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8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
1/41
Rio l ando Azz i
In te rpre tação d a H is tó r ia do
Bras i l
S e g u n d o José Honór io Rodr igues
I N T R O D U Ç Ã O
E n t r e os
g r andes
intérpretes da História do
B r a s i l
José Honório
Rodr igues ocupa
sem dúvida uma posição
destacada.
Este estudo
t e m
como f inal idade
uma anál ise
dessa
visão
i n t e r p r e -
tativa
proposta pelo autor.
Pa r a maio r c l a r e za
didática o
estudo
será
d ividido
em três
Pa r t es .
Na pr imei ra apresentaremos
e m
g randes l inhas
a crítica da
h i s t o
r iograf ia bras i le i ra segundo
José Honório
Rodr igue s inc l t iindo i n i
cia lmente
seus dados
biográficos e a indicação de sua
p r inc ipa l
b i
bliografia.
Na segunda par te qu e const i tu i o c e r n e do p resente t raba lho pro
curaremos ident i f icar
a s
g randes l inhas
de força do método
i n t e r -
pretat ivo ut i l izado pe lo autor procur and o car ac te r izar ass im o s e u
modelo hermenêutico.
P o r
último na
t e r ce i r a pa rt e ind ica r emos
e m
forma
sintética
a lguns
exemplos
práticos da interpretação de José Honório
Rodr igues .
Serão
indicados algvms
tópicos
mais signif icat ivos
d a
ampla
e
r i c a
visão
histórica do
autor .
1 . A
C R Í T I C A
D A
H I S T O R I O G R A F I A B R A S I L E I R A
Considerado como
u m d o s
maiores escr i tores atuais
da História
do Bras i l
José H.
R od rig ue s possui como ponto
d e
apoio
se u
amplo
conhecimento
d a
h istor iograf ia bras i le i ra .
1 1 1
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
2/41
Ê, p o r t a n t o , a pa r t i r da análise e da crítica do que já se escreveu
sobre
a História do
B ras i l
que esse
h istor iador car ioca
traça sua
própria interpretação da história pátria. Essa interpretação, con
f o r m e
seu próprio
testemunho,
t e m
suas
raízes no
pensamento
e
na
obra de Capistrano de Abreu. Daí ter sido ele designado como
u m novo Capistrano
de
A breu.
A o descrever o m étodo de produção histórica de José H . Ro drigues,
Álvaro
L i n s a f i r m a :
" P r ime i ro , nas p esquisas, ele é
f r i o ,
ob je t i vo ,
imparcia l ,
até encon
t ra r a verdade ou o que lhe pareça a verdade n os a rquiv os. Depois,
apaixona-se por e la , examina e discute fatos antigos e homens
históricos
como
se
f o ra
u m contemporâneo
deles.
O seu
estilo
límpido, sóbrio, tranqüilo e
f i r m e
—
agita-se
então, de vez em
quando, mediante u m frêmito que lhe
f i r m a
a v i ta l idade e o
bri lho.
E José Honório Rodrigues é u m g rande h is tor iador por várias
razões, mas
p r inc ipa lmente
p o r
esta capacidade
de
revelar mundos
m o r t o s como se fossem matérias v ivas; e de tran sportar-se pa ra os
ambientes de séculos atrás e apresentá-los com o mov imento e a
ideologia da s coisas que se põem de repente ante os nossos olhos.
Neste sentido,
na antigüidade da
nossa histor iograf ia,
só
vun h isto
r iador José Honório Rodrigues nos faz l e m b r a r : u m Capistrano de
Abreu.
N a verdade, José Honório Rodrigues é o Capistrano de
Abreu
de
nossa
geração e de
nossa
época. O que
s ignif ica dizer:
José Honório
Rodrigues
é um dos
p r i m e i r o s
— o u
seja:
um dos
melhores e dos ma iores — entre os nossos histor iadores vivos".
̂
J o sé H o n ór i o R o d r i g u e s n a h i s t o r i o g r a f i a b r a s i l e i r a
José Honório Rodrigues situa-se ao lado de Sérgio Buarque de
Holanda,
Pedro
Ca lmon,
Américo
Jacobina Lacombe, Nelson
Wer-
neck Sodré, Caio Prado Júnior e alguns poucos mais, considerados
os
grandes nomes atuais
da
h is to r i ogra f ia bras i le i ra .
N u m estudo recente sob o título A História em questão: historio
grafia
brasileira contemporânea, José Roberto do Am ara l Lapa faz
um a
classificação dos pr inc ipais autores de História do
B ras i l ,
e
situa José H. Rodrigues entre aqueles poucos que fazem a "análise
crítica das ideologias da História do
B ras i l " .
E o assinala também no
restr i to
g rupo de autores preocupados
com
a História Moderna do
B ras i l .
Escreve Amara l Lapa :
"Vam os encontrar , pr i m e i ro
de
mane i ra
tímida, e
mais recente
mente com ma is v igor , o ap arecimento de alguns títulos d e História
1.
Lins,
Álvaro, in Rodrigues, José Honório,
spirações
Nacionais:
interpretação histórico-política Rio, Civilização Brasileira, 1970, 4." e
Contracapa.
1 1 2
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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Contemporânea do
Bras i l .
Para tan to , parece-nos também
s igni f i
cat iva a influência de Honório Rodrigues, que com sua pena e sua
pa lavra v em encarecendo sistem atica m ente o papel da História
Moderna
do
B r a s i l
Moderno" . "
O mesmo autor indica quatro nomes como os mais representativos
da h i s t or i og ra f i a moderna bras i l e i ra :
Sérgio
Buarque
de
Holanda,
Caio Prado
Júnior,
Nelson Wemeck
Sodré e José Honório Ro
drigues.
" F o i
sobretudo
a
pa r t i r
da publicação do seu
estudo sobre
as
Aspirações
Nacionais,
interpretação histórico-política
(1965) que
Honór io Rodrigues passou a expor de manei ra mais polêmica suas
idéias
sobre
um a Histór ia
engajada.
E m
verdade,
já em seu
t ra
ba lho
imediatamente anter ior Brasil e África — Outro Horizonte
(1961) temos expostas suas
preocupações por
luna h istor iogra f ia
bras i le ira
que se
desamarre
de seu excessivo
a ferro
a
lu n
pretérito
relat ivamente d istante
em
det r imento
do
estudo
de
nossa
História
Contem porânea. M as é realmente o
ano
de 1965 que marca a
definição mais atuante do
autor". ^
Na realidade, Amaral Lapa não é
m u i t o
exato nessa afirmação,
pois a p r i m e i r a edição de
Aspirações
Nacionais f o i publicada pela
editora Pulgor
em 1963, e o
volume reunia dois estudos escritos
p or
José H. Rodrigues respectivamente em 1057 e 1960. Portanto,
essa
tendência in terpretat i va do autor já se mani festa anter ior
mente, pelo menos desde o período de governo de Juscelino
K u b i -
tschek
(1956-1960).
Aliás,
o própr io Amara l Lapa procura mat i zar melhor o seu pensa
mento a f i rmando :
"Apontando-se
esse
bal izamento
no seu
pensamento
histórico, não
se quer signi f icar
i m i a
mudança rad ica l na sua posição ideológica
de pesquisador, cientista
e
professor, perante
a história, o que n o
caso
não deixar ia de ser um a mudança em relação à sua própria
obra
an ter i o r ,
que po r
sinal apresenta
a
m a i o r ia
de
temas referin
do-se aos séculos X V I , X V I I e X V I I I . A quem se dê o t rabalho
de ler a Teoria da História do
Brasil,
obra de grande erudição,
permanecendo única em seu gênero e tendo u m alcance didático-
-científico sem
paralelo para
os
estudantes
de História do
Brasi l ,
não será fácil
encontrar
a
unidade
das idéias que ora
defende
com ca lor " . *
O que se
observa
nos
escritos
de José Honório
Rodrigues
não é
um a
mudança de orientação, mas um
amadurecimento
que se
2. Lapa, José Roberto do Amaral, A História em questão: historio
grafia brasileira
contemporânea
Petrópolis, Vozes, 1976, 32.
3. Lapa, José Roberto do Amaral, o. c, 61 .
4. Lapa, José Roberto do Amaral, o. c, 61-62.
1 1 3
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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expressa através de u m a definição sempre mais clara dos objetivos
de su a tarefa de h istor iador.
Com
mui to
acerto con clui Am ara l Lap a:
"A pregação em que se
empenha
o
autor
é
sobretudo
a de
alertar
o h is to r iador bras i le i ro para uma missão que reconhece como a
mais autêntica e compatível com a realidade do país, com a sua
condição de nação em desenvolvimento, a de fazer um a História
passado-presente e um a História moderna do B ras i l moderno.
Assim ao longo de sua obra nota-se o esforço por ensinar a
escre
ver
e
pensar
a História do
B r a s i l " . '
Honório Rodrigues possui duas condições básicas para u m a com
petente
interpretação da história do B ras i l . E m
pr imeiro lugar,
possui
tm ia
ampla
erudição
sobre
a história do
B ras i l
e
seus
p r i n
cipais histor iadores, f ruto de acurado trabalho de pesquisa. E m
segundo lugar, possui t ambém lun conhecimento relevante das
modernas correntes de f i losof ia de história, onde se discutem as
possibilidades e o valor da interpretação histórica.
1 . 2 . D a d o s
b i o g r áf i c o s
Nascido no R io de Janeiro em 1913, J . Hon ório Rodrigues t e m
dedicado
sua
v ida
adulta
aos
estudos
históricos.
Leda Boechat Rodrigues, sua esposa, ao compi lar sua biograf ia,
assim escrevia em
ab r i l
de 1 956:
"A
p a r t i r
de 1937, an o em que recebeu o 1." Prêm io de Erudição
da Academia Brasile ira de Letras, dedicou todo o seu entusiasmo
e toda a sua at iv idade a Cl io . Não se
d istra i
ele em trabalhos
marginais : tudo
o que lê,
tudo
o que escreve,
tudo
o que
orienta,
tudo o que d ir ige, tudo o que professa
converge
para u m só obje
t i vo , a História, que é v ida e é a sua v ida. A obra já encorporada
em l ivros
é
facilmente consultada
e
facilmente enumerada.
Mas
toda u m a massa de artigos, alguns dos quais constituindo séries
que seriam outros tantos volumes, só podem se r praticamente
conhecidos p o r poucos. . .
Num
conhecimento de quase vinte anos, v i o histor iador sempre
f ie l a s i mesmo, e aos caminhos que conduzem à história...".»
Afirmação análoga encontra-se em Am ara l L apa:
"Prat icamente toda a v ida e a obra de José Honório Rodrigues
têm
sido consagradas
à história".
^
5. Lapa, José Roberto do Amaral, o. c, 62.
6. Rodrigues, Leda Boechat, Bibliografia de José Honório Rodri
gues, Rio de Janeiro, 1956. Apresentação.
7. Lapa, José Roberto do Amaral, o. c, 62.
1 1 4
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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Formado
n a
Faculdade
de
D i re i t o
da
Universidade
d o
B ras i l
em
1937, José Honório
recebeu posteriormente
u m a
bolsa
de
pesquisa
da Fundação
Rockefeller, passando
nos
Estados Unidos
o ano
escolar 1943-1944.
Como
ele próprio o
a f i rm a ,
esse ano foi mui to
im por tan te pa ra
def inir
sua vocação h istórica:
"Depois
de freqüentar em
1943-1944
o
curso "M atu re. M ethods
and Types of H i s t o r y " da Univers idade de Colimíbia, d ir ig ido pelo
Professor Charles Cole,
com a colaboração de
Henry
Steele Co m -
ma ger, Jacques B ar zun , A lla n Nevins, grandes nom es
da
h i s t o r i o
graf ia americana, v i m para o B ras i l entusiasmado com a idéia de
renovar
os métodos de História,
cr iar novos campos
de
estudo,
rever
o que se
fazia
e
t entar reforma r
o
ensino superior
da História.
É neste que se inic ia, em cadeia, a renovação completa, m as é no
primário que
realmente
se
produzem seus efeitos f inais".
E acrescenta em seguida:
"Quando cheguei
de
vol ta
ao B ras i l , em 1944, a
Universidade,
acabada de c r i a r , e especialmente sua Faculdade de F i losof ia , e ra
um a
cidadela
inexpugnável de
conservator ismo,
o
ma is ro t ine i ro
e
arcaizante. M etolodog ia , pesquisa
e
h is tor iogra f ia eram
total
mente desconhecidas".
José Honório
conclui
com
esta
af irmação:
"Quando relembro
os
p r ime i ros momentos
de
m inha luta pela
aceitação da
d isc ip l ina
de Introdução à História nos
cursos imiver-
sitários, vejo que foi
um
esforço bem recompensado".«
Ao estabelecer-se de
novo
no R i o de
Janeiro,
f o i
professor
de
História do
BrasU
n o
Inst i tu to
R i o
B ranco ,
de 1946 a 1951.
A p a r t i r de 1946 f o i
nomeado Diretor
da Divisão de
Obras Raras
e Publicações da B ib l ioteca Naciona l M ais tarde, fo i também
diretor
do Arqiüvo
Nacional.
É
a inda membro correspondente
do Seminário de
Estudos Ameri-
canistas da Universidade de M a d r i d desde 1950, suplente do delega
do
do
B ras i l
na comissão de História do
Inst i tu to Pan-Americano
de Geografia e História desde 1953, e membro correspondente da
Comissão
In ternac ion a l para
a História do
Desenvolvimento Cul
tural e Científico da Humanidade, sob os auspícios da Unesco,
desde
1954.
É também
m em b ro
do
Inst i tu to
Histórico e Geográfico
Bras i le i ro ,
da Academia Portuguesa
de História e do
The
Hispanic Society
of
America,
Nova
Iorque.
A 5 de
dezembro
de 1969
ingressou
n a
Academia B ras i le i ra
de
Letras.
8. Rodrigues,
José Honório, História,
Corpo
do
Tempo,
S.
Paulo,
Perspectiva,
1976,
15-16.
1 1 5
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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3 O b r a s p u b l i c a d a s
Tendo em v is ta a ampl i tude da b ib l iogra f ia de José H. Rodrigues
nos l imi taremos
à indicação dos
l ivros publicados,
sem
fazer
refe
rência aos inúmeros opúsculos, prefácios, introduções e edições
críticas por ele preparados.
E is o elenco de suas obras, segundo a ordem cronológica de
publ i
cação da p r i m e i r a edição.
— Cimlização Holandesa no Brasil. 1° Prêmio de Erudição da
Academia Bras i le ira de Letras. R i o de Janeiro, Companhia
Ed i t o ra Nac ional ,
1940.
—
Teoria
da História do
Brasil.
1.'
ed. 1949; 3.' ed. São Paulo,
Companhia Editora Nacional ,
1969.
—
Historiografia
e
Bibliografia
do DO mínio Holandês no
Brasil.
R io de Jane i r o , I .N .L . , 1949.
— As Fontes da História do Brasil na Europa. R io de Janeiro,
Imprensa Nacional , 1950.
— N otícias de Vária História. R io de Janeiro , L ivrar ia São José,
1951.
— A
Pesquisa
Histórica no
Brasil. 1 .' ed . 1952; 2.* ed. São Paulo,
Companhia Ed i to ra Nac ional , 1969, B ras i l iana Grande.
— Brasil. Período Colonial. M éxico , 1953.
— O
Continente
do R io
Grande.
R io de
Janeiro,
Edições São José,
1954.
—
Historiografia
dei
B rasil. Siglo
XVI.
México,
Inst i tuto
Pan-
-americano de Geograf ia e Histór ia , 1957.
— A Situação do
Arquivo NoxAonal. R io de Janeiro, Ministério
da Justiça e Negócios Inter iores, 1959.
— Brasil e África. Outro Horizonte. 1." ed. 1961; 2.* ed. R io de
Janeiro, Civilização Bras i le i ra , 1964, 2 v.
—
sT^rações
Nacionais. Interpretação Histórico-Politica. 1.' ed.
1963;
4." ed. Rio de
Janeiro,
Civilização
Bras i le ira,
1970.
— Historiografia dei B rasil. Siglo XVII. México, Inst i tuto Pan-
-americano de Geografia e Históri a, 1963.
— C onciliação e Reforma no Brasil. Interpretação Histórico-
-Política. R io de
Janeiro,
Civilização
Bras i le i ra ,
1965.
— História e Historiadores do Brasil. São Paulo, Pulgor, 1965.
— Interesse Nacional e Política Externa. R io de
Janeiro,
Civ i l i
zação Bras i le i ra , 1966.
— Vida e História. R io de Janeiro, Civilização Bras i le i ra , 1966.
— História e
Historiografia. Petróp olis, Vozes, 1970.
— O
Parlamento
e a Ev olução
Nacional.
Introdução Histórica,
1826-1840. Brasília, Senado Federal, 1972.
— A Assembléia C onstituinte de 1823. Petróp olis, V ozes, 1974.
— Independência: R evolução e C ontra-R evolução. R i o de Janeiro,
Francisco Alves, 1975-1976. 5 volumes.
— História, Corpo do Tempo, São Paulo, Perspectiva, 1976.
1 1 6
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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1 . 4 .
N e c e s s i d a d e
d a i n t e r p r e t a ção h i s t ó r i c a
Ê prat i camente impossível escrever sobre História sem que se
faça um a interpretação. A
simples
seleção do
ma t e r i a l
histórico,
já é na realidade tuna manei ra de interpretação.
M as José Honório Rodrigues v a i ma i s além, e considera a capaci
dade inter preta t i va como v i t a l ao h i s t or i ador . Desse mod o , a
tarefa dos h istor iadores é u m a contínua reinterpretação dos dados
históricos. São palavras suas:
"Ass im como a teologia protestante acha que a Bíblia deve ser
sempre de novo interpretada, de acordo com as necessidades de
cada época, assim também a História te m que ser sempre e sempre
revista.
M esmo po rque, como acredita aquela teologia,
"o
h omem
não é meio b o m e me i o mau, m as in te i ramente as duas coisas e
está sempre sub ira o u sub gratia Dei .^
Pode-se v i s lum brar por tan to n o autor certo conhecimento e
influ
ência da hermenêutica bíblica,
cujo grande mestre protestante
f o i
Bultman.
No prefácio da ob ra História, Corpo do Tempo, José Honório
a f i rm a :
" E m b o r a
a História não
seja
um a ciência
aplicada,
ela é
im ia
f o rma de conhecimento, u m a interpretação dos nossos erros e
virtudes,
e serve de
catarse social, especialmente
nas
horas
de
crise política, como a que v ivemos. Nestes ensaios estudam-se
os heróis
l ibertadores, como
o
Alferes Tiradentes
e
Frei Caneca,
e se aprendem os males dos regimes absolutistas e autoritários".
E acrescenta:
"O título do conj imto inspira-se em Shakespeare: "A verdadeira
idade e corpo do t empo, sua f o r m a e pressão". O corpo do t empo
deve
entender-se como
a História, sua
f o rma ,
seu
est i lo,
as
pres
sões que nela se exercem, a história v i va , a fabricação histórica,
a
criação e a recriação, com os atores todos, os protagonistas e
os deuteragonistas, os p r inc ipa i s e os secundários...".^»
Nessa mema obra ,
o
autor vo l ta
a
enfat izar
a
necessidade
da
interpretação histórica, escrevendo:
"A história não é o passado. A história é um a criação dos h isto
riadores
que
sempre selecionam
e
ju lgam
p o r
conta
própria, de
acordo
com sua concepção do
mundo.
Os
fatos
básicos não são
9. Rodrigues, José Honório, Vida
e História,
R io , Civilização Brasi
leira, 1966, 16.
10. Rodrigues,
José Honório,
História
Corpo do Tempo, S .
Paulo,
Perspectiva,
1976, 12.
1 1 7
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
8/41
senão matéria-prima, os t i jo los de construção. Eles não falam
por s i .
Eles
são,
c omo
diz ia um a personagem de Pirandelo, u m
saco,
que se enche
como
se quer. Não p ropr iamente
como
se
quer, pois mesmo desrespeitando o fet ichismo dos fatos e dos
documentos,
o
h is tor iador
tem obrigações
para
c om os
fa tos:
exa
tidão,
seleção, relevância", n
E prossegue c o m a mesma força inc is iva :
"A interpretação é o sangue da história. O h is tor iador n e m é
escravo humilde,
n em
mestre
tirânico dos
fatos,
mas está
sempre
engajado n o processo cont inuo de ajxistar seus fatos à sua inter
pretação, e sua interpretação a seus fatos, de ta l modo que a
História — e não o
passado
— se t o rna um diálogo interminável
entre
o
h is tor iador
e o
fato, entre
o
passado
e o
presente.
Gerações de h istoriadores europeus marcharam,
c omo
lembrou
E . H . Carr , a quem seguimos nestas considerações metodológicas,
entoando as palavras mágicas de Ranke — wie es eingentlich
gewesen
( c omo realmente
aconteceu)
—
c omo
um a encantação,
que visava, como todos
os sortilégios, a salvá-los da obrigação
cansativa de pensar por eles própr ios". 12
O
verdadeiro historiador portanto, segundo
José Honório, é
aquele
que adquir iu a capacidade de analisar e in terpretar os dados e os
acontecimentos
históricos.
Também no prefácio da obra Independência: Revolução e Contra-
-Revolução o autor insiste no papel do h is tor iador
como
intérprete
dos fatos:
"O h is tor iador não deve t r a t a r somente de fatos, porém da signi
ficação que eles possuem. A história é um a estrutura carregada
de valores, e para organizar a percepção do passado, a nossa lem
brança cognoscitiva, temos que a r t icular o inart iculado,
estabelecer
a
interação dialética
entre
o que
aconteceu
e o que
s ignif icou
o
acontecido. A s dificuldades da reconstituição e da análise, as
ver
sões dos v i tor iosos e derrotados — sempre mais dos p r ime iros
que dos segundos, a relação entre a documentação de vária espécie
e a "história" existencial mostram a preeminência, na profundidade
e generalidade, das "verdades" da história sobre as da ficção, não
impor ta que isso se contraponha à nota de Aristóteles na
P oética.
Tanto p ior para Aristóteles. A história é um a poderosa construção
ideológica, que pode
modelar nosso sentido
de
identidade social,
e o
nosso
futuro nacional o u o
nosso
propósito in ic ia l . A história
não é só um
processo
acumulat ivo
de elucidação
documentada,
mas u m conjunto integrado de "traduções" interp retat iv as. Quando
1 1 Rodrigues, José Honório, ibidem, 135.
12.
Rodrigues, José Honório, ibidem, 135.
m
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
9/41
se
consegue reunir
ao
fa to
reconstituído a interpretação,
melhora-
-se a qual idade da história como apresentação lingüística do
passado".
E
conclui :
"Nossa tarefa
é da
m a i o r
importância:
desmist i f icar
a história,
purificá-la ou limpá-la dos
m i t o s
e
preconceitos.
Nesse
desmas-
caramento ela corre u m r isco, naturalmente, m a s a pesquisa da
significação
matr i z va le
o esforço",
É
evidente
que, ao
tentar "desmist i f i car "
a história, o
h i s to r i ador
pode
também, por sua
ideologia,
cont r ibu i r
pa r a
a criação de
novos mitos.
E m b o r a
u rg indo
a
necessidade
da interpretação histórica, José
Honório
reconhece
que se
t rata
d e uma
tarefa complexa
e árdua:
"Os
embaraços da interpretação histórica
resultam
das concepções
filosóficas, teológicas, das
teorias,
das visões do
mundo
de
cada
um .
1
Nessa
última afirmação está
velado
o corolário de que
diversas
são as interpretações possíveis da
mesma real idade
histórica.
5
A i n t e r p r e t a ção
o f i c i a l : V a r n h a g e n
A interpretação da História do B ras i l predomin ante durante os
últimos cem
anos
— e
of icial izada
de
certo modo
n os
textos
e
manuais
escolares
— se deve a
Francisco Adolfo
de
Vamhagen,
visconde
de
Porto Seguro.
Na
opinião de José Honório, essa interpretação foi
fe i ta
sob um a
ótica
t ip icam ente conservadora. A f i r m a
ele:
"A visão
conservadora
de
nossa
h istór ia — foi
Vamhagen quem
a
estabeleceu
com
punhos
de
fe r ro .
Esse
germano
—
sorocabano,
que
já em
1857 m an ifestava
sua
ant ipat ia
ao
nacion al ism o, dizendo:
"e sendo nós, mercê de Deus, dos menos partidários do incoerente
sistema do
p atr i ot ism o caboclo", frase
que
desaparece
na edição
de
1877, f o i o
p r inc ipa l
responsável
pelo escrito
histórico-oficial,
neutro, l i m i t ado
e
d ivorc iado
do
presente".
E acrescenta em seguida:
"Of ic ia l , porque sempre
a razão de
Estado estava correta, porque
f ing iu
não
t omar
par t ido ,
m as
sempre
os
v i tor iosos estavam
cer-
13. Rodrigues,
José Honório,
Independência: Revolução e Contra-
•revolução
Rio,
Francisco Alves,
1975, 1
volume.
Prefácio.
14. Rodrigues,
José Honório,
História, Corpo do Tempo,
S.
Paulo,
Perspectiva, 1976,
22.
1 1 9
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
10/41
tos;
l im i tado , porque lh e coube estabelecer aqueles li m i te s tem
pora is permissíveis a um t ra tamento histórico que, ultrapassados,
faz iam incorrer n a pecha de d i le tant ismo. E m resumo, a com
preensão conservadora f o i sempre tradic ional n o B ras i l , e só
recentemente sofreu os pr imeiros agravos. A Ideologia dos h isto
r iadores
f o i
sempre
a
apologia
do
passado
e a conseqüente defesa
do
status
quo.
Assim a razão de Estado, a razão conservadora, os grandes homens
imper i a i s e
republicanos explicam
e
conduzem
o
nosso processo
histórico, onde falta sempre a presença do povo — v isto como
infecto,
deseducado
e
errado, pois foram
os
seus
pecados que
or ig inaram
os nossos insucessos".^'
Na
Explicação
que precede aos
Capítulos da História
Colonial
José Honório c i ta textualmente as palavras de Capistrano de
Abreu, ntraia
crítica à visão histórica de Vamhagen :
"A História do B r a s i l não se lhe a f igurava u m todo solidário e
coerente. Os pródrom os da nossa emancipação política, os ensaios
de afirmação nac iona l que por vezes p e rcor r i am as f ibras popu
lares, encontram-no severo e até prevenido. Pa ra ele, a Conjuração
mine i ra é um a cabeçada, é u m
conluio;
a Conjuração
ba iana
de
João de Deus, um cataclisma de que rende graças à Providência
p o r
nos ter
l i v rado;
a Revolução
pernambucana
de
1817
uma
gran
de calamidade, u m c r ime em que só t omaram parte homens de
inteligência
estreita
ou de caráter
pouco
elevado. Sem D. Pedro
a
independência seria ilegal, Uegítima, subversiva, digna da forca
ou
do fuzil. Juiz de Tiradentes e G onzaga , ele não teria hesitado
em assinar a mesma sentença que o desemba rgador Dini z e seus
colegas".
i«
Essa visão o f ic ia l da história, de natureza conservadora e el it ista ,
dando relevo apenas à ação do poder dominante vitorioso, tendo
sido iniciada
p o r
Varnhagen
t em
hoje
em Pedro
Ca lmon
seu
m a io r
representante.
Escreve José Honório
Rodr igues:
"Desde
Varnhagen até Pedro Ca lmon as histórias gerais brasileiras
não comprendem os sucessos populares, n em ju l gam as danações
elit istas; ma ls inam as insurreições; ev i tam o u condenam as revol
tas,
dão as costas ao sertão; seus heróis são apenas as elites mu ita s
vezes alienadas a interesses ant inacionais; "b iograf izam" a história
para
personalizá-la em
"estadistas"
que não
valem alguns
heróis
15.
Rodrigues,
José Honório,
Vida e
História Rio de
Janeiro, Civi
lização
Brasileira, 1966,
17.
16. Rodrigues, José Honório,
Explicação
i n Abreu, J . Capistrano de.
Capítulos
da História Colonial, Rio, Civilização Brasileira, 1976, XXXV.
1 2
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
11/41
do
sertão
abandonado; evitam
as controvérsias e te m , pelo seu
próprio pa r t idar i smo e o f ic ia l ismo, um caráter ma is político que
c ient í f i co " . "
E em out ro tópico a f i r m a :
"A re lat iva indiferença que a história o f ic ia l bras i le ira, de V a m h a
gen a Pedro Calmon, revelou pelo negócio real da história econô
mica
que não se enquadra n a na rra t iva convencional , dominada
pela miudeza da política pessoal, mostra como é necessário rever
e renovar as forças de produção que inf luem nesta e nas gerações
futuras". 8
Esta
interpretação histórica,
cuja paternidade
se deve ao
visconde
de Porto Seguro, f o i de certo modo ofi cializada ain da na época
imper i a l
p o r
Joaquim Manuel
de
Macedo,
pr ime i ro ocupante
da
cadeira de História do B r a s i l do Colégio D. Pedro I I .
6 A r e v i s ão h i s t ór i c a :
C a p i s t r a n o
d e
A b r e u
E m
oposição à
histor iograf ia of ic ial, cujo mestre
f o i
Vamhagen,
surgiu
out ro gmpo
que
exigia
a revisão ou renovação histórica,
l iderado
p o r
Capistrano
de
Abreu.
Após
descrever
a versão o f ic ia l da História do B ras i l , José Hon ório
a f i rm a :
"Es ta visão deformada de nossa história vem sendo totalmente
revista, e o m a i o r esforço para ajustá-la à realidade nacional f o i
fe ito p o r Capistrano de Abreu, João Ribeiro, Euclides da Cunha,
Ol ive ira Viana, e as novas correntes que abandonam o sentido
colonial ista
e
saudosista, valorizador
do passado
contra
o
contem
porâneo, e que
reconhecem
o
sentido progressista
da história.
Capistrano
de
Abreu
escreveu em 1882 que a
obra
de
Vamhagen
só
seria l ida
pelos
prof issionais
e que o povo a
desconheceria".
Segundo o própr io Capistrano de Abreu, o visconde de Por to Segu
ro , preocupado simplesmente em da r
relevo
à ob ra de colonização
e dominação luso-européia, o lv idara ou om it i r a deliberadamente
a
história real da formação da pátira e do povo bras i le iro , que
tem
sua base n o sertão. E screve ele :
"Na distribuição da s m atérias, quase nunca tomou como chefe
de classe um acontec imento im porta nte, m as fatos m uitas vezes
17.
Rodrigues,
José Honório,
História e
Historiadores
do
Brasil,
Rio, Pulgor, 1965, 10.
18. Rodrigues, José Honório, Vida
e História,
R io , Civilização Bra
sileira, 1966, 19.
19. Rodrigues,
José Honório, História e Historiadores do Brasil,
Rio, Fulgor,
1965, 10.
1 2 1
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
12/41
inferiores, demissões de governadores, tratados feitos n a Europa,
m o r t e de reis et c.. .
Sob as mãos de Varnl iagen, a história do Brasi l uniformiza-se e
esplandece:
os relevos
arrasam-se,
as características
misturam-se
e as cores desbotam. Vê-se i ra ia extensão, mas plana , semp re
igual, que
lemb ra
as páginas de u m
l i v ro
que o
brochador descuido-
so repete. E todavia, mesmo as pessoas que desconhecem a histó
r i a pátria
in f in i tamente menos
que
Vamhagen, percebem
que as
épocas se sucedem, m as não se parecem, e mui tas vezes não se
cont inuam",
Exis tem portanto ávias vertentes pri ncip ais de interpretação da
história do B ras i l . U m a v inculada diretamente a Varnhagen, n a
qual
a contribuição luso-européia tem
aspecto
dominante.
A se
gunda vertente tem sua or igem n o pensamento e n a obra de J.
Capistrano de Abreu, cujo discípulo mais destacado f o i Afonso
d'E. Taunay, o h is tor iador das bandeiras paulistas.
Nessa
segunda visão histórica, a preocupação é in terpretar a for
mação do território e da pátria brasi le i ra através da conquista
do sertão e da miscigenação rac ia l , que deu origem ao espírito
nat iv ista
de cunho mameluco o u caboclo.
Na Nota liminar à obra Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil,
de Capistrano de Abreu, José Honório Rodrigues assim se expressa
a
respeito do seu conteúdo:
"Escr i t o em 1899, sete anos antes dos Capítulos, este estudo não
é
somente inovador
e
o r i g ina l ,
como preparatório do
segundo,
onde, pela primeira vez se destacará o papel do sertão na história
do B ras il . B asta dizer que n o f i m do século pouco se sabia da
obra bandeirante, da conquista do sertão, dos camirihos de ligação,
terrestre o u f luviais, do gado, da gente do sertão".
E
continua
co m
esta
observação:
"Joaquim Manuel de
Macedo,
que ensinou durante tanto tempo
história do B r a s i l no Colégio P edro I I , a primeira cadeira of icial
de ensino da história pátria, não colocou em seu l i vro nenhuma
palavra sobre o sertão, as bandeiras, o
gado,
a expansão
te rr i tor ia l .
Assim ensinava-se a história do B r a s i l. A culpa v inh a de V a m l u ^ ^
cuja
História Geral do Brasil fora abreviada didaticamente p o r
Joaquim Manuel de
Macedo,
e que escrevera um capítulo pífio,
assim denominado
pelo
próprio Capistrano, sobre as "M inas de
Ouro
e
Diamantes",
o único que
compreendia
o
grande assimto.
20.
Abreu, J . Capistrano de. Ensaios e Estudos, 1.» série. R io , Civi
lização
Brasileira, 1975,
2." ed., 140.
1 2 2
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
13/41
o maior de todos, na liistória colonial . Assim, o maior l i v ro esque
cera o maior cap i tu lo " . 21
Aliás,
a 17 de
ab r i l
de 1890, em car ta a Rio B ra nco , o próprio
Capistrano
expressara esta
idéia:
"Dou-lhe uma grande
notícia
(p ara m i m ) : estou resolv ido a escre
ver a história do B r a s i l . . . Escrevo-a po rque posso reunir
mui ta
coisa que está esparsa, e espero encadear melhor certos fatos, e
chamar a atenção para certos aspectos até agora menosprezados.
Parece-me
que poderei dizer a lgiunas coisas novas e pelo m enos
quebro os quadros de fer ro de Va m ha gen que, int roduzi dos po r
Macedo no olégio de Pedro I I , ainda hoje são a base do nosso
ensino. As ban deiras, as m ina s, as estradas, a criação de gado
pode dizer-se que ainda são desconhecidas, como
aliás,
quase todo
o século X V I I , t irando-se as guerras espanholas e holandesas".
Í
Com a obra Caminhos Antigos e Povoamento, Capistrano dava
novo rum o à h i stor i og ra f i a nacional. José Honório Rodrigues assim
destaca sua importância:
" F o i p or ta n to , este estudo, ao depois desenvo lvido nos cpfíwlos
de Históría Colonial, que abr iu aos estudos o assunto que
i r i a
se desenvolver
numa
enorme, emdita e substanciosa histor iograf ia
e bi b lio gr af ia . Este ensaio de 1899 é u m
padrão
de
renovação
histórica
e representa para a nossa h isto rio gr afi a pap el semelhante
ao que signi f icou o de P. Tumer, The Frontier in American History,
de 1893. Co m u m só estudo renovava-se t od o o espírito de nossa
h istor iogra f ia
e se estimulava a
investigação
e o esclarecimento de
luna zona nova desconhecida, abandonada".
E
em seguida prossegue, salientando o significado da obra de
Ta imay:
"A
investigação
das bandeiras sofreu desde esse momen t o um
impulso
novo e o nosso saber
histórico
alargou-se imensamente
até desabrochar neste m on iunen to de
emdição
que fo i a
História
Geral
das Bandeiras
Paulistas (S. Paulo, 1924-1950, 11 vo ls.) p o r
Afonso d'E. Taunay,
discípulo
querido de Capistrano de Abreu,
erudito investigador não esquecido pelos estudiosos do
B ras i l " ,
2 1 Rodrigues,
José
Honório,
Nota liminar,
in Abreu, J. Capistrano
de.
Caminhos antigos e povoamento do
BrasU,
Rio,
ivilização
B rasilei
ra, 1975,
x n - x i i i .
2 2 Abreu, J. Capistrano de.
Capitulas de História Colonial,
Rio,
ivilização Brasüeira 1976, XI-X II .
2 3 Rodrigues, José Honório, Nota liminar, i n Abreu, J. Capistrano
de. Caminhos antigos e povoamento do
Brasil,
Rio, ivilização Brasileira,
1975, 4.' ed.,
X I I I .
1 2 3
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
14/41
2 . O
M O D E L O H E R M E N Ê U T I C O D E
oSÉH .
R O D R I G U E S
E m
seus estudos de História do
Bras i l ,
José H. Rodrigues p rocura
ser
f ie l
à
n o r m a
básica que exige do
h i s t or i ador
não
apenas
im ia
apresentação dos
fatos,
mas a sua interpretação.
Nesta segunda parte do estudo, queremos focalizar os pr inc ipa is
princípios que
o r i en tam
a interpretação da História do
B ras i l ado
tada pelo autor.
Aliás,
ele não faz segredo de que sua visão histórica é
essencial
mente interpretat i va .
A o
escrever
o prefácio da
ob ra Conciliação e
Reforma
no Brasil,
datado
de
setembro
de 1964, ele
a f i r m a :
"Este l ivro nasceu do mesmo quadro de cogitações que produz i
r a m
as
Aspirações Nacionais.
Espero que este l ivro represente u m a t entat i va de compreensão
do quadro presente brasi leiro, c om os i ns tnunentos históricos, e
signif ique ma i s
i m i a
pedra para a construção de luna ponte, não
de ouro, que Nabuco de Araújo p lanejou para p e rm i t i r apenas a
comunicação das
el i tes brasi leiras,
mas de aço
pela qual atraves
sem todos
os
brasi le i ros
a f i m de se
associarem
n a
ob ra
de
moder
nização do
B ras i l " .
2í
Também no prefácio de
Vida e História, datado
de 1 de
j ane i ro
de
1966 José Honório não faz mistério de sua visão i n t erpre ta t i va :
"Estas páginas
t ra tam
das várias correntes que nos podem ajudar
a encontrar e aceitar o sentido da direção da História, e conse
qüentemente, u m a visão construt i va do passado e do futuro, já
que
são
tantos,
tão
var iados
e
color idos
os
seus
caminhos" .
2»
A o pub l i ca r
História,
Corpo
do
Tempo ele ressalta seu conteúdo
interpretat ivo,
escrevendo
n o prefácio, em
j ane i ro
de 1973:
"Resumo neste volume u m a nova série de estudos e ensaios...
Todos
estão l igados pelo mesmo espírito de interpretação, a mes
m a paixão pela história inte i ra do
B r a s i l . . .
Espero que este
volume, como outros que tenho publicado, ajudem a sugerir leitu
ras,
a
provocar
reflexões, a
de f in i r caminhos
e vocações".
Não
obstante,
o
fato
de
optar
p o r
i m i a
história
in terpretat i va
não
signif ica compromisso
partidário.
24. Rodrigues,
José Honório,
Conciliação e
Reforma
no Brasil,
Rio,
Civilização Brasileira, 1965, 9-10.
25.
Rodrigues, José Honório, Vida
e
História Rio, Civilização Bra-
sUeira, 1966, Prefácio.
26. Rodrigues, José Honório, História, Corpo do Tempo, S . Paulo,
Perspectiva, 1976, 11-12.
1 2 4
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
15/41
No prefácio da segunda edição da ob ra Brasil e África: Outro
Horizonte, publ icado
em
1964,
José Hon ório faz questão de
de f in i r
bem claro sua posição:
"Rea f i rmo o que já escrevi na introdução da m inha pr im e i ra
edição sobre
m inha
não filiação partidária,
m inha
s impat i a p o r
todos os povos, independentemente de raça ou religião, a p r i o r i
dade que se deve dar aos interesses nacionais, e que só reconheço
como Mãe Pátria o B ras i l . Neste sentido, de defesa apenas e
sobretudo dos interesses nacionais, este l i vro é
nac ional is ta". 27
A necessidade de interpretação histórica p a ra José Honório tem
raizes mais profundas, e coaduna-se evidentemente com a posição
filosófica que o
autor assiune diante
da
vida.
E m Vida
e História
José Honório escreve:
"As relações da História com o presente, da Histór ia com a V ida
a Ação têm sido tratadas p o r f i lósofos, pensadores e h istor ia dores.
É a História um poder at ivo que determina o u condiciona o pre
sente, que nos sugira meios de ação, agens o u potentia de vida?".
E declara em seguida, como resposta:
" In ic ia lmente
não devemos esquecer que o passado é lun conceito
tempora l ,
sempre representado
p o r
um
caos e que nós, os
histo
riadores, é que o t rans formamos em p roduto espir i tual. Não
esqueçamos também que K a r l Marx fa lou na Ideologia Alemã das
"potências do passado" que agem com força sobre nossa vida e
nossa a ção ... A tradição de todas as gerações mortas pesa de
mane ira m u i t o
forte sobre o cérebro e a consciência dos v ivos",
Pode-se fa lar de um verdadeiro modelo hermenêutico adotado p o r
José H. Rodrigues em seus estudos históricos.
Nesse m odelo interp retat i v o, podem ser indicados seis princípios
básicos.
Os três p r i m e i ro s têm m a i o r vinculação com o revis ionismo histó
r ico, tema tantas vezes ressaltado pelo au to r. Po dem ser enun
ciados da seguinte manei ra : pr imei ro, equilíbrio entre a cultura
dominante e a cultura opr imida; segundo, valorização da con tr i
buição popula r ; por últ imo, abertura para o aspecto social e
econômico. Essas no rm as seriam básicas pa ra u m a releitura ou
nova interpretação do nosso passado histórico.
Os três outros p rincípios, in t im am ente l igados entre si , estão ma is
or ientados
p a ra
a
realidade
atual.
São eles: conexão
entre
o pas-
27.
Rodrigues,
José Honório,
Brasil e África, outro horizonte,
R io,
Civilização Brasileira, 2.» ed., 1964. Prefácio.
28.
Rodrigues, José Honório,
Vida
e
História
Rio, Civilização
Bra
sileira, 1966, 3-4.
1 2 5
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
16/41
sado e o presente, vinculação en t re história e v ida , e a afirmação
da história como inst rumento de transformação social. Esses
princípios sal ientam o conhecimento histórico como forma de
análise da
atualidade,
e p o r
conseguinte como meio
eficaz de ação.
2
E q u i l íb r i o
e n t r e
a
c u l t u r a d o m i n a n t e
e a
cu l t u r a
o p r i m i d a
Segundo José Honório a História do B ras i l divulgada e oficializada
apresenta m n a grande lacuna, por ser extremamente parcia l : de
fende apenas a cultura dominante das elites.
"A História que conhecemos não é senão um a versão mu i t o duvi
dosa, construída para satisfazer interesses de classes e grupos
dominantes".
Existe por tanto n o B ras i l im ia cultura domraante, sustentada e
imposta pelas elites, e u m a cultura o p r im ida , de raízes n i t idam ente
populares.
E m
suas Ref lexões
sobre
os
rumos
da História, ele declara:
"Na h is tor iogra f ia bras i le i ra predomina
a razão incontrastável do
Estado, do v i t or ioso . Ê preciso que restabeleçamos o equilíbrio,
ouvindo e incorporando vencedores e vencidos. . .
É o espírito da verdade, buscada sem t emor ; é a compreensão de
que
o
objet ivo
da História é dar
sentido
a o
passado;
é
conhecer
e
compreender não para contemplar l u n passado m or to , m as para
ag ir , para l ibertar as consciências, pa ra dar força às forças do
progresso, para identif icar
e
in tegrar
o país
todo
com sua história
e seu futuro, essa é a tarefa da História".
^9
Essa tarefa
de
buscar
um equil íbr io
entre
vencedores e
vencidos,
valor izando
a atuação destes últimos é
exercida mediante
o
revi
sionismo
hi stórico. A esse
respeito,
José Honório se
expressa
da
seguinte maneira:
"A p r ime ira ta re fa da história combatente é rever a realidade
his
tórica, esquadrinhar todos os aspectos daquela falsa idealização
com que se tem a presentado o passado. O rev is ion ismo se opõe à
or todox ia . Ê u m m ovi m ento independente, u m desenvolvimento
cr iador e in terpreta t ivo , que restabelece o contato entre a teor ia
e a prática,
abandona
os
mitos pela realidade,
não
cancela (si c),
antes enfrenta
as condições
ortodoxas,
desde os figurões,
desafia
a o l igarquia,
não
despreza
as
ideologias
e não
considera histori ca-
29.
Rodrigues, José Honório, História, Corpo do Tempo, S. Paulo,
Perspectiva, 1976, 21.
1 2 6
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
17/41
mente necessárias a injustiça social, a privação econômica, o desa-
tendimento educacional e sanitário".
E
conclui
em
seguida:
"O rev is ion ismo t em de buscar fatos e conexões novas inspiradas
nas exigências in terroga t ivas do presente e na vivência de repente
descoberta de coisas passadas. O revisionismo busca novos valores
e não acredita somente nos v i tor iosos, pois sabe que os vencidos
e derrotados fazem parte do processo e não podem ser el iminados,
a menos que se l iquide parte da história",
U m a interpretação da História do B r a s i l que defenda apenas os
interesses dos grup os domin an tes apresenta-se evidentem ente como
facciosa.
Por isso
José Honório
Rodrigues defende
a
necessidade
de se
cr iar u m a nova visão histórica que leve em consideração também
a
contribuição das massas op rim idas e da
cultura
por e las cr iada
e defend ida . Segundo ele, estes são valores genuinamente nacionais.
E m Aspirações Nacionais o
autor enfat iza também este aspecto:
"Os males da nossa história advêm da o l igarquia, das m inor ias
dominadoras
que
querem evitar
a opção
pelo progresso,
a
l iberta
ção do povo e da nação de todas as servidões. E la quer impedir
o f i m do s
seus
privilégios e o começo
imedia to
da História, com
futuro.
A s
m inor ias dominadoras
são
alienadas, detestam nossa
realidade e v i vem n o mimdo europeu, o u euro-americano, sob pa
drões alienígenas; jamais reconhecem como o poeta :
"Quem me fez assim f o i minha gente e m in h a te r r a
E eu gosto bem de ter
nascido
com essa
t a ra .
P a r a m i m , de todas as burr ices, a m a i o r é suspirar pela Europa" .
Porque suspiram pela E urop a — e amam todos os Poderes m a i o
res
—-
asp i ram
as
m in o r i a s
a
man te r
o statu quo,
evitando
a
re f o rma
e a sua urgência".
E cont inua, n a mesma
l inha
de pensamento:
"Incapazes de d is t inguir co m clareza os interesses nacionais per
manentes, buscando nas fórmulas jurídicas as soluções imediat is-
tas
e transitórias,
jwrsistem
em
coexist ir,
n o
t emor
e n o
e r ro ,
c o m
o
povo .
Nossa história, de evolução
mu i t o l en ta
até
recentemente,
se compõe de
pequenos sucessos,
f ruto
ma is
da paciência, da
per
sistência, do o t im i sm o , do estoicismo do povo, que do j e i t o o u
habil idades da m in or ia dominante. Esta encontra n o compromisso
30.
Rodrigues, José Honório,
Vida e História
Rio, Civilização Bra
sileira,
1966, 16.
1 2 7
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
18/41
polít ico um meio de
ludibr iar
o povo e de desviar o processo
histórico do caminho do progresso e da justiça soc ia l " .
» i
Somente mediante luna amp la valorização da cultura popula r p o -
der-se-á chegar ao desejado equilíbrio entre
cultt ira
dominante e
cultura op r i m i d a .
2 2 V a l o r i z a ção d a c o n t r i b u i ção
p o p u l a r
A valorização da contribuição
popular
é
van.
coro lário necessário
do princípio an ter i o r . Também este const i tui um do s aspectos
básicos no modelo hermenêutico do autor.
Segundo
ele, até o
presente
a História do
B ras i l
va lor i zou
pr inci
palmente
a contribuição das elites que estavam n o poder, desta
cando como heróis e benfeitores da pátria os vultos que sustenta
ra m
e defenderam as posições conservadoras.
Urge agora fazer um a Histór ia do B ras i l em que se considere o
povo como verdadeiramente atuante. Esta é uma das tarefas do
rev is ion ismo
hi stórico. A esse respeito, assim se expr ime José
Honór io :
"O revis ionismo
que
in terpreta
e
r e in terpre ta
o
passado
na sua
significação presente, que combate a mumificação de estadistas e
realça a contribuição popular, pode ser, de certo modo, resumido
na
lição de M ichelet . " Na história, d iz ia ele a seus alunos, " é como
o romance de Sterne: o que se fazia no salão, fazia-se n a cozi
nha " .
3
O própr io estudo da lingüística, segxmdo ele, pode servi r para
detectar a dominação das elites sobre a cultura popula r . São
palavras
suas:
"Para
o
h i s t or i ador ,
u m do s
aspectos mais valiosos
do
estudo
da
lingüística está na relação entre língua e sociedade, n o passado
como presente.
Há uma guerra de falares n o B ras i l como em Portugal , que dis
t ingue as
classes
da s
duas sociedades. Assim como
não há paz
cultural nas sociedades, não há paz lingüística. Antes, há um a
guerra
implacável, que excliü m utuam ente grupo s sociais, separa
dos já pela estrutura de classe, pela educação, pe la renda. . .
A fala não está
un indo,
está d i v id indo a sociedade, está separando
o
pouco
de
c omum
que
existe entre
luna
pequena
minor ia a l ta-
3 1
Rodrigues, José Honório,
spirações
nacionais:
interpretaçã
histórico-política. Rio, Civilização Brasileira, 1970, 4.' ed., 192-193.
32.
Rodrigues,
José Honório, Vida
e
História Rio, Civüização Bra
sileira, 1966, 15.
1 2 8
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
19/41
mente cult ivada e u m a maior ia brutal izada, conscientemente
bru
talizada p a ra ma i o r subjugação política".
As raízes do na t i v i smo bras i l e i ro estão na miscigenação racial,
e a contribuição
popular pode
ser
designada como
mestiça, ma-
meluca o u cabocla.
Por isso, José Honório fala por vezes em suas obras e m u m a
cultura e u m netcionalismo caboclo.
Referindo-se
à Confederação do
Equador,
ele indica esse
naciona
l ismo
como u m do s aspectos básicos p a ra a compreensão desse
episódio:
"Revelou a força do nacional ismo caboclo, que signi f ica especial
mente dois
princípios:
p r i m e i r o ,
que a
g rande maior ia
do
povo
bras i le iro
é cabocla, seu substrato ético é m estiço. É esse o agente
pr inc ipa l de atuação histórica e o ma i s im por tan te fa tor de iden
t idade e estabi l idade na cion al. Segundo, como conseqüência do
pr ime i ro ,
quando
se
visa atender
a
esta gente,
se
atende
impl ic i ta
mente ao elemento básico do interesse nacional" .
Não obstante, esse sent imento nat iv ista e nacional ista, esboçado
nas
lutas
pela Independência, não teve até o presente as condições
para desabrochar e amadurecer, sufocado com freqüência pelas
tendências
conservadoras
da s
elites luso-brasileiras.
Para José Honório, o verdadeiro nacional ismo é aquele que visa
atender as aspirações do povo e dar-lhe verdadeira participação
na v ida social e no processo decisório da nação.
E m
Aspirações Nacionais, assim se expressa o au t o r :
"Só com a real soberania popular o governo se nacionalizará e os
interesses nacionais serão prioritários, pa ra benefício do povo e
não de poderosos grupos econôm icos. A libertação do governo das
minor i as
alienadas
e de
seus agregados,
os
caiados,
que já era
1817 se colocavam ao lado da antiindependência, apenas se i n i c i a . . .
Por isso, as vitórias populares são lentas, pequenas e sofridas. A
conseqüência é a ameaça de lançar o autêntico rad ica l i smo, o ver
dadeiro nacional ismo brasi le i ro nos braços do l i ber ta r i smo anár
quico,
especialmente depois
que o
nosso processo
democrático foi
in te r rompido pe lo l ibert i c ismo. Desde 1964 dois p roblem as polít i
cos se a g ra va ram: a relação instável entre o governo e a sociedade,
e a alterada distribuição de poder no própr io governo".» »
33. Rodrigues, José Honório,
História, Corpo do Tempo,
S. Paulo,
Perspectiva,
1976, 24.
34.
Rodrigues, José Honório, ibidem, 132.
35. Rodrigues, José Honório, spirações
nacionais:
interpretação
histórico-política. Rio, Civilização Brasileira, 1970, 4.» ed., 192-193.
1 2 9
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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E conclui
com as
seguintes
considerações:
"As
legítimas apirações do
povo bras i le i ro
são também as legí
t imas aspirações do
Bras i l ,
e sua interpretação deve inspirar-se
não nos
interesses
dos
poucos privi legiados
do
statu
quo,
que
escamoteiam o processo histórico, n em dos re formistas demagó
gicos
que, sob a p ressão dos
fa tos, barganham
concessões, nem
dos antinacionalistas, nem dos alienados, quer os que não vêem
mmca o
Bras i l , quer
os que só o vêem com
lentes emprestadas,
dogmat icamente pré-fabricadas f o ra do país. Estas lentes podem
e
devem ajudar-nos, com o
u m
inst rumento
de análise, m as a
pala
vra
f inal
surge dos próprios brasi le iros, inspirados n o nacional ismo,
nos interesses
e
objet ivos nacionais,
no bem públ ico
comum" ,
E m
conclusão, o
nacional ismo
autêntico não é
aquele criado
o u
impos to pelo Estado o u pelos que d om in a m o poder, mas s im
o que
corresponde verdadeiramente
às aspirações do
povo brasi
le i ro em re lação a uma m a i o r participação na v ida do país.
2 3 Ên f a s e n o
a s p e c t o s o c i a l
e e c o n ôm i c o
Para
um a
verdadeira
interpretação histórica, é necessário que
o
h istoriador tenha suficiente conhecimento
dos
aspectos socio-
-econômicos que
condic ionam
os próprios
fatos
políticos.
Escreve
José Honório:
"Ninguém
pode realmente cult ivar seriamente
a História se não
souber, ao lado do método, da crítica, da orientação na pesqiúsa,
da evolução da
H is t o r i og ra f i a ,
as relações, as contribuições, os
auxílios que as várias Ciências Sociais podem prestar à História.
U m h i s t o r i ador
deve
manter-se
em d ia com
estas disci pli na s, bus
cando tudo
que
possa servi-lo para melhor realizar suas tarefas
históricas".
E acrescenta:
"Os historiadores sabem como podem
lucrar com os avanços
objet ivos
das Ciências
Sociai s. Depois
de
1930, m m to
se
desenvol
veram
as
pesquisas
e
estudos sociais,
econômicos e políticos, re
presentando
um a contribuição
verdadeiramente
extraordinária
para a síntese —
in tegra t iva
que cabe à História
real izar, a inda
que provisoriamente.
Deste modo
os
h is tor iadores t ransformam
as Ciências
Sociais
em
auxil iares da interpretação histórica, como seria atualmente não
36. Rodrigues,
José Honório,
ibidem, 192-193.
1 3
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
21/41
só a psicolog ia, mas a própria psicanálise, que nos serve como
um a
categoria de comp reensão histórica, instrumental , n ão c a u s a i " . "
Nossa visão histórica
t radic ional ,
segundo o modelo Vamhagen,
f o i
marcadamente
política.
Essa
era a tônica dos
ant igos manuais
de História do Bras i l .
Capistrano de Abreu procurou ampl i a r o panorama, dando grande
destaque aos aspectos sociais.
E m b o r a v inculado p o r sim pa tia especial a Cap ist rano, José H on ório
é um h i s t o r i ad o r de tendência t ip icamente política. Sobre ele,
escreve
Álvaro
L ins :
"Espír ito caracterizadamente político, José Honório Rodrigues
tor
nou-se h isto r ia dor , talvez po rque
de
todos
os gêneros da
pa lavra
escrita, é a história o que me lhor se entende com a Polít ica, como
já observava José Veríssim o, nu m dos seus estudos críticos sobre
Joaquim
Nabuco. E o que singulariza efet ivamente este
h istor ia
d o r . . . é a em oção, a paixão, a sensação de atualidade com que
revive acontecimentos históricos e fenômenos sociais do passado",
Não obstante, ele soube sempre enfat izar a necessidade de im ia
abertura
pa ra os aspectos sócio-econômicos.
Assim, p o r exemplo, valor iza altamente o trabalho desenvolvido
p o r Capistrano
de
Abreu nessa
área,
a f i rmand o :
"Suas introduções à
Primeira
Visitação do
Santo O ficio. Conf is
sões e às Denunciações da
Bahia, 1591-1592
(S . Paulo, 1922 e 1925,
sendo a
p r ime i ra
reproduzida pela Sociedade C ap istran o de Abreu,
R io de Janeiro, 1935) são empresas inigualáveis pela pesquisa nova
e o r i g ina l que abr i a u m novo campo de estudo, quase sempre
envolvido pela escondida discriminação — que ele r o m p i a — como
porque e ra um r e t ra to que até então não se f izera da sociedade
colonial,
da psicologia dos povos, n o p r i m e i r o século do Bras i l .
Novamente pion eiro, como sempre",
ŝ»
Da mesma forma, ressaltou ele a vaUosa contribuição p a ra os estu
do s históricos dada p o r G i lberto Freyre e Caio Prado Júnior, o
pr ime i r o
com ênfase no aspecto social, e o segimdo n o aspecto
econômico.
Aliás, também ele p rocurou de f in i r as características do povo
brasile iro, c o m a seguinte just i f icat iva:
37.
Rodrigues,
José Honório,
História,
Corpo
do
Tempo,
S .
Paulo,
Perspectiva, 1976, 20,22.
38. Lins, Álvaro in Rodrigues, José Honório,
spirações nacionais:
interpretação histórico-política.
Rio, Civüização Brasileira, 1970, 4.* ed..
Contracapa.
39. Rodrigues, José Honório,
Nota liminar
i n Abreu, J . Capistrano
de. Ensaios e
Estudos,
2 .' série, R io , Civilização B rasileira, 1976, 2 .' ed. X I .
1 3 1
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
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"A caracterização
nac iona l
não foge
assim,
à
tarefa
histórica. Não
é possível compreender a
sociedade
ou a política part indo delas,
m as
s im de
seus
próprios
desenvolvimentos
históricos. A
mais
impor tan te
contribuição de Riesman analisada n iun vasto
exame
crítico,
consist iu
em t e r
observado,
no caráter, a tendência
para
a
mudança. E
esta
não
pode
ser
v ista
sem a história, sem as
variações históricas, no jogo dinâmico do permanente-variável.
O h i s t o r i ador deve enfrentar o assunto, e não abandoná-lo aos
antropólogos e sociólogos que, se
ad iantaram
o
conhecimento
do
prob lema, não o reso lveram" . * "
N o
vo lume
História Corpo do Tempo há
duas
contribuições
para
a
história econômica do B r a s i l : Holanda e Portugal, um paralelo
entre dois mundos e História e Economia. A
Década
ãe
1870
a 1880.
Existem
diversas outras contribuições históricas de José Honório
na
área de
estudos
sócio-econômicos.
M as
o que
importa aqui sobremaneira ressaltar
é que
para
esse
autor os
componentes
sócio-econômicos são indispensáveis
numa
correta interpretação histórica.
2 4 C o n e x ão
en t r e
o
p a s sa d o
e o
p r e s e n t e
U m a das preocupações básicas dos
estudos
de José Honório Ro
drigues consiste
em
ressaltar
a
necessidade
de
re lac ionar
os
fatos
e os
acontecimentos
de épocas
anter iores
com a situação
a m a i
do
país; em
suma, colocar
em evidência os
nexos existentes entre
o
passado
e
presente.
E m
sua obra Vida e História, José Honório declara:
"Venho repet indo desde a segunda edição de Teoria da História
do Brasil que
precisamos preparar
o
professorado
e a
juventude
com um a história que man tenha v iva a conexão com o presente". i
Já em um de seus primeiros estudos, publicado como art igo entre
1945
e
1947,
e
reeditado
n a
ob ra
Notícia de Vária História, o
autor
coloca com clareza seu pensam ento sobre a necessidade de estudar
o
passado
à luz dos
acontecimentos presentes, buscando
nos
acontecimentos anteriores, um a melhor compreensão da situação
presente.
Eis como
ele se
expr ime:
"Nas épocas de lenta transformação social há u m a tendência a
considerar
as
formas sociais
de comunhão
humana ,
então
corrente.
40.
Rodrigues, José Honório,
spirações
nacionais:
interpretação
histórico-política
Rio, Civilização
Brasileira, 1970,
5.
4 1
Rodrigues, José Honório, História, Corpo do Tempo, S. Paulo,
Perspectiva, 1976,
17.
1 3 2
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
23/41
como eternas.
Perde-se, nesse
caso, facilmente
o
sentido
da
histór ia.. .
Realmente
nas fases revolucionárias,
como
a que
v ivemos hoje,
a
var iab i l idade
da s
formas sociais toma-se aparente
e a história
ó então
namorada pelos
que
desejam conhecer
as
or igens
e a
evolução da
v ida hmnana
e de
suas
instituições.
Toda
a história,
quando
a
vemos pelo pr isma
da
agonia m imd ia l , toma-se
então,
história contemporânea,
po is para combater
é
preciso
ter confiança
na
causa
que
defendemos,
e
esta
confiança tem
suas
raízes no
passado
h istórico. U m a nação não é
somente
u m
gmpo h i m i an o
a defender ^^m passado, mas também um grupo que participará
de
l u n
futuro comum".
E m
seguida,
faz a aplicação desse princípio
para
a situação histó
r ica concreta:
"Nessa h o r a ,
desde os
mais indi ferentes
aos
mais alertas, todos
sent imos
a significação da
nossa vida passada
em
c omum
e do
nosso
futuro, que
pretendemos seja
também
c o m u m . . .
Se
alguns podem negar
a
esta
história
statu nascendi, d i r e i t o
à
v ida,
poucos
poderão
negar
que na história
post-mortem
se
julga
o que
aconteceu como
a única
coisa
que
poder ia
t er
acontecido.
Desta atitude
de
devotado
exercício à história
presente poder-se-ia
extra ir
um a lição de conseqüente
vantagem para
nós.
Quando os d i tadores modernos inauguraram os serviços of iciais
de
informação, o que de
fa to pretendiam
era
f raudar
a história.
De nada
o u
pouco
nos
valer ia,
n o
entanto, combater aquela lite
ratura
c om a de
contrapropagan da, po rque esta
t ra r i a em s i pró
pr i a as
mesmas potencial idades
de
erro
e
inverdade.
A boa
a t i tude
que se
ex t ra i
da
possibUidade
de
fazer
história
statu nascendi
n o
B ras i l seria
a adoção de
processos
científicos
histórico-sociológicos que
procurassem descrever
as tendências e
a atual idade
do
nosso processo social,
econômico e político.
As
três
pr incipais vantagens
que logo se
apresentam ser iam:
1 )
corr ig i r
os
erros
e
inverdades
da
Uteratura
d i r i g ida sem
ca i r
nos
seus
próprios m étodos; 2)
apresentar
à nação mn
re trato v i vo
de suas necessidades
e de sua situação histórico-sociológica; 3)
servir
à
futura
história da
nossa
época com relatórios do que
pareceu
aos próprios contemporâneos
como suas pr incipais ten
dências".
2
42. Rodrigues,
José Honório,
Noticia de Vária História
Rio,
Livra
ri a S. José, 1951.
1 3 3
8/20/2019 A Interpretação do História do Brasil Segundo José Honório Rodrigues
24/41
Também em sua ob ra História
Corpo
do
Tempo,
José Hon ório
ressalta
a posição já
assumida
em
A Pesquisa Histórica no
Brasil,
insist indo em v incular a História com a realidade presente:
"Re lembro
o que
escrevi
em
A
Pesquisa
sobre
a relação íntima
entre
o
desenvolvimento
dos
arquivos,
preservação
documental,
a
pesquisa
e a
hora
histórica
c r iadora .
A
d isc ip l ina
"Introdução à
História", na f a l ta de outras, que ser iam outros focos de energia
combat iva, cont inua
a ser uma das
poucas fontes
de inspiração
para a
defesa
de
tantas
aspirações dos h istor iadores". * '
O estudo do passado, po rta nto , adquire m aio r dimensão quando
nos ajuda a i n t e rp re ta r e compreender melhor o presente; p or sua
vez, o momento presente é v isl imíbrado com maior clareza à luz
dos acontecimentos passados.
2 5 V i n c u l a ção
e n t r e
a H i s t ó r i a e a
v i d a
A conexão entre passado e o presente é apenas u m