periféricos da América Latina. Na verdade, os

EUA, pelas suas condições econômicas e materiais hegemônicas no final da segunda guerra

mundial, saíram na frente no processo de expansão, provocando um crescimento

temporalmente desigual entre os Estados Unidos, Europa e Japão e mais tardiamente alguns

países periféricos (Brasil, México e Argentina). Quando a Europa e o Japão, num primeiro

momento, e alguns países periféricos, num segundo lapso de tempo, atravessam os seus auges

expansionistas a economia doméstica americana já vivencia um processo de declínio relativo.

Essa dinâmica mundial diacrônica garantiu a contínua vitalidade das forças dominantes dentro

dos Estados Unidos, pois o desenvolvimento mais tardio da Europa e do Japão e

posteriormente da América Latina, em relação ao norte-americano, representou oportunidades

de expansão externa para as empresas multinacionais e os bancos americanos, configurando

canais de lucratividade para os seus investimentos diretos (BRENNER, 2003).

Deste modo, o êxito econômico americano estava atrelado ao sucesso de seus concorrentes

e aliados capitalistas. Isto propiciou um maior grau de cooperação e coordenação

internacional - Plano Marshall, sistema financeiro internacional “regulado” e até mesmo

maior conivência com o protecionismo dos estados periféricos aliados - , marcado por altos

níveis de apoio político-econômico dos norte-americanos a seus aliados e concorrentes, ainda

que sob hegemonia dos Estados Unidos. Nesse período a hegemonia americana é exercida

3 Para Ricardo quanto mais livres forem as fronteiras dos estados, mais eficiente seria a alocação do mercado no

âmbito internacional, já que a alocação produtiva nacional dependeria apenas da sua maior produtividade

marginal em determinados produtos com relação aos produtos forâneos. O que engendraria o bem estar no

sentido paretiano através de uma divisão internacional do trabalho benéfica para o conjunto das nações. 4 A tese da deterioração dos termos de troca reverte o argumento, com a idéia de que não apenas a transferência de ganhos não ocorre, mas ocorre, ao contrário, é a transferência dos ganhos de produtividade principalmente do

setor exportador, que era ilha de alta produtividade, em forte contraste com o atraso do restante do sistema

produtivo. das regiões atrasadas às desenvolvidas (BIELSCHOWSKY, 1988).

Page 5: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

5

através de um comportamento dual: coercitivo e persuasivo, com o aspecto persuasivo

ocupando maior destaque na política internacional norte-americana (MEYER, 2000).

Essa configuração econômica e política internacional abriu a possibilidade da

industrialização dependente, principalmente do México, Brasil e Argentina, através da

importação de capitais externos, sob a forma de financiamento e de investimentos diretos na

indústria. O afluxo de capitais forâneos, na região, ocorreu em virtude do processo de

concentração do capital em escala mundial, a saber: as grandes corporações financeiras e não-

financeiras estadunidenses e européias tinham em mãos uma abundância de recursos, que

necessitavam de valorização. O que acaba por direcionar o fluxo de capital dessas empresas

para os países periféricos de maneira preferencial para o setor industrial.

O mecanismo de superexploração do trabalho na indústria periférica articulado com a

necessidade de exportar, por parte dos países centrais, equipamentos e maquinários, que já

eram obsoletos antes de terem sido amortizados completamente, em virtude do acelerado

progresso técnico, garantia possibilidades de atraentes lucro para o capital forâneo que

investisse no setor industrial dos países periféricos. Na verdade, verifica-se que “a

industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova divisão internacional do

trabalho, em cujo âmbito se transferem aos países dependentes etapas inferiores da produção

industrial” (MARINI, 2000, p.145).

O desenvolvimento desigual, entre os Estados Unidos, os países centrais (Japão e Europa)

e os países periféricos, resultante do crescimento do comércio e da divisão internacional do

trabalho, o qual, no primeiro momento, possibilitou a expansão econômica dos anos

dourados, começa a apresentar efeitos econômicos desfavoráveis. A partir da segunda metade

da década de 1960, os produtores da Europa ocidental e do Japão começam a suprir frações

cada vez maiores do mercado mundial, inclusive com bens similares àqueles que já eram

produzidos pelos Estados Unidos. “Assim, os bens que eles agora acabaram exportando

tenderam a duplicar, em vez de complementar, os produtos dos titulares americanos nos

mercados existentes, incitando a redundância, o excesso de capacidade e de produção”

(BRENNER, 2003, p.55)

Desde meados da década de 1970, as taxas de acumulação do capital nos países avançados

começaram a apresentar trajetórias de desaceleração, indicando o começo de um excesso de

capacidade e de produção, na medida em que os preços do setor manufatureiro mundial

haviam sido incapazes de crescer de acordo com os salários e os custos de instalação de

equipamentos. Isto ocorreu em virtude da confrontação em preços no mercado mundial, dos

Page 6: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

6

produtos americanos, pelos fabricantes localizados em blocos econômicos de

desenvolvimento mais tardio, mais notadamente pelos fabricantes japoneses e alemães.

Com a queda das taxas de acumulação no âmbito da produção, a superestrutura financeira

envereda por uma trajetória de descolamento atrofiado relativamente à esfera produtiva. A

origem desta atrofia deve ser localizada na obstrução encontrada pelo capital para retornar aos

patamares pretéritos da taxa geral de lucros obtidos com a produção de mercadorias. Esta

dificuldade leva o capitalismo a voltar-se preferencialmente para alternativas de lucro

centradas em fundamentos financeiros, primeiro como capitais de empréstimos e, depois,

como capitais voláteis especulativos (“exportação de capitais”), configura-se uma dinâmica de

acumulação predominantemente financeira (BALANCO & PINTO, 2004).

O avanço econômico do Japão e da Alemanha, nos anos 1970, começou a confrontar a

hegemonia econômica estadunidense no pólo capitalista. Ademais, a derrota no Vietnã, a crise

dos mísseis em Cuba e o fortalecimento militar da União Soviética e da China colocaram a

prova a hegemonia geo-política americana. Diante de um quadro que se revelou reticente no

que tange à fixação de novas taxas de expansão da economia e no que se refere à hegemonia

norte-americana, importantes e contraditórias transformações estruturais de grande

envergadura foram introduzidas com o objetivo de reorientar a acumulação, principalmente

do capital americano, articulada com políticas de ampliação do poder norte-americano através

de medidas unilaterais e coercitivas. Tais transformações estão vinculadas à quebra dos

cânones keynesianos, abrindo espaços para a acumulação rentista e para o aumento da

extração de mais-valia tanto relativa, via reestruturação produtiva, quanto absoluta, por meio

da flexibilização do trabalho.

A partir de meados da década de 1970 o governo norte-americano adotou diversas

medidas políticas que buscando consolidar sua posição central no sistema, qual seja, o

aumento da mobilidade de capital para financiar os déficits de seu balanço de pagamento

através do crescimento da emissão de títulos da dívida pública do Tesouro. Isto facilitou seus

planos para a economia doméstica (crescimento da demanda) e, ao mesmo tempo, fortaleceu

os interesses financeiros domésticos dos principais bancos de Nova York. O ponto culminante

dessas políticas foi a elevação ingente das taxas de juros americanas (“diplomacia do dólar

forte5”), imposta por Paul Volker, no ano de 1979, que teve como objetivo estratégico

enquadrar os países sócios e os principais competidores econômicos do mundo capitalista. É

5 “O enfraquecimento do dólar como padrão monetário internacional obrigou os Estados Unidos a um exercício

extremo de poder, concentrando na defesa da função de reserva universal de sua moeda nacional”

(BELLUZZO & ALMEIDA, 2002, p.11)

Page 7: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

7

importante perceber que essa reorientação da política de retomada da hegemonia americana

associa-se à luta entre as frações de classes dominantes no espaço intra-estatal americano e,

por conseguinte, materializa a hegemonia da alta finança.

A política Volker praticamente decretou o default da maioria dos países latino-

americanos na década de 1980. Os países da região, em sua maioria, tinham contraído

empréstimos, ao longo dos anos 1970, aproveitando a liquidez financeira do mercado

internacional, passando a priorizar o endividamento como estratégia principal de

desenvolvimento econômico. No final desse período a região ingressou num regime de

financiamento Ponzi6, que, naturalmente, caracteriza-se pela extrema fragilidade a choques

externos. Acontece que a montanha de dinheiro, que fluiu para a região, foi contratada para

começar a vencer em períodos relativamente curtos e a taxas de juros flutuantes (LIBOR e

prime rate americana). Evidentemente, com o choque externo do aumento ingente das taxas

de juros internacionais, em 1979, estes países não foram capazes de viabilizar excedentes

necessários ao pagamento regular do serviço da dívida. Esse choque provocou, sobretudo para

os países endividados, a assunção de crises cambiais e fiscais intensas, associadas à iminência

do desmoronamento de seus respectivos sistemas nacionais (BELLUZZO & ALMEIDA,

2002).

Nesse contexto de crise estrutural materializam-se, na maioria das economias capitalistas

avançadas e, principalmente, periféricas, nos anos 1980 e 1990, uma desaceleração acentuada

dos índices de investimento e de produtividade, um declínio dos salários reais, uma elevação

relevante dos índices de desemprego e uma sucessão de recessões e crises financeiras, o que

acabou por se refletir num baixo dinamismo econômico, de grande parte das economias

avançadas e periféricas nesse período7. Gerou assim, como conseqüências típicas dos

processos recessivos, resultados sociais amplamente negativos. Essa nova dinâmica da

acumulação provocou uma intensificação do conflito político-econômico internacional dos

países capitalista avançados frente a um mercado mundial de crescimento econômico muito

mais lento, em especial quanto às regulamentações para o investimento, o comércio e o

dinheiro internacional.

Estas transformações estruturais de grande envergadura alçaram o capitalismo a um novo

patamar conhecido como globalização. A partir desse momento, anos 80, os países da

6 Segundo Minsky essa etapa corresponde ao processo de endividamento em que a tomada de novos créditos

decorreu da necessidade de se cobrir o serviço da dívida passada. 7 Entre os países avançados a desaceleração dos níveis de atividade tornou-se a regra neste período, a exceção

fica por conta dos EUA, em virtude de sua posição hegemônica no sistema capitalista. Esta manutenção do nível

de atividade americana é oriunda de seus ganhos de corretagem sobre o capital financeiro nacional e

internacional e das políticas keynesianas parciais configuradas a partir de gastos bélicos.

Page 8: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

8

América Latina adentraram numa fase denominada de “década perdida”, passando a vivenciar

profundas mudanças, as quais, na maior parte das vezes, representaram um aumento da

vulnerabilidade econômica e da ampliação do quadro social amplamente desigual conhecido

desde a superação do período colonial. Avaliada por qualquer indicador de desempenho

econômico, a década revela um quadro de crise profunda e persistente. A cristalização deste

quadro deletério deu-se mediante a fixação de um processo estrutural de reprodução da

dependência e da crise associado ao endividamento, o qual representou a colocação em

prática pelos países centrais de medidas voltadas para o enfrentamento da queda da

lucratividade associadas à acumulação rentista e ao aumento da exploração do trabalho.

Não demorou muito para a América Latina sentir o impacto da política internacional

americana. Foi um nocaute atrás do outro! O primeiro grande país da região a cair foi o

México que decretou a moratória em 1984. Os efeitos da queda mexicana fragilizaram os

outros países latinos, já que, com a decretação do default, minguaram ainda mais os fluxos

financeiros para a região. Entre 1984 e 1989 o saldo da conta capitais em porcentagem do PIB

na região – média entre Colômbia, Chile, Peru, Argentina, México e Brasil – foi negativo em

1,6%. Logo toda a região foi guiada à crise no balanço de pagamentos, aprofundada pela

recessão mundial, e a ampliação da deterioração dos termos de troca. Diante dessa restrição

de capitais, quase toda região teve que buscar empréstimos junto ao FMI e Banco Mundial. A

contrapartida requerida por estas instituições foi a implementação de políticas econômicas8

voltadas a exportação. Na verdade, estas políticas tinham com único propósito criar receitas

em divisas estrangeiras necessárias ao pagamento do serviço da dívida. Vale ressaltar que o

pagamento dos juros aos credores absorveu uma parcela significativa da elevação das

exportações nos anos 80. Com a deterioração dos termos de troca, em especial, nas

commodities agrícolas e industriais, verificou-se uma corrosão dos esforços exportadores,

pós-85, realizados na região.

O esforço exportador foi viabilizado a partir da implementação de recessão econômica de

longo alcance. Os grandes países latino-americanos, Argentina, Brasil e México, em

diferentes momentos dos anos 1980, vivenciaram crises internas agudas cujas características

principais foram recessões e nível de inflação galopante. Entrementes, no geral, embora

tivessem parcialmente superado os efeitos mais deletérios, a dura realidade do endividamento

8 As políticas implementadas apresentaram as seguintes diretrizes: i) políticas fiscais e monetárias restritivas; ii) redução do salário real. Estes dois elementos provocaram a redução do consumo e do investimento; iii)

desvalorizações cambiais, como uma forma de incentivar as exportações e diminuir as importações. Para tanto,

foram realizadas maxi desvalorizações cambiais, em vários países da região, que tiveram como efeito negativo a

elevação das taxas de inflação.

Page 9: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

9

já se tornara estrutural. “Nesta altura, a dependência crucial dos capitais de financiamento

para garantir a reprodutibilidade da própria dívida, e possibilitar pequenos períodos de

recuperação limitada, constituíra-se como inexorável e seria decisivo no novo ambiente que

se formaria entre o final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado” (BALANCO &

PINTO & MILANI, 2003, p. 05).

As crises que se sucederam em diversos países da região serviram como uma

pavimentação social para uma assunção social do modelo de desenvolvimento liberal na

década de 1990. Os ajustes macroeconômicos heterodoxos, da década de oitenta, não

conseguiram compatibilizar o ajustamento do balanço de pagamento e a reordenação das

finanças públicas. Na verdade, o conflito distributivo, que foi modelado pelo regime

monetário inflacionário dos anos 80, na América Latina, foi a primeira etapa da renúncia da

soberania monetária dos Estados que delegaram, em grande parte, ao FMI e Banco Mundial o

engendramento das políticas econômicas na região, que convergiram para os interesses dos

que enriqueceram com os títulos da dívida. Assim, as políticas neoliberais foram ganhando

legitimidade na sociedade e nas classes hegemônicas financeira de cada país.

O ajustamento dos anos 80, na região, patrocinou a reestruturação corrente e patrimonial

do grande capital; em contraponto, provocou o desequilíbrio do setor público. Deste modo,

esse processo preservou os lucros e o patrimônio do setor privado, como proporcionou o

reequilíbrio em conta corrente. Entrementes, concomitantemente, engendrou o agravamento

das incertezas associadas à alta inflação, à percepção da precariedade da situação cambial, o

aprofundamento da vulnerabilidade do setor público e das empresas estatais (BELLUZZO &

ALMEIDA, 2002).

As políticas monetárias desse período, implementadas para assegurar a continuidade do

pagamento dos serviços da dívida externa, reduziram a nada a esperança que a democracia

poderia modificar de maneira substancial o rumo da história social na América Latina

(PEREIRA, 2001).

O quadro capitalista que passou a ser denominado de globalização foi acelerado nos anos

1990, impulsionado pela vitória inequívoca dos Estados Unidos na disputa bipolar. A derrota

do grande “inimigo totalitário” incitou uma maior agressividade dos países capitalistas

centrais, principalmente dos EUA, visando à integração completa dos países dependentes ao

mercado mundial através da “exportação de capitais”. Nesta oportunidade, o capital-dinheiro

mudara a forma de seu movimento: em vez de empréstimos externos, como assinalado na

década anterior, agora passava-se a privilegiar os investimentos financeiros especulativos de

curto-prazo. Trata-se de uma situação nova. Quando prevalecera o mecanismo dos

Page 10: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

10

empréstimos, a remuneração do capital dinheiro era fixada pelas taxas de juros vigentes no

mercado internacional, aquelas determinadas pelas principais praças financeiras, tais como

Londres e Nova York. Além disso, como os empréstimos, teoricamente, representavam o

movimento de entrada de massas de capitais para dentro dos estados tomadores por iniciativa

interna (governos e empresas), não havia necessidade de mudanças das normas regulatórias

do mercado financeiro nacional.

O ciclo de absorção de capital externo, iniciado nos anos 1990, apresenta características

particulares, o que contribui, inclusive, para dificultar a prospecção dos riscos envolvidos em

seu momento inicial. Nas décadas de 1970 e 1980 os empréstimos e financiamentos eram as

principais formas de ingresso de capital na América Latina e, portanto, a dívida externa

constituía uma aproximação razoável do passivo externo total dos países da região.

Recentemente, isso já não é mais verdade, uma vez que os investimentos diretos (muitos

vezes resultantes de operações de privatização) ou investimento de portfólio (como por

exemplo aplicações em bolsa de valores) constituem parte substancial do capital que vem do

exterior. Como esses passivos não são contabilizados na dívida externa, os dados referentes ao

estoque e ao serviço da dívida, assim como suas relações com as exportações ou PIB,

subestimam significamente a extensão do problema (NOGUEIRA, 1993) .

Não surpreende, portanto, que o Banco Mundial, o FMI e a OMC, instituições

“supranacionais”, tenham se fortalecido ao longo da década de 1980, uma vez que elas

desempenham funções relevantes para o ajuste integrativo dos espaços mundiais, à luz das

novas condições de produção e reprodução do capital. Para tanto, verifica-se que os

movimentos efetuados por estas instituições estão associados ao capitalismo, enquanto eixo

da esfera econômica; à democracia liberal, no campo político; aos valores culturais coerentes

com a ideologia liberal. Estas linhas devem ser seguidas pelos países que solicitam

empréstimos ou ajuda financeira em momentos de captação de investimentos produtivos ou

crises cambiais (OLIVEIRA, 1998).

Para assegurar a rentabilidade máxima do capital, em sua forma financeira, os EUA

impôs, via Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do

Comércio (OMC), a desregulamentação financeira e os ajustes estruturais, reformas

necessárias à acumulação do capital-dinheiro na sua forma especulativa. Isto conformou um

novo quadro político-econômico que se materializou na aplicação do chamado receituário

neoliberal. Com o intuito de consolidar este ideário, o FMI e o Banco Mundial impõem os

ajustes estruturais aos países que enfrentam dificuldades no balanço de pagamentos. Em

linhas gerais, as principais estratégias das reformas institucionais liberais estão associadas: (a)

Page 11: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

11

à liberalização do comércio, à revisão das políticas de preços e à diminuição dos subsídios

com o objetivo de permitir a operacionalização das vantagens comparativas; (b) à eliminação

das restrições ao investimento externo e ao alento a intermediação financeira com taxas de

juros reais positivas com o intento de remover a repressão financeira e fomentar a livre

circulação de capitais; (c) à redefinição do papel do setor público (redução dos programas

sociais universalizantes, eliminação de subsídios aos bens e serviços públicos, políticas

focalizadas, redução do déficit fiscal) (LICHTENSZTEJN & BAER, 1987).

Além do Banco Mundial e do FMI, as novas formas de integração capitalista se

sustentam, também, através da OMC. Estas instituições formam um tripé “virtuoso” para a

produção e reprodução do capitalista. Após a Rodada Uruguai e a criação da OMC, as

economias nacionais foram obrigadas a adotar uma nova regulação comercial do

investimento, dos serviços e da propriedade intelectual. Essas regras da OMC facilitaram e

facilitam as práticas monopolistas das grandes empresas internacionais, ao mesmo tempo em

que não impedem o protecionismo e a regulação nacional das grandes potências. Verifica-se

claramente que as instituições “supranacionais” viabilizam a instrumentalização do novo

processo integrativo do capital dos espaços mundiais, conformando um processo de

centralização capitalista acelerada, ampliando a concentração do poder econômico e político

num espaço restrito, qual seja, o Estado norte-americano.

III- A inserção passiva latino-américa dos anos 1990: ajustes estruturais neoliberais e a

desarticulação social

A década de 1990 foi marcada por profundas transformações estruturais no âmbito

intra e interestatal, quais sejam, a implosão do mundo socialista, a forte desaceleração das

economias desenvolvidas, a queda relevante das taxas de juros internacionais, a iminente

integração de novos espaços à dinâmica do capital através da reestruturação das dividas

externas, a reestruturação produtiva das multinacionais nos espaços periféricos e a busca

americana de mercado exterior para novos excedentes exportáveis. Neste contexto, os EUA

vêm ampliando sua capacidade autônoma para determinar políticas internas e externas e

estabelecer, através da coerção, a dominação sobre estados nacionais mais débeis. Essa

hegemonia pode ser observada através da imposição por parte dos EUA, aos países devedores,

das chamadas políticas neoliberais. O FMI e o Banco Mundial instrumentalizam a

implantação dos modelos de desenvolvimento liberal nos países periféricos, já que estes são

constrangidos por seu endividamento estrutural. Desta forma, os governos latino-americanos,

Page 12: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

12

entre o final dos anos 80 e início dos 90, começaram a aderir aos ajustes estruturais que se

configuram em planos de estabilização econômica e reformas institucionais voltadas,

principalmente, à flexibilização do mercado de trabalho.

As economias dos países centrais, sobretudo o Japão e o Estados Unidos,

atravessaram, no início dos anos 1990, situações econômicas restritivas. Os EUA vivenciaram

uma forte recessão entre 1990-92, enquanto no Japão ocorreu um “estouro” da bolha

especulativa. Isto provocou uma deflação da riqueza mobiliária e imobiliária nos mercados

globalizados. Numa situação como esta os Bancos Centrais desses países reduziram suas taxas

de juros significativamente, buscando equalizar os desequilíbrios correntes e do balanço

patrimonial de empresas, bancos e famílias (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).

Essas reduções dos juros dos países centrais proporcionaram uma grande elevação da

liquidez internacional. Parte desse capital direcionou-se para a América Latina9, engajando-a

assim em um novo ciclo de absorção de capitais externos, configurando-se como um novo

porto bastante rentável para os capitais forâneos. Isto pode ser considerado uma reviravolta

com relação aos anos 1980, uma vez que a região praticamente não participou da rápida

expansão dos fluxos financeiros na economia internacional daquela década. Na verdade, esse

afluxo de capital, inclusive com períodos de superabundância, potencializa a integração da

região à dinâmica de acumulação do capital. Quer seja como espaço de reprodução da

acumulação fictícia ou como espaço de realização das mercadorias do setor manufatureiro

americano, através do ajuste importador realizado pela América Latina ao longo, de boa parte,

dos anos noventa.

Esse fluxo de capital só foi potencializado a partir da adoção de medidas de abertura

comercial e financeira nos países da região em concomitância com a reestruturação da dívida

através do Plano Brady, o que provocou uma grande guinada nas políticas da região. Além da

abertura aos fluxos de capitais, a dinâmica financeira foi impulsionada pela securitização da

dívida externa utilizando-se a emissão de bônus negociáveis no mercado financeiro americano

e pelas inovações financeiras (derivativos, mercados futuros, etc.). Nesse novo cenário

internacional, a América Latina sai da posição de exportador líquido de capitais para tornar-se

receptor, principalmente, de capitais de curto prazo (hot-money).

Vale destacar que a intensa abertura comercial e financeira, desse período, também está

atrelada à estratégia comercial americana voltada para a recuperação da competitividade das

9 A partir de 1990, o continente se inseriu no mercado internacional como receptor de investimentos de portfólio

e o saldo da conta de capitais foi de 1,4% (UNCTAD, apud MEDEIROS, 1997, p. 293). Desta forma, o crédito

interno, entre 1988 e 1993, aumentou de 22% para 30 % do PIB, enquanto o índice dos preços dos valores

negociados em bolsa incrementou-se mais de três vezes e meia - “efeito riqueza”.

Page 13: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

13

suas exportações assentada na desvalorização do dólar em relação ao iene, entre 1992 e 1995

(queda de mais de um terço na relação dólar/iene). Isto constituiu um elemento central para o

entendimento da mudança do contexto macroeconômico dos anos 80 em relação aos anos 90 e

da atual inserção internacional latino-americana (MEDEIROS, 1997; BRENNER, 2003).

O ingresso de capitais na região, portanto, funcionou como elemento chave para a

acumulação do capital forâneo. Pelo lado da acumulação financeira, verificou-se que os

capitais voláteis especulativos foram recompensados com altas taxas de juros (D-D’). A

entrada de capitais, em consonância com a abertura comercial, também possibilitou constantes

equalizações dos déficits em transação corrente provocados pelo aumento das importações.

Isto, conseqüentemente, beneficiou o capital produtivo estrangeiro através da elevação das

exportações para a região. Portanto, o intenso processo de abertura financeira e econômica da

América Latina está associado às estratégias da hegemon voltadas às altas finanças e ao

capital manufatureiro norte-americano.

A grande maioria dos países da região abraçou, se bem que seletivamente e com diferentes

graus de intensidade, os ajustes estruturais, que consistiam, sinteticamente, em privatizações e

desregulamentações, na flexibilização do mercado de trabalho, em diminuição do papel do

Estado e na abertura comercial, como uma nova estratégia alternativa para alavancagem do

desenvolvimento. Assumia-se, portanto, a retórica de que o excessivo intervencionismo

estatal e seus déficits fiscais eram os principais empecilhos para os países latinos adentrarem

numa nova fase de prosperidade. Deste modo, nessa perspectiva, a estabilidade monetária, o

equilíbrio fiscal e a competitividade internacional seriam os elementos para a modernização

da periferia. O modelo de “desenvolvimento” neoliberal aplicado na região assentou-se no

binômio da abertura e da competitividade atrelado à estabilidade inflacionária.

As políticas econômicas, da década de 1980, que tinham como objetivo fulcral garantir

o pagamento dos serviços da dívida através de superávits comerciais recorrentes e elevados,

tiveram como efeito colateral processos hiperinflacionários agudos e violentos no Brasil, na

Argentina e no México, que promoveram uma aguda instabilidade e crise econômica e, por

conseguinte, social. O combate à inflação, na década de 1990, foi a pedra de toque da

construção do modelo neoliberal, uma vez que a sociedade latina, dos mais diversos países,

entendia que os problemas internos estavam associado basicamente à inflação. Os

diagnósticos que levaram às políticas de desregulamentação foram os que atacaram a inflação

como fonte do problema que haviam levado à estagnação econômica, à deterioração dos

serviços estatais e da infra-estrutura do estado e ao empobrecimento generalizado da

população. Os argumentos do imposto inflacionário e do ataque à intervenção econômica

Page 14: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

14

estatal, cujo déficit seria a fonte da inflação, ganharam grande aceitação no imaginário

coletivo da população da região. O que, em certa medida, facilitou a aceitação, por parte da

sociedade, da adoção de estratégias liberais de desenvolvimento em quase todo território

latino (SADER, 2003).

Esta aquiescência foi reforçada pela rápida redução da inflação10

na região, associada

ao aumento do crédito proporcionou um círculo virtuoso de aumento do consumo e

crescimento da produção e do emprego. A estabilidade monetária se converteu no principal

bem público da América Latina, garantindo a eleição e reeleição de vários presidentes: Carlos

Menem na Argentina, Fernando Henrique Cardoso no Brasil, Alberto Fujimori no Peru e a

manutenção do partido governista no México. Ademais, os Ministros da Fazenda e

presidentes de bancos centrais que implementaram a austeridade fiscal e monetária foram

saudados como heróis pelos investidores estrangeiros, que trouxeram quantidades de capital

sem precedentes para a região. No entanto, esse crescimento logo se mostrou efêmero, diante

dos problemas surgidos pela própria operacionalização do modelo neoliberal, quais sejam, a

deterioração das contas externas e das finanças públicas e a elevadíssima dependência de

capital especulativo forâneo. Sendo assim, as economias latino-americanas assumiram uma

cara espasmódico ao longo da década de 1990.

A abundância de capitais internacionais, provocada pelas políticas monetárias menos

restritivas dos países centrais, viabilizou a implantação dos modelos liberais na Argentina, no

México e no Brasil. Vejamos algumas características especificas da implementação desse

modelo nas maiores economias da região.

No México a gravidade da crise da dívida adiou o início das reformas liberalizantes

salvo o programa de desestatização. As reformas se iniciam no período 1983-1988, sendo

aprofundadas, entre 1989 e 1995, com assunção no Governo do tecnocrata Salina que

governou o México, entre 1988 e 1994, imbuído da missão de concluir a abertura e a

desregulamentação, e de consolidar a integração da economia mexicana à dos EUA, com a

inserção do país à NAFTA. Alçando assim o México ao “Primeiro Mundo”! As privatizações

foram conduzidas gradualmente, tendo em vista a difícil negociação com trabalhadores,

sindicatos e Congresso, para obter emendas constitucionais e novas leis que fossem retirando

da exclusividade do Estado ou do capital nacional em atividades econômicas. A consolidação

da abertura comercial, em 1987, e a valorização cambial a partir de 1988 formaram as vigas

10

As políticas econômicas ortodoxas conseguiram alcançar seu intento monetário: conter a inflação. No México

a inflação de reduziu de 60,9%, na média entre 1980-95, para 5,1% em 1995. No Brasil e na Argentina essa

redução foi ainda maior, de 2.862,4%, em 1990, para 6%, em 1995, e de 2.314,%, em 1990, para 3,4 %, em

1995, respectivamente. (CEPAL, 2003)

Page 15: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

15

mestras para a política de estabilização praticada entre 1987 e 1989. A desregulamentação

financeira e as crescentes entradas de capitais de curto prazo expandiram o crédito ao setor

privado, financiando as crescentes importações, privatizações e a especulação bursátil. A

integração mexicana à NAFTA, atrelou o país, cada vez mais, à dinâmica da economia norte-

americana, como um departamento de produção no exterior, em incessante busca de trabalho

barato. O modelo de reestruturação produtiva adotada, implicou, num primeiro momento, na

desestruturação de partes da cadeia produtiva. Num momento seguinte, a reestruturação feita

sob o comando do capital internacional assentado nas maquiladoras (a legislação mexicana

permite que sejam controladas em até 100% por capital estrangeiro) substitui, com

importações crescentes, o que antes era fornecido pela produção interna (CANO, 2000).

Na Argentina hiperinflação de 1989 consubstanciava um processo de desorganização

econômica e social, a saber: produção paralisada, redução drásticas dos salários reais,

incremento da miséria e do descontentamento social. Na campanha eleitoral Carlos Menem

assume um programa tipicamente peronista de incremento salarial e da revolução produtiva.

Após sua vitória eleitoral Menem muda radicalmente este programa e implementa o mais

severo programa de ajuste estrutural da América Latina, uma “terapia de choque” ao estilo

monetário ortodoxo de Chicago. Em 1991, o Ministro da Economia Domingo Cavalo

implementa o Plano de Conversibilidade, o que limitou as funções do Banco Central a uma

caixa de conversão. Esta política teve como o objetivo essencial garantir o pagamento dos

débitos externos, um interesse que se atrelava fortemente aos interesses financeiros argentinos

e internacionais. A manutenção da Lei de Conversibilidade por mais de dez anos, os

sucessivos ajustes fiscais, as privatizações de todo o patrimônio público, as reduções do valor

dos salários e aposentadorias aprofundaram as dificuldades e jogaram a crise para adiante, que

estoura em 2001.

O Brasil foi um dos últimos países da região a substituir o modelo de Substituição de

Importação pelo modelo de desenvolvimento neoliberal. Isto não acontece por acaso. Na

verdade, entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, verifica-se um vácuo de poder no

ponto hierárquico mais alto do sistema capitalista brasileiro dependente. Configurando assim,

um disputa de hegemonia interna produtivista e financeira para controlar as estratégias de

desenvolvimento nacional. O Governo Collor foi a representação desse interregno sem

hegemonia consolidada no plano interno. À medida que no Brasil a estratégia liberal vai

ganhando a disputa de poder internamente, configurou-se um novo modelo de

“desenvolvimento” liberal (Plano Real) assentado na abertura e na competitividade, tendo

como suposto da estabilidade inflacionária. Na década de 1990, verificou-se uma mudança

Page 16: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

16

desfavorável no padrão de comércio internacional, qual seja, a perda de competitividade das

exportações manufatureiras e a expansão das exportações de produtos agrícolas, refletindo na

reprimarização das exportações. Os ganhos de competitividade brasileiros foram associados à

expansão dos produtos agrícolas tendem, inclusive, a significar uma incerteza crítica no

processo de ajustamento das contas externas, uma vez que se amplia a deterioração dos

termos das trocas comerciais. Para Gonçalves (2000, p. 118), o baixo dinamismo das

exportações manufatureiras, na década de 1990, demonstra o “desmantelamento do aparelho

produtivo” atribuído “especialmente à apreciação cambial e às baixas taxas de investimento”.

Do ponto de vista estrutural, na década de 1990, na América Latina, verificou-se uma

mudança desfavorável no padrão do comércio internacional, qual seja, perda de

competitividade das exportações manufatureiras e expansão dos produtos agrícolas para

exportação – o que levou ao aumento da participação dos produtos com baixo valor agregado

nas exportações. Isto acontece fortemente no Brasil e na Argentina e com muito menos

intensidade no México, em virtude das características especificas das maquiladoras na

estrutura produtiva desse país. Os ganhos de competitividade do Brasil e da Argentina

associaram-se à expansão dos produtos agrícolas que tendem, inclusive, a significar uma

incerteza crítica no processo de ajustamento das contas externas, em virtude de uma possível

deterioração dos termos das trocas comerciais. O baixo dinamismo das exportações

manufatureiras nesses dois países, dentre outras coisas, demonstra o desmantelamento do

aparelho produtivo atribuído especialmente à apreciação cambial e às baixas taxas de

investimento (GONÇALVES, 2000; TEUBAL, 2000-2001; SALAMA, 2002 e 2003).

O modelo macroeconômico, com livre mobilidade de capital e câmbio fixo ou quase-

fixo, que foi utilizado na maioria dos países do continente, em boa parte dos anos 90,

apresentava a seguinte dinâmica: a entrada de capitais viabilizada pela liquidez internacional e

pelos spreads exigidos pelos investidores estrangeiros, num primeiro momento, proporciona o

aumento das reservas internas, em virtude do regime cambial. Isto provocaria o aumento do

crédito e da liquidez monetária interna que poderia engendrar um aumento no nível de preço.

Para reverter essa possível situação o Banco Central enxuga a liquidez através da venda de

títulos públicos, políticas de esterilização. Para tanto, faz-se necessário elevar a taxa de juros

com o intuito de atrair compradores para os títulos do Governo. Este processo de esterilização

impacta no aumento da dívida interna e, por conseguinte, provoca a elevação ingente de

pagamento de juros, acentuando o déficit orçamentário. Ademais, com a valorização cambial

Page 17: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

17

os países da região criam uma situação de déficits comerciais recorrentes e intensos11

,

provocados pelo incremento do diferencial entre taxa de câmbio real e nominal. Como estes

déficits comerciais e orçamentários foram financiados ao longo da década de 1990? Os

comerciais foram financiados pelo lado da conta de capital e financeira do balanço de

pagamentos através da entrada continua de capital forâneos, em grande monta voláteis. Os

orçamentários foram financiados através da emissão de novos papeis da dívida, apresentando

cada vez mais maior rentabilidade para esse tipo de título. No que tange à questão distributiva,

esse modelo macroeconômico provoca um ingente deslocamento das rendas nacionais para as

frações de classe rentista internas e, sobretudo, internacionais.

Evidentemente, para que esse quadro se tornasse viável, o movimento de entrada e

saída dos capitais nos espaços nacionais teria que ser a mais ampla possível. Daí, o caráter

volátil que o capital-dinheiro passou a ter e, por conseqüência, a ampliação da vulnerabilidade

dos países recebedores destes capitais. Aqui se revela novamente, sob outras condições, o

papel da dívida12

como componente estrutural decisivo. Os novos capitais passavam a entrar

por períodos relativamente curtos, sem compromisso com a alteração da estrutura produtiva

interna, quando muito, os mesmos passavam a ser utilizados para o cumprimento das

obrigações do serviço da dívida externa que continuava como regularidade. Ao mesmo

tempo, praticando a arbitragem, estes capitais, agora especulativos, não tinham prazos nem

critérios definidos para sair e quando o faziam, em função de melhores oportunidades em

outras regiões do planeta, ou por conta da deterioração das contas externas dos países onde se

encontravam, abria-se um ataque especulativo que levou os países latino-americanos a

enfrentarem crises agudas (México 1994, Brasil 1999, e Argentina 2001).

Nesse modelo as taxas de juros reais, que funcionara como instrumento de atração de

capitais forâneos em abundancia naquele momento, assume um caráter basilar. Na medida em

que “garantia” o afluxo de capital. “As taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de

determinados limites estabelecidos pelos spreads exigidos pelos investidores estrangeiros

para adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca, artificialmente

valorizado” (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002, p. 367). Neste contexto, a política de

elevação da taxa de juros, no âmbito interno, é utilizada para conter a inflação e, no espaço

11 As políticas de valorização cambial e a abertura comercial provocaram o aumento da taxa de crescimento das

importações que excedeu notoriamente às das exportações. Entre 1990 e 2000, o déficit comercial, com relação

ao PIB, foi de 0,9% e o déficit da conta capital foi de 2,6% do PIB, ambas em média anual. Isto demonstra o

aumento da vulnerabilidade externa na economia Latino América (CEPAL, 2003). 12

A dívida externa bruta da América Latina saltou de U$ 460,9 para U$ 727,8 bilhões, entre 1991 e 2001. A

Argentina e o Brasil desembolsaram mais de 40% de sua riqueza nacional em pagamentos da dívida. Entre 1991

e 2001 a dívida externa bruta desembolsada saltou de 32,3% para 52%, na Argentina, e de 30,4% para 43,4%, no

Brasil

Page 18: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

18

externo, para atrair capitais forâneos. O ingresso desses capitais dependeria de projeções das

taxas de juros determinadas pelos mercados, o que acaba por reduzir a capacidade de gestão

monetária dos Estados nacionais, já que uma expectativa de redução das taxas de juros ou de

outras medidas que reduzam lucratividade bursátil, tenderia a consubstanciar crise financeira.

Comprometendo assim a possibilidade de crescimento econômico consistente na região.

Esses movimentos, de curto prazo, de aceleração e desaceleração da economia latino-

americana, foram uma característica recorrente nas economias da região. Nem mesmo as

mudanças dos regimes cambiais, nem as políticas de metas inflacionárias, nem os regimes

fiscais mais draconianos, engendrados no final dos anos 1990 e início dos 2000, conseguiram

reverter, de forma estrutural, a vulnerabilidade externa e a fragilidade financeira do setor

público nos países da região. A experiência vem demonstrando que o câmbio flutuante, apesar

de atenuar os efeitos internos das crises cambiais, não tem conseguido insular a política

monetária e dar-lhe uma maior autonomia; a cada ataque especulativo contra as moedas

locais, as autoridades monetárias, tanto em função da fuga de capitais quanto de seus

impactos sobre a inflação, terminam por elevar a taxa de juros, com todas as conseqüências

conhecidas sobre o nível de atividade, do emprego, da renda e da dívida pública

(CARVALHO, 2003; CARNEIRO, 2003; FILGUEIRAS & PINTO, 2003).

Os países dependentes ficam agora prisioneiros de dois movimentos: a continuidade

do pagamento do serviço da dívida e, ao mesmo tempo, a remuneração generosa do capital

estrangeiro especulativo. Para isso foram obrigados a encaminhar políticas de ajuste

macroeconômico cujas principais características foram os combates violentos a inflação

mediante medidas restritivas da atividade interna, o crescimento do endividamento interno por

conta da oferta de títulos públicos a juros estratosféricos e, não menos importante, a adoção de

regimes cambiais fixos ou quase-fixos voltados para a valorização das moedas nacionais

frente ao dólar. Estes três fatores combinados constituem uma garantia de que os capitais

especulativos serão remunerados a taxas de juros reais as mais amplas possíveis. Portanto, o

combate à inflação, via recessão e mediante a sobrevalorização cambial, esteve voltado,

sobretudo, para a viabilização desta rentabilidade excepcional. A América Latina, na década

de 1990, se integra a dinâmica de valorização do capital, por um lado, sob um circuito

financeiro/fictício (D-D’) e, por outro lado, como um espaço de realização das mercadorias

dos países industrializados.

Em suma, os ajustes estruturais implantados na maioria dos países latino-americanos

proporcionaram “enormes transferências de renda, poder e riqueza para o establishment

político e econômico”. Implicando a “marginalização e exclusão da maioria da população” e a

Page 19: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

19

desvalorização das políticas sociais universalizantes (TEUBAL, 2000-2001, p. 461). Estas

medidas políticas liberais provocam um incremento na exploração do trabalho, evidenciado

através da redução dos salários reais dos grupos de rendimentos mais baixos, uma maior

regressividade na distribuição da renda e a elevação do desemprego em suas várias formas.

Conformando um modelo desenvolvimento neoliberal definido como desarticulado

setorialmente e socialmente 13

.

Os programas de ajustes estruturais na América Latina, em certa medida, não

apresentaram como componente principal o avanço tecnológico, que provocaria o aumento da

taxa de mais-valia relativa. Na verdade, a busca pela lucratividade, no âmbito produtivo, na

região, esteve assentado no incremento da taxa de mais-valia absoluta, que se vinculou à

redução dos salários reais. Engendrado pelo processo de flexibilização. Não obstante, tanto a

taxa de mais-valia relativa quanto à taxa de mais-valia absoluta podem ser engendradas

concomitantemente (TEUBAL, 2000-2001).

Com a acumulação regional assentada na flexibilização do mercado de trabalho e na

valorização fictícia, materializa-se um aumento da heterogeneidade no continente, tanto

interno a cada país quanto à diferentes países, pois a renda vem sendo distribuída de forma

cada vez mais regressiva. Deste modo, a desigualdade, nos países latino-americanos, se

acentuou14

, tanto nos que tiveram êxito nos ajustes estruturais quanto nos menos exitosos. O

abismo entre os mais abastados e os mais pobres cresceu de forma acentuada mesmo tendo

13 O conceito de desarticulação vincula-se à dissociação da demanda originária da renda salarial a dinâmica

econômica, que se volta às exportações ou ao consumo de grupos de rendas médias e mais elevadas. Essa

dinâmica tende a retroalimentar-se ainda mais, ampliando as desigualdades de renda. Nessa estrutura, de

desarticulação o salário deixa de ser a alavancagem do crescimento, o que tende a provocar uma queda nos

rendimentos salariais e uma elevação do desemprego. Ademais essa dinâmica pode provocar o

desbalanceamento entre o departamento de produção e consumo dentro do país. Sendo assim, o conceito de

“(des)articulação social setorial”, que ainda não foi delimitado completamente, “refers to the degree or rate de

exploitation prevailing in different economies [taxa de mais-valia relativa ou absoluta que depende da luta de

classe] (...) and also includes important demand elements [principalmente a renda salarial no modelo construído por Kalecki] (…) that influences the industrial structure of the economy” (TEUBAL, 2000-2001, p.463). 14 A distribuição da renda encontra-se em níveis piores hoje, na maioria dos países do continente, do que nas

décadas de 80 e 90. Segundo a Cepal (2003), os 20% mais pobres e os 20% mais ricos da população detinham,

respectivamente, em porcentagem da renda total: na Argentina, 6,8 e 45,3, em 1980, e 6,0 e 56,0 no ano de 1999;

no Brasil, 3,3 e 59,2 , em 1980, e 3,5 e 61,9, em 1999. Neste país, apesar de certa melhora na renda dos mais

pobres, ocorreu um aumento na renda dos mais ricos, com um provável descolamento de renda das classes

médias brasileiras para as classes mais pobres e mais ricas, o que não se configura como melhor forma para

obtenção de equidade na renda; 7,8 e 41,2, em 1984, e 6,7 e 49,0, em 2000, no México, uma das piores

evoluções na distribuição de renda, só perdendo para a Venezuela. Uma das poucas exceções foi o Chile e a

Colômbia que lograram uma melhora dos índices de equidade social. No conjunto da América latina a herança

da desigualdade social e suas conseqüências continuam sendo levadas às futuras gerações. A pobreza e a

indigência da população urbana, entre 1994 e 1999, diminuiu de 32% e 12% para, respectivamente, 30% e 9%. Embora se perceba uma pequena melhoria neste período, a pobreza ainda manteve-se muito acima dos níveis de

1980 (25% e 9%), enquanto a indigência urbana se manteve na mesma posição. Com a população rural, o quadro

é ainda pior: entre 1994 e 1999, a pobreza e a indigência caíram de 56% para 54% e de 34% para 31%,

respectivamente; em relação a 1990, ambas também pioraram (CEPAL, 2003).

Page 20: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

20

ocorrido maior crescimento do produto e recuperações parciais de salários em alguns dos

países latino-americanos que adotaram as políticas liberalizantes. Dentre os países principais,

a evolução do salário mínimo real urbano mostrou a superação dos níveis salariais de 1990 -

com exceção do México e Uruguai. Entrementes, no cotejo entre os níveis de 1980 e de 2000,

encontrou-se reduções significativas: no Brasil (-5,42%), na Argentina (-32,80%), na

Venezuela (-98,47%), no México (-235,27%) e no Peru (-460,51%) (CEPAL, 2003).

O baixo crescimento econômico, juntamente com abertura comercial, as privatizações das

empresas estatais e a fragilização dos sindicatos, na América latina, implicaram diretamente e

indiretamente no aumento das taxas de desemprego e contribuíram para a desestruturação do

mercado de trabalho15

, com a substituição de ocupações mais estáveis e de melhor qualidade

por outras mais precárias. O que existe subjacente a este processo é a busca por parte das

empresas multinacionais, aqui implantadas, em aumentar a taxa de exploração do trabalho,

mais-valia relativa e absoluta, viabilizada pela flexibilização do mercado de trabalho na

América Latina.

Nesse contexto, de aumento do desemprego e queda da renda das famílias, em

justaposição com a piora dos serviços públicos sociais (saúde e educação, principalmente) que

vêm se configurando, no decurso dos últimos vintes anos, na América latina, conforma uma

contra-face de profunda deterioração social hodiernamente associada à prostituição, à

violência, ao tráfico e à corrupção que atinge praticamente todo os espaços urbanos e parte do

rural da América Latina, variando apenas em grau entre diferentes países (CANO, 2000).

V – Conclusão

Na análise aqui efetivada procuramos identificar as razões que conduziram à posição

degenerescente trilhada pela América Latina desde os anos 70 do século passado. E as razões

profundas explicativas dessa situação só podem ser descortinadas se procedermos a uma

15 A taxa de desemprego urbano aberto, em média ponderada, da América Latina, ao longo da década de 80, se

reduz de 6,1 a 5,8, entre 1980 e 1990 apesar de todo colapso das várias políticas macroeconômicas e da crise do

endividamento na região. No decorrer dos anos 90 a taxa de desemprego eleva-se, de 5,8 para 8,4, no cotejo

entre 1990 em 2001, confirmando que as políticas neoliberais tendem a acentuar o desemprego, seja pelo seu

aspecto estrutural, seja pela sua dimensão conjuntural. A maior era a da Argentina (passa de 2,6 em 1980 para

7,4 em 1990, e mais do que dobra, 17,4, em 2001); vale ressaltar que este foi o país que implementou de forma

mais intensa o ajuste; a do México, embora fosse uma das mais baixas (por problemas metodológicos), cai de 4,5

em 1980 para 2,7 em 1990, mantendo-se praticamente estável 2,5 em 2001; a taxa do Brasil, também apresenta

problemas metodológicos15, passa de 6,3 em 1980 para 4,3 em 1990, elevando-se para 6,2 em 2001. A queda do desemprego no México e a certa estabilidade do Brasil são explicadas em grande parte pela violenta precarização

e informalização dos seus mercados de trabalho, na medida em que se empregam cada vez mais pessoas sem

vinculo empregatício e com relações de trabalhos precários.

Page 21: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

21

análise totalizadora na qual a América Latina seja compreendida como parte inelutável do

sistema capitalista internacional. Dessa forma, podemos concluir que o quadro econômico e

social presenciado nos países latino-americanos, de forma quase homogênea, nada mais

significa do que a expressão das novas formas de valorização do capital.

Vale ressaltar que essa nova dinâmica está associada às transformações nas relações de

poder entre países centrais e periféricos. Quer dizer que os EUA, que desde meados dos anos

1980 tem procurado reforçar sua posição de centro hegemônico, o fizeram em bases político-

militares mais profundas e restritivas depois da derrocada da União Soviética e, mais

recentemente, após o atentado de 11 de setembro de 2001. Essa ação corresponde à imposição

de um dispositivo imperialista inerente ao enfrentamento da crise.

Assim, como parte deste processo, o envolvimento da América Latina na operação de

salvamento dos capitalismos centrais deu-se através da constituição de um endividamento ao

mesmo tempo crônico e estrutural. Ocorreu, então, o aprofundamento da integração da

América Latina através da retomada das “exportações de capitais” dos países centrais para os

países dependentes, as quais adquiriram duas formas, a saber, primeiramente, os empréstimos

externos e, depois, já no limiar dos anos 90, os movimentos de capitais especulativos e

voláteis.

A impossibilidade de desatrelar-se deste endividamento permanente foi cristalizada

mediante a aplicação de políticas de ajuste macroeconômico e de corte neoliberal emanadas

dos países centrais, medidas que garantiram a reprodução do endividamento como elemento

estrutural dessa nova dinâmica.

Referências

BALANCO, Paulo & PINTO, Eduardo & MILANI, Ana. A crise econômica e a

desarticulação social na América latina: o endividamento estrutural. In: III Colóquio de

Economistas Políticos da América Latina, Buenos Aires - Argentina. Anais (CD-ROM), 16 a

18 de outubro de 2003.

BALANCO, Paulo; PINTO, Eduardo Costa. Padrões de desenvolvimento, crise e

endividamento no capitalismo contemporâneo. In: Anais do VII Encontro de Economia da

Região Sul – ANPEC SUL, 2004, p. 575-594.

BELLUZZO, L. G. & ALMEIDA, J. G. Depois da queda: a economia brasileira da crise da

dívida aos impasses do Real. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2002

Page 22: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

22

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do

desenvolvimentismo. Rio de janeiro. IPEA/INPES, 552p. 1988.

BRENNER, Robert. O boom e a bolha: os EUA na economia mundial. Rio de Janeiro,

Record. 2003.

CANO, Wilson. Soberania e política econômica na América Latina. São Paulo: Editora UNESP,

2000.

CARNEIRO, Ricardo. Controle de Capitais no Brasil. São Paulo, 2003. Mimeo.

CARVALHO, Cardim. Controles de capitais e recuperação da iniciativa em política

econômica. In: PAULA, J. A. A economia política da mudança. Belo Horizonte: Autêntica,

2003.

CEPAL - Anuário estático 2003 da Comissão Econômica para América Latina, 2002a.

Disponível em: www.cepal.org Acesso: setembro de 2004.

GONÇALVES, Reinaldo. O Brasil e o comércio internacional: transformações e

perspectivas. São Paulo: Contexto, 2000.

LICHTENSZTEJN, S. & BAER, M. Fundo Monetário Internacional e Bando Mundial:

estratégias e políticas do poder financeiro. Editora brasiliense, São Paulo, 1987.

MARINI, Rui. Dialética da dependência. Petrópolis, ed. Vozes, 2000.

MEDEIROS, Carlos, Globalização e a inserção internacional diferenciada da Ásia e da

América Latina. In TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, José Luis; (Org.) Poder e

dinheiro. Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1997.

MEYER, Victor. Articulação e organização internacional dos trabalhadores ante a

globalização – um fenômeno emergente. Salvador, Escola de Administração/UFBA, Tese de

Doutorado, 2000.

OLIVEIRA, Nelson. A conversão obediente ao mandato imperial: reflexão sobre políticas

impostas pelo Banco Mundial. Salvador, Cadernos do CEAS, nov/dez, nº 178, pp 21-44,

1998.

FILGUEIRAS & PINTO, Eduardo. Governo Lula: contradições e impasses da política

econômica. In: IX Encontro Nacional de Economia Política, Universidade de Uberlândia,

Uberlândia. Anais (CD-ROM), 08 a 11 de junho de 2004.

PERREIRA, Jaime, Crisis financiera y regulación política en América Latina. In: Revista de

Comércio Exterior, setembro de 2001.

SADER, Emir. A vingança da história. Editora Boitempo, São Paulo, 2003.

SALAMA, Pierre ?Nuevas paradojas de la liberalización en América Latina?. In: Revista de

Comércio Exterior, México, vol 52, nº 9, setembro de 2002.

Page 23: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

23

SALAMA, Pierre.. Editora Boitempo, São Paulo, 2002. Pobreza e exploração do trabalho

na América Latina

TEUBAL, Miguel. Structural adjustment and social desarticulation: the case of Argentina.

Science and Society. New York. V.64, n.4, winter 2000-2001.

Anexos

Tabela 1 – Taxa de Lucro, PIB, Estoque de Capital, Salário Real e Taxa de desemprego

dos países centrais

Fonte: Brenner (2003, p. 46)

Tabela 2 – Evolução do PIB e da Dívida Externa Bruta desembolsada (Brasil, México e

Argentina)

Evolução do PIB Dívida Externa Bruta Desenb. (milhões U$)

México Brasil Agentina Brasil Agentina

1980-1990 1,9 1,6 -0,7 - -

1990 5,1 -4,6 -2,0 123.439 622.233

1991 4,2 1,0 10,6 115.096 61.334

1992 3,7 -0,3 9,6 123.439 62.766

1993 1,8 4,5 5,9 123.910 72.209

1994 4,4 6,2 5,8 153 85.656

1995 -6,5 4,2 -2,9 165.447 98.547

1996 -6,1 2,5 5,5 186.561 110.613

1997 6,8 3,1 8,0 208.375 125.052

1998 5,1 0,2 3,8 259.496 141.929

1999 3,6 0,9 -3,4 241.468 145.289

2000 6,7 3,9 -0,8 236.157 146.575

2001 -0,3 1,3 -4,4 226.067 140.214

2002 0,9 1,5 -10,8 227.689 134.174

Empresas privadas

1950-70 1970-93 1950-70 1970-93 1950-70 1970-93 1950-70 1970-93

Taxa de lucro liquida 12,9 9,9 23,2 13,8 21,6 17,2 17,6 13,3

Produção 4,2 2,6 4,5 2,2 9,1 4,1 4,5 2,2

Estoque de capital líq. 3,8 3,0 6,0 2,6 - - - -

Sálario real 2,7 0,0 6,3 2,7 6,3 2,7 - -

Taxa de desemprego 4,2 6,7 2,3 5,7 1,6 2,1 3,1 6,2

ALEMANHA JAPÃO G-7EUA aa

Page 24: A Integração Passiva no âmbito da Globalização: os … · cristalização deste quadro deletério deu-se mediante a fixação de um ... através de um comportamento ... O mecanismo

24

Tabela 3 – Formação Bruta de Capital em proporção do PIB (México, Brasil e

Argentina)

Investimento/PIB

México Brasil Agentina

1980 24,2 27,8 28,8

1985 17,5 20,5 17,4

1990 17,9 20,7 14,0

1998 21,5 21,4 20,7

1999 22,3 19,7 18,7

2000 23,1 19,8 17,6

2001 21,9 19,7 15,5

2002 21,3 18,6 11,1