82
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO Itajaí (SC), novembro de 2008.

A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL

VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO

Itajaí (SC), novembro de 2008.

Page 2: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL

VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientadora: Professora MSc. Márcia Sarubbi Lippmann

Itajaí, 21 de novembro de 2008.

Page 3: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

AGRADECIMENTO

A todos que contribuíram

à realização deste trabalho,

do singelo ao mais diligente aporte.

Page 4: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

DEDICATÓRIA

Consagro este trabalho

a todos que possam se beneficiar

da pesquisa doravante desempenhada.

Page 5: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí, 21 de novembro de 2008.

VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO Graduando

Page 6: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Valdir José da Silva

Filho, sob o título A Internalização dos Tratados Internacionais no Direito

Interno do Brasil, foi submetida em 21 de novembro de 2008 à banca

examinadora composta pelas seguintes professoras: Márcia Sarubbi

Lippmann (Presidente), Queila Jaqueline Nunes Martins (Examinadora), e

aprovada com a nota ___ ( ).

Itajaí, 21 de novembro de 2008.

Professora MSc. Márcia Sarubbi Lippmann Orientadora e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

Page 7: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Carta Magna Constituição da República Federativa do Brasil CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916 CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CDI Comissão de Direito Internacional CIJ Corte Internacional de Justiça CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 DI Direito Internacional DIP Direito Internacional Público DIPr Direito Internacional Privado EC Emenda Constitucional LC Lei Complementar LICC Lei de Introdução ao Código Civil ONU Organização das Nações Unidas STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça

Page 8: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Direito Internacional

“É o direito que tem por objetivo a solução das questões de caráter

internacional, assim ditas por que nelas há interesse de pessoas (físicas ou

jurídicas) de países diferentes. Definem-no, assim, como o conjunto de

princípios e regras concernentes aos interesses superiores da sociedade

humana, na interdependência dos Estados. Pertence ao ramo do Direito,

dito de externo”.1

Direito Internacional Privado

O Direito Internacional Privado dedica-se à disciplina que estuda o conflito

de leis no espaço2, compreende-se pelo complexo de preceitos

reguladores das relações de ordem privada da sociedade internacional.3

Direito Internacional Público

Fundado nos tratados ou nos usos internacionais, ordena as relações entre

Estados e organizações internacionais.4

Ordenamento jurídico nacional

“É um conjunto de normas jurídicas que mantém relações particulares

entre si”.5

1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.472. 2 AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.5. 3 SILVA, op. cit., p.472. 4 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.3.

Page 9: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

Tratado Internacional

“Tratado significa um acordo internacional regido pelo Direito

Internacional e celebrado por escrito”.6

5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p.31. 6 Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de maio de 1986. Disponível em : http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm. Acesso: 06 de agosto de 2008.

Page 10: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................ XI

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 3

DO DIREITO INTERNACIONAL ................................................................................ 3 1.1 TERMINOLOGIA ............................................................................................... 3 1.2 HISTÓRIA .......................................................................................................... 4 1.2.1 ANTIGÜIDADE .................................................................................................... 4 1.2.2 IDADE MÉDIA .................................................................................................... 6 1.2.3 IDADE MODERNA ............................................................................................... 7 1.2.4 IDADE CONTEMPORÂNEA .................................................................................... 8 1.3 NATUREZA DA NORMA JURÍDICA INTERNACIONAL ...................................... 9 1.4 FUNDAMENTO ................................................................................................ 10 1.5 RELAÇÃO ENTRE O DI E O DIREITO INTERNO ............................................... 11 1.5.1 DUALISMO EXTREMADO E DUALISMO MODERADO ................................................. 11 1.5.2 MONISMO COM SUPREMACIA DO DI .................................................................. 12 1.5.3 MONISMO COM SUPREMACIA DO DIREITO INTERNO .............................................. 13 1.6 PERSONALIDADE INTERNACIONAL ............................................................... 13 1.6.1 ESTADOS ......................................................................................................... 14 1.6.2 RECONHECIMENTO DE ESTADO E DE GOVERNO ..................................................... 14 1.6.3 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ...................................................................... 16 1.7 FONTES ........................................................................................................... 16 1.7.1 TRATADOS ....................................................................................................... 17 1.7.2 COSTUME ........................................................................................................ 18 1.7.3 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO .......................................................................... 19 1.7.4 ATOS UNILATERAIS ............................................................................................ 20 1.7.5 DECISÕES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ................................................. 20 1.8 DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL ........................................................... 21

CAPÍTULO 2 .......................................................................................................... 23

DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ......................................... 23 2.1 CONCEITO ..................................................................................................... 23 2.2 TERMINOLOGIA ............................................................................................. 25 2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS ................................................................. 25 2.4 CONDIÇÕES DE VALIDADE DOS TRATADOS ................................................ 28 2.4.1 CAPACIDADE DAS PARTES CONTRATANTES ........................................................... 28 2.4.2 HABILITAÇÃO DOS AGENTES SIGNATÁRIOS ........................................................... 29 2.4.3 CONSENTIMENTO MÚTUO .................................................................................. 33 2.4.4 OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL ................................................................................. 34 2.5 EFEITOS DE TRATADO SOBRE TERCEIROS ESTADOS ...................................... 35

Page 11: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

2.6 RATIFICAÇÃO, ADESÃO E ACEITAÇÃO DE TRATADO ................................. 37 2.7 REGISTRO E PUBLICAÇÃO DE TRATADO ....................................................... 39 2.8 INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS .................................................................... 40 2.9 APLICAÇÃO DE TRATADOS SUCESSIVOS SOBRE A MESMA MATÉRIA ........ 42 2.10 NULIDADE, EXTINÇÃO E SUSPENSÃO DE APLICAÇÃO DE TRATADOS ...... 43 2.10.1 NULIDADE ..................................................................................................... 44 2.10.2 EXTINÇÃO E SUSPENSÃO DE APLICAÇÃO DE TRATADOS ........................................ 45

CAPÍTULO 3 .......................................................................................................... 47

A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL ............................................................................................. 47 3.1 RETROSPECTO DOS POSICIONAMENTOS ADOTADOS PELO BRASIL ........... 47 3.2 A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ............................. 52 3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO DO BRASIL ............................................... 57 3.3.1 OS TRATADOS INTERNACIONAIS SOB VISTA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL .................... 58 3.3.2 A HIERARQUIA DO TRATADO INTERNACIONAL NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL ..... 61 3.3.3 TRATADOS INTERNACIONAIS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA ............................................ 62 3.3.4 TRATADOS INTERNACIONAIS DE NATUREZA DE DIREITOS HUMANOS ............................ 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 66

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .................................................................... 68

Page 12: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

RESUMO

O direito internacional, através dos tratados

internacionais, cada vez mais influencia as decisões Estatais – seja no

âmbito interno ou externo. Cooperação mútua, busca pela uniformização

de regras de direitos ou deveres entre países com celebração de tratados

multilaterais. Acordos de um ramo de comércio exterior entre dois Estados

por meio de tratados bilaterais. Organizações internacionais, que num

passado não longínquo não eram capacitadas a celebrar tratados. Enfim,

são várias as formas que o direito internacional se manifesta em nosso dia-

a-dia. Ao passo que para ter força legislativa interna, e assim, o tratado

internacional fundamentar decisões no âmbito doméstico do país

signatário, há se de respeitar normas nacionais que positivam o modo pelo

qual o tratado internacional é internalizado no ordenamento jurídico

interno. É neste foco que o presente estudo tem como objetivo

investigatório elucidar, através de análise legislativa, jurisprudencial e

doutrinária, a internalização dos tratados internacionais no direito interno

do Brasil, começando pela origem do direito internacional, com

subseqüente análise dos tratados internacionais, para compreender-se de

maneira contextualizada como e por que é assim procedida a

internalização dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno

do Brasil.

O objetivo institucional é a obtenção do Título de

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

Page 13: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

INTRODUÇÃO

O presente estudo monográfico tem por objeto a

internalização dos tratados internacionais no ordenamento jurídico do

Brasil.

Objetiva-se contextualizar o tratado internacional na

legislação interna brasileira - da origem à positivação -, bem como

examinar sua força normativa perante a legislação interna.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, breve

abordagem sobre o Direito Internacional, sua origem, divisão, natureza

jurídica, fontes e características.

No Capítulo 2, estudar-se-á a principal fonte do direito

internacional: os tratados e as convenções internacionais, para angariar o

embasamento legal necessário ao estudo da internalização dos tratados

no ordenamento jurídico brasileiro no capítulo subseqüente.

No Capítulo 3, tratar-se-á efetivamente do processo de

internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno do

Brasil, isto é, após analisar o direito internacional, conhecer sua principal

fonte, o tratado internacional; este será introduzido ao ordenamento

jurídico nacional, isto é, estudar-se-á como é transposta a norma externa

no âmbito doméstico.

Encerrar-se-á a monografia com as Considerações

Finais, na qual serão apresentados os pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre

a internalização dos tratados internacionais na legislação interna brasileira.

Para a presente monografia foram levantadas as

seguintes hipóteses:

Page 14: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

2

� O Brasil adota a teoria monista para suas relações entre

direito internacional e direito interno.

� O tratado internacional passa a vigorar no plano interno a

partir da assinatura.

� O tratado internacional pode possuir tanto força de lei

ordinária quanto de lei complementar.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de

Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da

Pesquisa Bibliográfica.

Page 15: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

CAPÍTULO 1

DO DIREITO INTERNACIONAL

1.1 TERMINOLOGIA

O Direito Internacional, conjunto de princípios e regras

concernentes aos interesses superiores da sociedade humana, na

interdependência dos Estados1, já recebeu, ao longo de sua história,

diversas terminologias. A começar pelos romanos, que utilizavam a

expressão ius gentium (do latim “direito das gentes” ou “direito dos

povos”), por Isidoro de Sevilha e Samuel Pufendorf. O termo utilizado por

Francisco de Vitória era ius inter gentes (do latim “direito entre as gentes”

ou “entre os povos”).2

A expressão international law foi usada por Jeremy

Bentham, em sua obra "An Introduction to the Principles of Morals and

Legislation", que, quando lançada na França, a tradução que o francês

Étienne Dumont usou foi droit international, que por sua vez influenciou

diversas traduções subseqüentes, até mesmo a adotada no Brasil: “Direito

Internacional".3

O Direito Internacional divide-se em público e privado,

sendo que o Direito Internacional Privado dedica-se à disciplina que

estuda o conflito de leis no espaço4, já o Direito Internacional Público,

1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.472. 2 MONSERRAT FILHO, José. O que é direito internacional. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.18. 3 MONSERRAT FILHO, op. cit., p.18. 4 AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.5.

Page 16: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

4

muitas vezes sinônimo da terminologia “Direito Internacional”, ordena as

relações entre Estados5.

O presente estudo monográfico ater-se-á tão somente

ao Direito Internacional Público, notadamente por ser esta a divisão do

Direito Internacional que engloba o estudo dos Tratados Internacionais.

1.2 HISTÓRIA

Aos olhos da doutrina: “O direito internacional é tão

antigo quanto à civilização em geral: ele é uma conseqüência necessária

e inevitável de toda a civilização.”6

A citação em epígrafe norteia que o direito

internacional surge paralelo ao desenvolvimento das civilizações. Neste

sentido, à medida que na antiguidade, tribos e clãs de povos diferentes

começaram a se civilizar, tão logo surgiram às primeiras aparições do ius

inter gentes. De acordo como as civilizações ficavam mais complexas,

também suas relações externas tornaram-se, e o direito as acompanhou.

1.2.1 Antigüidade

O direito internacional não possui marco inicial

reconhecido por unanimidade pelos estudiosos deste ramo do direito. Há

quem se baseie no tratado mais antigo registrado: o celebrado entre

Lagash e Umma, cidades da Mesopotâmia, relativo à fronteira comum, ou

o tratado conhecido como o mais famoso da Antigüidade remota: o de

Kadesh, concluído entre Ramsés II do Egito e Hatusil III dos hititas no século

XIII a.C.7

5 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.3. 6 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.21. 7 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.55.

Page 17: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

5

O doutrinador Almicar de Castro8 preceitua que a

Roma Antiga, ao longo de quase toda a sua história, não se considerava

sujeita a um direito internacional distinto do seu direito interno, o que se

explica pelo predomínio da chamada Pax romana:

Em direito romano não se encontra indício desse ramo do

direito, conquanto a apreciação dos fatos anormais se

operasse por forma diversa da que era reservada aos fatos

formais. Os romanos, a princípio, só reconheciam como

positivo o seu ius civile. O direito romano era civil, no sentido

tradicional deste adjetivo: só se destinava a cidadãos

romanos.

O ius gentium, que alguns apontam como indício de

um direito internacional romano, era, na essência, um direito romano

aplicado a estrangeiros por um magistrado romano, o pretor peregrino.9

Segundo indica o estudioso He Moon Jo10, o direito

internacional surgiu na Europa, em suas palavras:

[...] a opinião que prevalece no estudo do DI é a de que

este surgiu na Europa, no período seguinte à Paz de

Vestfália (the Peace of Westphalia, 1648), que pôs fim à

Guerra dos Trinta Anos (Thirty Years War).

Não obstante o doutrinador José Dalmo11 assim reza:

Afirmaram os internacionalistas, durante três séculos, haver o

Direito das Gentes sido criado por Hugo Grócio, em 1625,

com a publicação do seu tratado “De Jure Belli ac Pacis”.

Brown Scott provou, muito depois, que essa paternidade

cabia ao Padre Franceiso Vitória e dataria de 1539: leitura

8 CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.107. 9 CASTRO, op. cit., p.107. 10 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.55. 11 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.27.

Page 18: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

6

da “Relectio de Potestate Civile”, proferida na Universidade

de Salamanca.

É notória a diversidade de correntes que empregam o

marco inicial do direito internacional a diversos fatos e pessoas, sendo

improvável filiar-se a uma corrente e desprezar a outra, mesmo porque

não é este o foco do presente estudo. Neste sentido, resta compreender

os motivos de cada doutrina.

1.2.2 Idade Média

Com a crescente expansão dos transportes marítimos,

a Idade Média presenciou o desenvolvimento da Igreja Católica, a qual

conseguiu este feito justamente pelo fato de ter o transporte marítimo se

maximizado, o que formou uma comunidade católica na Europa.12

A grande influência da igreja contribuiu para o

desenvolvimento do direito internacional. A arbitragem das relações

internacionais era feita pelo papa, e este poderia até mesmo autorizar um

Chefe de Estado a não cumprir um tratado, como indica o doutrinador

Joaquim da Silva Cunha13:

O poder era exercido pelo monarca e pelo papa numa

comunidade cristã, misturando-se, em perfeita

combinação, política e religião.

Alguns dos marcos mais importantes deste período

foram, dentre outros, o desenvolvimento de regras que disciplinam o

direito de paz e direito de guerra, o conceito de guerra justa e guerra

injusta, a limitação das atividades não-humanitárias na guerra, algumas

regras sobre tratados e arbitragem, regras de diplomacia como função de

diplomatas e sistema de consulado. Os principais contribuintes para estes

12 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.55. 13 CUNHA, Joaquim da Silva. Direito Internacional Público: Introdução e Fontes. 5.ed. Coimbra: Almedina, 1993. p.103.

Page 19: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

7

conceitos foram Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás de

Aquino.14

Dois pontos nascidos sob o foco das novas regras era

que os tratados medievais eram garantidos com a troca de reféns, e a

primeira missão diplomática de caráter permanente foi estabelecida por

Milão e Florença.

1.2.3 Idade Moderna

O eminente jurista He Moon Jo15 reza que foram vários

os acontecimentos que contribuíram para uma nova visão do direito

internacional:

Ao fim da Idade Média, a sociedade internacional

encontrava-se em meio a mudanças marcantes, como a

Renascença, a desintegração de religiões, a descoberta

dos novos continentes e a revolução industrial.

Os eventos acima citados motivaram a queda do

sistema medieval e a diminuição do poder do papa.

No período da Idade Moderna surgiu o direito

internacional tal como conhecemos hoje. Novas noções de Estado

nacional e soberania estatal, conceituadas pelo tratado Paz de Vestfália,

em 1648, que resultou em Estados reconhecendo seu próprio direito como

o maior na hierarquia, tornando-os soberanos, e, a Europa começara a

adotar uma organização política baseada na idéia de que a cada nação

corresponderia um Estado (Estado-nação).16

Neste sentido, o jurista Hildebrando Accioly afirma que:

14 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.56. 15 JO, op. cit., p.56. 16 Texto em inglês in (http://www.hillsdale.edu/dept/history/documents/war/17e/1648-westphalia.htm). Acesso em 06 de agosto de 2008.

Page 20: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

8

[...] a rigor, só se pode falar em direito internacional a partir

dos tratados de Vestfália ou da obra de Hugo Grocius.17

Uns dos principais teóricos do período moderno são

Francisco de Vitória e Hugo Grócio, este último que se baseava na teoria

do direito natural. Sua principal obra jurídica “Do direito da guerra e da

paz" teve grande importância no desenvolvimento da noção de Guerra

Justa. 18

1.2.4 Idade Contemporânea

O período da Idade Contemporânea foi inaugurado

pela Revolução Francesa, quando fora enfatizado o conceito de

nacionalidade. A influência do papa já houvera enfraquecido, visto que

seus poderes passaram a não serem mais conhecidos como divinos. Deu-

se início a um período de fortes reivindicações populares. O Congresso de

Viena em 1815 foi um importante impulso para o direito internacional, na

medida em que apontou na direção da internacionalização de grandes

rios, declarou a neutralidade perpétua da Suíça, pela primeira vez adotou

uma classificação para os agentes diplomáticos e proibiu o tráfico de

negros.19

Começava a surgir o DI moderno, a criação dos

primeiros organismos internacionais com vistas à regular assuntos

transnacionais, a proclamação da Doutrina Monroe e a primeira das

Convenções de Genebra, dentre inúmeras outras iniciativas.20

O século XX foi palco de grandes acontecimentos no

DI, agora moderno. Foram criados vários organismos internacionais, como

17 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.5. 18 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.56. 19 CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p.125. 20 JO, op. cit., p.57.

Page 21: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

9

a Sociedade das Nações, e posteriormente a Organização das Nações

Unidas, a codificação do DI com a Convenção de Viena sobre Direito dos

Tratados e a Convenção sobre Direito do Mar, a proliferação de tratados

nascidos na necessidade de acompanhar o intenso intercâmbio

internacional do mundo contemporâneo.21

1.3 NATUREZA DA NORMA JURÍDICA INTERNACIONAL

A fim de defender as atuações dos Estados nas

relações internacionais, insurge-se a teoria da soberania. De acordo com

esta teoria política (desenvolvida no século XVI por Jean Bodin [1530-1596]

e Thomas Hobbes [1588-1679]) foi ela quem sustentou a formação e a

manutenção do Estado Novo nos séculos XVI e XVII. O Estado é dotado de

soberania, e esta se manifesta de duas maneiras, segundo o âmbito de

aplicação: na vertente interna de aplicação da soberania, o Estado

encontra-se acima dos demais sujeitos de direito, constituindo-se na

autoridade máxima em seu território. Na vertente externa, por outro lado,

o Estado está em pé de igualdade com os demais Estados soberanos que

constituem a sociedade internacional. 22

Ambas vertentes, no âmbito de aplicação da

soberania do Estado, também acorrem quando da natureza da norma

jurídica, no sentido de que se de direito interno ou de direito internacional.

No direito interno, a norma emana do Estado ou é por este aprovada,

logo, o Estado impõe a ordem jurídica interna e garante a sanção em

caso de sua violação. Já no DI, diferentemente, os Estados são

juridicamente iguais, portanto não existe uma entidade central e superior

ao conjunto de Estados, com a prerrogativa de impor o cumprimento da

ordem jurídica internacional e de aplicar uma sanção por sua violação.

Neste caso são os próprios Estados que produzem, entre eles, a norma

21 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.14. 22 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.66.

Page 22: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

10

jurídica que lhes será aplicada (celebração de um tratado), o que

constitui uma relação de coordenação. 23

Discute-se a existência de hierarquia nas normas de

direito internacional, ou seja, se uma norma seria superior a outra. No

entanto a pesquisa apontou que a grande parte dos estudiosos entende

que inexiste hierarquia.

Os conceitos de ato ilícito e de sanção existem no DI,

mas sua aplicação difere-se do direito interno. Na ausência de uma

entidade supra-estatal, a responsabilidade internacional e a conseqüente

sanção contra um Estado dependem da ação coletiva dos demais

Estados vinculados a norma.

1.4 FUNDAMENTO

Existem várias correntes doutrinárias acerca do

fundamento do DI, ou seja, a origem da sua obrigatoriedade.

Segundo o doutrinador Accioly:

[...] para vários conceituados autores o estudo do

fundamento não faz parte do direito internacional

propriamente dito. Seja como for, ao DIP não interessam os

motivos reais, econômicos, políticos, sociológicos ou

históricos, mas apenas as razões jurídicas que explicam o

motivo de sua aceitação pelo homem.24

As referidas razões jurídicas mencionadas pelo autor

são explicadas por várias doutrinas, sendo que de todas conseguiu-se

extrair e dividir duas correntes: voluntaristas e positivistas. A primeira está

ligada ao direito positivo, sendo que a obrigatoriedade decorre da

23 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.66. 24 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.16.

Page 23: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

11

vontade dos próprios Estados. Já a segunda a obrigatoriedade é baseada

em razões objetivas, ou seja, acima da vontade dos Estados.25

O doutrinador Rezek defende a doutrina identificada

no consentimento, tradicionalmente expresso no princípio pacta sunt

servanda (em latim, os acordos devem ser cumpridos): um Estado é

obrigado no plano internacional apenas se tiver consentido em vincular-se

juridicamente. Neste sentido traduz-se que no âmbito de uma

organização internacional, por exemplo, os Estados estão obrigados a

aceitar uma decisão que lhes for contrária apenas se tiverem acordado

previamente esta forma decisória. 26

1.5 RELAÇÃO ENTRE O DI E O DIREITO INTERNO

A possibilidade de conflito entre o direito interno de um

Estado e o direito internacional, ou seja, qual das duas ordens jurídicas

deve prevalecer, é estudada pela doutrina em três teorias27:

� Dualismo extremado ou moderado: o DI e o direito interno são

completamente independentes e a validade da norma de um

não depende do outro;

� Monismo com supremacia do DI: a ordem jurídica é uma só,

mas as normas de direito interno devem ajustar-se ao DI; e

� Monismo com supremacia do direito interno: o inverso do

anterior.

1.5.1 Dualismo Extremado e Dualismo Moderado

Segundo a doutrina dualista:

25 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.16. 26 REZEK, José Franciso. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.3. 27 REZEK, op. cit., p.4.

Page 24: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

12

O direito internacional e o direito interno de cada Estado

são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal

modo que a validade jurídica de uma norma interna não se

condiciona à sua sintonia com a ordem internacional.28

Ou seja, a norma internacional deve primeiramente ser

transformada em norma de direito interno, pelo Estado, incorporando-a

ao seu ordenamento jurídico interno. Sendo que o dualismo extremado

exige para tanto edição de lei, enquanto o dualismo moderado exige

somente aprovação congressional e promulgação. Nesta doutrina não

existe a possibilidade de conflito entre DI e direito interno.

1.5.2 Monismo com Supremacia do DI

A segunda teoria, formulada por Kelsen, Verdross,

Duguit e outros29, assim como a terceira teoria, do monismo com

supremacia do direito interno, não reconhece a existência de duas ordens

jurídicas independentes:

[...] sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado

do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens

internas.

Afirmam existir apenas uma única ordem jurídica, na

qual o DI é considerado superior ao direito interno. Da mesma forma que a

teoria Dualista, não é possível o conflito entre o DI e o direito interno, pois

prevalece o DI.

28 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.4. 29 REZEK, op. cit., p.4.

Page 25: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

13

1.5.3 Monismo com Supremacia do Direito Interno

Com raízes no hegelianismo30, esta teoria entende que

o Estado é dotado de soberania absoluta e que, portanto, somente se

sujeita a um sistema jurídico que emane de si próprio:

[...] o direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja

ótica a adoção dos preceitos do direito internacional

aparece como uma faculdade discricionária.

O DI seria a continuação do direito interno, aplicado às

relações exteriores do Estado. Há possibilidade de conflitos entre a norma

interna e externa.

A teoria adotada no Brasil estudar-se-á no Capítulo 3

desta monografia.

1.6 PERSONALIDADE INTERNACIONAL

É sujeito de direito internacional público “[...] toda

entidade jurídica que goza de direitos e deveres internacionais e que

possua a capacidade de exercê-los”31: os Estados (aqui acrescenta-se a

Santa Sé e o Vaticano) e as organizações internacionais. A título de

separação de disciplinas, lembra-se que ao direito internacional privado é

que pertencem os demais sujeitos: pessoa jurídica de direito público

interno, de direito privado e a pessoa física. 32

Tradicionalmente acrescentam-se a Santa Sé e o

Vaticano como sujeitos do direito internacional público. Alguns estudiosos

afirmam que o indivíduo também seria modernamente um sujeito de DI,

30 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.4. 31 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.64. 32 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.56.

Page 26: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

14

ao argumento de que diversas normas internacionais criam direitos e

deveres para as pessoas naturais.33

1.6.1 Estados

Os Estados nacionais são os principais sujeitos de DI,

seja do ponto de vista histórico ou funcional, já que é por sua iniciativa

que surgem outros sujeitos de DI, como as organizações internacionais. Nas

palavras de Hee Moon Jo, “O estado é o participante mais ativo nas

relações legais internacionais”.34

São elementos indispensáveis à existência do Estado e,

em conseqüência, à sua personalidade internacional: população,

território, governo e capacidade para manter relações com os sujeitos do

direito internacional. Conjunta-se necessariamente a soberania, isto é, o

direito exclusivo do Estado de exercer a autoridade política suprema sobre

o seu território e sobre a sua população.35

1.6.2 Reconhecimento de Estado e de Governo

O reconhecimento de Estado é um ato unilateral,

expresso ou tácito, pelo qual um Estado constata a existência de outro

Estado na ordem internacional, dotado de soberania, de personalidade

jurídica internacional e dos demais elementos constitutivos do Estado. É

indispensável para que o novo Estado se relacione com seus pares na

comunidade internacional. 36

33 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.56. 34 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.191. 35 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.48. 36 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 8.ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1986. p.291.

Page 27: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

15

Em geral, o DI exige o cumprimento de três requisitos

para que um Estado seja reconhecido por outros37:

� Que seu governo seja independente, inclusive no que

respeita à condução da política externa;

� Que o governo controle efetivamente o seu território e

população e cumpra as suas obrigações internacionais; e

� Que possua um território delimitado.

Quanto à natureza jurídica do reconhecimento de

Estado, a doutrina estuda tratar-se de ato constitutivo (a personalidade

internacional do Estado surgiria a partir do reconhecimento) ou ato

apenas declaratório (o Estado já existia ao reconhecimento, logo apenas

constata-se sua existência). A prática e a grande parte dos juristas são

favoráveis à teoria declaratória.38

O reconhecimento de Estado é retroativo,

incondicional e irrevogável, mesmo em face do rompimento de relações

diplomáticas.39

Há o reconhecimento de governo quando um novo

governo assume o poder em um Estado contrariando suas prerrogativas

constitucionais. Assim os demais Estados declaram qual o governo do país

em questão, a fim de estabelecer relações diplomáticas.40

37 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.217. 38 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 8.ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1986. p.293. 39 MELLO, op. cit., p.294-295. 40 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.53.

Page 28: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

16

1.6.3 Organizações Internacionais

O eminente doutrinador Accioly cita em sua obra

Manual de Direito Internacional Público o conceito de Organização

Internacional de El-Irian:

[...] uma associação de Estados (ou de outras entidades

possuindo personalidade internacional), estabelecida por

meio de um tratado, possuindo uma constituição e órgãos

comuns e tendo uma personalidade legal distinta da dos

Estados-membros.41

Notadamente o número de organizações

internacionais vem crescendo à medida que aumentam os problemas

específicos e as preocupações dos Estados, a exemplo da UNESCO, que

passou também a tratar do tema meio ambiente.

1.7 FONTES

As fontes do DI são, segundo Accioly, “[...] os modos

formais de constatação do direito internacional”42. O doutrinador Ricardo

Gama complementa que as fontes do DI são os suportes que vão gerar as

normas internacionais e, por esse motivo, gozam de grande importância

neste cenário:

As fontes do Direito Internacional são ferramentas úteis na

elaboração dos tratados, na sua interpretação pelas partes,

pelos doutrinadores e pelos tribunais e, por fim, no

preenchimento das lacunas.43

41 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.191-192. 42 ACCIOLY, op cit. p.19. 43 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.36.

Page 29: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

17

Estuda-se as fontes do DI da forma estabelecida no

Estatuto da Corte de Haia, cujo artigo 38 relaciona as seguintes fontes e

meios auxiliares:

� Tratados;

� Costume; e

� Princípios gerais de direito.

Além das fontes supracitadas, o Estatuto aponta a

jurisprudência, a doutrina e a eqüidade como instrumentos de

interpretação e integração do DI. A eqüidade é bem explicada por

Accioly:

[...] a função da eqüidade pode ser a de adaptação ao

direito existente [...] ou a de afastar o direito positivo a

critério do juiz.44

Alguns doutrinadores acrescentam ao rol os atos

unilaterais e as decisões oriundas das organizações internacionais.

Ao contrário da nossa legislação, que no art. 4º da

LICC estabelece hierarquia entre as fontes do direito interno, no DI as

fontes não possuem hierarquia.45

1.7.1 Tratados

São tratados internacionais, segundo José Dalmo:

[...] acordos firmados por Pessoas Jurídicas de Direito

Internacional, que se obrigam, mediante documento

escrito, a calcar o seu modo de agir por determinadas

normas internacionais.46

44 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.20. 45 ACCIOLY, op. cit., p.20. 46 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.43.

Page 30: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

18

Rezek conceitua tratados da seguinte forma:

Tratado e todo acordo formal concluído entre pessoas

jurídicas de direito internacional público, e destinado a

produzir efeitos jurídicos.47

Sendo tratado o instrumento pelo qual os sujeitos de

direito internacional estipulam direitos e obrigações entre si, o tratado,

como fonte do direito internacional, serve para que o judiciário o aplique

ao caso concreto, valendo-se também das demais fontes do direito

internacional.

A Convenção de Viena de 1986, posterior Convenção

de Viena de 1969, regula o direito dos tratados internacionais, da forma

estudada no próximo capítulo desta monografia.

1.7.2 Costume

Partimos do princípio de que valer-se-á dos costumes

quando houver lacuna no tratado, ou quando se pretender criar um novo

tratado, se não vejamos:

A regra costumeira, ou simplesmente o costume, ocupa

espaços ainda não preenchidos pelos tratados e contribui

para a confecção destes.48

O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça

define o costume internacional como prova de uma prática geral aceita

como sendo o direito, isto é, a prática social reiterada e obrigatória. Em

geral são regras não escritas, surgidas através do uso continuado e aceito

tácito de todas as pessoas que as admitiram como norma de conduta.

47 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.14. 48 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.41.

Page 31: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

19

O costume, ao contrário do tratado, que só é

obrigatório às partes contratantes, considera-se como obrigatório a todos

os sujeitos de DI, e sua violação acarreta responsabilidade jurídica.

O costume termina quando deixa de ser praticado:

com um novo costume ou com um tratado que o positive.

1.7.3 Princípios Gerais de Direito

O art. 38 do Estatuto da CIJ dispõe ser fonte do Direito

Internacional os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações

civilizadas. A doutrina entende que o complemento “nações civilizadas” já

não mais é necessário, visto que todas as nações em tese são civilizadas.49

Segundo o doutrinador Hee Moon Jo50, são os

princípios gerais de direito fontes acessórias e auxiliares que completam as

lacunas do DI, nos limites do direito positivo, isto porque não tem, o juiz

internacional, a prerrogativa do magistrado interno, que não pode deixar

de julgar por falta de lei, quando logo se vale de outras fontes do direito

interno, enquanto o juiz internacional valer-se-á dos princípios gerais do

direito.

Quem identifica os referidos princípios são os tribunais

internacionais e nacionais, sendo a CIJ o órgão principal.51

A doutrina considera princípios gerais do direito, dentre

outros, o princípio da não-agressão; princípio da solução pacífica de

controvérsias; princípio da autodeterminação dos povos; princípio da

coexistência pacífica; princípio da continuidade do Estado; princípio da

boa fé; princípio da obrigação de reparar o dano; pacta sunt servanda;

49 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.41. 50 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.136. 51 JO, op. cit., p.138

Page 32: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

20

lex posterior derogat priori; nemo plus iuris transferre potest quam ipse

habet (ninguém pode transferir mais do que possui).52

1.7.4 Atos Unilaterais

Esta fonte do direito internacional (não assim

mencionada no Estatuto da CIJ, e igualmente não reconhecida como

fonte por alguns doutrinadores53), segundo a doutrina de Ricardo Gama,

não é reparadora de lacunas54. O autor complementa que os atos estatais

(ou de Organizações Internacionais) unilaterais são de conteúdo

internacional, gerando efeitos nessa esfera, mencionando inclusive o

exemplo da Groelândia Oriental, que a Corte Permanente de Justiça

Internacional tomou as declarações do embaixador norueguês constantes

de notas trocadas com o embaixador dinamarquês como ato gerador de

obrigações.

Rezek defende não haver aspecto normativo nos atos

unilaterais, entretanto reconhece que esses atos produzem conseqüências

jurídicas, como as do exemplo anterior.55

1.7.5 Decisões das Organizações Internacionais

As decisões das organizações internacionais também

não aparecem no rol de fontes do direito internacional concebido no art.

38 do Estatuto da Corte de Haia. O referido Estatuto foi criado em 1920,

isto é, no início da era das organizações internacionais.

O autor Rezek56 critica que do mesmo modo que os

atos unilaterais não estão presentes no Estatuto como fontes do direito

52 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.41. 53 REZEK, op. cit., p.42. 54 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.42. 55 REZEK, op. cit., p.42.

Page 33: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

21

internacional, as decisões das organizações internacionais também

merecem ser compreendidos como tal, visto que ambos acarretam frutos

de notória repercussão internacional:

Isto lembra de certo modo a crítica também oposta aos

atos unilaterais, que mesmo quando normativos e de notória

repercussão internacional, careceriam da qualidade de

fonte autônoma. Assim, o verdadeiro fundamento da

licitude do trânsito de um navio egípcio pelas águas do

Amazonas não seria a lei brasileira de franquia, mas um

possível princípio geral ou norma costumeira mandando a

todo Estado que honre suas promessas, ou proceda de

acordo com suas proclamações voltadas para o meio

exterior.

Neste sentido, segundo o autor, são as decisões das

organizações internacionais, assim como os atos unilaterais, sim, fontes do

direito internacional.

O doutrinador Ricardo Gama57 observa a título de

exemplo que em alguns casos, como nas matérias sanitárias, a

Organização Mundial de Saúde elabora a convenção e os seus membros

não precisam nem mesmo se manifestar sobre a adesão, bastando o

silêncio para que esta se dê. Obviamente que o membro que não aceitar

tal decisão pode protestar contra a mesma.

1.8 DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL

A doutrina de Rezek58 conceitua domínio público

internacional com sendo aqueles espaços cuja utilização interessa a mais

de um Estado, ou ainda a sociedade internacional como um todo, mesmo

estando o domínio sujeito a determinada soberania. 56 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.137 57 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.45. 58 REZEK, op. cit., p.299.

Page 34: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

22

São de domínio público internacional o mar e suas

subdivisões legais, os rios internacionais, o espaço aéreo e o espaço extra-

atmosférico.

Page 35: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

CAPÍTULO 2

DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

2.1 CONCEITO

Tratado, do latim tractatus, de tractare (discutir,

cumprir, trabalhar), lato sensu quer dizer estabelecer pontos em comum

sobre determinado assunto, discutidos por dois ou mais interessados, com

o cunho de serem cumpridos reciprocamente.65

Os tratados internacionais foram regulados, com

direção às Américas, pela Convenção de Havana sobre Direito dos

Tratados, de 1928. Mundialmente, uma das mais importantes fontes do

direito internacional é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

(a primeira assinada em 26 de maio de 1969, e que vigorou desde 27 de

janeiro de 1980, até a nova Convenção de Viena sobre o Direito de

Tratados, de 1986).

Bem conceitua tratado o eminente doutrinador Rezek:

Tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas

jurídicas de direito internacional público, e destinado a

produzir efeitos jurídicos.66

No mesmo sentido, assim reza Seitenfus quanto à

definição de tratados:

65 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.1429. 66 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.14.

Page 36: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

24

Acordos concluídos entre dois ou mais sujeitos de direito

internacional, os tratados destinam-se a produzir efeitos

jurídicos e são regidos pelo direito internacional.67

E assim o faz com fulcro no artigo 2º, 1, “a”, da

Convenção de Viena de 1969, que assim dispõe:

Para os fins da presente Convenção: "tratado" significa um

acordo internacional concluído por escrito entre Estados e

regido pelo Direito Internacional, quer conste de um

instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos

conexos, qualquer que seja sua denominação específica.

De acordo com a definição do referido artigo, pode-se

guardar duas premissas: não há tratado verbal; somente Estados podem

fazê-lo.

No entanto a segunda premissa, ora restrição, não

autorizava tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre as

próprias organizações. No entanto o dispositivo foi ampliado pela nova

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986, a qual passou

a atribuir capacidade às Organizações Internacionais, assim como aos

Estados, de celebrar tratados internacionais.

Seitenfus menciona que para Cachapuz de Medeiros:

[...] a capacidade de celebrar tratados das organizações

não tem a mesma amplitude. Com efeito, enquanto os

Estados estão aptos a celebrar tratados de toda índole, a

organização pode somente celebrar aqueles que se

mostram necessários à realização de sua missão.68

67 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.39. 68 STEINFUS, op. cit., p.39.

Page 37: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

25

Organizações Internacionais estas, não

necessariamente intergovernamentais. Tem-se o exemplo clássico da

doutrina à organização internacional Cruz Vermelha, que é uma entidade

internacional que não age sob interesse de nenhum país.

2.2 TERMINOLOGIA

Nossa Constituição refere-se à norma internacional

como tratados e convenções internacionais. Naturalmente leva-se a crer

tratar-se de institutos jurídicos distintos, mas na verdade é equívoco.

Acordo, ajuste, arranjo, ata, ato, carta, código,

compromisso, constituição, contrato, convenção, convênio, declaração,

estatuto, memorando, pacto, protocolo, regulamento... estas

nomenclaturas possuem o mesmo fim a que se denomina tratado. São

escolhidas de forma aleatória. A doutrina69 é unânime em dizer que não se

segue lógica na escolha da terminologia. O que se pode fazer é

esteticamente empregar certa denominação, por exemplo, usar o termo

constituição para tratado constitutivo de organização internacional. Há

uma única exceção: utiliza-se a denominação concordata para tratado

que tenha como parte a Santa Sé, ou seja, de cunho religioso.

2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS

Os doutrinadores Seitenfus70, Rezek71 e Celso Mello72

não possuem classificação padronizada, uniforme, acerca dos tratados

internacionais. Cada qual rotula ou discrimina de forma diferente, embora

com alguns pontos em comum. Unir-se-á as classificações divididas da

69 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.16. 70 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.40. 71 REZEK, op. cit., p.30. 72 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.215.

Page 38: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

26

mesma forma pelos doutrinadores, e as elencadas individualmente

comentar-se-á a posteriori.

Classifica-se tratado internacional, segundo a doutrina

majoritária73, da seguinte forma:

Quanto ao número de partes:

a) Bilateral: entre dois Estados, duas Organizações

Internacionais ou entre Estados e organizações;

b) Multilateral: três ou mais partes, que podem ocorrer

nas mesmas possibilidades do item “a”, mas em

número maior que dois.

Quanto ao procedimento adotado para sua

conclusão (consentimento):

a) Forma simples: expressão de consentimento única

na assinatura do tratado;

b) Forma solene: consentimento em duas fases.

Quando da assinatura e da ratificação.

Quanto à natureza jurídica do ato:

a) Tratados-contratos: regulam interesses recíprocos

dos Estados, podendo ser bilateral ou multilateral.

Ao exemplo de tratados comerciais;

b) Tratados-leis: geralmente celebrados entre muitos

Estados com o objetivo de fixar as normas de Direito

Internacional. A Convenção de Viena é um típico

tratado-lei;

73 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.30.

Page 39: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

27

c) Tratados-normativos: criados por uniões

internacionais administrativas, por exemplo, a

Organização Mundial de Saúde.

Seitenfus74 relembra que nada impede que um mesmo

tratado apresente mais de uma característica de natureza jurídica,

caracterizando os Tratados-mistos.

Rezek75 traz uma quarta classificação, no tocante à

execução do tratado, sendo duas hipóteses estudadas: execução no

tempo e execução no espaço.

À conta da execução no tempo, importa distinguir o

tratado que cria uma situação jurídica estática, objetiva e

definitiva, daquele que estabelece uma relação jurídica

obrigacional dinâmica, a vincular as partes por prazo certo

ou indefinido.

Seitenfus76 também doutrina esta matéria, porém

como forma de tratados-contratos. Ele denomina executados, os que

para Rezek são os estáticos, embora ambos traduzam o mesmo sentido.

Para o tratado que cria uma situação jurídica estática,

diz-se tratado de limites, no qual dois Estados acertam a linha divisória

entre seus territórios. Neste a matéria é disposta permanentemente.

Na segunda subespécie de execução no tempo, a da

relação jurídica obrigacional dinâmica, para Seitenfus77 executórios, os

atos são previstos de maneira que regularmente serão executados, e

proceder-se-á com àquela execução respectivamente prevista.

74 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.40. 75 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.30. 76 SEITENFUS, op. cit., p.40. 77 SEITENFUS, op. cit., p.40.

Page 40: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

28

A doutrina traz diversas outras denominações para

tratados com estas características, tais como tratados dispositivos, reais,

territoriais, executados e transitórios, este último devido à instantaneidade

da execução deste tipo de tratado, que em geral submete-se a simples

publicação da nova situação jurídica objetiva que as partes

estabeleceram.78

Execução no espaço diz respeito ao alcance espacial

do tratado. O artigo 29 da Convenção de Viena de 1986 assim proclama:

Aplicação territorial dos tratados. Um tratado entre um ou

vários Estados e uma ou várias organizações internacionais

será obrigatório para cada um dos Estados partes quanto à

totalidade do seu território, salvo se uma intenção diferente

resultar dele ou tenha sido estabelecido de outro modo.

Desta forma, presume-se ser o tratado válido em todo

território do Estado ou da organização internacional envolvida, salvo se o

próprio tratado versar sobre disposição diferente.

2.4 CONDIÇÕES DE VALIDADE DOS TRATADOS

Os tratados possuem condições para que possam

produzir efeitos: quanto à capacidade das partes contratantes,

habilitação dos agentes signatários, consentimento mútuo e finalmente

objeto lícito e possível.

2.4.1 Capacidade das Partes Contratantes

Como visto, a primeira Convenção de Viena, de 1969,

taxava apenas Estados como legitimados a assinar tratados. Não obstante

em 1986 a nova Convenção de Viena acrescentou a competência

também às organizações internacionais, estas governamentais ou não. 78 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.31.

Page 41: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

29

Os Estados dependentes ou os membros de uma

federação também podem concluir tratados internacionais, segundo o

expoente doutrinador Celso Mello, que assim dispõe:

O direito Interno (constituição) pode dar aos seus estados

federados este direito, como ocorre na Suíça, na Alemanha

Ocidental e na URSS. O governo federal no Brasil não será

responsável se um estado membro da federação concluir

um acordo sem que seja ouvido o Poder Executivo Federal

e nem seja aprovado pelo Senado.79

Assim, o doutrinador afirma ser possível a competência

também dos Estados dependentes e estados membros de uma

federação. No entanto há subordinação de órgão superior, nele buscar-

se-á disposição legal que permita ao membro da federação assinar

tratado de forma autônoma.

2.4.2 Habilitação dos Agentes Signatários

Habilitação dos agentes signatários significa a

legitimação dada a quem representa a parte contratante para poder

assinar tratados.

Celso Mello traduz que:

A habilitação dos agentes signatários de um tratado

internacional é feita pelos “plenos poderes”, que dão aos

negociadores o “poder de negociar e concluir” o tratado.80

Rezek81 classifica quem está habilitado a agir em nome

destas personalidades jurídicas à hora do procedimento negocial, ou seja,

quem possui “plenos poderes”, da seguinte forma:

79 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.215. 80 MELLO, op. cit., p.217.

Page 42: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

30

a) Chefes de Estado e de governo;

b) Plenipotenciários;

c) Delegações nacionais.

A primeira categoria, Chefes de Estado e de governo,

nas próprias palavras do doutrinador significa:

A voz externa do Estado é, por excelência, a voz de seu

chefe. Certo que a condução efetiva da política exterior

somente lhe incumbe, em regra, nas repúblicas

presidencialistas, onde – a exemplo do modelo monárquico

clássico – a chefia do Estado e a do governo se confundem

na autoridade de uma única pessoa. No que estritamente

concerne, porém, ao direito dos tratados, a

representatividade ilimitada do Chefe de Estado não sofre

desgaste à conta do regime parlamentarista, em que lhe

preserva de toda responsabilidade governativa – transferida

esta ao gabinete e a seu regente, o primeiro-ministro, titular

da chefia do governo. É correta a proverbial assertiva de

que os chefes de Estados parlamentares não governam. O

que lhes sobra, contudo, costuma ser exatamente a

encarnação da soberania estatal, e essa virtude

representativa, no que toca à celebração de tratados

internacionais, tem irrecusável importância.82

Neste sentido, o Estado será representado por seu

chefe, seja república presidencialista ou parlamentarista. Subentende-se

também que não há exigência para este chefe poder usar sua

autoridade, a exemplo de uma carta de plenos poderes, pois estes chefes

possuem originariamente plenos poderes.

81 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.34-35. 82 REZEK, op. cit., p.35.

Page 43: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

31

Vale lembrar que quanto à forma adotada para a

conclusão do tratado (1.3 Classificação dos tratados), na forma simples,

com a assinatura já passa a vincular o tratado, enquanto na forma solene

há duas fases, a assinatura e a ratificação. Isto quer dizer que, na forma

simples, como é necessária apenas a assinatura, o legitimado a assinar é

quem possui originariamente plenos poderes. Ou seja, o chefe de estado

ou de governo ao assinar o tratado, o autoriza instantaneamente a

vigorar. Já na forma solene, é necessária após a assinatura do chefe de

estado ou de governo, a ratificação por quem possui plenos poderes na

forma derivada.83

Possuem plenos poderes na forma derivada, os

pertencentes da classificação “b” de Rezek, os Plenipotenciários

(mandatários):

O Ministro de Estado responsável pelas relações

exteriores, em qualquer sistema de governo, possui esta legitimidade

derivada. 84

Este terceiro habilitado, da mesma forma que os

originários, não precisa de apresentação de carta de plenos poderes, pois

tal competência já lhe é inerente do cargo. Da mesma forma prescinde

de apresentação de carta de plenos poderes o chefe de missão

diplomática, mas apenas para a negociação de tratados bilaterais entre

o Estado acreditante e o Estado acreditado.85

Existem ainda os Plenipotenciários que necessitam de

carta de plenos poderes; diplomata ou servidor público de outra área. 86

83 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.34-35. 84 REZEK, op. cit., p.35. 85 REZEK, op. cit., p.36. 86 REZEK, op. cit., p.36.

Page 44: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

32

No tocante a plenos poderes nas organizações

internacionais, seus secretários-gerais e secretários-gerais adjuntos não

necessitam de tal qualificação. 87

A terceira classificação de Rezek trata das Delegações

Nacionais. Especificamente diz respeito aos auxiliares daquele que é

Chefe de Governo ou Estado, ou ainda do Plenipotenciário. Não possuem

plenos poderes, ou seja, sozinhos não representam o Estado.

Nas palavras de Rezek:

Antes de tudo, a delegação tem a ver com a fase negocial

da gênese dos tratados. Pluralizar a representação do

Estado é algo oneroso, que só em circunstância raras

encontraria justificativa à hora dos atos posteriores ao

esforço preparatório do texto convencional. Naquela fase,

contudo, a individualidade do plenipotenciário costuma

não bastar à completa e adequada colocação do grupo,

subordinado à sua chefia.88

Mesmo com a qualificação de delegados, apenas seu

superior, chefe ou plenipotenciário, possui plenos poderes.

Nas organizações internacionais, os ditos delegados

auxiliarão o secretário-geral.

Nota-se que o tratado concluído por pessoa não

habilitada não tem efeito legal:

Ainda quanto à habilitação dos agentes signatários, um

ato relativo à conclusão do tratado por pessoa não

87 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.36. 88 REZEK, op. cit., p.37.

Page 45: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

33

habilitada não tem efeito legal até que o Estado confirme

tal ato.89

2.4.3 Consentimento Mútuo

A natureza dos tratados pressupõe acordo de

vontades. Este acordo de vontades é válido desde que livre de vício.

Celso Mello assim diz:

O acordo de vontade entre as partes não deve sofrer

nenhum vício. O erro, o dolo e a coação viciam os

tratados.90

Neste sentido, o doutrinador91 delimita as possibilidades

de admissão de erro:

a) Só anula o tratado o erro que tenha atingido a

base essencial do consentimento para se submeter

ao tratado;

b) Se o erro é de redação, ele não atinge a validade

do tratado e deverá ser feita a sua correção;

c) O erro de fato é que constitui vício do

consentimento; o erro de direito deve ser afastado

como vício;

d) O Estado que tenha contribuído para o erro não

pode invocá-lo.

89 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.216. 90 MELLO, op. cit., p.218. 91 MELLO, op. cit., p.218.

Page 46: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

34

O dolo ocorre quando há emprego de manobras com

fim de induzir uma parte a concluir o tratado, espécie rara na história do

direito internacional público92. Assim exige-se:

a) Ter sido praticado por uma parte contratante;

b) Que o erro devido à fraude de outrem seja

escusável para a vítima e determinante do seu consentimento.

E finalmente a coação, que pode se manifestar de

duas maneiras93:

a) Contra a pessoa do representante do Estado ou

contra o próprio Estado, com a ameaça ou o emprego de força;

b) A corrupção do representante do Estado. (O Estado

representado pode invocar esta premissa para invalidar o seu

consentimento ao tratado).

A doutrina ainda ressalva que foram raríssimos os casos

de vícios de consentimento nos tratados.

2.4.4 Objeto Lícito e Possível

Os tratados podem apenas versar sobre objeto lícito e

possível.

Geraldo Eula Silva assim versa:

O consenso de vontades em DI só deve visar coisa

materialmente possível e permitida pelo direito e pela

moral. Na prática, oposição as duas hipóteses são raras.94

92 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.218. 93 MELLO, op. cit., p.218.

Page 47: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

35

E Celso Mello complementa:

É nulo o tratado que violar uma norma imperativa do DI

Geral. Estas normas são ainda muito poucas e um exemplo

deste tipo de normas é a Carta da ONU. A nulidade do

tratado ocorre mesmo quando a norma imperativa for

posterior a ele. [...] a citada convenção de Viena define a

norma imperativa de DI Geral como sendo “uma norma

aceita e reconhecida pela comunidade internacional de

Estados como um todo, como uma norma em que não é

permitida a derrogação e a qual somente pode ser

modificada por uma subseqüente norma do DI Geral tendo

o mesmo caráter”.95

Neste sentido, caso haja objeto ilícito ou que viole

norma imperativa do direito internacional, há impossibilidade de

execução do tratado.

2.5 EFEITOS DE TRATADO SOBRE TERCEIROS ESTADOS

O artigo 34 da Convenção de Viena diz que os

tratados só produzem efeitos entre as partes contratantes, se não vejamos:

Regra geral respeitante aos terceiros Estados e terceiras

organizações. Um tratado não cria nem obrigações nem

direitos para um terceiro Estado ou uma terceira

organização sem o consentimento desse Estado ou dessa

organização.

Entretanto existem duas exceções, abordadas na

doutrina de Geraldo Eula Silva, “a” e “b”, ipsis literis:

94 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.32. 95 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.217.

Page 48: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

36

a) Sem dúvida, um tratado não pode ser fonte de

obrigações para terceiros. Isso não impede, porém, que lhes

possa acarretar conseqüências nocivas. Nesta hipótese, o

Estado assim lesado tem o direito de protestar e de procurar

assegurar os seus direitos, bem como o de pedir reparações.

Se, entretanto, o tratado não viola direitos de Estado não-

contratante e é apenas prejudicial a seus interesses, ou

causa a esse Estado dano extralegal, ou antes dammum

sine injuria, o Estado lesado poderá reclamar

diplomaticamente contra o fato, mas contra o mesmo não

terá recurso jurídico.96

b) Por outro lado, nada impede que, de um tratado, possa,

resultar conseqüências favoráveis para Estados que dele

não participarem, ou que os contratantes, por

manifestação de vontade expressa, concedam direito ou

privilégio a terceiros. A bem dizer, esta é a única hipótese

de exceção ao princípio de que o tratado só produz efeitos

entre as partes contratantes.97

Celso Mello98 ressalva que existem certos tipos de

tratados que produzem efeitos em relação aos terceiros Estados, da

seguinte forma:

a) Tratados que criam situações reais objetivas:

exemplo os que versam sobre questões territoriais, como o Tratado de

Petrópolis de 1903, em que a Bolívia cedeu o Acre ao Brasil.

b) Tratados constitutivos ou semilegislativos: concluídos

por um grupo de Estados em nome do interesse da sociedade

internacional e que produzem efeitos em relação a terceiros. (ex.: Tratado

de Viena, de 20 de março de 1815, em que oito potências declaram a

96 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.32-33. 97 SILVA, op. cit., p.33. 98 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.222.

Page 49: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

37

Suíça neutra permanentemente e a que a própria Suíça só aderiu

posteriormente no mesmo ano).

As citações dos eminentes doutrinadores trazem

ressalvas quanto à produção de efeitos de tratados em relação a terceiros

de forma que um complementa o outro. Diante das hipóteses, conclui-se

que uma obrigação só poderá ser imposta com o consentimento do

terceiro envolvido. Caso um tratado conceder direito a parte não

envolvida, esta poderá se opor contra aquele, no entanto se exercer o

direito, devera respeitar a forma prevista no respectivo tratado.

Válida a reflexão:

[...] com a evolução da sociedade internacional através da

criação de organizações internacionais nos parece conduzir

a um ponto diametralmente oposto. É que, havendo uma

“indivisibilidade da paz”, não nos parece impossível que

uma pequena fração de Estados possa vir a destruí-la.99

Neste enfoque, não se veda a obrigação de Estado

terceiro em cumprir previsões de tratado do qual não seja parte, a

exemplo da ONU, que impõe obrigações a Estados terceiros, ou seja, não

signatários seus.

2.6 RATIFICAÇÃO, ADESÃO E ACEITAÇÃO DE TRATADO

Ratificação, adesão e aceitação de tratado são as

formas através das quais um Estado consente e se vincula ao tratado. Mais

especificamente, a Convenção de Viena, em seu artigo 11, assim delimita:

Manifestação do consentimento a estar vinculado por um

tratado. 1 O consentimento de um Estado a estar vinculado

por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, a troca

99 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.222.

Page 50: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

38

de instrumentos constitutivos de um tratado, a ratificação, a

aceitação, a aprovação ou adesão, ou por outro meio

convencionado. 2 O consentimento de uma organização

internacional a estar vinculada por um tratado pode

manifestar-se pela assinatura, a troca de instrumentos

constitutivos de um tratado, um ato de confirmação formal,

a aceitação, a aprovação ou a adesão, ou por outro meio

convencionado.

Ratificação é o ato administrativo mediante o qual o

Chefe de Estado confirma tratado firmado em seu nome ou em nome do

Estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente

signatário. A ratificação precede à aprovação pelo parlamento e deve

ser exigida no tratado, do contrário não é necessária. Nota-se que em

caso do tratado versar sobre matéria executiva, não há necessidade de

passar pelo legislativo.100

De praxe ratifica-se por meio de documento - carta de

ratificação -, assinada pelo chefe de Estado e referendada pelo Ministro

das Relações Exteriores101. Logo “troca-se o instrumento” para dar vigor ao

tratado, efetivando-se então a segunda hipótese prevista no artigo 11:

troca de instrumentos constitutivos.

Quanto à adesão e aceitação, são consideradas pela

doutrina102 como sinônimos. Refere-se a países que posteriormente à

confecção do tratado, desejam se vincular a ele.

Neste sentido:

100 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.34. 101 SILVA, op. cit., p.34. 102 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.85.

Page 51: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

39

O aderente é, em princípio, um Estado que não negociou

nem assinou o pacto – e que assim não pode ratificá-lo -,

mas que, tomado de interesse por ele, decide tornar-se

parte, havendo-se antes certificado da possibilidade do

ingresso por adesão.103

Logo ao aderente não é possível ratificar, pois este

instituto é próprio das partes que acordaram o tratado inicialmente. Aos

futuros interessados será denominada adesão ou aceitação a inclusão no

tratado, este que deverá prever esta possibilidade.

2.7 REGISTRO E PUBLICAÇÃO DE TRATADO

Com o registro e a conseqüente publicação do

tratado, este passa a ser exigível.

A Convenção de Viena adotou a regra prevista na

Carta das Nações Unidas, quanto ao registro e publicação de tratados. A

referida Carta diz que todo tratado ou acordo internacional concluído por

qualquer membro deverá, logo que possível, ser registrado no

Secretariado e por este publicado. Reza ainda que nenhuma parte do

tratado não registrado poderá invocá-lo perante qualquer órgão das

Nações Unidas.

A fim de adaptação, a Convenção de Viena ao

adotar a referida regra, modificou os seguintes pontos: a designação de

depositário constitui autorização para este praticar o registro (e com o

registro há publicação); ao invés de perante qualquer órgão das Nações

103 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.85.

Page 52: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

40

Unidas, utilizou-se qualquer organização que eventualmente assine

tratado.104

Ou seja, a fim de facilitar o registro dos tratados, a

Convenção de Viena optou por ampliar a previsão original da Carta das

Nações Unidas, autorizando depositário efetivar o registro no secretariado

da ONU, ou qualquer organização que eventualmente assine tratado, isto

porque também são obrigadas a registrar:

[...] Simone Dreyfus observa com razão que no plano

internacional não se pode falar em publicidade, mas em

“fazer conhecer o tratado”, que é realizado pelo registro.

Na verdade, o registro é a publicidade no DI.105

Por logo, se conclui que a publicidade é inerente ao

registro, é sua conseqüência.

2.8 INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS

É de notório saber jurídico a colocação de Rezek:

Interpretar o tratado internacional significa determinar o

exato sentido da norma jurídica expressa num texto

obscuro, impreciso, contraditório, incompleto ou

ambíguo.106

O referido ensinamento projeta-se positivado na

Convenção de Viena, que dispõe nos artigos 31 ao 33 sobre a

interpretação dos tratados: traz como regra geral que estes devem ser

interpretados de boa-fé.

104 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.38. 105 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.242. 106 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.90.

Page 53: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

41

Não obstante, interpreta-se:

[...] leva-se em consideração não só o texto, mas também o

preâmbulo e os anexos, bem como qualquer acordo feito

entre as partes por ocasião da conclusão do tratado ou

posteriormente quanto a sua interpretação.107

Os tratados devem ser interpretados sob o contexto

que foi criado, como um todo. Ademais poderá ocorrer conflito na

interpretação da língua que foi redigido o tratado, quando assim dever-

se-á proceder da seguinte forma, segundo Geraldo E. Silva:

Se num tratado bilateral redigido em duas línguas houver

discrepância entre os dois textos que fazem fé, cada parte

contratante é obrigada apenas pelo texto em sua própria

língua, salvo disposição expressa em contrário.108

Na prática se escolhe uma terceira língua para evitar

interpretação diversa. Em tratados multilaterais, nos quais diversas línguas

são usadas, a Convenção sobre o Direito dos Tratados adota norma

interpretativa, no entanto percebe-se que pode surgir discrepância, se as

línguas forem interpretadas com teor diferente uma das outras. 109

Cada país possui regras internas para atribuir

legitimidade interpretativa de tratados. No Brasil é assim distribuída à

competência, como reza Celso Mello:

O Decreto nº 92.890, de 7/7/86, estabelece, no art. 5º, que

“compete à consultoria Geral da República: ... II – fixar a

interpretação da Constituição; das leis, de tratados e atos

107 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.38. 108 SILVA, op. cit., p.39. 109 SILVA, op. cit., p.39.

Page 54: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

42

normativos..., a ser uniformemente seguida pelos órgão e

entes da Administração Federal”.110

No Capítulo 3 estudar-se-á de forma efetiva tal

procedimento.

2.9 APLICAÇÃO DE TRATADOS SUCESSIVOS SOBRE A MESMA MATÉRIA

Ocorrendo conflito de normas de tratados sobre a

mesma matéria, a doutrina de antemão avisa sobre a complexidade do

assunto sobre como se dirimir o conflito.

A CDI adotou o artigo 30 da Convenção de Viena

para a solução de conflitos de normas, que assim se dividem111:

a) Entre tratado bilateral com outro tratado bilateral:

boa-fé deve prevalecer;

b) Entre tratado bilateral com multilateral ou este último

com outro multilateral: regra geral, lei anterior. Lei posterior para casos

restritos, exemplo parágrafo terceiro da Convenção de Viena: o tratado

anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam

compatíveis com as do tratado posterior.

No entanto dois casos prevalecerão indubitavelmente,

já sedimentados pela doutrina112:

a) A Carta das Nações Unidas assim dispõe em seu

artigo 103:

110 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.257. 111 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.40. 112 SILVA, op. cit., p.40.

Page 55: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

43

No caso de conflito entre as obrigações dos membros das

Nações Unidas em virtude da presente Carta e as

obrigações resultantes de qualquer outro acordo

internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em

virtude da presente carta.

Portanto os membros das Nações Unidas estão

vinculados às obrigações assumidas na Carta das Nações Unidas, e estas

prevalecerão em seus conflitos.

b) De acordo com a Convenção de Viena, em seu

artigo 53, é nulo o tratado que conflite com normas imperativas de DI

geral.

Neste caso é nulo o tratado que conflitar com normas

imperativas do Direto Internacional.

De qualquer forma, “[...] a interpretação judiciosa e de

boa-fé é possível na maioria dos casos”113, ou seja, dificilmente ter-se-á

conflito de normas de tratados de difícil solução. Em ocorrendo, a primeira

interpretação é a boa-fé. A intenção comum dos pactuantes prevalece.

Excetuam-se os tratados que conflitem com normas superiores como as da

Carta das Nações Unidas e imperativas do Direito Internacional geral,

quando logo prevalecerão estas últimas.114

2.10 NULIDADE, EXTINÇÃO E SUSPENSÃO DE APLICAÇÃO DE TRATADOS

A priori, é preciso destacar uma circunstância para se

analisar as formas de nulidade, extinção e suspensão de aplicação de

tratados:

113 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.41. 114 SILVA, op. cit., p.41.

Page 56: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

44

[...] na vida internacional os Estados se cercam de muito

maiores cuidados do que os indivíduos na vida civil, o que

faz com que esta teoria perca muito do seu valor.115

A convenção de Viena trata desta matéria nos artigos

42 ao 72.

2.10.1 Nulidade

Parte-se da premissa de que os sujeitos internacionais

tendem a tomar efetivamente todas as precauções para evitar nulidades.

[...] as partes contratantes, na ordem externa, costumam

operar com grandes precauções, com perfeito

conhecimento de causa.116

Neste sentido, a nulidade ocorre, segundo a doutrina:

[...] em virtude de erro, dolo, corrupção do representante

do Estado, coerção exercida sobre o referido representante

e coerção decorrente de ameaça ou emprego de força,

além da adoção de tratado com desconhecimento do ius

cogens.117

O erro de fato pode ocorrer, por exemplo, em caso de

fronteira; o dolo está habitualmente excluído devido ao desuso; coação,

do artigo 51 da Convenção de Viena, é também causa de nulidade,

embora difícil de prová-la (p. ex. Hitler ao alegar coação quando da

assinatura do Tratado de Versalhes, que pôs fim à primeira guerra

mundial); ameaça ou emprego de força em violação dos princípios de

Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas: nulidade;

por fim o tratado com desconhecimento do ius cogens (direito cuja

115 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.265. 116 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.41. 117 SILVA, op. cit., p.41.

Page 57: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

45

aplicação é obrigatória pela parte e não pode ser afastado pela vontade

de particularidades), o qual Geraldo E. Silva diz ter limites hoje ainda não

esclarecidos. 118

2.10.2 Extinção e Suspensão de Aplicação de Tratados

À luz da Convenção de Viena, um tratado extinto ou

suspenso não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação jurídica

das partes, criada pela execução do tratado, antes de sua extinção (art.

70).

Seitenfus119 traz as várias razões que podem conduzir à

extinção e suspensão do tratado:

• A previsão expressa em seu próprio texto;

• O consentimento das partes;

• A redução do número de partes num tratado

multilateral, aquém do quorum exigido para sua

entrada em vigor;

• A conclusão de um tratado posterior;

• A violação de cláusulas substantivas;

• A impossibilidade superveniente de cumpri-lo,

devido ao surgimento de uma mudança

fundamental de circunstancias, independente

da vontade das partes;

118 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.41. 119 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.55.

Page 58: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

46

• A ruptura de relações diplomáticas ou

consulares, a tornar impossível o cumprimento de

parte ou da totalidade do tratado;

• O surgimento de uma regra costumeira posterior

à conclusão do tratado;

• A superveniência de uma norma imperativa de

direito internacional geral.

É o consentimento expresso (denúncia ou retirada) das

partes a mais correta forma de suspensão ou extinção do tratado. Em

caso de tratado multilateral, a retirada apenas da parte autora não

impede a permanência das demais partes.

Page 59: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

47

CAPÍTULO 3

A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL

No Capítulo 1 foi estudado o desenvolver histórico do

Direito Internacional, suas subdivisões e abrangências. Foram

apresentadas de forma sucinta todas as suas fontes e, no Capítulo 2, de

forma detalhada a mais importante delas: o Tratado Internacional.

Procedeu-se a análise de suas formas e condições. A partir de agora

passa-se a abordar o modo pelo qual o Tratado Internacional é inserido na

legislação interna brasileira.

Principia-se pela contextualização histórica acerca

de como este procedimento era efetivado, chegando, num segundo

momento, ao modo pelo qual é hoje procedido.

3.1 RETROSPECTO DOS POSICIONAMENTOS ADOTADOS PELO BRASIL

Como visto no Capítulo 1, há diversas teorias que

discutem, forma antagônica, a relação entre direito internacional e direito

interno do Estado (monismo e dualismo com suas respectivas subdivisões).

Pode-se afirmar, por meio de uma análise

jurisprudencial, como a seguir expor-se-á, que o Brasil já seguiu a teoria do

monismo com supremacia de direito internacional, ou seja, quando a

ordem jurídica é uma só, e as normas de direito interno devem se ajustar

ao direito internacional. Sob este prisma há comentário doutrinário sobre a

jurisprudência da época:

No Brasil existem diversos acórdãos consagrando o primado

do DI, como é o caso da União Federal e Cia. Rádio

Page 60: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

48

Internacional do Brasil (1951), em que o Supremo Tribunal

Federal decidiu unanimamente que um tratado revogava

as leis anteriores (Apelação Cível n.° 9.587). Coelho

Rodrigues assinala a existência de um acórdão do STF

(1914), no pedido de extradição n.° 7, de 1913, em que se

declarava estar em vigor e aplicável um tratado, apesar de

haver uma lei posterior contrária a ele. É a tese do primado

do DI. No mesmo sentido deste último, de que um tratado

não é revogado por uma lei interna posterior, está o

acórdão do STF na Apelação Cível n.° 7.872, de 1943, com

base no voto de Filadelfo de Azevedo.120

Notadamente a legislação brasileira pertinente a

matérias acordadas em tratados internacionais sofreram, nas décadas

explícitas na citação em epígrafe, adaptações por conta dos respectivos

tratados. O que de imediato se conclui é que naquela época a teoria

monista com supremacia de direito internacional era a que pairava sobre

os tribunais brasileiros.

Faz-se mister acrescentar que quando a matéria do

tratado internacional expõe matéria tributária e direitos humanos, a

doutrina aponta que a referida teoria monista com supremacia de direito

internacional continua viger, mas tratar-se-á das exceções no item 3.3

deste Capítulo.

Com a evolução legislativa e jurisprudencial,

caminhou-se para outra teoria, a dualista moderada, isto é, não há

exigência de edição de lei para que o tratado componha o direito

interno, bastando à ratificação do Congresso Nacional e a promulgação

executiva do tratado, como nota-se no didático acórdão abaixo:

[...] o brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito

de incorporação do ato internacional ao direito interno

(visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de

120 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.118.

Page 61: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

49

executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com

a adoção de iter procedimental que compreende a

aprovação congressional e a promulgação executiva do

texto convencional (visão dualista moderada). Uma coisa,

porém, é absolutamente inquestionável sob o nosso modelo

constitucional: a ratificação – que se qualifica como típico

ato de direito internacional público – não basta, por si só,

para promover a automática incorporação do tratado ao

sistema de direito positivo interno. É que, para esse

específico efeito, expõe a coalescência das vontades

autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da

República, cujas deliberações individuais – embora

necessárias – não se revelam suficientes para, isoladamente,

gerarem a integração do texto convencional à ordem

interna, tal como adverte JOSÉ FRANCISCO REZEK (“Direito

Internacional Público, p. 69, item n. 34, 5ª ed., 1995,

Saraiva”).121

O referido inter procedimental descrito no acórdão

supra está positivado na Carta Maior, em seu artigo 84, inciso VIII, que

atribui competência privativa ao Presidente da República (eventualmente

pode delegar essa função ao Ministro das Relações Internacionais) para

celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo

do Congresso Nacional. E este último que é competente exclusivo para

resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais

que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio

nacional (art. 49, I, CRFB/88).122 Nestes termos conclui-se que a teoria

adotada pelo legislador constituinte foi efetivamente a teoria dualista

moderada, justamente pela independência das normas e a necessária

aprovação e promulgação da norma internacional para integrar o

sistema jurídico interno do país.

121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3-DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001. 122 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008.

Page 62: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

50

Nesse diapasão chega-se a uma conclusão clara: é a

constituição do Estado, e não a doutrina, quem determina a inserção de

norma internacional no emaranhado legislativo do Estado, isto é, qual

procedimento lhe é atribuído. Por conseguinte, a discussão acerca de

qual a teoria o Estado adota, é meramente doutrinária, como se verá nas

próximas páginas.

A história constitucional do Brasil comprova que outrora

já se adotou inter procedimental com formalidade diversa da atual, como

ver-se-á num breve histórico acerca destas alterações:

A Carta Política do Império, de 25 de março de 1824,

dava competência para celebrar tratados ao Imperador, sem a

necessidade de qualquer aprovação pelo Poder Legislativo. A exceção

era se o tratado fosse concluído em tempo de paz e sua matéria fosse

cessão ou troca de território do Império ou de Possessões. Nesses havia

necessidade de aprovação pela Assembléia Geral.123

Seguidamente a Constituição da República de 24 de

fevereiro de 1891 estabeleceu competência privativa para celebrar

tratados internacionais ao Presidente da República, e posterior referendo

do Congresso Nacional.124

A Constituição Republicana de 16 de julho de 1934, em

relação à de 1891, apenas mudou a nomenclatura privativamente para

123 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 124 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008.

Page 63: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

51

exclusiva, no tocante a competência do Congresso Nacional para

resolver definitivamente sobre os tratados internacionais.125

A próxima constituição, a Constituição dos Estados

Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937, estabeleceu que a discussão

e a votação dos projetos de lei sobre normas internacionais teriam início

no Conselho Federal.126

Já a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de

setembro de 1946 retornou a competência estabelecida na constituição

de 1934.127

A constituição da República Federativa do Brasil de 24

de janeiro de 1967 mudou a redação, mas manteve o mesmo senso a

respeito da aprovação das normas internacionais advindo da

Constituição de 1934: competência exclusiva do Congresso Nacional para

resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da

República, sendo deste a competência privativa para celebrar tratados,

convenções e atos internacionais.128

No entanto devido à divergência doutrinária acerca

da competência do Congresso Nacional, na letra da lei, apenas para

referendo de tratados internacionais, editou-se Emenda Constitucional em

30 de outubro de 1969, que mudou a redação para competência

125 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 126 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 127 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 128 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (de 24 de janeiro de 1967). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008.

Page 64: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

52

exclusiva para resolver definitivamente sobre os tratados, convenções e

atos internacionais celebrados pelo Presidente da República.129

Pode-se observar que embora a história constitucional

do Brasil apresente um número razoável de constituições, não ocorreram

grandes mudanças em relação ao sistema atual já estudado, no tocante

ao inter procedimental.

3.2 A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

No Capítulo 2 desta monografia foi verificado que a

adesão, a ratificação e a aceitação são formas de consentimento ao

tratado, ou seja, quando a parte adere, ratifica ou aceita, se torna

signatária do tratado.

Ocorre que só o consentimento não é suficiente para

que o tratado passe a integrar o ordenamento jurídico ao qual pertence à

parte assinante.

É este o momento culminante da presente monografia:

estudar de que forma o tratado, depois de assinado, passa a integrar a

legislação interna do Brasil.

Estudo-se que a nossa Constituição adota a teoria

dualista moderada: exige assinatura do Chefe de Estado, seguido de

referendo do Congresso Nacional e posterior ratificação formalizada pelo

Presidente da República.

Inicialmente, recorda-se que a letra constitucional

exige o referendo do Congresso Nacional como condição para que o

Presidente da República possa promulgar o decreto. Ocorre que a

exigência fica taxativamente exigida quando os tratados, acordos ou atos 129 BRASIL. Emenda Constitucional N° 1 (de 17 de outubro de 1969). Disponível em: https://200.181.15.9/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008.

Page 65: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

53

internacionais acarretem encargos ou compromissos gravosos ao

patrimônio nacional (art. 49, I, CRFB/88). O doutrinador João Grandino

Rodas explica que tais tratados não sujeitos ao referendo do Congresso

Nacional, ou seja, aqueles que não acarretem encargos ou compromissos

gravosos ao patrimônio nacional são denominados de acordos executivos

ou tratados em forma simplificada.130 Segundo o autor, há cinco exemplos

de acordos executivos ou tratados em forma simplificada:

I – os acordos sobre assuntos de competência privativa do

executivo;

II – os concluídos por agentes ou funcionários competentes

para tanto, sobre assuntos de importância restrita ou

interesse local;

III – os que unicamente, interpretam cláusulas ou tratados já

vigentes;

IV – os decorrentes e complementares de tratado vigente;

e,

V – os de ‘modos vivendi’, na medida que deixem as coisas

no estado em que se encontram ou estabeleçam bases

para futuras negociações.131

De forma que nos casos acima, o referendo do

Congresso Nacional não é, segundo a doutrina, exigido. Por conseguinte,

o Presidente da República pode por si só promulgar o tratado

internacional que contenha assunto privativo ao seu cargo, além dos

demais casos acima arrolados. Hildebrando Accioly132 também entende

130 RODAS, João Grandino. Tratados Internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p.30. 131 RODAS, op. cit., p.30. 132 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.5.

Page 66: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

54

possível tais acordos executivos, da mesma forma que o doutrinador Hee

Moon Jo.133

Volta-se ao referendo do Congresso Nacional. Bem

denota Rezek:

A remessa de todo tratado ao Congresso Nacional para

que o examine e, se assim julgar conveniente, aprove [...] a

matéria é discutida e votada, separadamente, primeiro na

Câmara, depois no Senado. A aprovação do Congresso

implica, nesse contexto, a aprovação de uma e outra das

suas duas casas. Isto vale dizer que a eventual

desaprovação no âmbito da Câmara dos Deputados põe

termo ao processo, não havendo por que levar a questão

ao Senado em tais circunstâncias.134

Neste sentido, o referendo do Congresso Nacional é

determinado pela votação das duas casas – Câmara e Senado – sendo

que a desaprovação naquela por conseqüência obsta o processo sem

precisar passar pelo crivo desta.

A ratificação pelo Presidente da República, após

aprovação do tratado no referendo do Congresso Nacional, não é

obrigatória. Pode ele decidir por não ratificar. Da mesma forma que se o

Congresso não expedir decreto legislativo, o Chefe do Executivo estará

impedido de ratificar o tratado.135

Bem lembra a doutrina:

No Brasil, todos os tratados aprovados pelo Congresso

Nacional são promulgados por decreto presidencial no

Diário Oficial da União. Os acordos executivos também

133 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.71. 134 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.65. 135 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.57.

Page 67: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

55

devem ser publicados no Diário Oficial da União,

devidamente autorizados pelo ministro das Relações

Exteriores.136

A ratificação do Presidente da República se exterioriza

através da expedição de decreto. Por sua vez, o decreto possui três

efeitos fundamentais: a promulgação; a publicação oficial de seu texto; e

a executoriedade, conforme o acórdão do STF:

É na Constituição da República – e não na controvérsia

doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se

deve buscar a solução normativa para a questão da

incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito

positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição

Federal permite constatar que a execução dos tratados

internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna

decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato

subjetivamente complexo, resultante da conjugação de

duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que

resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre

tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a

do Presidente da República, que, além de poder celebrar

esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também

dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da

competência para promulgá-los mediante decreto. O iter

procedimental de incorporação dos tratados internacionais

– superadas as fases prévias da celebração da convenção

internacional, de sua aprovação congressional e da

ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a

expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de

cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são

inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a

publicação oficial de seu texto; (c) a executoriedade do

ato internacional, que passa, então, e somente então, a

136 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.171.

Page 68: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

56

vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Precedentes.137

São exatamente os três efeitos do decreto que fazem

com que o texto do tratado internacional passe a integrar a legislação

interna brasileira:

O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significa que

o compromisso foi aprovado pelo Congresso Nacional.

Incumbe formalizar essa decisão por parlamento, e sua

forma, no Brasil contemporâneo, é a de um decreto

legislativo, promulgado pelo presidente do Senado, que o

faz publicar no Diário Oficial da União.138

O decreto legislativo é a decisão do Congresso

Nacional sobre a aprovação da norma internacional, instrumento pelo

qual o Presidente da República pode ou não expedir decreto

presidencial.

Se o Presidente da República expedir o decreto,

concluir-se-ão seus efeitos: expedição do decreto (promulgação),

publicação no Diário Oficial da União (introdução na ordem legal),

adquirirá executoriedade.

Para assegurar o referido entendimento:

No Brasil se promulgam por decreto do presidente da

República todos os tratados que tenham feito objeto de

aprovação congressional antes da ratificação ou adesão.

Publicam-se apenas, no Diário Oficial da União, os que

137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) N.° 1.480-3 – DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001. 138 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.65.

Page 69: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

57

hajam prescindido do assentimento parlamentar e da

intervenção confirmatória do chefe de Estado.139

Ainda quanto à publicidade enfatiza Celso Mello, in

verbis, “[...] trata-se de condição essencial para o tratado ser aplicado no

âmbito interno”.140

Não há dispositivo constitucional determinando que o

instrumento próprio para o Presidente da República promulgar tratados

internacionais seja o Decreto. Nota-se, no entanto, que desde 1826 é assim

procedido. Desde a promulgação realizada pelo Imperador, por decreto,

do Tratado de Paz e Amizade entre Brasil e Portugal.141

3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO

ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO DO BRASIL

Como resta estudada a forma pela qual o tratado

internacional ingressa no ordenamento jurídico interno brasileiro, necessita-

se agora compreender sua força legislativa.

Antes de o tratado internacional passar pelo crivo do

poder legislativo e do poder executivo, ainda no âmbito internacional, sua

natureza jurídica era contratual, isto é, tinha caráter negocial, ou seja, lhe

era inerente o princípio da autonomia da vontade e do pacta sunt

servanda, pois os sujeitos internacionais podiam decidir sobre seu

conteúdo, sua forma, se o assinariam ou não.142

139 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.79. 140 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.229. 141 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.61. 142 LIMA. Sérgio Mourão Corrêa. Tratados Internacionais no Brasil e Integração. São Paulo: LTr, 1998. p.19.

Page 70: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

58

Por via de conseqüência, com o ingresso do tratado no

ordenamento jurídico interno, através de decreto presidencial, sua

natureza jurídica contratual já não lhe natura. Isto ocorre porque aos

nacionais não é assegurado o direito de transigir sobre o tratado, há sim

compulsoriedade a todos aqueles sujeitos à jurisdição interna, que agora o

tratado integra.

Passa-se para a próxima etapa: estudar se todos os

tratados têm o mesmo tratamento jurídico no tocante a sua localização

na pirâmide jurisdicional brasileira, saber qual a hierarquia do tratado junto

às demais leis que compõem a legislação interna, bem como conhecer às

exceções.

Parte-se das assertivas de que não há na legislação

brasileira dispositivo que atribua ao tratado sua força jurídica, e, no rol das

espécies legislativas da CRFB/88, do artigo 59, não consta tratados.

Por via de conseqüência, na ausência de dispositivo

legal, o presente estudo pautar-se-á na analogia, doutrina e

jurisprudência.

3.3.1 Os tratados internacionais sob vista da Constituição Federal

Os tratados, ao serem confeccionados pelas partes,

não sofrem controle de constitucionalidade, de forma a ajustá-los aos

moldes constitucionais de cada Estado contratante. Tal controle deve ser

efetuado quando da internalização do tratado no ordenamento jurídico

interno do Estado parte, assim como quando há edição de uma lei.

A Constituição, como se sabe, é a mais suprema das

normas internas, e está no topo da nossa pirâmide jurídico-normativa.

Conseqüentemente, os tratados, assim como as demais leis

infraconstitucionais, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade,

como confirma a doutrina de Rezek:

Page 71: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

59

[...] posto o primado da constituição em confronto com a

norma pacta Sunt servanda, é corrente que se preserve a

autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto

signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo,

deve aquele responder. Abstraída a constituição do Estado,

sobrevive o problema da concorrência entre tratados e leis

internas de estrutura infraconstitucional. A solução, em

países diversos, consiste em garantir prevalência aos

tratados. Noutros, entre os quais o Brasil contemporâneo,

garante-se-lhes apenas um tratamento paritário, tomadas

como paradigma as leis nacionais e diplomas de grau

equivalente.143

O entendimento tem amparo jurisprudencial no

Supremo Tribunal Federal:

SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS

INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. No

sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções

internacionais estão hierarquicamente subordinados à

autoridade normativa da Constituição da República. Em

conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados

internacionais, que, incorporados ao sistema de direito

positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o

texto da Carta Política.144

Ou seja, além de o tratado se sujeitar ao controle da

Constituição, pois não pode violar dispositivo da Carta Maior, lhe é

garantido tratamento paritário ao das leis nacionais e diplomas de grau

equivalente, como estudar-se-á no item 3.3.2, no qual há abordagem

sobre a posição hierárquica do tratado internacional frente à legislação

brasileira.

143 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.97. 144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3 DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001.

Page 72: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

60

O referido controle de constitucionalidade é de

competência do Supremo Tribunal Federal, e está previsto no art. 102, I

“a”, da CRFB/88: “[...] efetuar a verificação em abstrato da

constitucionalidade de atos internacionais”.145

A doutrina estuda a possibilidade de tratados

internacionais disporem sobre matéria reservada a lei complementar.

Nas palavras de De Plácido e Silva, é lei

complementar:

Espécie de lei ordinária, tendo valor infraconstitucional,

destina-se a completar os dispositivos não executórios da

constituição.146

A lei complementar, além de ter matéria

exclusivamente sua reservada pela Carta Maior, possui quorum de

aprovação diferenciado das demais leis: o art. 69 da CRFB/88 exige

maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional.147 A exclusividade

de matéria se estende aos tratados internacionais – nem mesmo estes

poderão versar sobre matéria reservada a lei complementar.

Neste foco o Supremo Tribunal Federal decidiu:

TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE

LEI COMPLEMENTAR. [...] Os tratados internacionais

celebrados pelo Brasil – ou aos quais o Brasil venha a aderir –

145 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 146 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.828. 147 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008.

Page 73: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

61

não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob

reserva constitucional de lei complementar.148

Deste modo conclui-se pela inconstitucionalidade de

tratados que versem sobre matéria reservada à lei complementar.

3.3.2 A hierarquia do tratado internacional na legislação interna do Brasil

Mencionou-se no item 3.3.1 citação de Rezek, na qual

o doutrinador disciplina que há tratamento paritário dos tratados

internacionais em relação às demais leis nacionais e diplomas de grau

equivalente.149

A jurisprudência acompanha supracitado ensino:

PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E

NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. Os

tratados ou convenções internacionais, uma vez

regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no

sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade,

de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis

ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos

de direito internacional público, mera relação de paridade

normativa. Precedentes.150

Tendo o tratado internacional força hierárquica de lei

ordinária, concluí-se que em caso de conflito entre ambos, ser-lhes-á

148 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3 – DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de Mario de 2001. 149 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.97. 150 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3 – DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de Mario de 2001.

Page 74: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

62

resolvido pelo critério cronológico: lex posterior derogat priori,151ou pelo

critério da especialidade: lex speciallis derogat legi priori152.

Além dos supra argumentos equiparando o tratado

internacional ratificado à lei ordinária, há outro: reza a Carta Magna que

em ofensa aos termos de um tratado enseja Recurso Especial ao Superior

Tribunal de Justiça (art. 105, III, “a”, da CRFB/88: “Compete ao Superior

Tribunal de Justiça: [...] III- julgar, em recurso especial, as causas decididas,

em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos

tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão

recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.”)153

Notadamente o legislador equiparou o tratado

internacional à lei federal.

Duas exceções surgem a este tratamento paritário:

quando o tratado versar sobre matéria tributária ou de direitos humanos,

como será visto nos próximos itens.

3.3.3 Tratados internacionais de natureza tributária

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 98, diz que

“Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a

legislação tributária interna, e serão observados pela que sobrevenha”.154

A discussão sobre o referido artigo apregoa-se à parte

final: “serão observados pela que sobrevenha”, ou seja, o art. 98 do CTN

prevê a primazia dos tratados sobre a legislação interna, posterior ou

anterior. É evidente que angariar-se-ia outra monografia com tal 151 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.176. 152 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p.472. 153 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 154 BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l51.72.htm. Acesso em 115 de outubro de 2008.

Page 75: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

63

discussão, conquanto não adentrar-se-á a todas abordagens, apenas

cientifica-se a divergência, visto o foco do presente estudo ser mormente

a internalização do tratado internacional na esfera interna.

A jurisprudência, a partir do RE n.º 80.004155,

pronunciou-se no sentido de que o referido art. 98 do CTN é aplicável

apenas aos tratados de natureza contratual (tratado-contrato), e não aos

demais.

No item 2.3 desta monografia versou-se sobre a

classificação dos tratados no tocante à sua natureza jurídica.

Relembrando, a classificação é: tratado-contrato (prestações recíprocas,

esgotam-se com a sua realização), tratado-lei e tratado-normativo

(comandos de caráter geral).

Com amparo jurisprudencial, firma-se o entendimento

de que o art. 98 do CTN fica adstrito ao tratado-contrato, ou seja, os

tratados que versem sobre matéria tributária recebem, assim como os

demais, tratamento equiparado à lei ordinária. Excetuam-se os tratados-

contrato, os quais não sofrem alterações pela legislação ordinária

superveniente, apenas se advinda de tratado ou convenção

internacional.

3.3.4 Tratados internacionais de natureza de direitos humanos

Reza o artigo 5º, §2.º, da Constituição Federal:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por

155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 80.004-SE. Pleno. Decisão por maioria. Relator: Min. Cunha Peixoto. Recorrente: Belmiro da Silveira Góes. Recorrido: Sebastião Leão Trindade. Brasília, 1º de junho de 1977. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?SEQ=175365&PROCESSO=80004&CLASSE=RE&cod_classe=437&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M&EMENTA=1083. Acesso em: 10 de outubro de 2008.

Page 76: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

64

ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte.156

E o §3.º do mesmo artigo assim celebra:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos

votos dos respectivos membros, serão equivalentes às

emendas constitucionais.157

O §2.° do artigo 5° existe desde que a constituição foi

promulgada (1988). Já o §3.° foi introduzido pela Emenda Constitucional

n.° 45 de 8 de dezembro de 2004.

No período que antecedeu a existência do §3.°, a

jurisprudência não adotava o §2.°, porque não se admitia tratado

internacional com força de emenda constitucional, vejamos:

Recurso extraordinário. Alienação fiduciária em garantia.

[...] É de observar-se, por fim, que o §2.° do artigo 5° da

Constituição não se aplica aos tratados internacionais sobre

direitos e garantias fundamentais que ingressarem em nosso

ordenamento jurídico após a promulgação da Constituição

de 1988, e isso porque ainda não se admite tratado

internacional com força de emenda constitucional.158

Com o advento do §3.°, tanto os tratados sobre direitos

humanos anteriores como os posteriores poderão integrar o rol dos direitos

e garantias fundamentais, desde que submetidos à aprovação pelo

quorum previsto no referido §3.°. A jurisprudência é pacífica neste sentido:

156 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 157 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 158 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – Recurso Extraordinário. PP-00061. Vol. 0207-06. PP-01131. DF. Rel. Moreira Alves. Publicado no Diário da Justiça de 29 de Junho de 2001.

Page 77: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

65

PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PENHORA EM EXECUÇÃO

FISCAL. POSSIBILIDADE. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.

[...] Mantém-se, mesmo após a EC 45/04, o entendimento

da jurisprudência do STF e do STJ no sentido de que a

adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica não

exclui de nosso ordenamento jurídico a prisão civil do

depositário infiel. É que, nos termos do art. 5°, § 3° da CF,

com a redação da citada Emenda, os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos somente

terão força equivalente à das emendas constitucionais

quando “forem aprovadas, em cada Casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros”, o que não ocorreu na hipótese. 3.

Recurso especial a que se dá provimento.159

O entendimento vai ao encontro com o que dispõe a

constituição, ou seja, segue-se o entendimento de que os tratados sobre

direitos humanos somente têm força de emenda constitucional se, e

somente se, aprovados pelo quorum de três quintos dos votos dos

membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos. Nota-se

que esta aprovação é posterior aquela da internalização do tratado,

estabelecida a todos os tratados, estudada nos arts. 84, VIII, e 49, I, da

CRFB/88.160

159

BRASIL. RE – Recurso Especial. STJ, 1ªT., REsp 811693, Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Publicado no Diário da Justiça de 08 de junho de 2006. 160 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo § 3° do art. 5° da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, 2005. V.378. p. 100.

Page 78: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

66

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve o desígnio de examinar a

internalização dos tratados internacionais na legislação interna do Brasil.

Constatou-se por meio das considerações sobre o direito internacional,

que sua principal fonte é o tratado internacional. O estudo seguiu pela

análise dos tratados: quem pode celebrá-lo, de que forma e em que

condições. Com o tratado finalizado pelas partes e devidamente assinado

ou aderido, verificou-se as etapas que procedem à assinatura, de forma a

internalizá-lo no ordenamento jurídico nacional: exame do Congresso

Nacional seguido de decreto legislativo se aprovado, facultando ao

Presidente da República a partir deste decreto promulgar seu aceite

através de decreto presidencial, tornando o tratado internacional lei

equiparada à lei ordinária (art. 49, I, e art. 84, VIII, da CRFB/88).

O processo de internalização dos tratados acima

elucidado, chamado pela doutrina de “inter procedimental”, nos

confirma que a teoria adotada pela Carta Magna para a relação entre DI

e direito interno, nos tempos atuais, é a teoria dualista moderada.

Excetuam-se desta teoria os tratados-contrato que versam sobre matéria

tributária, nestes a teoria adotada é a teoria monista com supremacia de

DI. Conseqüentemente resta negada a primeira hipótese alçada no

presente estudo monográfico, que afirma que o Brasil adota a teoria

monista para suas relações entre direito internacional e direito interno.

Ainda com a análise do inter procedimental verificou-

se que a segunda hipótese delineada no início do presente estudo não é

plausível, haja vista que o processo pelo qual o tratado internacional

passa para adentrar a nossa legislação interna não se conclui apenas

com a assinatura do tratado: exige-se referendo do Congresso Nacional e

promulgação presidencial.

Page 79: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

67

Por derradeiro, demonstrou-se através da análise da

legislação, dos julgados e da doutrina, que em regra geral o tratado

internacional internalizado passa a ter força de lei ordinária. A exceção é

o tratado que versa sobre matéria de direitos humanos, pois se votado por

quorum específico para tratados desta natureza, passa a ter força de

emenda constitucional. Por fim, o tratado internacional não pode acordar

matéria com reserva de lei complementar, logo se nega a terceira

hipótese elencada no estudo, pois a força do tratado internacional se

resume em de lei ordinária, ou se de direitos humanos, força de emenda

constitucional.

O estudo do direito internacional se mostra cada vez

mais inteligível, haja vista seu constante desenvolvimento e o montante de

sutilezas que o envolvem. Compreender fenômenos que integram e

decidem para qual norte o direito internacional segue, é de

inquestionável importância para o operador do direito. Acompanhar o

desenvolver do direito internacional é tão importante quanto entender a

razão pela qual ele assim caminha, o seu real fundamento. As manchetes

anunciam o direito internacional todos os dias. Data feita, não obstar-se-á

o estudo com este trabalho monográfico, estudar-se-á sim, cada tempo

mais, de forma a angariar fundamentação lógica e coerente em resposta

as questões diárias.

Page 80: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l51.72.htm. Acesso em 15 de outubro de 2008. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (de 24 de janeiro de 1967). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em:

Page 81: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

69

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Emenda Constitucional N° 1 (de 17 de outubro de 1969). Disponível em: https://200.181.15.9/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE – Recurso Especial. STJ, 1ªT., REsp 811693, Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Publicado no Diário da Justiça de 08 de junho de 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3-DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – Recurso Extraordinário. PP-00061. Vol. 0207-06. PP-01131. DF. Rel. Moreira Alves. Publicado no Diário da Justiça de 29 de Junho de 2001. CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de maio de 1986. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm. Acesso: 06 de agosto de 2008. CUNHA, Joaquim da Silva. Direito Internacional Público: Introdução e Fontes. 5.ed. Coimbra: Almedina, 1993. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. LIMA. Sérgio Mourão Corrêa. Tratados Internacionais no Brasil e Integração. São Paulo: LTr, 1998. MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979.

Page 82: A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA …siaibib01.univali.br/pdf/Valdir Jose da Silva Filho.pdf · 5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico . Tradução de

70

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo § 3° do art. 5° da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, 2005. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 8.ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1986. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. MONSERRAT FILHO, José. O que é direito internacional. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar.8.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. RODAS, João Grandino. Tratados Internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. Texto em inglês in http://www.hillsdale.edu/dept/history/documents/war/17e/1648-westphalia.htm. Acesso em 06 de agosto de 2008.