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A INTERAÇÃO CIVIL E MILITAR NA SITUAÇÃO DE NÃO GUERRA:
UMA ANÁLISE DAS LIÇÕES APRENDIDAS DA MINUSTAH
Leonardo de Andrade Alves1
RESUMO
O objetivo do presente estudo é realizar uma análise das lições aprendidas do emprego das
tropas brasileiras na Missão das Nações Unidas de Estabilização no Haiti, no que tange à
interação do componente militar com as entidades governamentais ou não, de natureza civil,
bem como a população haitiana para relacioná-las com as novas capacidades adquiridas no
Exército Brasileiro. A metodologia apresenta uma abordagem qualitativa e modalidades de
pesquisa bibliográfica e documental, além de entrevistas aos integrantes dos contingentes
militares que compuseram o efetivo da MINUSTAH ao longo dos anos, de 2004 a 2017.
Argumenta-se que a experiência da MINUSTAH trouxe mudanças estruturais no
comportamento dos militares em operações sob a égide de organismos internacionais, o
aprimoramento da formação e especialização de militares para o exercício das funções de
relacionamento com o público civil, a mudança das grades curriculares em cursos de formação
e especialização, e as mudanças dos manuais regulamentares. Ainda, argumenta-se ter havido
um aumento do potencial militar, através da integração das ações militares com os órgãos civis
e da maior interação entre o componente militar e os civis em operações sob a égide da ONU.
As pesquisas deste trabalho restringem-se ao contexto do cumprimento da missão de paz no
Haiti e justificam-se pela relevância da interação civil militar em operações militares no Brasil
e da pertinência do assunto no meio acadêmico.
Palavras-chave: Interação Civil-Militar. Situação de não guerra. lições aprendidas.
ABSTRACT
The objective of the present study is to analyze the lessons learned from the deployment of
Brazilian troops in the United Nations Stabilization Mission in Haiti, regarding the interaction
of the military component with governmental and non-governmental agencies, civil, and the
Haitian population in order to get the relation among them to the new capabilities acquired in
the Brazilian Army. The methodology presents a qualitative approach and methods of
bibliographical and documentary research, in addition to interviews with the members of the
military contingents that made up the MINUSTAH staff over the years, from 2004 to 2017. It
is argued that the experience of MINUSTAH brought structural changes in the behavior of the
military in operations under the aegis of international organizations, the improvement of the
training and the specialization of the military for the exercise of relations functions with the
civil public, the change of the credits in training and specialization courses, and changes in legal
manuals. Still, it is argued that there has been an increase in military potential through the
integration of military actions with civilian teams and the increased interaction between military
and civilian components in UN peacekeeper operations. The researches of this dissertation
restricted in the context of the fulfillment of the peace mission in Haiti, and are justified by the
1 Mestrando, Ciências Militares, Instituto Meira Mattos/Escola de Comando e Estado-Maior do Exército,
2
relevance of military civil interaction in military operations in Brazil and the pertinence of the
subject in the academic environment.
Keywords: Civil-Military Interaction. Non-war situation. Lessons learned
3
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, as operações militares apresentam-se em ambiente complexo, incerto e
de amplo espectro, no qual diversos atores destacam-se, influenciando, diretamente ou
indiretamente, no processo decisório dos comandantes militares, acrescentando novas
especificidades nos ambientes operacionais.
Segundo o manual EB70-MC-10.2232, do Exército Brasileiro, as operações militares se
desenvolvem em todo o espectro dos conflitos, que varia, segundo o nível de engajamento,
desde a prevenção de ameaças à solução dos conflitos armados, passando ou não pelo
gerenciamento de crises. Neste sentido, as operações ocorrerão em situação de guerra ou de não
guerra:
“Basicamente, o emprego das Forças Armadas ocorrerá de acordo com os seguintes
casos: a) Situação de Guerra, quando a Expressão Militar do Poder Nacional for
empregada explorando na sua plenitude as suas características; e b) Situação de Não
Guerra, quando a Expressão Militar do Poder Nacional for empregada sem explorar a
plenitude de suas características, exceto em circunstâncias especiais, onde o poder de
combate é usado de forma limitada, em situação de normalidade institucional ou não
(BRASIL, 2012).
No contexto da situação de não guerra, definida acima, as operações de cooperação e
coordenação com agências são aquelas operações básicas de emprego da Força Terrestre,
conforme definido abaixo. No entanto, muitos exércitos têm operado com outras agências em
situação de guerra, como o Exército dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque, e os países
da Organização do Tratado do Atlântico Norte, no Afeganistão, conflitos considerados mais
recentes.
As operações de cooperação e coordenação com agências são aquelas que
normalmente ocorrem nas situações de não guerra, nas quais o emprego do poder
militar é usado no âmbito interno e externo, não envolvendo o combate propriamente
dito, exceto em circunstâncias especiais. São elas: a) garantia dos poderes
constitucionais; b) garantia da lei e da ordem; c) atribuições subsidiárias; d) prevenção
e combate ao terrorismo; e) sob a égide de organismos internacionais; f) em apoio à
política externa em tempo de paz ou crise; e g) outras operações em situação de não
guerra (BRASIL, 2017).
Ademais, estas operações em situação de não guerra são as mais comuns conduzidas
pelo Exército Brasileiro, ao longo das últimas décadas, sendo a participação do Brasil na 2a
Guerra Mundial, em 1944, como a última operação em situação de guerra3.
Este artigo apresenta uma análise sobre a participação do Exército Brasileiro na
MINUSTAH, visto que foi protagonista no sucesso de uma operação de paz em um país que
2 BRASIL.Exército. Estado-Maior. EB70-MC-10.223 Operações. 5. ed. Brasília, DF, 2017b. 3 Disponível em: https://tokdehistoria.com.br/2011/12/15/a-ultima-guerra-que-o-brasil-participou-foi-a-mais-de-
70-anos-mas-os-brasileiros-temem-agressao-de-potencia-estrangeira/ . Acesso em 30 de abril de 2018.
4
sofreu com problemas políticos, econômicos e sociais, por décadas. Esta foi a missão mais
duradoura na qual o Exército Brasileiro foi empregado, com início em 2004, e possibilitou a
maior participação da história de militares em missões de paz, bem como de emprego de
materiais e equipamentos militares, como a seguir:
Do ponto de vista militar, o Brasil enviou cerca de 37 mil militares para a
MINUSTAH, organizados em 26 contingentes em sistema de rodízio, o que viabilizou
o acúmulo de importantes experiências profissionais e pessoais, com positivos
impactos para as Forças Armadas. A MINUSTAH foi fundamental para que o preparo
para atuar em missões de paz pudesse ser aperfeiçoado, tornando-se referência
mundial. E, em termos estratégicos, o país conseguiu manter um oficial general como
comandante das forças da ONU (Force Commander) durante todo o período em que
perdurou a missão, fato até então inédito naquele organismo internacional. Tais feitos
indicam que passos sólidos foram dados em direção à consolidação do Brasil enquanto
país relevante no sistema de paz e segurança internacional, com atuação desejável em
outras importantes operações multilaterais (HAMANN, E.P.; TEIXEIRA, 2017).
Este longo período da participação do Exército no Haiti, ainda, proporcionou um legado
imensurável ao desenvolvimento de capacidades que, atualmente, norteiam a preparação dos
capacetes azuis para missões de paz. Este legado gerou novas capacidades à Força Terrestre,
resultando em inovações na doutrina, na organização, no adestramento, no material, no ensino,
no pessoal e na infraestrutura.
No viés humanitário, uma das atividades de maior relevância e de maior sucesso no
Haiti foi aquela relacionada à CIMIC. Esta tem por finalidade a condução de assistência
humanitária, utilizando os componentes militares e civis em sinergia de equipe a fim de atender
às necessidades da população local, como exemplo nas favelas e áreas mais carentes da capital
Porto Príncipe ou após o devastador terremoto de 2011.
Deste modo, esta pesquisa apresenta o seguinte problema: como as lições aprendidas
pelo Exército Brasileiro, na MINUSTAH, no que tange à interação civil militar, contribuíram
para a geração de novas capacidades no Exército Brasileiro?
O trabalho utiliza a experiência das tropas do Exército Brasileiro no Haiti no
cumprimento da missão de paz naquela nação, no período de 2004 a 2017 e limita-se ao estudo
relacionado à interação civil militar no Exército Brasileiro em situação de não guerra e que
envolve operações de cooperação e coordenação com agências. O seu objetivo é analisar as
lições aprendidas pelo Exército Brasileiro na MINUSTAH, no que tange à interação civil
militar, para a geração de capacidades no âmbito do Exército.
Com vistas a auxiliar a consecução do acima citado, alguns objetivos específicos foram
traçados, norteando as análises que serão realizadas para estruturar o trabalho, que são:
caracterizar as atividades de interação civil militar na MINUSTAH; e identificar as lições
5
aprendidas na MINUSTAH pelo Exército Brasileiro, no que se refere às atividades de interação
civil-militar.
A interação civil-militar reveste-se de importância pela maciça presença de civis nos
ambientes de guerra, quer seja por meio de organizações internacionais ou não governamentais,
quer pela população local. Este fato deve-se ao incremento dos conflitos em áreas urbanizadas
e da participação de alianças multinacionais e de civis em áreas específicas de defesa, como na
terceirização de serviços ou assistências humanitárias. Ademais, argumenta-se que a
participação da MINUSTAH, desde 2004, foi um dos grandes impulsionadores da doutrina de
CIMIC em operações de paz nas Forças Armadas Brasileiras, proporcionando uma vasta
quantidade de lições aprendidas e oportunidades de melhoria.
Deste modo, este trabalho justifica-se pela análise da evolução sobre um assunto atual
e de alta relevância, ao ser experimentado por organismos internacionais e algumas potências,
bem como pelo fato de estar em evolução no âmbito das Forças Armadas Brasileira.
1. DESENVOLVIMENTO
Nesta seção foram conduzidas pesquisas documentais e bibliográficas para o
fornecimento do embasamento para a consolidação dos conhecimentos necessários. Na
subseção das lições aprendidas, os dados apresentados são oriundos das entrevistas e do
rastreamento das informações fornecidas e pesquisadas em documentos regulamentares do
Exército.
1.1. Referencial Conceitual e Teórico
No campo conceitual, cabe ressaltar que as operações militares são as ações realizadas
com forças e meios militares, coordenadas em tempo, espaço e finalidade, de acordo com o
estabelecido em uma diretriz, plano ou ordem para o cumprimento de uma atividade, tarefa,
missão ou atribuição. É realizada no amplo espectro dos conflitos, desde a paz até o conflito
armado/guerra, passando pelas situações de crise, sob a responsabilidade direta de autoridade
militar competente (BRASIL, 2017b, p.2-1). Elas podem ser conduzidas em situação de guerra
e não guerra, definidas a seguir:
A situação de guerra é aquela na qual o poder militar é empregado na plenitude de
suas características para a defesa da pátria, sendo a principal e mais tradicional missão
das forças armadas e para a qual devem estar permanentemente preparadas, ao passo
que na situação de não guerra o poder militar é empregado de forma limitada, no
âmbito interno e externo, sem que envolva o combate propriamente dito, exceto em
circunstâncias especiais. Normalmente, o poder militar será empregado em ambiente
interagências, podendo não exercer o papel principal (BRASIL, 2017, p.2-8).
6
Segundo o manual de Operações4, nas situações de não guerra, as operações de
cooperação e coordenação com agências são os únicos tipos de operações militares, no entanto,
quando necessário, poderão ser empregadas em situação de guerra, no ambiente de amplo
espectro.
Estas operações são executadas por elementos do Exército Brasileiro em apoio aos
órgãos ou instituições, governamentais ou não, militares ou civis, públicos ou
privados, nacionais ou internacionais, definidos genericamente como agências, e
destinam-se a conciliar interesses e coordenar esforços para a consecução de objetivos
ou propósitos convergentes que atendam ao bem comum, além de buscar evitar a
duplicidade de ações, a dispersão de recursos e a divergência de soluções, levando os
envolvidos a atuarem com eficiência, eficácia, efetividade e menores custos
(BRASIL, 2017, p.3-14).
A garantia dos poderes constitucionais, a garantia da lei e da ordem, as atribuições
subsidiárias, a prevenção e combate ao terrorismo, as ações sob a égide de organismos
internacionais e as operações em apoio à política externa em tempo de paz ou guerra são as
operações de cooperação e coordenação com agências em situação de não guerra.
A atuação sob a égide de organismos internacionais inclui a participação de elementos
da F Ter em missões estabelecidas em alianças do Estado brasileiro com outros países e em
compromissos com organismos internacionais dos quais o Brasil seja signatário (BRASIL,
2017b, p.3-17). A missão das tropas brasileiras na MINUSTAH classifica-se neste contexto
pois o Brasil participou daquela operação de paz em conformidade com o prescrito na Carta
das Nações Unidas, respeitados os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos
povos, possuindo natureza militar, política ou social, no viés da assistência humanitária.
No que tange à geração de capacidades, alinhado com a Estratégia Nacional de Defesa
e a Doutrina da maioria das Forças Armadas dos países ocidentais, o Exército Brasileiro tem
adotado a geração de forças por meio do Planejamento Baseado em Capacidades. Dessa forma,
o desenvolvimento de capacidades baseia-se em uma permanente análise da conjuntura e em
cenários prospectivos, com o objetivo de identificar tanto as ameaças concretas quanto as
ameaças potenciais ao Estado Brasileiro5.
Em sintonia com as lições aprendidas nas guerras contemporâneas e as tendências dos
conflitos do futuro, a Força Terrestre desenvolve o seu preparo com base nessas capacidades
requeridas, para manter-se permanentemente apta a atuar em conjunto com as demais forças ou
de forma isolada, tendo como foco principal a sua destinação constitucional (BRASIL, 2015,
p. 6).
4 BRASIL. EB70-MC-10.223 Operações. . [S.l.]: 5.ed. Brasília, DF. , 2017 5 BRASIL, Exército Brasileiro. Catálogo de Capacidades do Exército. . [S.l: s.n.]. , 2015
7
A capacidade operativa é a aptidão requerida a uma força ou organização militar, para
que possam obter um efeito estratégico, operacional ou tático. É obtida a partir de um conjunto
de sete fatores determinantes, inter-relacionados e indissociáveis: Doutrina, Organização (e/ou
processos), Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura - que formam o
acrônimo DOAMEPI.
No que tange ao contexto teórico, Egnell (2006) afirma que os teóricos militares
descrevem frequentemente a capacidade militar como uma combinação de fatores físicos
(tamanho e material da organização), fatores conceituais (doutrina ou aplicação dos meios) e
fatores morais (a vontade da liderança política, bem como dos soldados). Franke (2006) ressalta
que as interações entre vários atores como estados, militares, atores locais, civis e armados,
organizações regionais, internacionais e não-governamentais devem ser levadas em conta caso
se queira entender como a coordenação interorganizacional funciona na manutenção da paz
complexa.
Olson e Gregorian (2007) afirmam que existe uma tendência geral entre as organizações
e mesmo entre as unidades dentro da mesma organização para realizar um planejamento ou
uma implementação substancialmente diferente ou para descrever diferentes processos e
resultados mesmo quando empregam a mesma terminologia.
A coordenação civil-militar é relativamente simples de conceituar como um esforço de
organizações civis e militares para harmonizar suas operações e, no entanto, foi descrito como
um "conceito contestado com muitas definições e doutrinas diferentes e concorrentes que
descrevem essencialmente a mesma atividade" (LARA; OLSON, 2007, p.12).
Para Olson e Gregorian (2007) a cooperação civil-militar é a terminologia empregada
pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a maioria dos países da União
Européia e do Canadá, sendo que os Estados Unidos preferem as Operações Civil-Militar
(CMO). A Organização das Nações Unidas (ONU), ainda, usa a sigla CIMIC quando se refere
à "Coordenação Civil Militar" e seu braço humanitário como Coordenação Humanitária Civil-
Militar, enquanto a OTAN usa a CIMIC para descrever "Cooperação Civil-Militar". Estas
diferenças conceituais estão nos fundamentos e na abordagem da interface civil militar para as
atividades de construção da paz, pelo mundo.
A ONU enfatiza o diálogo e a interação entre os setores civil e militar, por julgar
necessário para proteger e promover os princípios humanitários, evitar competições e perseguir
objetivos comuns. Deste modo, ela definiu como a seguir:
A coordenação civil-militar da ONU, por outro lado, refere-se à função humanitária
de coordenação civil-militar que fornece a interface necessária entre atores
8
humanitários e militares para proteger e promover os princípios humanitários e
alcançar os objetivos humanitários em emergências complexas e situações de
desastres naturais (UNITED NATIONS, 2010, p.2, tradução nossa)
No Brasil, segundo o manual EB20-MF-10.221, Cooperação Civil-Militar, o Exército
define que a cooperação civil-militar se caracteriza por atividades que buscam estabelecer,
manter, influenciar ou explorar as relações entre as forças militares, as agências, as autoridades
e a população em uma área operacional. Ela contribui para atingir os objetivos militares e
garantir um ambiente seguro e estável, de acordo com a natureza da missão.
1.2. A MINUSTAH no Haiti
Segundo Pinheiro (2015), o Haiti é um pequeno país de 27.750 Km², território
equivalente ao Estado de Alagoas, situado na região do Caribe. O nome Haiti advém do créole
Ayiti e significa terra das montanhas. “O Haiti foi o primeiro e único Estado independente a ser
constituído por uma revolução de escravos negros, sendo a única república negra das Américas
e a segunda mais antiga precedida apenas pelos EUA” (PINHEIRO, 2015, p.35). Ainda assim,
é um dos países mais pobres e de menor desenvolvimento humano do mundo, ocupando o 168º
lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano elaborado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento que agrega 187 países e territórios, em 20146.
Lessa (2007) afirma que o Haiti, cuja história é marcada pelo descaso internacional, pela
corrupção e pela falta de compromisso das autoridades locais para com o seu povo, iniciou a
década de 1990 elegendo o ex-padre Jean Bertrand Aristide para ocupar a Presidência da
República e nele depositando todas as suas esperanças para superar seus graves problemas
políticos, econômicos, psicossociais e militares.
Aristide assumiu o poder em 1991 e um ano depois foi derrubado por um golpe de
Estado, liderado por militares. O boicote da comunidade internacional ao regime imposto
tornou mais grave as condições sócio-econômicas da população. Em outubro de 1994, em vista
do contínuo fluxo de imigrantes haitianos que tentavam chegar à costa dos Estados Unidos,
tropas norte-americanas, com autorização do Conselho de Segurança da ONU, desembarcaram
no país e colocaram Aristide de volta no poder. Em 1995, Aristide aboliu as Forças Armadas,
com o apoio dos Estados Unidos.
Segundo Lessa (2007), o Haiti passou a enfrentar severos problemas internos, tais como
a desintegração e a politização da polícia, o tráfico de armas pequenas, a falta de execução da
lei, as fronteiras permeáveis e a corrupção policial, o que tornaram o país uma rota do tráfico
6Fonte: UNDP. International Human Development Indicators. Disponível em:
http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr14-report-en-1.pdf. Acesso em 28 de maio de 2018.
9
internacional de drogas. Ademais, a instabilidade política e institucional, o empobrecimento da
população e a volatilidade na segurança reforçaram o clima de impunidade e ausência da lei,
com impacto direto nos abusos aos direitos humanos, políticos, sociais e econômicos.
As operações de consolidação da paz constituem uma mudança sensível da lógica de
emprego de tropas por parte das Nações Unidas por intencionarem mudanças de atitude entre
as partes conflagradas. A MINUSTAH, segundo Kenkel (2013, p. 133), é uma típica missão de
paz de quarta geração, pois o foco é o desenvolvimento econômico e social.
A fim de atender à estabilização no Haiti, no dia 29 de fevereiro de 2004, o representante
permanente do Haiti junto às Nações Unidas submeteu ao Conselho de Segurança cópia da
carta de renúncia de Aristide e um pedido de assistência. Na mesma noite, foi aprovada, pelo
Conselho de Segurança da ONU, a Resolução 1529, que autorizou tropas estrangeiras a
entrarem em território haitiano, amparadas no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, por
um período máximo de três meses. Foi então organizada a Força Multinacional Interina (MIF),
liderada pelos Estados Unidos da América e integrada também por militares de Canadá, França
e Chile, o que resultou na posse de novo governo e ministros.
Lessa (2007) ressalta que sentindo a necessidade de prosseguir com sua presença no
país, a ONU por meio de seu Conselho de Segurança, criou em 30 de abril de 2004, pela
Resolução 1542, a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (MINUSTAH) para,
atuando sob o escopo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, substituir a MIF e permitir
a retomada do processo democrático, assegurando um ambiente seguro e estável no país,
ratificado abaixo:
Segundo Arruda (2006), agindo sob o capítulo VII ou seja, podendo utilizar-se de meios
violentos para cumprir seu mandato, a MINUSTAH possuía ampla gama de objetivos, dentre
eles realizar programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), garantia da
estabilidade do Governo de Transição, apoio ao processo político e monitoramento de Direitos
Humanos.
1.3. O Exército Brasileiro e as atividades de Interação Civil-Militar na MINUSTAH
Segundo Cavalcanti (2015), a estrutura militar inicial da MINUSTAH, a qual a tropa
brasileira subordinou-se, era constituída pela denominada “Brigada Haiti”. Em 2005, essa
estrutura foi reduzida e nossas tropas ficaram compostas por um Batalhão de Infantaria de Força
de Paz, em inglês Brazilian Battalion (BRABAT), que incluiu em sua organização um
Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais. Ainda naquele mesmo ano, o contingente foi
10
acrescido de uma Companhia de Engenharia de Força de Paz, em inglês BRAENGCOY. A
Brigada Haiti seria extinta, passando a tropa brasileira a subordinar-se diretamente ao Force
Commander. Esta redução deveu-se, principalmente, a não materialização da chegada de tropas
de outros países que comporiam a Brigada, bem como a necessidade de uma cadeia de comando
mais ágil, como ratificado abaixo:
Segundo Hamann e Teixeira (2017), a Resolução 1542, de forma sintética, instituía a
missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti e determinava o emprego de tropas sob
a égide do Capítulo VII, uma novidade para o Brasil, estabelecendo as seguintes tarefas
prioritárias: manutenção de um ambiente seguro e estável; apoio ao processo político; e respeito
aos direitos humanos.
As demais resoluções que se seguiram mantiveram, essencialmente, as mesmas
prioridades, mas com maior detalhamento descritivo no corpo do documento, e incorporando,
à frente, recomendações voltadas para a edificação do país, dentro do conceito de reconstrução
e busca da resolução das causas do conflito, peacebuilding, embora de forma modesta.
Hamann e Teixeira (2017), ainda, ratificam que a partir do terceiro contingente, o
CONTBRAS passa a ser composto pelo Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BRABATT),
incluindo-se o Grupamento de Fuzileiros Navais, e pela Companhia de Engenharia de Força de
Paz (BRAENGCOY), com o efetivo total de 1.216 homens, sendo 832 homens no BRABATT,
234 Fuzileiros Navais e 150 na BRAENGCOY. A BRAENGCOY, aliás, permaneceria com
esse efetivo até 2008, quando foi aumentado para 250.
Para Verenhitach (2008), a cooperação brasileira no Haiti superou o âmbito militar. O
Brasil executava, atualmente, inúmeros processos de cooperação técnica no país caribenho, sob
diversas modalidades. A própria força militar da MINUSTAH desempenhava também ações de
caráter humanitário, como: distribuição de alimentos e medicamentos; reconstrução de ruas e
construção de obras públicas; promoção de assistência médica e odontológica; desobstrução de
vias públicas, por meio da remoção de lixo e carcaças das ruas; e projetos de saneamento,
projetos educacionais e culturais, com apoio de organismos não estatais e estatais.
Conforme Cruz (2010), após a conquista da estabilidade, criou-se o espaço para a
atuação de organismos da ONU, do governo do Haiti e de ONG, beneficiando enormemente a
população carente das comunidades do Haiti. Após o desastre no Haiti, em janeiro de 2010, o
Brasil, prontamente, aumentou o seu efetivo naquele país, com mais um batalhão. Para isso,
utilizou os militares que já haviam servido na MINUSTAH em anos anteriores. Quando o
esforço das ações do Batalhão de Força de Paz Haiti se concentrava na manutenção da
estabilidade e no provimento de ações humanitárias em benefício da população, suas atividades
11
se caracterizavam por operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), executadas em conjunto
com a Polícia Nacional do Haiti (PNH).
O objetivo destas operações era diminuir a criminalidade em áreas sensíveis e avivar a
presença da tropa, aumentando a sensação de segurança da população e as ações assistenciais,
desencadeadas nas áreas mais necessitadas e durante calamidades. Algumas ações executadas
pelos BRABATT 1 e 2 merecem destaque, como: as operações de cerco e vasculhamento, e
patrulhas a pé, motorizadas e/ou mecanizadas, realizadas diariamente em conjunto com a
Polícia Nacional Haitiana (PNH); a presença em Pontos Estáticos (static points) e Pontos de
Controle (check points); as patrulhas marítimas em conjunto com a Guarda Costeira do Haiti;
as operações aéreas de reconhecimento; e as atividades humanitárias e cívico-sociais, como
distribuição de água, alimentos e material escolar; atendimento médico de emergência e
realização de projetos que buscam o resgate e o desenvolvimento da cidadania, dentre eles:
treinamento de grupos comunitários de emergência, implantação de um Gabinete Odontológico
e uma Clínica Médica em Cité Soleil e projetos ambientais.
Cruz (2010) afirma, ainda, que a Engenharia Militar Brasileira tinha por missão
proporcionar o apoio de engenharia em trabalhos de construção de campanha, de instalações e
de proteção para os contingentes de Força de Paz em todo o país. Alicerçada nessa concepção,
a BRAENGCOY abrangia uma variada gama de possibilidades, das quais era possível destacar:
reconhecimentos especializados de engenharia; reparação, reforma, melhoramento, adaptação
e construção de instalações; reparação, conservação, melhoramento e construção de estradas,
aeródromos e pontes; trabalhos de infraestrutura; destruição e neutralização de munições,
explosivos e engenhos falhados; construção de bueiros e outros sistemas de drenagem;
desobstrução, com remoção de entulhos, escombros e carcaças; reparação e manutenção das
vias de circulação, em apoio à mobilidade, à segurança das tropas da Força de Paz da ONU e
às ações humanitárias; resgate às vítimas do terremoto; reparação, manutenção e construção de
heliportos; e assistência técnica de engenharia aos contingentes da Força de Paz.
Para Cruz (2010) ainda, ao longo dos primeiros cinco anos, sob os auspícios da ONU,
o Exército Brasileiro cumpriu a honrosa missão de levar ao povo haitiano as condições ideais
para a manutenção e a consolidação da paz. Paralelamente ao cumprimento de suas atividades
militares, a tropa brasileira realizava trabalhos humanitários, a fim de melhorar as condições de
vida dos irmãos haitianos, bem como implementava condições para o desenvolvimento
sustentável daquele país. Ressalta-se que, após o terremoto de janeiro de 2010, houve uma
sobrecarga de trabalhos e foi necessário estabelecer prioridades.
12
Nesse contexto, destaca-se a realização de pequenas obras de interesse público, que
buscam ganhar a confiança da população local. Os contingentes brasileiros implementaram os
Projetos de Impacto, trabalhos que empregavam mão de obra local. A abertura de poços
artesianos, o reparo e o asfaltamento de ruas e estradas, além da reforma de praças e a melhoria
de escolas integram a lista dos projetos desenvolvidos pela Companhia de Engenharia de Força
de Paz. Constata-se, portanto, que todos esses trabalhos ajudaram no conforto, na
operacionalidade e na proteção das unidades militares e policiais, além das diversas seções e
departamentos, que compõem a MINUSTAH. A participação da Engenharia no Haiti foi uma
excelente oportunidade de treinamento especializado da tropa, incluindo as ações de CIMIC –
muito executadas devido às características peculiares da referida arma.
Desta forma, é possível concluir que as missões das tropas do Exército Brasileiro
permearam o apoio aos diversos organismos estatais e não estatais e foram executadas em
consoante com o mandato da MINUSTAH, o qual proporcionou a interação civil militar nas
ações de assistência humanitária naquela jovem nação.
1.4 Os reflexos das lições aprendidas da MINUSTAH no Exército Brasileiro
Com base nas lições aprendidas oriundas dos treze anos no Haiti e dos dados levantados
em entrevista semi-estruturada aos oficiais que servem no Centro Conjunto de Operações de
Paz no Brasil (CCOPAB), estabelecimento do ensino do Ministério da Defesa especializado
em operações de paz no Brasil, e aos oficiais que exerceram as funções da célula de assuntos
civis de alguns contingentes brasileiros, é possível destacar as considerações, que se seguem,
no que se referem aos fatores da geração de capacidades no âmbito do Exército Brasileiro.
Segundo o manual de Doutrina Militar Terrestre7, a Força Terrestre, instrumento de ação
do Exército Brasileiro, inclui todos os elementos do EB, organizados por módulos de combate,
com base em capacidades, a partir dos fatores determinantes: DOAMEPI, com vistas ao
emprego nas Operações no Amplo Espectro.
Este manual define: a Doutrina como a base para os demais, estando materializado nos
produtos doutrinários; a Organização que é expressa por intermédio da Estrutura
Organizacional dos elementos de emprego da F Ter; o Adestramento que compreende as
atividades de preparo obedecendo a programas e ciclos específicos, incluindo a utilização de
simulação em todas as suas modalidades: virtual, construtiva e viva; e o Material o qual
7 BRASIL. EB 20-MF-10.102 Doutrina Militar Terrestre. . [S.l.]: 1.ed. Brasília, DF. , 2014
13
compreende todos os materiais e sistemas para uso na F Ter, acompanhando a evolução de
tecnologias de emprego militar e com base na prospecção tecnológica.
Ainda, a Educação que abrange todas as atividades continuadas de capacitação e
habilitação, formais e não formais destinadas ao desenvolvimento do integrante da F Ter quanto
à sua competência individual requerida; o pessoal que integra todas as atividades relacionadas
aos integrantes da força, nas funcionalidades: plano de carreira, movimentação, dotação e
preenchimento de cargos, serviço militar, higidez física, avaliação, valorização profissional e
moral; e a infraestrutura a qual engloba todos os elementos estruturais, tais como as instalações
físicas, os equipamentos e os serviços necessários, que dão suporte à utilização e ao preparo
dos elementos de emprego, de acordo com a especificidade de cada um e o atendimento a
requisitos de exercício funcional.
Neste contexto, quanto à doutrina8, a evolução da preparação dos militares do Exército
Brasileiro que utilizavam o material básico de treinamento denominado Core Pre-Deployment
Training Materials (CPTM), como referência no início da missão no Haiti, apresentou uma
evolução, a partir de 2012, com o material mais especializado, chamado Specialized training
Materials (STM)9, sendo amplamente utilizado na preparação das tropas do Exército no Centro
Conjunto de Operações de Paz no Brasil (CCOPAB). Ademais, cabe destacar a publicação do
manual EB70-MC-10.221 Cooperação Civil-Militar, em 2017, o qual possui relação direta com
a experiência das tropas do Exército no Haiti.
Com relação à organização e ao pessoal, a criação da seção de assuntos civis, que tem
como atribuição realizar a ligação com os demais atores civis, estatais ou não, nas operações
militares, no Estado- Maior de uma tropa, desde o nível unidade até o Grande Comando
Operacional, na função conhecida por G9, ocorreu ao longo do período da MINUSTAH e,
segundo o atual Comandante do CCOPAB10, esta foi a referência para a criação da citada seção
de Estado-Maior.
No que se refere ao adestramento, o Exército Brasileiro tem apresentado evoluções,
oriundas do incessante trabalho dos especialistas de CIMIC ou daqueles que trabalharam na
célula de assuntos civis na MINUSTAH. A partir do corrente ano haverá uma disciplina eletiva
aos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, berço da oficialidade do Exército, que
8 Confirmado em entrevista realizada com o Chefe da Divisão de Doutrina do CCOPAB, realizada em 14 de
agosto de 2018. 9 Disponível em:
http://repository.un.org/bitstream/handle/11176/89582/STM%20UNCIMIC.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em 14 de agosto de 2018. 10 Ratificada pelo Comandante do CCOPAB durante entrevista realizada em 14 de agosto de 2018.
14
será conduzida nas instalações do Centro Conjunto de Operações de Paz, com presença de
militares e civis11. Ademais, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais planeja para o próximo
ano um bloco de instruções de CIMIC, no contexto das Operações de Cooperação e
Coordenação com Agências. E, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército implementou
um bloco de operações de paz que incluiu o estudo das ações de CIMIC.
Com relação ao ensino, baseado na qualificação e especialização, o CCOPAB, desde o
ano de 2010, tem realizado o estágio de CIMIC, destinado à preparação específica de militares
que exercerão atividades relacionadas à Coordenação Civil-Militar do Contingente Brasileiro
da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, de oficiais de nações amigas que
irão participar de missões de paz e de integrantes de instituições civis parceiras, utilizando-se
de conceitos básicos do sistema ONU, bem como de uma doutrina própria do Centro, ajustada
ao longo dos anos de MINUSTAH12.
Em decorrência de eventos internacionais e em face da crescente mobilização dos
países-membros da ONU no sentido de criar estruturas que possibilitem a prática e a
disseminação dos procedimentos e normas vigentes nas missões de paz, o Exército Brasileiro,
o mais expressivo tributário no âmbito da Forças Armadas Brasileiras este tipo de missão, criou,
por meio de Portaria, em 2005, o Centro de Instrução de Operações de Paz. Como consequência
do compromisso internacional recentemente assumido relativo à Missão das Nações Unidas
para a Estabilização do Haiti, o Centro iniciou suas atividades com a incumbência de conduzir
o preparo da então Brigada Haiti. Após a sua criação, os contingentes, a partir do terceiro,
inclusive, passaram a preparar-se e a serem empregados sob a luz do Cap VII da Carta das
Nações Unidas, coerente com o mandato, produzindo significativas modificações no
comportamento das tropas no terreno. Em 15 de junho de 2010, a portaria nº 952-MD designou
o Centro de Instrução de Operações de Paz, do Exército Brasileiro, para a preparação de
militares e civis brasileiros e de nações amigas a serem enviados em missões de paz e alterou a
sua denominação, para Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil13.
Este Centro atualmente conduz o Estágio de Jornalismo e Assessoria de Imprensa em
áreas de conflito, destinado à preparação de profissionais da mídia para exercerem suas funções
em ambientes hostis, o Exercício Avançado de Operações de Paz, que conta com o apoio de
11 Informação confirmada pelo Assessor de Relações Institucionais do CCOPAB em entrevista realizada no dia 14 de agosto de 2018. 12 Disponível em: http://www.ccopab.eb.mil.br/pt/cursos-e-estagios/estagio-de-coordenacao-civil-militar-em-
operacoes-de-paz . Acesso em 14 de agosto de 2018. 13 Disponível em: http://www.ccopab.eb.mil.br/pt/sobre-o-ccopab . Acesso em 14 de agosto de 2018.
15
acadêmicos de diversos segmentos, os órgãos de utilidade pública e profissionais de imprensa
inseridos no contexto do exercício, e outros estágios para militares.14
Desta feita, nota-se que os fatores que caracterizam a geração de capacidades sofreram
evoluções no sentido de capacitar melhor os militares das Forças Armadas, em especial do
Exército Brasileiro, no que tange à interação civil militar visto que é notório a maior presença
de civis em atividades militares, bem como a sua participação em planejamentos militares,
desde a formação militar até os cursos de altos estudos, a partir da experiência da MINUSTAH.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no entendimento conceitual das operações militares em situação de não-
guerra, na qual se inclui a MINUSTAH como operação de paz sob a égide da ONU, nas teorias
de grandes pensadores das relações civil militar, e no surgimento da MINUSTAH e nas missões
atribuídas às tropas brasileiras ao longo dos treze anos de missão de paz, nota-se que a interação
entre os componentes civis e militares, em especial por meio das atividades de CIMIC,
apresentou ensinamentos colhidos que transformaram-se em lições aprendidas para o
desenvolvimento de capacidades no Exército Brasileiro, quer seja pela experiência dos
soldados, quer seja por estabelecimentos de ensino, como o CCOPAB.
No contexto da interação civil militar, as ações de CIMIC representam o verdadeiro
baluarte da relação entre estes dois atores. Como diziam Olson e Gregorian, esta coordenação
representa um esforço de civis e militares para harmonizar as operações, o que ficou
caracterizado ao longo das operações de paz, na MINUSTAH, a medida que se foi
intensificando as atividades de assistência humanitária e que se foi percebendo a evolução das
ações e capacidades das tropas do Exército Brasileiro em tratar com os diversos organismos
estatais e não estatais.
Aliado a esta percepção, esta evolução da interação exercida pelas tropas brasileiras na
MINUSTAH, reiterado por Franke (2006) que ressalta a coordenação interorganizacional,
representou um grande marco que influenciou na preparação dos militares que seguiram aos
contingentes anteriores, bem como com o aproveitamento das lições aprendidas na geração de
novas capacidades.
Neste contexto da geração de capacidades, as lições aprendidas na MINUSTAH
proporcionaram evoluções que corroboram com os conceitos de Egnell (2006) sobre a
capacidade militar, a qual combina fatores físicos, conceituais e morais, evidenciados pelas
14 Disponível em: http://www.ccopab.eb.mil.br/pt/cursos-e-estagios. Acesso em 15 de agosto de 2018.
16
transformações ocorridas no Exército até os dias atuais, como as capacidades evidenciadas
pelos fatores norteadores.
Por fim, esta análise não pretende esgotar o rastreamento da evolução do Exército
Brasileiro no que se refere a geração de capacidades oriunda da experiência na MINUSTAH,
porém apresenta uma sumária síntese de como o Exército evoluiu nos campos da doutrina,
organização, adestramento, ensino, pessoal e infraestrutura no que tange à interação civil
militar.
17
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