Upload
phamphuc
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL
VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO
Itajaí (SC), novembro de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL
VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em
Direito. Orientadora: Professora MSc. Márcia Sarubbi Lippmann
Itajaí, 21 de novembro de 2008.
AGRADECIMENTO
A todos que contribuíram
à realização deste trabalho,
do singelo ao mais diligente aporte.
DEDICATÓRIA
Consagro este trabalho
a todos que possam se beneficiar
da pesquisa doravante desempenhada.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade
acerca do mesmo.
Itajaí, 21 de novembro de 2008.
VALDIR JOSÉ DA SILVA FILHO Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Valdir José da Silva
Filho, sob o título A Internalização dos Tratados Internacionais no Direito
Interno do Brasil, foi submetida em 21 de novembro de 2008 à banca
examinadora composta pelas seguintes professoras: Márcia Sarubbi
Lippmann (Presidente), Queila Jaqueline Nunes Martins (Examinadora), e
aprovada com a nota ___ ( ).
Itajaí, 21 de novembro de 2008.
Professora MSc. Márcia Sarubbi Lippmann Orientadora e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Carta Magna Constituição da República Federativa do Brasil CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916 CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CDI Comissão de Direito Internacional CIJ Corte Internacional de Justiça CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 DI Direito Internacional DIP Direito Internacional Público DIPr Direito Internacional Privado EC Emenda Constitucional LC Lei Complementar LICC Lei de Introdução ao Código Civil ONU Organização das Nações Unidas STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos
operacionais.
Direito Internacional
“É o direito que tem por objetivo a solução das questões de caráter
internacional, assim ditas por que nelas há interesse de pessoas (físicas ou
jurídicas) de países diferentes. Definem-no, assim, como o conjunto de
princípios e regras concernentes aos interesses superiores da sociedade
humana, na interdependência dos Estados. Pertence ao ramo do Direito,
dito de externo”.1
Direito Internacional Privado
O Direito Internacional Privado dedica-se à disciplina que estuda o conflito
de leis no espaço2, compreende-se pelo complexo de preceitos
reguladores das relações de ordem privada da sociedade internacional.3
Direito Internacional Público
Fundado nos tratados ou nos usos internacionais, ordena as relações entre
Estados e organizações internacionais.4
Ordenamento jurídico nacional
“É um conjunto de normas jurídicas que mantém relações particulares
entre si”.5
1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.472. 2 AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.5. 3 SILVA, op. cit., p.472. 4 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.3.
Tratado Internacional
“Tratado significa um acordo internacional regido pelo Direito
Internacional e celebrado por escrito”.6
5 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p.31. 6 Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de maio de 1986. Disponível em : http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm. Acesso: 06 de agosto de 2008.
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................ XI
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 3
DO DIREITO INTERNACIONAL ................................................................................ 3 1.1 TERMINOLOGIA ............................................................................................... 3 1.2 HISTÓRIA .......................................................................................................... 4 1.2.1 ANTIGÜIDADE .................................................................................................... 4 1.2.2 IDADE MÉDIA .................................................................................................... 6 1.2.3 IDADE MODERNA ............................................................................................... 7 1.2.4 IDADE CONTEMPORÂNEA .................................................................................... 8 1.3 NATUREZA DA NORMA JURÍDICA INTERNACIONAL ...................................... 9 1.4 FUNDAMENTO ................................................................................................ 10 1.5 RELAÇÃO ENTRE O DI E O DIREITO INTERNO ............................................... 11 1.5.1 DUALISMO EXTREMADO E DUALISMO MODERADO ................................................. 11 1.5.2 MONISMO COM SUPREMACIA DO DI .................................................................. 12 1.5.3 MONISMO COM SUPREMACIA DO DIREITO INTERNO .............................................. 13 1.6 PERSONALIDADE INTERNACIONAL ............................................................... 13 1.6.1 ESTADOS ......................................................................................................... 14 1.6.2 RECONHECIMENTO DE ESTADO E DE GOVERNO ..................................................... 14 1.6.3 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ...................................................................... 16 1.7 FONTES ........................................................................................................... 16 1.7.1 TRATADOS ....................................................................................................... 17 1.7.2 COSTUME ........................................................................................................ 18 1.7.3 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO .......................................................................... 19 1.7.4 ATOS UNILATERAIS ............................................................................................ 20 1.7.5 DECISÕES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ................................................. 20 1.8 DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL ........................................................... 21
CAPÍTULO 2 .......................................................................................................... 23
DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ......................................... 23 2.1 CONCEITO ..................................................................................................... 23 2.2 TERMINOLOGIA ............................................................................................. 25 2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS ................................................................. 25 2.4 CONDIÇÕES DE VALIDADE DOS TRATADOS ................................................ 28 2.4.1 CAPACIDADE DAS PARTES CONTRATANTES ........................................................... 28 2.4.2 HABILITAÇÃO DOS AGENTES SIGNATÁRIOS ........................................................... 29 2.4.3 CONSENTIMENTO MÚTUO .................................................................................. 33 2.4.4 OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL ................................................................................. 34 2.5 EFEITOS DE TRATADO SOBRE TERCEIROS ESTADOS ...................................... 35
2.6 RATIFICAÇÃO, ADESÃO E ACEITAÇÃO DE TRATADO ................................. 37 2.7 REGISTRO E PUBLICAÇÃO DE TRATADO ....................................................... 39 2.8 INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS .................................................................... 40 2.9 APLICAÇÃO DE TRATADOS SUCESSIVOS SOBRE A MESMA MATÉRIA ........ 42 2.10 NULIDADE, EXTINÇÃO E SUSPENSÃO DE APLICAÇÃO DE TRATADOS ...... 43 2.10.1 NULIDADE ..................................................................................................... 44 2.10.2 EXTINÇÃO E SUSPENSÃO DE APLICAÇÃO DE TRATADOS ........................................ 45
CAPÍTULO 3 .......................................................................................................... 47
A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL ............................................................................................. 47 3.1 RETROSPECTO DOS POSICIONAMENTOS ADOTADOS PELO BRASIL ........... 47 3.2 A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ............................. 52 3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO DO BRASIL ............................................... 57 3.3.1 OS TRATADOS INTERNACIONAIS SOB VISTA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL .................... 58 3.3.2 A HIERARQUIA DO TRATADO INTERNACIONAL NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL ..... 61 3.3.3 TRATADOS INTERNACIONAIS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA ............................................ 62 3.3.4 TRATADOS INTERNACIONAIS DE NATUREZA DE DIREITOS HUMANOS ............................ 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 66
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .................................................................... 68
RESUMO
O direito internacional, através dos tratados
internacionais, cada vez mais influencia as decisões Estatais – seja no
âmbito interno ou externo. Cooperação mútua, busca pela uniformização
de regras de direitos ou deveres entre países com celebração de tratados
multilaterais. Acordos de um ramo de comércio exterior entre dois Estados
por meio de tratados bilaterais. Organizações internacionais, que num
passado não longínquo não eram capacitadas a celebrar tratados. Enfim,
são várias as formas que o direito internacional se manifesta em nosso dia-
a-dia. Ao passo que para ter força legislativa interna, e assim, o tratado
internacional fundamentar decisões no âmbito doméstico do país
signatário, há se de respeitar normas nacionais que positivam o modo pelo
qual o tratado internacional é internalizado no ordenamento jurídico
interno. É neste foco que o presente estudo tem como objetivo
investigatório elucidar, através de análise legislativa, jurisprudencial e
doutrinária, a internalização dos tratados internacionais no direito interno
do Brasil, começando pela origem do direito internacional, com
subseqüente análise dos tratados internacionais, para compreender-se de
maneira contextualizada como e por que é assim procedida a
internalização dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno
do Brasil.
O objetivo institucional é a obtenção do Título de
Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
INTRODUÇÃO
O presente estudo monográfico tem por objeto a
internalização dos tratados internacionais no ordenamento jurídico do
Brasil.
Objetiva-se contextualizar o tratado internacional na
legislação interna brasileira - da origem à positivação -, bem como
examinar sua força normativa perante a legislação interna.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, breve
abordagem sobre o Direito Internacional, sua origem, divisão, natureza
jurídica, fontes e características.
No Capítulo 2, estudar-se-á a principal fonte do direito
internacional: os tratados e as convenções internacionais, para angariar o
embasamento legal necessário ao estudo da internalização dos tratados
no ordenamento jurídico brasileiro no capítulo subseqüente.
No Capítulo 3, tratar-se-á efetivamente do processo de
internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno do
Brasil, isto é, após analisar o direito internacional, conhecer sua principal
fonte, o tratado internacional; este será introduzido ao ordenamento
jurídico nacional, isto é, estudar-se-á como é transposta a norma externa
no âmbito doméstico.
Encerrar-se-á a monografia com as Considerações
Finais, na qual serão apresentados os pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre
a internalização dos tratados internacionais na legislação interna brasileira.
Para a presente monografia foram levantadas as
seguintes hipóteses:
2
� O Brasil adota a teoria monista para suas relações entre
direito internacional e direito interno.
� O tratado internacional passa a vigorar no plano interno a
partir da assinatura.
� O tratado internacional pode possuir tanto força de lei
ordinária quanto de lei complementar.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na
Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de
Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados
expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da
Pesquisa Bibliográfica.
CAPÍTULO 1
DO DIREITO INTERNACIONAL
1.1 TERMINOLOGIA
O Direito Internacional, conjunto de princípios e regras
concernentes aos interesses superiores da sociedade humana, na
interdependência dos Estados1, já recebeu, ao longo de sua história,
diversas terminologias. A começar pelos romanos, que utilizavam a
expressão ius gentium (do latim “direito das gentes” ou “direito dos
povos”), por Isidoro de Sevilha e Samuel Pufendorf. O termo utilizado por
Francisco de Vitória era ius inter gentes (do latim “direito entre as gentes”
ou “entre os povos”).2
A expressão international law foi usada por Jeremy
Bentham, em sua obra "An Introduction to the Principles of Morals and
Legislation", que, quando lançada na França, a tradução que o francês
Étienne Dumont usou foi droit international, que por sua vez influenciou
diversas traduções subseqüentes, até mesmo a adotada no Brasil: “Direito
Internacional".3
O Direito Internacional divide-se em público e privado,
sendo que o Direito Internacional Privado dedica-se à disciplina que
estuda o conflito de leis no espaço4, já o Direito Internacional Público,
1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.472. 2 MONSERRAT FILHO, José. O que é direito internacional. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.18. 3 MONSERRAT FILHO, op. cit., p.18. 4 AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.5.
4
muitas vezes sinônimo da terminologia “Direito Internacional”, ordena as
relações entre Estados5.
O presente estudo monográfico ater-se-á tão somente
ao Direito Internacional Público, notadamente por ser esta a divisão do
Direito Internacional que engloba o estudo dos Tratados Internacionais.
1.2 HISTÓRIA
Aos olhos da doutrina: “O direito internacional é tão
antigo quanto à civilização em geral: ele é uma conseqüência necessária
e inevitável de toda a civilização.”6
A citação em epígrafe norteia que o direito
internacional surge paralelo ao desenvolvimento das civilizações. Neste
sentido, à medida que na antiguidade, tribos e clãs de povos diferentes
começaram a se civilizar, tão logo surgiram às primeiras aparições do ius
inter gentes. De acordo como as civilizações ficavam mais complexas,
também suas relações externas tornaram-se, e o direito as acompanhou.
1.2.1 Antigüidade
O direito internacional não possui marco inicial
reconhecido por unanimidade pelos estudiosos deste ramo do direito. Há
quem se baseie no tratado mais antigo registrado: o celebrado entre
Lagash e Umma, cidades da Mesopotâmia, relativo à fronteira comum, ou
o tratado conhecido como o mais famoso da Antigüidade remota: o de
Kadesh, concluído entre Ramsés II do Egito e Hatusil III dos hititas no século
XIII a.C.7
5 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 8.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.3. 6 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.21. 7 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.55.
5
O doutrinador Almicar de Castro8 preceitua que a
Roma Antiga, ao longo de quase toda a sua história, não se considerava
sujeita a um direito internacional distinto do seu direito interno, o que se
explica pelo predomínio da chamada Pax romana:
Em direito romano não se encontra indício desse ramo do
direito, conquanto a apreciação dos fatos anormais se
operasse por forma diversa da que era reservada aos fatos
formais. Os romanos, a princípio, só reconheciam como
positivo o seu ius civile. O direito romano era civil, no sentido
tradicional deste adjetivo: só se destinava a cidadãos
romanos.
O ius gentium, que alguns apontam como indício de
um direito internacional romano, era, na essência, um direito romano
aplicado a estrangeiros por um magistrado romano, o pretor peregrino.9
Segundo indica o estudioso He Moon Jo10, o direito
internacional surgiu na Europa, em suas palavras:
[...] a opinião que prevalece no estudo do DI é a de que
este surgiu na Europa, no período seguinte à Paz de
Vestfália (the Peace of Westphalia, 1648), que pôs fim à
Guerra dos Trinta Anos (Thirty Years War).
Não obstante o doutrinador José Dalmo11 assim reza:
Afirmaram os internacionalistas, durante três séculos, haver o
Direito das Gentes sido criado por Hugo Grócio, em 1625,
com a publicação do seu tratado “De Jure Belli ac Pacis”.
Brown Scott provou, muito depois, que essa paternidade
cabia ao Padre Franceiso Vitória e dataria de 1539: leitura
8 CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.107. 9 CASTRO, op. cit., p.107. 10 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.55. 11 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.27.
6
da “Relectio de Potestate Civile”, proferida na Universidade
de Salamanca.
É notória a diversidade de correntes que empregam o
marco inicial do direito internacional a diversos fatos e pessoas, sendo
improvável filiar-se a uma corrente e desprezar a outra, mesmo porque
não é este o foco do presente estudo. Neste sentido, resta compreender
os motivos de cada doutrina.
1.2.2 Idade Média
Com a crescente expansão dos transportes marítimos,
a Idade Média presenciou o desenvolvimento da Igreja Católica, a qual
conseguiu este feito justamente pelo fato de ter o transporte marítimo se
maximizado, o que formou uma comunidade católica na Europa.12
A grande influência da igreja contribuiu para o
desenvolvimento do direito internacional. A arbitragem das relações
internacionais era feita pelo papa, e este poderia até mesmo autorizar um
Chefe de Estado a não cumprir um tratado, como indica o doutrinador
Joaquim da Silva Cunha13:
O poder era exercido pelo monarca e pelo papa numa
comunidade cristã, misturando-se, em perfeita
combinação, política e religião.
Alguns dos marcos mais importantes deste período
foram, dentre outros, o desenvolvimento de regras que disciplinam o
direito de paz e direito de guerra, o conceito de guerra justa e guerra
injusta, a limitação das atividades não-humanitárias na guerra, algumas
regras sobre tratados e arbitragem, regras de diplomacia como função de
diplomatas e sistema de consulado. Os principais contribuintes para estes
12 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.55. 13 CUNHA, Joaquim da Silva. Direito Internacional Público: Introdução e Fontes. 5.ed. Coimbra: Almedina, 1993. p.103.
7
conceitos foram Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino.14
Dois pontos nascidos sob o foco das novas regras era
que os tratados medievais eram garantidos com a troca de reféns, e a
primeira missão diplomática de caráter permanente foi estabelecida por
Milão e Florença.
1.2.3 Idade Moderna
O eminente jurista He Moon Jo15 reza que foram vários
os acontecimentos que contribuíram para uma nova visão do direito
internacional:
Ao fim da Idade Média, a sociedade internacional
encontrava-se em meio a mudanças marcantes, como a
Renascença, a desintegração de religiões, a descoberta
dos novos continentes e a revolução industrial.
Os eventos acima citados motivaram a queda do
sistema medieval e a diminuição do poder do papa.
No período da Idade Moderna surgiu o direito
internacional tal como conhecemos hoje. Novas noções de Estado
nacional e soberania estatal, conceituadas pelo tratado Paz de Vestfália,
em 1648, que resultou em Estados reconhecendo seu próprio direito como
o maior na hierarquia, tornando-os soberanos, e, a Europa começara a
adotar uma organização política baseada na idéia de que a cada nação
corresponderia um Estado (Estado-nação).16
Neste sentido, o jurista Hildebrando Accioly afirma que:
14 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.56. 15 JO, op. cit., p.56. 16 Texto em inglês in (http://www.hillsdale.edu/dept/history/documents/war/17e/1648-westphalia.htm). Acesso em 06 de agosto de 2008.
8
[...] a rigor, só se pode falar em direito internacional a partir
dos tratados de Vestfália ou da obra de Hugo Grocius.17
Uns dos principais teóricos do período moderno são
Francisco de Vitória e Hugo Grócio, este último que se baseava na teoria
do direito natural. Sua principal obra jurídica “Do direito da guerra e da
paz" teve grande importância no desenvolvimento da noção de Guerra
Justa. 18
1.2.4 Idade Contemporânea
O período da Idade Contemporânea foi inaugurado
pela Revolução Francesa, quando fora enfatizado o conceito de
nacionalidade. A influência do papa já houvera enfraquecido, visto que
seus poderes passaram a não serem mais conhecidos como divinos. Deu-
se início a um período de fortes reivindicações populares. O Congresso de
Viena em 1815 foi um importante impulso para o direito internacional, na
medida em que apontou na direção da internacionalização de grandes
rios, declarou a neutralidade perpétua da Suíça, pela primeira vez adotou
uma classificação para os agentes diplomáticos e proibiu o tráfico de
negros.19
Começava a surgir o DI moderno, a criação dos
primeiros organismos internacionais com vistas à regular assuntos
transnacionais, a proclamação da Doutrina Monroe e a primeira das
Convenções de Genebra, dentre inúmeras outras iniciativas.20
O século XX foi palco de grandes acontecimentos no
DI, agora moderno. Foram criados vários organismos internacionais, como
17 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.5. 18 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.56. 19 CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p.125. 20 JO, op. cit., p.57.
9
a Sociedade das Nações, e posteriormente a Organização das Nações
Unidas, a codificação do DI com a Convenção de Viena sobre Direito dos
Tratados e a Convenção sobre Direito do Mar, a proliferação de tratados
nascidos na necessidade de acompanhar o intenso intercâmbio
internacional do mundo contemporâneo.21
1.3 NATUREZA DA NORMA JURÍDICA INTERNACIONAL
A fim de defender as atuações dos Estados nas
relações internacionais, insurge-se a teoria da soberania. De acordo com
esta teoria política (desenvolvida no século XVI por Jean Bodin [1530-1596]
e Thomas Hobbes [1588-1679]) foi ela quem sustentou a formação e a
manutenção do Estado Novo nos séculos XVI e XVII. O Estado é dotado de
soberania, e esta se manifesta de duas maneiras, segundo o âmbito de
aplicação: na vertente interna de aplicação da soberania, o Estado
encontra-se acima dos demais sujeitos de direito, constituindo-se na
autoridade máxima em seu território. Na vertente externa, por outro lado,
o Estado está em pé de igualdade com os demais Estados soberanos que
constituem a sociedade internacional. 22
Ambas vertentes, no âmbito de aplicação da
soberania do Estado, também acorrem quando da natureza da norma
jurídica, no sentido de que se de direito interno ou de direito internacional.
No direito interno, a norma emana do Estado ou é por este aprovada,
logo, o Estado impõe a ordem jurídica interna e garante a sanção em
caso de sua violação. Já no DI, diferentemente, os Estados são
juridicamente iguais, portanto não existe uma entidade central e superior
ao conjunto de Estados, com a prerrogativa de impor o cumprimento da
ordem jurídica internacional e de aplicar uma sanção por sua violação.
Neste caso são os próprios Estados que produzem, entre eles, a norma
21 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.14. 22 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.66.
10
jurídica que lhes será aplicada (celebração de um tratado), o que
constitui uma relação de coordenação. 23
Discute-se a existência de hierarquia nas normas de
direito internacional, ou seja, se uma norma seria superior a outra. No
entanto a pesquisa apontou que a grande parte dos estudiosos entende
que inexiste hierarquia.
Os conceitos de ato ilícito e de sanção existem no DI,
mas sua aplicação difere-se do direito interno. Na ausência de uma
entidade supra-estatal, a responsabilidade internacional e a conseqüente
sanção contra um Estado dependem da ação coletiva dos demais
Estados vinculados a norma.
1.4 FUNDAMENTO
Existem várias correntes doutrinárias acerca do
fundamento do DI, ou seja, a origem da sua obrigatoriedade.
Segundo o doutrinador Accioly:
[...] para vários conceituados autores o estudo do
fundamento não faz parte do direito internacional
propriamente dito. Seja como for, ao DIP não interessam os
motivos reais, econômicos, políticos, sociológicos ou
históricos, mas apenas as razões jurídicas que explicam o
motivo de sua aceitação pelo homem.24
As referidas razões jurídicas mencionadas pelo autor
são explicadas por várias doutrinas, sendo que de todas conseguiu-se
extrair e dividir duas correntes: voluntaristas e positivistas. A primeira está
ligada ao direito positivo, sendo que a obrigatoriedade decorre da
23 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.66. 24 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.16.
11
vontade dos próprios Estados. Já a segunda a obrigatoriedade é baseada
em razões objetivas, ou seja, acima da vontade dos Estados.25
O doutrinador Rezek defende a doutrina identificada
no consentimento, tradicionalmente expresso no princípio pacta sunt
servanda (em latim, os acordos devem ser cumpridos): um Estado é
obrigado no plano internacional apenas se tiver consentido em vincular-se
juridicamente. Neste sentido traduz-se que no âmbito de uma
organização internacional, por exemplo, os Estados estão obrigados a
aceitar uma decisão que lhes for contrária apenas se tiverem acordado
previamente esta forma decisória. 26
1.5 RELAÇÃO ENTRE O DI E O DIREITO INTERNO
A possibilidade de conflito entre o direito interno de um
Estado e o direito internacional, ou seja, qual das duas ordens jurídicas
deve prevalecer, é estudada pela doutrina em três teorias27:
� Dualismo extremado ou moderado: o DI e o direito interno são
completamente independentes e a validade da norma de um
não depende do outro;
� Monismo com supremacia do DI: a ordem jurídica é uma só,
mas as normas de direito interno devem ajustar-se ao DI; e
� Monismo com supremacia do direito interno: o inverso do
anterior.
1.5.1 Dualismo Extremado e Dualismo Moderado
Segundo a doutrina dualista:
25 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.16. 26 REZEK, José Franciso. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.3. 27 REZEK, op. cit., p.4.
12
O direito internacional e o direito interno de cada Estado
são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal
modo que a validade jurídica de uma norma interna não se
condiciona à sua sintonia com a ordem internacional.28
Ou seja, a norma internacional deve primeiramente ser
transformada em norma de direito interno, pelo Estado, incorporando-a
ao seu ordenamento jurídico interno. Sendo que o dualismo extremado
exige para tanto edição de lei, enquanto o dualismo moderado exige
somente aprovação congressional e promulgação. Nesta doutrina não
existe a possibilidade de conflito entre DI e direito interno.
1.5.2 Monismo com Supremacia do DI
A segunda teoria, formulada por Kelsen, Verdross,
Duguit e outros29, assim como a terceira teoria, do monismo com
supremacia do direito interno, não reconhece a existência de duas ordens
jurídicas independentes:
[...] sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado
do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens
internas.
Afirmam existir apenas uma única ordem jurídica, na
qual o DI é considerado superior ao direito interno. Da mesma forma que a
teoria Dualista, não é possível o conflito entre o DI e o direito interno, pois
prevalece o DI.
28 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.4. 29 REZEK, op. cit., p.4.
13
1.5.3 Monismo com Supremacia do Direito Interno
Com raízes no hegelianismo30, esta teoria entende que
o Estado é dotado de soberania absoluta e que, portanto, somente se
sujeita a um sistema jurídico que emane de si próprio:
[...] o direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja
ótica a adoção dos preceitos do direito internacional
aparece como uma faculdade discricionária.
O DI seria a continuação do direito interno, aplicado às
relações exteriores do Estado. Há possibilidade de conflitos entre a norma
interna e externa.
A teoria adotada no Brasil estudar-se-á no Capítulo 3
desta monografia.
1.6 PERSONALIDADE INTERNACIONAL
É sujeito de direito internacional público “[...] toda
entidade jurídica que goza de direitos e deveres internacionais e que
possua a capacidade de exercê-los”31: os Estados (aqui acrescenta-se a
Santa Sé e o Vaticano) e as organizações internacionais. A título de
separação de disciplinas, lembra-se que ao direito internacional privado é
que pertencem os demais sujeitos: pessoa jurídica de direito público
interno, de direito privado e a pessoa física. 32
Tradicionalmente acrescentam-se a Santa Sé e o
Vaticano como sujeitos do direito internacional público. Alguns estudiosos
afirmam que o indivíduo também seria modernamente um sujeito de DI,
30 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.4. 31 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.64. 32 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.56.
14
ao argumento de que diversas normas internacionais criam direitos e
deveres para as pessoas naturais.33
1.6.1 Estados
Os Estados nacionais são os principais sujeitos de DI,
seja do ponto de vista histórico ou funcional, já que é por sua iniciativa
que surgem outros sujeitos de DI, como as organizações internacionais. Nas
palavras de Hee Moon Jo, “O estado é o participante mais ativo nas
relações legais internacionais”.34
São elementos indispensáveis à existência do Estado e,
em conseqüência, à sua personalidade internacional: população,
território, governo e capacidade para manter relações com os sujeitos do
direito internacional. Conjunta-se necessariamente a soberania, isto é, o
direito exclusivo do Estado de exercer a autoridade política suprema sobre
o seu território e sobre a sua população.35
1.6.2 Reconhecimento de Estado e de Governo
O reconhecimento de Estado é um ato unilateral,
expresso ou tácito, pelo qual um Estado constata a existência de outro
Estado na ordem internacional, dotado de soberania, de personalidade
jurídica internacional e dos demais elementos constitutivos do Estado. É
indispensável para que o novo Estado se relacione com seus pares na
comunidade internacional. 36
33 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.56. 34 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.191. 35 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.48. 36 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 8.ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1986. p.291.
15
Em geral, o DI exige o cumprimento de três requisitos
para que um Estado seja reconhecido por outros37:
� Que seu governo seja independente, inclusive no que
respeita à condução da política externa;
� Que o governo controle efetivamente o seu território e
população e cumpra as suas obrigações internacionais; e
� Que possua um território delimitado.
Quanto à natureza jurídica do reconhecimento de
Estado, a doutrina estuda tratar-se de ato constitutivo (a personalidade
internacional do Estado surgiria a partir do reconhecimento) ou ato
apenas declaratório (o Estado já existia ao reconhecimento, logo apenas
constata-se sua existência). A prática e a grande parte dos juristas são
favoráveis à teoria declaratória.38
O reconhecimento de Estado é retroativo,
incondicional e irrevogável, mesmo em face do rompimento de relações
diplomáticas.39
Há o reconhecimento de governo quando um novo
governo assume o poder em um Estado contrariando suas prerrogativas
constitucionais. Assim os demais Estados declaram qual o governo do país
em questão, a fim de estabelecer relações diplomáticas.40
37 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.217. 38 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 8.ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1986. p.293. 39 MELLO, op. cit., p.294-295. 40 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.53.
16
1.6.3 Organizações Internacionais
O eminente doutrinador Accioly cita em sua obra
Manual de Direito Internacional Público o conceito de Organização
Internacional de El-Irian:
[...] uma associação de Estados (ou de outras entidades
possuindo personalidade internacional), estabelecida por
meio de um tratado, possuindo uma constituição e órgãos
comuns e tendo uma personalidade legal distinta da dos
Estados-membros.41
Notadamente o número de organizações
internacionais vem crescendo à medida que aumentam os problemas
específicos e as preocupações dos Estados, a exemplo da UNESCO, que
passou também a tratar do tema meio ambiente.
1.7 FONTES
As fontes do DI são, segundo Accioly, “[...] os modos
formais de constatação do direito internacional”42. O doutrinador Ricardo
Gama complementa que as fontes do DI são os suportes que vão gerar as
normas internacionais e, por esse motivo, gozam de grande importância
neste cenário:
As fontes do Direito Internacional são ferramentas úteis na
elaboração dos tratados, na sua interpretação pelas partes,
pelos doutrinadores e pelos tribunais e, por fim, no
preenchimento das lacunas.43
41 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.191-192. 42 ACCIOLY, op cit. p.19. 43 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.36.
17
Estuda-se as fontes do DI da forma estabelecida no
Estatuto da Corte de Haia, cujo artigo 38 relaciona as seguintes fontes e
meios auxiliares:
� Tratados;
� Costume; e
� Princípios gerais de direito.
Além das fontes supracitadas, o Estatuto aponta a
jurisprudência, a doutrina e a eqüidade como instrumentos de
interpretação e integração do DI. A eqüidade é bem explicada por
Accioly:
[...] a função da eqüidade pode ser a de adaptação ao
direito existente [...] ou a de afastar o direito positivo a
critério do juiz.44
Alguns doutrinadores acrescentam ao rol os atos
unilaterais e as decisões oriundas das organizações internacionais.
Ao contrário da nossa legislação, que no art. 4º da
LICC estabelece hierarquia entre as fontes do direito interno, no DI as
fontes não possuem hierarquia.45
1.7.1 Tratados
São tratados internacionais, segundo José Dalmo:
[...] acordos firmados por Pessoas Jurídicas de Direito
Internacional, que se obrigam, mediante documento
escrito, a calcar o seu modo de agir por determinadas
normas internacionais.46
44 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.20. 45 ACCIOLY, op. cit., p.20. 46 MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979. p.43.
18
Rezek conceitua tratados da seguinte forma:
Tratado e todo acordo formal concluído entre pessoas
jurídicas de direito internacional público, e destinado a
produzir efeitos jurídicos.47
Sendo tratado o instrumento pelo qual os sujeitos de
direito internacional estipulam direitos e obrigações entre si, o tratado,
como fonte do direito internacional, serve para que o judiciário o aplique
ao caso concreto, valendo-se também das demais fontes do direito
internacional.
A Convenção de Viena de 1986, posterior Convenção
de Viena de 1969, regula o direito dos tratados internacionais, da forma
estudada no próximo capítulo desta monografia.
1.7.2 Costume
Partimos do princípio de que valer-se-á dos costumes
quando houver lacuna no tratado, ou quando se pretender criar um novo
tratado, se não vejamos:
A regra costumeira, ou simplesmente o costume, ocupa
espaços ainda não preenchidos pelos tratados e contribui
para a confecção destes.48
O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça
define o costume internacional como prova de uma prática geral aceita
como sendo o direito, isto é, a prática social reiterada e obrigatória. Em
geral são regras não escritas, surgidas através do uso continuado e aceito
tácito de todas as pessoas que as admitiram como norma de conduta.
47 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.14. 48 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.41.
19
O costume, ao contrário do tratado, que só é
obrigatório às partes contratantes, considera-se como obrigatório a todos
os sujeitos de DI, e sua violação acarreta responsabilidade jurídica.
O costume termina quando deixa de ser praticado:
com um novo costume ou com um tratado que o positive.
1.7.3 Princípios Gerais de Direito
O art. 38 do Estatuto da CIJ dispõe ser fonte do Direito
Internacional os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações
civilizadas. A doutrina entende que o complemento “nações civilizadas” já
não mais é necessário, visto que todas as nações em tese são civilizadas.49
Segundo o doutrinador Hee Moon Jo50, são os
princípios gerais de direito fontes acessórias e auxiliares que completam as
lacunas do DI, nos limites do direito positivo, isto porque não tem, o juiz
internacional, a prerrogativa do magistrado interno, que não pode deixar
de julgar por falta de lei, quando logo se vale de outras fontes do direito
interno, enquanto o juiz internacional valer-se-á dos princípios gerais do
direito.
Quem identifica os referidos princípios são os tribunais
internacionais e nacionais, sendo a CIJ o órgão principal.51
A doutrina considera princípios gerais do direito, dentre
outros, o princípio da não-agressão; princípio da solução pacífica de
controvérsias; princípio da autodeterminação dos povos; princípio da
coexistência pacífica; princípio da continuidade do Estado; princípio da
boa fé; princípio da obrigação de reparar o dano; pacta sunt servanda;
49 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.41. 50 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.136. 51 JO, op. cit., p.138
20
lex posterior derogat priori; nemo plus iuris transferre potest quam ipse
habet (ninguém pode transferir mais do que possui).52
1.7.4 Atos Unilaterais
Esta fonte do direito internacional (não assim
mencionada no Estatuto da CIJ, e igualmente não reconhecida como
fonte por alguns doutrinadores53), segundo a doutrina de Ricardo Gama,
não é reparadora de lacunas54. O autor complementa que os atos estatais
(ou de Organizações Internacionais) unilaterais são de conteúdo
internacional, gerando efeitos nessa esfera, mencionando inclusive o
exemplo da Groelândia Oriental, que a Corte Permanente de Justiça
Internacional tomou as declarações do embaixador norueguês constantes
de notas trocadas com o embaixador dinamarquês como ato gerador de
obrigações.
Rezek defende não haver aspecto normativo nos atos
unilaterais, entretanto reconhece que esses atos produzem conseqüências
jurídicas, como as do exemplo anterior.55
1.7.5 Decisões das Organizações Internacionais
As decisões das organizações internacionais também
não aparecem no rol de fontes do direito internacional concebido no art.
38 do Estatuto da Corte de Haia. O referido Estatuto foi criado em 1920,
isto é, no início da era das organizações internacionais.
O autor Rezek56 critica que do mesmo modo que os
atos unilaterais não estão presentes no Estatuto como fontes do direito
52 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.41. 53 REZEK, op. cit., p.42. 54 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.42. 55 REZEK, op. cit., p.42.
21
internacional, as decisões das organizações internacionais também
merecem ser compreendidos como tal, visto que ambos acarretam frutos
de notória repercussão internacional:
Isto lembra de certo modo a crítica também oposta aos
atos unilaterais, que mesmo quando normativos e de notória
repercussão internacional, careceriam da qualidade de
fonte autônoma. Assim, o verdadeiro fundamento da
licitude do trânsito de um navio egípcio pelas águas do
Amazonas não seria a lei brasileira de franquia, mas um
possível princípio geral ou norma costumeira mandando a
todo Estado que honre suas promessas, ou proceda de
acordo com suas proclamações voltadas para o meio
exterior.
Neste sentido, segundo o autor, são as decisões das
organizações internacionais, assim como os atos unilaterais, sim, fontes do
direito internacional.
O doutrinador Ricardo Gama57 observa a título de
exemplo que em alguns casos, como nas matérias sanitárias, a
Organização Mundial de Saúde elabora a convenção e os seus membros
não precisam nem mesmo se manifestar sobre a adesão, bastando o
silêncio para que esta se dê. Obviamente que o membro que não aceitar
tal decisão pode protestar contra a mesma.
1.8 DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL
A doutrina de Rezek58 conceitua domínio público
internacional com sendo aqueles espaços cuja utilização interessa a mais
de um Estado, ou ainda a sociedade internacional como um todo, mesmo
estando o domínio sujeito a determinada soberania. 56 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.137 57 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. p.45. 58 REZEK, op. cit., p.299.
22
São de domínio público internacional o mar e suas
subdivisões legais, os rios internacionais, o espaço aéreo e o espaço extra-
atmosférico.
CAPÍTULO 2
DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
2.1 CONCEITO
Tratado, do latim tractatus, de tractare (discutir,
cumprir, trabalhar), lato sensu quer dizer estabelecer pontos em comum
sobre determinado assunto, discutidos por dois ou mais interessados, com
o cunho de serem cumpridos reciprocamente.65
Os tratados internacionais foram regulados, com
direção às Américas, pela Convenção de Havana sobre Direito dos
Tratados, de 1928. Mundialmente, uma das mais importantes fontes do
direito internacional é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(a primeira assinada em 26 de maio de 1969, e que vigorou desde 27 de
janeiro de 1980, até a nova Convenção de Viena sobre o Direito de
Tratados, de 1986).
Bem conceitua tratado o eminente doutrinador Rezek:
Tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas
jurídicas de direito internacional público, e destinado a
produzir efeitos jurídicos.66
No mesmo sentido, assim reza Seitenfus quanto à
definição de tratados:
65 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.1429. 66 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.14.
24
Acordos concluídos entre dois ou mais sujeitos de direito
internacional, os tratados destinam-se a produzir efeitos
jurídicos e são regidos pelo direito internacional.67
E assim o faz com fulcro no artigo 2º, 1, “a”, da
Convenção de Viena de 1969, que assim dispõe:
Para os fins da presente Convenção: "tratado" significa um
acordo internacional concluído por escrito entre Estados e
regido pelo Direito Internacional, quer conste de um
instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos
conexos, qualquer que seja sua denominação específica.
De acordo com a definição do referido artigo, pode-se
guardar duas premissas: não há tratado verbal; somente Estados podem
fazê-lo.
No entanto a segunda premissa, ora restrição, não
autorizava tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre as
próprias organizações. No entanto o dispositivo foi ampliado pela nova
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986, a qual passou
a atribuir capacidade às Organizações Internacionais, assim como aos
Estados, de celebrar tratados internacionais.
Seitenfus menciona que para Cachapuz de Medeiros:
[...] a capacidade de celebrar tratados das organizações
não tem a mesma amplitude. Com efeito, enquanto os
Estados estão aptos a celebrar tratados de toda índole, a
organização pode somente celebrar aqueles que se
mostram necessários à realização de sua missão.68
67 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.39. 68 STEINFUS, op. cit., p.39.
25
Organizações Internacionais estas, não
necessariamente intergovernamentais. Tem-se o exemplo clássico da
doutrina à organização internacional Cruz Vermelha, que é uma entidade
internacional que não age sob interesse de nenhum país.
2.2 TERMINOLOGIA
Nossa Constituição refere-se à norma internacional
como tratados e convenções internacionais. Naturalmente leva-se a crer
tratar-se de institutos jurídicos distintos, mas na verdade é equívoco.
Acordo, ajuste, arranjo, ata, ato, carta, código,
compromisso, constituição, contrato, convenção, convênio, declaração,
estatuto, memorando, pacto, protocolo, regulamento... estas
nomenclaturas possuem o mesmo fim a que se denomina tratado. São
escolhidas de forma aleatória. A doutrina69 é unânime em dizer que não se
segue lógica na escolha da terminologia. O que se pode fazer é
esteticamente empregar certa denominação, por exemplo, usar o termo
constituição para tratado constitutivo de organização internacional. Há
uma única exceção: utiliza-se a denominação concordata para tratado
que tenha como parte a Santa Sé, ou seja, de cunho religioso.
2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS
Os doutrinadores Seitenfus70, Rezek71 e Celso Mello72
não possuem classificação padronizada, uniforme, acerca dos tratados
internacionais. Cada qual rotula ou discrimina de forma diferente, embora
com alguns pontos em comum. Unir-se-á as classificações divididas da
69 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.16. 70 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.40. 71 REZEK, op. cit., p.30. 72 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.215.
26
mesma forma pelos doutrinadores, e as elencadas individualmente
comentar-se-á a posteriori.
Classifica-se tratado internacional, segundo a doutrina
majoritária73, da seguinte forma:
Quanto ao número de partes:
a) Bilateral: entre dois Estados, duas Organizações
Internacionais ou entre Estados e organizações;
b) Multilateral: três ou mais partes, que podem ocorrer
nas mesmas possibilidades do item “a”, mas em
número maior que dois.
Quanto ao procedimento adotado para sua
conclusão (consentimento):
a) Forma simples: expressão de consentimento única
na assinatura do tratado;
b) Forma solene: consentimento em duas fases.
Quando da assinatura e da ratificação.
Quanto à natureza jurídica do ato:
a) Tratados-contratos: regulam interesses recíprocos
dos Estados, podendo ser bilateral ou multilateral.
Ao exemplo de tratados comerciais;
b) Tratados-leis: geralmente celebrados entre muitos
Estados com o objetivo de fixar as normas de Direito
Internacional. A Convenção de Viena é um típico
tratado-lei;
73 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.30.
27
c) Tratados-normativos: criados por uniões
internacionais administrativas, por exemplo, a
Organização Mundial de Saúde.
Seitenfus74 relembra que nada impede que um mesmo
tratado apresente mais de uma característica de natureza jurídica,
caracterizando os Tratados-mistos.
Rezek75 traz uma quarta classificação, no tocante à
execução do tratado, sendo duas hipóteses estudadas: execução no
tempo e execução no espaço.
À conta da execução no tempo, importa distinguir o
tratado que cria uma situação jurídica estática, objetiva e
definitiva, daquele que estabelece uma relação jurídica
obrigacional dinâmica, a vincular as partes por prazo certo
ou indefinido.
Seitenfus76 também doutrina esta matéria, porém
como forma de tratados-contratos. Ele denomina executados, os que
para Rezek são os estáticos, embora ambos traduzam o mesmo sentido.
Para o tratado que cria uma situação jurídica estática,
diz-se tratado de limites, no qual dois Estados acertam a linha divisória
entre seus territórios. Neste a matéria é disposta permanentemente.
Na segunda subespécie de execução no tempo, a da
relação jurídica obrigacional dinâmica, para Seitenfus77 executórios, os
atos são previstos de maneira que regularmente serão executados, e
proceder-se-á com àquela execução respectivamente prevista.
74 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.p.40. 75 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.30. 76 SEITENFUS, op. cit., p.40. 77 SEITENFUS, op. cit., p.40.
28
A doutrina traz diversas outras denominações para
tratados com estas características, tais como tratados dispositivos, reais,
territoriais, executados e transitórios, este último devido à instantaneidade
da execução deste tipo de tratado, que em geral submete-se a simples
publicação da nova situação jurídica objetiva que as partes
estabeleceram.78
Execução no espaço diz respeito ao alcance espacial
do tratado. O artigo 29 da Convenção de Viena de 1986 assim proclama:
Aplicação territorial dos tratados. Um tratado entre um ou
vários Estados e uma ou várias organizações internacionais
será obrigatório para cada um dos Estados partes quanto à
totalidade do seu território, salvo se uma intenção diferente
resultar dele ou tenha sido estabelecido de outro modo.
Desta forma, presume-se ser o tratado válido em todo
território do Estado ou da organização internacional envolvida, salvo se o
próprio tratado versar sobre disposição diferente.
2.4 CONDIÇÕES DE VALIDADE DOS TRATADOS
Os tratados possuem condições para que possam
produzir efeitos: quanto à capacidade das partes contratantes,
habilitação dos agentes signatários, consentimento mútuo e finalmente
objeto lícito e possível.
2.4.1 Capacidade das Partes Contratantes
Como visto, a primeira Convenção de Viena, de 1969,
taxava apenas Estados como legitimados a assinar tratados. Não obstante
em 1986 a nova Convenção de Viena acrescentou a competência
também às organizações internacionais, estas governamentais ou não. 78 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.31.
29
Os Estados dependentes ou os membros de uma
federação também podem concluir tratados internacionais, segundo o
expoente doutrinador Celso Mello, que assim dispõe:
O direito Interno (constituição) pode dar aos seus estados
federados este direito, como ocorre na Suíça, na Alemanha
Ocidental e na URSS. O governo federal no Brasil não será
responsável se um estado membro da federação concluir
um acordo sem que seja ouvido o Poder Executivo Federal
e nem seja aprovado pelo Senado.79
Assim, o doutrinador afirma ser possível a competência
também dos Estados dependentes e estados membros de uma
federação. No entanto há subordinação de órgão superior, nele buscar-
se-á disposição legal que permita ao membro da federação assinar
tratado de forma autônoma.
2.4.2 Habilitação dos Agentes Signatários
Habilitação dos agentes signatários significa a
legitimação dada a quem representa a parte contratante para poder
assinar tratados.
Celso Mello traduz que:
A habilitação dos agentes signatários de um tratado
internacional é feita pelos “plenos poderes”, que dão aos
negociadores o “poder de negociar e concluir” o tratado.80
Rezek81 classifica quem está habilitado a agir em nome
destas personalidades jurídicas à hora do procedimento negocial, ou seja,
quem possui “plenos poderes”, da seguinte forma:
79 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.215. 80 MELLO, op. cit., p.217.
30
a) Chefes de Estado e de governo;
b) Plenipotenciários;
c) Delegações nacionais.
A primeira categoria, Chefes de Estado e de governo,
nas próprias palavras do doutrinador significa:
A voz externa do Estado é, por excelência, a voz de seu
chefe. Certo que a condução efetiva da política exterior
somente lhe incumbe, em regra, nas repúblicas
presidencialistas, onde – a exemplo do modelo monárquico
clássico – a chefia do Estado e a do governo se confundem
na autoridade de uma única pessoa. No que estritamente
concerne, porém, ao direito dos tratados, a
representatividade ilimitada do Chefe de Estado não sofre
desgaste à conta do regime parlamentarista, em que lhe
preserva de toda responsabilidade governativa – transferida
esta ao gabinete e a seu regente, o primeiro-ministro, titular
da chefia do governo. É correta a proverbial assertiva de
que os chefes de Estados parlamentares não governam. O
que lhes sobra, contudo, costuma ser exatamente a
encarnação da soberania estatal, e essa virtude
representativa, no que toca à celebração de tratados
internacionais, tem irrecusável importância.82
Neste sentido, o Estado será representado por seu
chefe, seja república presidencialista ou parlamentarista. Subentende-se
também que não há exigência para este chefe poder usar sua
autoridade, a exemplo de uma carta de plenos poderes, pois estes chefes
possuem originariamente plenos poderes.
81 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.34-35. 82 REZEK, op. cit., p.35.
31
Vale lembrar que quanto à forma adotada para a
conclusão do tratado (1.3 Classificação dos tratados), na forma simples,
com a assinatura já passa a vincular o tratado, enquanto na forma solene
há duas fases, a assinatura e a ratificação. Isto quer dizer que, na forma
simples, como é necessária apenas a assinatura, o legitimado a assinar é
quem possui originariamente plenos poderes. Ou seja, o chefe de estado
ou de governo ao assinar o tratado, o autoriza instantaneamente a
vigorar. Já na forma solene, é necessária após a assinatura do chefe de
estado ou de governo, a ratificação por quem possui plenos poderes na
forma derivada.83
Possuem plenos poderes na forma derivada, os
pertencentes da classificação “b” de Rezek, os Plenipotenciários
(mandatários):
O Ministro de Estado responsável pelas relações
exteriores, em qualquer sistema de governo, possui esta legitimidade
derivada. 84
Este terceiro habilitado, da mesma forma que os
originários, não precisa de apresentação de carta de plenos poderes, pois
tal competência já lhe é inerente do cargo. Da mesma forma prescinde
de apresentação de carta de plenos poderes o chefe de missão
diplomática, mas apenas para a negociação de tratados bilaterais entre
o Estado acreditante e o Estado acreditado.85
Existem ainda os Plenipotenciários que necessitam de
carta de plenos poderes; diplomata ou servidor público de outra área. 86
83 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.34-35. 84 REZEK, op. cit., p.35. 85 REZEK, op. cit., p.36. 86 REZEK, op. cit., p.36.
32
No tocante a plenos poderes nas organizações
internacionais, seus secretários-gerais e secretários-gerais adjuntos não
necessitam de tal qualificação. 87
A terceira classificação de Rezek trata das Delegações
Nacionais. Especificamente diz respeito aos auxiliares daquele que é
Chefe de Governo ou Estado, ou ainda do Plenipotenciário. Não possuem
plenos poderes, ou seja, sozinhos não representam o Estado.
Nas palavras de Rezek:
Antes de tudo, a delegação tem a ver com a fase negocial
da gênese dos tratados. Pluralizar a representação do
Estado é algo oneroso, que só em circunstância raras
encontraria justificativa à hora dos atos posteriores ao
esforço preparatório do texto convencional. Naquela fase,
contudo, a individualidade do plenipotenciário costuma
não bastar à completa e adequada colocação do grupo,
subordinado à sua chefia.88
Mesmo com a qualificação de delegados, apenas seu
superior, chefe ou plenipotenciário, possui plenos poderes.
Nas organizações internacionais, os ditos delegados
auxiliarão o secretário-geral.
Nota-se que o tratado concluído por pessoa não
habilitada não tem efeito legal:
Ainda quanto à habilitação dos agentes signatários, um
ato relativo à conclusão do tratado por pessoa não
87 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.36. 88 REZEK, op. cit., p.37.
33
habilitada não tem efeito legal até que o Estado confirme
tal ato.89
2.4.3 Consentimento Mútuo
A natureza dos tratados pressupõe acordo de
vontades. Este acordo de vontades é válido desde que livre de vício.
Celso Mello assim diz:
O acordo de vontade entre as partes não deve sofrer
nenhum vício. O erro, o dolo e a coação viciam os
tratados.90
Neste sentido, o doutrinador91 delimita as possibilidades
de admissão de erro:
a) Só anula o tratado o erro que tenha atingido a
base essencial do consentimento para se submeter
ao tratado;
b) Se o erro é de redação, ele não atinge a validade
do tratado e deverá ser feita a sua correção;
c) O erro de fato é que constitui vício do
consentimento; o erro de direito deve ser afastado
como vício;
d) O Estado que tenha contribuído para o erro não
pode invocá-lo.
89 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.216. 90 MELLO, op. cit., p.218. 91 MELLO, op. cit., p.218.
34
O dolo ocorre quando há emprego de manobras com
fim de induzir uma parte a concluir o tratado, espécie rara na história do
direito internacional público92. Assim exige-se:
a) Ter sido praticado por uma parte contratante;
b) Que o erro devido à fraude de outrem seja
escusável para a vítima e determinante do seu consentimento.
E finalmente a coação, que pode se manifestar de
duas maneiras93:
a) Contra a pessoa do representante do Estado ou
contra o próprio Estado, com a ameaça ou o emprego de força;
b) A corrupção do representante do Estado. (O Estado
representado pode invocar esta premissa para invalidar o seu
consentimento ao tratado).
A doutrina ainda ressalva que foram raríssimos os casos
de vícios de consentimento nos tratados.
2.4.4 Objeto Lícito e Possível
Os tratados podem apenas versar sobre objeto lícito e
possível.
Geraldo Eula Silva assim versa:
O consenso de vontades em DI só deve visar coisa
materialmente possível e permitida pelo direito e pela
moral. Na prática, oposição as duas hipóteses são raras.94
92 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.218. 93 MELLO, op. cit., p.218.
35
E Celso Mello complementa:
É nulo o tratado que violar uma norma imperativa do DI
Geral. Estas normas são ainda muito poucas e um exemplo
deste tipo de normas é a Carta da ONU. A nulidade do
tratado ocorre mesmo quando a norma imperativa for
posterior a ele. [...] a citada convenção de Viena define a
norma imperativa de DI Geral como sendo “uma norma
aceita e reconhecida pela comunidade internacional de
Estados como um todo, como uma norma em que não é
permitida a derrogação e a qual somente pode ser
modificada por uma subseqüente norma do DI Geral tendo
o mesmo caráter”.95
Neste sentido, caso haja objeto ilícito ou que viole
norma imperativa do direito internacional, há impossibilidade de
execução do tratado.
2.5 EFEITOS DE TRATADO SOBRE TERCEIROS ESTADOS
O artigo 34 da Convenção de Viena diz que os
tratados só produzem efeitos entre as partes contratantes, se não vejamos:
Regra geral respeitante aos terceiros Estados e terceiras
organizações. Um tratado não cria nem obrigações nem
direitos para um terceiro Estado ou uma terceira
organização sem o consentimento desse Estado ou dessa
organização.
Entretanto existem duas exceções, abordadas na
doutrina de Geraldo Eula Silva, “a” e “b”, ipsis literis:
94 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.32. 95 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.217.
36
a) Sem dúvida, um tratado não pode ser fonte de
obrigações para terceiros. Isso não impede, porém, que lhes
possa acarretar conseqüências nocivas. Nesta hipótese, o
Estado assim lesado tem o direito de protestar e de procurar
assegurar os seus direitos, bem como o de pedir reparações.
Se, entretanto, o tratado não viola direitos de Estado não-
contratante e é apenas prejudicial a seus interesses, ou
causa a esse Estado dano extralegal, ou antes dammum
sine injuria, o Estado lesado poderá reclamar
diplomaticamente contra o fato, mas contra o mesmo não
terá recurso jurídico.96
b) Por outro lado, nada impede que, de um tratado, possa,
resultar conseqüências favoráveis para Estados que dele
não participarem, ou que os contratantes, por
manifestação de vontade expressa, concedam direito ou
privilégio a terceiros. A bem dizer, esta é a única hipótese
de exceção ao princípio de que o tratado só produz efeitos
entre as partes contratantes.97
Celso Mello98 ressalva que existem certos tipos de
tratados que produzem efeitos em relação aos terceiros Estados, da
seguinte forma:
a) Tratados que criam situações reais objetivas:
exemplo os que versam sobre questões territoriais, como o Tratado de
Petrópolis de 1903, em que a Bolívia cedeu o Acre ao Brasil.
b) Tratados constitutivos ou semilegislativos: concluídos
por um grupo de Estados em nome do interesse da sociedade
internacional e que produzem efeitos em relação a terceiros. (ex.: Tratado
de Viena, de 20 de março de 1815, em que oito potências declaram a
96 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.32-33. 97 SILVA, op. cit., p.33. 98 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.222.
37
Suíça neutra permanentemente e a que a própria Suíça só aderiu
posteriormente no mesmo ano).
As citações dos eminentes doutrinadores trazem
ressalvas quanto à produção de efeitos de tratados em relação a terceiros
de forma que um complementa o outro. Diante das hipóteses, conclui-se
que uma obrigação só poderá ser imposta com o consentimento do
terceiro envolvido. Caso um tratado conceder direito a parte não
envolvida, esta poderá se opor contra aquele, no entanto se exercer o
direito, devera respeitar a forma prevista no respectivo tratado.
Válida a reflexão:
[...] com a evolução da sociedade internacional através da
criação de organizações internacionais nos parece conduzir
a um ponto diametralmente oposto. É que, havendo uma
“indivisibilidade da paz”, não nos parece impossível que
uma pequena fração de Estados possa vir a destruí-la.99
Neste enfoque, não se veda a obrigação de Estado
terceiro em cumprir previsões de tratado do qual não seja parte, a
exemplo da ONU, que impõe obrigações a Estados terceiros, ou seja, não
signatários seus.
2.6 RATIFICAÇÃO, ADESÃO E ACEITAÇÃO DE TRATADO
Ratificação, adesão e aceitação de tratado são as
formas através das quais um Estado consente e se vincula ao tratado. Mais
especificamente, a Convenção de Viena, em seu artigo 11, assim delimita:
Manifestação do consentimento a estar vinculado por um
tratado. 1 O consentimento de um Estado a estar vinculado
por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, a troca
99 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.222.
38
de instrumentos constitutivos de um tratado, a ratificação, a
aceitação, a aprovação ou adesão, ou por outro meio
convencionado. 2 O consentimento de uma organização
internacional a estar vinculada por um tratado pode
manifestar-se pela assinatura, a troca de instrumentos
constitutivos de um tratado, um ato de confirmação formal,
a aceitação, a aprovação ou a adesão, ou por outro meio
convencionado.
Ratificação é o ato administrativo mediante o qual o
Chefe de Estado confirma tratado firmado em seu nome ou em nome do
Estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente
signatário. A ratificação precede à aprovação pelo parlamento e deve
ser exigida no tratado, do contrário não é necessária. Nota-se que em
caso do tratado versar sobre matéria executiva, não há necessidade de
passar pelo legislativo.100
De praxe ratifica-se por meio de documento - carta de
ratificação -, assinada pelo chefe de Estado e referendada pelo Ministro
das Relações Exteriores101. Logo “troca-se o instrumento” para dar vigor ao
tratado, efetivando-se então a segunda hipótese prevista no artigo 11:
troca de instrumentos constitutivos.
Quanto à adesão e aceitação, são consideradas pela
doutrina102 como sinônimos. Refere-se a países que posteriormente à
confecção do tratado, desejam se vincular a ele.
Neste sentido:
100 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.34. 101 SILVA, op. cit., p.34. 102 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.85.
39
O aderente é, em princípio, um Estado que não negociou
nem assinou o pacto – e que assim não pode ratificá-lo -,
mas que, tomado de interesse por ele, decide tornar-se
parte, havendo-se antes certificado da possibilidade do
ingresso por adesão.103
Logo ao aderente não é possível ratificar, pois este
instituto é próprio das partes que acordaram o tratado inicialmente. Aos
futuros interessados será denominada adesão ou aceitação a inclusão no
tratado, este que deverá prever esta possibilidade.
2.7 REGISTRO E PUBLICAÇÃO DE TRATADO
Com o registro e a conseqüente publicação do
tratado, este passa a ser exigível.
A Convenção de Viena adotou a regra prevista na
Carta das Nações Unidas, quanto ao registro e publicação de tratados. A
referida Carta diz que todo tratado ou acordo internacional concluído por
qualquer membro deverá, logo que possível, ser registrado no
Secretariado e por este publicado. Reza ainda que nenhuma parte do
tratado não registrado poderá invocá-lo perante qualquer órgão das
Nações Unidas.
A fim de adaptação, a Convenção de Viena ao
adotar a referida regra, modificou os seguintes pontos: a designação de
depositário constitui autorização para este praticar o registro (e com o
registro há publicação); ao invés de perante qualquer órgão das Nações
103 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.85.
40
Unidas, utilizou-se qualquer organização que eventualmente assine
tratado.104
Ou seja, a fim de facilitar o registro dos tratados, a
Convenção de Viena optou por ampliar a previsão original da Carta das
Nações Unidas, autorizando depositário efetivar o registro no secretariado
da ONU, ou qualquer organização que eventualmente assine tratado, isto
porque também são obrigadas a registrar:
[...] Simone Dreyfus observa com razão que no plano
internacional não se pode falar em publicidade, mas em
“fazer conhecer o tratado”, que é realizado pelo registro.
Na verdade, o registro é a publicidade no DI.105
Por logo, se conclui que a publicidade é inerente ao
registro, é sua conseqüência.
2.8 INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS
É de notório saber jurídico a colocação de Rezek:
Interpretar o tratado internacional significa determinar o
exato sentido da norma jurídica expressa num texto
obscuro, impreciso, contraditório, incompleto ou
ambíguo.106
O referido ensinamento projeta-se positivado na
Convenção de Viena, que dispõe nos artigos 31 ao 33 sobre a
interpretação dos tratados: traz como regra geral que estes devem ser
interpretados de boa-fé.
104 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.38. 105 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.242. 106 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.90.
41
Não obstante, interpreta-se:
[...] leva-se em consideração não só o texto, mas também o
preâmbulo e os anexos, bem como qualquer acordo feito
entre as partes por ocasião da conclusão do tratado ou
posteriormente quanto a sua interpretação.107
Os tratados devem ser interpretados sob o contexto
que foi criado, como um todo. Ademais poderá ocorrer conflito na
interpretação da língua que foi redigido o tratado, quando assim dever-
se-á proceder da seguinte forma, segundo Geraldo E. Silva:
Se num tratado bilateral redigido em duas línguas houver
discrepância entre os dois textos que fazem fé, cada parte
contratante é obrigada apenas pelo texto em sua própria
língua, salvo disposição expressa em contrário.108
Na prática se escolhe uma terceira língua para evitar
interpretação diversa. Em tratados multilaterais, nos quais diversas línguas
são usadas, a Convenção sobre o Direito dos Tratados adota norma
interpretativa, no entanto percebe-se que pode surgir discrepância, se as
línguas forem interpretadas com teor diferente uma das outras. 109
Cada país possui regras internas para atribuir
legitimidade interpretativa de tratados. No Brasil é assim distribuída à
competência, como reza Celso Mello:
O Decreto nº 92.890, de 7/7/86, estabelece, no art. 5º, que
“compete à consultoria Geral da República: ... II – fixar a
interpretação da Constituição; das leis, de tratados e atos
107 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.38. 108 SILVA, op. cit., p.39. 109 SILVA, op. cit., p.39.
42
normativos..., a ser uniformemente seguida pelos órgão e
entes da Administração Federal”.110
No Capítulo 3 estudar-se-á de forma efetiva tal
procedimento.
2.9 APLICAÇÃO DE TRATADOS SUCESSIVOS SOBRE A MESMA MATÉRIA
Ocorrendo conflito de normas de tratados sobre a
mesma matéria, a doutrina de antemão avisa sobre a complexidade do
assunto sobre como se dirimir o conflito.
A CDI adotou o artigo 30 da Convenção de Viena
para a solução de conflitos de normas, que assim se dividem111:
a) Entre tratado bilateral com outro tratado bilateral:
boa-fé deve prevalecer;
b) Entre tratado bilateral com multilateral ou este último
com outro multilateral: regra geral, lei anterior. Lei posterior para casos
restritos, exemplo parágrafo terceiro da Convenção de Viena: o tratado
anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam
compatíveis com as do tratado posterior.
No entanto dois casos prevalecerão indubitavelmente,
já sedimentados pela doutrina112:
a) A Carta das Nações Unidas assim dispõe em seu
artigo 103:
110 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.257. 111 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.40. 112 SILVA, op. cit., p.40.
43
No caso de conflito entre as obrigações dos membros das
Nações Unidas em virtude da presente Carta e as
obrigações resultantes de qualquer outro acordo
internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em
virtude da presente carta.
Portanto os membros das Nações Unidas estão
vinculados às obrigações assumidas na Carta das Nações Unidas, e estas
prevalecerão em seus conflitos.
b) De acordo com a Convenção de Viena, em seu
artigo 53, é nulo o tratado que conflite com normas imperativas de DI
geral.
Neste caso é nulo o tratado que conflitar com normas
imperativas do Direto Internacional.
De qualquer forma, “[...] a interpretação judiciosa e de
boa-fé é possível na maioria dos casos”113, ou seja, dificilmente ter-se-á
conflito de normas de tratados de difícil solução. Em ocorrendo, a primeira
interpretação é a boa-fé. A intenção comum dos pactuantes prevalece.
Excetuam-se os tratados que conflitem com normas superiores como as da
Carta das Nações Unidas e imperativas do Direito Internacional geral,
quando logo prevalecerão estas últimas.114
2.10 NULIDADE, EXTINÇÃO E SUSPENSÃO DE APLICAÇÃO DE TRATADOS
A priori, é preciso destacar uma circunstância para se
analisar as formas de nulidade, extinção e suspensão de aplicação de
tratados:
113 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.41. 114 SILVA, op. cit., p.41.
44
[...] na vida internacional os Estados se cercam de muito
maiores cuidados do que os indivíduos na vida civil, o que
faz com que esta teoria perca muito do seu valor.115
A convenção de Viena trata desta matéria nos artigos
42 ao 72.
2.10.1 Nulidade
Parte-se da premissa de que os sujeitos internacionais
tendem a tomar efetivamente todas as precauções para evitar nulidades.
[...] as partes contratantes, na ordem externa, costumam
operar com grandes precauções, com perfeito
conhecimento de causa.116
Neste sentido, a nulidade ocorre, segundo a doutrina:
[...] em virtude de erro, dolo, corrupção do representante
do Estado, coerção exercida sobre o referido representante
e coerção decorrente de ameaça ou emprego de força,
além da adoção de tratado com desconhecimento do ius
cogens.117
O erro de fato pode ocorrer, por exemplo, em caso de
fronteira; o dolo está habitualmente excluído devido ao desuso; coação,
do artigo 51 da Convenção de Viena, é também causa de nulidade,
embora difícil de prová-la (p. ex. Hitler ao alegar coação quando da
assinatura do Tratado de Versalhes, que pôs fim à primeira guerra
mundial); ameaça ou emprego de força em violação dos princípios de
Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas: nulidade;
por fim o tratado com desconhecimento do ius cogens (direito cuja
115 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.265. 116 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.41. 117 SILVA, op. cit., p.41.
45
aplicação é obrigatória pela parte e não pode ser afastado pela vontade
de particularidades), o qual Geraldo E. Silva diz ter limites hoje ainda não
esclarecidos. 118
2.10.2 Extinção e Suspensão de Aplicação de Tratados
À luz da Convenção de Viena, um tratado extinto ou
suspenso não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação jurídica
das partes, criada pela execução do tratado, antes de sua extinção (art.
70).
Seitenfus119 traz as várias razões que podem conduzir à
extinção e suspensão do tratado:
• A previsão expressa em seu próprio texto;
• O consentimento das partes;
• A redução do número de partes num tratado
multilateral, aquém do quorum exigido para sua
entrada em vigor;
• A conclusão de um tratado posterior;
• A violação de cláusulas substantivas;
• A impossibilidade superveniente de cumpri-lo,
devido ao surgimento de uma mudança
fundamental de circunstancias, independente
da vontade das partes;
118 SILVA, Geraldo Eulélio do Nascimento. Manual de direito internacional público. G. E. do Nascimento e Silva e Hildebrando Accioly. 15.ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella – São Paulo: Saraiva, 2002. p.41. 119 SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.55.
46
• A ruptura de relações diplomáticas ou
consulares, a tornar impossível o cumprimento de
parte ou da totalidade do tratado;
• O surgimento de uma regra costumeira posterior
à conclusão do tratado;
• A superveniência de uma norma imperativa de
direito internacional geral.
É o consentimento expresso (denúncia ou retirada) das
partes a mais correta forma de suspensão ou extinção do tratado. Em
caso de tratado multilateral, a retirada apenas da parte autora não
impede a permanência das demais partes.
47
CAPÍTULO 3
A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA LEGISLAÇÃO INTERNA DO BRASIL
No Capítulo 1 foi estudado o desenvolver histórico do
Direito Internacional, suas subdivisões e abrangências. Foram
apresentadas de forma sucinta todas as suas fontes e, no Capítulo 2, de
forma detalhada a mais importante delas: o Tratado Internacional.
Procedeu-se a análise de suas formas e condições. A partir de agora
passa-se a abordar o modo pelo qual o Tratado Internacional é inserido na
legislação interna brasileira.
Principia-se pela contextualização histórica acerca
de como este procedimento era efetivado, chegando, num segundo
momento, ao modo pelo qual é hoje procedido.
3.1 RETROSPECTO DOS POSICIONAMENTOS ADOTADOS PELO BRASIL
Como visto no Capítulo 1, há diversas teorias que
discutem, forma antagônica, a relação entre direito internacional e direito
interno do Estado (monismo e dualismo com suas respectivas subdivisões).
Pode-se afirmar, por meio de uma análise
jurisprudencial, como a seguir expor-se-á, que o Brasil já seguiu a teoria do
monismo com supremacia de direito internacional, ou seja, quando a
ordem jurídica é uma só, e as normas de direito interno devem se ajustar
ao direito internacional. Sob este prisma há comentário doutrinário sobre a
jurisprudência da época:
No Brasil existem diversos acórdãos consagrando o primado
do DI, como é o caso da União Federal e Cia. Rádio
48
Internacional do Brasil (1951), em que o Supremo Tribunal
Federal decidiu unanimamente que um tratado revogava
as leis anteriores (Apelação Cível n.° 9.587). Coelho
Rodrigues assinala a existência de um acórdão do STF
(1914), no pedido de extradição n.° 7, de 1913, em que se
declarava estar em vigor e aplicável um tratado, apesar de
haver uma lei posterior contrária a ele. É a tese do primado
do DI. No mesmo sentido deste último, de que um tratado
não é revogado por uma lei interna posterior, está o
acórdão do STF na Apelação Cível n.° 7.872, de 1943, com
base no voto de Filadelfo de Azevedo.120
Notadamente a legislação brasileira pertinente a
matérias acordadas em tratados internacionais sofreram, nas décadas
explícitas na citação em epígrafe, adaptações por conta dos respectivos
tratados. O que de imediato se conclui é que naquela época a teoria
monista com supremacia de direito internacional era a que pairava sobre
os tribunais brasileiros.
Faz-se mister acrescentar que quando a matéria do
tratado internacional expõe matéria tributária e direitos humanos, a
doutrina aponta que a referida teoria monista com supremacia de direito
internacional continua viger, mas tratar-se-á das exceções no item 3.3
deste Capítulo.
Com a evolução legislativa e jurisprudencial,
caminhou-se para outra teoria, a dualista moderada, isto é, não há
exigência de edição de lei para que o tratado componha o direito
interno, bastando à ratificação do Congresso Nacional e a promulgação
executiva do tratado, como nota-se no didático acórdão abaixo:
[...] o brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito
de incorporação do ato internacional ao direito interno
(visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de
120 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.118.
49
executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com
a adoção de iter procedimental que compreende a
aprovação congressional e a promulgação executiva do
texto convencional (visão dualista moderada). Uma coisa,
porém, é absolutamente inquestionável sob o nosso modelo
constitucional: a ratificação – que se qualifica como típico
ato de direito internacional público – não basta, por si só,
para promover a automática incorporação do tratado ao
sistema de direito positivo interno. É que, para esse
específico efeito, expõe a coalescência das vontades
autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da
República, cujas deliberações individuais – embora
necessárias – não se revelam suficientes para, isoladamente,
gerarem a integração do texto convencional à ordem
interna, tal como adverte JOSÉ FRANCISCO REZEK (“Direito
Internacional Público, p. 69, item n. 34, 5ª ed., 1995,
Saraiva”).121
O referido inter procedimental descrito no acórdão
supra está positivado na Carta Maior, em seu artigo 84, inciso VIII, que
atribui competência privativa ao Presidente da República (eventualmente
pode delegar essa função ao Ministro das Relações Internacionais) para
celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional. E este último que é competente exclusivo para
resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional (art. 49, I, CRFB/88).122 Nestes termos conclui-se que a teoria
adotada pelo legislador constituinte foi efetivamente a teoria dualista
moderada, justamente pela independência das normas e a necessária
aprovação e promulgação da norma internacional para integrar o
sistema jurídico interno do país.
121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3-DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001. 122 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008.
50
Nesse diapasão chega-se a uma conclusão clara: é a
constituição do Estado, e não a doutrina, quem determina a inserção de
norma internacional no emaranhado legislativo do Estado, isto é, qual
procedimento lhe é atribuído. Por conseguinte, a discussão acerca de
qual a teoria o Estado adota, é meramente doutrinária, como se verá nas
próximas páginas.
A história constitucional do Brasil comprova que outrora
já se adotou inter procedimental com formalidade diversa da atual, como
ver-se-á num breve histórico acerca destas alterações:
A Carta Política do Império, de 25 de março de 1824,
dava competência para celebrar tratados ao Imperador, sem a
necessidade de qualquer aprovação pelo Poder Legislativo. A exceção
era se o tratado fosse concluído em tempo de paz e sua matéria fosse
cessão ou troca de território do Império ou de Possessões. Nesses havia
necessidade de aprovação pela Assembléia Geral.123
Seguidamente a Constituição da República de 24 de
fevereiro de 1891 estabeleceu competência privativa para celebrar
tratados internacionais ao Presidente da República, e posterior referendo
do Congresso Nacional.124
A Constituição Republicana de 16 de julho de 1934, em
relação à de 1891, apenas mudou a nomenclatura privativamente para
123 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 124 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008.
51
exclusiva, no tocante a competência do Congresso Nacional para
resolver definitivamente sobre os tratados internacionais.125
A próxima constituição, a Constituição dos Estados
Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937, estabeleceu que a discussão
e a votação dos projetos de lei sobre normas internacionais teriam início
no Conselho Federal.126
Já a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de
setembro de 1946 retornou a competência estabelecida na constituição
de 1934.127
A constituição da República Federativa do Brasil de 24
de janeiro de 1967 mudou a redação, mas manteve o mesmo senso a
respeito da aprovação das normas internacionais advindo da
Constituição de 1934: competência exclusiva do Congresso Nacional para
resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da
República, sendo deste a competência privativa para celebrar tratados,
convenções e atos internacionais.128
No entanto devido à divergência doutrinária acerca
da competência do Congresso Nacional, na letra da lei, apenas para
referendo de tratados internacionais, editou-se Emenda Constitucional em
30 de outubro de 1969, que mudou a redação para competência
125 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 126 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 127 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. 128 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (de 24 de janeiro de 1967). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008.
52
exclusiva para resolver definitivamente sobre os tratados, convenções e
atos internacionais celebrados pelo Presidente da República.129
Pode-se observar que embora a história constitucional
do Brasil apresente um número razoável de constituições, não ocorreram
grandes mudanças em relação ao sistema atual já estudado, no tocante
ao inter procedimental.
3.2 A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
No Capítulo 2 desta monografia foi verificado que a
adesão, a ratificação e a aceitação são formas de consentimento ao
tratado, ou seja, quando a parte adere, ratifica ou aceita, se torna
signatária do tratado.
Ocorre que só o consentimento não é suficiente para
que o tratado passe a integrar o ordenamento jurídico ao qual pertence à
parte assinante.
É este o momento culminante da presente monografia:
estudar de que forma o tratado, depois de assinado, passa a integrar a
legislação interna do Brasil.
Estudo-se que a nossa Constituição adota a teoria
dualista moderada: exige assinatura do Chefe de Estado, seguido de
referendo do Congresso Nacional e posterior ratificação formalizada pelo
Presidente da República.
Inicialmente, recorda-se que a letra constitucional
exige o referendo do Congresso Nacional como condição para que o
Presidente da República possa promulgar o decreto. Ocorre que a
exigência fica taxativamente exigida quando os tratados, acordos ou atos 129 BRASIL. Emenda Constitucional N° 1 (de 17 de outubro de 1969). Disponível em: https://200.181.15.9/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008.
53
internacionais acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional (art. 49, I, CRFB/88). O doutrinador João Grandino
Rodas explica que tais tratados não sujeitos ao referendo do Congresso
Nacional, ou seja, aqueles que não acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional são denominados de acordos executivos
ou tratados em forma simplificada.130 Segundo o autor, há cinco exemplos
de acordos executivos ou tratados em forma simplificada:
I – os acordos sobre assuntos de competência privativa do
executivo;
II – os concluídos por agentes ou funcionários competentes
para tanto, sobre assuntos de importância restrita ou
interesse local;
III – os que unicamente, interpretam cláusulas ou tratados já
vigentes;
IV – os decorrentes e complementares de tratado vigente;
e,
V – os de ‘modos vivendi’, na medida que deixem as coisas
no estado em que se encontram ou estabeleçam bases
para futuras negociações.131
De forma que nos casos acima, o referendo do
Congresso Nacional não é, segundo a doutrina, exigido. Por conseguinte,
o Presidente da República pode por si só promulgar o tratado
internacional que contenha assunto privativo ao seu cargo, além dos
demais casos acima arrolados. Hildebrando Accioly132 também entende
130 RODAS, João Grandino. Tratados Internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p.30. 131 RODAS, op. cit., p.30. 132 ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.5.
54
possível tais acordos executivos, da mesma forma que o doutrinador Hee
Moon Jo.133
Volta-se ao referendo do Congresso Nacional. Bem
denota Rezek:
A remessa de todo tratado ao Congresso Nacional para
que o examine e, se assim julgar conveniente, aprove [...] a
matéria é discutida e votada, separadamente, primeiro na
Câmara, depois no Senado. A aprovação do Congresso
implica, nesse contexto, a aprovação de uma e outra das
suas duas casas. Isto vale dizer que a eventual
desaprovação no âmbito da Câmara dos Deputados põe
termo ao processo, não havendo por que levar a questão
ao Senado em tais circunstâncias.134
Neste sentido, o referendo do Congresso Nacional é
determinado pela votação das duas casas – Câmara e Senado – sendo
que a desaprovação naquela por conseqüência obsta o processo sem
precisar passar pelo crivo desta.
A ratificação pelo Presidente da República, após
aprovação do tratado no referendo do Congresso Nacional, não é
obrigatória. Pode ele decidir por não ratificar. Da mesma forma que se o
Congresso não expedir decreto legislativo, o Chefe do Executivo estará
impedido de ratificar o tratado.135
Bem lembra a doutrina:
No Brasil, todos os tratados aprovados pelo Congresso
Nacional são promulgados por decreto presidencial no
Diário Oficial da União. Os acordos executivos também
133 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.71. 134 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.65. 135 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.57.
55
devem ser publicados no Diário Oficial da União,
devidamente autorizados pelo ministro das Relações
Exteriores.136
A ratificação do Presidente da República se exterioriza
através da expedição de decreto. Por sua vez, o decreto possui três
efeitos fundamentais: a promulgação; a publicação oficial de seu texto; e
a executoriedade, conforme o acórdão do STF:
É na Constituição da República – e não na controvérsia
doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se
deve buscar a solução normativa para a questão da
incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito
positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição
Federal permite constatar que a execução dos tratados
internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna
decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato
subjetivamente complexo, resultante da conjugação de
duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que
resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre
tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a
do Presidente da República, que, além de poder celebrar
esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também
dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da
competência para promulgá-los mediante decreto. O iter
procedimental de incorporação dos tratados internacionais
– superadas as fases prévias da celebração da convenção
internacional, de sua aprovação congressional e da
ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a
expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de
cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são
inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a
publicação oficial de seu texto; (c) a executoriedade do
ato internacional, que passa, então, e somente então, a
136 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.171.
56
vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.
Precedentes.137
São exatamente os três efeitos do decreto que fazem
com que o texto do tratado internacional passe a integrar a legislação
interna brasileira:
O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significa que
o compromisso foi aprovado pelo Congresso Nacional.
Incumbe formalizar essa decisão por parlamento, e sua
forma, no Brasil contemporâneo, é a de um decreto
legislativo, promulgado pelo presidente do Senado, que o
faz publicar no Diário Oficial da União.138
O decreto legislativo é a decisão do Congresso
Nacional sobre a aprovação da norma internacional, instrumento pelo
qual o Presidente da República pode ou não expedir decreto
presidencial.
Se o Presidente da República expedir o decreto,
concluir-se-ão seus efeitos: expedição do decreto (promulgação),
publicação no Diário Oficial da União (introdução na ordem legal),
adquirirá executoriedade.
Para assegurar o referido entendimento:
No Brasil se promulgam por decreto do presidente da
República todos os tratados que tenham feito objeto de
aprovação congressional antes da ratificação ou adesão.
Publicam-se apenas, no Diário Oficial da União, os que
137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) N.° 1.480-3 – DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001. 138 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.65.
57
hajam prescindido do assentimento parlamentar e da
intervenção confirmatória do chefe de Estado.139
Ainda quanto à publicidade enfatiza Celso Mello, in
verbis, “[...] trata-se de condição essencial para o tratado ser aplicado no
âmbito interno”.140
Não há dispositivo constitucional determinando que o
instrumento próprio para o Presidente da República promulgar tratados
internacionais seja o Decreto. Nota-se, no entanto, que desde 1826 é assim
procedido. Desde a promulgação realizada pelo Imperador, por decreto,
do Tratado de Paz e Amizade entre Brasil e Portugal.141
3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO
ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO DO BRASIL
Como resta estudada a forma pela qual o tratado
internacional ingressa no ordenamento jurídico interno brasileiro, necessita-
se agora compreender sua força legislativa.
Antes de o tratado internacional passar pelo crivo do
poder legislativo e do poder executivo, ainda no âmbito internacional, sua
natureza jurídica era contratual, isto é, tinha caráter negocial, ou seja, lhe
era inerente o princípio da autonomia da vontade e do pacta sunt
servanda, pois os sujeitos internacionais podiam decidir sobre seu
conteúdo, sua forma, se o assinariam ou não.142
139 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.79. 140 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.229. 141 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.61. 142 LIMA. Sérgio Mourão Corrêa. Tratados Internacionais no Brasil e Integração. São Paulo: LTr, 1998. p.19.
58
Por via de conseqüência, com o ingresso do tratado no
ordenamento jurídico interno, através de decreto presidencial, sua
natureza jurídica contratual já não lhe natura. Isto ocorre porque aos
nacionais não é assegurado o direito de transigir sobre o tratado, há sim
compulsoriedade a todos aqueles sujeitos à jurisdição interna, que agora o
tratado integra.
Passa-se para a próxima etapa: estudar se todos os
tratados têm o mesmo tratamento jurídico no tocante a sua localização
na pirâmide jurisdicional brasileira, saber qual a hierarquia do tratado junto
às demais leis que compõem a legislação interna, bem como conhecer às
exceções.
Parte-se das assertivas de que não há na legislação
brasileira dispositivo que atribua ao tratado sua força jurídica, e, no rol das
espécies legislativas da CRFB/88, do artigo 59, não consta tratados.
Por via de conseqüência, na ausência de dispositivo
legal, o presente estudo pautar-se-á na analogia, doutrina e
jurisprudência.
3.3.1 Os tratados internacionais sob vista da Constituição Federal
Os tratados, ao serem confeccionados pelas partes,
não sofrem controle de constitucionalidade, de forma a ajustá-los aos
moldes constitucionais de cada Estado contratante. Tal controle deve ser
efetuado quando da internalização do tratado no ordenamento jurídico
interno do Estado parte, assim como quando há edição de uma lei.
A Constituição, como se sabe, é a mais suprema das
normas internas, e está no topo da nossa pirâmide jurídico-normativa.
Conseqüentemente, os tratados, assim como as demais leis
infraconstitucionais, estão sujeitos ao controle de constitucionalidade,
como confirma a doutrina de Rezek:
59
[...] posto o primado da constituição em confronto com a
norma pacta Sunt servanda, é corrente que se preserve a
autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto
signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo,
deve aquele responder. Abstraída a constituição do Estado,
sobrevive o problema da concorrência entre tratados e leis
internas de estrutura infraconstitucional. A solução, em
países diversos, consiste em garantir prevalência aos
tratados. Noutros, entre os quais o Brasil contemporâneo,
garante-se-lhes apenas um tratamento paritário, tomadas
como paradigma as leis nacionais e diplomas de grau
equivalente.143
O entendimento tem amparo jurisprudencial no
Supremo Tribunal Federal:
SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. No
sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções
internacionais estão hierarquicamente subordinados à
autoridade normativa da Constituição da República. Em
conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados
internacionais, que, incorporados ao sistema de direito
positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o
texto da Carta Política.144
Ou seja, além de o tratado se sujeitar ao controle da
Constituição, pois não pode violar dispositivo da Carta Maior, lhe é
garantido tratamento paritário ao das leis nacionais e diplomas de grau
equivalente, como estudar-se-á no item 3.3.2, no qual há abordagem
sobre a posição hierárquica do tratado internacional frente à legislação
brasileira.
143 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.97. 144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3 DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001.
60
O referido controle de constitucionalidade é de
competência do Supremo Tribunal Federal, e está previsto no art. 102, I
“a”, da CRFB/88: “[...] efetuar a verificação em abstrato da
constitucionalidade de atos internacionais”.145
A doutrina estuda a possibilidade de tratados
internacionais disporem sobre matéria reservada a lei complementar.
Nas palavras de De Plácido e Silva, é lei
complementar:
Espécie de lei ordinária, tendo valor infraconstitucional,
destina-se a completar os dispositivos não executórios da
constituição.146
A lei complementar, além de ter matéria
exclusivamente sua reservada pela Carta Maior, possui quorum de
aprovação diferenciado das demais leis: o art. 69 da CRFB/88 exige
maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional.147 A exclusividade
de matéria se estende aos tratados internacionais – nem mesmo estes
poderão versar sobre matéria reservada a lei complementar.
Neste foco o Supremo Tribunal Federal decidiu:
TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE
LEI COMPLEMENTAR. [...] Os tratados internacionais
celebrados pelo Brasil – ou aos quais o Brasil venha a aderir –
145 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 146 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. p.828. 147 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008.
61
não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob
reserva constitucional de lei complementar.148
Deste modo conclui-se pela inconstitucionalidade de
tratados que versem sobre matéria reservada à lei complementar.
3.3.2 A hierarquia do tratado internacional na legislação interna do Brasil
Mencionou-se no item 3.3.1 citação de Rezek, na qual
o doutrinador disciplina que há tratamento paritário dos tratados
internacionais em relação às demais leis nacionais e diplomas de grau
equivalente.149
A jurisprudência acompanha supracitado ensino:
PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E
NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. Os
tratados ou convenções internacionais, uma vez
regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no
sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade,
de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis
ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos
de direito internacional público, mera relação de paridade
normativa. Precedentes.150
Tendo o tratado internacional força hierárquica de lei
ordinária, concluí-se que em caso de conflito entre ambos, ser-lhes-á
148 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3 – DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de Mario de 2001. 149 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.97. 150 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3 – DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de Mario de 2001.
62
resolvido pelo critério cronológico: lex posterior derogat priori,151ou pelo
critério da especialidade: lex speciallis derogat legi priori152.
Além dos supra argumentos equiparando o tratado
internacional ratificado à lei ordinária, há outro: reza a Carta Magna que
em ofensa aos termos de um tratado enseja Recurso Especial ao Superior
Tribunal de Justiça (art. 105, III, “a”, da CRFB/88: “Compete ao Superior
Tribunal de Justiça: [...] III- julgar, em recurso especial, as causas decididas,
em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão
recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.”)153
Notadamente o legislador equiparou o tratado
internacional à lei federal.
Duas exceções surgem a este tratamento paritário:
quando o tratado versar sobre matéria tributária ou de direitos humanos,
como será visto nos próximos itens.
3.3.3 Tratados internacionais de natureza tributária
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 98, diz que
“Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna, e serão observados pela que sobrevenha”.154
A discussão sobre o referido artigo apregoa-se à parte
final: “serão observados pela que sobrevenha”, ou seja, o art. 98 do CTN
prevê a primazia dos tratados sobre a legislação interna, posterior ou
anterior. É evidente que angariar-se-ia outra monografia com tal 151 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. p.176. 152 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2001. p.472. 153 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 154 BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l51.72.htm. Acesso em 115 de outubro de 2008.
63
discussão, conquanto não adentrar-se-á a todas abordagens, apenas
cientifica-se a divergência, visto o foco do presente estudo ser mormente
a internalização do tratado internacional na esfera interna.
A jurisprudência, a partir do RE n.º 80.004155,
pronunciou-se no sentido de que o referido art. 98 do CTN é aplicável
apenas aos tratados de natureza contratual (tratado-contrato), e não aos
demais.
No item 2.3 desta monografia versou-se sobre a
classificação dos tratados no tocante à sua natureza jurídica.
Relembrando, a classificação é: tratado-contrato (prestações recíprocas,
esgotam-se com a sua realização), tratado-lei e tratado-normativo
(comandos de caráter geral).
Com amparo jurisprudencial, firma-se o entendimento
de que o art. 98 do CTN fica adstrito ao tratado-contrato, ou seja, os
tratados que versem sobre matéria tributária recebem, assim como os
demais, tratamento equiparado à lei ordinária. Excetuam-se os tratados-
contrato, os quais não sofrem alterações pela legislação ordinária
superveniente, apenas se advinda de tratado ou convenção
internacional.
3.3.4 Tratados internacionais de natureza de direitos humanos
Reza o artigo 5º, §2.º, da Constituição Federal:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 80.004-SE. Pleno. Decisão por maioria. Relator: Min. Cunha Peixoto. Recorrente: Belmiro da Silveira Góes. Recorrido: Sebastião Leão Trindade. Brasília, 1º de junho de 1977. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?SEQ=175365&PROCESSO=80004&CLASSE=RE&cod_classe=437&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M&EMENTA=1083. Acesso em: 10 de outubro de 2008.
64
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.156
E o §3.º do mesmo artigo assim celebra:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.157
O §2.° do artigo 5° existe desde que a constituição foi
promulgada (1988). Já o §3.° foi introduzido pela Emenda Constitucional
n.° 45 de 8 de dezembro de 2004.
No período que antecedeu a existência do §3.°, a
jurisprudência não adotava o §2.°, porque não se admitia tratado
internacional com força de emenda constitucional, vejamos:
Recurso extraordinário. Alienação fiduciária em garantia.
[...] É de observar-se, por fim, que o §2.° do artigo 5° da
Constituição não se aplica aos tratados internacionais sobre
direitos e garantias fundamentais que ingressarem em nosso
ordenamento jurídico após a promulgação da Constituição
de 1988, e isso porque ainda não se admite tratado
internacional com força de emenda constitucional.158
Com o advento do §3.°, tanto os tratados sobre direitos
humanos anteriores como os posteriores poderão integrar o rol dos direitos
e garantias fundamentais, desde que submetidos à aprovação pelo
quorum previsto no referido §3.°. A jurisprudência é pacífica neste sentido:
156 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 157 BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2008. 158 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – Recurso Extraordinário. PP-00061. Vol. 0207-06. PP-01131. DF. Rel. Moreira Alves. Publicado no Diário da Justiça de 29 de Junho de 2001.
65
PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PENHORA EM EXECUÇÃO
FISCAL. POSSIBILIDADE. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.
[...] Mantém-se, mesmo após a EC 45/04, o entendimento
da jurisprudência do STF e do STJ no sentido de que a
adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica não
exclui de nosso ordenamento jurídico a prisão civil do
depositário infiel. É que, nos termos do art. 5°, § 3° da CF,
com a redação da citada Emenda, os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos somente
terão força equivalente à das emendas constitucionais
quando “forem aprovadas, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros”, o que não ocorreu na hipótese. 3.
Recurso especial a que se dá provimento.159
O entendimento vai ao encontro com o que dispõe a
constituição, ou seja, segue-se o entendimento de que os tratados sobre
direitos humanos somente têm força de emenda constitucional se, e
somente se, aprovados pelo quorum de três quintos dos votos dos
membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos. Nota-se
que esta aprovação é posterior aquela da internalização do tratado,
estabelecida a todos os tratados, estudada nos arts. 84, VIII, e 49, I, da
CRFB/88.160
159
BRASIL. RE – Recurso Especial. STJ, 1ªT., REsp 811693, Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Publicado no Diário da Justiça de 08 de junho de 2006. 160 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo § 3° do art. 5° da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, 2005. V.378. p. 100.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve o desígnio de examinar a
internalização dos tratados internacionais na legislação interna do Brasil.
Constatou-se por meio das considerações sobre o direito internacional,
que sua principal fonte é o tratado internacional. O estudo seguiu pela
análise dos tratados: quem pode celebrá-lo, de que forma e em que
condições. Com o tratado finalizado pelas partes e devidamente assinado
ou aderido, verificou-se as etapas que procedem à assinatura, de forma a
internalizá-lo no ordenamento jurídico nacional: exame do Congresso
Nacional seguido de decreto legislativo se aprovado, facultando ao
Presidente da República a partir deste decreto promulgar seu aceite
através de decreto presidencial, tornando o tratado internacional lei
equiparada à lei ordinária (art. 49, I, e art. 84, VIII, da CRFB/88).
O processo de internalização dos tratados acima
elucidado, chamado pela doutrina de “inter procedimental”, nos
confirma que a teoria adotada pela Carta Magna para a relação entre DI
e direito interno, nos tempos atuais, é a teoria dualista moderada.
Excetuam-se desta teoria os tratados-contrato que versam sobre matéria
tributária, nestes a teoria adotada é a teoria monista com supremacia de
DI. Conseqüentemente resta negada a primeira hipótese alçada no
presente estudo monográfico, que afirma que o Brasil adota a teoria
monista para suas relações entre direito internacional e direito interno.
Ainda com a análise do inter procedimental verificou-
se que a segunda hipótese delineada no início do presente estudo não é
plausível, haja vista que o processo pelo qual o tratado internacional
passa para adentrar a nossa legislação interna não se conclui apenas
com a assinatura do tratado: exige-se referendo do Congresso Nacional e
promulgação presidencial.
67
Por derradeiro, demonstrou-se através da análise da
legislação, dos julgados e da doutrina, que em regra geral o tratado
internacional internalizado passa a ter força de lei ordinária. A exceção é
o tratado que versa sobre matéria de direitos humanos, pois se votado por
quorum específico para tratados desta natureza, passa a ter força de
emenda constitucional. Por fim, o tratado internacional não pode acordar
matéria com reserva de lei complementar, logo se nega a terceira
hipótese elencada no estudo, pois a força do tratado internacional se
resume em de lei ordinária, ou se de direitos humanos, força de emenda
constitucional.
O estudo do direito internacional se mostra cada vez
mais inteligível, haja vista seu constante desenvolvimento e o montante de
sutilezas que o envolvem. Compreender fenômenos que integram e
decidem para qual norte o direito internacional segue, é de
inquestionável importância para o operador do direito. Acompanhar o
desenvolver do direito internacional é tão importante quanto entender a
razão pela qual ele assim caminha, o seu real fundamento. As manchetes
anunciam o direito internacional todos os dias. Data feita, não obstar-se-á
o estudo com este trabalho monográfico, estudar-se-á sim, cada tempo
mais, de forma a angariar fundamentação lógica e coerente em resposta
as questões diárias.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ACCIOLY, Hildebrando. Manual do direito internacional público. Hildebrando Accioly, G. E. do Nascimento e Silva. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l51.72.htm. Acesso em 15 de outubro de 2008. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (de 24 de janeiro de 1967). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em:
69
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Emenda Constitucional N° 1 (de 17 de outubro de 1969). Disponível em: https://200.181.15.9/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em 30 de setembro de 2008. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE – Recurso Especial. STJ, 1ªT., REsp 811693, Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Publicado no Diário da Justiça de 08 de junho de 2006. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar (ADI – MC) n.° 1.480-3-DF. Rel. Ministro Celso de Mello. Publicada no Diário da Justiça de 18 de maio de 2001. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – Recurso Extraordinário. PP-00061. Vol. 0207-06. PP-01131. DF. Rel. Moreira Alves. Publicado no Diário da Justiça de 29 de Junho de 2001. CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de maio de 1986. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm. Acesso: 06 de agosto de 2008. CUNHA, Joaquim da Silva. Direito Internacional Público: Introdução e Fontes. 5.ed. Coimbra: Almedina, 1993. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001. GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. Campinas: Bookseller, 2002. JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004. LIMA. Sérgio Mourão Corrêa. Tratados Internacionais no Brasil e Integração. São Paulo: LTr, 1998. MATOS, José Dalmo Fairbanks Belfort de. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva: EDUC, 1979.
70
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo § 3° do art. 5° da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, 2005. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Público. 8.ed. São Paulo: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1986. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. MONSERRAT FILHO, José. O que é direito internacional. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar.8.ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. RODAS, João Grandino. Tratados Internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. SEITENFUS, Ricardo. Introdução ao Direito Internacional Público. Ricardo Seitenfus, Deisy Ventura. 3.ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 24.ed. Rio de Janeiro, 2004. Texto em inglês in http://www.hillsdale.edu/dept/history/documents/war/17e/1648-westphalia.htm. Acesso em 06 de agosto de 2008.