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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito Programa de Pós-graduação em Direito A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO Luciana Goulart Ferreira Saliba Belo Horizonte 2010

A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO … · el Derecho tiene que estar impregnado de valores ... Economic interpretation; Surpass of the original version ... 2.3.3 Albert Hensel

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito

Programa de Pós-graduação em Direito

A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Luciana Goulart Ferreira Saliba

Belo Horizonte 2010

Luciana Goulart Ferreira Saliba

A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Linha de pesquisa: Estado, Constituição e Sociedade no Paradigma do Estado Democrático de Direito Orientador: Marciano Seabra de Godoi

Belo Horizonte 2010

S165i Saliba, Luciana Goulart Ferreira

A interpretação econômica do Direito Tributário. / Luciana Goulart

Ferreira Saliba. Belo Horizonte, 2010. 171f.

Orientador: Marciano Seabra de Godoi Dissertação. (mestrado – Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Faculdade Mineira de Direito, Programa de Pós-graduação em Direito).

1. Direito tributário – interpretação econômica. I. Godoi, Marciano Seabra de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. III. Título.

CDU: 336.2

Para minha mãe, Luiza, minha inspiração e meu orgulho. Para Wilton, Gustavo e Guilherme, razão do meu viver. A Nilcéia, amiga de tantos anos, pela ajuda incansável e incentivo constante.

AGRADECIMENTO

Ao Professor Marciano, minha referência intelectual, pelo estímulo, pela instigação e pela

persistência em orientar com precisão.

“Nunca desaparecerá, ciertamente, la tensión entre la realidad y la norma; ésta es la vida misma del Derecho. Los asesores fiscales tienen el deber de aconsejar a sus clientes acerca de la manera menos onerosa fiscalmente de lograr sus fines de negocios; pero no por medio de la manipulación de las normas, que es cosa de leguleyos, no de verdaderos juristas. También en este campo conviene no olvidar que el Derecho tiene que estar impregnado de valores éticos.” (PALAO TABOADA, 2009, p. 43)

RESUMO

A antiga visão do tributo como algo odioso implicava a interpretação literal e restritiva das normas

tributárias. Contra essa visão formalista da norma tributária surgiram as escolas da interpretação

econômica e funcional do Direito Tributário, segundo as quais o fato gerador é sempre uma relação

econômica privada cuja existência é suficiente para determinar o nascimento da obrigação tributária,

qualquer que seja o envoltório jurídico da referida relação econômica. O radicalismo inicial da

interpretação econômica foi posteriormente abandonado e atualmente prevalecem para o Direito

Tributário os critérios normais da hermenêutica jurídica, consistentes na fixação do mais restritivo e

mais extensivo sentido literal possível da norma e na definição do seu sentido por meio da aplicação

dos critérios lógico-sistemático, histórico e teleológico. A interpretação econômica, nesse contexto, é

concebida como critério de interpretação teleológica ou como forma de combate à elusão fiscal,

prestigiando tanto os princípios da legalidade e da segurança jurídica quanto os princípios da

igualdade e da capacidade contributiva. A doutrina formalista brasileira, por outro lado, confere um

peso excessivo ao princípio da legalidade e não admite a interpretação econômica nem mesmo como

forma de combate à elusão fiscal. Para essa parte da doutrina, a interpretação não tem nada de

“criativo” e consiste em um ato frio e mecânico de subsunção do fato à lei. Os dispositivos do

Anteprojeto e do Projeto do CTN que visavam à incorporação da interpretação econômica não

prevaleceram no texto final aprovado em 1966. Os arts. 107 a 112 do CTN não negam nem acolhem a

interpretação econômica, uma vez que o critério teleológico decorre da Teoria Geral do Direito e

independe de previsão em lei, tal como ocorre nos demais ramos do Direito.

Palavras-chave: Direito Tributário; Interpretação econômica; Superação da versão original;

Interpretação teleológica; Combate à elusão fiscal; Recepção pela doutrina antiformalista do Direito

Tributário; Análise das normas de interpretação e integração do CTN.

ABSTRACT

The old perception of taxes as something hateful implied the literal and restrictive interpretation of the

tax rules. The schools of economic and functional interpretation of tax law, which were created against

this formalistic perception of tax law, stated that the tax triggering event is always a private economic

relationship whose existence is enough to determine the birth of the tax liability, whatever is the legal

shape of such economic relationship. The initial radicalism of the economic interpretation was later

abandoned and the normal criteria of legal interpretation currently prevail for tax law. Those criteria

consist of the determination of the most possibly restrictive and extensive literal sense of the rule and

also of the determination of its sense through the application of logical-systematic, historical and

teleological criteria. The economic interpretation, in this sense, is conceived as criterion of teleological

interpretation or as a way of fight against tax elusion, valorizing the principles of lawfulness and

predictability as well as the principles of equality and ability to pay. Brazilian formalist jurists’

opinion, on the other side, valorizes excessively the principle of lawfulness and does not admit the

economic interpretation neither as a way of fight against tax elusion. For this jurists’ opinion,

interpretation does not correspond to “creativity” and consists of a cold and mechanic act of

submission of the fact to the rule. The provisions of the bills of the Brazilian Tax Code (CTN) which

sought the inclusion of the economic interpretation did not prevail in the final text approved in 1966.

Sections 107 to 112 of CTN do not deny nor adopt the economic interpretation since the teleological

criteria derives from the General Theory of Law and is independent from its express adoption by law,

as occurs in other fields of Law.

Keywords: Tax law; Economic interpretation; Surpass of the original version; Teleological

interpretation; Fight against tax elusion; Adoption by the antiformalist jurists’ opinion of tax law;

Analysis of interpretation and integration of CTN.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10

2 SURGIMENTO, DESENVOLVIMENTO E SIGNIFICADO ATUAL

DA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO ..

13

2.1 Contexto histórico do surgimento da interpretação econômica ............... 13

2.2 A versão original da interpretação econômica. Evolução da legislação e

da jurisprudência alemãs ................................................................................

15

2.3 A versão equilibrada da interpretação econômica do Direito Tributário . 27

2.3.1 A teoria de Ezio Vanoni ................................................................................... 29

2.3.2 Antonio Berliri. Crítica à versão original da interpretação econômica ........ 38

2.3.3 Albert Hensel. Oberservações de Andrés Báez Moreno, Maria Luisa

González-Cuéllar Serrano e Enrique Ortiz Calle ...........................................

44

2.3.4 A posição de Achille Donato Giannini ............................................................ 47

2.3.5 Andrea Amatucci .............................................................................................. 49

2.3.6 Heinrich Beisse ................................................................................................ 50

2.3.7 Klaus Tipke e Joachim Lang ........................................................................... 52

2.3.8 Carlos Palao Taboada ...................................................................................... 56

2.3.9 Síntese da versão equilibrada da interpretação econômica ........................... 62

2.4 Crítica da atual corrente formalista à interpretação econômica do

Direito Tributário ............................................................................................

63

2.5 Síntese conclusiva ............................................................................................ 67

3 A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA E A DOUTRINA BRASILEIRA

DO DIREITO TRIBUTÁRIO ........................................................................

71

3.1 A posição dos primeiros estudiosos do Direito Tributário no Brasil .......... 74

3.2 A doutrina formalista do Direito Tributário ................................................ 83

3.3 A teoria antiformalista do Direito Tributário .............................................. 90

3.3.1 Marco Aurélio Greco ........................................................................................ 90

3.3.2 Ricardo Lobo Torres ........................................................................................ 108

3.3.3 Marciano Seabra de Godoi .............................................................................. 112

3.3.4 Johnson Barbosa Nogueira ............................................................................. 120

3.4 Síntese conclusiva ............................................................................................ 126

4 A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO

NACIONAL .....................................................................................................

128

4.1 A interpretação econômica no Anteprojeto e no Projeto do CTN .............. 128

4.2 A interpretação econômica e o CTN .............................................................. 133

4.2.1 Art. 107 do CTN ................................................................................................ 133

4.2.2 Art. 108 do CTN ................................................................................................ 134

4.2.2.1 Analogia ............................................................................................................ 138

4.2.2.2 Princípios gerais de Direito Tributário ......................................................... 143

4.2.2.3 Princípios gerais de Direito Público .............................................................. 144

4.2.2.4 Equidade .......................................................................................................... 145

4.2.3 Art. 109 do CTN ................................................................................................ 147

4.2.4 Art. 110 do CTN ................................................................................................ 154

4.2.5 Art. 111 do CTN ................................................................................................ 156

4.2.6 Art. 112 do CTN ................................................................................................ 158

4.3 Síntese conclusiva ........................................................................................... 160

5 CONCLUSÃO ................................................................................................. 162

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 166

10

1 INTRODUÇÃO

O objeto do nosso trabalho é o estudo da teoria da interpretação econômica do Direito

Tributário, desde o seu surgimento no início do século passado até a sua conformação atual

nas doutrinas estrangeira e brasileira. Interessa-nos investigar em que consiste o atual perfil da

interpretação econômica, bem como sua eventual presença no Código Tributário Nacional

(CTN), visando a apontar o real significado desse método hermenêutico e sua utilidade

prática.

A interpretação econômica é frequentemente associada à exigência de tributo por meio

da integração analógica da legislação tributária, a qual é vedada pelo art. 108, §1° do Código

Tributário Nacional.

Por outro lado, a interpretação econômica também é aplicada para beneficiar o

contribuinte. Mas nessas hipóteses a interpretação econômica costuma ser chamada de

interpretação teleológica. É como se a interpretação econômica fosse uma forma espúria e

maléfica de interpretação das regras e princípios tributários e a interpretação teleológica fosse

um método hermenêutico legítimo.

Ou seja, a interpretação econômica tem sido enxergada de duas maneiras: como

interpretação analógica, com um viés negativo, e como interpretação teleológica, com um viés

positivo.

Para a doutrina brasileira majoritária do Direito Tributário, a interpretação econômica

é nociva ao princípio da legalidade tributária e favorece os interesses arrecadatórios do

Estado, em ofensa ao Estado de Direito. A interpretação econômica é comumente associada

ao totalitarismo e a um retrocesso na direção do arbítrio, da truculência e da perda das

liberdades. Essa parte da doutrina, representada pelas obras de Becker (2004), Xavier (2001),

Carvalho (1975) e Martins (1998), continua vendo o tributo como algo a ser meramente

“tolerado” e que não traz consigo qualquer carga de justiça. A norma tributária, segundo esse

entendimento, é restritiva de direitos e por isso deve ser interpretada de forma literal (como se

a interpretação literal fosse necessariamente restritiva).

Outra parte da doutrina entende que o princípio da legalidade não é absoluto e que

também devem ser considerados os princípios da capacidade contributiva e da isonomia. São

expoentes dessa doutrina as obras de Sousa (1975a), Falcão (1987), Ataliba (1975), Nogueira

(1974), Baleeiro (1975), Dória (1971), Guimarães (1947), Barros (1975), Greco (2004),

11

Torres (2000) e Godoi (2005). Essa corrente doutrinária reconhece que a interpretação

jurídica é uma tarefa que não se pode cumprir sem uma considerável “carga criativa” e sem

que frequentemente entrem em ação determinadas convicções do intérprete sobre “o que é e

quais são” os fundamentos do Direito.

Não é nosso objetivo o estudo específico da elisão tributária e seu combate. A doutrina

tradicional tem estudado a interpretação econômica principalmente como forma de combate

aos planejamentos tributários. Sobre esse assunto há vasta produção doutrinária e nosso

estudo visa a outra abordagem da interpretação econômica no Direito Tributário.

Pretendemos investigar, portanto, a partir dos aspectos histórico e dogmático, se a

interpretação econômica é contrária ao princípio da legalidade ou a outras normas e princípios

constitucionais; se é sempre favorável ao Estado; se é um método específico do Direito

Tributário; se foi incorporada ao CTN; e se é útil para a exata compreensão da norma

tributária.

No exame histórico do Direito Comparado, estudamos a instituição da interpretação

econômica no Direito Tributário alemão (§4° do Código Tributário alemão de 1919). O

estudo das raízes alemãs da interpretação econômica é importante porque um dos motivos de

seu repúdio pelos tributaristas brasileiros é seu suposto fundamento nazista.

A abordagem história também compreende o estudo dos dispositivos do Anteprojeto e

do Projeto do Código Tributário Nacional que pretendiam incorporar a interpretação

econômica. Apesar da exclusão desses dispositivos do texto final aprovado em 1966 (Lei

5.172), é necessário o estudo das normas de interpretação e integração da legislação tributária,

previstas nos arts. 107 a 112 do CTN, visando a identificar se algum desses dispositivos

abrange a interpretação econômica. Também estudamos a necessidade ou não de previsão

legal da interpretação econômica como critério de interpretação teleológica.

No exame dogmático, estudamos, a partir do Direito Tributário alemão, o conceito e a

finalidade da interpretação econômica na Itália, na Espanha e principalmente no Brasil.

O estudo do Direito Comparado compreendeu as obras clássicas de Vanoni (1932),

Berliri (1964), Hensel (2005), Giannini (1956), Amatucci (1994), Beisse (1984), Tipke e

Lang (2008) e Palao Taboada (2009). As obras desses autores, apesar de muito citadas pela

doutrina brasileira, são pouco aprofundadas e, a nosso ver, merecem um exame mais acurado.

Essas obras refletem o consenso de que a norma tributária não demanda nenhum critério

especial de interpretação, de que não são admissíveis quaisquer métodos a priori de

interpretação e de que é tarefa do intérprete, em cada caso concreto, resolver o problema do

12

significado dos termos de Direito Privado utilizados pelo Direito Tributário. A interpretação

econômica é tida como espécie de interpretação teleológica ou como forma de combate à

elusão fiscal.

No Direito Tributário brasileiro, nossa pesquisa abrange a doutrina formalista, que

repudia a interpretação econômica, e a doutrina antiformalista, que aceita a interpretação

econômica como critério de interpretação teleológica ou como forma de combate à elusão

fiscal e reconhece sua indispensabilidade para a correta aplicação do Direito Tributário. Nosso

estudo engloba, assim, a posição dos primeiros tributaristas brasileiros, pelas obras de Sousa

(1975a), Falcão (1987), Ataliba (1975), Nogueira (1974), Baleeiro (1975), Dória (1971),

Guimarães (1947), Barros (1975) e Canto (1967), e a posição dos tributaristas

contemporâneos, pelas obras de Becker (2004), Xavier (2001), Carvalho (1975), Martins

(1998), Greco (2004), Torres (2000) e Godoi (2005).

Ao final, pretendemos concluir se ainda faz sentido a associação da interpretação

econômica aos critérios de interpretação favoráveis ao fisco e se o perfil atual dessa teoria é

ou não admitido pelo Direito Tributário brasileiro.

13

2 SURGIMENTO, DESENVOLVIMENTO E SIGNIFICADO ATUAL DA

INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

2.1 Contexto Histórico do Surgimento da Interpretação Econômica

Durante muitos séculos, o tributo significou uma agressão à liberdade e ao patrimônio

do contribuinte e uma degradação da cidadania. Conforme Marciano Seabra de Godoi (2005,

p. 112), até o estabelecimento do Estado Fiscal, no fim do século XVIII, o tributo era

considerado excepcional em dois sentidos: no sentido de que não era a forma comum e

ordinária de ingresso e financiamento público, e no sentido de que era percebido como uma

exceção à regra de que a norma jurídica se inspira em princípios gerais tidos como justos na

consciência coletiva de um povo, e não em puras razões de conveniência dos governantes

(VANONI, 1932, p. 29-30).

No século XIX, já em pleno Estado Fiscal, ainda prevalecia a opinião doutrinária e

jurisprudencial de que, dado o caráter odioso do tributo, as normas de incidência tributária

deveriam ser interpretadas de maneira literal (restritiva) e, na dúvida, sempre a favor do

contribuinte (in dubio contra fiscum). O caráter odioso do tributo justificava, por exemplo, o

famoso adágio de Modestino1: “Entendo que não cometeria qualquer falta quem, em questões

duvidosas, respondesse categoricamente contra o fisco” (FALCÃO, 1987, p. 25).

A partir do século XX (passagem do Estado Liberal para o Estado Social), quando o

tributo passou a ser visto como a forma mais democrática e igualitária para se financiarem as

atividades e os gastos públicos capazes de tornar efetivos os direitos individuais e sócio-

econômicos dos cidadãos (NABAIS, 2005, p. 9-39), o Direito Tributário perdeu a pecha de

1 Conforme Rubens Gomes de Sousa (1975, p. 77-78), o adágio de Modestino, jurisconsulto romano, chegou a ser introduzido como preceito legal no Digesto, codificação baseada nos pareceres de juristas, aprovado no ano 533 da era cristã pelo imperador Justiniano. Esse princípio, contudo, nunca foi pacificamente aceito e a regra inversa acabou prevalecendo durante a Idade Média e todo o período do absolutismo real, ou seja, desde o século XVI até a Revolução Francesa de 1789. Notáveis exceções durante esse longo período histórico, no sentido da legalidade dos tributos, ocorreram na Inglaterra: a Magna Carta de 1215, de João Sem Terra, que instituiu a votação dos tributos pelo parlamento, e a Declaração dos Direitos de 1688, do Rei Guilherme I, que instituiu o controle parlamentar do orçamento e das despesas públicas.

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excepcional e passou a ser considerado um direito comum, que não demanda métodos

especiais de interpretação2.

Ezio Vanoni (1932, p. 140), integrante do movimento renovador do Direito Tributário

iniciado na Itália na década de trinta do século passado visando a combater o axioma da

interpretação literal e o formalismo da Jurisprudência dos Conceitos3, alertava que jamais

poderia ser odioso aquilo que se revela necessário à própria existência da comunidade

jurídica. Vanoni (1932, p. 48) cita uma antiga sentença da Corte de Cassação de Torino, que,

segundo ele, não teve seu espírito devidamente acatado pela jurisprudência. Conforme essa

sentença, os tributos livremente votados e conformes à necessidade do Estado representam a

ordem, a liberdade, a justiça, a segurança, a beneficência, o exército, a marinha, a

independência e a honra da pátria. Falar em odiosidade do tributo em si significa desconhecer

o vínculo indissolúvel entre a existência do Estado e a tributação.

Foi no contexto de combate à teoria da interpretação formalista do Direito Tributário4,

e sob forte influência da Jurisprudência dos Interesses, que se desenvolveu a presunção

absoluta de que o legislador tributário nunca define o fato gerador dos tributos em função de

determinada forma jurídica.

Essa ideia foi desenvolvida na Itália pela Escola da Interpretação Funcional do Direito

Tributário, capitaneada por Benvenuto Griziotti e Dino Jarach (1996). Conforme José

Osvaldo Casás (2004, p. 42), o método funcional visa a desvendar a vontade do legislador

mediante a descoberta do porquê da norma e da causa da imposição tributária, investigando os

elementos constitutivos de cada ingresso a partir de uma visão integral do fenômeno

financeiro, por entender que sua compreensão somente será plenamente alcançada mediante

uma síntese dialética dos elementos políticos, econômicos, jurídicos e técnicos.

2 Na Europa, o Direito Tributário, separado do Direito Administrativo, do Direito Financeiro e da Ciência das

Finanças, começou a ser estudado e sistematizado pela doutrina somente nas primeiras décadas do século XX, principalmente na Alemanha e na Itália.

3 A Jurisprudência dos Conceitos baseava-se em uma espécie de pirâmide de conceitos jurídicos, organicamente ligados uns aos outros. Conforme José Maria Arruda de Andrade (2006, p. 48-51), do ponto de vista metodológico, os principais pontos da Jurisprudência dos Conceitos são: (i) a teoria da subsunção, (ii) o dogma da plenitude do ordenamento e (iii) a interpretação objetiva. O direito era tido como um sistema completo, que possibilitava a formação de um conceito por meio de operações lógico-dedutivas a partir de outros conceitos formais já elaborados. Diante da completude do ordenamento, a interpretação (subsunção) sempre seria possível, sem a necessidade de um papel mais criativo do intérprete, tendo em vista o arsenal lógico que permitiria, mesmo diante da lacuna, a solução de um caso apresentado.

4 Vanoni (1932, p. 183) alerta que a função do intérprete, na Jurisprudência dos Conceitos, foi assemelhada por alguns à do matemático que resolve um problema da sua ciência. Os dispositivos da lei seriam como teoremas, cujas relações recíprocas devem ser demonstradas e de que importa saber retirar, por vias estritamente lógicas, as competentes deduções. Os limites da atividade interpretativa, portanto, seriam fixadas pelo espírito que informou a lei no momento do seu nascimento, e a atividade do intérprete deve orientar-se no sentido da reconstrução daquele espírito.

15

Relata Sáinz de Bujanda (1966, apud GODOI, 2005, p. 90) que, segundo Griziotti, do

mesmo modo que no contrato de compra e venda a causa é a correspondência entre o bem que

se transfere ao comprador e a quantia paga por este ao vendedor, a causa do tributo conforme

a tese de Griziotti seria a correspondência entre o interesse dos particulares na realização dos

serviços públicos e a obrigação dos mesmos particulares em transferir ao fisco parte de seu

patrimônio. No caso das taxas essa correspondência é direta, e no caso dos impostos a

capacidade contributiva constitui o indício da existência do interesse do particular na

prestação dos serviços públicos. Ainda segundo a teoria de Griziotti, na visão de Sáinz de

Bujanda (1966, apud GODOI, 2005, p. 90) mesmo que a obrigação tributária seja estabelecida

abstratamente na lei, seu nascimento concreto supõe que em cada caso concorra o elemento

causal (capacidade contributiva), pois do contrário ocorreria um enriquecimento sem causa

vedado pelo Direito. Por essa razão, essa teoria, em sua pureza conceitual, não visa apenas à

maximização da arrecadação fiscal, pois nos casos em que o contribuinte praticar o fato

gerador, mas não demonstrar uma efetiva capacidade contributiva, o imposto não poderá ser

exigido pelo fisco. Nos dizeres de Antônio Roberto Sampaio Dória (1971, p. 57), sendo a

capacidade contributiva a diretriz orientadora e justificadora das imposições fiscais, na visão

de Griziotti, tanto é injusta a tributação sem causa jurídica como a falta de tributação diante da

causa (capacidade contributiva) que a justifica.

Com base em Jarach (1996), Godoi (2005, p. 89) destaca que segundo os teóricos da

Escola da Interpretação Funcional, a realidade empírica ou a substância econômica é tudo no

Direito Tributário, pois o pressuposto de fato do tributo é necessariamente “uma relação

econômica privada”, cuja existência “é por si mesma suficiente para determinar o nascimento

da obrigação tributária, qualquer que seja a disciplina jurídica do direito civil”.

2.2 A versão original da interpretação econômica. Evolução da legislação e da

jurisprudência alemãs

Na Alemanha, a presunção de que o legislador tributário sempre define o fato gerador

dos tributos com base na substância econômica subjacente aos negócios jurídicos praticados

pelos contribuintes surgiu atrelada à Escola da Interpretação Econômica do Direito

16

Tributário5, capitaneada por Enno Becker, que foi juiz do Superior Tribunal Administrativo

de Oldenburg no período de 1906 a 1918.

Convidado pelo Governo alemão para elaborar o anteprojeto do Código Tributário,

Becker partiu de sua experiência com a legislação e a jurisprudência dos Estados-membros

para formular as regras que, na sua visão, o Estado federal alemão deveria adotar após a

Primeira Guerra Mundial.

Em 1919, quando Becker elaborou o anteprojeto do Código Tributário, a Alemanha

vivia uma situação econômica que exigia o combate à evasão das receitas públicas. Para

Becker, era imperioso dotar a Alemanha de instrumentos legais adequados para coibir a

prática dos contribuintes de arranjarem seus negócios de forma a evitar a ocorrência do fato

gerador. Os contribuintes mais abastados escapavam da pressão fiscal explorando as lacunas

da legislação tributária e as decisões dos litígios eram-lhes sempre favoráveis. Os tribunais,

apegados à teoria da interpretação formalista do Direito Tributário, interpretavam as leis

fiscais e os negócios jurídicos segundo as normas de hermenêutica próprias do Direito

Privado. Entendiam que o combate à evasão não era assunto do Judiciário, e sim tarefa do

legislador.

Para mudar a orientação dos tribunais, julgou-se que era necessário que o legislador

autorizasse de modo expresso que a lei fosse interpretada segundo o seu objetivo, e não

segundo o que vem expresso no seu texto. Era necessária a edição de uma norma que

5 A teoria da interpretação econômica do Direito Tributário não se confunde com o movimento da análise

econômica do direito, desenvolvida na Universidade de Chicago a partir de 1940. Conforme Paulo Antônio Caliendo Velloso da Silveira (2009, p. 8), a análise econômica do direito é mais um movimento do que uma escola única e trata da aplicação de conceitos e métodos não jurídicos no sentido de entender a função do direito e das instituições jurídicas. Ou seja, o movimento da análise econômica do direito consiste na utilização da teoria econômica e métodos econométricos para o exame do direito e das instituições jurídicas (p. 14). As principais características desse movimento são (i) rejeição da autonomia do direito perante a realidade social e econômica; (ii) utilização de métodos de outras áreas do conhecimento, tais como economia e filosofia; (iii) crítica à interpretação jurídica como interpretação conforme precedentes ou o direito, sem referência ao contexto econômico e social (p. 13). Outra vertente da análise econômica pretende não apenas descrever o direito com conceitos econômicos, mas também encontrar elementos econômicos que participam da regra de formação da teoria jurídica. Desse modo, os fundamentos da eficácia jurídica e mesmo da validade do sistema jurídico deveriam ser analisados tomando em consideração valores econômicos, tais como eficiência, custos de transação, etc. (p. 15). Richard Posner é considerado um dos estudiosos da análise econômica do direito mais produtivos e influentes no direito contemporâneo (p. 47).

17

autorizasse a interpretação teleológica da lei tributária, de forma a superar a teoria da

interpretação formalista do Direito Tributário e a Jurisprudência dos Conceitos6.

Naquele contexto, também era necessária a edição de uma norma que concretizasse o

princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 134 da Constituição de Weimar, que

determinava que “todos os cidadãos, sem distinção, na proporção de seus haveres,

contribuirão para todos os encargos públicos, conforme dispuserem as leis”.

Conforme Machado (1984, p. 9), Becker apoiou-se na doutrina de Ihering, para quem

o fim é o criador de todo Direito, para refletir no Código Tributário de 1919 o conteúdo da

Jurisprudência dos Interesses7. Em seus comentários ao Código Tributário, na última edição

de 1930, Becker [193?] afirmou, conforme Machado (1984, p. 9), que a previsão legal da

interpretação teleológica era uma vitória de Ihering contra seus opositores.

A teoria da interpretação econômica do Direito Tributário foi refletida no anteprojeto

de Becker por meio de dois preceitos que revolucionaram o Direito Tributário:

§4. Na interpretação das leis tributárias devem ser considerados a sua finalidade, o seu significado econômico e o desenvolvimento das circunstâncias. §5. A obrigação tributária não pode ser eludida ou reduzida mediante o emprego abusivo de formas e formulações de direito civil. Haverá abuso: 1. quando, nos casos em que a lei submete a um imposto fenômenos, fatos e relações econômicos, as partes contratantes escolhem formas ou negócios inusitados para eludir o imposto; e 2. quando, segundo as circunstâncias e a forma como é ou deve ser processado, obtêm as partes contratantes, em substância, o mesmo resultado econômico que seria obtido, se fosse escolhida a forma jurídica correspondente aos fenômenos, fatos e relações econômicos.

6 Conforme Andrade (2006, p. 49), o ponto primordial na análise da Jurisprudência dos Interesses é o

deslocamento de uma abordagem puramente teórica para uma assumidamente prática, cuja intenção primeira seria possibilitar a construção de um pensamento voltado à decisão jurídica concreta. Do ponto de vista do método jurídico, há a transição de uma hermenêutica de intenção formalista para uma de caráter finalista. A pesquisa pela intenção contida no texto, por meio de operações de cunho literal e lógico, é alterada para uma construção interpretativa baseada em considerações que satisfaçam os interesses da vida em jogo no conflito. Busca-se reduzir o espaço estabelecido pelo formalismo entre a realidade social e o direito. A decisão concreta (e não o ordenamento jurídico) passa a ser o ponto principal da ciência jurídica. A Jurisprudência dos Interesses não busca sair do quadro geral da norma (obediência e vinculação à lei), e sim o atendimento da justiça identificado com a adequação às exigências da vida (adequação material). A Jurisprudência dos Interesses combate tanto a Jurisprudência dos Conceitos quanto a Escola da Livre Investigação do Direito.

7 Conforme Andrade (2006, p. 48), o impulso inicial da Jurisprudência dos Interesses se deve a uma segunda etapa da obra de Rudolf von Ihering (1818-1892). O jurista alemão, após se destacar no desenvolvimento da Jurisprudência dos Conceitos, abandona-a paulatinamente, em prol de uma jurisprudência que pode ser classificada como pragmática e teleológica.

18

Justamente por representarem uma reviravolta quanto à tradição formalista e

conceitualista8 da jurisprudência e da doutrina alemãs da época, os parágrafos 4º e 5º não

foram facilmente aprovados no Parlamento. Alguns membros da Comissão Parlamentar

temiam que esses dispositivos implicassem a adoção dos princípios da Escola da Livre

Investigação do Direito9. Foi preciso, como relata Vanoni (1932, p. 202), que Becker

declarasse expressamente que o objetivo dos referidos dispositivos não era nem colocar o juiz

acima da lei, nem acolher o princípio do Código Civil suíço que autorizava o juiz a substituir-

se ao legislador em face das lacunas da lei:

A norma proposta visa tão somente impor ao juiz, com a máxima evidência, o dever de desenvolver completamente o pensamento jurídico contido no Direito Tributário, e, assim fazendo, levar em conta os fins das leis tributárias e o seu alcance econômico, assim como as formas de que se revistam, no momento, as situações da vida prática. Desse modo se poderá conseguir aquilo que desejava um dos nossos grandes juristas (Bolze), isto é, que a sentença seja justa e sensata. (BECKER, 1924, apud VANONI, 1932, p. 202).

O intento de Becker era assegurar a autonomia do Direito Tributário em relação ao

Direito Privado, outorgando ao aplicador da lei a liberdade de interpretá-la, juntamente com

os negócios envolvidos, não em função dos aspectos formais destes, mas tendo em vista

unicamente o seu resultado econômico.

8 Conforme Andrade (2006, p. 51), diante da incapacidade de previsão de solução e prescrição de todos os fatos

jurídicos da sociedade, Philipp Heck apresenta três possibilidades de tratamento das lacunas (propositais ou não): (i) a livre consideração por parte do intérprete, (ii) a limitação à subsunção e (iii) a complementação coerente da norma. No primeiro caso, há a solução da lacuna por meio da criação de uma norma jurídica individual plenamente livre, o que gera um problema de segurança jurídica e ausência de uniformidade. Trata-se do método proposto pela Escola da Livre Investigação do Direito. No segundo caso, em nome da segurança jurídica, nega-se a lacuna, classificando-a como espaço ajurídico, o que acarreta a negação de uma pretensão por conta da ausência de um preceito legal determinado. No terceiro caso, que conta com o aval de Heck, tem-se o que ele designa como complementação insuficiente da norma. Ao fazê-lo, o intérprete deve abster-se de utilizar suas próprias valorações, privilegiando, ao contrário, aquelas decorrentes dos ideais e interesses vitais presentes na norma, o que conferiria maior segurança jurídica à estratégia adotada.

9 Vanoni (1932, p. 185) destaca que a reação contra a doutrina tradicional determinou, no princípio do século XX, uma corrente que adquiriu força especialmente na França e na Alemanha e que afirmou que a função do intérprete é a de recolher o direito diretamente da consciência jurídica popular. Esta teoria, conhecida como método de livre investigação do direito, parte da constatação de que o direito se modifica e se transforma continuamente, de modo a ser impossível que a lei escrita possa seguir a sua rápida evolução. O direito decorre espontaneamente das necessidades da vida, do choque e das combinações dos diferentes interesses e não pode ser cristalizado e delimitado pela vontade do legislador. O intérprete deve recolher o direito tal como surge, na consciência jurídica, do contraste dos diversos interesses que defrontam na vida social; deve, portanto, estudar as relações da vida e as correntes que a dominam, para delas extrair o direito, elaborá-lo e fazer a sua aplicação ao caso concreto. Esse método, alerta Vanoni (1932, p. 185), acaba por admitir a possibilidade de uma norma de conduta vir a ter efeito de regular obrigatoriamente as relações da vida independente de qualquer reconhecimento e de qualquer elaboração segundo as formas previstas na Constituição para a elaboração da lei. Basta, para determinar a regra de conduta, a livre pesquisa do intérprete, que a extrai das condições morais, políticas, sociais, econômicas, dominantes em um dado ambiente em uma época dada. Desta maneira, qualquer distinção entre a função do legislador e a função do intérprete acaba por desaparecer e a norma jurídica perde o requisito da certeza, que é o pressuposto essencial de uma vida juridicamente regrada.

19

Para alcançar esse objetivo, o intérprete não havia de circunscrever o seu trabalho à

busca do significado econômico da lei, mas estendê-lo também na pesquisa do sentido

econômico dos fatos ou negócios jurídicos, sem os considerar como categorias do Direito,

mas como operações do mundo da economia. O resultado final do negócio é que daria ao

intérprete a chave para decidir, no caso concreto, se era devido, ou não, o tributo.

Ainda que não houvesse recebido a adesão de toda a doutrina10, a interpretação

econômica firmou-se no Direito Tributário na década de vinte por força da autoridade de

Becker como juiz da Corte Suprema Financeira do Reich, onde aplicou largamente a sua

teoria.

Segundo o alemão Albert Hensel (2005, p. 52), nenhuma disposição do Código

Tributário foi tão invocada pela Corte Suprema Financeira do Reich como o §4º.

De fato, não obstante as declarações de Becker perante o Parlamento, antes referidas,

foi adotada pela jurisprudência, particularmente pela 4ª Seção da Corte Suprema Financeira

do Reich, presidida pelo próprio Becker, uma corrente que, na aplicação da norma aos casos

concretos, concedeu máxima liberdade ao julgador.

Assim, o que se temia de arbitrário e nefasto à segurança jurídica realmente aconteceu.

A Corte Suprema Financeira do Reich modificou a redação de textos legais (restringindo-os,

ampliando-os ou subvertendo-lhes o sentido), completou preceitos legais que considerou

omissos, interpretou textos sem considerar a vontade evidente da lei e proferiu decisões que

criavam obrigações ou isenções tributárias por meio da ampliação analógica do pressuposto

de fato.

Um dos casos concretos citados por Vanoni (1932, p. 203) para demonstrar o que foi

na prática a aplicação da interpretação econômica no primeiro decênio de vigência do Código

Tributário alemão consiste na discussão, durante o período de inflação, quanto à maneira de

se avaliar o objeto tributável para os efeitos do imposto sobre as transmissões imobiliárias, o

qual, de acordo com a lei, deveria se basear no valor atualizado do imóvel transmitido. A

Corte Suprema Financeira do Reich, em face da situação caótica provocada pela inflação, não

se limitou a indagar em cada caso como se poderia determinar, para os efeitos do imposto, o

valor a ser atribuído ao imóvel transmitido, mas ditou autênticas regras para a avaliação dos

bens imóveis em abstrato, levando em conta os índices oficiais do custo de vida e o valor dos

10 Conforme Machado (1984, p. 12), Kurt Ball pretendia construir a teoria de um sistema autônomo do Direito

Tributário, tentando demonstrar que este, em razão do fortalecimento do Estado depois da Primeira Guerra Mundial, então muito necessitado de recursos, se impôs como ramo jurídico independente.

20

imóveis antes da guerra, como sendo a época mais próxima da qual se verificara uma relativa

estabilidade.

Vanoni (1932, p. 205) também cita o exemplo do imposto de vendas incidente sobre a

venda de pescado apanhado por pescadores alemães em águas extraterritoriais e importado

para o território nacional. A legislação então vigente isentava do imposto as aquisições de

mercadorias no estrangeiro e a primeira venda, no país, de mercadorias produzidas no

estrangeiro, quando a venda não fosse feita no comércio a varejo. Passou-se a questionar se as

vendas de pescado apanhado em águas extraterritoriais, ou seja, no estrangeiro, e vendido na

Alemanha a atacadistas ou a empresas que o submetessem a industrialização, estavam ou não

sujeitas ao imposto de vendas. A lei parecia indicar que não, mas a jurisprudência entendeu

que sim, pelo menos quanto ao pescado capturado por pescadores alemães em águas

extraterritoriais. Entendeu o Tribunal que como a venda do pescado apanhado em águas

territoriais estava sujeita ao imposto, declarar isentas as vendas de pescado apanhado em

águas extraterritoriais significava agravar a situação dos pequenos pescadores, que são os que

não se afastam da costa, em confronto com as grandes empresas de pesca, que, por disporem

de melhor equipamento técnico, podem operar fora da costa. Com base em tal raciocínio, o

Tribunal foi levado, contra o teor literal inequívoco da lei, a decidir pela incidência do

imposto sobre as vendas de pescado apanhado por pescadores alemães em águas

extraterritoriais, aduzindo ainda a dificuldade, senão a impossibilidade, de se controlar se a

pesca fora ou não realizada dentro dos limites territoriais.

Essa decisão provocou bastante perplexidade, chegando-se a questionar se de fato

correspondia à situação dos fatos da vida a que o Tribunal afirmava submeter-se ao se afastar

da letra da lei. Enquanto a venda de peixe apanhado por empresas nacionais em águas

extraterritoriais era tributada, a venda de peixe capturado em águas extraterritoriais por

pescadores estrangeiros era isenta do imposto, porque neste caso ocorria a hipótese típica da

mercadoria produzida no estrangeiro e importada para a Alemanha, que não estava sujeita ao

imposto de vendas. Chegou-se dessa forma a uma violação do princípio da igualdade

tributária, ainda mais prejudicial do que aquela que inspirara o raciocínio do Tribunal,

porquanto, traduzindo-se em um benefício a favor de empresas estrangeiras, representava em

última análise um prejuízo para a economia nacional.

Por força da reação política e doutrinária provocada pela jurisprudência, foi editada

nova lei visando a evitar a agressão ao princípio da igualdade em prejuízo dos pescadores em

águas territoriais, que tanto impressionara o Tribunal. A nova redação da lei colocou em

21

idêntica situação os pescadores alemães que operavam em águas territoriais e aqueles que

operavam fora destas, declarando uns e outros isentos do imposto.

Esses dois exemplos de Vanoni (1932, p. 202) pertencem a categorias distintas de

julgados, nos quais o afastamento da letra da lei é justificado por motivos de índole diferente.

Em uma primeira série de casos, foram as necessidades oriundas das convulsões econômicas

do pós-guerra que levaram o juiz a substituir o legislador, materialmente impossibilitado de

enfrentar a rápida evolução das relações econômicas e as suas manifestações através de

modalidades sempre novas e imprevistas. Em tais casos, o afastamento da letra da lei poderia

justificar-se, historicamente, pelo caráter extraordinário das contingências. A atitude da

doutrina em face de semelhante jurisprudência foi substancialmente definida por Hensel

(1925, apud VANONI, 1932, p. 205), que, embora formulando do ponto de vista teórico as

maiores reservas, concordou em lhe reconhecer uma necessidade prática.

O segundo exemplo de Vanoni (1932, p. 202) pertence aos casos da segunda categoria

de julgados, a respeito dos quais se procurou justificar o afastamento da letra da lei na

necessidade, em período ainda incipiente e incerto do Direito Tributário, de se atribuir ao juiz

uma função antecipatória da atividade legislativa. Semelhante justificativa foi proposta por

Becker, que embora tivesse mais de uma vez se declarado contrário à aceitação dos

postulados da Escola da Livre Investigação do Direito, não hesitou em declarar:

ameaça-nos o perigo de que, num período no qual o Direito Tributário se encontre em suas primícias, num período em que tudo está em movimento, em que concepções profundamente enraizadas caem por terra, e outras novas se impõem pela força... uma profunda delimitação de conceitos, de modo algum claramente definidos, seja por demais prematura, e venha a produzir a paralisia do Direito Tributário. Por isso considero natural e justo que as leis tributárias, quando não se trate de definir o alcance das palavras usadas, limitem-se ao indispensável: tudo quanto há além disso é perigoso. Onde tais leis procurem fixar conceitos, dever-se-ão limitar, via de regra, às linhas gerais, aos princípios orientadores, aos pontos de referência. [...] compete à Corte Suprema Financeira completar as linhas mestras com base nos casos práticos – únicos capazes de indicar o caminho a seguir – e dar à prática administrativa uma diretriz segura. Compete à lei tornar possível, com largueza de vistas, este exame pela Corte Suprema... Por sua vez, compete ao Ministro das Finanças, com o concurso, nos casos previstos, do Reichsrat, e é matéria da competência da Corte Suprema Financeira completar o direito contido na lei, mal formulado em razão da urgência da necessidade, e às vezes deixado expressamente incompleto. Neste trabalho comum o posto predominante compete à Corte Suprema. Cabe-lhe caldear e temperar o Direito Tributário ao fogo da prática na aplicação de cada dispositivo de lei, cabe-lhe desenvolver completamente o pensamento oculto na lei, juris civilis ad juvandi gratia, cabe-lhe preencher as lacunas da lei, juris civilis supplendi gratia, cabe-lhe ainda, se bem que cum granum salis, dentro de prudentes limites, corrigir-lhes os erros, juris civilis corrigendi gratia (BECKER, 1924, apud VANONI, 1932, p. 206) – grifamos.

22

Vanoni (1932, p. 207) concorda com Becker quanto ao perigo das minudentes

definições legislativas, perigo mais grave enquanto o Direito Tributário, como ramo

autônomo, ainda estava em processo de formação e de sistematização. Mas Vanoni (1932)

não concorda em situar a função do juiz no mesmo plano do Ministro das Finanças, ao qual

era conferido o poder de emitir verdadeiras normas jurídicas complementares da lei. Para

Vanoni (1932, p. 207), Becker reconhece implicitamente ao juiz a faculdade de se substituir

ao legislador, o que, para Vanoni (1932), é inadmissível.

As concepções de Becker, conforme Vanoni (1932, p. 208), permaneceram isoladas na

doutrina alemã. Mesmo a jurisprudência, superada a fase da desordem monetária, abandonou

muitas das posições de vanguarda que haviam dado lugar a críticas e reservas. A doutrina

alemã dominante vê no referido §4º um dispositivo que contribuiu para a evolução do Direito

Tributário, mas exclui totalmente a admissibilidade de uma interpretação que chegue a

substituir o legislador pelo aplicador, na formulação da norma jurídica.

Conforme Godoi (2005, p. 101), a não ser na Alemanha das primeiras décadas depois

do Código Tributário de 1919, em nenhuma outra parte se implantou e se aplicou, pelo menos

em seu teor puro e original, o critério da interpretação econômica segundo o qual, na

formulação de Jarach (1996, p. 145), o legislador concede ao intérprete o poder geral de

investigar a relação econômica que constitui o pressuposto da obrigação tributária com

independência das formas jurídicas mencionadas pela lei11.

O Código Tributário alemão de 1919 sofreu uma reforma em 1931, quando o §4º

passou a ser o §9º, e o §5º passou a ser o §10. Não houve alteração de conteúdo dessas

normas.

11 O país cujo direito positivo mais se aproximou dos pressupostos teóricos da interpretação econômica, segundo

Godoi (2005, p. 101), é a Argentina, cuja legislação nacional adotou em 1946 duas regras fundamentais a respeito da interpretação da lei tributária e da qualificação dos fatos e atos dos contribuintes, quais sejam, os artigos 1º e 2º da Lei 11.683:

“Art. 1. Na interpretação das disposições desta lei ou das leis tributárias sujeitas ao seu regime, se atenderá ao fim das mesmas e ao seu significado econômico. Somente quando não seja possível pela literalidade ou pelo seu espírito identificar o sentido e o alcance das normas, conceitos e expressões das disposições antes citadas, poder-se-á recorrer a normas, conceitos e expressões do direito privado.

Art. 2. Para determinar a verdadeira natureza do fato gerador se atenderá aos atos, situações e relações econômicas que efetivamente realizem, persigam ou estabeleçam os contribuintes. Quando estes submeterem os atos, situações ou relações a formas ou estruturas jurídicas que não sejam manifestamente as que o direito privado oferece ou autoriza para configurar adequadamente a cabal intenção econômica e efetiva dos contribuintes, se prescindirá na consideração do fato gerador das formas e estruturas jurídicas inadequadas, e se considerará a situação econômica real como enquadrada nas formas ou estruturas que o direito privado lhes permitiria aplicar com as mais adequadas à intenção real dos mesmos.”

23

Em 1934, as regras desses dois parágrafos foram modificadas. A chamada Lei de

Adaptação Tributária12 reproduziu em seu §1º o conteúdo do §4º do Código de 1919, mas

acrescentou que, na interpretação da lei se havia de considerar “a visão do nacional-

socialismo e a opinião do povo”, cláusulas obscuras que foram abandonadas depois da

derrocada do nazismo.

O §10 também foi revogado, passando a vigorar o §6º da Lei de Adaptação Tributária,

que, em vez de reproduzir o conteúdo do Código de 1919, modificado em 1931, definindo o

que seja abuso de forma, adotou uma cláusula geral, deixando então a cargo do intérprete a

tarefa de investigar o que seria abusivo ou não:

§6. 1. A obrigação tributária não pode ser eludida ou reduzida mediante o abuso de formas e formulações de direito civil. 2. Quando há abuso, os impostos deverão ser cobrados como o seriam se adotada a forma jurídica adequada para os fenômenos, fatos e relações econômicos.

O §1º, item II da Lei de Adaptação Tributária, que determinava que na interpretação

da norma tributária fossem consideradas a concepção popular, a finalidade e o significado

econômico da lei tributária e o desenvolvimento das circunstâncias, foi considerado pela

doutrina o fundamento legal para a interpretação econômica do Direito Tributário. Wilhelm

Hartz13 (1993, p. 64-65), contudo, discorda dessa ideia14 e entende que esse dispositivo

exprime uma obviedade, pois não contém nada que não se possa extrair da Teoria Geral do

12 Conforme Ricardo Lobo Torres (2006, p. 15), o §1º da Lei de Adaptação Tributária introduziu as seguintes

modificações ao Código Tributário alemão: o inciso 1 determinava que as leis fiscais deveriam ser interpretadas de acordo com a visão do mundo nacional-socialista; o inciso 2 dispunha que a interpretação da norma tributária deveria considerar a concepção popular, a finalidade, o significado econômico e o desenvolvimento das circunstâncias; o inciso 3 determinava que o mesmo se aplicava à apreciação dos fatos geradores.

13 Hartz foi juiz da Corte Federal de Finanças e seguidor da versão original da interpretação econômica. No seguinte trecho, contudo, Hartz parece refutar condutas simulatórias dos contribuintes (com base na desconsideração de tais atos), em sentido oposto ao da versão original da interpretação econômica: “Na apreciação dos fatos geradores o que importa é compreendê-los em seu real conteúdo econômico, sem atentar para a forma acidental ou arbitrária que as partes lhes atribuíram. Casos com o mesmo apoio econômico recebem o mesmo tratamento tributário. O que pode ser decisivo para a tributação não é o que está no papel, pois o que está escrito com frequência no papel tem objetivo apenas fiscal, mas é, sim, o que as partes efetivamente quiseram e realizaram. Se o contrato e a execução não se compatibilizam, cabe então em geral deixar, como critério do Direito Tributário, que a execução seja o elemento decisivo para a tributação. Estes princípios resultam da necessidade de uma aplicação igualitária das leis tributárias. A carga fiscal não fica dependendo da habilidade ou falta de repressão dos indivíduos”. [...] “Este modo de ver pode realmente levar à eliminação do direito das partes de escolher as formas jurídicas que bem lhes apraz ou até à criação de ficções, em lugar dos fatos reais, que fundamentam a exigência do tributo.” (HARTZ, 1993, p. 96, grifos nossos).

14 “É de se ressaltar que a norma legal não emprega a expressão critério econômico. Ela menciona apenas o ‘significado econômico’ das leis tributárias e este é apenas um dos elementos da interpretação ao lado de muitos outros. Já esta constatação mostra que é inexato caracterizar o conteúdo do §1º, inciso 2, da Lei de Adaptação Tributária, como fonte verbal do critério econômico”.

24

Direito. Poderia, portanto, ser suprimido sem prejuízo para a interpretação do Direito

Tributário.

Ademais, conforme Hartz (1993, p. 65), há um grande conjunto de possíveis aspectos

da interpretação além dos quatro elementos enumerados nesse dispositivo.

Até pouco depois da morte de Becker, em 1940, os conceitos e institutos de Direito

Privado utilizados pela legislação tributária eram interpretados apenas com base em seu

conteúdo econômico. Conforme Machado (1984, p. 15), havia um lema segundo o qual o

intérprete deveria se afastar do Direito Civil: “longe do Código Civil”.

Contudo, após a promulgação da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, o Direito

Privado, como veículo de fatos tributáveis, passou a ser encarado não mais como simples

forma vazia de significado tributário, mas como elemento capaz de influir na interpretação

dos fatos geradores. O lema então passou a ser o inverso do outro, conforme Machado (1984,

p. 15): “vamos ao Código Civil”.

Durante uma década a interpretação econômica passou por séria crise, que devolveu

ao Direito Privado a posição que havia ocupado no ordenamento jurídico antes do Código

Tributário de 1919. A crise, porém, não aboliu a interpretação econômica do cenário jurídico.

Segundo Machado (1984, p. 15), o Tribunal Federal de Finanças15, que em janeiro de 1962

proclamou o predomínio da estrutura do Direito Civil sobre o Direito Tributário, voltou atrás

e passou a prestigiar a interpretação econômica (não mais na versão original), proferindo

sucessivas decisões nesse sentido em 1964, 1968 e 1969.

Conforme Heinrich Beisse (1984, p. 14), a crise da interpretação econômica resultou

em um novo sentido metodológico. A ocasião estava madura para o reconhecimento de que de

novo se deviam levar em conta, de modo revigorado, as peculiaridades da matéria jurídico-

tributária. O método teleológico forneceu os fundamentos para esse reconhecimento e

possibilitou a aprovação da interpretação econômica a partir de um ponto de vista

criticamente depurado.

A obra pioneira de Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, de 1960, também

teve papel decisivo na mudança da jurisprudência. Conforme Beisse (1984, p. 19), a

metodologia de Larenz se destacou sobretudo pelo seu instrumental claramente definido na

investigação científica, começando com a determinação do âmbito da interpretação, que é

dado pelo “possível sentido da palavra” (limite de interpretação). O Tribunal Federal de

Finanças adotou largamente o critério do “possível sentido da palavra”, sendo que a

15 Conforme Beisse (1984, p. 13), as atividades da Suprema Corte Financeira do Reich se iniciaram-se em 1879. O Tribunal Federal de Finanças foi criado após a Segunda Guerra Mundial, por volta de 1950.

25

metodologia de Larenz, nos dizeres de Beisse (1984, p. 20), possibilitou conceber o critério

econômico como forma de aplicação da metodologia geral da Ciência do Direito, e “encontrar

sobre este plano a almejada ligação com outras partes do ordenamento jurídico”.

A partir dos anos sessenta, portanto, alcançou-se um relativo equilíbrio sob o qual a

interpretação econômica do Direito Tributário se compreende como simples interpretação

teleológica destinada a encontrar o propósito da lei no âmbito dos possíveis sentidos literais

da norma (GODOI, 2005, p. 138). Conforme Victoria Eugenia Combarros Villanueva (1984,

p. 495), a interpretação econômica passou a ser nada mais que uma expressão especial da

interpretação teleológica para o Direito Tributário, que tem em conta os fins específicos desse

ramo do Direito, e esse reconhecimento significa que a interpretação com base em critérios

econômicos também é uma interpretação jurídica.

O novo Código Tributário alemão, em vigor desde 1977, não contém mais a regra

sobre interpretação de lei tributária, o que não tem impedido a aplicação da interpretação

econômica (livre dos excessos iniciais) por parte da Administração e do Judiciário.

A supressão do preceito ocorreu depois de longa discussão. O projeto apresentado ao

Parlamento em 1974 continha o preceito com a redação praticamente igual à da Lei de

Adaptação Tributária de 1934. A Comissão de Finanças, com a aprovação do Plenário,

entendeu que, tratando-se de uma regra geral de interpretação, não era necessário que

figurasse em uma codificação, nem de Direito Tributário, nem de outro qualquer ramo

jurídico. A Comissão de Finanças, contudo, ressaltou que a omissão do preceito não

significava que as leis tributárias não mais seriam interpretadas como vinham sendo antes da

reforma.

Conforme Beisse (1984, p. 30),

nem juridicamente, nem em termos práticos se alterou a importância do critério econômico com a revogação do preceito de interpretação. Para casos de elusão, o novo Direito também contém uma cláusula geral [o §42, que será explicado a seguir]. Sob um aspecto, no entanto, a nova legislação produziu um efeito esclarecedor: o critério econômico não pode ser usado para uma valoração tributária suplementar no sentido de uma requalificação dos fatos, pois isto importaria uma tributação – não permitida – de situações fictícias.

A regra geral do abuso de formas, que antes estava no §6º da Lei de Adaptação

Tributária, passou para o §42 do Código Tributário de 1977. Sua última reformulação (a

última alteração, por meio da Lei Fiscal Anual de 2008, de 13 de dezembro de 2007, entrou

26

em vigor em 1º de janeiro de 200816) mantém a referência ao abuso das possibilidades de

configuração jurídica:

§42 – Abuso das possibilidades de configuração jurídica 1. A lei tributária não pode ser eludida mediante o abuso das possibilidades de configuração jurídica. Se se realiza o pressuposto de fato de uma regulação contida em uma lei [específica] cujo fim seja impedir a elusão fiscal, as consequências jurídicas são as estabelecidas neste preceito. De outro modo, quando há abuso no sentido do inciso 2, o crédito tributário surge tal como teria surgido com base na configuração jurídica adequada aos fatos econômicos. 2. Existe abuso quando se adota uma configuração jurídica inadequada, que gera para o sujeito passivo ou um terceiro uma vantagem fiscal não prevista em lei em comparação com uma configuração adequada. Essa disposição não se aplica quando o sujeito passivo demonstra que a configuração jurídica adotada tem motivos não fiscais relevantes e atende ao conjunto das circunstâncias.

De acordo com Godoi (2005, p. 140), no Informe do Governo alemão que

acompanhou o Anteprojeto do Código Tributário de 1977, considerou-se que a regra geral

antielusão é forçosamente necessária, pois o sistema de correção das elusões através de

normas específicas não é capaz de abarcar as múltiplas possibilidades de estruturação e

formalização oferecidas pelo Direito e em relação às quais o contribuinte pode cometer

abusos.

Por outro lado, o Informe também reconheceu que “a mera interpretação” da lei

tributária pode não ter êxito para a correção de alguns casos de elusão fiscal, o que para Godoi

(2005, p. 140) significa um reconhecimento oficial de que a interpretação da lei tributária

deve ser mantida dentro dos limites do sentido literal possível do texto legal e que o §42,

portanto, começa a operar onde a “interpretação comum” termina.

Conforme Combarros Villanueva (1984, p. 497), a doutrina e a jurisprudência alemãs

não mais reconhecem nem a supremacia nem a subordinação do Direito Tributário ao Direito

Privado, de modo que, ainda que o legislador possa adotar configurações civilistas, não está

obrigado a fazê-lo. Não está porque os fins dos referidos ramos do Direito são muito

diferentes: ambos se interessam pela mesma realidade, mas com base em aspectos totalmente

16 A redação anterior do §42 era a seguinte: “A lei tributária não pode ser fraudada através do abuso de formas

jurídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto surgirá, como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada”. A primeira minuta da Lei Fiscal Anual de 2008 havia inserido no §42 a dura presunção de que apenas não seriam considerados atos de evasão fiscal os planejamentos fiscais cuja configuração jurídica tivesse fortes razões de natureza não-tributária. A segunda minuta foi abrandada e previa que um negócio não-usual poderia levar à presunção relativa da ocorrência de um abuso de direito. Após pesadas críticas e discussões públicas, a redação final do §42 foi ainda mais abrandada. Chegou-se mesmo a questionar se a redação final do §42 representa efetivamente alguma alteração de conteúdo. (Cfr. ANNUAL..., 2008).

27

distintos; o Direito Tributário com base na capacidade econômica e o Direito Privado com

base na delimitação das posições jurídicas.

Relata Combarros Villanueva (1984, p. 487) que a legislação do Imposto sobre o

Patrimônio alemão adota um conceito mais amplo que o conceito civilista de propriedade,

englobando a propriedade econômica. Nos caso de venda com alienação fiduciária, reserva de

domínio e leasing, por exemplo, considera-se que a propriedade civil é distinta da propriedade

econômica. A propriedade econômica se fundamenta no pressuposto de que, quando a

imposição tributária recai sobre a propriedade como um fato econômico, esse fato econômico

é considerado a propriedade. Isso decorre, segundo Tipke (1983, apud COMBARROS

VILLANUEVA, 1984, p. 487), das distintas finalidades perseguidas pelo Direito Privado e

pelo Direito Tributário, pois no primeiro se trata de determinar os direitos dos proprietários,

tal como a proteção dos seus respectivos títulos de propriedade, e no segundo se persegue a

natureza econômica dos objetos do patrimônio do sujeito passivo, uma vez que nesse âmbito

jurídico se busca encontrar os indicadores de capacidade econômica.

O espanhol Fernando Pérez Royo (2002, p. 89) também relata que na Alemanha atual

tanto a doutrina quanto o Tribunal Constitucional Federal entendem que a interpretação

econômica, purificada de seus exageros iniciais, não é contrária ao princípio da segurança

jurídica, sendo plenamente válida em todos os ramos do Direito. Na visão do autor, foi

exatamente por esse motivo que o Código Tributário alemão de 1977 julgou desnecessário

manter a referência expressa à interpretação econômica.

2.3 A versão equilibrada da interpretação econômica do Direito Tributário

Considerando a superação da Jurisprudência dos Conceitos pela Jurisprudência dos

Interesses, no início do século XX, as doutrinas italiana e alemã passaram a questionar o papel

que os conceitos de Direito Privado desempenham no Direito Tributário. Se o Direito

Tributário é um ramo autônomo da ciência jurídica, como se passou a acreditar, possuindo

finalidades distintas do Direito Privado, o fato gerador da obrigação tributária deve ser

interpretado com base no seu conteúdo econômico, prescindindo das formas jurídicas

adotadas pelos contribuintes.

28

Mas não obstante as distintas finalidades perseguidas pelo Direito Tributário e pelo

Direito Privado, ambos têm por objeto as mesmas manifestações da vida. A lei tributária

atrela a ocorrência do fato gerador à verificação de determinadas circunstâncias da vida

social, que por vezes são relações reguladas por outros ramos do Direito. Ou seja, uma

idêntica relação da vida interessa de maneiras diferentes a mais de um ramo do Direito.

Conforme Vanoni (1932, p. 164), a compra e venda interessa ao Direito Civil, mas

também interessa ao Direito Administrativo quando o objeto do contrato está sujeito a certos

encargos ou limitações de Direito Público ou quando uma das partes é uma entidade pública.

Pode interessar também ao Direito Penal, quando há indícios da prática de crime contra o

patrimônio ou a fé pública. Pode, enfim, interessar ao Direito Tributário quando na compra e

venda se identificar uma manifestação de riqueza tributável. Cada um desses ramos do direito,

aplicando ao mesmo fato as suas próprias normas, considera-o em função de finalidades

diversas, com foco no aspecto da situação que particularmente lhes interessa. O Direito

Privado tutela o exercício da atividade individual; o Direito Tributário tutela as obrigações

entre indivíduo e Estado.

Passou-se a discutir, então, se a lei tributária, quando utiliza os termos propriedade,

compra e venda, doação, domicílio e garantia, por exemplo, refere-se aos institutos de Direito

Privado ou, ao contrário, a institutos próprios do Direito Tributário.

Becker (1924, apud VANONI, 1932, p. 159) considerava que raramente a lei tributária

refere-se a institutos tal como são formulados no Direito Privado. No Direito Tributário

alemão, o imposto sobre a venda de terrenos, por exemplo, baseava-se no conceito de Direito

Privado. Mas na maior parte dos casos, contudo, segundo a visão de Becker (1924), o Direito

Tributário se refere a atividades da vida econômica, tais como o rendimento, a troca, o uso,

etc., que são o que interessa às leis tributárias. Como, entretanto, faltam princípios ou

conceitos próprios de Direito Tributário para definir certos fenômenos que, por outro lado, já

interessaram sob outros aspectos ao Direito Civil, que definiu e elaborou a sua figura jurídica,

a lei tributária utiliza os termos do Direito Civil visando a delimitar com suficiente

aproximação os fenômenos que constituem o objeto das suas próprias normas. Neste sentido,

a legislação tributária usa os termos propriedade, venda, alienação, etc. Mas estes conceitos

não devem ser entendidos de maneira formal ou rígida. Deve ser levado em conta o objetivo

para o qual o Direito Tributário os utiliza, que é o de indicar fatos econômicos. Quando a

norma tributária fala em proprietário, teria geralmente em vista o possuidor pacífico, ainda

que sem título, ou seja, aquele que detém efetivamente a coisa, e não o proprietário de direito,

29

a cuja posse a coisa tenha sido eventualmente subtraída. Para Becker (1924), portanto, ao

Direito Tributário não interessaria o direito formal de propriedade, e sim a possibilidade

efetiva de exercer as faculdades de disposição e de utilização que constituam o conteúdo

econômico daquele direito.

Kurt Ball (1924, apud VANONI, 1932, p. 160), talvez o maior seguidor de Becker

[193?], conforme Machado (1984, p. 12), entendia que nenhum conceito de Direito Civil

referido pelo Direito Tributário deve ser entendido no sentido do Direito Civil. Segundo esse

autor, o Direito Tributário tende também a formular de maneira independente os seus próprios

institutos. Todavia, esse processo é difícil e complexo e, por esta razão, o legislador, ainda

que se esforce por criar para os conceitos tributários uma terminologia nova, recorre a

expressões já conhecidas do Direito Privado e as utiliza na enunciação das normas tributárias.

Assim, a expressão não tem, no Direito Tributário, o mesmo significado que tinha no Direito

Privado, mas adquire um valor particular, ligado à função econômica normal do instituto a

que se refere. O emprego da mesma palavra em dois campos diferentes do Direito, com

significados diferentes, explica-se pela circunstância de que os dois campos têm como

substrato o mesmo fenômeno da vida social. Para Ball, portanto, era necessário aceitar esse

duplo emprego da mesma palavra, seja porque a língua não possua suficientes expressões

vivas para os diferentes conceitos, seja porque o legislador não os sabe encontrar.

As posições de Becker e Ball, contudo, não foram acatadas pela doutrina. Evoluiu-se

para um certo consenso de que a norma tributária não exige nenhum critério específico de

interpretação, que a interpretação jurídica se vale de muitos critérios hermenêuticos com o

objetivo de desvendar o espírito e a finalidade concreta da lei (prevalência do aspecto

teleológico) e que a interpretação se move entre o mínimo e o máximo sentido literal possível

das palavras em seu contexto normativo próprio.

2.3.1 A teoria de Ezio Vanoni

Vanoni (1932) tem sido considerado um dos adeptos da versão original da

interpretação econômica, segundo a qual as formas jurídicas têm pouca ou nenhuma

relevância. Esse autor italiano, contudo, criticou duramente a posição de Becker e a

jurisprudência alemã que adotou a interpretação econômica de forma muito próxima à Escola

30

da Livre Investigação do Direito. Para Vanoni (1932, p. 207), Becker17 reconhece

implicitamente ao juiz a faculdade de criar o Direito (no sentido de ir além do limite da lei), o

que, na sua visão, além de constituir uma flagrante vulneração do cânone da certeza jurídica e

da teoria das fontes do Direito, traz em si inadmissíveis consequências políticas. Por essa

razão, entendemos que Vanoni se filia à versão equilibrada da interpretação econômica.

Quando escreveu Natureza e Interpretação das Leis Tributárias, cuja primeira edição

é de 1932, Vanoni (1932, p. 140) estava muito preocupado em demonstrar que o tributo não

tem nada de odioso e que sua única finalidade é o benefício dos cidadãos. Para Vanoni (1932,

p. 48), a alegação de que as leis tributárias são restritivas do direito de livre disposição

patrimonial não tem fundamento na natureza do tributo, revelando a ausência de consciência

política do cidadão e a sobrevivência do antigo preconceito da arbitrariedade da tributação.

Vanoni (1932, p. 49) também estava preocupado em explicitar que o cânone da

interpretação rígida já estava superado e que faltava coragem à doutrina para admitir isso. O

objetivo de Vanoni (1932, p. 49) era demonstrar que o espírito e a finalidade da lei, os

princípios gerais e a vontade do legislador justificam um entendimento e uma aplicação mais

amplos da norma tributária.

São as próprias necessidades da vida, conforme Vanoni (1932, p. 49), que obrigam o

juiz, no campo da interpretação das leis fiscais, do mesmo modo que em qualquer outro ramo

jurídico, a aplicar métodos eficazes de interpretação da lei que permitam ao Direito adequar-

se à evolução e às rápidas mudanças das condições de fato. Para Vanoni (1932, p. 50), é

impossível a adoção de regras a priori de interpretação, que limitem a atividade do intérprete

no entendimento das leis fiscais. Se no Estado de Direito a lei tributária disciplina uma

relação jurídica tutelar de um interesse fundamental do Estado; se a causa da tutela jurídica

está na necessidade ética e jurídica de fornecer ao Estado os meios de existir e de realizar os

seus próprios fins; se, em consequência, não se pode constatar na relação tributária nenhuma

característica de odiosidade ou de limitação dos direitos e das liberdades dos indivíduos;

finalmente, se a lei tributária não constitui exceção às regras gerais de direito, mas é uma

aplicação dos princípios gerais que inspiram a organização do Estado de Direito, não ocorre

nenhum dos pressupostos que dariam lugar à limitação da atividade interpretativa (VANONI,

1932, p. 182).

17 Becker (1924, apud VANONI, 1932, p. 207), para superar essa dificuldade, negou expressamente, em outro

trabalho, o valor das distinções que “se pavoneiam no papel e parecem logicamente maravilhosas, mas que praticamente se perdem”, entre criação do direito e interpretação extensiva e restritiva.

31

Vanoni (1932) era contrário tanto à hermenêutica tradicional quanto à Escola da Livre

Investigação do Direito. Também era contrário à versão da interpretação econômica de

Becker e Ball, que permitia a substituição do legislador pelo juiz.

Não obstante, a autonomia do Direito Tributário foi defendida por Vanoni (1932) de

forma muito parecida com a posição de Becker e Ball. Entendemos que esse pensamento de

Vanoni (1932) decorre de sua preocupação com a superação da visão do tributo como algo

odioso. Essa superação implicava o almejado abandono dos cânones da interpretação rígida e

da primazia do Direito Privado sobre o Direito Tributário. Talvez por essa razão Vanoni

(1932) tenha enfatizado tão fortemente a autonomia do Direito Tributário.

Segundo Vanoni (1932, p. 164), como a utilização de conceitos de Direito Civil visa a

definir mais facilmente uma situação econômica, quando se verifica uma discordância entre a

regulamentação jurídica do Direito Privado e o fato econômico, o Direito Tributário abandona

o instituto de Direito Privado para levar em conta o efetivo desenvolvimento da relação da

vida social. Conforme Vanoni (1932, p. 165), na compra e venda, por exemplo, o essencial

para o Direito Tributário é a transmissão de riqueza e a manifestação de capacidade

econômica:

o tributo será devido sempre que tal transmissão se apresente, ainda que, na hipótese, a relação efetivamente ocorrida não caiba nos limites do instituto da compra e venda tal como o conceitua o direito privado.

Ao contrário de Becker, contudo, Vanoni (1932, p. 165) reconhece que na maioria dos

casos o conceito de Direito Tributário coincide com o de Direito Privado, porque geralmente

não ocorre compra e venda no Direito Privado que não implique a situação econômica que

interessa ao Direito Tributário, e, do mesmo modo, geralmente não ocorre a situação

econômica visada pela lei tributária sem que importe em um contrato de compra e venda,

válido segundo o Direito Privado. Mas do ponto de vista abstrato, segundo Vanoni (1932, p.

165), é logicamente impossível a existência de uma identidade absoluta entre os conceitos de

Direito Tributário e os de Direito Privado, uma vez que não pode existir identidade absoluta

de objetivos entre Direito Privado e Direito Tributário.

Segundo Vanoni (1932, p. 166), não se deveria nunca falar de apropriação de

conceitos de Direito Privado por parte do Direito Tributário, mas sim de ulterior elaboração

de conceitos de Direito Tributário tendo por objeto o mesmo fato material que constituiu o

objeto de institutos de Direito Privado. O conceito de Direito Privado, conforme Vanoni

32

(1932, p. 166), representando uma abstração em relação à realidade material, facilita a

elaboração do conceito de Direito Tributário.

Mas o simples fato do instituto de Direito Privado ser incorporado ao Direito

Tributário retira do instituto qualquer característica de Direito Privado para transformá-lo em

instituto de Direito Tributário. Na visão de Vanoni (1932, p. 167), o instituto perde então

qualquer função de tutela de um interesse individual para transformar-se em um conceito

concernente à tutela do interesse do Estado em obter os meios necessários para fazer frente às

necessidades públicas. Essa mudança de objeto resulta na mudança de conteúdo do conceito

jurídico. E o resultado final não é diverso do que é obtido pelo legislador quando formula

novos conceitos próprios do Direito Tributário.

Vanoni (1932, p. 167-171) admite, entretanto, três hipóteses em que os institutos de

Direito Privado são referidos pelo Direito Tributário conservando inalterado o seu valor

original:

a) quando o Direito Tributário se vale de institutos regulados em outros ramos do

direito como “dados de fato” para a elaboração de institutos próprios, como ocorre

com as taxas. Nesse caso o Direito Tributário não se apropria do instituto de Direito

Privado; ele continua sendo externo ao Direito Tributário. O instituto de Direito

Privado constitui um dado de fato, um fenômeno qualquer da vida, que a lei

tributária faz objeto de sua regulação;

b) quando o Direito Tributário utiliza institutos que não pertencem por sua natureza a

uma determinada área do Direito, referindo-se a funções ou relações que têm a

mesma relevância em todos os ramos do Direito, tais como a capacidade civil e a

nacionalidade;

c) sempre que no Direito Tributário houver uma remissão expressa ou implícita a

institutos formulados em outros ramos do Direito e que dessa forma se tornam

eficazes para regular as relações tributárias, conservando as características e funções

que lhes são próprias. São os casos, por exemplo, do Direito Processual Tributário e

das normas de organização e função dos organismos públicos.

Conclui Vanoni (1932, p. 171) que cabe ao intérprete da lei tributária determinar, em

cada caso, se se encontra frente a alguma dessas três hipóteses de remissão a institutos

pertencentes a outros ramos do Direito ou frente à formulação de institutos próprios do

Direito Tributário. E considerando que as normas tributárias não se distinguem das demais

normas de Direito, os mesmos métodos de interpretação aplicáveis às leis em geral são

33

aplicáveis ao Direito Tributário. Ressalta Vanoni (1932, p. 181) que qualquer orientação a

priori do trabalho interpretativo, a favor do fisco ou a favor do contribuinte, constitui uma

inadmissível limitação do processo de interpretação da lei.

Como um meio-termo entre a hermenêutica tradicional e a Escola da Livre

Investigação do Direito, Vanoni (1932, p. 186) propõe a doutrina italiana dominante em seu

tempo, denominada de Método Histórico-Evolutivo.

Ensina essa doutrina que a lei, uma vez formulada, destaca-se do legislador e vive uma

vida própria e autônoma, como vontade do Estado objetivada no preceito legislativo. A

vontade da lei, ao contrário do que afirma a hermenêutica tradicional, não se identifica com a

vontade do legislador que a produziu, mas é algo de vivente, como vivente e sempre renovada

é a vontade do Estado da qual a norma é a manifestação (VANONI, 1932, p. 186).

Conforme Vanoni (1932, p. 186), admitir que a norma legal tenha vida própria,

independente da vontade dos órgãos legislativos que a criaram, e que tenha capacidade de se

adaptar modificando-se e modificando o sistema jurídico vigente e as diversas circunstâncias

variáveis da vida, não significa acolher os postulados da Escola da Livre Investigação do

Direito. O intérprete tem a função de pesquisar o alcance da lei, tal como resulta do seu texto,

da sua posição no sistema legislativo, das suas relações com os fatos da vida que lhe compete

regular; mas isso não quer dizer que o intérprete tenha a faculdade de elaborar o Direito,

extraindo-o diretamente dos fenômenos sociais.

Adverte Vanoni (1932, p. 187) que se o Direito é uma norma de conduta elevada à

categoria de regra obrigatória pelo ordenamento jurídico, o intérprete, enquanto pesquisa o

Direito para regular o caso concreto, acha-se vinculado ao ordenamento jurídico cuja vontade

deve em substância aplicar. A pesquisa das relações de uma norma com as outras normas do

sistema, e das suas relações com os fatos sociais, afirmada como essencial pela Escola do

Método Histórico-Evolutivo, visa a definir a atitude do sistema jurídico em face dos fatos da

vida, para daí deduzir a eficácia real da lei. Neste quadro, conforme Vanoni (1932, p. 187),

não existe lugar para um trabalho “criador” do Direito por parte do intérprete.

Destaca Vanoni (1932, p. 188) que o Método Histórico-Evolutivo deve seu nome ao

fato de ter posto em evidência as duas diferentes exigências do processo de interpretação. De

um lado, acentua o alcance da norma como fenômeno histórico, o qual se considera esgotado

com a fixação da regra de conduta em termos de lei; por outro lado, estuda a evolução, a que

está sujeita a norma, sob a influência das necessidades da vida, como membro do organismo

vivo que é o sistema jurídico.

34

A independência do intérprete em relação aos órgãos legislativos, para considerar a

vontade sempre renovada da lei e submeter a ela os fatos que o legislador não poderia prever,

não significa, na visão de Vanoni (1932, p. 189), a criação de tributo novo, ainda que a lei,

assim interpretada, leve à tributação de situações de fato que o legislador não teve presentes.

Não se confunde a imposição de um tributo, para a qual é necessária a intervenção do

Legislativo e do Executivo, em sua dupla função de autor de normas jurídicas e de depositário

do controle político da atividade pública, com a aplicação da lei ao caso singular, que é a

missão do intérprete. Para Vanoni (1932, p. 189), quando o intérprete pesquisa a vontade da

lei, ainda que vá além da vontade dos órgãos legislativos que elaboraram a norma, não cria

Direito novo, mas atribui à lei todo o valor que o ambiente no qual esta se movimenta lhe

confere.

Ressalta Vanoni (1932, p. 190) que em nenhum outro campo do Direito ocorre maior

imperfeição e falta de continuidade formal das normas como no campo do Direito Tributário.

Se se examinar de perto a legislação, não é difícil convencer-se de que o caráter de exatidão

matemática pretendido pela hermenêutica tradicional não corresponde à realidade das coisas.

As leis tributárias referem-se a situações de fato, nem sempre fáceis de definir e de

concretizar em lei. Desta circunstância decorrem fórmulas excessivamente vagas, ou inexatas

por excesso ou por deficiência, bem como contradições verbais ou substanciais, para cuja

solução nem sempre é suficiente o recurso à vontade do legislador. Se este, na urgência com

que teve de trabalhar, não viu as contradições, ou não soube encontrar a fórmula mais exata, o

intérprete dificilmente poderá retirar da vontade cristalizada na lei o subsídio necessário à

aplicação da norma. Nestes casos, conforme Vanoni (1932, p. 190), é o próprio princípio da

certeza do Direito que impõe uma interpretação ampla da lei: não pode existir segurança

substancial do Direito onde não sejam superadas as contradições e as descontinuidades

exteriormente apresentadas pelo sistema legislativo.

Conforme Vanoni (1932, p. 190), na aplicação da lei tributária deve-se certamente

procurar a certeza da tributação, mas ainda é preciso, por outro lado, ter-se presente a

necessidade de realização de outros princípios tributários, entre os quais especialmente o da

facilidade e comodidade da arrecadação e o da igualdade em face do tributo. A estes fins mal

se adaptaria uma norma rígida e cristalizada dentro dos limites da vontade inalterável do

legislador pretérito; importa que a norma seja maleável e capaz de se adaptar a exigências

sempre renovadas da realidade social.

35

Ademais, alerta Vanoni (1932, p. 191), se a lei fosse rigidamente delimitada pelos

termos da sua fórmula, tal como foi entendida por aquele que a elaborou, permaneceria

impotente contra as novas formas criadas pelos contribuintes e desconhecidas da lei tributária.

Vanoni (1932, p. 191) critica os contribuintes que não reconhecem o pagamento de tributos

como um dever precípuo dos cidadãos e que buscam formas abusivas de fugir dessa

obrigação. Para o autor, essa postura se deve à falta de espírito público, à sobreposição

egoística dos interesses imediatos aos interesses mais distantes e ao peso às vezes muito

oneroso dos encargos públicos.

Para Vanoni (1932, p. 191), é de importância decisiva o fato de que o objeto material

da regulamentação da lei tributária, na maioria dos casos, tem relação íntima com o aspecto da

atividade individual que está mais sujeito, por suas próprias necessidades internas, a rápidas

evoluções e transformações, que é a atividade econômica. O tributo é instituído e calculado

com base em determinados indícios relativos, na maioria dos casos, às manifestações

exteriores da atividade econômica individual. Se, em face das exigências sempre renovadas da

vida econômica, as formas da atividade individual, ainda que mantendo inalterada a sua

essência econômica, evoluem e se transformam, a lei rigidamente entendida é incapaz de

circunscrever e de atingir as novas manifestações, até que um novo preceito legislativo seja

promulgado.

Na visão de Vanoni (1932, p. 192), a cristalização da lei traz consigo, portanto, no

caso da sonegação fiscal, a consequência pouco satisfatória, tanto do ponto de vista financeiro

como do ponto de vista ético, de constituir-se em prêmio à fraude. E na hipótese de formas

novas, surgidas por necessidade econômica, há a possibilidade das atividades revestidas de

novas figuras escaparem à tributação. Conforme Vanoni (1932, p. 192), ocorreria neste último

caso o absurdo financeiro de que os indivíduos mais capazes, que são geralmente os que estão

na vanguarda da evolução econômica, seriam tributados em menor medida que os indivíduos

mais conservadores, menos cultos e menos capazes de se adaptar a exigências novas, e,

portanto, economicamente mais fracos que os primeiros. Em ambas as hipóteses, na ótica de

Vanoni (1932, p. 192), a rigidez na aplicação da lei daria lugar à infração do princípio da

igualdade tributária, com vantagem para os menos escrupulosos ou mais habilidosos, em

detrimento dos mais honestos e mais fracos.

Para Vanoni (1932, p. 192), é a própria natureza do fenômeno tributário que leva a

adotar, como mais apropriado também para a interpretação das leis tributárias, o Método

Histórico-Evolutivo. O fenômeno financeiro é um fenômeno político, ou seja, um fenômeno

36

em relação de dependência direta com as correntes econômicas, culturais, éticas e sociais que

influem no país. Se a interpretação não levar em conta o movimento invisível que a evolução

dessas correntes imprime ao sistema tributário, a lei tributária será afastada da vida real,

tornando-se um quadro rígido e vazio, dentro do qual as relações vitais somente podem ser

introduzidas à força e sem relação com o conteúdo das próprias relações.

A finalidade do trabalho do intérprete, portanto, não é nem a de pesquisar a vontade

estática dos órgãos que criaram a lei nem a de extrair o Direito da consciência jurídica

popular, mas a de chegar a compreender todo o alcance da lei considerada como a vontade

ativa do Estado. Frisa Vanoni (1932, p. 209) que no processo de interpretação distinguem-se

dois elementos essenciais: o histórico, com cujo subsídio procura-se reconstituir a vontade do

Estado, contida na norma, tal como era no momento em que esta foi promulgada; e o lógico

em sentido estrito, mediante o qual se põe a lei em contato com a vida social, com as novas

necessidades e as novas orientações do pensamento, para se definir o alcance da regra jurídica

no momento da sua aplicação.

O Direito Tributário, conforme o Método Histórico-Evolutivo, deve ser interpretado

com o mesmo instrumental que se reputa válido para a interpretação da quaisquer outras

normas jurídicas, valorando-se adequadamente o texto literal, os trabalhos preparatórios e os

precedentes históricos da lei, assim como sua ratio legis, sua adequação sistemática com as

demais normas do ordenamento e tendo em conta principalmente o que Vanoni (1932)

denomina de “realidade social”. A “aplicação correta” do preceito legal, de acordo com o fim

que lhe é próprio, implica proceder à “exata valoração da função econômica dos fatos sociais”

aos quais se refere a norma impositiva.

A essência do método de Vanoni (1932), assim, é a necessidade de se “valorar

exatamente” as novas realidades sociais cuja regulação constitui o objeto da norma tributária.

A exata valoração possibilita a evolução do Direito Tributário, mas não supõe, ao contrário do

que defendia Becker [193?], a atribuição de faculdades normativas ao intérprete; apenas se

reconhece a faculdade de se moldar o princípio implicitamente contido na norma a tais

situações, necessariamente cambiantes como efeito da evolução social, com base nas quais se

ditou a norma.

Segundo Juan Martín Queralt (1973, p. 57), autor do Estudo Preliminar da edição

espanhola de Natureza e Interpretação das Leis Tributárias, a efetiva contribuição de Vanoni

para a teoria da interpretação reside no desenvolvimento do Método Histórico-Evolutivo no

campo do Direito Tributário.

37

As críticas dirigidas a Vanoni (1932), segundo Martín Queralt (1973, p. 57), não

tiveram em conta o efetivo alcance da sua doutrina. Ao contrário do que entendem os seus

críticos, Vanoni não nega a unidade do ordenamento jurídico, apesar de sua ferrenha defesa

da autonomia do Direito Tributário. O que defende Vanoni (1932), conforme a lúcida

observação de Martín Queralt (1973, p. 57), é que o elemento sistemático não elimine a

particularidade da disciplina da relação entre Estado e contribuintes.

Tampouco entende Vanoni (1932) que o cânone da interpretação econômica significa

que a conformação dos fenômenos sociais é sempre decisiva sobre os efeitos tributários. Para

Vanoni (1932), nas palavras de Martín Queralt (1973, p. 52), se a norma tributária, por uma

razão peculiar qualquer, estabelece uma diferença, com base em certos critérios formais, entre

duas hipóteses substancialmente idênticas, a demonstração da objetiva identidade entre essas

duas hipóteses não libera o intérprete de sua obrigação de aplicar a lei.

Também para Alberto Tarsitano (2004, p. 88) a crítica a Vanoni (1932) é exagerada,

uma vez que sua aspiração era apenas enfatizar os conteúdos próprios dos conceitos cunhados

pelas leis tributárias, com fundamento no substrato econômico dos fatos geradores. Talvez,

conforme Tarsitano (2004, p. 89), essa ênfase tenha sido excessiva, mas a avaliação do

conjunto da obra de Vanoni (1932) demonstra a sua importância para o pensamento jurídico

que desenvolveu a teoria dogmático-tributária, superadora do caráter odioso do imposto e da

submissão do Direito Tributário às regras e instituições de Direito Privado.

Para Martín Queralt (1973, p. 55), o que falava Vanoni (1932) sobre a “função” ou o

“conteúdo econômico” é o mesmo que outros autores, aludindo ao mesmo fenômeno, falam

sobre princípio ou método extratextual, indagação da mens ou da ratio legis, etc., e com isso

não alude a nada mais do que à conotação econômica dos institutos tributários. Da mesma

forma que quando fala de “causa” Vanoni (1932) está aludindo à ratio legis do preceito, de

forma totalmente diferenciada de Griziotti, quando se refere ao “conteúdo econômico” das

situações reguladas pelo ordenamento tributário, Vanoni (1932) não pretende desconsiderar a

juridicidade dos pressupostos de fato contidos na lei.

Ademais, como acertadamente observa Martín Queralt (1973, p. 54), a necessidade de

se ter em conta o conteúdo econômico das instituições adotadas pelo legislador tributário é

algo com o qual toda a doutrina se mostra de acordo. O próprio Berliri (1964), segundo

Martín Queralt (1973, p. 54), afirma, com palavras similares às com que Vanoni (1932) define

a causa do tributo em sentido objetivo, que no momento da interpretação da norma deve se

38

averiguar a razão de ser da lei, o que é o mesmo que a necessidade social a cuja satisfação se

encontra a norma encaminhada.

Em síntese, a proposta de Vanoni (1932), como bem demonstra Martín Queralt (1973,

p. 57), não consistiu em nada mais do que acentuar o conteúdo econômico próprio das

situações reguladas pela norma tributária, e que, em última instância, não constitui senão uma

manifestação a mais do princípio da interpretação lógico-jurídica.

Talvez a ênfase de Vanoni (1932) à autonomia do Direito Tributário, que naquela

época visava a combater o axioma do tributo como algo odioso e excepcional, tenha

contribuído para que sua obra seja frequentemente associada à versão original da

interpretação econômica, obscurecendo a importância do desenvolvimento do Método

Histórico-Evolutivo para o Direito Tributário. A nosso sentir, Vanoni (1932) deveria ser

lembrado em função do Método Histórico-Evolutivo, e não em função do seu excessivo

destaque à autonomia do Direito Tributário.

2.3.2 Antonio Berliri. Crítica à versão original da interpretação econômica

Antonio Berliri (1964), jurista italiano cuja primeira obra é de 1952, foi um dos

autores que demonstraram que tanto o fetichismo formalista quanto o radicalismo da versão

original da interpretação econômica estavam equivocados.

O problema da interpretação da lei, conforme Berliri (1964, p. 91), consiste em

determinar o que o legislador quis e o que disse por meio da norma legal, ou seja, consiste em

delimitar os casos regulados expressamente com essa determinada disposição.

Berliri (1964, p. 96) afirma que a doutrina de seu tempo reconhece unanimemente que

as leis tributárias são leis iguais a todas as demais, que unicamente obedecem, portanto, às

normas que regulam a interpretação das leis em geral, o que afasta a aplicação, por exemplo,

dos princípios in dubio pro fisco e in dubio pro contribuinte.

A busca do significado das palavras segundo a conexão entre as mesmas (interpretação

literal) é a primeira operação a ser realizada pelo intérprete. Segundo Berliri (1964, p. 98), se

as palavras utilizadas pela lei têm um sentido técnico distinto do sentido comum ou corrente,

há duas orientações a seguir: se o significado técnico se refere a uma ciência não-jurídica,

prevalece o significado comum ou corrente do termo, a não ser que o legislador adote

39

expressamente uma definição distinta tanto do significado técnico quanto do significado

corrente; por outro lado, se o significado técnico refere-se à ciência jurídica, prevalece esse

sentido técnico, e não o comum ou corrente, a não ser que fique claro que o legislador

incorreu em uma impropriedade linguística (em cujo caso o intérprete deverá atribuir à

palavra o significado não-técnico que o legislador teve presente) ou que pretendeu atribuir à

expressão um significado especial.

Para demonstrar a forma de aplicação da interpretação literal, Berliri (1964, p. 98) cita

o exemplo das lagostas e dos cetáceos, que segundo a Zoologia devem ser respectivamente

classificados como crustáceos e mamíferos, e não como peixes18. Mas, no uso corrente, ambos

são considerados peixes. Nesse caso, qual significado deve ser atribuído ao termo usado pela

lei tributária, o técnico ou o corrente? Um imposto ou uma isenção relativa aos peixes deve

compreender também as lagostas e os cetáceos? Um imposto ou uma isenção relativa às

flores, para citar outro exemplo, deve abarcar as alcachofras, as quais, segundo a Botânica,

são flores? Berliri (1964, p. 98) entende que as lagostas e os cetáceos devem ter o mesmo

tratamento tributário dos peixes e que as alcachofras não devem ter o mesmo tratamento

tributário das flores, ou seja, nesses dois exemplos deve prevalecer o uso comum ou corrente

dos termos, e não o seu significado técnico contido na Zoologia e na Botânica.

Para Berliri (1964, p. 98), por outro lado, o significado técnico-jurídico prevalece

sobre o comum ou vulgar porque os ramos do Direito não são compartimentos estanques, e

sim partes de um sistema incindível. Berliri (1964, p. 98) entende que uma definição,

qualquer que seja a lei que a contenha, deve valer para todo o Direito, a não ser que o

legislador tenha limitado expressamente a determinados efeitos a eficácia daquela definição,

ou, ao contrário, tenha afastado a sua aplicação em determinado setor.

Quando a lei tributária utiliza os termos compra e venda, empréstimo, enfiteuse,

sociedade, comunidade, concessão, autorização, serviço público, etc., deve-se considerar,

segundo Berliri (1964, p. 99), que tais expressões têm no Direito Tributário o mesmo sentido

que possuem em outros ramos do Direito, a não ser que fique claro que o legislador incorreu

em uma impropriedade linguística ou que pretendeu atribuir à expressão um significado

especial.

Por essa razão, Berliri (1964, p. 104) teceu duras críticas à teoria de Vanoni acerca da

interpretação dos institutos de Direito Privado utilizados pela lei tributária, a qual, segundo

ele, “mais que uma construção, é uma demolição”.

18 Exemplo semelhante é dado por Falcão, 1987, p. 63.

40

Segundo Berliri (1964, p. 105), se quando a lei tributária utiliza os termos compra e

venda, empréstimo, sociedade, concessão de serviço público, etc., não se deve considerar o

correspondente instituto regulado pelo Direito Civil ou pelo Direito Administrativo, faltará

determinar o que o legislador quis dizer com esses termos. E essa investigação será muito

difícil, já que, como adverte o próprio Vanoni (1932), na maioria dos casos os dois conceitos

coincidem. Para compreender as leis tributárias seria necessária então uma espécie de

vocabulário que precisasse o significado das expressões jurídicas. E mesmo que houvesse tal

vocabulário, haveria que se investigar o ramo de origem da expressão jurídica, considerando

ainda que há normas que pertencem a dois distintos ramos do Direito.

Berliri (1964, p. 104) também invoca a doutrina de Jarach (1996) para reforçar sua

crítica a Vanoni (1932). Segundo Berliri (1964, p. 104), Jarach (1996) afirma que para os fins

do Direito Tributário, a venda e a promessa de compra e venda deveriam pagar o mesmo

imposto por se tratar de dois atos economicamente equivalentes, já que se a promessa não for

mantida, não se terá realizado transferência alguma de propriedade, mas surgirá um direito ao

ressarcimento pelos danos que por sua natureza resultam economicamente equivalentes. O

mesmo pode acontecer com o depósito e o arrendamento. Se o depositário ou o arrendatário

não restituírem o objeto recebido deverão pagar o equivalente ao mesmo. Para Berliri (1964,

p. 104), o pensamento de Jarach (1996) leva à conclusão de que as expressões compra e

venda, depósito e arrendamento constituem, nesse ponto de vista, a mesma coisa.

Mas mesmo nos casos em que se soubesse com certeza tratar-se de uma norma de

Direito Tributário, antes de proceder à sua interpretação literal (antes de se estabelecer se

quando a norma fala em compra e venda se deve considerar o instituto designado como tal no

Direito Privado, ou, ao contrário, se se trata de algo distinto que o legislador tributário quis

designar com tal denominação), deve-se indagar se não se trata de uma daquelas três

hipóteses, apontadas por Vanoni (1973, p. 167-171), em que os institutos de Direito Privado

são referidos pelo Direito Tributário conservando inalterado o seu valor original.

Por outro lado, Berliri (1964) reconhece certa verdade na tese de Vanoni (1932), já

que muitas vezes quando o legislador, para indicar um pressuposto impositivo, emprega uma

determinada expressão jurídica, leva em consideração a situação econômica que corresponde

a dito instituto. É o que ocorre quando a lei tributária conecta o nascimento da obrigação

tributária às qualidades de proprietário, usufrutuário, possuidor, etc. Nestes casos, salvo

raríssimas exceções, nos dizeres de Berliri (1964, 106), a lei tributária liga o nascimento da

obrigação tributária à situação econômica que corresponde a tais instituições, ou seja, à

41

utilidade econômica que elas oferecem. Surge então a dúvida se o fato jurídico que se refere

ao nascimento da obrigação tributária é a instituição jurídica ou a situação econômica que a

ela corresponde.

Para Berliri (1964, p. 106), pode acontecer que o legislador tenha preferido, por

simplicidade na formulação, por maior facilidade de determinação do pressuposto objetivo, ou

por outros motivos, assumir como fato jurídico precisamente a situação jurídica como fórmula

elíptica para indicar a situação econômica correspondente, de maneira que seja este o

verdadeiro fato jurídico ao qual a lei conecta seus efeitos jurídicos. As consequências podem

ser nitidamente distintas em ambas as hipóteses: o vendedor com pacto de reserva de domínio,

por exemplo, pode ser considerado sujeito passivo do imposto e não o adquirente, se se

considera que o fato jurídico da obrigação tributária é a propriedade; chega-se à conclusão

oposta quando se considera que tal fato jurídico é a situação econômica que normalmente

corresponde à propriedade. Como é natural, na investigação necessária para resolver essa

dúvida pesam muito os precedentes históricos da lei, a occasio legis, etc.

Mas, para Berliri (1964, p. 107), a possibilidade antes referida não supõe de modo

algum admitir que a linguagem do legislador tributário seja distinta da linguagem do

legislador de Direito Civil, Administrativo, Penal, etc. Produz-se, em vez disso, uma

consequência muito mais limitada, consistente em que a busca da intenção da lei possa

conduzir à conclusão de que uma determinada palavra tenha sido utilizada em sentido

impróprio ou que ela tenha sido usada visando a uma certa situação econômica que

normalmente corresponde a esse determinado instituto, e que, portanto, a norma poderá

estender-se a outros casos nos quais exista a mesma situação econômica, já que é

precisamente esta a que constitui o pressuposto fático da norma.

Berliri (1964, p. 107) cita os exemplos utilizados por seu irmão, Luigi Vittorio Berliri

(1949), para demonstrar que cabe ao legislador a eleição não somente do fim a que se dirige a

norma, mas também dos meios para se alcançar esse fim com a maior aproximação possível.

Conforme o exemplo de Luigi Berliri (1949, apud BERLIRI, 1964, p. 107), é certo

que ao adotar como elemento determinante para a aquisição da capacidade de se eleger

senador19 o transcurso de um período de quarenta anos a partir da data de nascimento, a lei

não levou em conta as propriedades matemáticas do número quarenta, mas exclusivamente a

maturidade fisiológica que em geral se alcança com o transcurso daquele período. Mas isto

não basta para autorizar o intérprete a assegurar que o fato decisivo para a aquisição da

19 Esse mesmo exemplo é dado por Falcão, 1987, p. 65.

42

capacidade de se eleger senador não seja o transcurso de quarenta anos desde a data de

nascimento, e sim o alcance da maturidade fisiológica que corresponde normalmente aos

quarenta anos de idade. Partindo dessa premissa, deve-se indagar por que a lei, ao fixar-se em

uma determinada situação econômica, em vez de fazer referência direta à mesma, assume

como decisivo esse determinado fenômeno jurídico que pode ser a causa, o efeito ou o indício

daquela situação.

Essa investigação, continua Luigi Berliri (1949, apud BERLIRI, 1964, p. 108), poderá

conduzir a comprovar:

a) que a remissão aos institutos jurídicos cumpre, na lei tributária, uma função

meramente exemplificativa, o que significa que em tais casos o legislador pretende

definir cabalmente uma determinada situação econômica e o faz indicando por via

de exemplo várias situações jurídicas bem conhecidas, às quais corresponde aquela

determinada situação econômica que se quer assumir como relevante, com a

consequência evidente de que esta já não está simplesmente na ratio legis, e sim na

própria lei. É a ela, em realidade, que o legislador conecta diretamente determinadas

consequências tributárias;

b) que o legislador preferiu deliberadamente considerar como relevante para fins

tributários uma determinada situação jurídica suscetível de ser individualizada com

segurança e facilidade, melhor do que a situação econômica que normalmente lhe

corresponde, mas que é, por si mesma, de difícil determinação. O legislador

tributário pode perfeitamente valorar o pró e o contra e decidir “perder em justiça

absoluta o que ganha em certeza e simplicidade de determinação”. É o caso da lei

tributária que determina a tributação da renda da mulher casada legalmente,

cumulativamente à renda do marido. Resta ao intérprete inclinar-se à vontade da lei.

Não poderá estender a norma aos casos em que duas pessoas vivam juntas sem

vínculo matrimonial e nem deixar de exigir o imposto no caso de marido e mulher

que sejam separados apenas de fato, ainda que no primeiro caso se realize e que no

segundo possa ser excluída a situação econômica que normalmente corresponde à

situação jurídica de marido e mulher, que justifica economicamente tal disposição;

c) que a razão pela qual a lei tributária remete a determinado instituto jurídico é que

este se apresenta como uma manifestação externa mais fácil de se determinar do que

a situação econômica correspondente, enquanto que esta última, ao menos na mente

do legislador, não poderia ser definida com independência daquela situação jurídica.

43

Neste caso, se não se tratar de norma excepcional, será aplicada a interpretação

analógica.

Conclui Berliri (1964, p. 111), assim, que para se interpretar uma norma legal não

basta proceder à sua interpretação literal (à determinação do significado de cada uma das

palavras que a compõem), sendo também necessário proceder à busca da intenção da lei, ou

seja, da razão de ser da lei, ou, o que é o mesmo, da necessidade social a cuja satisfação ela se

dirige. Nessa busca possuem grande importância a identificação da occasio legis, ou seja, do

motivo contingente determinante da emanação da lei; o exame dos trabalhos parlamentares; o

estudo sistemático da norma, ou seja, seu enquadramento no sistema jurídico, para determinar

o âmbito daquela segundo a relação com outras normas, argumentando, por exemplo, a

fortiori, a contrariis, ab absurdo, etc.; e, enfim, o estudo histórico, para buscar a solução que

o legislador havia dado ao mesmo problema antes da emanação da norma que se deve

interpretar, e poder assim estabelecer com normas precedentes, em vez de fazê-lo com normas

vigentes, relações análogas às antes indicadas.

As leis tributárias não devem ser interpretadas com base em métodos e princípios

distintos dos que valem para as demais leis, já que também às leis tributárias se aplica o

princípio segundo o qual não se pode dar a uma norma um sentido diverso do que resulta do

significado próprio das palavras e da intenção da lei. Assim, conforme Berliri (1964, p. 116),

somente na busca da intenção do legislador e da ratio legis podem influir as considerações de

ordem econômica e política relativas a um determinado tributo ou à totalidade do sistema

tributário.

Berliri (1964, p. 104) reconhece que Vanoni (1932) posteriormente formulou com

mais precisão sua teoria acerca da interpretação dos institutos de Direito Privado utilizados

pela lei tributária, de maneira que esta acabou por coincidir com o que foi sustentado pelo

próprio Berliri (1964). De fato, a posição de Berliri (1964) acerca da interpretação da norma

tributária não é muito diferente do Método Histórico-Evolutivo defendido por Vanoni (1932).

Esta posterior aclaração poderia ter tornado inútil a crítica à teoria de Vanoni (1932), mas

Berliri (1964) considerou oportuno realizá-la porque Vanoni (1932) formulou com precisão a

tese por ele combatida.

44

2.3.3 Albert Hensel. Oberservações de Andrés Báez Moreno, Maria Luisa González-Cuéllar

Serrano e Enrique Ortiz Calle

Hensel (200520, p. 145-152), jurista alemão cuja primeira obra é de 1924, anterior,

portanto, às obras de Vanoni (1973, cuja primeira obra é de 1932) e de Berliri (1964, cuja

primeira obra é de 1952), também rechaçava a presunção de que o legislador tributário sempre

que se refere a institutos do Direito Privado em verdade quer se referir à substância

econômica subjacente à formalização jurídica. Sua posição inicial era de que a interpretação

econômica era contrária ao princípio da segurança jurídica e implicava o desvirtuamento da

separação dos poderes e a necessária intervenção do legislador para solucionar as

imperfeições da lei tributária.

Conforme Andrés Báez Moreno, Maria Luisa González-Cuéllar Serrano e Enrique

Ortiz Calle (2005, p. 58), autores do Estudo Preliminar da edição espanhola de Direito

Tributário, Hensel (2005) posteriormente flexibilizou sua tese principal (o fato gerador se liga

às formas e conceitos de Direito Privado), reconhecendo a validade da interpretação

econômica e o caráter demasiado estrito da jurisprudência tributária anterior a 1920. Compete

ao intérprete, cada vez em maior medida, a tarefa de descobrir, por meio da interpretação, os

acontecimentos fáticos que a lei pretendeu abarcar. Em vista da diversidade da vida

econômica, cuja configuração jurídica tem sido alterada de forma muito rápida nos últimos

anos, conforme Hensel (2005, p. 146), não basta para satisfazer essa função trazer à colação a

lei e seus antecedentes; é esperada das autoridades chamadas à aplicação das leis tributárias

uma adaptação contínua do conteúdo da norma com base na evolução das circunstâncias

mediante sua correta interpretação. Essa posição de Hensel (2005) é muito parecida com o

Método Histórico-Evolutivo proposto por Vanoni (1932).

O essencial na flexibilização do pensamento inicial de Hensel (2005), segundo Báez

Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 58), é que as considerações

teleológicas na interpretação das normas tributárias (que anteriormente haviam sido

relegadas) passaram a ocupar um lugar central.

Para Hensel (2005, p. 149), nos casos em que o pressuposto de fato se configurar com

referência a conceitos preexistentes em outros ramos do Direito, cabem duas possibilidades:

entender que o Direito Tributário utiliza estes conceitos de um modo meramente auxiliar, de

20 Tradução da 3.ª edição alemã (1933) de Andrés Báez Moreno, María Luisa González-Cuéllar Serrano e Enrique Ortiz Calle.

45

maneira que o determinante não é tanto a forma ou o conceito puro jurídico-privado, mas sim

o evento econômico subjacente a este; ou considerar que a norma pretende atar consequências

tributárias a uma determinada forma ou conceito jurídico-privado que é, em regra, a expressão

externa de um evento econômico.

Hensel (2005, p. 150) aponta, quanto à segunda modalidade de configuração do

pressuposto de fato, que é através da interpretação que se deve solucionar o problema, isto é,

decidir qual foi a intenção do legislador ao incluir, em uma norma tributária, um termo dotado

de um sentido preciso em outro ramo do Direito. Neste sentido, Hensel (2005, p. 149)

esclarece que

qualquer conceito concreto, originário de uma determinada área do direito deve cumprir certas funções em sua esfera de origem. Cada vez se mostra mais errônea a crença de que a maioria dos conceitos tem um único significado em todos os setores da vida jurídica. Em especial, o sistema de conceitos do direito civil, que tem como missão a regulamentação das relações jurídicas entre sujeitos de direito privado, não pode nem deve ser aplicado de maneira igual em suas eventuais consequências tributárias.

Hensel (1956, apud GODOI, 2005, p. 138) entendia que o §5º do Código Tributário

alemão (norma geral antielusão) estava estreitamente vinculado à técnica da fraude à lei. Na

visão do autor, as condutas dos contribuintes que abusavam das formas jurídicas com o

propósito de eludir o imposto não poderiam ser corrigidas com base nos princípios gerais do

Direito ou segundo a interpretação “correta” da lei tributária. Somente um comando

específico do legislador, tal como o do referido §5º, pode autorizar essa correção, uma vez

que a técnica de repressão das condutas de elusão começa onde termina a interpretação

“normal” da lei.

Conforme Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 60), com

quem concordamos, Hensel (2005) não se filia ao pensamento de Becker e Ball, pois em toda

a sua obra há uma preocupação constante e generalizada com as exigências do princípio do

Estado de Direito, as quais, como não poderia deixar de ser, projetam-se também sobre as

questões relativas à interpretação das normas tributárias.

O determinante na obra de Hensel (2005), segundo Báez Moreno, González-Cuéllar

Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 61), é que os limites à interpretação que se desprendem da

exigência do princípio do Estado de Direito e da configuração do Direito Tributário como

direito de intervenção seguem ocupando um papel preponderante. A nosso ver, esses limites

também estão presentes nas teorias de Vanoni (1932) e de Berliri (1964), as quais não

admitem que o papel do legislador seja relegado a um segundo plano.

46

Assim devem ser interpretadas as críticas de Hensel (2005) a Becker e Ball, quanto a

terem ido longe demais na acentuação da autonomia do Direito Tributário para a formulação

de seus próprios conceitos. Assim como para Vanoni (1932) e Berliri (1964), para Hensel

(2005, p. 151) não são metodologicamente idênticas as funções de aperfeiçoamento do Direito

por parte do legislador e o desenvolvimento conceitual (livre de limites) por parte dos

tribunais. A interpretação teleológica, adverte Hensel (2005, p. 152), não deve se desenvolver,

em todos os casos, conforme o ponto de vista econômico, mas sim de acordo com os

princípios da segurança jurídica e da simplificação tributária. As abordagens lógicas e de

oportunidade que obedeçam exclusivamente às próprias concepções do juiz não permitem

estender a obrigação tributária a um fato não sujeito ao imposto.

Destacam Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 61) que a

doutrina alemã não compreendeu a importância da obra de Hensel (2005) e que mesmo após a

redescoberta da interpretação econômica, depois de um período de crise de quase vinte anos,

há poucas referências ao seu pensamento. Segundo Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e

Ortiz Calle (2005, p. 62), embora os argumentos de Tipke, por exemplo, sejam muito

parecidos com as posições de Hensel, é a Tipke que geralmente se atribui a redescoberta da

interpretação econômica na Alemanha.

De acordo com Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 62),

Tipke entende que não se pode optar a priori nem pela interpretação econômica (tida como

primazia do Direito Tributário), nem pela primazia do Direito Privado, na medida em que

ambas as opções devem ser deduzidas, de forma casuística, conforme a finalidade e o sentido

da norma tributária. E esta é precisamente a posição de Hensel (2005), conforme Báez

Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 62), sobretudo na segunda e na

terceira edições de seu Manual de Direito Tributário. Porque o que caracteriza a posição de

Hensel (2005), de forma diferente, por exemplo, de Becker e Ball, é não assumir a priori

presunções de interpretação convergentes ou divergentes, fazendo depender a escolha, em

todos os casos, da interpretação (teleológica) da norma tributária.

Para Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 62), a teoria da

interpretação de Hensel (2005) significou um grande avanço em sua época. De um lado,

reconheceu, no âmbito concreto do Direito Tributário, uma ideia que, mais tarde, seria

atribuída a outros autores: a relatividade dos conceitos jurídicos. De outro, porque permitiu

superar os excessos originados das posições de Becker e Ball.

47

Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 64) destacam, por

outro lado, que os trabalhos de Hensel (2005) mostram um certo desconcerto em torno dos

limites da interpretação. Quando Hensel (2005) reconhece, para todos os efeitos, o critério

teleológico da interpretação da norma tributária, surge para ele um problema de difícil

solução, e este consiste, precisamente, nos limites dessa interpretação. Se até o momento o

sentido literal da norma (identificado com o conceito jurídico-privado) servia como limite, a

adoção da teoria da interpretação econômica, como critério de interpretação teleológica, priva

essa posição de sentido. Não se encontram em Hensel (2005) manifestações determinantes

sobre esse problema.

Ressaltam Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 62) que

esse problema metodológico somente foi resolvido em 1960, com a publicação da

Metodologia da Ciência do Direito de Karl Larenz. Superando este limite que

tradicionalmente se havia ajustado à interpretação das normas (teor literal), o civilista alemão

apresentou uma nova tese que permitiu, na visão dos autores, superar todas as contradições

presentes até o momento. A expressão literal é somente o ponto de partida da interpretação, na

medida em que a esta se podem atribuir distintos sentidos. Desse modo, a interpretação

determina qual dos sentidos possíveis das palavras resulta mais adequado aos critérios de

interpretação e, em particular, à finalidade da norma. Esse limite serviu para superar,

definitivamente, a ideia de que a interpretação econômica das normas tributárias resulta

contrária às exigências derivadas do Estado de Direito. Este é o ponto que faltou a Hensel

(2005), conforme Báez Moreno, González-Cuéllar Serrano e Ortiz Calle (2005, p. 62), para

aperfeiçoar definitivamente sua concepção da aplicação da norma tributária.

2.3.4 A posição de Achille Donato Giannini

A posição do italiano Achille Donato Giannini (1956) não é substancialmente

diferente das posições de Vanoni (1932), Berliri (1964) e Hensel (2005) quanto à matéria aqui

estudada.

Para Giannini (1956, p. 20), a definição do significado dos termos de Direito Privado

utilizados na norma tributária decorre da correta interpretação da lei tributária. O problema da

interpretação dos institutos de Direito Privado conforme o seu significado original ou com

48

base na substância econômica a ele subjacente não é resolvido com um único critério, e sim

com os critérios de interpretação aplicáveis às normas jurídicas em geral. Em outras palavras,

não é o maior ou menor grau de autonomia do Direito Tributário que resolverá o problema do

significado dos termos de Direito Privado utilizados pelo Direito Tributário. Com base no

texto e na finalidade da norma tributária é que se definirá o conteúdo do fato gerador.

Destaca Giannini (1956, p. 19) que o problema do significado dos institutos de outros

ramos jurídicos utilizados pela lei tributária também ocorre em outras áreas do Direito, tal

como no Direito Penal, o qual, na visão do autor, oferece interessante analogia com o Direito

Tributário21.

Para Giannini (1956), conforme Falcão (1987, p. 66), a interpretação econômica é

simplesmente uma técnica especial, como também acontece nos demais ramos do Direito,

quanto ao modo de considerar os fenômenos, fatos ou situações relevantes para a tributação e

de pesquisar-lhes o conteúdo.

Giannini (1956, p. 40-41) cita Berliri (1964) para demonstrar a superação da teoria da

interpretação funcional de Griziotti, a qual vai além da interpretação lógica e leva a resultados

imprevisíveis. A inexigibilidade de determinado tributo previsto em lei, se não se verificar o

devido respeito ao princípio da capacidade econômica, é, para o autor, “simplesmente

absurda”.

O autor, portanto, é contrário aos métodos a priori de interpretação, seja in dubio pro

fisco ou in dubio pro contribuinte. Também é contrário à interpretação literal do Direito

Tributário, o qual deve ser interpretado como qualquer outro ramo do Direito (GIANNINI,

1956, p. 38-39).

Nos casos de isenção e benefícios fiscais, contudo, Giannini (1956, p. 39-40) entende

que a norma tributária deve ser interpretada literalmente, não por força de um princípio geral

de interpretação das normas tributárias, e sim porque, nesses casos, o texto e o espírito da lei

conduzem o intérprete, segundo a técnica jurídica normal de interpretação, a entender a

disposição legal em seu sentido restritivo. O autor atribui a interpretação literal das normas de

21 Palao Taboada (1997, p. 220) observa que, na visão de W. Reiner Walz, enquanto o legislador penal pretende

que os fatos por ele descritos sejam evitados pelos cidadãos, o legislador fiscal deseja que os que ele delimita sejam realizados da forma mais extensa possível e que seu descumprimento seja evitado. Na aplicação da lei tributária se contrapõem interesses do Estado e do contribuinte, como credor e devedor. Só caberia estabelecer um paralelismo com o Direito Penal, segundo W. Reiner Walz (1980, apud TABOADA, 1997, p. 220), se contra o interesse do cidadão em não ser castigado se opusesse o interesse do Estado em castigar, sendo então necessária a intervenção da lei penal. O Estado tem um certo interesse no castigo dos delinquentes, ou seja, no cumprimento da finalidade do Direito Penal; mas este interesse é, certamente, de natureza muito distinta do interesse fiscal e cede perante valores superiores como a liberdade ou a segurança jurídica. Daí a assimetria na aplicação da lei penal entre consequências favoráveis e desfavoráveis ao réu.

49

isenção e benefícios fiscais à conjugação entre a necessária estabilidade do orçamento público

e a máxima garantia de segurança jurídica.

Na visão de Tarsitano (2004, p. 89), Giannini conciliou as posições opostas de Vanoni

(1932) e Berliri (1964), reconhecendo liberdade criadora ao legislador tributário para conferir

às suas instituições um conteúdo específico ou incorporar o conteúdo do Direito Privado.

Discordamos de Tarsitano (2004), pois as ideias de Vanoni (1932) e Berliri (1964) não são

opostas. O próprio Berliri (1964) reconhece que a posição de Vanoni (1932) é muito parecida

com a sua. Tanto Vanoni (1932) quanto Berliri (1964) reconhecem que o Direito Tributário

pode ou não incorporar o conteúdo do Direito Privado. A conclusão de Tarsitano (2004)

talvez decorra de uma análise parcial das obras de Vanoni (1932) e Berliri (1964), sem

considerar que Berliri (1964) manteve sua crítica a Vanoni (1932) apenas porque o trecho

criticado contém com precisão a tese por ele combatida.

2.3.5 Andrea Amatucci

O italiano Andrea Amatucci (1994, p. 579-597) também é contrário à teoria funcional

do Direito Tributário de Griziotti e Jarach (1996). Na visão do autor, a versão original da

interpretação econômica visa a transformar os conceitos de Direito Civil em institutos de

Direito Tributário, mais adequados ao princípio da capacidade econômica. Amatucci (1994)

discorda dessa versão porque o desvio sem limite do significado original do instituto de

Direito Privado compromete a unidade do ordenamento jurídico, o qual pressupõe que todos

os conceitos jurídicos conservem uma essência idêntica em todos os ramos do Direito.

Amatucci (1994, p. 579) entende que nos casos em que o Direito Privado e o Direito

Tributário utilizam o mesmo conceito jurídico, prevalece o conceito de Direito Privado. Em

outras palavras, quando a lei tributária se vale da linguagem conceitual do Direito Privado, o

conteúdo dos conceitos deve ser idêntico22.

22 Assim como Amatucci, Combarros Villanueva (1984, p. 497) entende que é desejável uma interpretação

coincidente do Direito Tributário e do Direito Privado, a fim de que o legislador utilize para os mesmos conceitos as mesmas palavras. A recepção de conceitos jurídico-privados deriva do princípio da unidade do ordenamento jurídico, em virtude do qual os conceitos tomados do Direito Privado devem ser interpretados no sentido do Direito Privado se não se deduzir outra coisa com suficiente evidência das normas tributárias. Ou seja, para afirmar que os conceitos de direito civil utilizados pelo Direito Tributário têm um conteúdo diferente ao atribuído aos mesmos por aquele ramo do direito, é preciso que essa diferença possa ser deduzida da própria lei tributária, considerando o sentido possível das palavras.

50

Ressalta Amatucci (1994, p. 579) que essa prevalência do Direito Privado implica uma

autonomia limitada do Direito Tributário, no sentido de que ao intérprete não é consentido

privilegiar a exigência de uma justa tributação. A interpretação econômica, na concepção do

autor, não é admissível nesse caso.

Amatucci (1994, p. 579-580) entende que é tarefa preliminar do intérprete identificar

se a norma tributária pretende acolher integralmente o instituto de Direito Privado e, em caso

negativo, individualizar a modificação a que está sujeito o referido instituto em função da

relevância dos seus efeitos econômicos.

A interpretação econômica é defendida por Amatucci (1994, p. 580) apenas nos casos

em que a forma aparente ou os vícios de um negócio jurídico são predeterminados pelas

partes com o fim de suprimir ou reduzir artificiosamente os tributos incidentes sobre a relação

econômica que a lei tributária adotou como pressuposto de fato. Conforme demonstramos

anteriormente, essa posição também é adotada por Hensel (2005).

Ao contrário de Combarros Villanueva (1984), Amatucci (1994) entende que a

complexidade do objeto econômico contido no conceito de Direito Privado não permite

afirmar que o método da interpretação econômica seja idêntico à interpretação teleológica de

qualquer norma. Segundo Amatucci (1994, p. 585), Combarros Villanueva (1984) subestima

a capacidade da interpretação econômica de se destacar da interpretação teleológica e assumir

sua própria configuração. A nosso ver, a crítica de Amatucci (1994) decorre da sua visão da

interpretação econômica como forma de combate à elusão fiscal.

2.3.6 Heinrich Beisse

Heinrich Beisse (1984, p. 36-37), jurista alemão que foi juiz no Tribunal Federal de

Finanças, defende a presunção oposta, ou seja, de prevalência do conteúdo econômico. Na

visão do autor,

Da ideia da ‘unidade da ordenação jurídica’ não se pode, segundo o atual entendimento, deduzir que, para a interpretação das leis tributárias, se há, em princípio, de estabelecer uma vinculação ao direito civil, não se podendo mesmo dizer que essa vinculação decorra de preceito constitucional.

51

Para Beisse (1984, p. 9), a interpretação econômica, como forma de aplicação da

interpretação teleológica, é uma necessidade advinda do objetivo perseguido pelo Direito

Tributário. A interpretação econômica, na visão do autor, constitui condição fundamental da

igualdade da tributação e as próprias leis tributárias contêm vários exemplos de que o

legislador tem ponto de partida no critério econômico, tais como o significado fiscal da

atividade ilícita ou imoral, negócios jurídicos ineficazes e o abuso das possibilidades das

formas jurídicas.

Assim como Combarros Villanueva (1984), Beisse (1984) reconhece que a

interpretação econômica, como forma de interpretação teleológica, possibilita a superação do

dissídio entre a teoria do primado do Direito Civil e a teoria da autonomia absoluta do Direito

Tributário. Mas, contrariamente a Combarros Villanueva (1984), Beisse (1984) entende que a

interpretação teleológica apoia uma “preponderante supremacia do critério econômico”.

Para Beisse (1984, p. 38), os institutos de Direito Privado utilizados pela lei tributária

devem ser entendidos de acordo com o seu sentido e fim específicos quando: a própria lei

indica esse sentido claramente, mediante remissões expressas ao Direito Civil, por exemplo;

“a origem histórica do preceito fala claramente em favor de uma interpretação civilística e não

há contra isso nenhuma dúvida séria de ordem sistemática”; ou “a jurisprudência, através da

prática de muitos anos (‘em dúvida’), adotou essa interpretação e o legislador, em relação a

ela, não se viu motivado a corrigir a lei (comando da segurança do direito)”.

Segundo Beisse (1984, p. 22), a jurisprudência do Tribunal Federal de Finanças da sua

época, sobre a interpretação de conceitos de Direito Tributário, resume-se em três princípios:

a) os conceitos econômicos de Direito Tributário, ou seja, os que o Direito Tributário

deve criar ou converter somente para seus objetivos, devem ser interpretados

segundo o critério econômico;

b) os conceitos de Direito Civil, dentro do quadro possível das palavras, devem ser

interpretados economicamente quando o objetivo da lei tributária impõe um desvio

do conteúdo do conceito do Direito Civil. O desvio, como justificou o Tribunal

Constitucional Federal, deve ser “justificado bastante objetivamente”;

c) a vinculação ao conteúdo de institutos de Direito Civil ocorre apenas quando,

conforme o sentido e o objetivo da lei tributária, tem-se certeza de que o legislador

cogitou exatamente desse conteúdo de Direito Civil.

Para Beisse (1984, p. 23-24), “uma interpretação ‘civilística’, que quebra o sistema do

ordenamento legal dos tributos, pode violar o princípio da igualdade da tributação. Deve-se,

52

portanto, considerar a autonomia da criação de conceitos tributários, afinal, também em

relação ao imperativo da interpretação constitucional”. Para o autor, é correta a formulação de

que “na dúvida, a interpretação tem de orientar-se pelo princípio da autonomia do Direito

Tributário na formação de conceitos. Decisivo é, portanto, o critério econômico”.

2.3.7 Klaus Tipke e Joachim Lang

Conforme Tipke e Lang (2008, p. 32223), as leis tributárias, que têm de levar em conta

a capacidade contributiva (princípio fundamental da tributação), conectam-se a

acontecimentos e condições econômicos e necessitam por isso de uma interpretação

econômica, também chamada de “ponto de vista econômico”.

Tal como Combarros Villanueva (1984), reconhecem os autores que o ponto de vista

econômico não é nenhum método especial do Direito Tributário. O ponto de vista econômico

é parte da interpretação teleológica da lei, visto que leis tributárias têm como objetivo

acontecimentos e condições econômicos.

Para Tipke e Lang (2008, p. 322), assim, a maioria dos conceitos tributários, tais como

a renda e o enriquecimento, a priori somente podem ser economicamente interpretados. Mas

também os conceitos de Direito Civil empregados pelo legislador tributário devem ser

teleologicamente orientados pela finalidade da lei tributária. Considerando que finalidades

diferentes fundamentam o Direito Civil e o Direito Tributário, a interpretação teleológica do

mesmo conceito pode levar a resultados diferentes.

Reconhecem Tipke e Lang (2008, p. 322) que após a entrada em vigor do §4º do

Código Tributário alemão de 1919, o ponto de vista econômico enveredou pelo método da

Escola da Livre Investigação do Direito, que se desprendia demasiadamente das formas de

Direito Privado. Na visão dos autores, um ponto de vista econômico tão flutuante não poderia

prevalecer, uma vez que acontecimentos e condições econômicos são configurados por meio

do Direito Privado. De fato, por volta dos anos cinquenta, a jurisprudência alemã adotou a

premissa oposta, do primado do Direito Civil sobre o Direito Tributário.

23 A 18ª edição da obra de Tipke e Lang, Steurrecht, é de 2005. A tradução dessa 18ª edição, por Luiz Dória

Furquim, é de 2008.

53

Para Tipke e Lang (2008, p. 323-324), nem a primeira (primazia do Direito

Tributário), nem a segunda fase (volta da primazia do Direito Privado), conduzem a

resultados corretos:

Na interpretação de conceitos legais tributários deve-se em primeiro lugar partir do princípio de que não existe nenhuma prevalência teleológica do Direito Civil (vide agora acima o § 1 Rz. 16 ff). Pelo contrário, deve-se examinar com fundamento na teleologia da lei tributária, se e em que proporção um conteúdo de regramento civilístico também co-determina a consequência jurídica da lei tributária. Assim deve-se uma situação de fato civilisticamente configurada em primeiro lugar qualificar civilisticamente e só então examinar, se ela adscrever-se econômico-teleologicamente ao tipo legal da lei tributária. Coincidindo a qualificação de Direito Civil com a finalidade da lei tributária, então o Direito Civil é preponderante (massgebend) (s. K. Tipke, StRO III, 1295). Conduzindo entretanto a interpretação teleológica da lei a um conceito jurídico-tributário derrogante do direito civil, assim deve esse interpretar-se econômico-teleologicamente (destaques dos autores).

O Direito Tributário, portanto, não se vincula ao invólucro jurídico adotado pelos

contribuintes, mas a forma de Direito Civil pode ser preponderante na interpretação de

conceitos tributários se essa forma refletir a situação econômica verdadeira. O importante é

como as partes realmente configuraram o negócio jurídico. Destacam Tipke e Lang (2008, p.

326) que ao Direito Tributário interessa o economicamente realizado, o “é” econômico.

É por essa razão que negócios jurídicos ineficazes ou nulos podem não obstante gerar

efeitos tributários, a despeito da sua ineficácia, porque podem manifestar capacidade

econômica. Negócios e atos simulados, por outro lado, não desencadeiam efeitos econômicos

ou fáticos e por isso são irrelevantes do ponto de vista tributário (não são realizados). Sendo

ocultado, através de um negócio simulado, um outro negócio jurídico, então o negócio

jurídico oculto é importante para o Direito Tributário. Ressaltam Tipke e Lang (2008, p. 328)

que o mesmo ocorre no Direito Civil, “que não quer de modo algum ter algo a ver com meras

roupagens”.

Para Tipke e Lang (2008, p. 329), o desdobramento do princípio de que para a

tributação segundo a capacidade contributiva interessa a apreensão do “econômico” resulta

nas seguintes conclusões:

a) se um negócio jurídico eficaz não é faticamente realizado, ele é irrelevante do ponto

de vista tributário;

b) considerando que interessa o “é” econômico, são irrelevantes do ponto de vista

tributário a pré-datação (inserção de uma data falsa) e a pré-vinculação (entrada em

vigor com retroatividade) de contratos. Ao tempo da pré-datação ou pré-vinculação

falta a realização econômica;

54

c) para a determinação do conteúdo do negócio jurídico, é importante “como” os

partícipes realizaram faticamente o negócio jurídico.

Entretanto, a interpretação de conceitos tributários específicos, como ressaltam Tipke

e Lang (2008, p. 64), exige que o aplicador do direito esclareça com precisão quais efeitos o

regramento civil desencadeia sobre o fato ou condição econômicos. É necessário, assim, que a

situação jurídico-civil seja precisamente averiguada:

Se, por exemplo, distribuição disfarçada de lucros em consequência de ofensa a uma proibição de concorrência pelo sócio controlador vem a ser presumida, então deve ser esclarecida previamente a existência jurídico-civil de uma tal proibição de concorrência (s. § 11 Rz. 71). Na determinação de rendimentos de uma co-empresariedade tem influência decisiva o direito societário porque o regramento jurídico-civil das responsabilidades (Rechtszuständigkeiten) também constitui a qualificação econômica dos acontecimentos (s. § 18 Rz. 16 ff.). Contudo, não pode o aplicador do direito na reincursão ao direito civil perder de vista a tarefa de interpretar uma lei tributária.

Quanto ao abuso de formas, Tipke e Lang (2008, p. 333) entendem que a elusão de

leis tributárias, mediante abuso de possibilidades de formas jurídicas, é uma subclasse da

elusão da lei. O destinatário da norma configura uma situação de fato de tal modo que uma

consequência jurídica desfavorável, que lhe caberia segundo o escopo da lei, não ocorre, ou

ele, contra o escopo da lei, provoca uma consequência jurídica favorável, tal como uma

subvenção ou vantagem fiscal.

Para os autores, o §42 do Código Tributário alemão visa a realizar o objetivo da lei

tributária e por isso a elusão fiscal deve ser revidada em primeiro lugar com os recursos da

interpretação teleológica e o aperfeiçoamento através de colmatação de lacunas da lei.

Ademais, nos Estados Unidos, por exemplo, a elusão fiscal é combatida sem norma sobre

elusão, com a pretoriana substance-over-form-doctrine.

Na visão dos autores, é desnecessária uma especificação legal da substance-over-form-

doctrine. O §42, nesse sentido, serve ao princípio da legalidade è a segurança do

planejamento tributário. O regramento sobre a elusão fiscal é regra jurídica “não-autônoma”,

na forma de uma norma auxiliar teleológica. Segundo Tipke e Lang (2008, p. 334), o §42

apoia a finalidade da norma típica legal tributária no direito positivo. Nas hipóteses desse

parágrafo, o sujeito passivo esquiva-se ao tipo legal de tal modo que os métodos de

interpretação e aperfeiçoamento jurídico não bastam para sujeitar o contribuinte a uma

imposição apropriada segundo a finalidade da lei.

55

A esfera de aplicação metódica do §42, portanto, é definida pela projeção de lícita

colmatação de lacunas24. Assim, quanto mais extensivamente for admitido o aperfeiçoamento

de leis tributárias, menor será a esfera de aplicação do §42 (TIPKE; LANG, 2008, p. 335).

No interesse do princípio da legalidade, esse parágrafo põe fim à polêmica sobre um

demasiado aperfeiçoamento extensivo de leis tributárias. Conforme Tipke e Lang (2008, p.

335), isso torna mais clara a consequência jurídica:

o §42 I 2 AO [Código Tributário alemão de 1977] combate a elusão fiscal com a ficção de uma adequada situação de fato: o aplicador do direito está autorizado a colocar no lugar da situação de fato verdadeira uma situação de fato ‘adequada aos acontecimentos econômicos’. Com isso distingue-se claramente o método do ponto de vista econômico normado no §42 AO do método de interpretação de deduzir da lei a consequência jurídica para a verdadeira situação de fato (itálicos dos autores).

Assim, para os autores, o §42, como preceito fundamental da elusão da lei, vige para o

“total Direito Tributário”, e não apenas para o Direito Obrigacional Tributário, mas também

para o Direito Processual Tributário, para normas de fim fiscal e normas de fim social,

inclusive subvenções.

Relatam Tipke e Lang (2008, p. 335) que o Tribunal Federal de Finanças entende que

o §42 do Código Tributário alemão também se aplica ao Direito Tributário internacional, com

os limites especiais dos tratados para evitar a dupla tributação.

Segundo o §42 I 1, não pode a lei tributária ser evitada por meio de “abuso de

possibilidades de configuração do direito”. Destacam os autores que a pacífica jurisprudência

do Tribunal Federal de Finanças entende que existe abuso de forma, no sentido do §42 I 1,

quando a forma jurídica escolhida é descabida, servirá à redução de tributos e não está

justificada por razões econômicas ou outras atendíveis. Esses elementos são cumulativos

(TIPKE; LANG, 2008, p. 336). A jurisprudência também entende como abuso de forma no

sentido do §42 I 1 a forma descabida utilizada para a realização de um preceito favorecedor.

Conforme Tipke e Lang (2008, p. 336),

O descabimento da forma jurídica tem em mira a redução de impostos através de esquivança a consequências fiscais mais onerosas ou realização delas favorecedoras. Sendo impostos minimizados através de forma jurídica adequada, não existe nenhuma elusão tributária. A minimização de impostos admitida pela lei deve ser tolerada.

24 Relata Palao Taboada (2009, p. 51) que, na visão de Tipke, enquanto na fraude à lei aplica-se a norma a um fato imponível fictício adequado aos fatos econômicos, na analogia, ao contrário, o que se finge é um suposto normativo similar ao estabelecido na lei, que o sujeito não realizou. Em outras palavras, na fraude à lei finge-se o fato imponível (concreto) e na analogia finge-se o pressuposto normativo.

56

Segundo Machado (1984, p. 16), Tipke considera supérflua a interpretação econômica.

Para esse autor alemão, todas as leis, inclusive as tributárias, devem ser interpretadas em

função de seu objetivo. Por isso se põe em plano a interpretação teleológica, em que o critério

econômico é reflexo do princípio fundamental da tributação fundada na capacidade

econômica do contribuinte. A só consideração de que o econômico está na raiz do Direito

Tributário e que toda interpretação jurídica há de ser teleológica torna dispensável uma regra

legal que imponha um critério ao seu intérprete.

2.3.8 Carlos Palao Taboada

Conforme Palao Taboada (2009, p. 35), a margem de liberdade do intérprete para

definir o alcance dos termos e expressões utilizados pela norma tributária é um problema

permanente na aplicação do Direito Tributário. Esse problema, na verdade, reflete a tensão

entre a lei e a realidade social.

Na visão do autor, há essa tensão porque frequentemente o intérprete considera que

determinados fatos, cuja inclusão no fato gerador (subsunção) é problemática, devem originar

o nascimento da obrigação tributária. Também pode ocorrer o problema inverso, ou seja, o

intérprete pode considerar que determinado fato que em princípio estaria compreendido no

pressuposto de fato normativo não deve originar a obrigação tributária. Conforme Palao

Taboada (2009, p. 36), trata-se dos clássicos exemplos do imposto sobre cachorros que não

exclui os cães-guia para cegos e do imposto sobre o consumo que não exclui os bens e

serviços de primeira necessidade.

Nesses casos, para se evitar o confronto com o princípio da capacidade econômica,

seria necessário reduzir o âmbito de aplicação do pressuposto de fato. Essa operação, segundo

Palao Taboada (2009, p. 36), é semelhante à operação realizada por meio da analogia. Em

ambos os casos (redução e extensão ou integração analógica) existe uma lacuna na norma,

oculta no primeiro caso e aberta no segundo.

A constatação da existência de uma lacuna não é um processo lógico, e sim valorativo.

Conforme Palao Taboada (2009, p. 36), chega-se à conclusão de que a lacuna existe mediante

a constatação da falta de uma norma ou de uma restrição a uma norma, de forma contrária ao

plano imanente da lei. O descobrimento da lacuna e a justificação da analogia, como adverte o

57

autor, compõem o mesmo processo de raciocínio, consistente na apreciação da “identidade de

razões” entre os casos.

A redução normativa empreendida pelo intérprete (Administração Tributária ou

Judiciário) não suscita maiores problemas, por se tratar de analogia in bonam partem, a qual,

conforme Palao Taboada (2009, p. 36), naturalmente não é questionada pelos interessados.

A analogia in malam partem, por outro lado, implica a extensão do fato gerador, ou

seja, o intérprete entende que um determinado fato deve ser tributado porque é análogo aos

contemplados na lei. Nos dizeres de Palao Taboada (2009, p. 36), considera-se que essa

tributação é justa porque o fato em exame revela a mesma capacidade contributiva que a lei

pretende atingir.

Esse problema está associado à tensão antes referida, a qual, conforme Palao Taboada

(2009, p. 36), também pode ser formulada como resultado da contraposição dos princípios da

legalidade e da capacidade contributiva ou deste último com o da segurança jurídica. Na visão

do autor, não há dúvida de que a segurança jurídica desapareceria, e com ela todo o Estado de

Direito, se o intérprete pudesse aplicar a lei como bem pretendesse. Mas também não há

dúvida, por outro lado, de que é insustentável uma interpretação grosseiramente literalista. O

problema, segundo o autor, é encontrar um equilíbrio entre os extremos.

Palao Taboada (2009, p. 177) chama de formalista a atitude que prioriza o texto da lei

em relação a outras considerações e de substancialista a atitude contrária. O problema da

elusão fiscal, na visão do autor, está no centro do debate entre os formalistas e os

substancialistas. O surgimento da teoria da interpretação econômica está diretamente

relacionado com a luta contra a elusão fiscal.

Destaca o autor que a abordagem do problema da elusão fiscal como um problema de

conflito entre forma e substância constitui uma das contribuições mais recentes sobre a

questão. Não é que as abordagens tradicionais desconhecessem o significado das

considerações substancialistas, presentes de forma destacada nas primeiras formulações da

doutrina da interpretação econômica. O que ocorreu, conforme Palao Taboada (2009, p. 178),

é que esse tipo de consideração foi ocultado pela doutrina posterior, por meio de um corte

dogmático. Por outro lado, na medida em que as atitudes frente à interpretação refletem

também pontos de vista filosóficos ou ideológicos, as novas abordagens25 facilitam a

25 Palao Taboada (2009, p. 178) cita como exemplo dessa forma de análise os trabalhos de Karsten Nevermann

(Justiz und Steuerumgehung. Ein kritischer Vergleich der Haltung der Dritten Gewalt zu kreativer steuerlicher Gestaltung in Grôabritannien und Deutschland, Duncker & Humblot, Berlin, 1994, na Alemanha, e de Godoi (2005), no Brasil.

58

introdução da análise de tais aspectos, mesmo que eles não constituam o seu objeto

fundamental26.

Na visão de Palao Taboada (2009, p. 38), as teorias sobre a interpretação da lei

tributária, tal como a teoria da interpretação econômica desenvolvida por Becker [193?], são,

na verdade, teorias sobre a qualificação dos fatos ou, como prefere o autor, sobre a

qualificação dos pressupostos de fato da realidade.

Segundo Palao Taboada (2009, p. 37), a qualificação não se distingue da subsunção,

pois somente é possível uma subsunção sem qualificação quando a hipótese normativa

(premissa maior) é definida em termos puramente fáticos. A subsunção, por sua vez,

pressupõe a interpretação (determinação da premissa maior) e a fixação dos fatos (o que

ocorreu na realidade). Com base em Engish, Palao Taboada (2009, p. 37) explica que essas

operações constituem uma operação dialética, um “ir e vir” entre a norma e o pressuposto de

fato da realidade.

Relata Palao Taboada (2004, p. 63) que o art. 23.127 da Lei Geral Tributária espanhola

de 1963 (LGT/63) visava a afastar a teoria da interpretação econômica acolhida na Alemanha

e na Itália, segundo a qual os termos utilizados pelas normas tributárias, especialmente os

termos técnicos, que têm seu significado determinado por outros ramos jurídicos, não devem

ser interpretados de acordo com esse significado jurídico, e sim com base na sua substância

ou no seu conteúdo econômico.

Na época da elaboração da LGT/63, segundo Palao Taboada (2004, p. 63), julgou-se

oportuna a inclusão de uma norma expressa que vedasse a interpretação econômica. Os que

redigiram a LGT/63, contudo, não tiveram em conta, conforme o autor, as profundas relações

entre a interpretação e a qualificação e tampouco o fato de que as doutrinas da interpretação

econômica são fundamentalmente doutrinas relativas à qualificação, cujo objetivo consiste na

luta contra a elusão fiscal. Por outro lado, conforme Palao Taboada (2004, p. 63), o art. 23.1

da LGT/63 permitia o afastamento de outras doutrinas sobre a interpretação das normas

tributárias, ainda mais antigas que a teoria da interpretação econômica, tal como a teoria da

26 Ressalta Palao Taboada (2009, p. 179) que a doutrina contrária ao combate à elusão fiscal tem raízes ideológicas

e políticas decorrentes de um liberalismo intransigente que afirma o predomínio da autonomia individual sem outros limites que não os que resultam do texto expresso da lei. Para o autor, o sucesso ou o fracasso de quaisquer técnicas de combate à elusão fiscal depende, antes que de sua qualidade técnica, de o intérprete compartilhar os mesmos critérios valorativos da norma.

27 “Art. 23. 1. As normas tributárias serão interpretadas com base nos critérios admitidos em Direito. 2. Se não estiverem definidos pelo ordenamento tributário, os termos empregados em suas normas serão

entendidos conforme o seu sentido jurídico, técnico ou usual, conforme o caso. 3. Não se admitirá a analogia para estender para além de seus estritos termos o âmbito do fato imponível ou das

isenções ou bonificações” (tradução livre).

59

interpretação restritiva do Direito Tributário com base no caráter excepcional e peculiar de

suas normas.

Na visão de Palao Taboada (2004, p. 63), a norma do art. 23.1 perdeu em boa parte (se

não totalmente) a sua finalidade inicial, mas por certo sobreviveu às reformas de 199528 (Lei

25/95) e de 2003 (Lei 58/2003) devido à sua origem como forma de afastamento da

interpretação econômica. Conforme o autor, no “Informe da Comissão para o Estudo e a

Proposta de Medidas para a Reforma da LGT”, de março de 2001, consta que ainda que a

norma do art. 23.1 seja óbvia, sua manutenção é conveniente para se evitar qualquer tentativa

de aplicação da interpretação econômica.

O item I do art. 1229 da LGT/2003 reflete o preceito do art. 23.1 da LGT/63, apenas

com a substituição da expressão “com base nos critérios admitidos em Direito” pela expressão

“com base no que dispõe o item I do art. 3º do Código Civil”. Segundo o autor, essa norma do

Código Civil espanhol constitui uma síntese dos critérios admitidos em Direito e por isso a

referida substituição de expressões não é relevante.

Na visão de Palao Taboada (2004, p. 64), menos justificativa ainda tem a reprodução,

pelo item 2 do art. 12 da LGT/2003, do item 2 do art. 23 da LGT/63, com a única e irrelevante

substituição do termo “ordenamento” pelo termo “legislação”.

O texto atual do art. 12.2, conforme o autor, determina que, se não forem definidos

pela legislação tributária, os termos empregados em suas normas serão entendidos conforme o

seu sentido jurídico, técnico ou usual.

Palao Taboada (2004, p. 64) destaca que a principal questão é saber quando se deve

adotar um ou outro sentido, sendo certo que essa decisão consiste precisamente no resultado

da interpretação, que há de ser feita, segundo o art. 12.1 da LGT/2003, de maneira exatamente

igual à de qualquer outro ramo jurídico. Por essa razão, entende o autor que a norma do art. 12

é supérflua.

28 Conforme Godoi (2005, p. 200), muitas das alterações implementadas pela Lei 25/1995 consistiram em uma

resposta às críticas doutrinárias acerca da anterior regulação da analogia, do procedimento de declaração à fraude à lei, da simulação, da qualificação dos fatos, etc.

29 “Art. 12. 1. As normas tributárias serão interpretadas com base no disposto no item 1 do art. 3º do Código Civil. 2. Se não estiverem definidos na legislação tributária, os termos empregados em suas normas serão entendidos

conforme o seu sentido jurídico, técnico ou usual, conforme o caso. 3. No âmbito das competências do Estado, a faculdade de adotar disposições interpretativas ou aclaratórias das

leis e demais normas tributárias compete de forma exclusiva ao Ministro da Fazenda. As disposições interpretativas ou aclaratórias serão de cumprimento obrigatório para todos os órgãos da Administração Tributária e serão publicadas no diário oficial correspondente” (tradução livre).

60

Sobre os critérios de qualificação, Palao Taboada (2004, p. 66) relata que o art. 1330 da

LGT/2003 corresponde substancialmente ao art. 28.231 da LGT/63. Essa norma originou-se da

reforma de 199532 (Lei 25/95) e substituiu a redação original da norma de qualificação

prevista no art. 25, a qual, na visão do autor, acolhia a doutrina da interpretação econômica:

Art. 25. 1. O imposto será exigido com base na verdadeira natureza jurídica ou econômica do fato imponível. 2. Quando o fato imponível consistir em ato ou negócio jurídico será qualificado conforme a sua verdadeira natureza jurídica, qualquer que seja a forma eleita ou a denominação utilizada pelos interessados, prescindindo dos defeitos intrínsecos ou de forma que poderiam afetar a sua validade. 3. Quando o fato imponível for delimitado com base em conceitos econômicos, o critério para qualificá-lo terá em conta as situações e relações econômicas que, efetivamente, existam ou sejam estabelecidas pelos interessados, com independência das formas jurídicas utilizadas.

Destaca Palao Taboada (2009, p. 58-59) que a redação original do antigo art. 25

outorgava à Administração Tributária uma liberdade exagerada para a qualificação dos fatos

imponíveis. Essa liberdade era absoluta se o fato imponível fosse delimitado com base em

conceitos econômicos, em cujo caso a Administração Tributária poderia prescindir por

completo das formas jurídicas e atender às situações e relações econômicas subjacentes. A

Administração Tributária, segundo o autor, também tinha ampla liberdade para qualificar o

fato gerador consistente em ato ou negócio jurídico com base na sua verdadeira natureza

jurídica.

Palao Taboada (2009, p. 59) considera que a distinção entre fatos geradores de

natureza jurídica e de natureza econômica é criticável não apenas por que todo fato imponível

definido em lei tem natureza jurídica, mas também por que os fatos imponíveis não são

delimitados atendendo-se exclusivamente a conceitos econômicos. Mesmo na definição de

fatos geradores de pura raiz econômica, tal como a renda, a legislação se vale constantemente

30 “Art. 13. As obrigações tributárias serão exigidas com base na natureza jurídica do fato, ato ou negócio

realizado, qualquer que seja a forma ou denominação que os interessados tenham adotado, e prescindindo dos defeitos que poderiam afetar sua validade” – tradução livre.

31 “Art. 28. 1. O fato imponível é o pressuposto de natureza jurídica ou econômica fixado pela lei para configurar cada tributo e cuja realização origina o nascimento da obrigação tributária.

2. O tributo será exigido com base na natureza jurídica do pressuposto de fato definido pela lei, qualquer que seja a forma ou denominação que os interessados lhe tenham atribuído, e prescindindo dos defeitos que poderiam afetar sua validade” – tradução livre.

32 Na visão de Godoi (2005, p. 203), a alteração do art. 25 (convertido no art. 28) foi uma das mais importantes da reforma de 1995 e refletiu a crítica quase unânime da doutrina espanhola. Na Exposição de Motivos foi registrado que o objetivo da Lei 25/1995 era eliminar os aspectos das normas sobre a interpretação da legislação tributária que pudessem afetar o princípio da segurança jurídica.

61

de conceitos jurídicos, tais como os de bem e imóvel, sociedade, propriedade intelectual,

seguro, título oneroso e gratuito, etc.

O art. 25 da LGT/63 permitia, enfim, que a Administração Tributária desconsiderasse

as formas jurídicas visando a alcançar a verdadeira natureza do fato imponível, a qual, no caso

dos fatos geradores jurídicos, corresponde à forma adequada às situações e relações

econômicas. Ressalta Palao Taboada (2009, p. 59) que essa consequência é exatamente a

mesma da fraude à lei e que por isso a utilização do art. 25 por vezes ultrapassou os limites da

qualificação. Ademais, como adverte Palao Taboada (2009, p. 59), não havia um

procedimento especial e nem a necessidade de se demonstrar a ocorrência dos pressupostos da

fraude à lei.

Conforme o autor, a nova redação da norma de qualificação, contida no art. 28.2 da

LGT/63 como resultado da reforma de 1995, reconduziu essa operação a seus justos limites,

que não são outros que os do negócio jurídico efetivamente realizado, de acordo com o ramo

jurídico correspondente. Não prevaleceram na redação do art. 28.2 da LGT dada pela reforma

de 1995, acertadamente, conforme Palao Taboada (2009, p. 60), a referência à “verdadeira

natureza” do fato imponível (que ia além da natureza jurídica) e a dupla qualificação em

função da natureza jurídica ou econômica do fato gerador.

Assim, segundo Palao Taboada (2004, p. 66), somente se poderá prescindir da

qualificação resultante da aplicação das normas de Direito Privado (ou de outros ramos

jurídicos) quando restar comprovado, com base nos métodos normais de interpretação, que o

negócio jurídico foi realizado em fraude à lei. Em outras palavras, o negócio jurídico que não

foi realizado em fraude à lei, conforme o autor, não pode ser submetido a uma imposição

tributária não prevista em lei, ainda que seu significado e seus efeitos econômicos coincidam

com os do negócio gravado.

Palao Taboada (2009, p. 61) reconhece que tanto na interpretação quanto na

qualificação não é vedado que se tome em consideração o significado econômico dos

negócios ou fatos realizados. Trata-se, conforme o autor, da versão atual e moderada das

antigas teorias da interpretação econômica. Segundo essa nova versão, a consideração dos

aspectos econômicos visa a atender ao aspecto teleológico da interpretação e por isso não

constitui qualquer especialidade do Direito Tributário.

Com base na obra de Combarros Villanueva (1984), Palao Taboada (2009, p. 61)

destaca que uma das funções dessa nova versão da interpretação econômica é justamente

identificar os casos em que os termos de Direito Privado foram utilizados pela lei tributária

62

em um sentido diverso do que lhes é atribuído em seu ramo de origem. A existência desse

sentido diverso, identificado na própria lei tributária, condiciona a qualificação dos fatos. Mas

se a lei não oferecer uma base adequada para se alcançar esse sentido diverso, prevalecerá,

conforme o autor, o sentido jurídico-privado do instituto utilizado na norma tributária. Em

outras palavras, tanto a interpretação quanto a qualificação estão sujeitas aos conceitos e

critérios contidos na lei e não podem alterar o sentido possível dos termos por ela

empregados.

Segundo Palao Taboada (2009, p. 38), a teoria da interpretação econômica, assim

entendida, coincide substancialmente com doutrinas geralmente aceitas em outras culturas

jurídicas, tal como a teoria da substance over form, segundo a qual, na aplicação das leis

tributárias, a substância (jurídica) dos atos e negócios deverá prevalecer sobre a sua forma.

Conclui o autor, assim, que a versão moderna da interpretação econômica é

plenamente aceitável, como entende a maior parte da doutrina espanhola, e que os limites da

integração normativa admitida por essa teoria encontram-se no “sentido possível das

palavras”. Além desse limite, conforme Palao Taboada (2009, p. 38), há a analogia, sobre a

qual falaremos na seção 4.

2.3.9 Síntese da versão equilibrada da interpretação econômica

A versão equilibrada da interpretação econômica reflete o consenso de que a norma

tributária não demanda nenhum critério especial de interpretação, de que não são admissíveis

quaisquer métodos a priori de interpretação e de que é tarefa do intérprete, em cada caso

concreto, resolver o problema do significado dos termos de Direito Privado utilizados pelo

Direito Tributário.

Também é presente nos autores integrantes da versão equilibrada da interpretação

econômica o entendimento de que os diversos critérios da interpretação jurídica, tal como o

critério econômico, visam a desvendar o espírito e a finalidade concreta da lei e de que a

interpretação se move entre o mínimo e o máximo sentido literal possível das palavras em seu

próprio contexto normativo. É constante a preocupação desses autores com a manutenção da

segurança jurídica (abalada pela versão original da interpretação econômica) e com o

afastamento de toda e qualquer tentativa do Judiciário de se imiscuir no papel do Legislativo.

63

De forma mais restrita, mas sem se afastar da versão equilibrada, Amatucci (1994)

defende que a interpretação econômica visa apenas a coibir determinadas formas de se evitar

o tributo que não configurem evasão ou infração (elusão fiscal), similar às técnicas do abuso

de direito e da fraude à lei. Vale dizer, se o contribuinte agir em fraude à lei, o intérprete

poderá avaliar e qualificar a realidade segundo uma visão adequada aos fatos, desvinculada

das formas jurídicas artificiosamente utilizadas pelo contribuinte.

A versão equilibrada da interpretação econômica, portanto, seja como critério de

interpretação teleológica, seja como forma de combate à elusão fiscal, demonstra a inequívoca

superação da presunção absoluta de que o legislador tributário, sempre que se refere a

institutos do Direito Privado, em verdade se refere à substância econômica subjacente à

formalização jurídica. A atual versão da interpretação econômica em nada se parece com a

versão desenvolvida no início do século passado na Itália e na Alemanha, e nada tem de

contrário à segurança jurídica.

2.4 Crítica da atual corrente formalista à interpretação econômica do Direito Tributário

Conforme demonstrado, na grande maioria dos países, há muito tempo o tributo

deixou de ser considerado algo odioso e passou a ser visto como um instrumento

indispensável à própria existência do Estado de Direito.

Parte da doutrina brasileira, contudo, continua vendo o tributo como algo a ser

meramente “tolerado”, algo que não traz consigo qualquer carga de justiça. Para essa corrente

doutrinária, a norma tributária é restritiva de direitos e por isso sua interpretação deve se dar

de forma literal (como se a interpretação literal fosse necessariamente restritiva). Para Ives

Gandra da Silva Martins (1998, p. 129), por exemplo, a norma tributária, por excelência, é

norma de rejeição social, pois a obrigação de recolher o tributo se sustenta na previsão da

sanção, e não em algum princípio de justiça subjacente à norma.

A doutrina formalista é refratária às teorias mais modernas da interpretação do Direito

Tributário que reconhecem que a interpretação jurídica é uma tarefa que não se pode cumprir

sem uma considerável “carga criativa”33 e sem que frequentemente entrem em ação

determinadas convicções do intérprete sobre “o que é e quais são” os fundamentos do Direito.

33 Cfr. Dworkin, 1995, p. 87-113.

64

Conforme Godoi (2010), os que consideram que o Direito existe principalmente para

assegurar a paz social e, intervindo o menos possível na vida privada dos cidadãos, garantir a

certeza e a previsibilidade nas relações entre os indivíduos, provavelmente interpretarão

muitas questões de forma diametralmente oposta à dos que entendem que o objetivo precípuo

do Direito é promover a justiça e dar a todos os cidadãos igualdade de oportunidades para

desenvolverem sua personalidade e seus talentos pessoais.

O mesmo ocorre com relação ao Direito Tributário. Como alerta Godoi (2010), se um

juiz considera que a principal função da forma atual de nosso Estado é, intervindo o menos

possível na ordem social, promover segurança e certeza jurídicas para que as pessoas físicas e

jurídicas possam exercer livremente sua autonomia privada desde que tal exercício não

prejudique a autonomia dos demais cidadãos, então sua concepção sobre o papel do tributo,

do sistema tributário e da própria interpretação do Direito Tributário será uma concepção bem

distinta da de um juiz que considere que o paradigma atual de Estado exige a transformação

das condições sociais de modo a que todos os cidadãos tenham uma liberdade o mais igual

possível no que diz respeito ao nível de participação na definição dos rumos políticos da

sociedade (autonomia pública) e uma igualdade equitativa de oportunidades para a busca e a

realização de seus projetos pessoais de vida (autonomia privada).

Isso não quer dizer que o ordenamento jurídico seja uma massa sem forma que possa

ser livremente moldada pelas mãos de intérpretes que não foram eleitos pelo povo. O

princípio democrático e a divisão dos poderes garantem que as decisões tomadas pelos

legisladores das diversas entidades federativas condicionem em grande medida as

interpretações que conformarão o conteúdo concreto das normas jurídicas do ordenamento.

Mas é uma ilusão pensar que o Direito já sai pronto dos corredores dos órgãos legislativos ou

dos gabinetes dos órgãos executivos. Como observa Dworkin (1995, p. 349-50), a história do

direito começa bem antes do momento canônico em que uma lei é sancionada ou um decreto é

assinado, e continua por muito tempo depois, pelo tempo necessário para que a realidade

social – de um lado – e a atividade valorativa dos intérpretes – de outro lado – conformem – e

depois voltem a alterar uma e outra vez – o conteúdo concreto de cada norma jurídica.

É necessário, portanto, que os aplicadores do direito conheçam profundamente os

condicionamentos históricos e culturais da experiência jurídica concreta vivida em

determinado país, as relações fático-sociais relevantes para determinada regulação jurídica e a

evolução jurisprudencial responsável por cristalizar o conteúdo das normas jurídicas.

65

A atual corrente formalista do Direito Tributário, contudo, é contrária até mesmo à

versão da interpretação econômica segundo a qual o Direito Tributário pode aplicar técnicas

jurídicas similares às do abuso de direito e da fraude à lei para coibir determinadas formas de

se evitar o tributo que não configurem propriamente evasão ou infração à lei. A interpretação

econômica do Direito Tributário é comumente considerada no sentido pejorativo da presunção

absoluta de que os conceitos de Direito Privado mencionados pela norma tributária têm

sempre um conteúdo distinto do conceito privado, ou no sentido de permitir ao intérprete a

livre investigação dos fatos a fim de aplicar o mesmo tratamento tributário a situações

economicamente semelhantes.

Segundo Godoi (2005, p. 115-116), essa corrente formalista do Direito Tributário,

presente em vários países e bastante influente no Brasil, Itália, Portugal, Bélgica e Espanha,

entende que a autonomia privada e a liberdade do indivíduo de fazer tudo o que a lei não

proíbe se expressa no campo tributário através do direito de criar e escolher as configurações

e formalizações negociais que impliquem menores custos tributários, ainda que as

formalizações sejam artificiosas e inadequadas. A segurança jurídica, o princípio da

legalidade e a proibição de tributação por analogia não permitiriam que tenham aplicação na

dinâmica da imposição tributária técnicas tais como a do abuso de direito e da fraude à lei,

figuras que, ademais, têm se desenvolvido no terreno privado e seriam dogmaticamente

incompatíveis com o contexto do Direito Tributário. O direito de buscar as vias negociais de

menor custo financeiro, segundo essa corrente doutrinária, já seria satisfatoriamente

delimitado pela figura tradicional da simulação, que coíbe a fuga do tributo mediante atos

fictícios que não correspondem ao real conteúdo volitivo da atuação dos contribuintes.

Adverte Godoi (2005, p. 85) que, ainda que por caminhos distintos dos adotados por

Becker [193?], a corrente formalista do Direito Tributário chega às mesmas conclusões da

versão original da interpretação econômica34: o conceito de elusão tributária é um equívoco

dogmático, pois ou o fato gerador se verifica e o contribuinte que foge da obrigação evade (e

não elude) o imposto ou o fato gerador não se verifica e o contribuinte que se utiliza de uma

via negocial não-usual, artificial ou manifestamente inadequada à consecução de seus

objetivos empíricos pratica simplesmente uma elisão lícita e, portanto, submetê-lo ao imposto

consistiria em exigir tributo por via analógica, o que ofenderia o Estado de Direito.

34 Ademais, ao contrário do que afirma a corrente formalista da interpretação do Direito Tributário, a versão

original da interpretação econômica, elaborada por Becker, não influenciou a sistematização da fraude à lei como ferramenta de combate da elusão tributária. Os autores adeptos dessa versão radical da interpretação econômica consideravam errôneo utilizar a fraude à lei como arma de combate da elusão tributária.

66

Destaca Godoi (2005, p. 85) que Jarach (1996) rechaça a aplicação da interpretação

econômica como forma de combate à fraude à lei e ao abuso de direito, uma vez que essa

teoria não é aplicável apenas para beneficiar o fisco. Conforme Tarsitano (2004, p. 87), a

aplicação da interpretação econômica defendida por Jarach (1996) independe da intenção do

contribuinte de evadir ou não o recolhimento do imposto.

Em sua obra Hecho Imponible, Jarach (1996, apud GODOI, 2005, p. 85) critica

fortemente as concepções do suíço Blumenstein segundo as quais a elusão fiscal propiciaria

ao aplicador do Direito Tributário uma relativa autonomia quanto às formas do Direito

Privado. Na visão de Blumenstein, relatada por Jarach (1996, apud GODOI, 2005, p. 85), as

situações de elusão se diferenciam das situações de pura evasão porque nas primeiras a forma

distorcida e artificial adotada pelo contribuinte justifica que sejam conferidos poderes mais

amplos ao aplicador do direito, enquanto que nas situações de pura evasão há uma frontal

violação da lei tributária.

Para a versão original da interpretação econômica, contudo, é supérflua a consideração

da elusão tributária como distinta dogmaticamente da evasão fiscal pura e simples. Conforme

Godoi (2005, p. 86), se se parte da premissa de que as normas que definem os fatos geradores

se referem como regra geral a realidades econômicas (mesmo que em sua formulação

linguística sejam utilizados conceitos e institutos jurídicos), o combate à elusão fiscal não é

diferente da correta interpretação da lei tributária. Por outro lado, destaca Godoi (2005, p. 86),

a configuração de efeitos tributários aos fatos, atos e negócios praticados pelos contribuintes

não ocorre apenas nos casos de elusão fiscal, pois segundo os pressupostos de Jarach (1996),

o aplicador da lei deve sempre indagar a intenção fática das partes.

Os autores formalistas, apesar de concordarem com os adeptos da versão original da

interpretação econômica quanto à impropriedade da aplicação desse método como forma de

combate à fraude à lei e ao abuso de direito, entendem que a melhor solução nesses casos é o

uso de cláusulas específicas antielusão, através das quais o legislador fecha as lacunas do

sistema tributário e impede que as elisões fiscais lícitas mais disseminadas se perpetuem

(GODOI, 2005, p. 117).

A primeira consequência de tal postura é rechaçar a possibilidade de os juízes

desenvolverem a técnica da fraude à lei ou do abuso de direito no terreno tributário a não ser

que haja expressa autorização do legislador nesse sentido, nos moldes do §42 do Código

Tributário alemão de 1977.

67

Relata Godoi (2005, p. 117) que há autores que vão mais longe e defendem não

somente que os juízes não podem aplicar doutrinas antielusão baseadas na fraude à lei ou no

abuso de direito se não houver disposição legislativa expressa, mas também que o próprio

legislador está inabilitado para instituir normas gerais antielusão, uma vez que estas são

contrárias a princípios constitucionais como o da segurança jurídica e o da reserva de lei.

Ainda que a opinião majoritária da doutrina e da jurisprudência na generalidade dos países35

seja a de que a Constituição não veda a introdução de normas gerais antielusão baseadas na

teoria da fraude à lei e do abuso de direito, há polêmicas principalmente sobre o possível

caráter analógico da operação daquelas normas gerais em países como Bélgica, Suécia e

Brasil.

A situação no Brasil é ainda mais grave. Conforme Godoi (2005, p. 118), os autores

formalistas sustentam que não somente uma norma geral antielusão baseada no abuso de

direito ou na fraude à lei seria inconstitucional, como também que uma norma geral antielusão

é tão pérfida e letal aos direitos inalienáveis e personalíssimos do cidadão que nem por

emenda ou reforma constitucional poderia ser validamente introduzida no Direito brasileiro.

Alberto Xavier (2001, p. 16), por exemplo, entende que há uma visceral

incompatibilidade entre as normas gerais anti-elisivas e a ordem constitucional brasileira,

por ofensa aos princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, garantias constitucionais da segurança jurídica, da separação de poderes e da liberdade de iniciativa, garantias estas que, por constituírem cláusulas pétreas, nem sequer podem ser objeto de deliberação em caso de emenda constitucional.

2.5 Síntese conclusiva

Na seção 2, procuramos demonstrar que a versão original da interpretação econômica

do Direito Tributário, representada pelas obras clássicas de Jarach (1996) e Becker [193?],

evoluiu para uma versão mais equilibrada, representada pelas obras de Vanoni (1932), Berliri

(1964), Hensel (2005), Giannini (1956), Combarros Villanueva (1984), Amatucci (1994),

Beisse (1984), Tipke e Lang (2008) e Palao Taboada (2009).

35 Johnson Barbosa Nogueira (1982, p. 37) afirma que a “doutrina da interpretação econômica não logrou maior

interesse na América do Norte, certamente pelo enfoque casuístico da interpretação judicial e pela aceitação unânime da atividade valorativa do juiz em torno das circunstâncias do caso”.

68

Segundo a versão original, calcada na autonomia do Direito Tributário e decorrente da

teoria causal ou finalista da obrigação tributária (capacidade contributiva como causa, e não

como fundamento da obrigação tributária), a lei tributária deve sempre ser interpretada com

base na realidade econômica subjacente, sendo irrelevantes as respectivas formalizações

jurídicas.

Essa versão deve ser compreendida dentro do seu contexto histórico, de superação da

Jurisprudência dos Conceitos pela Jurisprudência dos Interesses. No contexto do início do

século XX, os princípios da segurança jurídica e da certeza do direito eram muito menos

valorizados do que o recolhimento de tributos conforme a igualdade e a capacidade

contributiva.

Não obstante a agressão à segurança jurídica, a qual acabou sendo confirmada pela

jurisprudência alemã capitaneada pelo próprio Becker, essa versão da interpretação

econômica foi de suma importância para que o Direito Tributário se desvencilhasse do apego

extremo às formas de Direito Privado. A teoria da interpretação econômica representou uma

quebra do paradigma de que a lei tributária deve ser sempre interpretada com total apego às

formas jurídicas por ela empregadas.

Foi então natural, no contexto do início do século XX, que a versão original da

interpretação econômica, cuja premissa era a primazia do conteúdo econômico sobre a forma

jurídica, tenha cometido certos exageros (a premissa deixou de ser a prevalência do Direito

Privado sobre o Direito Tributário e passou a ser a inversa, qual seja, a prevalência do Direito

Tributário sobre o Direito Privado), até encontrar o seu ponto de equilíbrio no ordenamento

jurídico. Esse equilíbrio consiste no adequado grau de tensão entre o princípio da segurança

jurídica e os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Se antes da teoria da

interpretação econômica a segurança jurídica e a certeza do direito tinham primazia sobre a

igualdade e a capacidade contributiva, após o surgimento dessa teoria a igualdade e a

capacidade contributiva passaram a ser mais valorizadas que a segurança jurídica e a certeza

do direito. O ponto de equilíbrio da teoria da interpretação econômica é justamente a

adequada convivência entre esses princípios, ou seja, entre o princípio da segurança jurídica e

os princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

A busca desse equilíbrio, como forma de combate aos excessos da versão original da

interpretação econômica, deu origem à versão atual dessa teoria, a qual considera a

interpretação econômica como espécie de interpretação teleológica ou como forma de

combate à elusão fiscal.

69

A versão equilibrada, a nosso ver, corrigiu acertadamente a versão original da

interpretação econômica, com a devida consideração tanto ao princípio da segurança jurídica

quanto aos princípios da legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva.

Na seção 2 também procuramos demonstrar que a versão equilibrada da interpretação

econômica sugere adicionalmente que, no silêncio da lei, o instituto de Direito Privado

utilizado pela lei tributária seja interpretado conforme o sentido que possui em seu ramo de

origem. Escolhemos Combarros Villanueva (1984) e Amatucci (1994) para ilustrar o

pensamento dessa corrente doutrinária, a qual se faz presente na maioria dos países.

Escolhemos Beisse (1984) para demonstrar a linha doutrinária que advoga o entendimento

oposto, de prevalência do significado econômico do fato gerador na ausência de previsão

expressa na lei tributária.

Em nossa opinião, o silêncio da lei não deve ser interpretado em nenhum dos dois

sentidos sustentados por Combarros Villanueva (1984), Amatucci (1994) e Beisse (1984). A

adoção de uma dessas premissas, no silêncio da lei, significa a adoção de um método a priori

de interpretação, que impõe um resultado ao intérprete e inibe a sua liberdade investigativa.

A nosso ver, se não houver expressa previsão legal em um ou outro sentido, a norma e

o fato deverão ser submetidos aos processos normais de interpretação e qualificação, visando

a identificar se a lei tributária empregou determinado instituto de Direito Privado objetivando

a sua forma jurídica ou o seu significado econômico. Estamos com Tipke e Lang (2008) e

Palao Taboada (2009), portanto, quanto à impossibilidade de se conferir uma resposta a priori

ao problema da prevalência ou não dos conceitos de Direito Privado na interpretação da

norma tributária.

Conforme Godoi (2005), a cuja posição aderimos, é a aplicação dos critérios normais

da hermenêutica em cada caso concreto (fixando-se o mais restritivo e o mais extensivo

sentido literal possível e decidindo-se entre eles – ou entre as diversas gradações entre eles –

mediante a aplicação dos critérios lógico-sistemático, histórico e teleológico – Larenz, 1994,

p. 316 et seq.) que poderá verificar, no contexto específico de uma norma tributária concreta,

se a menção a formas e institutos do Direito Privado tem uma função exemplificativa –

auxiliar – ou uma função exaustiva. O acatamento da lei tributária ao sentido originário dos

termos de outros ramos jurídicos (notadamente do Direito Privado) deve ser não a premissa, e

sim a conclusão de um processo normal de interpretação. A prevalência de um conceito

distinto do Direito Privado poderá ser a conclusão de um processo interpretativo que levará

70

em conta a teleologia concreta da legislação tributária, mas nunca uma premissa abstrata

calcada na teoria causalista do tributo.

Tampouco concordamos com a corrente formalista que considera que os atos de elusão

tributária somente podem ser combatidos mediante o fechamento das lacunas legislativas, e

não por meio da interpretação e da qualificação das normas e fatos. Essa corrente, muito forte

no Brasil, implica a volta do formalismo exacerbado existente no período anterior ao

surgimento da versão original da interpretação econômica do Direito Tributário.

71

3 A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA E A DOUTRINA BRASILEIRA DO DIREITO

TRIBUTÁRIO

Atualmente, a maior parte da doutrina brasileira se filia à corrente formalista do

Direito Tributário e repudia até mesmo a versão equilibrada da interpretação econômica como

forma de combate à fraude à lei ou ao abuso de direito. Segundo essa vertente da versão

equilibrada da interpretação econômica, nos casos de elusão fiscal o intérprete está autorizado

a considerar a substância econômica dos atos e negócios jurídicos praticados pelo

contribuinte, com abstração das formas jurídicas artificiosas e inadequadas.

Essa parte ainda majoritária da doutrina brasileira continua enxergando o tributo como

algo odioso e agressivo ao patrimônio do contribuinte (ainda que isso não seja assumido

claramente pelos autores) e atribui ao princípio da legalidade tributária um peso muito maior

que o atribuído aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. A norma tributária,

segundo essa corrente, é uma norma de rejeição social, como se entre cidadãos e Estado

houvesse uma oposição absoluta, e por isso deve ser interpretada restritivamente.

Segundo Martins (1998, p. 129), a norma tributária, por excelência, é norma de

rejeição social, pois a obrigação de recolher o tributo se sustenta na previsão da sanção, e não

em algum princípio de justiça subjacente à norma. Para o autor, a tese do caráter odioso do

tributo foi superada apenas na doutrina, não tendo havido qualquer alteração na realidade

prática. O caráter odioso do tributo é reforçado, segundo Martins (1988, p. 129), pelo fato de

os tributos sistematicamente não se destinarem às necessidade do Estado, servindo na verdade

aos interesses privados dos detentores do poder, mesmo que tais interesses sejam rotulados de

interesses públicos.

A interpretação econômica é comumente associada ao nazismo, como se depreende

das obras de Becker (2004, p. 139) e Xavier (2001, p. 46), e a sua supressão do Código

Tributário alemão de 1977 é interpretada como a confirmação de que essa teoria foi banida do

Direito Tributário.

A corrente formalista não atenta para o fato de que a teoria de Becker foi introduzida

no Direito Tributário em 1919 (§4º do Código Tributário alemão), ou seja, muito antes da

instauração do regime nazista, o qual, em verdade, incorporou ou colonizou inúmeros outros

institutos e idéias jurídicas preexistentes.

72

Essa parte da doutrina brasileira tampouco percebe que a interpretação econômica em

sua versão original não era necessariamente favorável ao fisco e que muitos tributaristas

alemães reconhecem a legitimidade desse método mesmo que ele não esteja expressamente

previsto no Código Tributário de 1977. Além disso, o §5º do Código de 1919, que trata do

abuso de direito (versão equilibrada da interpretação econômica como forma de combate à

elusão fiscal), corresponde ao §42 do Código de 1977 e continua em pleno vigor.

Em outras palavras, ao contrário do que alega a doutrina formalista, o Código

Tributário alemão de 1919 (que nada tem de autoritário) já continha a norma que combatia

determinadas operações mediante o conceito de “abuso das possibilidades de configuração

jurídica que oferece o direito”. Muito depois de terminado o regime nazista, o Código

Tributário Alemão de 1977 continua a prever a regra (vigente) contra a fraude à lei tributária

em seu §42 (versão equilibrada da interpretação econômica como forma de combate à elusão

fiscal). Portanto, conforme Godoi (2005, p. 136-144), não é correto citar a redação dada pelo

governo nazista ao texto dessa norma em 1934 como uma prova ou um indício da sua

inspiração autoritária.

Ademais, os parágrafos 4.º e 5.º do Código Tributário alemão de 1919 (transformados

em 1931 nos parágrafos 9.º e 10) são considerados os precursores da ciência contemporânea

do Direito Tributário, marcando, conforme James Marins (2002, p. 17)36, a transição da

relação tributária, "que de 'relação de poder' passou a ser vislumbrada como ‘relação

jurídica’”.

É interessante notar que não obstante o interesse dos autores formalistas em

contextualizar o período de surgimento da interpretação econômica, suas abordagens

preocupam-se apenas em associar essa teoria ao nazismo. E como o §4º é de 1919, tais

autores também se preocupam em justificar de que maneira uma norma de 1919 pode ser

atribuída ao regime nazista. Também é preocupação constante dessa parte da doutrina explicar

o significado do §1º da Lei de Adaptação Tributária, de 1934, que reproduziu o conteúdo do

§4º do Código de 1919, mas acrescentou que, na interpretação da lei se havia de considerar “a

visão do nacional-socialismo e a opinião do povo”. Para essa corrente, a Lei de Adaptação

Tributária foi a consagração da interpretação econômica pelo nazismo.

36 Não obstante, James Marins (2002, p. 91) se filia à corrente formalista do Direito Tributário e entende que a

propriedade e a liberdade estão no eixo central dos valores constitucionais. Na visão do autor, a “agressão” configurada pelo tributo confere um relevo mais elevado aos princípios da reserva absoluta de lei, estrita legalidade e tipicidade.

73

Mas os autores formalistas não se preocupam em explicar o contexto histórico vivido

pela Alemanha quando Becker foi chamado a elaborar o primeiro Código Tributário daquele

país. Tampouco se preocupam em demonstrar a crise da Jurisprudência dos Conceitos e sua

necessária superação pela Jurisprudência dos Interesses, bem como a relação dessa mudança

de paradigma com a discussão acerca da autonomia do Direito Tributário em relação ao

Direito Privado. Todas essas alterações teóricas e a crise financeira posterior à Primeira

Guerra Mundial realmente estavam ocorrendo em 1919, mas mesmo assim os autores

formalistas preocupam-se apenas em vincular a interpretação econômica ao nazismo.

Alfredo Augusto Becker (2004), Alberto Xavier (2001), Paulo de Barros Carvalho

(1975) e Ives Gandra da Silva Martins (1998) estão entre os maiores defensores da doutrina

formalista do Direito Tributário.

Ricardo Lobo Torres (2000), Marco Aurélio Greco (2004) e Marciano Seabra de

Godoi (2005) são expoentes da doutrina oposta, contrária ao caráter excessivamente

formalista do Direito Tributário. Johnson Barbosa Nogueira (1982), autor de uma monografia

sobre a interpretação econômica, também se insere na corrente antiformalista do Direito

Tributário.

Sacha Calmon Navarro Coêlho e Misabel Abreu Machado Derzi (2003), não obstante

suas manifestações contrárias à versão equilibrada da interpretação econômica, ocupam uma

posição intermediária entre essas duas correntes.

Antes de analisar a posição desses autores, contudo, julgamos importante demonstrar a

posição dos primeiros estudiosos do Direito Tributário no Brasil, os quais não repudiavam a

interpretação econômica e não eram apegados ao formalismo jurídico. Rubens Gomes de

Sousa (1975a), Amílcar de Araújo Falcão (1987), Geraldo Ataliba (1975), Ruy Barbosa

Nogueira (1974), Aliomar Baleeiro (1975), Antônio Roberto Sampaio Dória (1971), Carlos da

Rocha Guimarães (1947) e José Eduardo Monteiro de Barros (1975) são expoentes dessa

doutrina antiformalista. Gilberto de Ulhôa Canto (1967), contudo, filia-se à doutrina

formalista do Direito Tributário.

74

3.1 A posição dos primeiros estudiosos do Direito Tributário no Brasil

Rubens Gomes de Sousa (1975a, p. 79-80) propõe em seu Compêndio de Legislação

Tributária (1.ª edição de 1952) um modelo de “interpretação moderna do Direito Tributário”

que a nosso ver reúne as mesmas características da versão original da interpretação

econômica.

O autor rechaça tanto a visão “apriorística”, que impunha uma solução predeterminada

para todos os casos, sem atentar para as circunstâncias particulares de cada um, quanto a visão

“literal ou estrita”, ligada à concepção do Direito Tributário como sendo um direito

excepcional e que por isso deveria ser interpretado segundo o sentido rigoroso das palavras,

somente sendo permitido ao Estado exigir os tributos que estivessem expressamente previstos

na lei.

Sousa (1975a, p. 77-78) destaca que a interpretação literal ou estrita tem ainda o

inconveniente de induzir o legislador a elaborar leis casuísticas, que procurem prever e

regular minuciosamente todas as hipóteses possíveis. Como bem observa o autor, esse método

torna excessivamente rígido o sistema jurídico, embaraçando a evolução e o progresso.

Ademais, a lei que pretenda regular todas as hipóteses possíveis precisa ser sempre

modificada e adaptada, o que torna a sua compreensão e aplicação confusas e difíceis.

Ressalta Sousa (1975a, p. 78) que a teoria da interpretação literal ou estrita, inspirada

originalmente no liberalismo, acabou alcançando o resultado oposto, sendo característica de

governos autoritários. O principal defeito dessa teoria, contudo, na visão do autor, é o de

repousar sobre uma base cientificamente equivocada, a de que o Direito Tributário é um

direito excepcional. E arremata:

Não obstante isso, ainda hoje se encontram na jurisprudência decisões no sentido de que as leis tributárias devem receber interpretação literal ou estrita (SOUSA, 1975a, p. 78)

Sousa (1975a, p. 78-80) defende que o Direito Tributário deve ser interpretado com

base em todos os métodos ou processos de raciocínio que conduzam à realização prática

integral das finalidades que a lei se destina a alcançar. Essa “interpretação moderna do Direito

Tributário” consiste na interpretação teleológica da lei tributária e deve obedecer aos

seguintes princípios, que confirmam a filiação do autor à hoje superada versão original da

interpretação econômica:

75

a) tendo em vista que a finalidade da lei tributária é a obtenção de receita para o

Estado (posição criticável hoje em dia), podem ser adotados todos os métodos que

conduzam à realização integral dessa finalidade;

b) os atos, fatos e negócios previstos na lei tributária devem ser interpretados de

acordo com os seus efeitos econômicos e não de acordo com a sua forma jurídica;

“este é o princípio básico e dele decorrem os restantes” (SOUSA, 1975a, p. 79);

c) os efeitos tributários dos atos, fatos e negócios jurídicos são os que decorrem da lei

tributária e não podem ser alterados pela vontade das partes, ao contrário do que

ocorre no Direito Privado, em que as partes em certos casos podem modificar os

efeitos jurídicos dos atos, contratos ou negócios, mudando-lhes a forma sem lhes

alterar a substância;

d) por conseguinte, os atos, fatos e negócios jurídicos cujos efeitos econômicos sejam

idênticos devem produzir efeitos tributários também idênticos, embora as partes

lhes tenham atribuído formas jurídicas diferentes;

e) por fim, a circunstância de um ato, contrato ou negócio ser juridicamente nulo, ou

mesmo ilícito, não impede que ele seja tributado, desde que tenha produzido efeitos

econômicos. A lei fiscal tributa uma determinada situação econômica, e, portanto,

desde que esta se verifique, é devido o imposto, pouco importando as circunstâncias

jurídicas em que se tenha verificado.

Amílcar de Araújo Falcão, em sua primeira obra, publicada originalmente em 1959,

apoiou a versão original da interpretação econômica do Direito Tributário, na mesma linha de

Gomes de Souza. Segundo Falcão (1987, p. 68), a referência da lei tributária aos atos

negociais é feita, sempre, à relação econômica subjacente, no sentido de que os fatos,

circunstâncias ou acontecimentos indicados no fato gerador são “sempre considerados pelo

seu conteúdo econômico”, interessando ao Direito Tributário somente a vontade empírica, ou

seja, a intentio facti37:

Motivos de conveniência, de utilidade, o interesse de dar maior concisão e simplicidade ao texto podem levar o legislador, quando for o caso, a reportar-se à fórmula léxica através da qual aquela relação econômica vem sempre traduzida em

37 Em sua obra de 1964, Ataliba apoia quase que integralmente o pensamento defendido por Falcão (1987), a ele

fazendo referência expressa em várias passagens de seu livro. Conforme Godoi (2010), contudo, a afirmação de Ataliba (1964, p. 36) de que quando o Direito Tributário se refere a institutos de outros ramos “importa considerá-los [esses institutos] com o sentido que possuem originalmente [nesses outros ramos], salvo expressa exclusão dessa responsabilidade, pela própria lei tributária”, é claramente oposta ao pensamento de Falcão (1987).

76

direito. Trata-se, porém, de uma fórmula elíptica, empregada brevitatis ou utilitatis causa. O que interessa ao Direito Tributário é a relação econômica. Um mesmo fenômeno da vida pode apresentar aspectos diversos, conforme o modo de encará-lo e a finalidade que, ao considerá-lo, se tem em vista. Assim, em direito civil, interessam os efeitos dos atos e as condições de validade exigidas para a sua constituição ou formação. A conformação externa ao ato, pois, é que importa particularmente. Ao Direito Tributário só diz respeito a relação econômica a que esse ato deu lugar, exprimindo, assim, a condição necessária para que um indivíduo possa contribuir, de modo que, já agora, o que sobreleva é o movimento de riqueza, a substância ou essência do ato, seja qual for a sua forma externa.

Para Falcão (1987, p. 68), a interpretação econômica é fundamental para o

desenvolvimento e a aplicação dos princípios da generalidade, da capacidade contributiva e da

igualdade. Mas tais princípios não implicam a possibilidade de o intérprete corrigir eventuais

erros e omissões da lei. O que a interpretação econômica permite e recomenda, nos dizeres de

Falcão (1987, p. 70), é que o intérprete confira à lei a inteligência que melhor se compatibilize

com os referidos princípios. Não há nisso, na visão do autor, nenhuma violência contra a

norma legal, e sim a atuação de seu comando em toda a plenitude.

Falcão (1987, p. 66) reconhece que a aplicação conferida pela Corte Suprema

Financeira do Reich à interpretação econômica (em sua versão original) chegou às raias da

Escola da Livre Investigação do Direito. Chegou-se a falar, conforme Falcão (1987, p. 66),

em interpretatio abrogans, ou seja, na autorização do intérprete para superar a norma legal e

conferir-lhe um sentido que corrigisse eventuais desrespeitos aos ditames da justiça.

Mas, para Falcão (1987, p. 66), não há nem interpretatio abrogans, nem tem o

intérprete uma função corretora da lei tributária. A interpretação econômica, na visão do

autor, é uma simples técnica especial do Direito Tributário, como ocorre em outras disciplinas

jurídicas, quanto ao modo de considerar os fenômenos, fatos ou situações relevantes para a

tributação, e de pesquisar-lhes o conteúdo. A tributação sempre decorre da lei, mas o que se

quer, nas palavras de Falcão (1987, p. 73), “[...] é que não fique reconhecida à imaginação

fértil do contribuinte a faculdade de decidir do modo e do montante pelos quais serão pagos

os tributos”.

Não obstante sua clara filiação à versão original da interpretação econômica, Falcão

(1976) cita frequentemente os autores que criticaram essa teoria, tal como Berliri (1964).

Segundo o nosso entendimento, Falcão (1976) não apreendeu a crítica desses autores à versão

original da interpretação econômica. Tampouco percebeu que a sua versão da interpretação

econômica era justamente a versão que levou a Corte Suprema Financeira do Reich às raias da

Escola da Livre Investigação do Direito. Ou seja, Falcão (1976), nessa primeira obra, entende

77

que a interpretação econômica (em sua versão original) não representa qualquer risco à

legalidade e à segurança jurídica, mas de forma contraditória defende a aplicação do mesmo

método que segundo ele próprio levou a Corte Suprema Financeira do Reich às raias da

Escola da Livre Investigação do Direito.

Em obra posterior publicada em 1964, Falcão (1987, p. 49 e 74-75) abandona a versão

original da interpretação econômica para filiar-se à versão equilibrada que defende a

aplicação da interpretação econômica apenas nos casos de fraude à lei ou abuso de direito.

Veja-se a seguinte passagem:

Depurada de excessos e impropriedades, que se encontram em certos autores, a chamada interpretação econômica da lei tributária consiste, em última análise, em dar-se à lei, na sua aplicação às hipóteses concretas, inteligência tal que não permita ao contribuinte manipular a forma jurídica para, resguardando o resultado econômico visado, obter um menor pagamento ou o não pagamento de determinado tributo. [...] Em resumo do que vem sendo dito, temos que, para admitir-se o emprego do chamado método da interpretação econômica, é preciso que se esteja em presença de uma evasão tributária em sentido estrito (Steuerumgehung), ou seja, da adoção de uma forma jurídica anormal, atípica e inadequada, embora permitida pelo direito privado, para a consecução do resultado econômico que se tenha em vista concretizar. Não basta, pois, qualquer vantagem fiscal, cuja concretização é possível e lícita, no caso de economia fiscal (Steuereinsparung): é indispensável a atipicidade ou anormalidade da forma cuja utilização só se explique pela intenção de evadir o tributo. Mas não é só. É evidente que a interpretação econômica só se admitirá, em cada caso concreto, para corrigir situações anormais artificiosamente criadas pelo contribuinte. Por outras palavras, através dela não se pode chegar ao resultado de, na generalidade dos casos, alterar ou modificar, por considerações subjetivas que o intérprete ou o aplicador desenvolvam no que respeita à justiça fiscal, um conceito adotado, pelo legislador. É a isso que se faz alusão quando se assevera que a interpretação econômica não pode ter o efeito de uma “interpretação abrogans”.

Falcão (1987, p. 50-51) faz questão de ressaltar que o método da interpretação

econômica, tal como já havia sido registrado em sua obra anterior, é perfeitamente adequado

ao princípio da legalidade tributária:

Tem sido asseverado, com propriedade, que ao invés de contrapor-se àquele postulado da reserva da lei, o método em cogitação é dele uma consequência. Assim o afirmamos nós, em trabalho anterior: “Verdadeiramente, o que aí existe é a recíproca do dever de legalidade a que está sujeita a própria administração: se o esquema legal da tributação é vinculante para o Estado, não há por que deixar de sê-lo para o contribuinte. Há uma decisão da Corte Suprema norte-americana em que isso é dito de forma magistral: ‘To hold otherwise would permit the schemes of taxpayers to supersede the legislation in the determination of time and manner of taxation’”.

78

Geraldo Ataliba (1975, p. 193, 197) também se manifestou pela aplicação da

interpretação econômica apenas nos casos de fraude à lei ou abuso de direito, na esteira da

segunda obra de Falcão (1987):

A interpretação é jurídica, mas, sustentamos que a “assim chamada” interpretação econômica – aquela que prestigia o conteúdo econômico, acima da forma – só tem cabimento (estamos com Amílcar Falcão) quando se trata de fraude ou de manifesto abuso de forma, em particular. Daí sim, o fisco não pode assistir àquilo indiferente, porque há um princípio constitucional, lembrado pelo Prof. Monteiro de Barros, da igualdade de todos. Ora, se duas pessoas estão em igual situação e uma delas abusa de formas jurídicas de direito privado para subtrair-se à tributação, o Estado tem o dever de assegurar a plenitude do princípio da igualdade, recorrendo à “chamada” interpretação econômica, para tributar aquele fato. [...] Poder-se-ia adotar como conclusão: Interpretação é sempre jurídica. A chamada interpretação econômica é válida como recurso subsidiário, em geral, e como recurso principal para repressão da fraude e abuso de forma.

Ruy Barbosa Nogueira escreveu em 1963 uma obra específica sobre a interpretação da

norma tributária, na qual rechaça tanto a tendência de “resolver questões tributárias por meio

de puras concepções de Direito Privado” (1974, p. 50-51), quanto as concepções mais radicais

da interpretação econômica (a versão original dessa teoria).

Segundo Nogueira (1974, p. 55), é o exame de cada norma em concreto que revelará

se a norma tributária se refere a um instituto “de pura estrutura de Direito Privado”, de

“estrutura mista, isto é, alterada pelo Direito Tributário” ou ainda de “exclusiva estrutura de

Direito Tributário”.

Ao contrário de Falcão (1987), contudo, que não tinha dúvida de que a vedação do

“abuso de formas” era plenamente aplicável no Direito Tributário brasileiro, Nogueira não se

manifestou de forma definitiva sobre essa questão. Após citar a doutrina que separa a elisão

legítima (sem abuso de formas) da evasão mediante abuso, Nogueira (1974, p. 70) afirma que

“no Brasil a legislação sobre este tema é ainda incipiente”, ressaltando “a delicadeza do

problema entre nós, quando se pretenda afastar a forma jurídica apenas através da chamada

interpretação do conteúdo econômico [...], pois no Brasil, por força da Constituição, o

imposto só pode ser criado por lei”.

Conforme Godoi (2010), não se sabe ao certo se Nogueira (1974) faz referência à

versão original (chamada por Godoi de versão radical) ou à versão equilibrada (chamada por

Godoi de versão matizada) da interpretação econômica. Conclui Godoi (2010) que como a

obra posterior do autor, de 1994, não traz ressalvas à aplicação da doutrina do abuso de

formas no Brasil, talvez a “delicadeza do problema” (mencionada em sua obra de 1963) diga

respeito à versão original da interpretação econômica, à maneira de Becker.

79

Aliomar Baleeiro (1999, p. 689) também reconhece que o Direito Tributário pode

atribuir efeitos diversos aos conceitos de Direito Privado, desde que o faça de forma expressa.

O autor entende que o art. 110 do CTN proclamou o primado do Direito Privado nos casos em

que a Constituição utiliza seus conceitos para definir competências tributárias. A contrario

sensu, segundo Baleeiro (1999, p. 689), tal primado não existe se os conceitos emanam de

outras leis ordinárias.

Para Baleeiro (1999, p. 688-689), embora o CTN não trate expressamente da

interpretação econômica, essa teoria está subjacente nas preocupações do seu texto, até pelo

fato de ser um dos suportes lógicos da autonomia do Direito Tributário. Para o autor, portanto,

o CTN se apresenta tímido quanto à interpretação econômica. O CTN apenas insinua esse

método, sem erigi-lo em princípio básico e proclamando, pelo contrário, o primado do Direito

Privado quanto à definição, ao conteúdo e ao alcance dos institutos, conceitos e formas deste

ramo jurídico, quanto utilizados pela Constituição.

Para Antônio Roberto Sampaio Dória (1971, p. 59), a versão original da interpretação

econômica, ao autorizar o abandono do texto legal em prol da aplicação de diretrizes

econômicas, implica a inovação do direito escrito e a consequente ofensa ao princípio da

legalidade. Por essa razão, Dória (1971, p. 60-61) entende que o Direito brasileiro, por sua

notória inclinação legalista, é infenso à versão original da interpretação econômica, a qual é

por ele equiparada à Escola da Livre Investigação do Direito. Em primeiro lugar, porque o

cânone da estrita legalidade tem natureza constitucional. Conforme Dória (1971, p. 60), se a

Constituição prefere a terminologia jurídico-formal à indicação do conteúdo econômico, não

cabe ao intérprete inverter essa prioridade. Em segundo lugar, porque não existe na legislação

ordinária brasileira um preceito equivalente ao do §4º do Código Tributário alemão de 1919.

Para o autor, o único dispositivo cuja inspiração pode ser atribuída à doutrina alemã da

interpretação econômica é o art. 109 do CTN, que visa a implementar a regra geral do art. 110

do mesmo Código. Na visão de Dória (1971, p. 62), diante dos arts. 109 e 110 do CTN, é

inegável que o legislador brasileiro teve como pressuposto duas considerações fundamentais:

a) a lei tributária visa principalmente ao conteúdo econômico dos fatos geradores, e

não à sua exteriorização formal;

b) o Direito Tributário, sendo autônomo, pode alterar as categorias de Direito Privado

visando a uma atuação mais eficaz das suas normas.

Entende Dória (1971, p. 62), assim, que o legislador brasileiro aceitou as premissas da

interpretação econômica adotadas pelo Código Tributário alemão, opondo, entretanto, sérias

80

restrições às suas consequências. A reserva principal, segundo Dória (1971, p. 62), diz

respeito à idêntica tributação de situações econômicas análogas, a qual deve sempre partir do

legislador, e nunca do aplicador da lei.

Mas aparte essa limitação, as virtudes da interpretação econômica podem ser aplicadas

da seguinte forma no Direito brasileiro, conforme Dória (1971, p. 63):

a) lei tributária pode expressamente alterar a definição, o conteúdo e o alcance de

institutos, conceitos e formas de Direito Privado (art. 109 do CTN), salvo se

utilizados em normas constitucionais para definir ou limitar competências

tributárias (art. 110 do CTN);

b) havendo equivalência de conceituação formal e sendo uma das categorias jurídicas

formais erigida como o protótipo legal da tributação, os efeitos tributários são

idênticos (compra e venda e troca, por exemplo); o mesmo ocorrerá se houver

equivalência de conteúdo econômico e tal conteúdo tiver sido expressamente

adotado como pressuposto de incidência legal (renda e circulação de riqueza, por

exemplo);

c) a invalidade, nulidade, anulabilidade, efetividade ou imoralidade do ato não afastam

as respectivas consequências tributárias (art. 118 do CTN).

De fato, Dória (1971, p. 62-64) entende que não se pode negar a exatidão da doutrina

da interpretação econômica, uma vez que a interpretação e a aplicação das leis devem

repousar nas realidades da vida, e não em suas exteriorizações formais.

Não obstante, Dória (1971, p. 69) considera que o Direito pressupõe, para sua

realização, um mínimo de formas, as quais também integram a realidade da vida. A forma é

suscetível de definição e nitidez de contornos, ao passo que a massa crua dos fatos é quase

sempre imprecisa e rebelde à unificação conceitual.

Ademais, uma das mais vagas enunciações no campo fiscal, nos dizeres de Dória

(1971, p. 68), é a da identidade do conteúdo ou dos efeitos econômicos. Como a tributação

sempre se fundamenta na renda, em suas três vertentes fundamentais (renda auferida –

impostos sobre a renda propriamente dita, renda poupada – impostos sobre o patrimônio, e

renda despendida – impostos sobre a circulação de riquezas), o imposto sobre as vendas

(renda despendida ou circulação de riquezas), por exemplo, poderia ser estendido a todos os

outros atos que envolvam idêntica circulação, tais como a troca, a dação em pagamento, a

conferência de bens ao capital de sociedades, importação, exportação, etc. Para Dória (1971,

81

p. 69), não tem lógica supor que o legislador, pretendendo atingir todo o gênero (circulação de

riquezas), mencionasse apenas uma de suas espécies (venda).

Com tal exemplo, Dória (1971, p. 69) pretende demonstrar o risco de se eliminarem as

hipóteses de elisão fiscal por meio da delegação de poderes normativos ao intérprete. Para o

autor, a elisão deve ser combatida por meio da edição de normas casuísticas, que colmatem as

lacunas legislativas. Defende Dória (1971, p. 80) o necessário trabalho conjunto dos Poderes

Executivo, Judiciário e Legislativo, a fim de que, uma vez identificada certa hipótese de

elisão, seja prontamente concebido o seu corretivo, mediante um pronunciamento cogente do

legislador.

Para Dória (1971, p. 58), a superação da versão original da interpretação econômica,

por fim, decorre de dois fatores:

a) o intérprete, ao distender a aplicação da lei visando à efetivação do princípio da

capacidade contributiva, acaba por se substituir ao legislador;

b) como o objetivo da interpretação econômica é apurar o significado e os efeitos dos

tributos em um dado sistema, tal interpretação não é diferente das demais técnicas

interpretativas que visam a alcançar, por métodos lógicos, a mens legis.

Para Carlos da Rocha Guimarães (1947, p. 29), o problema da autonomia do Direito

Tributário é mais agudo no Brasil, “dado que a Constituição Brasileira é a mais rígida em

matéria de partilha tributária, e sobretudo porque utiliza, na discriminação de rendas, a

terminologia do Direito Privado, para caracterizar certos tributos”.

O autor reconhece que seria “natural” a proeminência do Direito Privado nos casos em

que a Constituição utiliza conceitos de Direito Privado para a repartição das competências

tributárias. Afinal, conforme Guimarães (1947, p. 30), a competência da União Federal para

legislar sobre Direito Privado implica uma uniformidade de seus conceitos.

Essa premissa de prevalência do Direito Privado, contudo, trás o seguinte problema

suscitado por Guimarães (1947, p. 30): “a lei civil pode evoluir, como de fato evolui;

pergunta-se então: qual o conceito de direito civil que deve ser levado em conta: o existente à

data da promulgação da Constituição ou o atual?”

Para Guimarães (1947, p. 30-31), se a resposta for pela prevalência do conceito de

Direito Civil atual, surgirá outro problema: “como é a União quem legisla sobre Direito

Privado, poderia ela, mudando os nomes dos institutos, alterar, a seu bel prazer, a

competência privativa dos poderes locais, a qual de privativa só teria o nome”. A União

poderia ainda prejudicar os entes locais criando novas figuras do Direito Privado que

82

cumprissem o mesmo papel econômico dos contratos antigos, “o que daria ao contribuinte

duas vias a escolher para atingir o mesmo resultado econômico”.

A conclusão do autor é que a referência da Constituição às formas de Direito Privado

somente pode ser compreendida com base na realidade econômica a elas subjacente. A

interpretação rigidamente formalista do texto constitucional, conforme Guimarães (1947, p.

32), levaria, em alguns casos, à evasão fiscal, e, em outros, à injustiça contra o contribuinte.

Para José Eduardo Monteiro de Barros (1975, p. 173), a interpretação econômica tem

certa aceitação no Brasil, como apontam as obras de Sousa (1975a) e Falcão (1987). Os arts.

109 e 110 do CTN, na visão do autor, “dão uma espécie de indicação de que o nosso direito

positivo acolhe a teoria da interpretação econômica”.

Segundo Barros (1975, p. 174-175), é lícito ao Direito Tributário abstrair a forma

jurídica dos atos para buscar a realidade econômica subjacente. Mas essa abstração não pode

ocorrer “de maneira absoluta, total”, pois deve ter em conta o princípio da legalidade

tributária.

A interpretação econômica, na visão de Barros (1975, p. 177), consiste na

interpretação da operação celebrada pelas partes e na consequente busca, depois de descoberto

o conteúdo ou a realidade econômica daquela relação jurídica, do “dispositivo legal mais

próximo regulador daquela operação, sempre tendo em vista o princípio da legalidade em

matéria tributária”.

A interpretação econômica, para o autor, é plenamente aceitável, “mas não como

princípio prevalente, não com exclusividade”. Esse método de interpretação deve ser utilizado

apenas como um critério informador, sem exclusividade, e vale tanto para o contribuinte

como para o fisco. Não é uma arma de que dispõe o fisco para exigir do contribuinte um

imposto que não seja devido. Nas palavras de Barros (1975, p. 179), “É uma arma a favor do

contribuinte e a favor do fisco. É um critério de explicitação de uma determinada relação

jurídica.”

Essa postura antiformalista de Sousa (1975a), Falcão (1987), Ataliba (1975), Nogueira

(1987), Baleeiro (1975), Dória (1971), Guimarães (1947) e Barros (1975), pioneiros no estudo

do Direito Tributário brasileiro, foi fortemente influenciada pela norma do art. 202 da

Constituição de 1946, que estatuía em sua parte final que os tributos “serão graduados

conforme a capacidade econômica do contribuinte”.

83

3.2 A doutrina formalista do Direito Tributário

Os autores formalistas não admitem a influência do princípio da capacidade

contributiva sobre a interpretação da norma tributária, pois tal princípio não se concilia com

os conceitos “programáveis”, “automáticos” ou “infalíveis” pressupostos pela Jurisprudência

dos Conceitos.

Com base em Alfredo Augusto Becker (2004), que destacou o tema da interpretação

do Direito Tributário em suas obras38, a doutrina atual ainda insiste na visão da interpretação

jurídica como uma ciência que permite ao intérprete “descobrir” o “único” e “imutável”

sentido da norma. Os juízes, segundo essa visão, apenas investigam se houve (ou não) a

incidência da regra jurídica e analisam (esclarecem) os efeitos jurídicos dela decorrentes.

O seguinte trecho do pensamento de Becker (2004, p. 107) bem ilustra o seu apego ao

formalismo excessivo da superada Jurisprudência dos Conceitos:

A interpretação das leis é uma ciência que – a rigor e a final – se reduz a alguns poucos princípios. Devemos redescobri-los. Embora pareça contraditório, as diversas teorias hermenêuticas [...] são evasivas que o intérprete adota por preguiça de encontrar e aplicar aquelas poucas e simples regras da ciência da interpretação jurídica. Em lugar dessas regras (que o intérprete ignora ou despreza) ele inventa teorias complicadas e métodos confusos, tudo para “justificar” a sua preguiça intelectual de – com paciência e objetividade – apreender e aplicar aquelas poucas e simples regras de hermenêutica jurídica.

Na visão de Becker (2004, p. 139), há íntima vinculação entre a interpretação

econômica e o nazismo. Segundo o autor, a teoria de Enno Becker era tão harmônica com o

nazismo que acabou sendo consagrada pela Lei de Adaptação Tributária de 1934. A partir de

então, por mais de dez anos, a interpretação econômica passou a ser imposta, com os métodos

absolutos, totalitários e exclusivistas do nazismo, às universidades, aos tribunais, ao Poder

Legislativo e aos estudiosos radicados na Alemanha e nos países por ela dominados

ideologicamente.

Conforme Becker (2004, p. 141), assim como o nazismo na Alemanha, o fascismo na

Itália criou o ambiente propício para a “rápida proliferação e gigantismo” da teoria da

interpretação econômica. A obra de Vanoni (1932), na visão de Becker (2004), “contaminou a

38 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972 (a 1.ª edição é

de 1963); BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval tributário. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2004 (a 1.ª edição publicada pela Saraiva é de 1989).

84

Itália” e Griziotti se “incumbiu de espalhar” a teoria da interpretação econômica por toda a

península italiana.

Para Becker (2004, p. 133-134), Vanoni estava totalmente iludido quando afirmou, em

1932, que a posição de Enno Becker era isolada na doutrina alemã e que a jurisprudência

recuara da livre adaptação da lei tributária ao caso concreto. Na visão de Becker (2004),

Vanoni (1932) estava iludido pelos seguintes motivos:

a) em 1933, Hensel declarou, no prefácio da terceira edição de sua obra, que a

adaptação do conteúdo das leis fiscais “à necessidade prática do caso singular está

em boas mãos, junto da Suprema Corte Financeira, cuja jurisprudência tão

frequentemente recebe a marca da personalidade de Enno Becker”;

b) em 1934, a teoria de Becker [193?] recebeu a “consagração máxima ao ser aceita

pelo Governo Nazista da Alemanha”, mediante a promulgação da Lei de Adaptação

Tributária;

c) em 1940, Othmar Bühler publicou um estudo no qual ressaltou a extraordinária

importância de Enno Becker [193?] para o desenvolvimento da jurisprudência e da

doutrina do Direito Tributário.

Ademais, segundo o autor, o próprio Becker teria declarado que o inciso I do §1º da

Lei de Adaptação Tributária, que determina que as leis tributárias sejam interpretadas segundo

as concepções do nacional-socialismo, “foi posta em lugar visível como guia condutor,

esperando-se que ela informe e anime toda a aplicação do direito e jurisprudência”.

Godoi (2010) discorda dessa estreita vinculação entre a interpretação econômica e o

regime nazista e ressalta que alegar que a doutrina alemã do abuso das formas jurídicas é

nazista somente porque foi “mantida” no Código Tributário alemão no regime nazista e tão

incorreto quanto propagar que o formalismo excessivo de Becker (2004) é autoritário e

sanguinário apenas porque foi encampado pelos textos legais do período do regime militar

que se instalou no Brasil em 1964 e produziu o CTN em 1966.

Barros (1975, p. 173) também discorda de Becker (2004) e afirma que sua

“catilinária” contra a interpretação econômica é baseada apenas no nazismo, e não no aspecto

jurídico desse método de interpretação.

Becker (1972, p. 442) repugnava o caráter ambíguo e vago da formulação da

capacidade contributiva e entendia que a inclusão desse princípio na Constituição de 1946 era

a “constitucionalização do equívoco”. Conforme Godoi (2010), Becker (1972) não se deu

conta de que a ambiguidade somente seria amainada se o intérprete se dispusesse a estudar as

85

especificidades da norma que vigora aqui e agora no Brasil, na Itália, etc., o que de resto o

autor não se propôs a fazer em suas obras.

Para Alberto Xavier (2001, p. 31), o objeto do princípio da legalidade é a garantia dos

direitos de propriedade e de liberdade econômica, os quais seriam direitos fundamentais do

contribuinte. Os direitos de liberdade econômica, de livre iniciativa ou de liberdade de

empresa, na visão do autor, têm como corolário o princípio da liberdade de contratar, que

também seria direito fundamental.

A liberdade de contratar significa não só a opção por uma das formas jurídicas

oferecidas pelo Direito Privado, mas também a liberdade de configuração das mesmas. A

liberdade de opção fiscal, segundo Xavier (2001, p. 32), é a garantia de que o exercício da

liberdade de contratar terá como “únicas consequências tributárias aquelas que resultem

taxativamente da lei (princípio da tipicidade), com exclusão de quaisquer outras”. Assim,

conforme o autor, os contribuintes podem se mover livremente, com segurança, para além das

zonas rigidamente demarcadas pelos tipos legais tributários.

Xavier (2001, p. 32) compara a liberdade de opção fiscal à garantia que o Direito

Penal confere aos cidadãos de se moverem livremente fora dos muros dos tipos legais. Assim

como o cidadão que se move fora dos muros dos tipos penais está livre das sanções criminais,

o contribuinte que se move fora dos muros dos tipos tributários está livre dos tributos. A

comparação entre Direito Tributário e Direito Penal é constante na obra de Xavier (2001) e

por certo decorre da ultrapassada visão do tributo como algo agressivo ao patrimônio e à

liberdade do contribuinte.

Consequentemente, Xavier (2001, p. 44-45) considera que as técnicas de combate à

fraude à lei ou ao abuso de direito, tal como a interpretação econômica, são verdadeiras

agressões ao princípio da legalidade. Tais agressões, conforme o autor, têm sido praticadas

em nome dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, os quais legitimariam não

apenas a preponderância do elemento econômico na interpretação da lei tributária, como

também a correção das desigualdades decorrentes das “imperfeições” e “lacunas

involuntárias” da lei.

Xavier (2001, p. 45) sustenta que raras vezes a doutrina defensora dos princípios da

igualdade e da capacidade contributiva se dá conta de que as mais notórias agressões ao

princípio da legalidade tiveram suas raízes nas ditaduras europeias posteriores à Primeira

86

Guerra Mundial, tais como as ditaduras instaladas na Alemanha, Itália, França e Espanha39. O

autor, contudo, não apresenta evidências ou indícios concretos dessa identificação entre a

interpretação econômica e os regimes políticos autoritários instalados na Europa no século

XX.

No caso da Alemanha, por exemplo, essa falta de evidências é bem clara. Apesar de

reconhecer que a primeira norma acolhedora da interpretação econômica surgiu em 1919, com

o §4º do Código Tributário alemão, e que somente em 1934 a legislação tributária previu

expressamente a interpretação conforme a ideologia nacional-socialista, Xavier (2001, p. 46)

atribui ao nazismo a instituição da interpretação econômica do Direito Tributário. O autor

justifica a ligação entre o §4º e o regime nazista ao fato de o Partido Trabalhista Alemão ter

sido fundado por Hitler em 1919 (mesmo ano de criação do §4º) e à filiação de Becker ao

partido nacional-socialista, “confessada” em um artigo de 1937.

Para Paulo de Barros Carvalho (1975, p. 193), a interpretação econômica é muito mais

a imposição de um princípio de justiça do que a decorrência da própria ordenação jurídica. A

interpretação econômica somente se constitui em interpretação jurídica quando é

expressamente autorizada pela ordenação jurídica. Quando não consagrada pela ordem

jurídica, a interpretação econômica é uma “tentativa de positivação de princípios de justiça

informados no campo da filosofia do direito, sobre a justiça ou não da norma, ou a justiça ou

não do abuso da forma jurídica”. Segundo o autor, a subsunção do fato à norma é uma

atividade eminentemente jurídica e não há “qualquer tipo de interpretação econômica nessa

atividade”.

Essa posição de Carvalho (1975) é refutada inteligentemente por Ataliba (1975, p.

193), que suscitou a seguinte questão: a lei proíbe que o curador compre bens do curatelado,

sob pena de nulidade desse ato. Mas o curatelado pode vender seus bens para um terceiro e

esse terceiro em seguida vendê-los para o curador. Nessa hipótese, curador e curatelado se

utilizam de um meio lícito para obter uma finalidade ilícita. Esse artifício é vedado pelo

ordenamento jurídico. Trata-se de princípio geral de direito, aplicável a toda e qualquer

hipótese. Ataliba (1975, p. 193) pergunta então o que ocorrerá se o lesado for o Estado:

39 Godoi (2005, p. 111, 200) entende que Xavier está equivocado ao relacionar as décadas de inaplicação da

cláusula geral da fraude à lei tributária prevista no Código Tributário espanhol com uma postura de “restauração dos valores de segurança jurídica”. Toda a doutrina espanhola, conforme Godoi (2005, p. 199) reconhece que a falta de aplicação prática do expediente da fraude à lei se deveu a que a Administração preferiu historicamente utilizar a arma da interpretação econômica (ocultada sob um conceito extremamente elástico de simulação) que se mostrava mais eficaz e impedia que o contribuinte pudesse contar com as garantias formais do expediente da fraude à lei tributária. A esse respeito, Godoi (2005, p. 199) cita José Arias Velasco, Gabriel Casado Ollero, Falcón y Tella, Lozano Serrano e Eugenio Simón Acosta.

87

Por que o Estado não pode recorrer a esse princípio geral de direito para, exatamente, evitar aquele abuso de forma, ou seja, o uso de um meio lícito para obter uma finalidade ilícita? Por que o Estado não pode defender-se, ou defender o interesse público, aqui, primário e secundário (primário quando prestigia a ordem jurídica e secundário quando favorece os cofres públicos)?

Para o autor, essa “defesa do Estado” é feita por meio da interpretação econômica. E

arremata: “Preferia que não dessem esse nome. [...] O erro é chamá-la de interpretação

econômica”. A designação é infeliz, “mas o que se quer com isto designar é correto”.

Barros (1975, p. 196) também discorda do entendimento de Carvalho (1975) de que a

interpretação econômica implica o exame de um aspecto da economia e que por isso seria

preciso um técnico ou perito para examinar essas situações. Barros (1975) esclarece que a

interpretação é econômica apenas no sentido da interpretação da produção de uma capacidade

contributiva e que seria melhor eliminar a expressão “econômica”. O mais adequado seria

utilizar algo parecido com a expressão “teoria da relevância ou do conteúdo de uma

determinada situação”. Essa expressão, segundo o autor, exprimiria melhor o exame da

“adequação da norma ao fato.”

Sacha Calmon Navarro Coêlho e Misabel Abreu Machado Derzi (2003, p. 116)

também criticam duramente qualquer tipo de interpretação que se afaste do apego às formas

jurídicas. Na visão desses autores, o argumento de que o princípio da isonomia exige de

contribuintes com a mesma capacidade econômica uma mesma contribuição, “de modo a

construir uma sociedade livre, justa e solidária, não passa de falácia a serviço do Estado

onipotente e opressor”. Essa “proposição falaciosa”, conforme os autores, constitui um

“moralismo hipócrita, com laivos de idealismo, insustentável diante de um Estado que

desiguala as pessoas jurídicas e físicas com legislação casuística ou extrafiscal e que, ao invés

de ser neutro, desorganiza a economia, em prol de interesses puramente arrecadatórios”.

A presunção de legitimidade, segundo os autores, é inerente aos atos jurídicos em

geral e a estabilidade do Direito repousa “na aparência ou na forma aparente de legitimidade

dos atos jurídicos”. A segurança jurídica, nas visões de Coêlho e Derzi (2003, p. 132), é a

base essencial do Estado de Direito.

Para Coêlho e Derzi (2003, p. 117), o princípio da legalidade veda a utilização da

interpretação econômica no Direito brasileiro, a qual, segundo os autores, é muito defendida

pelos fiscos para alargar indevidamente a tributação através de uma “compreensão

econômica” dos fatos jurígenos. Os autores não concordam com “muita gente desavisada” que

88

enxerga nos arts. 109 e 110 do CTN a incorporação da teoria da interpretação econômica do

Direito Tributário.

Coêlho e Derzi (2003, p. 117) baseiam suas posições acerca da interpretação

econômica em um artigo de Canto (1988) no qual o autor também associa essa teoria às

concepções gerais do nacional-socialismo.

Com base em Becker (1972), Canto (1988, p. 14) assevera que a interpretação

econômica prevaleceu na legislação alemã até 1945, quando “toda reminiscência do nazismo”

começou a ser eliminada dos textos legais. Canto (1988, p. 14) reconhece que a interpretação

econômica foi introduzida em 1919 (§4º do Código Tributário alemão) e que somente em

1934, com a Lei de Adaptação Tributária, a ideologia do nacional-socialismo foi introduzida

na legislação tributária. Para Canto (1988), novamente com base em Becker (1972) e na

mesma linha de Xavier (2001), “a vocação totalitária de Enno Becker” se projeta “para trás,

no tempo, até o ano de 1919”. Ou seja, na visão do autor, o §4º do Código Tributário alemão

de 1919, muito anterior à instituição do regime nazista, de alguma forma já espelhava a

ideologia do nacional-socialismo.

Segundo Canto (1988, p. 16), a evolução da teoria da interpretação econômica no

Direito alemão operou um “efeito retrógrado na cultura jurídica”, decorrente das distorções

provocadas nos princípios fundamentais da tributação. Um desses efeitos retrógrados, na

visão do autor, é a possibilidade de se considerar abusivo o recurso a formas de Direito

Privado visando à redução ou eliminação da tributação. Canto (1988) reconhece que a

realidade econômica se apresenta como “pressuposto lógico relevante dos tributos”, mas

apenas o admite “na obrigação tributária se tiver sido ‘jurisdicizado’ pela lei, dado o princípio

da legalidade”.

Canto (1988, p. 19-20) reconhece que “nos países adiantados se dá ênfase

preponderante ao conteúdo econômico da interpretação das leis tributárias” e destaca que os

Estados Unidos chegaram a uma “combinação ótima de pragmatismo e segurança na

aplicação da lei segundo os princípios da igualdade, justiça e representatividade”. Segundo o

autor, os tribunais americanos possuem amplos poderes de interpretação das leis tributárias

mas não os exercem com base na prevalência da substância econômica sobre a forma jurídica,

e sim com base na necessidade de se divisar nos textos legais toda a amplitude razoavelmente

possível de nele ser encontrada. No Brasil, contudo, conforme Canto (1988, p. 23), prevalece

a reserva absoluta de lei em matéria tributária, com a expressa vedação da analogia quando o

seu emprego resultar em exigência de tributo não previsto em lei, e por isso o sistema

89

americano do judge made law não tem aplicação no Direito pátrio. A interpretação econômica

é vedada, assim, mesmo quando implica o “desatendimento ao princípio da isonomia”.

Para o autor, quando a lei tributária alude a institutos de Direito Privado sem lhes

conferir definições próprias para efeitos fiscais, o intérprete deve se ater ao significado desses

institutos tal como formulados no Direito Privado. Assim, segundo Canto (1988, p. 18-19), se

a lei tributária é silente na matéria, e apenas alude, “como elemento de conexão ou de gênese

de obrigação ou efeito tributário, a ‘titularidade dominial’, prevalece, para caracterizar a

situação que ela definiu, o conceito ‘privatístico’ de titularidade dominial”. Contudo, ressalva

o autor, o legislador tributário, desde que atenda ao limite do art. 110 do CTN, pode tirar

efeitos fiscais de um princípio de Direito Tributário que equipare determinadas situações à

titularidade dominial.

Na visão de Canto (1988, p. 16), a teoria do abuso de formas é equivocada, pois se as

formas de Direito Privado não são legitimadas pelas normas desse ramo do Direito, o caso é

de ilegalidade ou nulidade, e não de abuso de formas. Mas se tais formas são legitimadas pelo

Direito Privado, não há como imputar a alguém o abuso de formas apenas para efeitos fiscais.

Para o autor, o abuso de formas não decorre de prescrição de lei alguma, e sim da convicção

de algum agente da Administração Pública ou de algum magistrado “de que o legislador teria

querido dizer, ao expedir a lei, muito mais do que ele efetivamente disse” (CANTO, 1988, p.

19).

Conclui o autor, assim, que se o legislador tributário não quiser que as formas de

Direito Privado produzam os efeitos tributários que os contribuintes poderiam ter em vista

quando a elas recorreram, o que tem a fazer é determinar que para fins especificamente

tributários os atos que segundo o Direito Privado são lícitos e eficazes serão tratados como se

fossem atos de natureza idêntica a um modelo predeterminado. O legislador tributário, para

Canto (1988, p. 17), também poderia definir determinados institutos de Direito Privado, para

fins fiscais, de modo substancialmente distinto daquele pelo qual estão definidos nesse ramo

do Direito.

Não obstante a adesão de Coêlho e Derzi (2003, p. 117) ao pensamento de Canto

(1988), esses dois autores, quando confrontados com casos concretos de elusão fiscal, chegam

a conclusões bem diferentes das conclusões de outros autores desenganadamente formalistas

como Martins (1998). Essa posição de Coêlho e Derzi foi explicitada por Godoi (2007, p.

294) por meio da análise de dois casos julgados pelo Conselho de Contribuintes do Ministério

da Fazenda (incorporação às avessas) e pelo STF (contratos de seguro cancelados pelas partes

90

logo após a sua formalização). Conforme demonstrado por Godoi (2007, p. 294), Coêlho e

Derzi consideram que esses dois planejamentos são inaceitáveis e que constituem típicos

casos de simulação. Contrariamente a Coêlho e Derzi (2007, apud GODOI, 2007, p. 294),

Ives Gandra da Silva Martins (2001, apud GODOI, 2007, p. 294) considera que os referidos

planejamentos são perfeitamente lícitos e que nada têm de simulação. Para o autor, a adoção

da simulação nessas hipóteses implica “a incorporação da teoria da interpretação econômica”.

Na visão de Godoi (2007, p. 295), essa aparente contradição decorre do fato de Coêlho

e Derzi (2007, apud GODOI, 2007, p. 294) adotarem um conceito mais amplo de simulação,

aberto a considerações causalistas, o que é natural em ordenamentos jurídicos que não

possuem uma norma geral antielusão tal como a norma do §42 do Código Tributário alemão

de 1977. Assim, quanto menor o espaço de atuação da norma geral antielusão (abuso de

direito ou fraude à lei, por exemplo), maior o raio de amplitude do conceito de simulação.

Relata Godoi (2007, p. 295) que essa foi uma das mais importantes conclusões do Congresso

Mundial da IFA de 2002, realizado em Oslo. Nos países em que não há uma norma geral

antielusão, dessa forma, a fundamentação que o fisco e a doutrina utilizam para indicar que

houve simulação é muito parecida com a lógica de funcionamento das normas gerais anti-

abuso.

As posições de Coêlho e Derzi (2007, apud GODOI, 2007, p. 294), portanto, não

parecem tão formalistas quanto as posições de Becker (2004), Xavier (2001), Carvalho (1975)

e Martins (2001).

3.3 A teoria antiformalista do Direito Tributário

3.3.1 Marco Aurélio Greco

Em sua obra Planejamento Tributário, Marco Aurélio Greco (2004, 15) examina as

diferentes e impactantes consequências decorrentes do modo pelo qual se concebe o Estado

brasileiro. A concepção do Estado brasileiro como Estado de Direito (o Estado que se

submete à lei e à jurisdição) ou como Estado Democrático de Direito (o Estado que compõe

valores protetivos e modificadores da realidade) é decisiva para a interpretação do Direito

91

Tributário. Para a doutrina que vê o Estado brasileiro como Estado de Direito, os dispositivos

constitucionais tributários são compreendidos como uma forma de proteção do patrimônio do

contribuinte. De forma contrária, para a doutrina que considera o Estado brasileiro como

Estado Democrático de Direito, o Sistema Tributário Nacional visa à melhoria das condições

sociais, à redução das desigualdades sociais e à instauração de valores modificadores da

realidade (função social da propriedade, solidariedade e defesa do meio ambiente, por

exemplo).

A concepção acerca do Estado brasileiro, um dos pilares do exame do autor aos limites

do planejamento tributário, reflete diretamente no estudo da interpretação econômica do

Direito Tributário, seja como espécie de interpretação teleológica, seja como forma de

combate à elusão fiscal. Conforme Greco (2004, p. 15), as diferentes concepções de Estado

apresentam uma faceta ideológica que repercute no sentido que se extrai da lei no momento

da sua interpretação e aplicação.

Os que professam uma ideologia liberal clássica, segundo o autor, defendem a

concepção ampla (quase ilimitada) de liberdade do contribuinte e negam a existência das

figuras da fraude à lei e do abuso de direito em matéria tributária (interpretação econômica

como medida de combate à elusão fiscal). Ou seja, os adeptos da ideologia liberal clássica não

admitem que o fisco desconsidere os atos abusivos praticados pelos contribuintes.

Os adeptos de uma ideologia eminentemente social, por outro lado, defendem que o

planejamento tributário é uma conduta inaceitável, que frustra o devido alcance da capacidade

contributiva, quebra a isonomia e agride a solidariedade social. A interpretação da norma

tributária, assim, deve privilegiar a substância econômica do negócio jurídico, e não a sua

dimensão jurídica.

Em face dessas duas diferentes ideologias, Greco (2004, p. 18) propõe a identificação

de um ponto de equilíbrio, o que não é tarefa fácil. A dificuldade decorre do fato de a postura

ideológica nem sempre estar explícita no debate. Ressalta o autor que são muito frequentes as

conclusões categóricas apresentadas como verdades absolutas e incontestáveis que refletem,

na realidade, o mero produto de uma determinada linha ideológica previamente assumida,

mas nem sempre previamente explicitada para o interlocutor. E somente conhecendo a base

ideológica de certa posição é possível contestá-la adequadamente.

Outro problema é a definição dos meios para se atingirem os valores e objetivos

encampados pela Constituição. Conforme Greco (2004, p. 37), os meios que são mais diretos

para atender a uma finalidade podem arranhar outro valor igualmente protegido pela

92

Constituição. Não há uma resposta pronta e “o bom para hoje pode ser o ruim para amanhã. O

ruim de hoje pode ser o bom de amanhã”.

Diferentemente da sociedade atual, na sociedade clássica as pessoas sabiam, a priori,

como as relações jurídicas se estruturavam. O Direito olhava para trás. Conforme o exemplo

de Greco (2004, p. 37), se um servo caçasse um alce na floresta do rei, sabia que sofreria uma

punição, já que nenhum valor se sobrepunha à violação da propriedade do rei. Atualmente,

contudo, o Direito olha para frente e não é mais possível que as pessoas saibam, a priori,

como as relações jurídicas se estruturam. As pessoas hoje podem ter expectativas, assumir

visões prospectivas, identificar tendências e diretrizes, mas não podem assumir afirmações

pretensamente absolutas e irretorquíveis. Ou seja, hoje não é possível ao intérprete dizer que

algo “é assim” ou que “esta norma é inconstitucional” sem considerar o posicionamento dos

juízes.

O juiz não é um puro técnico, capaz de encontrar um único sentido válido na norma.

Como bem adverte Greco (2004, p. 37), “o juiz não está na Lua, distante do que ocorre

concretamente; é um homem, um cidadão, com crenças, convicções, tendências conscientes e

inconscientes próprias de sua formação e experiência”.

Greco (2004, p. 37-38) acentua que todos devem estar abertos à mudança ocorrida no

perfil do Direito. A sociedade não é mais estratificada e as relações não são mais

absolutamente estáveis. Tampouco os interesses são nitidamente definidos. No mundo de hoje

há valores e interesses a serem ponderados e objetivos e finalidades a serem atingidos.

O Direito não é uma simples “arquitetura de conceitos”, como defendia a

Jurisprudência dos Conceitos. Também não é mero instrumento de consagração e proteção de

interesses, como propugnava a Jurisprudência dos Interesses. Para o autor, o Direito é o “meio

para viabilização concreta de valores básicos da pessoa humana e do seu convívio em

sociedade”. O exame e a compreensão do Direito, frisa Greco (2004, p. 38), envolvem,

fundamentalmente, uma discussão de valores.

Greco (2004, p. 38) salienta que as normas têm um elemento de constância, mas essa

constância não é absoluta no sentido de imutabilidade e inexorabilidade. Mudança não

significa total flexibilidade, mas sim adequabilidade a novas situações. O ordenamento

jurídico é um sistema aberto para a realidade e seu dilema é o seguinte: se o ordenamento

quiser prever todas as situações novas (construindo uma nova tipologia), será superado mais

dia menos dia; por outro lado, se deixar a disciplina em aberto, há o risco da fluidez e

flexibilidade sem controle.

93

O equilíbrio entre constância e flexibilidade, segundo Greco (2004, p. 39), é conferido

pelos princípios da confiança, da boa-fé, da moralidade (tanto da Administração quanto do

cidadão), da honestidade e da sinceridade de propósitos. Não há uma linha divisória precisa e

não se trata mais de “sim ou não”. Nas palavras do autor, trata-se de um “pode ser que sim ou

pode ser que não”. O desafio, portanto, é saber o que é e o que não é aceitável para fins de

qualificação da conduta do contribuinte.

Não obstante, é comum que se defenda a autoridade da Constituição “lendo apenas um

Capítulo”. Defende-se intransigentemente, por exemplo, a autoridade do art. 150, I ou do art.

150, III. Greco (2004, p. 41) discorda dessa posição e salienta que o Capítulo Tributário não

existe isoladamente, como se estivesse fora do contexto da Constituição. Sendo assim, o

conteúdo e o alcance do Capítulo Tributário, conforme o autor, somente poderá ser definido

se a interpretação de seus dispositivos estiver em sintonia com os demais capítulos da

Constituição. O Capítulo Tributário deve ser a materialização, nesse segmento da realidade,

dos conceitos, princípios, objetivos e valores consagrados pela Constituição como um todo.

Nos dizeres de Greco (2004, p. 42), a Constituição não começa no Capítulo relativo ao

Sistema Tributário Nacional, e sim com a definição de objetivos e princípios gerais que estão

nos seus artigos 1º a 4º e que se desdobram nos vários Títulos e Capítulos subsequentes.

Até a Constituição de 1988, era pertinente defender que o ordenamento jurídico

brasileiro deveria atender às exigências do Estado de Direito. A partir da Constituição de

1988, contudo, o Estado brasileiro passou a se constituir em um Estado Democrático de

Direito (art. 1º). Essas duas expressões não são sinônimas e o que se discutiu durante a

Assembleia Nacional Constituinte, na visão de Greco (2004, p. 43), bem explica o contexto

do Estado brasileiro.

Conforme Greco (2004, p. 43), de um lado, o “Centrão” defendia posições protetivas e

mais conservadoras; de outro lado, as chamadas forças progressistas defendiam um Estado de

perfil mais social, interventivo. Ou seja, o Centrão defendia um Estado não-intervencionista,

protetor de valores tais como a liberdade e a propriedade, e as forças progressistas defendiam

um Estado intervencionista, controlador da economia, que postulava a melhoria das condições

sociais, a redução das desigualdades sociais e a instauração de valores modificadores da

realidade. O produto final deste confronto ideológico, conforme o autor, não foi nem um

Estado de Direito meramente protetivo, nem um Estado Social meramente intervencionista. O

produto final é o estabelecimento do Estado brasileiro como um Estado Democrático (social)

de Direito (protetivo).

94

Isso não significa, conforme Greco (2004, p. 43), que a Assembleia Nacional

Constituinte tenha optado por linhas ideológicas opostas. A Constituição de 1988, na verdade,

é a fusão das linhas ideológicas defendidas pelo “Centrão” e pelas forças progressistas.

Consequentemente, a Constituição contém, ao mesmo tempo, disposições de nítido

caráter protetivo (proteção do direito de propriedade, por exemplo) e disposições que dizem

respeito a valores sociais modificadores da realidade (função social da propriedade,

solidariedade e defesa do meio ambiente, por exemplo). Nas palavras de Greco (2004, p. 43),

a Constituição de 1988 “acaba sofrendo de dupla personalidade, pois não tem o perfil

ideológico de nenhuma das duas correntes” que se formaram durante a Assembleia Nacional

Constituinte. A Constituição de 1988 “não é liberal e não é social. Ela é, ao mesmo tempo,

meio a meio”.

A grande dificuldade, na visão de Greco (2004, p. 44), não é reconhecer o confronto

de valores liberais e sociais. A dificuldade é convencer a parte contrária (que postula a

prevalência de valor de outra feição) que outros valores também merecem ser postulados, que

também devem “sentar à mesa”.

O defensor ferrenho dos valores liberais clássicos, com uma visão exclusiva e

excludente, somente se interessa pela defesa da propriedade, liberdade, legalidade,

irretroatividade, anterioridade, etc. Ele não aceita que se fale em melhoria das condições

sociais, por exemplo. A variável social não é “jurídica” e por isso não pode “sentar à mesa”.

Por outro lado, o defensor de valores sociais, também com uma visão exclusiva e

excludente, é insensível a questões técnicas, tal como a data da publicação do Diário Oficial.

Para o defensor dos valores sociais, consistentes na redução das desigualdades regionais e

sociais, na solidariedade, na igualdade, na capacidade contributiva, na defesa do meio

ambiente, etc., o importante é implementar o plano de governo, o projeto tal ou qual e assim

por diante. A data da publicação do Diário Oficial, para ele, é mera “tecnicidade”.

A dificuldade na materialização dos valores do Estado Democrático de Direito, assim,

é fazer com que cada interlocutor aceite que todos os valores consagrados

constitucionalmente devem ser ponderados no caso concreto. Nos dizeres de Greco (2004, p.

44-45), todos os valores constitucionais, tanto de cunho protetivo (típico do Estado de

Direito), quanto de cunho social (típico do Estado Social), devem “sentar à mesa”.

Conforme Greco (2004, p. 45), o debate acerca do exercício de uma liberdade, se foi

exagerado ou se agrediu algum valor social, é um debate de graduação de elementos

ideológicos. A tributação deve respeitar a capacidade contributiva, mas também deve respeitar

95

a legalidade e a tipicidade. Essa confluência de valores, na visão do autor, é a base de toda

discussão acerca dos limites do planejamento fiscal.

A concepção ideológica de Greco (2004, p. 45), à qual aderimos sem restrições, é no

sentido de que os dois conjuntos de valores, protetivos e sociais, devem ser sempre

ponderados. Para o autor, não há caso que não envolva os dois conjuntos de valores e por isso

ambos devem “sentar à mesa” para dialogar. É o que está escrito, segundo Greco (2004, p.

46), no art. 3º, I, da Constituição de 1988, ao estabelecer que um dos objetivos do Estado

brasileiro é constituir uma sociedade livre, justa e solidária. Para o autor, a formulação

linguística do inciso I do art. 3º é muito feliz, pois coloca em uma ponta a liberdade (típica do

Estado de Direito), na outra a solidariedade (típica do Estado Social), e entre elas a justiça,

que é o resultado da ponderação das duas. Em outras palavras, somente haverá justiça quando

houver ponderação entre liberdade e solidariedade.

Greco (2004, p. 46) não defende o predomínio de nenhum dos dois conjuntos de

valores. O que propõe o autor é a composição entre liberdade e solidariedade, sem que um

valor aniquile o outro. A capacidade contributiva não pode anular a liberdade do contribuinte

de escolher a forma jurídica menos onerosa do ponto de vista tributário. Tampouco essa

liberdade de escolha do contribuinte pode desconsiderar a capacidade contributiva. Diante de

um impasse envolvendo um confronto de valores, a solução é encontrar um ponto de

equilíbrio em que seja possível proteger os legítimos interesses ligados à liberdade e ao

mesmo tempo assegurar o atendimento satisfatório da variável social.

Para o autor, tudo isso está diretamente ligado ao que ocorreu no Direito Tributário

brasileiro nos últimos quarenta anos, considerando a edição do CTN como marco referencial.

Lembra Greco (2004, p. 49) que o Direito Tributário é um dos poucos ramos do

Direito que têm uma data certa de nascimento. Enquanto a maioria dos ramos do Direito é o

resultado de uma constante construção de disciplinas, o surgimento do Direito Tributário tem

data definida, que é a edição do Código Tributário alemão de 1919. Não nega o autor que

muito antes de 1919 já havia o fenômeno da tributação, mas o primeiro Código Tributário

alemão, na sua visão, é o grande marco histórico da estruturação do Direito Tributário.

Essa estruturação, contudo, tem menos de cem anos. Como vimos na seção 2, a

discussão mais elaborada a respeito do Direito Tributário é do início do século XX e conviveu

com o “auge do positivismo jurídico”, do Estado de Direito e da visão liberal do Estado. A

estruturação do Direito Tributário, portanto, incorporou uma visão protetiva do cidadão contra

o Estado.

96

Relata Greco (2004, p. 49) que o grande desenvolvimento do Direito Tributário

brasileiro ocorreu depois da Constituição de 1946, que consagrou em seu art. 202 o princípio

da capacidade contributiva. Antes da Constituição de 1946 havia apenas textos esporádicos.

Ocorre que, como adverte o autor, o Direito Tributário começou a se desenvolver no

momento histórico em que a ideia de “cientificidade” era predominante. O grande objetivo de

todos que pretendiam estudar um determinado ramo do Direito era defender a autonomia

daquele ramo (do Direito Administrativo em relação ao Constitucional; do Direito Financeiro

em relação ao Administrativo; do Direito do Consumidor em relação ao Comercial).

Essa preocupação com a autonomia tinha a ver com a ideia de ciência vigente naquela

época, porque somente seria ciência o conhecimento que tivesse objeto e método próprios.

Para fazer ciência, salienta Greco (2004, p. 50), era necessário destacar determinado objeto e

submetê-lo a uma análise segundo um método específico.

A discussão acerca da autonomia do Direito Tributário visava a lhe assegurar uma

identidade própria, independente da ciência das finanças. Defendia-se essa autonomia como

se o Direito Tributário pudesse existir sem interagir com os demais ramos do Direito e com as

demais áreas de conhecimento.

Mas, a partir de 1946, começou a surgir, ao mesmo tempo, uma preocupação ligada à

estrutura formal do Direito Tributário e uma preocupação com sua substância (valores da

capacidade contributiva, da isonomia, etc.). Havia textos defendendo os aspectos substanciais

do Direito Tributário, mas também havia textos que criticavam essa preocupação, bastando

lembrar, como demonstramos anteriormente, que Becker (1972) considerava o art. 202 da

Constituição de 1946 a “constitucionalização do equívoco”.

O CTN, na visão de Greco (2004, p. 51), consagrou visões e concepções tradicionais.

Procurou-se, com o CTN, uma sistematização do Direito Tributário que fosse absolutamente

rigorosa e que levasse a respostas do tipo “sim ou não”, “pode ou não pode”, “é ou não é”.

Essa postura, conforme o autor, não resolve todos os problemas, nem é adequada a todas as

situações.

Nesse mesmo período foi editada a Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro

de 1965, que revogou expressamente o artigo 202 da Constituição de 1946, que consagrava o

princípio da capacidade contributiva.

Segundo Greco (2004, p. 51), prevaleceu a concepção de que a interpretação e a

aplicação do Direito Tributário deveriam ser objetivas e de que a tributação deveria se apoiar

apenas em dados da realidade, sem se contaminar por outras variáveis. A capacidade

97

contributiva, cuja ideia é fundamentalmente substancial, dizendo respeito à pessoa, à

sociedade e ao contexto econômico e social, não poderia conviver com técnicas de tributação

objetivas e científicas.

Greco (2004, p. 51) ressalta que na segunda metade da década de sessenta, a ideia de

sistema, como critério de organização da realidade, foi consagrada na experiência brasileira.

Essa ideia levou à edição dos sistemas específicos da viação, previdência, transporte, saúde,

etc. O CTN, portanto, surgiu de forma coerente com o ambiente da época, tanto o filosófico

quanto o político. Naquele momento, o Estado brasileiro buscava uma planificação objetiva e

não aceitava debates de cunho substancial. Na década de setenta, conforme o autor, era

preciso muito cuidado para se defender as ideias de solidariedade social e fraternidade, por

exemplo. Nesse contexto, o Direito Tributário era naturalmente formal e técnico.

Greco (2004, p. 52) atribui a Geraldo Ataliba a descoberta da discussão da hipótese de

incidência como forma de viabilizar o debate acerca da proteção dos direitos dos

contribuintes, sem discutir a justiça da tributação. Para o autor, isso foi possível porque, na

medida em que o interlocutor estatal defendia fortemente sua autoridade, o mesmo critério

aplicável à autoridade desse interlocutor era aplicável à autoridade da lei e à autoridade da

Constituição.

Desenvolveu-se um Direito Tributário apoiado em conceitos frios, objetivos, em que

os grandes princípios não comportavam debates substanciais. Conforme o autor, a

anterioridade e a irretroatividade não comportavam debates porque se resumiam à verificação

de datas. O mesmo ocorria com a legalidade: ou está na lei ou não está.

No período de 1965 até a Constituição de 1988, segundo Greco (2004, p. 52), o debate

acerca do Direito Tributário centrou-se na forma e na técnica da incidência. O autor destaca

que havia estudos preocupados com aspectos mais substanciais, tais como o de Dória (1971),

os quais, contudo, foram superados pelos estudos dedicados à operacionalização da incidência

tributária, tal como o de Becker (2004).

A Constituição de 1988, que confere relevância não apenas aos aspectos formais,

recepcionou o CTN sem a correspondente incorporação dos valores substanciais. O CTN, na

visão de Greco (2004, p. 53), não é incompatível com a Constituição de 1988, mas é

insuficiente para exprimir todas as suas dimensões valorativas (valores protetivos e ao mesmo

tempo modificadores da realidade).

98

O autor não propõe o abandono do CTN, e sim que não se exija de suas normas mais

do que elas podem dar. Greco (2004, p. 53) alerta que é preciso ter consciência de que o CTN

não regula inúmeros aspectos que são relevantes para a nova ordem constitucional.

Como exemplo, Greco (2004, p. 53) cita o artigo 149 da Constituição, que trata das

contribuições. Apesar de o art. 149 remeter ao art. 146, III, até hoje não foi editada uma lei

complementar introduzindo no CTN um capítulo sobre sua criação e funcionamento. Para o

autor, as contribuições ainda não foram reguladas por lei complementar porque o seu perfil

não se enquadra nas categorias clássicas dos tributos considerados a partir da materialidade da

sua hipótese de incidência. A redação original do CTN não previa as contribuições e elas

somente foram mencionadas no art. 217, introduzido dias após a sua publicação.

A concepção do Direito Tributário predominante em 1966 enxergava a tributação

apenas sob a ótica liberal da proteção da propriedade. Mas como hoje a tributação também

deve ser vista como instrumento de viabilização das mudanças econômicas e sociais que a

Constituição prevê, Greco (2004, p. 54) sugere que sejam acrescidas ao CTN regras de

disciplina e controle, sem o abandono ou a substituição das já construídas.

Greco (2004, p. 54) reconhece, contudo, que essa mudança de concepção não ocorre

com a simples mudança da lei. Antes de mudar a lei, “é preciso mudar a visão de mundo, é

preciso mudar a maneira pela qual vemos a realidade, porque só depois disso será possível

saber qual a lei a ser feita”. Isso porque, conforme o autor, talvez a elaboração de nova lei seja

desnecessária, “talvez baste mudar a interpretação, tomando a mesma lei e relendo-a de outra

maneira”. Conclui o autor, assim, que não se trata de excluir da análise nem de deixar de

aplicar os mecanismos protetivos existentes, e sim de “acrescentar mais ingredientes à nossa

conversa”.

Essa mudança de direção identificada por Greco (2004, p. 56) leva a um confronto

entre o formalismo e o realismo fiscal, que são o produto das duas concepções de Estado

mencionadas anteriormente. O realismo fiscal prestigia os valores sociais (capacidade

contributiva, isonomia, solidariedade, fraternidade, redistribuição de riquezas, etc.) e o

formalismo fiscal prestigia os valores protetivos do Estado de Direito (legalidade, tipicidade,

anterioridade, irretroatividade, propriedade privada, etc.).

99

Os adeptos do formalismo fiscal, que são a maioria no Direito brasileiro, entendem

que a norma do § único do art. 116 do CTN40, por exemplo, destrói a certeza e a segurança

jurídica. Essa postura corresponde à concepção do ordenamento positivo brasileiro como

eminentemente protetivo, típico do Estado de Direito. Os adeptos do realismo fiscal, por outro

lado, consideram que a norma do § único do art. 116 do CTN não agride a certeza e a

segurança jurídica e que prestigia os valores da capacidade contributiva, da isonomia, da

solidariedade, etc.

Greco (2004, p. 57-58) ressalta a importância de se desmistificar o debate sobre

certeza e segurança jurídica. Conforme o autor, “A rigor, segurança e certeza como valores

absolutos nunca existiram no mundo, em nada. [...] Segurança e certeza dependem do modo

pelo qual o ordenamento jurídico é compreendido e aplicado, ou seja, do modo como nos

posicionamos perante ele”.

No ordenamento jurídico, ressalta Greco (2004, p. 58), não há duas posições

exclusivas e sim uma faixa ampla e gradual que separa extremos nítidos. Em termos de

segurança e certeza, o máximo que se pode ter são condições de previsibilidade. Segurança e

certeza, que em última análise envolvem a justiça do ordenamento, não são qualidades do

direito positivo, e sim objetivos a serem perseguidos na sua aplicação.

A posição ideológica de Greco (2004, p. 60), portanto, é no sentido de a Constituição

inteira ter a sua máxima autoridade possível assegurada tanto nos valores protetivos quanto

nos valores modificadores da realidade. Nas discussões tributárias, é preciso que ambos os

conjuntos de valores estejam presentes e sejam prestigiados. Um não pode extinguir o outro,

“a legalidade não pode existir sem capacidade contributiva e a capacidade contributiva não

pode existir sem a legalidade”. O autor não defende a prevalência de nenhum dos dois

conjuntos de valores, e sim que nenhum dos dois é absoluto. Ninguém está obrigado a pagar o

maior tributo possível, mas isso não quer dizer que “qualquer menor tributo possível estará

protegido pelo ordenamento e terá seus efeitos por ele garantidos”.

40 “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais

necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de

direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a

finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

100

Quanto aos conceitos utilizados pela lei tributária na definição da hipótese de

incidência, Greco (2004, p. 69) entende que são três os campos em que se podem buscar os

seus respectivos conteúdos:

a) o uso comum (linguagem corrente);

b) o uso técnico adotado por determinado setor do conhecimento;

c) o uso legal, encontrado em outra norma jurídica integrante do ordenamento

positivo.

Apesar de serem três as fontes hipotéticas de conteúdo encampadas pela lei tributária,

o intérprete somente estará vinculado a um determinado conteúdo, que não o comum, se a lei

assim o determinar, ou seja, se a lei tributária, em vez de repetir as características do conceito

que estão enumeradas em outro ramo do conhecimento, remeter àquele campo. Segundo

Greco (2004, p. 69), essa encampação supõe uma remissão clara e precisa ou uma conexão

material.

A remissão feita pela lei não se confunde com a atribuição de poder normativo ao

intérprete. Conforme Greco (2004, p. 69), na remissão, a lei tributária faz com que a previsão

já existente em determinado campo do conhecimento venha a integrar a norma originária. Ao

contrário da remissão, a outorga do poder normativo ao intérprete é incompatível com a

legalidade e a tipicidade.

A encampação de conteúdo que não é clara e expressa implica a adoção do sentido

comum do termo, sendo necessária a busca subsidiária de outros elementos para a análise da

norma tributária. Assim, segundo Greco (2004, p. 70-71), em linha com Berliri (1964), o uso

comum ou corrente é a regra, uma vez que a lei tributária é feita para ser entendida e aplicada

por todos. O uso técnico ocorre quando a lei tributária utiliza termos em que a identificação

do respectivo objeto supõe qualificação existente em área específica (a referência a “médico”

supõe alguém habilitado para exercer a medicina), ou quando expressamente remete a

determinada área (por exemplo, quando a lei tributária se refere a “doença grave conforme

medicina especializada”). O uso legal ocorre quando a lei tributária se refere a um conceito

jurídico em hipótese que subjaz à ratio que está na base do art. 109 do CTN (quando se refere

a “herdeiro”, por exemplo) ou quando remete expressamente a outro dispositivo legal que

veicula o contorno do respectivo conceito.

Para Greco (2004, p. 70), em todas essas hipóteses, um sentido encontrável em outro

campo do conhecimento (que não o uso comum) somente integrará o preceito da norma

tributária se houver remissão expressa ou conexão material (pertinência temática), ou seja, se

101

a própria lei tributária manifestar a encampação do conteúdo externo. Se não houver remissão

expressa ou conexão material, o intérprete partirá do uso comum do vocábulo e buscará no

sistema os elementos subsidiários de análise da norma. É necessário, como ressalta Greco

(2004, p. 70), que não haja incompatibilidade entre o preceito tributário e os conceitos que lhe

são externos.

Assim, para Greco (2004, p. 70-71), há, na prática, hipóteses em que a busca de um

conceito externo ao Direito Tributário é

a) obrigatória, porque a lei assim determina;

b) cabível, porque há pertinência temática; e

c) indevida, porque a lei tributária utilizou o termo no seu sentido corrente.

Sendo certo que a legalidade é elemento absolutamente indispensável ao Direito

Tributário, Greco (2004, p. 124) propõe uma análise crítica do desenho que deve ter a lei

tributária para que se considere atendido o art. 150, I da Constituição Federal.

Visando a demonstrar as alterações sofridas pelo princípio da legalidade, Greco (2004,

p. 125) traça um perfil da sua evolução ao longo do tempo. Há duzentos anos, com a

Revolução Francesa, a fonte de legitimação do poder deixou de ser a vontade divina investida

no rei e passou a ser a vontade do povo expressa na lei. A legalidade assumiu o perfil

fundamental de uma legalidade de meios, especificando o que o Poder Público podia e não

podia fazer. Após a Segunda Guerra Mundial, contudo, a legalidade deixou de ser apenas uma

legalidade de meios ou de pressupostos de ação e passou a ser uma legalidade de fins ou de

objetivos e resultados.

Isso não significa que a legalidade de meios desapareceu, como adverte Greco (2004,

p. 125), e sim que está justaposta à legalidade de fins. Cabe ao intérprete, na análise do

ordenamento jurídico, compreender que se acrescentou um elemento que por muito tempo

permaneceu em segundo plano.

Além disso, a visão tradicional da legalidade (apenas de meios) encontra dificuldade

para resolver certos problemas práticos. No primeiro momento de edição da lei, ela abrange

exatamente todos os fatos existentes, possíveis e conhecidos. O legislador, portanto, esgota

sua competência constitucional. No segundo momento, a lei continua com a mesma

amplitude, mas os fatos se diversificam, pois surgem hipóteses que não haviam sido

expressamente previstas no primeiro momento.

Conforme Greco (2004, p. 128), os defensores da visão tradicional da legalidade

entendem que há necessidade de uma lei nova para alcançar estes novos fatos. Essa posição,

102

na visão de Greco (2004, p. 128), gera uma perplexidade, uma vez que se a competência

tributária foi plenamente exercida (esgotada) no primeiro momento, não há razão para a

edição de uma nova lei. O efeito gerado pelo surgimento dos fatos novos não pode ser o de

aumentar a competência tributária que a pessoa política possuía no primeiro momento, ou

seja, a competência constitucional não é aumentada pelo fato novo. Essa perplexidade, reforça

o autor, não se resolve pela visão tradicional da legalidade.

De fato, a velocidade da mudança da realidade é muito maior que a velocidade de

produção das normas. Por isso, é operacionalmente inviável pretender que a lei desça a um

grau de pormenor que implique o detalhamento individual de cada conduta. Essa tarefa,

conforme Greco (2004, p. 129), é matéria do aplicador da lei na produção da norma

individual. Para o ordenamento funcionar, é necessário que o legislador utilize os conceitos e

a linguagem capazes de indicar a realidade concreta que está sendo qualificada.

Para Greco (2004, p. 129), portanto, em vez de prever condutas individuais ou fatos

específicos, a legislação deve se utilizar de standards, padrões de conduta ou padrões de fatos.

Os modelos abstratos assim criados têm uma vida maior do que a descrição de cada conduta

individualizada. Essa posição do autor, no nosso entendimento, é necessária à efetividade

tanto dos valores protetivos quanto dos valores sociais. A inflação legislativa, com todos os

malefícios que causa ao contribuinte, comprova essa necessidade.

Mas deve-se ter cuidado para que esse modelo não acabe em arbitrariedade. Assim

como a visão tradicional da legalidade leva à estagnação e ao imobilismo, a técnica de

legislação mediante standards pode levar ao extremo oposto, e por isso deve ser

acompanhada de mecanismos eficazes de controle, tal como o teste da proporcionalidade

(necessidade, adequação e proibição de excesso). Afinal, como destaca Greco (2004, p. 132),

o cumprimento de um dispositivo constitucional não pode levar ao descumprimento de outro.

A legalidade de fins tem especial relevo no Sistema Tributário Constitucional, em que

há uma duplicidade de discriminação de competências, o modelo causalista (fato gerador) e o

modo finalista (mediante dispositivos que qualificam determinados objetivos ou finalidades

autorizando certas condutas). Essas duas técnicas, como demonstra Greco (2004, p. 130), não

são absolutas, nem exclusivas, nem excludentes.

Considerando o perfil constitucional atual, há visões opostas sobre a natureza do fato

gerador. Há quem sustente que o fato gerador é um fato econômico de conteúdo jurídico e

quem sustente que o fato gerador é um fato jurídico de conteúdo econômico.

103

Conforme Greco (2004, p. 136), caso se assuma que a tributação visa a alcançar uma

parcela da realidade econômica, consistente na produção, distribuição ou manutenção de

riqueza, e que o fato gerador, por ser a descrição de uma realidade econômica, é um fato

econômico, embora com vestimenta jurídica, o qualificativo “econômico” será a tônica da

interpretação. Ou seja, se o fato é essencialmente econômico, deve ser visto sob a ótica

econômica, e a legislação instituidora do tributo será mero instrumento para atingir a

realidade econômica.

Mas, caso se assuma que a tributação visa a alcançar um fato jurídico com conteúdo

econômico, a dimensão econômica ficará em segundo plano. A interpretação visará a

identificar o alcance jurídico do evento, mediante a busca da correlação daquele instituto em

um determinado ramo do Direito com outro instituto no campo tributário, sempre

considerando o elemento jurídico como referência.

Para Greco (2004, p. 136), afirmar que o fato gerador é jurídico ou econômico é

decisivo para a determinação da amplitude da interpretação tributária. O fato gerador,

segundo o autor, é fato jurídico, mas não necessariamente ato ou negócio. A norma definidora

de competências pode indicar negócios jurídicos ou atos jurídicos, mas isso não quer dizer

que todo fato gerador será um ato ou negócio jurídico. Embora seja jurídico, o fato gerador

pode descrever um evento da realidade ou um fato de cunho econômico, sem que isso

corresponda a um contrato ou ato jurídico específico. Podem existir normas definidoras de

competência que se refiram a negócios jurídicos, tais como os atos de transmissão de

propriedade, e normas que se refiram a um fenômeno, fato ou efeito, tal como a renda.

Quando a Constituição Federal delimita certa parcela da realidade (que pode ser

jurídica ou de fato), isso quer dizer que o legislador somente poderá instituir a tributação

dessa parcela da realidade. Nas palavras de Greco (2004, p. 137), “só ela [parcela da

realidade], mas toda ela”. Se o legislador, portanto, pretende captar integralmente essa parcela

da realidade, deverá utilizar um modelo de previsão que seja dinâmico e adaptável, pois não

tem sentido que a legislação tributária seja constantemente alterada.

Conforme Greco (2004, p. 138), se o legislador, no primeiro momento, esgotou

integralmente a sua competência tributária, elaborando uma lei indicativa da realidade

captável e existente naquele momento, não faz sentido que a rápida evolução dos fatos e da

criatividade humana implique a alegação de “fatos não previstos”.

Para Greco (2004, p. 138), é possível abarcar a realidade mutante, sem extrapolar a

competência tributária, mediante três mecanismos:

104

a) enumerando os casos, de forma semelhante à Lista de Serviços do ISS;

b) deixando de enumerar os atos ou fatos, mas indicando categorias de fatos (utilizar o

conceito de atos de transmissão de propriedade, por exemplo, em vez de listar os

respectivos atos existentes no momento da edição da norma, tais como a doação, a

compra e venda, a dação em pagamento, etc.);

c) enumerando certos efeitos padrão, qualificando as situações não pelo fato gerador,

mas pelo efeito. No caso da renda, por exemplo, não tributar os fatos A, B, ou C, e

sim as situações resultantes da ideia de auferir aumento patrimonial resultante do

capital, do trabalho ou da conjugação de ambos.

Greco (2004, p. 138) ressalta que esses três mecanismos não são incomuns. As normas

podem permanecer inalteradas por muito tempo, conforme Greco (2004, p. 386), sem que isto

signifique que a sua aplicação concreta permaneça inalterada indefinidamente. A legislação

da COFINS, por exemplo, afasta a incidência dessa contribuição sobre as receitas decorrentes

de operações que destinem mercadorias à exportação. A legislação não especifica a forma da

operação (compra e venda, etc.), e sim a sua finalidade (destinada à exportação). Nesses

termos, a norma de desoneração será aplicável às novas formas jurídicas adotadas pelos

contribuintes, mesmo que não existam ao tempo da edição da lei.

Não obstante, grande parte da doutrina, conforme Greco (2004, p. 139), afirma que se

o fisco somente pode tributar uma parcela definida da realidade, a lei deve adotar uma

enumeração fechada dos tipos, sob pena de insegurança e arbítrio. Greco (2004)

acertadamente discorda desse entendimento e defende que a legislação pode perfeitamente

adotar uma forma mais flexível de descrição da realidade que seja automaticamente adaptável

à evolução dos fatos, sem sair da esfera de competência atribuída pela Constituição.

Greco (2004, p. 140) também discorda da equiparação da tipicidade aberta à analogia,

esclarecendo que a analogia é um processo de raciocínio utilizado na integração do

ordenamento e que a tipicidade aberta ou fechada é característica ligada à extensão da

previsão da norma.

A analogia também não se confunde com a interpretação extensiva, conforme Greco

(2004, p. 140). A interpretação extensiva envolve um raciocínio dedutivo com três termos

(menor, maior e médio), enquanto a analogia se caracteriza por ser um raciocínio formado por

quatro termos (menor, maior, médio e semelhança relevante).

Na interpretação extensiva, explica Greco (2004, p. 140), o intérprete identifica a

essência do núcleo do preceito e aplica a regra sempre que estiver perante a mesma essência

105

(gênero). Mediante um processo interpretativo, “estende” a norma a uma hipótese que não

está nominalmente indicada.

A analogia, por outro lado, é um tipo de raciocínio que permite aproximar figuras

diferentes. Ao contrário da interpretação extensiva, o caso concreto, na analogia, não está

incluído na previsão abstrata do tipo, mas possui certa característica do tipo que, pela sua

relevância, justifica a aplicação ao caso concreto da mesma regra pertinente ao tipo.

Assim, conforme Greco (2004, p. 141-142), na interpretação extensiva, a regra

aplicável a determinado gênero aplica-se às suas espécies; na analogia, a regra aplicável a

uma espécie é estendida a outra espécie que pertence ao mesmo gênero. Em outros termos, o

raciocínio analógico não vai do todo para a parte (dedução), nem da parte para o todo

(indução), mas sim da parte para a parte.

Quando se diz que a há uma borda imprecisa na lei, que implica a dúvida sobre a

abrangência de determinado fato, não se está falando de analogia, e sim de extensão do

conceito adotado pela lei. Greco (2004, p. 143) cita o exemplo da compra e venda, cuja

questão é saber até onde o seu conceito pode ser levado: ele alcança apenas os contratos

denominados de compra e venda ou também alcança o leasing, cujo perfil é idêntico ao da

compra a venda a prazo? Na visão do autor, esse exemplo não retrata um caso de analogia,

pois se trata apenas de identificar até onde vai o limite do conceito já utilizado pela lei. Não se

busca outro conceito, nem outra lei; toma-se a lei existente, buscando definir o seu âmbito de

aplicação, ou seja, visando a aferir o alcance do tipo que existe na lei.

Na opinião de Greco (2004, p. 145-146), a tipicidade, que pode ser estrutural

(mediante a descrição de um conceito, tal como “salário”) ou funcional (mediante o desenho

de um standard ou de um perfil, tal como a “renda”), deve ser vista como standard, como

modelo. A lei prevê modelos de conduta, e não necessariamente o rótulo dado à conduta. A

forma e o nome não bastam para caracterizar a hipótese concreta.

Greco (2004, p. 149-150) entende que a analogia não é vedada pela Constituição

Federal. Sua vedação decorre do art. 108, §1º do CTN, e não do art. 150, I da Constituição.

Essa ideia de proibição da analogia pelo art. 150, I do CTN vem do Direito Penal, pois assim

como nullum crimen sine legem, nullum tributum sine legem. Ou seja, se o Direito Penal, que

visa à proteção da liberdade individual, veda a analogia, o Direito Tributário também a proíbe.

A questão central quanto ao papel da analogia no Direito Tributário, para Greco (2004,

p. 150), decorre da postura adotada perante o ordenamento. Estando a tributação informada

pelo princípio da capacidade contributiva, o pagamento de impostos não é um mero encargo

106

que o contribuinte deve suportar por força de lei (conceito ligado à noção de liberdade

negativa do Estado de Direito). Segundo Greco (2004, p. 186), pagar impostos, em uma

sociedade formada por pessoas com aptidões distintas para contribuir com as despesas

públicas (cuja finalidade é reverter em serviços para todos e também para os que deles mais

necessitam), corresponde a uma postura ligada à solidariedade com os que menos possuem,

sendo verdadeiro instrumento de compatibilização do convívio social. O autor se filia à

segunda postura e isso não lhe permite enxergar na Constituição qualquer proibição da

analogia em matéria tributária. A proibição da analogia, para o autor, decorre do CTN, e não

da Constituição.

Destaca Greco (2004, p. 150) que, por conta dessa suposta proibição constitucional da

analogia em matéria tributária, a maioria da doutrina exclui qualquer consideração de ordem

econômica no momento da interpretação da norma e dos fatos a ela submetidos. Estando

proibida a analogia, se o tipo é fechado e prevê a tributação do “seguro”, somente o contrato

de seguro, precisamente definido, configurará o fato gerador da respectiva obrigação

tributária. Em outras palavras, como a analogia é proibida, o que não for “seguro”, de acordo

com o tipo estrutural e o nome que designa o respectivo contrato, estará fora do alcance da lei

tributária, sendo vedada qualquer consideração de ordem econômica.

Greco (2004, p. 150) distingue a “consideração econômica do fato” da “interpretação

econômica para fins de aplicação da lei tributária”. Na interpretação econômica, a análise

parte do fato e com base nas suas características econômicas busca-se a lei de incidência. Para

o autor, o modelo abstrato da interpretação econômica, que para nós corresponde à versão

original dessa teoria, é semelhante ao da analogia.

O autor não defende nem a analogia, enquanto vigorar o art. 108, §1º do CTN, nem a

interpretação econômica, em sua versão original. Mas defende o que ele denomina de

consideração econômica, que a nosso ver equivale à versão equilibrada da interpretação

econômica. Na consideração econômica, o intérprete parte da lei e constrói o conceito legal

para identificar o tipo. Ou seja, o intérprete constrói o conceito de fato, considerando os seus

aspectos jurídicos, econômicos, mercadológicos, concorrenciais, etc., e volta-se para a lei para

saber se o fato está ou não nela enquadrado.

A consideração econômica, na visão de Greco (2004, p. 151), implica a inclusão da

variável econômica, ao lado de outras variáveis, na construção do conceito de fato, para saber

“qual ele é”. Segundo o autor, “Isso não tem nada a ver com a interpretação econômica”, em

sua versão original, em primeiro lugar, porque a interpretação econômica se inicia no fato, e

107

não na lei, e, em segundo lugar, porque na interpretação econômica o elemento econômico é

preponderante. Na consideração econômica, considerada indispensável por Greco (2004, p.

184), o elemento econômico é relevante, mas não preponderante.

O que Greco (2004, p. 151) chama de interpretação econômica equivale ao que

chamamos de versão original da interpretação econômica e o que ele chama de consideração

econômica equivale ao que chamamos de versão equilibrada da interpretação econômica,

como critério de interpretação teleológica.

Ressalta Greco (2004, p. 151) que a consideração econômica (ou versão equilibrada da

interpretação econômica, conforme a nomenclatura que adotamos) também não se confunde

com a interpretação extensiva, na qual se busca identificar “o que é” o fato. Consideração

econômica é levar a variável econômica ao lado das demais, visando a identificar “qual fato”

ocorreu.

Voltando ao exemplo do leasing, em que as prestações iniciais são elevadas e depois

reduzidas drasticamente, Greco (2004, p. 152) salienta que a dúvida está na natureza da

operação, ou seja, se o negócio praticado se trata efetivamente de leasing ou na verdade de

compra e venda a prazo. A intenção das partes, isoladamente considerada, não é o que

determina a natureza da operação, e sim o que realmente foi feito. Se as partes quiseram

contratar um leasing, mas na realidade fizeram uma compra e venda a prazo, prevalecerá o

que foi “feito”, e não o que se “quis” fazer.

Ressalta Greco (2004, p. 152) que essa conclusão não é extraída por analogia, pois não

se trata de buscar a lei da compra e venda e aplicá-la ao leasing. Trata-se de constatar que a

operação feita não é leasing, e sim compra e venda a prazo. Na compra e venda a prazo,

identificada como a real operação praticada pelas partes, aplica-se a legislação da compra e

venda a prazo, ou seja, procede-se à subsunção ao tipo correto. Não se trata de um raciocínio

fora do tipo; permanece-se dentro do tipo, visto de uma perspectiva que não é meramente

formal (os negócios jurídicos são o que as partes querem), e sim substancial (os negócios

jurídicos são o que as partes efetivamente fizeram, e não o que quiseram).

Não se trata, conforme Greco (2004, p. 154), de predominância da substância sobre a

forma (versão original da interpretação econômica) ou da forma sobre a substância (versão

formalista do Direito Tributário). Substância e forma devem ser igualmente ponderadas e

consideradas na análise e no enquadramento das operações. Nos dizeres do autor, é preciso

verificar a substância, mas não se deve desconsiderar a forma. A substância servirá para

perguntar “o que é aquilo” e o conteúdo da operação confirmará ou não se a realidade é

108

aquela resultante da forma adotada pelos contribuintes. Em outros termos, conforme Greco

(2004, p. 336), não se trata de interpretação econômica (em sua versão original), mas de

insuficiência do elemento meramente formal para a compreensão da realidade. Trata-se de

considerar o elemento econômico e não de assumi-lo como o único relevante.

Para Greco (2004, p. 452), a consideração econômica (equivalente ao que chamamos

de versão equilibrada da interpretação econômica) não foi prevista pelo CTN e tampouco é

necessária a sua previsão legal, pois a mesma “já integra o sistema”.

Concordamos com Greco (2004) sobre a desnecessidade da previsão legal da versão

equilibrada da interpretação econômica como critério de interpretação teleológica, a qual é

parte integrante da Teoria Geral do Direito. Tendo em vista o objetivo do nosso estudo, não

nos manifestaremos sobre a necessidade ou não de previsão legal da interpretação econômica

como forma de combate à elusão fiscal, ao lado das figuras da fraude à lei e do abuso de

direito, a qual é objeto de intensos debates doutrinários, tal como a norma do § único do art.

116 do CTN.

3.3.2 Ricardo Lobo Torres

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 52) também entende que a interpretação do Direito

Tributário é igual a qualquer outra, contendo certas particularidades decorrentes da estrutura

de suas normas. Não se trata, contudo, de especificidade de métodos, pois mesmo a

interpretação econômica e a funcional, conforme o autor, estão inseridas na interpretação

teleológica, presente em qualquer ramo do Direito e que informa todos os métodos de

interpretação (literal, sistemático e histórico). Assim, a interpretação do Direito Tributário se

insere, juntamente com a interpretação jurídica em geral, no conjunto da atividade

hermenêutica, ao lado da interpretação histórica, filológica, etc.

Destaca Torres (2000, p. 57) que a interpretação do Direito Tributário é fortemente

influenciada por vários princípios jurídicos, tais como os da boa-fé, do Estado Social de

Direito, da democracia, da liberdade de iniciativa, de proteção à propriedade privada, da

razoabilidade, da ponderação, da legalidade, da igualdade e da capacidade contributiva. Não

há, contudo, princípios próprios da interpretação do Direito Tributário, uma vez que estão

superados os brocardos do in dubio pro fiscum e do in dubio pro contribuinte.

109

O princípio da unidade, por seu turno, é muito importante para a interpretação do

Direito Tributário, pois, conforme Torres (2000, p. 60), significa que o intérprete deve sempre

buscar a harmonia, a sintonia e a integração entre as normas e os princípios jurídicos. O

princípio da unidade leva à consideração do Direito Tributário como sistema, mas não como

sistema global e fechado de normas e valores.

O princípio da legalidade exerce forte influência sobre a interpretação e a integração

do Direito Tributário. Ao contrário de Greco (2004), Torres (2000, p. 141) entende que a

proibição da analogia é consequência direta do princípio da legalidade, sendo redundante e

repetitivo o art. 108, §1º do CTN.

Na mesma linha de Greco (2004), contudo, Torres (2000, p. 141) sustenta que do

princípio da tipicidade não emana, como apregoa o positivismo ingênuo, a possibilidade do

total fechamento das normas tributárias e a adoção de enumerações casuísticas e exaustivas

dos fatos geradores. A norma tributária, ressalta o autor, não pode deixar de conter alguma

indeterminação e imprecisão, uma vez que também se utiliza das cláusulas gerais e dos tipos,

que são abertos por definição.

Sobre a adoção de institutos de Direito Privado pelo Direito Tributário, Torres (2000,

p. 190) entende que o CTN admite o método sistemático de interpretação e que por isso

recusa a autonomia do Direito Tributário.

Conforme o autor, a interpretação sistemática implica que os conceitos e institutos

jurídicos devem ser compreendidos em consonância com o lugar que ocupam ou com o

sistema do qual emanam, com vistas à unidade do Direito. Em outros termos, de acordo com a

interpretação sistemática, os conceitos de Direito Privado empregados pelo Direito Tributário

conservam o seu sentido originário. Esse método, que privilegia os elementos lógicos e

linguísticos, também costuma ser chamado de interpretação lógico-sistemática.

Relata Torres (2000, p. 192) que a doutrina não é unânime sobre a preponderância, no

CTN, da interpretação teleológica ou da interpretação sistemática, ou seja, se prevalece a

autonomia do Direito Tributário, com a ressalva dos conceitos constitucionalizados (art. 110

do CTN), ou se prevalece o Direito Privado.

De toda forma, a interpretação lógico-sistemática, conforme Torres (2000, p. 194),

está em franco declínio na consideração da doutrina jurídica, por excluir a interpretação

teleológica. Por conseguinte, também estão em declínio os corolários do primado do Direito

Privado, da separação entre os sistemas do Direito e o da Economia, da licitude da elisão e da

exclusividade da legislação como fonte do Direito Tributário.

110

A posição paralela, conforme Torres (2000, p. 196), defende a independência do

Direito Tributário frente à economia e a impossibilidade de juridicização fiscal dos conceitos

econômicos sem a intermediação do Direito Privado. Essa posição também é fruto do

positivismo formalista e não mais se sustenta diante dos estudos sobre o equilíbrio entre os

sistemas sociais.

A consequência da tese da sujeição dos conceitos de Direito Tributário aos do Direito

Privado, conforme Torres (2000, p. 196), é a licitude da elisão. Será lícita qualquer

conceitualização jurídica do fato sujeito ao imposto, uma vez que à aptidão lógica do conceito

para revestir juridicamente certos fatos repugna a ideia de abuso de forma jurídica. O

formalismo conduz, assim, a privilegiar a legislação como única fonte do Direito Tributário,

com a exclusão da jurisprudência, denotando uma exagerada preocupação com a segurança

jurídica e a legalidade.

O método teleológico, por seu turno, leva em conta a finalidade e o objetivo da norma.

Segundo Torres (2000, p. 197), traduz-se, no campo tributário e em outros ramos do Direito,

na interpretação econômica ou funcional.

Na visão de Torres (2000, p. 194), o CTN parecia aderir, na fase de sua elaboração, à

teoria da interpretação econômica, por influência da doutrina e da legislação alemãs. Com a

ressalva do art. 110, contudo, o método sistemático ganhou maior amplitude, em detrimento

do método teleológico. O CTN, assim, apresenta-se tímido quanto à interpretação econômica

e cuida apenas das relações entre Direito Tributário e Direito Privado, não chegando a uma

fórmula geral de interpretação teleológica, aplicável aos diferentes problemas fiscais, como

fazia a antiga legislação alemã e ainda faz a lei argentina.

Assim como Greco (2004, p. 452), entendemos que é desnecessária a previsão legal da

interpretação econômica como critério de interpretação teleológica, a qual, a nosso ver,

decorre da Teoria Geral do Direito.

Atualmente, como bem adverte Torres (2000, p. 201), não mais se defende a

preponderância da interpretação econômica ou a preponderância do método finalístico, os

quais foram substituídos pelo pluralismo metodológico. Sob a ótica do autor, a interpretação

econômica teve em Becker e Hensel (2005) os seus mais importantes defensores. Segundo o

nosso entendimento, contudo, Hensel (2005) não se filia à versão da interpretação econômica

de Becker, e sim à versão equilibrada da interpretação econômica. Na Suíça, Torres (2000, p.

201) destaca a obra de Blumenstein; na Itália, destaca as obras de Griziotti, Vanoni (1932) e

Jarach (1996). No Brasil, os estudos mais importantes, na visão do autor, foram escritos por

111

Amílcar de Araújo Falcão (1987), cabendo a Rubens Gomes de Sousa (1954) oferecer alguns

subsídios, embora não tenha sido muito clara a sua opção pelo método finalístico.

Na visão de Torres (2000, p. 202), Hensel (2005), Jarach (1996) e Falcão (1987) não

aderiram rigidamente à tese da autonomia do Direito Tributário, mesclando-a com elementos

privatistas. Concordamos com o autor quanto a Hensel (2005) e Falcão (1987), em sua

segunda obra, mas não quanto a Jarach (1996), que a nosso ver em nada flexibilizou a

autonomia do Direito Tributário.

Alerta Torres (2000, p. 202-203) que os corolários da versão original da interpretação

econômica, consistentes na autonomia do Direito Tributário, na redução economicista, na

ilicitude da elisão, na liberdade do juiz tributário e na primazia da justiça, também se

desvalorizaram.

No pluralismo metodológico, que atualmente rege a interpretação do Direito

Tributário, na visão de Torres (2000, p. 206), inexiste a prevalência de um único método.

Tampouco ocorre a duplicidade de que se reveste o CTN, em que o método sistemático se

aplica aos conceitos de estatura constitucional e o teleológico aos conceitos da legislação

ordinária. Há pluralidade e equivalência, sendo os métodos aplicados de acordo com o caso

concreto e com os valores ínsitos na Constituição. Ora se recorre ao método sistemático, ora

ao teleológico, ora ao histórico, uma vez que tais métodos não são contraditórios e na verdade

se complementam e se intercomunicam.

Para Torres (2000, p. 206), os métodos variam de acordo com o tributo a que se

aplicam. Os impostos sobre a propriedade, por exemplo, postulam a interpretação sistemática,

porque apoiados em conceitos de Direito Privado. Os impostos sobre a renda e o consumo

abrem-se à interpretação teleológica, porque baseados em conceitos elaborados pelo próprio

Direito Tributário. Os métodos de interpretação, assim, devem ser estudados dentro da visão

pluralista. Entre eles não há hierarquia e sua importância varia de acordo com o caso e com as

valorações jurídicas na época da aplicação, como sempre reconheceu a doutrina não

extremada, seja no Direito em geral, seja nos ramos especializados, tais como o Direito

Constitucional e o Direito Tributário.

Ressalta Torres (2000, p. 207) que as escolas e as correntes radicais é que têm

advogado a prevalência deste ou daquele método. O positivismo cientificista do século XIX

apegava-se ao método lógico-gramatical e ao sistemático. A Jurisprudência dos Interesses

enfatizava o método teleológico, de que a interpretação econômica constitui projeção no

112

campo tributário. Mas, conforme o autor, a Jurisprudência dos Valores, nas últimas décadas,

vem superando o radicalismo, defendendo o pluralismo metodológico.

Em verdade, segundo Torres (2000, p. 209), inexiste qualquer corte entre o método

teleológico e o literal, o histórico e o sistemático. O método sistemático não é apenas lógico,

pois também possui uma dimensão valorativa: esse método visa a compreender a norma

dentro do sistema jurídico, que é aberto, direcionado para os valores, especialmente a justiça e

a segurança, e dotado de historicidade. A ideia diretriz, de toda forma, é a unidade entre os

vários ramos do Direito e as respectivas teorias, unidade essa que, conforme o autor, não é

fechada, e sim rica de sentidos.

Entende Torres (2000, p. 211), assim, que o método sistemático incorpora o critério

teleológico, de onde se conclui que do sistema jurídico emana a dimensão econômica e

finalista.

Em contraponto, destaca o autor que a interpretação teleológica não vive apenas da

consideração da finalidade. A finalidade pressupõe o sistema, interno e externo, pois os

valores jurídicos, os princípios constitucionais e o Direito também se organizam em sistemas.

A finalidade econômica, dessa forma, afirma-se a partir do sistema de normas e valores, de

conceitos e tipos jurídicos, de proposições e enunciados científico-tributários. Conforme

Torres (2000, p. 212), o critério teleológico e a consideração econômica se orientam pelo

próprio sistema tributário, uma vez que a percepção dos fins não decorre de cada norma

isolada, e sim da visão ampliada da norma dentro do ordenamento.

Torres (2000, p. 212) atribui a Larenz a depuração metodológica da interpretação do

Direito Tributário, a qual se projetou sobre a jurisprudência alemã e permitiu o retorno da

consideração econômica sem os exageros da Jurisprudência dos Interesses.

3.3.3 Marciano Seabra de Godoi

Godoi (2010) também entende que a formulação linguística presente no texto escrito

permite tão somente uma aproximação inicial do intérprete ao conteúdo da norma, o qual

somente será fixado paulatinamente, na medida em que a realidade se descortinar diante dele.

Em outras palavras, se a norma jurídica se destina a ordenar e a coordenar a realidade

social, somente com o desenrolar dessa realidade social é que o conteúdo da norma irá se

113

desenhando. Por essa razão, ressalta Godoi (2010), não existe interpretação sem aplicação do

Direito. Do lado dos intérpretes, que apenas desvelam a norma na medida em que são

chamados a aplicá-la nos casos concretos, a contraposição de argumentos interpretativos

supõe frequentemente o manejo de convicções valorativas mais profundas e a realização de

constatações fáticas e empíricas que nem sempre são objeto de normas jurídicas.

Há noções doutrinárias sobre interpretação jurídica que conseguem captar o que ocorre

de fato nos tribunais, nas academias e nos escritórios de advocacia, mas grande parte da

doutrina do Direito Tributário insiste em ignorar o mundo real da jurisprudência e se aferra a

uma noção bem diferente sobre o que significa a interpretação do Direito.

Godoi (2010) cita as duas obras de Becker como exemplo dessa parte da doutrina

formalista que ignora a jurisprudência e que considera que a lei somente admite uma única

interpretação. Para essa corrente doutrinária, apegada ao positivismo cientificista, o Direito se

resume a normas que, por sua vez, resumem-se a estruturas lógicas que unem hipóteses de

incidência a consequências jurídicas. A interpretação, segundo essa visão, é algo passivo,

neutro e objetivo, uma vez que a incidência da norma é “infalível” ou “automática”.

Godoi (2010) critica a posição de Becker e destaca que é preciso fechar os olhos para

o que se passa no mundo real da jurisprudência, das academias e dos escritórios de advocacia

para insistir nessa concepção da interpretação jurídica como uma “ciência” que permite ao

intérprete “descobrir” o “único” e “imutável” sentido da norma.

Godoi (2010) entende, de forma contrária, que a interpretação jurídica é uma tarefa

que não se pode cumprir sem uma considerável carga criativa e sem que, muito

frequentemente, entrem em ação determinadas convicções do intérprete sobre o que é e quais

são os fundamentos do Direito. Na mesma linha de Greco (2004), Godoi (2010) entende que a

ideologia adotada pelo intérprete é decisiva no resultado da interpretação:

Se um juiz considera que a principal função da forma atual de nosso Estado é, intervindo o menos possível na ordem social, promover segurança e certeza jurídicas para que as pessoas físicas e jurídicas possam exercer livremente sua autonomia privada desde que tal exercício não prejudique a autonomia dos demais cidadãos, então sua concepção sobre o papel do tributo, do sistema tributário e da própria interpretação do direito tributário será uma concepção bem distinta da de um juiz que considere que o paradigma atual de Estado exige a transformação das condições sociais de modo a que todos os cidadãos tenham uma liberdade o mais igual possível no que diz respeito ao nível de participação na definição dos rumos políticos da sociedade (autonomia pública) e uma igualdade equitativa de oportunidades para a busca e realização de seus projetos pessoais de vida (autonomia privada).

114

Assim, conforme Godoi (2010), não basta que o intérprete acompanhe a legislação,

pois é necessário conhecer profundamente:

a) os condicionamentos históricos e culturais da experiência jurídica concreta vivida

em determinado país;

b) as relações fático-sociais relevantes para determinada regulação jurídica;

c) a evolução jurisprudencial responsável por cristalizar o conteúdo das normas

jurídicas.

Tudo isso indica, para Godoi (2010), que somente conhece verdadeiramente um

ordenamento jurídico quem se coloca na perspectiva de um participante de tal ordenamento, o

que demonstra que a interpretação jurídica não se resolve em uma simples questão de haurir

conhecimentos em uma belíssima teoria geral.

Godoi (2010) destaca que o legislador que formula normas de incidência tributária tem

que desempenhar uma tarefa complexa, pois não é simples selecionar situações da vida que

indiquem capacidade econômica e submetê-las ao tributo. Na visão de Godoi (2010), na

hipótese de incidência da norma tributária, em geral tem-se:

a) a descrição de um ato ou fato material com certa consistência econômica (importar,

exportar, dar saída a um produto industrializado, auferir acréscimo patrimonial,

etc.); ou

b) a referência a um ato ou negócio jurídico já tipificado no Direito Privado ou em

outro ramo do Direito (doação, locação, compra e venda).

Se o legislador optar pela técnica “b”, surgirá a seguinte pergunta: o intérprete da

norma deverá interpretá-la e aplicá-la usando os conceitos no mesmo sentido em que valem

no Direito Privado ou deve conferir a esses conceitos um colorido próprio em função de

estarem sendo utilizados em um contexto distinto do Direito Privado?

Afirma Godoi (2010) que a resposta não é fácil, uma vez que a legislação de quase

todos os tributos faz referência a institutos e conceitos de outros ramos do Direito,

principalmente do Direito Privado. No imposto sobre a renda, por exemplo, não obstante o

fato gerador se constituir em um instituto de Direito Tributário, em vários contextos a

legislação se refere a conceitos oriundos do Direito Privado, como no caso dos benefícios

fiscais ligados a operações de incorporação, fusão e aquisição de empresas. Ademais,

conforme Godoi (2005, p. 88), o legislador pode estabelecer, por exemplo, que os

rendimentos do trabalho assalariado estão sujeitos a uma tributação reduzida e que os prêmios

de contratos de seguro de vida são dedutíveis da base de cálculo do imposto.

115

Segundo Godoi (2005, p. 88), não haverá maiores dificuldades interpretativas se o

legislador afirmar expressamente que mantém ou altera o significado do instituto “importado”

de outro ramo jurídico. Na maioria dos casos, contudo, não há uma indicação legislativa

precisa e expressa em um ou em outro sentido.

Godoi (2005, p. 91) considera tendencioso o ponto de vista dos autores formalistas que

sustentam, com base na “homogeneidade sistemática requerida pela certeza do direito”, que

os conceitos definidos em determinado ramo jurídico, ao serem mencionados pela lei

tributária, mantêm seu significado original, a não ser que a lei expressamente afirme o

contrário. Segundo essa teoria, a utilização do critério teleológico na interpretação da norma

tributária resta prejudicada diante de expressões consagradas em outros ramos do Direito.

Nestes casos, relata Godoi (2005, p. 91), os autores formalistas aduzem que somente a

indicação expressa de que a norma tributária alterou ou modificou o sentido daquelas

expressões (critério literal) pode autorizar o intérprete a se afastar do seu sentido no ramo de

origem.

Relata Godoi (2010) que após o acalorado debate sobre a prevalência ou não do

Direito Privado sobre o Direito Tributário, generalizou-se a postura de que não há uma

resposta apriorística a esse problema. Conforme Godoi (2005, p. 91), os pontos de partida

teóricos necessários para se alcançar tal consenso são:

a) a norma tributária não supõe nem exige nenhum critério específico de interpretação;

b) a interpretação jurídica se vale de muitos cânones ou critérios hermenêuticos com o

objetivo de desvendar o espírito e a finalidade concreta da lei (prevalência do

aspecto teleológico);

c) a interpretação se move entre o mínimo e o máximo sentido literal possível das

palavras em seu contexto normativo próprio; fora de tais limites haverá a integração

da norma via redução teleológica ou via analogia.

Assim, na visão de Godoi (2010), à qual aderimos inteiramente, o acatamento da lei

tributária ao sentido originário dos termos de outros ramos jurídicos não deve ser a premissa,

e sim a conclusão de um processo normal de interpretação. No final do processo

interpretativo, caso se conclua pela prevalência da substância econômica sobre as formas

jurídicas adotadas pelo legislador, as formalizações jurídicas assumirão, no contexto

normativo, uma função meramente exemplificativa. Mas, como adverte Godoi (2005, p. 91), a

prevalência dos critérios econômicos será sempre a conclusão de um processo interpretativo

para se alcançar a teleologia concreta da lei, e não uma premissa abstrata calcada na teoria da

116

causa do tributo (de JARACH, 1996 e GRIZIOTTI, 193?) ou em uma eficácia exagerada do

princípio da capacidade econômica.

Conforme Godoi (2005, p. 92), o fato de que em muitos casos a norma tributária faz

referência a conceitos que com o tempo mudam seu sentido no próprio Direito Privado ou que

têm significados distintos em dois ou mais ramos do Direito é uma evidência de que a

prevalência ou não da substância sobre a forma não é uma premissa teórica, mas sim um

aspecto a mais do processo interpretativo de cada norma concreta.

Caso a norma tributária tenha sido formulada em função de formas jurídicas ou

institutos oriundos do Direito Privado, o intérprete deverá qualificar os fatos e atos segundo as

suas respectivas formas jurídicas, a não ser que os contribuintes tenham distorcido ou

violentado tais formas jurídicas (abuso das possibilidades de configuração oferecidas pelo

Direito) para praticar uma fraude à lei tributária.

Em outras palavras, entende Godoi (2010) que se o contribuinte age em fraude à lei, o

intérprete já não está mais obrigado a qualificar a realidade conforme as formas jurídicas

adotadas pelo contribuinte. Se partir do próprio contribuinte a iniciativa de distorcer as formas

e negócios do Direito Privado e utilizá-los em um contexto notoriamente artificioso, a

resposta do ordenamento será autorizar o intérprete da norma tributária a avaliar e qualificar a

realidade segundo uma visão substancial/econômica, desvinculada das formas jurídicas

artificiosamente utilizadas pelo contribuinte. Godoi (2010) chama essa forma de interpretação

de versão matizada da interpretação econômica.

Entende Godoi (2005, p. 104) que a variante matizada da interpretação econômica

(equivalente ao que chamamos de versão equilibrada da interpretação econômica como forma

de combate à elusão fiscal) é muito mais prudente que a variante radical dessa teoria

(equivalente ao que chamamos de versão original da interpretação econômica). A variante

matizada condiciona o maior grau de liberdade do intérprete e o caráter reforçado do seu

poder de qualificação a situações em que o contribuinte comete abuso de formas. Na variante

radical, por sua vez, os poderes reforçados de qualificação e a liberdade investigadora do

intérprete estão sempre presentes, pois nada mais são que consequências naturais da

autonomia dogmática do Direito Tributário.

Por essa razão, os adeptos da versão radical ou original da interpretação econômica,

conforme Godoi (2010), consideravam errôneo utilizar a fraude à lei como arma de combate à

elusão tributária. De fato, para a versão radical ou original da interpretação econômica é

supérflua a consideração da elusão tributária como distinta dogmaticamente da evasão fiscal

117

pura e simples. Se se parte da premissa de que as normas que definem os fatos geradores se

referem como regra geral a realidades econômicas (mesmo que em sua formulação linguística

sejam utilizados conceitos e institutos jurídicos), a correção das situações ajustadas ao

conceito de elusão fiscal não é diferente da correta interpretação da lei tributária.

Por outro lado, conforme Godoi (2005, p. 86), a configuração de efeitos tributários aos

fatos, atos e negócios praticados pelos contribuintes não suscitaria qualquer especificidade nas

situações de elusão fiscal, pois, segundo os pressupostos da versão original da interpretação

econômica, o aplicador da lei, em uma operação tributável, deve indagar a intenção fática, e

não a intenção jurídica das partes.

Mas a questão de “realizar-se ou não o fato gerador” deve ser a conclusão do

raciocínio, e não a sua premissa. Conforme Godoi (2005, p. 107), se se concebe que a técnica

da fraude à lei tributária não considera o fato gerador como simples fenômeno fático, mas sim

como um ato ou um negócio jurídico cuja realização é planejada pelo sujeito passivo, a

conclusão é que não se pode estabelecer uma aguda disjunção entre praticar ou não o fato

gerador. Godoi (2005, p. 107) não vê motivos para que o legislador não possa estabelecer uma

técnica (fraude à lei tributária, por exemplo) que considere o fato gerador como ato volitivo e

não como fato puro e simples. Dizer que não pode ser assim, por que ou o fato gerador ocorre

ou não ocorre, significa adiantar a conclusão do raciocínio. O reconhecimento de que em

determinados casos a obrigação tributária pode nascer mesmo que o fato gerador não ocorra

tal como tipificado na norma tributária implica o reconhecimento de que em tais casos há

“algo” que justifica juridicamente a exigência do tributo.

Ressalta Godoi (2005, p. 107) que para a maioria da doutrina esse “algo” que justifica

o rompimento da tipicidade cerrada é o abuso das possibilidades de conformação do direito.

Em outras palavras, o tributo deve ser exigido porque o planejamento tributário praticado pelo

contribuinte repugna à lógica do sistema, ou seja, é injustificado a partir da perspectiva do

ordenamento jurídico-tributário em seu conjunto.

Tais situações de elusão fiscal repugnam à lógica do sistema, na visão de Godoi (2005,

p. 108), porque a atuação consciente dos contribuintes vulnera o plano imanente da lei

tributária eludida. Admitindo-se a possibilidade de repugnância à lógica do sistema, deve-se

avançar e constatar que no sistema tributário existe um núcleo de princípios básicos de ordem

pública que devem ser protegidos mediante as técnicas de combate à elusão fiscal, tal como a

da fraude à lei. Para Godoi (2005, p. 108), é relevante para o ordenamento jurídico o atuar

consciente e volitivo dos contribuintes que eludem o pressuposto de fato da norma impositiva.

118

Para a versão radical ou original da interpretação econômica, contudo, que parte de uma

consideração puramente fática do fato gerador, essa realidade é negada a priori e há a referida

disjunção entre praticar ou não praticar o fato gerador.

Godoi (2005, p. 112) reconhece que era natural que a versão radical ou original da

interpretação econômica, como reação ao exagerado formalismo jurídico vigente no início do

século XX, conferisse um papel subalterno a valores como segurança e certeza na aplicação

do Direito Tributário.

Tendo como marco referencial o surgimento da interpretação econômica, Godoi

(2005, p. 112) identifica pelo menos três variantes ou gradações do formalismo jurídico no

Direito Tributário:

a) o formalismo anterior ao desenvolvimento da teoria da interpretação econômica;

b) o formalismo como reação aos exageros da interpretação econômica;

c) o formalismo como reação à introdução de normas gerais antielusão nos direitos

positivos.

A primeira variante do formalismo jurídico-tributário apontada por Godoi (2005, p.

113) era na verdade uma noção primitiva de formalismo, pois surgiu e se desenvolveu em um

contexto no qual a norma tributária ainda não era considerada “jurídica”, o tributo ainda não

havia se libertado da noção de agressão odiosa aos direitos do cidadão e o Direito Tributário

ainda não havia nascido.

Para Godoi (2005, p. 113), sob esses pressupostos ideológicos e metodológicos era

natural a adoção de um certo formalismo benéfico ao contribuinte mesmo nos casos de elusão

fiscal.

Segundo Godoi (2005, p. 113), outro fator que contribuiu para a interpretação literal e

formalista das normas tributárias neste período foi a forçada transposição ao terreno tributário

da máxima do Direito das Obrigações segundo a qual as cláusulas de um contrato devem ser

interpretadas contra aquele cuja vontade se cristalizou na redação do contrato.

A segunda variante do formalismo jurídico foi idealizada como forma de combate à

versão radical ou original da interpretação econômica. Na visão de Godoi (2005, p. 113), os

estudos de Gianinni e Berliri pertencem a essa versão moderada do formalismo, os quais, sem

negar a autonomia qualificadora do Direito Tributário e a interpretação teleológica das

normas tributárias, rechaçam a presunção de que o legislador tributário sempre que se refere a

institutos de Direito Privado em verdade se refere à substância econômica subjacente à

formalização jurídica.

119

Segundo Godoi (2005, p. 114), essa segunda versão do formalismo corrige os excessos

da versão radical ou original da interpretação econômica e sustenta corretamente que não se

pode dar uma resposta apriorística ao problema da prevalência ou não dos conceitos de

Direito Privado na interpretação da norma tributária. Devem ser utilizados os critérios

normais de hermenêutica jurídica em cada caso (partindo do estabelecimento do mínimo e do

máximo sentido literal possível e em seguida aplicar os cânones lógico-sistemático, histórico

e teleológico) a fim de se identificar se no contexto específico da norma tributária a menção a

institutos jurídicos de Direito Privado tem uma função exemplificativa ou exaustiva.

Mas como não é tarefa fácil e segura determinar, entre os diversos sentidos literais

possíveis das expressões da lei tributária, qual deles (formalização jurídica ou substância

econômica) corresponde à teleologia da lei, essa segunda variante do formalismo, conforme

Godoi (2005, p. 114), sugere adicionalmente que se utilize a presunção de que, nos casos em

que o legislador se remete expressamente aos conceitos de Direito Privado e não há qualquer

elemento objetivo que indique inequivocamente a prevalência do sentido econômico, o

intérprete deve apegar-se ao sentido civilista de tais expressões.

A grande maioria dos países adota, segundo Godoi (2005, p. 114), ainda que em

distintas intensidades, essa segunda versão do formalismo jurídico. Nesses países não se

busca a primazia do Direito Privado sobre o Direito Tributário, e sim o afastamento da versão

radical ou original da interpretação econômica, a qual comprometia a segurança jurídica e a

unidade do ordenamento.

Godoi (2005, p. 115) destaca que os países que desenvolveram o papel de precursores

de uma tradição jurídica têm em geral uma postura menos estrita a favor da forma jurídica na

interpretação das normas tributárias. Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e França são

exemplos de países menos formalistas. Áustria, Suíça, Holanda, Canadá, Austrália, Nova

Zelândia, Bélgica, Itália e demais países latino-americanos, com exceção da Argentina, são

exemplos de países mais apegados à forma.

Segundo Godoi (2005, p. 115), a segunda versão do formalismo prevalece na maioria

dos países mediante preceitos legislativos tais como as normas gerais antielusão e por meio de

doutrinas desenvolvidas pelos tribunais ao longo do século XX.

A terceira variante suscitada por Godoi (2005, p. 115) constitui uma crítica à versão

matizada da interpretação econômica, qual seja, a doutrina segundo a qual o Direito Tributário

pode aplicar técnicas jurídicas similares às do abuso de direito ou da fraude à lei para coibir

120

determinadas formas de se evitar o tributo que não configurem propriamente evasão ou

infração à lei.

Segundo Godoi (2005, p. 115), essa terceira manifestação do formalismo jurídico,

presente na generalidade dos países, mas especialmente influente no Brasil, Itália, Portugal,

Bélgica e Espanha, sustenta que a autonomia privada e a liberdade do indivíduo de fazer tudo

que a lei não proíbe se expressa no campo tributário mediante o direito de criar e escolher as

configurações e formalizações negociais que impliquem menores custos tributários.

A nosso ver, a posição de Godoi (2005) é muito parecida com as de Greco (2004) e

Torres (2000). Ao contrário dos autores formalistas, Godoi (2005) permite que tanto os

valores do Estado de Direito (protetivos) quanto os valores do Estado Democrático (sociais e

modificadores da realidade) “sentem à mesa” para dialogar.

Ou seja, na mesma linha de Greco (2004) e Torres (2000), Godoi (2005) entende que a

legalidade e a segurança jurídica devem ser ponderados, em cada caso, com os valores da

solidariedade, igualdade e capacidade contributiva. O tributo, na visão desses três autores, tem

a função de modificar a realidade, tornando a sociedade mais justa e igualitária.

A interpretação econômica, em sua versão equilibrada, como critério de interpretação

teleológica ou como forma de combate à elusão fiscal, é claramente admitida por Godoi.

Assim como Greco (2004) e Torres (2000), Godoi (2005) compreende que a interpretação

econômica há muito se desvencilhou de seus exageros iniciais e que sua versão atual

(chamada por GODOI, 2005 de versão matizada) é imprescindível à efetividade do sistema

tributário.

3.3.4 Johnson Barbosa Nogueira

Johnson Barbosa Nogueira (1982, p. 16), cuja dissertação de mestrado teve como

objeto a interpretação econômica do Direito Tributário, observa que essa doutrina ainda

demonstra vitalidade e confusão. A vitalidade consiste na intuição de que a interpretação

econômica é uma necessidade para a verdadeira compreensão do Direito Tributário. A

confusão decorre da diversidade de enfoques, de conceituação e extensão do tema. Para o

autor, o sentido uniforme que se pode atribuir aos vários enfoques da interpretação econômica

121

é o de reação contra a interpretação literal e formalista das normas tributárias. Esse é o sentido

que Nogueira (1982, p. 2) atribui ao §4º do Código Tributário alemão de 1919.

Segundo o autor, os que criaram a interpretação econômica deveriam ter se dedicado a

criticar a teoria geral da interpretação jurídica em vez de criar um método intramuros, como

se o Direito Tributário fosse excepcional e não devesse ser interpretado conforme os demais

ramos do Direito. Em outras palavras, os criadores dessa teoria deveriam tê-la desenvolvido

no âmbito da Teoria Geral do Direito, nos termos de uma crítica à interpretação tradicional.

Foi esse equívoco, segundo o autor, que aproximou a interpretação econômica da Escola da

Livre Investigação do Direito.

De fato, há certa contradição entre a visão do Direito Tributário como um direito

comum (e não restritivo de direitos) e a criação de um método específico para sua

interpretação. Contudo, há de se considerar, a nosso ver, que no contexto do início do século

passado foi natural a instituição de uma medida forte e radical de reação contra os efeitos

decorrentes do primado do Direito Privado sobre o Direito Tributário. Ademais, a versão

original ou radical da interpretação econômica posteriormente evoluiu para uma versão muito

mais equilibrada, na qual essa doutrina é considerada espécie de interpretação teleológica ou

forma de combate à elusão fiscal. A versão equilibrada não mais concebe a interpretação

econômica como método intramuros, e sim como critério de interpretação geral capaz de

captar as peculiaridades do Direito Tributário, como ocorre em qualquer ramo do Direito.

Nogueira (1982, p. 3) relata que os doutrinadores alemães reconhecem atualmente os

exageros na aplicação inicial do referido §4º e atribuem a esse dispositivo um papel

importante no desenvolvimento do Direito Tributário. A doutrina alemã de 1982, conforme o

autor, não admite a possibilidade de o trabalho interpretativo substituir a tarefa legislativa de

formulação da norma tributária, tal como ocorreu nos primórdios da interpretação econômica.

Relata ainda o autor que a interpretação econômica vem sendo restringida em sua

aplicação, ora para combater a elusão fiscal, ora como método suplementar de interpretação.

Essa restrição relatada pelo autor parece corresponder ao que denominamos de versão

equilibrada da interpretação econômica.

O autor diferencia a interpretação econômica da interpretação funcional de Griziotti e

Jarach (1996), na qual o conceito fundamental de causa do imposto (fruição de serviços

públicos, capacidade econômica) implica que as leis sejam interpretadas segundo suas

relações funcionais, de modo que a norma jurídica seja adequada ao elemento econômico e

político, vinculando estreitamente o Direito Tributário à ciência das finanças. A interpretação

122

funcional, sob a ótica de Nogueira (1982, p. 10), admite o uso da analogia e confere ao

intérprete um campo de investigação bem mais amplo do que o admitido pela interpretação

econômica, mesmo em sua versão original.

Entendemos, contudo, que tanto a interpretação funcional quanto a versão original da

interpretação econômica admitem o uso da analogia e conferem amplos poderes ao intérprete.

Basta lembrar que a primeira fase da jurisprudência alemã acerca da interpretação econômica

chegou às raias da Escola da Livre Investigação do Direito.

Para Nogueira (1982, p. 17), a interpretação econômica adota as seguintes variantes

conceituais:

a) busca da substância econômica sobre a forma jurídica;

b) utilização de conceitos próprios de Direito Tributário, em decorrência de sua

autonomia em relação ao Direito Privado. O intérprete, diante de uma diversidade

de conceitos, deve abandonar os conceitos de Direito Privado e perquirir o

significado de institutos e conceitos “sob a ótica do Direito Tributário”;

c) busca de identidade de efeitos econômicos, ou seja, fatos diversos com o mesmo

efeito econômico devem ter o mesmo tratamento fiscal;

d) combate ao abuso de formas do Direito Privado;

e) introdução da teoria do abuso do direito no Direito Tributário;

f) mera interpretação teleológica;

g) valoração dos fatos;

h) interpretação dos fatos; a interpretação econômica não atuaria na interpretação da

norma, e sim na qualificação dos fatos.

Segundo o autor, a busca da substância econômica é a idéia básica da doutrina da

interpretação econômica e dela decorrem duas alternativas: tomar os fatos como foco, em

busca da substância econômica (e subverter a idéia de que se interpretam normas, e não fatos),

ou mudar os conceitos e formas jurídicas de apreensão dos fatos, fazendo com que estes

captem a substância econômica do fenômeno tributário, e não apenas a sua forma.

Conforme Nogueira (1982, p. 26), a primeira alternativa fez surgir as duas últimas

variantes (g e h) e a segunda alternativa deu margem ao surgimento da segunda variante (b),

escudada no movimento defensor da autonomia estrutural do Direito Tributário.

A terceira variante (c) representa o acerbamento da primeira variante e admite o amplo

emprego da analogia no Direito Tributário. Para o autor, embora procure interpretar a lei, esta

corrente permite que o intérprete extrapole o canal conceitual legal.

123

A quarta variante (d), segundo Nogueira (1982, p. 27), introduz a apreciação

valorativa na tarefa de interpretação e representa uma acomodação da teoria da interpretação

econômica diante do arsenal de críticas oposto contra ela. Por isso mesmo, conforme o autor,

esta variante restritiva do uso da interpretação econômica é dominante na atualidade.

A nosso sentir, a quarta (d) e a quinta (e) variantes são equivalentes e correspondem à

versão equilibrada da interpretação econômica como forma de combate à elusão fiscal.

Nogueira (1982, p. 29) entende que a sexta variante (f) tem o mérito de se voltar para a

Teoria Geral do Direito, procurando ver na interpretação econômica a utilização de um

método geral de interpretação. Na visão do autor, para os que entendem que toda

interpretação é eminentemente teleológica, torna-se sem sentido toda a polêmica a respeito da

interpretação econômica. Nogueira (1982, p. 29) não considera que o método teleológico seja

suficiente para abrigar a interpretação econômica, a qual, na sua visão, é muito mais voltada

para os fatos, em sua “cambiante circunstancialidade, do que para uma finalidade que,

determinada, permaneceria fixa, mesmo diante de fatos e valores diferentes”. A nossa ver,

essa afirmação de Nogueira somente faz sentido se se restringir à versão original ou radical da

interpretação econômica.

As duas últimas variantes (g e h), na visão do autor, deslocam da lei para o fato o eixo

da tarefa interpretativa e podem representar a necessidade de revisão da hermenêutica

jurídica.

Na visão de Nogueira (1982, p. 43), Falcão (1987), Nogueira (1974) e Ataliba (1975)

seriam adeptos da quarta variante (d) da interpretação econômica. Sousa (1975a) adotaria a

terceira variante (c), com temperamentos. Quanto aos críticos da interpretação econômica,

entre os quais o autor inclui Canto (1967), Dória (1971) teria sido o melhor expoente.

Nogueira (1982, p. 48) destaca que é comum encontrar, entre os defensores e os

opositores da interpretação econômica, certa vacilação e contradição. Para o autor, esse fato

decorre do caráter multiforme da interpretação econômica, que resulta em várias vertentes ou

formas de concepção dessa doutrina (pelo menos oito variantes, conforme o autor). A crítica à

interpretação econômica acaba, assim, também fracionada, por vezes atingindo apenas uma de

suas variantes.

Caso típico dessa vacilação doutrinária, na visão do autor, é a filiação de Sousa

(1975a) à terceira variante (c) da interpretação econômica. Apesar de admitir que fatos

diversos, mas com idênticos efeitos econômicos, devem ser tributados de igual modo, Sousa

(1975a) repele a analogia como forma de criação da obrigação tributária. Por outro lado,

124

ressalta Nogueira (1982, p. 49), a crítica à quarta variante (d) invoca a aplicação do princípio

da legalidade, mas deixa de lado o princípio da capacidade contributiva.

Sampaio Dória (1971, p.75), que na visão do autor rejeita a quarta variante (d), é

contraditório ao afirmar que “a rejeição do abuso das formas não deve [...] deixar

juridicamente irremediados os graves desvirtuamentos que certas categorias jurídicas

sofreram nas mãos de contribuintes inescrupulosos”. Para Nogueira (1982, p. 50), essa

manifestação de Sampaio Dória implica a aceitação da quarta variante (d) com divergência

apenas de grau.

Segundo Nogueira (1982, p. 49), a quarta variante (d) é contraditória, uma vez que

nega que a realidade econômica prevaleça sobre a forma jurídica na maior parte dos casos.

Para o autor, não há coerência em se buscar o substrato econômico, com desprezo da forma

jurídica, apenas quando há abuso de forma visando a lesar o fisco. Com base em Jarach

(1996), que defendia a interpretação econômica favorável ao contribuinte “como uma forma

de evitar a contradição implícita na fórmula restritiva”, Nogueira (1982, p. 50) entende que a

natureza do fato gerador não muda em razão das intenções e maquinações do contribuinte.

Nogueira (1982, p. 98-99) critica corretamente a oitava variante (g), que não considera

que o fato cultural não pode ser conhecido com a cisão do seu substrato e de seu sentido,

como se pudesse haver uma interpretação do fato (substrato) e depois uma interpretação da lei

(sentido). Para o autor, o certo é que no Direito Tributário, certamente pelo fato de o

tributarista sentir na pele a importância do fato como nenhum outro jurista, observou-se, de

um modo empírico, a insuficiência dos métodos tradicionais que centram a tarefa

interpretativa na lei.

Nogueira (1982, p. 113) não nega que o contribuinte tem o direito de escolher a

estrutura conceitual mais vantajosa sob o ponto de vista fiscal, mas adverte que se essa

estrutura for abusiva a ponto de o negócio ser melhor compreendido sob outra estrutura

negocial, o intérprete poderá compreender aquela conduta sob outra forma conceitual, mesmo

que esta seja mais onerosa para o contribuinte. Em outras palavras, o intérprete não está

obrigado a ver o caso conforme a forma jurídica adotada pelo contribuinte.

Ademais, a valoração do intérprete à estrutura legal adotada pelas partes ocorre em

qualquer ramo jurídico. A doutrina tradicional, como adverte Nogueira (1982, p. 112), sempre

tentou “encobrir essa verdade” mediante a utilização de conceitos imprecisos e contraditórios,

tais como as noções de princípios gerais de Direito e “natureza das coisas”. No

reconhecimento do direito da concubina a parte dos bens deixados pelo companheiro falecido,

125

segundo o exemplo de Nogueira (1982, p. 113), não são princípios vagos, tal como o do

enriquecimento sem causa, que oferecem a melhor solução para o caso concreto, e sim a

compreensão da conduta da combina como “sócia de fato” de seu companheiro. Em outras

palavras, não é a estrutura jurídica da sucessão “mortis causa”, e sim a “sociedade de fato”, na

visão do autor, que confere a “melhor possibilidade compreensiva para o caso”.

Conforme Nogueira (1982, p. 113), sempre se pode descobrir em determinado fato um

sentido não percebido anteriormente. A descoberta desse melhor sentido tem a ver com a

sintonia entre o intérprete e a sociedade41, com sua vocação para a justiça e para enxergar a

melhor possibilidade existencial para os casos a serem resolvidos. Entende o autor que

somente assim se pode explicar o papel dos grandes juízes nas mudanças jurisprudenciais,

que, são imediatamente acatadas por sua íntima força de convicção no espírito de todos.

O autor considera que a discussão acerca da interpretação econômica é, na verdade,

uma polêmica mal conduzida, que não considera as suas diversas vertentes. Mas o problema

mais grave, segundo Nogueira (1982, p. 128), consiste na exclusão da interpretação

econômica do enfoque da Teoria Geral do Direito.

A nosso ver, essa posição do autor não pode ser estendida à versão equilibrada da

interpretação econômica, seja como critério de interpretação teleológica, seja como forma de

combate à elusão fiscal. As duas vertentes da versão equilibrada sem dúvida se inserem na

Teoria Geral do Direito.

Não obstante, o autor considera positiva a doutrina da interpretação econômica, a qual

contribuiu para aprimorar o Direito Tributário, desfazendo o tabu da tributação das atividades

ilícitas e conferindo base dogmática ao intérprete e ao legislador para o combate à evasão

mediante abuso de formas, na esteira do §42 do Código Tributário alemão de 1977.

Ademais, ressalta Nogueira (1982, p. 129), no campo do Direito Público e da Teoria

Geral do Direito, a doutrina da interpretação econômica denunciou a deficiência do

normativismo e autorizou o intérprete a trazer a valoração para o campo do Direito. Mas, ao

pretender um método diferente para interpretar o Direito Tributário, a versão original da

interpretação econômica “passou recibo da inutilidade dos demais métodos, justamente no

que todos tinham de comum: o de descartar os fatos da interpretação da lei”.

Quanto ao futuro da interpretação econômica, Nogueira (1982, p. 129-130) considera

que das oito variantes conceituais examinadas, a variante do combate ao abuso de formas (d),

41 A necessária sintonia entre intérprete e sociedade foi explorada por Ronald Dworkin mediante o

desenvolvimento da ideia de comunidade de princípios. DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão técnica de Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

126

semelhante à norma do §42 do Código Alemão de 1977, é a que deverá prevalecer. Além

dessa técnica, a tendência do legislador em definir as hipóteses de incidência recorrendo à

descrição econômica tende a escassear o terreno propício para o desenvolvimento da

interpretação econômica.

3.4 Síntese conclusiva

Na seção 3, procuramos demonstrar que os primeiros tributaristas brasileiros não eram

apegados ao formalismo jurídico e admitiam a interpretação econômica como espécie de

interpretação teleológica e como forma de combate à elusão fiscal.

A segunda geração de tributaristas brasileiros, contudo, em sua maior parte, não

admite a versão equilibrada da interpretação econômica, seja como critério de interpretação

teleológica, seja como forma de combate à elusão fiscal. Com exceção de Derzi e Coêlho

(2003), que se situam em uma posição intermediária, a maior parte da doutrina brasileira

contemporânea é extremamente apegada ao formalismo jurídico.

Mediante a análise da doutrina antiformalista do Direito Tributário, principalmente das

obras de Greco (2004), Torres (2000) e Godoi (2005), procuramos demonstrar o desacerto da

doutrina formalista ao repudiar o que chamamos de versão equilibrada da interpretação

econômica.

É muito relevante, a esse respeito, o alerta de Greco (2004) acerca das diferentes

posturas ideológicas, nem sempre explicitadas nos debates acerca da interpretação da norma

tributária e do planejamento fiscal. Julgamos de extrema importância a identificação dos

reflexos que as diferentes posturas ideológicas têm sobre a forma como se concebe a

interpretação do Direito Tributário.

Não há dúvida de que a doutrina formalista prestigia apenas os valores constitucionais

protetivos, sem considerar que a Constituição Federal de 1988 também consagrou valores

sociais, modificadores da realidade. Essa postura explica o repúdio dessa corrente doutrinária

à versão equilibrada da interpretação econômica, principalmente como forma de combate à

elusão fiscal.

A doutrina antiformalista, também representada por Torres (2000) e Godoi (2005),

considera tanto os valores protetivos quanto os valores sociais, em total prestígio ao Estado

127

Democrático de Direito. Para essa corrente doutrinária, a versão equilibrada da interpretação

econômica, como critério de interpretação teleológica ou como forma de combate à elusão

fiscal, é necessária ao ordenamento jurídico.

Parece-nos que a doutrina formalista está longe de alcançar a doutrina antiformalista

quanto à ponderação dos dois tipos de valores consagrados pela Constituição, pois até hoje há

quem considere o tributo como algo odioso e agressivo do patrimônio do contribuinte.

Conforme demonstramos, Martins (1998) considera que a norma tributária é norma de

rejeição social, supondo uma total oposição entre Estado e sociedade civil, típica de um

liberalismo que há muito foi banido das Constituições contemporâneas.

128

4 A INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

4.1 A interpretação econômica no Anteprojeto e no Projeto do CTN

Em 1951, Rubens Gomes de Sousa iniciou a redação de um Anteprojeto de Código

Tributário Nacional que seria apresentado à Câmara dos Deputados42. O Anteprojeto,

finalizado por Sousa em 1952, não chegou a ser apresentado à Câmara dos Deputados.

Em 1953, o Ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, constituiu uma Comissão para

elaborar o Projeto do Código Tributário Nacional e indicou o nome de Sousa para presidi-la.

Em 1954, o Projeto de Código Tributário Nacional foi enviado por Getúlio Vargas ao

Congresso Nacional.

Apesar desse Projeto remetido ao Congresso Nacional em 1954 nunca ter sido

apreciado e votado pelo Legislativo, ele constitui a base do Código Tributário Nacional

aprovado em 1966 (Lei 5.172). Por essa razão, a análise do Anteprojeto e do Projeto é

importante para a conclusão acerca da recepção ou não da teoria da interpretação econômica

pelo CTN.

O art. 74 do Projeto (derivado do art. 12943 do Anteprojeto) dispunha que “a

interpretação da legislação tributária visará sua aplicação não só aos atos, fatos ou situações

jurídicas nela nominalmente referidos, como também àqueles que produzam ou sejam

suscetíveis de produzir resultados equivalentes.”

Nos Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, Sousa (1954, p.

181) afirmou que o art. 74 tinha um duplo objetivo, o de afastar o método superado da

interpretação literal e o de orientar a interpretação da lei tributária no sentido da pesquisa do

conteúdo econômico das situações materiais ou jurídicas objeto de tributação. Esse duplo

objetivo corresponde aos mesmos objetivos da versão original da interpretação econômica.

42 Cfr. BALEEIRO, Aliomar. O Código Tributário Nacional, segundo a correspondência de Rubens Gomes de

Sousa. In: BALEEIRO, Aliomar et al. Proposições tributárias: São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 5-33. 43 “Art. 129. Salvo em se tratando de tributos incidentes sobre atos jurídicos formais e de taxas, a interpretação da

legislação tributária, no que se refere à conceituação de um determinado ato, fato ou situação jurídica como configurando ou não o fato gerador, e também no que se refere à determinação da alíquota aplicável, terá diretamente em vista os resultados efetivamente decorrentes do aludido ato, fato ou situação jurídica, ainda quando tais resultados não correspondam aos normais, com o objetivo de que a resultados idênticos ou equivalentes corresponda tratamento tributário igual.”

129

Sousa (1954, p. 181) afirmou ter-se inspirado no Código Tributário alemão de 191944,

cujo §4º estabelece que “na interpretação das leis tributárias devem ser considerados sua

finalidade, seu significado econômico e o desenvolvimento das circunstâncias”.

Mas, como adverte Godoi (2010), Sousa (1954) parece ter se inspirado mais nos

comentários de Becker [193?] do que no próprio §4º, pois esse dispositivo contém apenas os

pressupostos de uma interpretação teleológica e não determina que os fatos capazes de

produzir resultados equivalentes sejam tributados tal como os fatos previstos em lei.

Na visão de Godoi (2010), uma norma verdadeiramente inspirada no §4.º do Código

Tributário alemão de 1919 (e não na versão de Enno Becker) e que se mostra equilibrada e em

harmonia com as tendências atuais da hermenêutica é a contida no art. 7.º do Modelo de

Código Tributário do CIAT (Centro Interamericano de Administrações Tributárias) de 1997:

Art. 7 – Forma jurídica dos atos. Quando a norma relativa ao fato gerador se referir a situações definidas por outros ramos jurídicos, sem se remeter e sem se apartar expressamente delas, o intérprete deverá lhe atribuir o significado que mais se adapte à realidade considerada pela lei para criar o tributo. As formas jurídicas adotadas pelos contribuintes não obrigam ao intérprete, que deverá atribuir às situações e atos ocorridos uma significação acorde com os fatos, quando emergir da lei tributária que o tributo foi estabelecido atendendo à realidade e não à forma jurídica. Quando as formas jurídicas forem manifestamente inapropriadas à realidade dos fatos tributados e isso se traduzir em uma diminuição do valor das obrigações, a lei tributária será aplicada prescindindo de tais formas.

Conforme Godoi (2005, p. 110), o §1º do art. 7º concede um peso maior ao critério

econômico no caso de o legislador nem se remeter nem se apartar expressamente das formas

de Direito Privado. A nosso ver, o art. 7º do Modelo de Código Tributário do CIAT incorpora

as duas vertentes da versão equilibrada da interpretação econômica: a interpretação

teleológica e o combate à elusão fiscal.

44 Nas palavras de Sousa (1954, p. 98-99), “Com as cautelas e ressalvas [...] a Comissão utilizou como subsídios,

em primeiro lugar a legislação tributária vigente da União, dos Estados e dos principais Municípios; e, num segundo plano, os códigos tributários e as leis com o caráter parcial de códigos, existentes na legislação comparada. Dentre as leis do primeiro tipo, a primazia compete indiscutivelmente à Reichsabgabenordnung alemã, em seu texto original de 1919, elaborado por Becker e anterior às alterações introduzidas sob a influência de ideologias políticas”.

130

Sousa (1954, p. 181) entendia que o art. 74 era consentâneo com o princípio da

legalidade e que as reservas quanto ao artigo estariam devidamente atendidas pelos parágrafos

do art. 7545 do Projeto, o qual, com uma pequena alteração, foi convertido no art. 108 do

CTN. Em outras palavras, Sousa (1954) entendia que a vedação do emprego da analogia

como forma de exigência de tributo não previsto em lei proporcionava o devido equilíbrio

entre a interpretação econômica e o princípio da legalidade.

Godoi (2005, p. 128) discorda dessa posição de Sousa (1954), alertando que a adoção

da versão original da interpretação econômica tornaria a proibição da analogia um enunciado

meramente formal e vazio de sentido.

O art. 8546 do Projeto, correspondente a uma adaptação do art. 13547 do Anteprojeto,

tratava dos efeitos fiscais dos atos ou negócios jurídicos inexistentes, nulos ou anuláveis ou

cujos objetos fossem impossíveis, ilegais, ilícitos ou imorais. A tributação de tais atos ou

negócios jurídicos, conforme o art. 85, não seria excluída, modificada ou diferida caso os

resultados efetivos fossem idênticos aos normalmente decorrentes do estado de fato ou

situação jurídica que constituísse o fato gerador da obrigação tributária principal.

45 “Art. 75. Na ausência de disposição expressa na legislação tributária, a autoridade administrativa ou judiciária

competente para a sua aplicação utilizará sucessivamente, como métodos ou processos supletivos de interpretação, na ordem indicada:

I – a analogia; II – os princípios gerais de Direito Tributário; III – os princípios gerais de direito público; IV – a equidade. § 1.º O emprego da analogia não poderá resultar na instituição de tributo não previsto em lei. § 2.º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa de pagamento de tributo devido.” 46 “Art. 85. A circunstância dos negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados serem inexistentes, nulos,

anuláveis, ou terem objeto impossível, ilegal, ilícito ou imoral não exclui, modifica ou difere a tributação, desde que os seus resultados efetivos sejam idênticos aos normalmente decorrentes do estado de fato ou situação jurídica que constitua o fato gerador da obrigação tributária principal, observado, porém, o disposto na alínea IV do art. 130.”

47 “Art. 135. Não exclui, modifica ou difere a tributação a circunstância dos atos jurídicos unilaterais ou bilaterais celebrados pelas partes serem juridicamente inexistentes, nulos, anuláveis ou simulados, ou terem objeto impossível, ilegal, ilícito ou imoral, desde que os seus resultados efetivos sejam idênticos aos normalmente decorrentes do estado de fato ou situação jurídica que constitua o fato gerador da obrigação tributária principal.”

131

Para Sousa (1954, p. 194), o art. 85 do Projeto significava que o alcance do Direito

Tributário tinha como único limite a extensão dos efeitos econômicos das situações materiais

ou jurídicas definidas na lei fiscal como fatos geradores. O autor não explica, contudo, como

conciliar o art. 85 com a norma do art. 7648 do Projeto, que determinava que os princípios

gerais do Direito Privado fossem considerados na interpretação dos conceitos e formas de

Direito Privado mencionados nas leis tributárias.

O art. 86 do Projeto, correspondente ao § único do art. 13149 do Anteprojeto,

determinava que

A autoridade administrativa ou judiciária terá em vista, independentemente da intenção das partes, mas sem prejuízo dos efeitos penais dessa intenção quando seja o caso, que a utilização, pelos contribuintes ou terceiros, de institutos, conceitos ou formas e de Direito Privado não deverá dar lugar à evasão ou redução de tributo devido, com base nos resultados efetivos do estado de fato ou situação jurídica, nos termos do artigo anterior, nem diferir o seu pagamento.

Na visão de Sousa (1954, p. 195), o art. 86 visava a cercear a “evasão tributária

procurada através do que a doutrina alemã chama ‘o abuso de formas de Direito Privado”. A

redação foi inspirada no §6º da Lei de Adaptação Tributária de 1934, que dispõe que

nenhum contribuinte poderá eximir-se de obrigação tributária, ou reduzi-la, mediante um abuso das formas e das possibilidades de adaptação do Direito Civil. Ocorrendo tal abuso, os impostos serão cobrados segundo as condições de direito correspondentes aos precedentes, aos fatos e às circunstâncias econômicas.

A Comissão, conforme Sousa (1954, p. 195), não julgou necessário ou conveniente

acolher a sugestão que propunha um capítulo especial sobre a fraude à lei em matéria fiscal.

Na visão do Sousa (1954, p. 195), a norma genérica do art. 86 fornecia ao aplicador da lei

48 “Art. 76. Os princípios gerais de direito privado constituem método ou processo supletivo de interpretação da legislação tributária unicamente para pesquisa da definição, conteúdo e alcance próprios dos conceitos, formas e institutos de direito privado a que faça referência aquela legislação, mas não para a definição de seus efeitos tributários.

Parágrafo único. A lei tributária poderá modificar expressamente a definição, conteúdo e alcance próprios dos institutos, conceitos e formas a que se refere este artigo, salvo quando expressa ou implicitamente utilizados, na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados, ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, para definir competência tributária.”

49 “Art. 131. Os conceitos, formas e institutos de direito privado, a que faça referência a legislação tributária, serão aplicados segundo a sua conceituação própria, salvo quando seja expressamente alterada ou modificada pela legislação tributária.

Parágrafo único. A autoridade administrativa ou judiciária competente para aplicar a legislação tributária terá em vista, independentemente da intenção das partes, mas sem prejuízo dos efeitos penais dessa intenção quando seja o caso, que a utilização de conceitos, formas e institutos de direito privado não deverá dar lugar à evasão ou redução do tributo devido com base nos resultados efetivos do estado de fato ou situação jurídica efetivamente ocorrente ou constituída, nos termos do art.129, quando os conceitos, formas ou institutos de direito privado utilizados pelas partes não correspondam aos legalmente ou usualmente aplicáveis à hipótese de que se tratar.”

132

elementos suficientes para o combate à fraude à lei. Ademais, conforme o autor, em terreno

variável e multiforme como o da fraude fiscal, uma regulamentação específica e casuística

seria contraproducente, orientando a fraude para hipóteses não expressamente previstas, cujo

combate ficaria, por isso mesmo, dificultado.

Conforme Godoi (2005, p. 86), uma norma geral antielusão, tal como a norma do art.

86 do Projeto, não tem sentido se um outro dispositivo adota a versão original da

interpretação econômica. O art. 86 espelhava o equívoco de Sousa (1975a) quanto ao

verdadeiro sentido do §4º do Código Tributário alemão de 1919. O autor entendia que a

versão original da interpretação econômica estava prevista no §4º, mas na verdade esta

doutrina decorre muito mais dos comentários de Becker e da jurisprudência alemã.

Não obstante o intento de Sousa (1954), as normas do Anteprojeto (arts. 129, 131, §

único e 135) e do Projeto (arts. 74, 85 e 86) que pretendiam recepcionar a interpretação

econômica não prevaleceram no texto final do CTN. Somente em 2001, com a edição da Lei

Complementar 104, a versão equilibrada da interpretação econômica como forma de combate

à elusão fiscal foi introduzida no CTN (art. 116, § único)50:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

50 A respeito do art. 116, parágrafo único, do CTN, vide GODOI, 2001. Vide também ROCHA, 2002.

133

4.2 A interpretação econômica e o CTN51

O Código Tributário Nacional, cujo texto final foi aprovado em 196652, trata da

interpretação da legislação tributária no Título I do seu Livro Segundo. O Título I é dividido

em quatro Capítulos. O Capítulo I (arts. 96 a 100) contém disposições gerais sobre a

legislação tributária, regulando a reserva de lei (art. 97), a relação entre a legislação interna e

os tratados e convenções internacionais (art. 98), o conteúdo e o alcance dos decretos (art. 99)

e as normas complementares das leis tributárias (art. 100). O Capítulo II (arts. 101 a 104) trata

da vigência e o Capítulo III trata da aplicação da legislação tributária (arts. 105 a 106). O

Capítulo IV (arts. 107 a 112) trata da interpretação e da integração da legislação tributária.

4.2.1 Art. 107 do CTN

Art. 107. A legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo.

O Anteprojeto (art. 12853) e o Projeto (art. 7354) estabeleciam que “na aplicação da

legislação tributária, são admissíveis quaisquer métodos ou processos de interpretação,

observado o disposto neste Título”.

O objetivo de Sousa (1954, p. 180) era deixar claro que o Direito Tributário não

deveria ser interpretado de forma literal ou restritiva, pois isso promoveria “delimitações da

liberdade intelectual do intérprete na pesquisa do conteúdo e do alcance da lei”, o que não se

coaduna “com a tendência geral da hermenêutica jurídica no sentido da interpretação

teleológica ou finalista”, que deve prevalecer também no Direito Tributário.

51 Ricardo Lobo Torres (2000), em sua obra Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário, promove

uma profunda crítica das normas do CTN que regulam a interpretação e a integração da legislação tributária. 52 Godoi (2010) destaca que é “tragicamente curioso” que apenas cinco anos após a promulgação do CTN o

próprio Sousa (1975, p. 362) tenha criticado publicamente as normas sobre a interpretação e a integração da legislação tributária, apontando a necessidade de sua revisão. Godoi (2010) também considera curioso que o outro artífice do CTN, Canto (1967, p. 30), tenha afirmado que “o grave equívoco do Código é a tomada de posição estabelecendo normas de interpretação, de um modo ou de outro”.

53 “Art.128. Na aplicação da legislação tributária, são admissíveis quaisquer métodos ou processos de interpretação, observado o disposto neste Título”.

54 “Art.73. Na aplicação da legislação tributária, são admissíveis quaisquer métodos ou processos de interpretação, observado o disposto neste Título. (corresponde ao art.138 do Anteprojeto).”

134

Ademais, conforme Godoi (2010), esse dispositivo visa a afastar qualquer resquício de

métodos apriorísticos de interpretação, tais como os princípios in dubio pro fiscum e in dubio

pro contribuinte.

O texto aprovado, contudo, talvez por causa do acentuado positivismo que perpassa

todo o CTN, omitiu o art. 73 do Projeto. O art. 107 do CTN apenas prevê que “A legislação

tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo”.

4.2.2 Art. 108 do CTN

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais de direito público; IV – a equidade. §1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei; §2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

O art. 108 do CTN trata dos critérios de integração da legislação tributária. De forma

bem singela, pode-se dizer que enquanto a interpretação pressupõe a existência de norma para

a solução do caso concreto, a integração pressupõe a ausência de disposição específica para a

resolução do caso em exame. Em outras palavras, a integração consiste na identificação de

uma norma que se ajuste ao caso concreto com base em critérios autorizados por lei. No caso

do Direito Tributário, esses critérios estão previstos nos incisos I a IV do referido art. 108.

Baleeiro (1999, p. 678) e Sousa (1975b, p. 376) sustentam que a primeira frase do

caput (“na ausência de disposição expressa”) indica que a lei estadual, federal ou municipal

pode determinar uma ordem diferente de métodos de integração.

Godoi (2010) discorda dessa posição e entende que a primeira frase do caput do art.

108 refere-se à ausência de norma regulando especificamente o caso concreto, e não à

ausência de norma federal, estadual ou municipal disciplinando os métodos de integração da

lei tributária.

Torres (2000, p. 106, 108) também discorda das posições de Baleeiro (1999) e Sousa

(1975b), acrescentando que nem toda “ausência de disposição expressa” justifica a aplicação

dos métodos de integração. Na visão do autor, somente a “insatisfação frente aos valores

135

suprapositivos, aos princípios gerais e ao plano do legislador” justifica a integração. Se a

ausência de regulamentação for irrelevante, será insuscetível de preenchimento e prevalecerá

o argumento a contrario sensu. Portanto, para Torres (2000, p. 110), o art. 108 é “lacunoso”

ao relacionar a lacuna suscetível de preenchimento com a “ausência de disposição expressa”.

Greco (1998, p. 175) destaca outro desafio quanto à expressão “ausência de disposição

expressa”, consistente em se identificar se o caso é de “silêncio” (não-regulação voluntária da

hipótese) ou de “omissão” (previsão incompleta ou falha na regulação pretendida pela lei). A

esse respeito, Greco (1998, p. 175) relata que o Supremo Tribunal Federal55 tem se utilizado

da figura do “silêncio eloquente”, que se trata de uma “não-norma” (a hipótese foi excluída da

regulação), e não de lacuna (falta de norma por omissão) passível de integração.

Ressalta Greco (1998, p. 175) que essa discussão é especialmente relevante nos casos

de elisão fiscal, pois, muitas vezes, é necessário identificar se determinada conduta

a) está apenas situada em uma lacuna;

b) é caso de não-norma tributária; ou

c) comporta interpretação extensiva do tipo legal.

Segundo o autor, não há uma resposta a priori e esse problema deve ser solucionado

em cada caso concreto.

Parece-nos correto o entendimento de que o art. 108, ao adotar a expressão “ausência

de disposição expressa”, refere-se à lacuna sobre a disciplina de determinado fato concreto, e

não à lacuna sobre normas de integração, como sustentam Baleeiro (1999) e Sousa (1975b).

A posição de Baleeiro (1999, p. 678) acerca da expressão “autoridade competente para

aplicar a legislação tributária” também foi criticada por vários autores. Entende Baleeiro

(1999, p. 678) que, com essa expressão, o art. 108 “parece” alcançar somente os “agentes do

fisco”, uma vez que o art. 75 do Projeto se referia à “autoridade administrativa ou judiciária

competente” e a redação final do art. 108 se refere apenas à “autoridade competente” para a

aplicação da legislação tributária.

Conforme Godoi (2010), essa alteração sofrida pelo art. 75 do Projeto não significa

que a autoridade judicial não esteja autorizada a aplicar os critérios do art. 108, pois, nos

dizeres de Luciano Amaro (2006, p. 210), “não faria sentido que o fisco estivesse adstrito a

aplicar a lei de uma maneira e o contribuinte ou o juiz devesse (ou pudesse) aplicá-la de modo

diverso”.

55 Greco (1998, p. 229) cita o RE nº 135.637, RTJ 136/1357 e o RE 130.552, RTJ 136/1340.

136

Para Torres (2000, p. 111-112), a expressão “autoridade competente para aplicar a

legislação tributária” é ambígua e incompleta, pois nem o juiz nem o administrador têm o

monopólio da atividade hermenêutica. Na sociedade aberta e pluralista, como destaca o autor,

não há um numerus clausus de intérpretes. A vinculação dos métodos de integração apenas a

uma ou algumas classes de intérpretes levaria à divergência de resultados e ao “ruído no

diálogo do Direito”.

Hugo de Brito Machado (2004, p. 218) considera que um dos objetivos do art. 108 do

CTN é deixar claro que as autoridades competentes para o lançamento do tributo e para a

apreciação dos processos administrativos também estão autorizadas a utilizar os meios de

integração previstos em seus incisos. Segundo o autor, a referência à “autoridade competente

para aplicar a legislação tributária” visa a afastar o eventual argumento de que as normas da

Lei de Introdução ao Código Civil e do Código de Processo Civil somente seriam aplicáveis

aos juízes. Para Machado (2004, p. 218), o art. 108, assim como várias outras normas do

CTN, tem inegável importância didática.

Também entendemos que a norma do art. 108 aplica-se a qualquer pessoa incumbida

da interpretação e da integração da norma tributária, e não apenas às autoridades judiciais ou

fiscais, como a sua interpretação literal parece indicar.

Sobre os incisos do art. 108, Torres (2000, p. 113) destaca que não há fundamento

jurídico, lógico ou filosófico para a hierarquização dos métodos de integração da legislação

tributária, uma vez que são pouco nítidas as fronteiras entre cada um deles. Na visão do autor,

apesar do esforço dos positivistas em estremar a analogia juris56 da analogia legis, não há

dúvida de que o raciocínio analógico implica, mesmo na analogia legis, as valorações e

apreciações ligadas aos princípios gerais do Direito. A equidade, conforme o autor, também

abrange os princípios gerais do Direito, pois consiste na aplicação da justiça ou de seus

princípios específicos (capacidade contributiva) aos casos concretos. Por fim, a distinção entre

princípios gerais do Direito Tributário e princípios gerais do Direito Público, com o objetivo

de hierarquizá-los, conforme Torres (2000, p. 115), também é infundada, uma vez que

56 Conforme Godoi (2010), a analogia legis, mais comum nos tribunais, supõe que haja uma norma específica que

regule um caso diferente mas substancialmente análogo (com a mesma ratio ou razão regulatória) ao caso concreto posto diante do aplicador. A analogia juris supõe que haja várias normas regulando vários casos e que dessa regulação complexa o aplicador possa sacar um princípio geral aplicável também ao caso concreto posto diante do aplicador. Por isso a doutrina considera que o que se permite em geral é a analogia legis, pois, conforme Godoi (2005, p. 220), a analogia juris seria uma “operación sumamente delicada, que exige una profunda y plena estimación de los principios y direcciones informadores de todo un sistema jurídico” y que “en general nos lleva a un decisionismo hipotético en su actuación” (CASTÁN TOBEÑAS, 1984, t. I, v. I, p. 568-572).

137

qualquer princípio, ainda que se aplique a determinado ramo jurídico, constituiu emanação ou

modificação dos princípios gerais do Direito.

Ademais, conforme Torres (2000, p. 116), os métodos de integração não podem ser

hierarquizados por que neles não prevalece nem o raciocínio indutivo nem o dedutivo. Mesmo

a analogia, que na lógica aristotélica é considerada raciocínio do particular para o particular,

segundo o autor, funda-se na comparação com o genérico e com a natureza das coisas,

atuando integradamente por dedução e indução. Os princípios gerais do Direito tanto podem

ser deduzidos dos valores para a sua concretização por meio da norma quanto podem ser

obtidos indutivamente desde os casos concretos. A equidade, vinculada à ideia abstrata de

justiça, também pode, conforme Torres (2000, p. 116), partir do raciocínio tópico.

Outra importante questão ressaltada por Torres (2000, p. 116) é que a enumeração do

art. 108 não é taxativa, uma vez que a plenitude do ordenamento jurídico também é buscada

mediante os princípios gerais de Direito (e não apenas os princípios de Direito Tributário e de

Direito Público) e os argumentos a contrario sensu e a fortiori.

Para Torres (2000, p. 106), enfim, o art. 108 não define as lacunas de forma

conveniente, cria indevidamente uma ordem hierárquica entre grandezas equivalentes e repete

proibições constitucionais. Na visão do autor, esse artigo não faria a menor falta se fosse

extirpado do CTN.

Amaro (2006, p. 210) também critica a hierarquia pretendida pelos incisos do art. 108,

ressaltando que é indiscutível que se o emprego da analogia não se adequar à inteligência que

resulta da aplicação de determinado princípio de Direito Tributário ou de Direito Público, o

princípio prevalecerá sobre a analogia. Sob a ótica do autor, o §1º do art. 108 confirma esse

entendimento ao vedar o emprego da analogia que resultar na exigência de tributo não

previsto em lei, deixando expresso algo que é decorrência necessária da prevalência do

princípio da legalidade.

Além disso, como ressalta Amaro (2006, p. 211), os instrumentos arrolados no art. 108

não se aplicam apenas às hipóteses de lacuna normativa. A própria interpretação de norma

expressa, e não somente a integração de lei lacunosa, conforme o autor, deve se harmonizar

com os princípios jurídicos.

Derzi, por outro lado, em seus comentários à obra de Baleeiro (1999, p. 684), entende

que a enumeração obrigatória e sucessiva do art. 108 aplica-se apenas à Administração

Fazendária. Ou seja, a autora parece entender que para os demais intérpretes da legislação

138

tributária, a enumeração do art. 108 não é nem obrigatória nem sucessiva. A hierarquização

dos métodos de integração, segundo essa visão, valeria apenas para os agentes do fisco.

4.2.2.1 Analogia

O emprego da analogia em matéria tributária somente é vedado na hipótese do §1º do

art. 108 CTN, ou seja, apenas nos casos em que a sua aplicação resulte na exigência de tributo

não previsto em lei. Nas palavras de Greco (1998, p. 174), o §1º do art. 108 significa que a

integração do ordenamento resultante da aplicação da analogia não pode interferir na

amplitude das hipóteses de incidência previstas em lei.

Pode haver dúvida, contudo, como ressalta Greco (1998, p. 174), quanto à relação

entre o tributo previsto em lei e a amplitude que deve ser dada aos conceitos utilizados pelo

legislador. A doutrina tem tentado solucionar essa questão mediante a diferenciação entre

analogia (que seria vedada porque implica a extensão do dispositivo a hipótese não prevista) e

interpretação extensiva (que seria permitida porque nada acrescenta ao tipo legal, apenas

explicitando o seu alcance). Mas, como adverte o autor, não é tarefa fácil identificar, no caso

concreto, quando se está diante da analogia e quando se está diante da interpretação extensiva.

Segundo Amaro (2006, p. 212), a distinção entre a interpretação extensiva e a analogia

está em que, na analogia, a lei não levou em consideração a hipótese, mas, se o tivesse feito,

teria lhe dado idêntica disciplina; na interpretação extensiva, por outro lado, a lei quis

abranger a hipótese, mas, em razão da má formulação do texto, deixou a situação de fora do

alcance expresso da norma, tornando-se necessária a reconstituição do seu alcance pelo

intérprete.

Em outras palavras, conforme Amaro (2006, p. 212), no caso da interpretação

extensiva a lei foi omissa porque foi mal escrita, e no caso da analogia a lei foi omissa pelo

fato de não se ter pensado na hipótese. A omissão, na visão do autor, iguala as duas situações.

A distinção entre elas, portanto, segundo Amaro (2006, p. 212), “depende de uma incursão

pela mente do legislador, pois se baseia, em última análise, em perquirir se o legislador

‘pensou’ ou não na hipótese, para, no primeiro caso, aplicar-se a interpretação extensiva, e, no

segundo, a integração analógica”.

139

Para Amaro (2006, p. 212), a analogia tem pequeno campo de atuação no Direito

Tributário, uma vez que o princípio da reserva de lei impede a sua utilização para fins de

exigência de tributo não previsto em lei (art. 108, §1º), reconhecimento de isenção (art. 111, I

e II), concessão de anistia (art. 111, I) e dispensa do cumprimento de obrigações acessórias

(art. 111, III).

Para Godoi (2010), a “incursão pela mente do legislador”, aventada por Amaro, é

desnecessária e contribui para desvirtuar o sentido da interpretação jurídica, que é por

natureza um ato criativo que se dirige a um objeto ou a uma manifestação objetiva e não se

confunde com a interpretação conversacional57.

Ainda que a diferença entre interpretação extensiva e analogia não seja de natureza e

sim de grau, como entende Godoi (2010), a interpretação extensiva chega a um dos resultados

possíveis da interpretação de uma norma respeitando-se os limites do mínimo e do máximo

sentido literal possível de seus termos em seu contexto próprio. Na interpretação extensiva, o

intérprete chega à conclusão de que há norma para o caso concreto, ao passo que a analogia

legis supõe que não há norma para o caso concreto (daí ser necessária a integração), ainda que

tal ausência normativa seja contrária ao plano regulador ou à ratio legis da legislação

existente.

Portanto, segundo o entendimento de Godoi (2010), ao qual aderimos, não cabe

concluir a partir do §1.º do art. 108 que também a interpretação extensiva esteja vedada no

que diz respeito à “definição das hipóteses de incidência do tributo”.

Torres (2000, p. 120) também entende que é impossível a distinção plena entre

analogia e interpretação extensiva, pois não há uma fronteira clara entre a extensão dos

sentidos possíveis da letra da lei e a complementação além desses sentidos. Segundo o autor,

ninguém pode dizer com segurança onde termina a expressividade dos conceitos jurídicos

contidos na lei e onde começa o vácuo normativo suscetível de integração.

A norma do §1º do art. 108, na visão de Torres (2000, p. 136), contém uma “verdade

incontestável, por coincidir com o próprio princípio constitucional da legalidade”, a qual,

contudo, não se erige em dogma ou em regra de clareza indiscutível. Sendo consequência

direta do princípio da legalidade, o referido §1º, conforme o autor, é redundante e repetitivo.

Torres (2000, p. 136-139) diferencia as teses da proibição e da permissão da analogia

gravosa. A proibição da analogia gravosa, consistente na absoluta proibição da analogia na

exigência de tributos, conforme Torres (2000, p. 136-137), é tese positivista, ligada à defesa

57 Cfr. DWORKIN, 1995, p. 52.

140

do liberalismo. A tese da permissão da analogia gravosa, por seu turno, embora vista com

desconfiança, “arejou” a teoria do Direito Tributário, uma vez que a aproximou do Direito

Civil, reconciliou-a com o Direito Constitucional, relacionou-a com o Direito Administrativo

e a colocou no mesmo compasso do Direito Penal, no qual o dogma da proibição da analogia

começa a sofrer sérias restrições. Finalmente, conforme o autor, a tese da permissão da

analogia gravosa colocou o Direito Tributário em consonância com os progressos da teoria

jurídica.

Palao Taboada (1997, p. 222) entende que a proibição da analogia decorre do princípio

da tipicidade tributária. Segundo esse entendimento, que coincide com a doutrina majoritária

brasileira, a proibição da analogia tem no princípio da tipicidade um fundamento suficiente.

Assim, mesmo na ausência de proibição legal expressa, o emprego da analogia que resultar na

exigência de tributo não previsto em lei não será cabível.

Relata o autor que a possibilidade de se deduzir a proibição da analogia do princípio

de reserva de lei é rechaçada por Tipke (1993, apud PALAO TABOADA, 1997, p. 224) no

contexto de sua posição favorável à analogia no Direito Tributário. Para Tipke (1993, apud

PALAO TABOADA, 1997, p. 224), a integração de lacunas mediante a analogia está em

consonância com o princípio democrático, uma vez que persegue a realização da vontade do

legislador e não agride a divisão de poderes.

A dificuldade da resposta à questão da existência de uma proibição da analogia,

segundo Tipke (1993, apud PALAO TABOADA, 1997, p. 224), decorre do conflito entre os

aspectos formal (segurança jurídica) e material (princípio da igualdade) do princípio do

Estado de Direito. Enquanto a analogia serve ao princípio da igualdade, sua proibição serve,

segundo seus partidários, à segurança jurídica.

Para Tipke (1993, apud PALAO TABOADA, 1997, p. 224), o princípio da igualdade

deve prevalecer sobre a segurança jurídica, uma vez que a posição dos cidadãos interessados

em uma tributação justa e igualitária deve prevalecer sobre a posição dos cidadãos que

enxergam no Estado apenas o cerceamento de suas liberdades (o egoísmo deve ceder ao

sentido comunitário).

Ademais, conforme Tipke (1993, apud PALAO TABOADA, 1997, p. 224), a

proibição da analogia não produz segurança jurídica, pois os contribuintes e assessores legais

não conhecem o texto da lei em que supostamente deveriam confiar e mesmo que o conheçam

não o entendem, confiando muito mais nos comentários ou artigos de especialistas do que na

letra da lei. O “sentido literal possível”, na visão de Tipke (1993, apud PALAO TABOADA,

141

1997, p. 224), também não é garantia de segurança jurídica, uma vez que está cheio de

lacunas produzidas por cláusulas gerais e conceitos vagos ou necessitados de integração

valorativa, além de comportar diversas variantes interpretativas.

A proibição da analogia, na opinião de Tipke (1993, apud PALAO TABOADA, 1997,

p. 224), tampouco pode se basear no princípio da determinação, o qual também deve ser

ponderado com o princípio da igualdade. Para Tipke (1993, apud PALAO TABOADA, 1997,

p. 224), o critério da igualdade, concebido como um princípio formal, vazio de conteúdo,

realiza-se por meio do princípio da capacidade contributiva.

Palao Taboada (1997, p. 225) entende que os argumentos de Tipke (1993), mais que

demonstrar que a analogia não é contrária à segurança jurídica, comprovam que a proibição

desse método integrativo não decorre exclusivamente da lei. Segundo Palao Taboada (1997,

p. 225), tais argumentos de Tipke (1993) o colocam entre os numerosos críticos do “sentido

literal possível” como fronteira entre a interpretação e a analogia. Tampouco resulta

convincente, para Palao Taboada (1997, p. 225), o argumento de que o cidadão ignora o texto

da lei e a técnica de sua interpretação. A segurança jurídica não é a sensação psicológica de

segurança de cada cidadão individual, mas sim um princípio ou valor geral do ordenamento

jurídico e da própria sociedade, cuja realização deve ser aspirada na maior medida possível

por meio dos mecanismos institucionais de criação e aplicação do Direito.

Na doutrina tributarista espanhola, Pérez Royo (1991, apud PALAO TABOADA,

1997, p. 226) rechaça energicamente a ideia de que a proibição da analogia deriva do

princípio da reserva de lei. Na visão desse autor, a concepção da proibição da analogia como

decorrência do princípio da tipicidade consiste em uma “aplicação mecânica de conceitos

forjados na órbita do Direito Penal à esfera tributária e, mais concretamente, na confusão

entre o princípio da legalidade ou da reserva de lei e o princípio da tipicidade”. Para Pérez

Royo (1991, apud PALAO TABOADA, 1997, p. 228), a distinção entre eles consiste em que

o princípio da legalidade ou da reserva de lei visa a eliminar a ingerência do poder

regulamentar, e o princípio da tipicidade (que seria o que expressa a fórmula nullum crimen

sine lege) visa a garantir a certeza na aplicação das leis. No Direito Penal, conforme o autor, a

proibição da analogia visa a garantir a certeza na aplicação da lei (princípio da tipicidade),

enquanto que no Direito Tributário a legalidade ou a reserva de lei não decorre da garantia

individual de certeza na aplicação das leis, e sim do fundamento democrático que exige a

intervenção da representação nacional na distribuição da carga tributária. Conclui o autor,

assim, que no Direito Tributário, diferentemente do Direito Penal, o princípio da tipicidade

142

não tem intensidade suficiente para justificar a proibição da analogia, sendo livre o legislador

ordinário para proibir ou não a sua aplicação.

Sobre o art. 1458 da LGT/2003, que veda o emprego da analogia que resulte na

exigência de tributo não previsto em lei, Pérez Royo (2002, p. 95) destaca que para a doutrina

que relaciona a analogia com o princípio da legalidade ou da reserva de lei, esse dispositivo se

aplica a todas as normas que versam sobre o âmbito material abrangido pelo referido

princípio. Ou seja, a proibição da analogia não se aplica apenas às normas que regulam o fato

imponível ou as isenções, e sim a todas as matérias relativas aos elementos essenciais do

tributo.

Conforme Pérez Royo (2002, p. 95), para a doutrina que defende o entendimento

oposto, a proibição da analogia compreende apenas as normas que versam sobre o fato

imponível e as isenções, ou seja, não abrange as normas que se referem a outros elementos do

tributo, incluindo os essenciais, tais como a definição de contribuintes, base de cálculo, etc.

Para Palao Taboada (1997, p. 227), ainda que se admita a distinção entre o princípio

da legalidade ou da reserva de lei e o princípio da tipicidade, e que a exigência de certeza ou

determinação da lei seja menos rigorosa no Direito Tributário que no Direito Penal, é inegável

a necessidade de se separar com a maior segurança possível os fatos que são e os que não são

sujeitos a tributação. As diferentes intensidades que o princípio da legalidade assume em um e

em outro âmbito, na verdade, decorrem dos distintos valores que respectivamente afetam a

ação do Estado no Direito Penal (pessoais) e no Direito Tributário (estritamente patrimoniais).

Ademais, conforme Palao Taboada (1997, 227), também deriva do fundamento

democrático do princípio da legalidade, que exige a intervenção da representação nacional na

distribuição da carga tributária, a necessidade (expressa na ideia de tipicidade) de que a lei

não se aplique a fatos não contemplados ou pretendidos pelo legislador, o que

tradicionalmente tem sido formulado como proibição do emprego da analogia que resultar na

exigência de tributo não previsto em lei. Essa necessidade, com bem adverte o autor, subsiste

ainda que o conceito de analogia não seja adequado para desempenhar este papel.

Conclui Palao Taboada (1997, 227), assim, que, contrariamente ao aduzido por Péres

Royo, a extensão da proibição da analogia é condicionada pelo seu próprio fundamento, e não

está entregue à livre decisão do legislador. Como esse fundamento radica na ideia de

58 O art. 14 da LGT/2003, a seguir transcrito, substituiu o art. 24.1 da LGT/63. O item 2 do referido art. 24 tratava

da fraude à lei tributária e atualmente consta do art. 15 da LGT/2003. “Art. 14. Não se admitirá a analogia para estender para além de seus estritos termos o âmbito do fato imponível,

das isenções e demais benefícios ou incentivos fiscais” (tradução livre).

143

tipicidade, derivada da segurança jurídica, a proibição afeta toda a analogia prejudicial ao

contribuinte.

O problema fundamental suscitado pela proibição da analogia é que, contra o que se

pensava, não existe uma diferença material entre analogia e interpretação. Segundo a

concepção que Palao Taboada (1997, p. 233) chama de tradicional (positivista), a analogia

começa onde acaba a interpretação e o seu limite é o sentido literal possível da lei. Essa

concepção, contudo, como adverte o autor, não se sustenta diante dos métodos de

interpretação que se abrem a considerações teleológicas. Não caiu neste erro a doutrina

espanhola não-positivista, a qual, conforme Palao Taboada (1997, p. 233), já havia apontado

desde o início o caráter criativo tanto da interpretação como da analogia, reconhecendo que

entre ambas há uma diferença somente de grau.

Como demonstramos na seção 3, Greco (2004, p. 149-150) tem entendimento oposto

ao de Palao Taboada, entendendo que a analogia não é vedada pela Constituição. Essa

vedação, na visão de Greco (2004, p. 149-150), decorre exclusivamente do art. 108, §1º do

CTN. A ideia de proibição da analogia pelo art. 150, I do CTN, conforme o autor, vem do

Direito Penal, pois assim como nullum crimen sine legem, nullum tributum sine legem. Ou

seja, se o Direito Penal, que visa à proteção da liberdade individual, veda a analogia, o Direito

Tributário também a proíbe.

Estamos de acordo com a posição de Palao Taboada (1997) quanto à vinculação entre

a proibição do emprego da analogia como forma de exigência de tributo não previsto em lei e

o princípio da legalidade em matéria tributária. O §1º do art. 108 do CTN, a nosso ver, tem

cunho didático e sua eventual revogação não implicaria a permissão da analogia sem os

limites da legalidade.

4.2.2.2 Princípios gerais de Direito Tributário

Segundo Machado (2004, p. 221), se o intérprete não encontrar uma solução para o

caso concreto mediante o emprego da analogia (com a ressalva do §1º), deverá recorrer aos

princípios gerais do Direito Tributário contidos na Constituição Federal, tais como os

princípios da capacidade contributiva, da legalidade, da isonomia, da anterioridade e da

proibição de confisco.

144

Em linha com Baleeiro (1999, p. 680), Machado (2004, p. 221) também elenca, como

princípios gerais do Direito Tributário, a proibição de barreiras tributárias interestaduais (art.

150, V), as imunidades (art. 150, VI), as competências privativas (arts. 153 a 156), a

finalidade extrafiscal e outros princípios implícitos na Constituição Federal.

Para Amaro (2006, p. 213), assim como não é razoável a hierarquização dos

instrumentos de integração contidos no art. 108, não há razão para a hierarquização de

princípios de Direito Tributário e de Direito Público. Em linha com Torres (2000), Amaro

(2006, p. 213) também questiona a setorização de princípios consagrada pelo art. 108:

O princípio da igualdade, por exemplo, posto como axioma basilar do direito tributário, não seria, antes disso (caso se tivesse de setorizar os princípios), um postulado de direito público? Ou de direito constitucional? Ou melhor, de direito, tout court? Há princípios (como esse, da igualdade) que têm uma abrangência universal, o que inabilita sua apropriação por este ou aquele “ramo” do direito. É também o caso do princípio da proteção da boa-fé, que permeia todo o direito, tanto o público quanto o privado.

Ressalta Amaro (2006, p. 214), por fim, que a setorização de princípios tem razão

apenas didática e que não há dúvida de que todo o conjunto de princípios do Direito deve

presidir todo e qualquer trabalho exegético na matéria.

4.2.2.3 Princípios gerais de Direito Público

Os princípios gerais do Direito Público, segundo Machado (2004, p. 222), consistem

em ideias comuns a várias regras desse ramo jurídico, sendo que a fonte mais importante

dessas ideias é a Constituição Federal.

A esse respeito, Machado (2004, p. 222) menciona os princípios da isonomia ou da

igualdade perante a lei (art. 5º), da irretroatividade (art. 5º, XXXVI), da pessoalidade da pena

(art. 5º, XLV), da ampla defesa (art. 5º, LV), da liberdade profissional (art. 5º, XIII), etc. O

autor também cita os princípios do “quem pode o mais pode o menos” e dos poderes

implícitos, segundo o qual, conforme o autor, quando a Constituição quer os fins, concede os

meios adequados.

145

Amaro (2006, p. 214), por sua vez, invoca os princípios federativo, republicano, da

relação de administração, da lealdade do Estado, da previsibilidade da ação estatal e da

indisponibilidade do interesse público.

Segundo o autor, além dos problemas da hierarquização e da setorização, o art. 108 é

lacunoso, pois, como julgou necessário discriminar, por ramo e sub-ramo de Direito, o

conjunto de princípios (partindo do específico – Direito Tributário – para o geral – Direito

Público), deveria, por coerência, alcançar o mais geral (princípios gerais de Direito, que

englobam os princípios do Direito Tributário e os do Direito Público). Essa omissão do art.

108, contudo, não afasta a aplicação dos princípios gerais do Direito na integração da

legislação tributária.

Torres (2000, p. 126) ressalta que um dos mais graves problemas da hermenêutica e da

filosofia do Direito reside em saber o exato sentido da expressão “princípios gerais do

Direito”, a qual terá significados diferentes conforme prevaleça a visão jusnaturalista ou

positivista. Na visão do autor, os princípios, que informam a criação, a interpretação, a

integração e a correção do Direito, situam-se na região intermediária entre os valores jurídicos

abstratos e as normas do ordenamento positivo. Pouco importa, contudo, que os princípios

sejam escritos ou implícitos, positivos ou suprapositivos, pois, conforme o autor, os mesmos

podem ser apreendidos pela doutrina, pelo legislador e pela jurisprudência, por indução ou

dedução a partir da natureza das coisas ou da ideia do Direito.

4.2.2.4 Equidade

Segundo Amaro (2006, p. 215), a equidade atua como instrumento de realização

concreta da justiça, preenchendo “vácuos axiológicos” nos quais a aplicação rígida e

inflexível da regra escrita repugnaria ao sentimento de justiça da coletividade.

Machado (2004, p. 223) ressalta que a equidade não pode ser aplicada de forma

inteiramente livre, e sim visando a alcançar a igualdade material que o legislador, ao produzir

normas gerais e abstratas, não consegue atingir. Para o autor, se a lei prevê certo ato como

ilícito e há dúvida sobre a sua autoria, por exemplo, o intérprete deve preencher essa lacuna

“aplicando a norma que a equidade autoriza seja então elaborada”. Na visão de Machado

146

(2004, p. 223), o art. 112 do CTN reflete uma hipótese de aplicação da equidade. No mesmo

sentido entende Amaro (2006, p. 215).

Entende Machado (2004, p. 224) que a equidade não se confunde com a analogia, uma

vez que enquanto a equidade busca uma solução para o caso concreto a partir da norma

genérica, inspirada no sentimento de justiça e benevolência, a analogia busca suprir a lacuna

com uma norma específica destinada a regular outra situação muito parecida.

Amaro (2006, p. 215) frisa que a equidade não atua somente no plano da integração da

legislação tributária, uma vez que o ideal do justo pode levar:

a) à opção, entre as possíveis consequências legais de determinada situação concreta,

pela que mais se ajuste ao conceito de justiça; ou

b) à criação, para o caso concreto, de uma norma que, excepcionando a dura lex ou

preenchendo uma lacuna legal, confira à situação concreta uma disciplina jurídica

justa, que provavelmente seria conferida pelo legislador, se tivesse presentes, ao

editar a lei, as características materiais ou pessoais específicas daquela situação

concreta.

Torres (2000, p. 131-132), por outro lado, entende que a noção de equidade como

forma de integração “necessita de muito labor teórico” para não se confundir com a equidade

como instrumento de “correção” do Direito (no caso da antinomia entre regras, por exemplo)

ou de interpretação e suavização de penalidades fiscais.

Para o autor, a equidade como forma de integração não é muito importante para o

Direito Tributário, pois, de modo geral, a equidade atua diante de conceitos indeterminados,

cláusulas gerais e discricionariedade administrativa ou judicial. Como o Direito Tributário se

utiliza de conceitos determinados e enumerações taxativas, por força do princípio da

legalidade, pouco resta, na visão de Torres (2000, p. 132), para o preenchimento equitativo

das lacunas.

Baleeiro (1999, p. 684) tem uma visão bem ampla da equidade e admite o seu

emprego nos casos de absoluta inexistência de capacidade econômica do contribuinte. Na

visão do autor, exigir o tributo nesses casos não parece logicamente razoável. Por outro lado,

também não está contida na “lógica razoável”, segundo o autor, a dispensa do tributo de quem

adquiriu essa capacidade econômica em uma situação mal definida pela legislação. A nosso

ver, Baleeiro está equivocado ao conferir à equidade um sentido muito parecido com o que a

versão original da interpretação econômica confere à capacidade contributiva.

147

Com base na restrição imposta pelo §2º do art. 108, Machado (2004, p. 223) entende

que o CTN adotou o termo equidade no sentido de mitigação dos rigores da lei, ou seja, no

sentido de suavização, humanização e benevolência na aplicação do Direito. Assim, conforme

o autor, se a lei lacunosa não puder ser integrada com base na analogia, nos princípios gerais

do Direito Tributário, e nos princípios gerais do Direito Público, o intérprete deverá adotar a

solução que for mais benevolente, mais humana e mais suave ao contribuinte.

Amaro (2006, p. 216) entende que a equidade vedada pelo §2.º do art.108 não se refere

a uma ausência de norma (lacuna) e sim a uma situação em que o aplicador da lei, diante de

uma norma tributária que considera injusta ou muito rigorosa no caso concreto, cria uma

norma de exceção que exclui do âmbito de incidência da norma aquele caso concreto. Em

outras palavras, o objetivo do §2º do art. 108 é impedir que o aplicador da lei, diante da

exigência injusta do tributo, crie, por equidade, uma norma de exceção. Conforme o autor,

não cabe ao intérprete afastar determinada exigência fiscal com base na premissa de que a lei

a teria excepcionado caso houvesse previsto as características peculiares do caso concreto. Na

visão de Amaro (2006, p. 216), a restrição imposta pelo §2º do art. 108 decorre do princípio

da reserva legal, conjugado com o princípio da indisponibilidade do interesse público.

Concordamos com Amaro, e não com Machado, quanto ao sentido do §2º do art. 108.

A nosso ver, essa norma somente se aplica às sanções e penalidades tributárias, e não às

demais regras tributárias. Entender o contrário é admitir o princípio in dubio pro contribuinte,

há muito superado no Direito Tributário.

4.2.3 Art. 109 do CTN

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Para Canto (1967, p. 17), o art. 109 significa que o legislador, e não o intérprete, pode

conferir efeitos tributários semelhantes a atos e negócios jurídicos que tenham características

distintas perante o Direito Privado.

Sousa (1975b, p. 378), que juntamente com Canto (1967) participou da redação do

referido dispositivo, interpreta-o de maneira diferente. Segundo o autor,

148

O conteúdo real deste dispositivo é [...] um mecanismo para permitir ao aplicador da lei contrariar as manobras de evasão, aplicando, aliás, a norma geral de direito processual, de que o juiz, quando se convença de que as partes instauraram o processo para obter resultado diverso daquele que aparece, dará sentença por forma que obste esse resultado, ou seja, ao abuso da lei.

Segundo Nogueira (1994, p. 104), o art. 109 visa a afastar os princípios gerais de

Direito Privado como meio supletivo da integração da lei tributária, sem se dar conta de que

tal afastamento já está contido no art. 108 do CTN.

Para o autor, o art. 109 também visa a esclarecer a relação entre o Direito Tributário e

o Direito Privado. Assim, se a lei tributária se referir a categorias do Direito Privado, sem

alterá-las, o intérprete deverá “ingressar no Direito Privado para bem compreendê-las”. As

categorias de Direito Privado que não são alteradas pela lei tributária continuam sendo

institutos, conceitos e formas de puro Direito Privado.

Baleeiro (1999, p. 685) também entende que o art. 109 pretende resguardar a

autonomia do Direito Tributário mediante a explicitação da sua fronteira com o Direito

Privado. O autor reconhece que o Direito Tributário pode atribuir efeitos fiscais diversos aos

conceitos e formas de Direito Privado, desde que o faça de forma expressa.

Segundo Godoi (2005, p. 128), a redação ambígua do art. 109 pode levar à conclusão

de que o intérprete está legitimado a investigar os efeitos econômicos das formas jurídicas a

fim de lhes conferir os efeitos tributários correspondentes. A maioria da doutrina, contudo,

conforme Godoi (2005, p. 128), afasta essa interpretação do art. 109 pelo fato de os

dispositivos do Anteprojeto e do Projeto do CTN que consagravam a interpretação econômica

terem sido excluídos do texto final aprovado em 1966.

Baleeiro (1999, p. 689) entende que o CTN é “tímido” quanto à interpretação

econômica, na medida em que a insinua, mas não a erige em princípio básico. O autor,

contudo, não explica de que forma a interpretação econômica é “insinuada” pelo CTN. O art.

109, na sua visão, proclama o primado do Direito Privado quanto à definição, ao conteúdo e

ao alcance dos institutos, conceitos e formas desse ramo jurídico. A contrario sensu, na visão

do autor, tal primado não subsistirá se as definições, conceitos e formas provierem de outras

leis ordinárias. A nosso ver, o art. 109 não se restringe ao Direito Privado, como entende

Baleeiro, sendo plenamente aplicável a qualquer ramo do Direito.

Como alerta Derzi, em seus comentários à obra de Aliomar Baleeiro (1999, p. 685), é

um erro supor que o art. 109 consagra a interpretação econômica no sentido do abandono das

formas jurídicas. Conforme a autora, o art. 109 autoriza o legislador a atribuir efeitos

tributários peculiares aos institutos de Direito Privado desde que sejam atendidos os limites

149

previstos na Constituição. Essa atribuição é privativa do legislador, não cabendo ao intérprete

conferir efeitos tributários especiais aos princípios e institutos de Direito Privado.

Na visão de Derzi, explicitada em suas notas à obra de Aliomar Baleeiro (1999, p.

689), a interpretação econômica visa à apreensão teleológica da norma tributária, repelindo as

simulações e fraudes jurídicas. Nas palavras da autora, o objetivo da interpretação econômica

é evitar que por meio de um excessivo apego às formas de Direito Civil o princípio da

igualdade seja violado. Mesmo assim, ressalta a autora, a interpretação econômica não deve

sair de seus limites, o que levaria ao arbítrio e à insegurança. Conforme a autora, “quando

assentada nessas premissas, [a interpretação econômica] não se afasta, de modo algum, da

interpretação jurídica existente nos demais ramos jurídicos”.

Amaro (2006, p. 226) também não considera que o art. 109 consagrou a interpretação

econômica do Direito Tributário, a qual, na sua visão, choca-se com a Constituição e com

outros preceitos do próprio CTN. Ressalta o autor que o art. 109 “não pode querer dizer que o

intérprete da lei tributária seja obrigado a utilizar os princípios do Direito Privado para

pesquisar a definição, o conteúdo e o alcance de certo instituto de Direito Privado (por

exemplo, a compra e venda) para, concluído esse trabalho, atirá-lo ao lixo”.

O que determina o art. 109, segundo Amaro (2006, p. 227), é que a identificação do

instituto de Direito Privado seja feita com base nos princípios de Direito Privado. Os efeitos

tributários, contudo, são determinados pelo Direito Tributário, e não pelo Direito Privado. O

Direito Tributário, dessa forma, tem a prerrogativa de conferir efeitos iguais para diferentes

institutos de Direito Privado, mas essa prerrogativa é exclusiva da lei tributária. Ou seja, é a

lei tributária, se quiser, que poderá conferir os respectivos efeitos fiscais, e nunca o intérprete.

Assim, no caso dos contratos de adesão, conforme o exemplo de Amaro (2006, p.

219), a interpretação favorável ao aderente não implica a consequente interpretação mais

benéfica da respectiva legislação tributária. Ou seja, o aderente não tem perante o fisco a

mesma posição privilegiada que possui no contrato de adesão. O empregado, por sua vez,

também não pode invocar sua condição de hipossuficiente na relação de trabalho em sua

relação com fisco. Essa hipossuficiência se restringe à relação de trabalho, não afetando a

interpretação das respectivas normas tributárias.

Nogueira (1982, p. 54) entende que o artigo 109 do CTN adota a segunda variante da

interpretação econômica, consistente na utilização de conceitos próprios do Direito Tributário

em decorrência de sua autonomia em relação ao Direito Privado. O art. 108, §1.º, na visão do

autor, é um dique às pretensões da corrente mais radical da interpretação econômica,

150

representada pela terceira variante, que consiste na busca de identidade de efeitos econômicos

para fins de tributação.

Eros Roberto Grau (1975, p. 75) entende que o art. 109 regula a interpretação

econômica, a qual, na sua visão, consiste na interpretação teleológica da norma tributária com

base nas específicas finalidades econômicas a que se reporta. Segundo Grau (1975, p. 78-79),

ao adotar o princípio da interpretação econômica (art. 109), o CTN previne a ocorrência de

conflitos entre o Direito Tributário e o Direito Privado, uma vez que os objetivos de ambos –

realidade econômica e validade formal – e a ótica sob a qual são tratados divergem

inteiramente entre si. Como o Direito Tributário não é autossuficiente, vez que o Direito

compõe um todo orgânico e não pode, qualquer de seus ramos, funcionar isoladamente do

todo, o CTN, por meio do art. 109, coíbe o abuso das formas jurídicas como instrumento

impeditivo ou redutor da obrigação tributária, colocando em destaque a essência econômica

do fenômeno tributário.

Conforme Greco (1998, p. 175), o art. 109 espelha uma das questões mais tormentosas

do Direito Tributário, consistente em se identificar até que ponto a lei tributária deve ser

interpretada mediante a utilização de critérios e conceitos oriundos do Direito Privado e até

que ponto a lei tributária pode desconsiderá-los.

Na visão de Greco (1998, p. 176), o art. 109 não vincula a norma tributária às figuras

de Direito Privado e permite que lhes sejam conferidos efeitos diversos dos previstos naquele

ramo do Direito. Tal diversidade de efeitos, contudo, deve ser claramente contemplada na lei

tributária.

Segundo Torres (2000, p. 147), o art. 109 é ambíguo e contraditório, pois pretende

hierarquizar métodos de interpretação de igual peso, sem optar com clareza pelo sistemático

ou pelo “teleológico ou econômico”. Essa ambiguidade, conforme Torres (2000, p. 189),

implica duas leituras distintas e constrastantes do art. 109: lido conjuntamente com o art. 110,

o art. 109 parece privilegiar o método sistemático; lido separadamente, o art. 109 parece

privilegiar o método teleológico (chamado pelo autor de “consideração econômica do fato

gerador”), desde que não haja a constitucionalização dos conceitos de Direito Privado.

Na visão de Torres (2000, p. 190), no caso de prevalência do método sistemático,

surgirão necessariamente os corolários da exclusividade da legislação como fonte do Direito,

da subordinação do Direito Tributário ao Direito Privado e da liberdade na eleição da forma

dos negócios jurídicos. Caso prevaleça o método teleológico, entretanto, surgirão os

151

corolários da inclusão da jurisprudência entre as fontes do Direito, da autonomia do Direito

Tributário e da ilicitude da elisão.

A interpretação lógico-sistemática do Direito Tributário, contudo, segundo o autor,

está em franco declínio na consideração da doutrina jurídica, pelo fato de excluir o critério

teleológico em prol de uma exagerada preocupação com a segurança jurídica e a legalidade.

Também estão em declínio, consequentemente, conforme Torres (2000, p. 194), o primado do

Direito Privado, a separação entre os sistemas do Direito e da Economia, a licitude da elisão e

a exclusividade da legislação como fonte do Direito Tributário.

A outra leitura admitida pelo art. 109, que recomenda a interpretação teleológica, é

equiparada por Torres (2000, p. 197) à interpretação econômica ou funcional. Segundo o

autor, a interpretação econômica adotada pelo CTN é “tímida” e cuida apenas das relações

entre o Direito Tributário e o Direito Privado, sem chegar a uma fórmula geral de

interpretação teleológica.

Essa segunda leitura do art. 109, contudo, também reflete a aderência do CTN a uma

posição teórica em refluxo, uma vez que, conforme o autor, não mais se defende a

exclusividade da interpretação econômica ou a preponderância do método finalístico, os quais

foram substituídos pelo pluralismo metodológico e as novas ideias sobre

interdisciplinariedade. Por conseguinte, segundo Torres (2000, p. 202-203), também se

desvalorizaram a autonomia do Direito Tributário, a redução economicista, a ilicitude da

elisão, a liberdade do juiz tributário e a primazia da justiça.

Torres (2000, p. 190) critica a tentativa do art. 109 de hierarquizar aprioristicamente os

métodos de interpretação, as fontes do Direito Tributário e os conceitos jurídicos. Para o

autor, o art. 109, além de ambíguo e contraditório, é retrógrado, pois deixou de reconhecer a

equivalência e a interação entre os métodos de interpretação, consistentes no pluralismo

metodológico.

Mesmo os autores que se esforçam por “casar” os arts. 109 e 110, conforme Torres

(2000, p. 192), divergem acerca da preponderância da interpretação sistemática ou da

interpretação teleológica. Em outras palavras, tais autores divergem acerca da prevalência da

autonomia do Direito Tributário, com a ressalva dos conceitos constitucionalizados (sendo,

conforme o autor, a exceção mais importante que a regra), ou do Direito Privado.

Conclui Torres (2000, p. 205), assim, que o art. 109 não faria a menor falta se fosse

extirpado do CTN, pelo refluxo das teorias lógico-sistemática e da interpretação econômica e

por não refletir o pluralismo metodológico.

152

Na visão de Torres (2000, p. 231), a interpretação econômica foi recepcionada pelo

art. 11859 do CTN, o qual, no seu entendimento, não é norma de interpretação, e sim de

qualificação dos fatos, conforme os comentários de Sousa (1954) ao art. 85 do Projeto do

CTN, referidos anteriormente. Na opinião de Torres (2000, p. 261), tal como o art. 109, a

redação do art. 118 é ambígua e contraditória, abrindo-se a diferentes significações.

Relata o autor que essa mesma ambiguidade se fazia presente no dispositivo que

serviu de paradigma ao art. 118 do CTN, qual seja, o art. 1º, III da Lei de Adaptação

Tributária alemã de 1934. Conforme Tipke (1978, apud TORRES, 2000, p. 261), o referido

art. 1º, III foi interpretado de diferentes maneiras:

a) Becker considerava fundamental a valoração econômica do fato concreto;

b) durante o período do nacional-socialismo, serviu para a manipulação política e

fiscal;

c) depois da Segunda Guerra Mundial, foi considerado necessário à subsunção do fato

econômico na lei tributária baseada em conceitos de Direito Privado;

d) posteriormente, foi visto como contrário aos princípios da legalidade, por admitir a

cobrança do tributo a partir do fato e não da lei formal, o que lhe determinou a

revogação.

Torres (2000, p. 271) destaca que se os “efeitos” a que aludem os incisos I e II do art.

118 fossem entendidos como “efeitos econômicos”, esse dispositivo seria antinômico, uma

vez que, conforme o autor, visa justamente a prestigiar a interpretação econômica. O

problema, segundo Torres (2000, p. 271), é de “valoração da eficácia jurídico-econômica ou

da qualificação, de acordo com a lei, do fato em que o ato, ainda que inválido, se converteu, e

não de interpretação do fato”. A tributação dos atos simulados ou inválidos, mas

economicamente eficazes, portanto, visa a adequar a consequência econômica à jurídica, a

qual se obtém pela subsunção do fato concreto na norma interpretada segundo o critério

teleológico.

Na visão de Godoi (2010), o art. 109 se destina a delimitar o papel que os princípios

gerais de Direito Privado têm na interpretação da lei tributária. Para o autor, o art. 109

determina, nos casos em que a legislação tributária menciona conceitos, institutos e formas de

Direito Privado (salário, doação, hipoteca, usufruto, etc.), sem criar uma conceituação própria

59 “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem

como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”.

153

desses institutos para fins de aplicação da norma tributária, que o intérprete se utilize dos

princípios gerais de Direito Privado para verificar o alcance ou o sentido desses institutos.

Conforme o exemplo de Godoi (2010), se a lei tributária impõe um imposto sobre os contratos

de leasing (sem transfigurar seu sentido oriundo do Direito Privado) e se em um caso concreto

se discute se o imposto é devido ou não exatamente porque se discute se a operação é ou não

de leasing, o intérprete da lei tributária terá eventualmente que recorrer aos princípios gerais

de Direito Privado implícitos na legislação do leasing para verificar o verdadeiro alcance do

instituto e, consequentemente, cobrar ou não o imposto. É o que está previsto na primeira

parte do art.109: “os princípios gerais de Direito Privado utilizam-se para pesquisa da

definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos e formas [...]”.

A segunda parte do art. 109, conforme o autor, determina que o intérprete não use os

princípios gerais de Direito Privado para interpretar a própria legislação que regule os efeitos

ou as consequências tributárias da prática daqueles institutos, conceitos e formas de Direito

Privado. Em outras palavras, os princípios gerais de Direito Privado são vetados pelo CTN

como métodos de integração da legislação tributária (art. 108, a contrario sensu) e como

métodos de interpretação (fora do contexto da integração) das normas que tratam dos efeitos

tributários dos atos praticados pelos contribuintes (art. 109).

Na visão de Godoi (2010), Amaro (2006, p. 219) exemplifica muito bem essa questão

ao afirmar que os princípios que informam a relação entre o consumidor e o fornecedor, por

exemplo, contidos no Código de Defesa do Consumidor, não podem ser usados para

interpretar normas tributárias relativas às obrigações deste consumidor (enquanto

contribuinte) com o fisco.

Em resumo, conforme Godoi (2010), se a legislação tributária não se refere a institutos

e conceitos do Direito Privado ou a eles se refere transformando seu sentido “para fins de

aplicação da legislação tributária”, o intérprete não deverá guiar seus trabalhos pelos

princípios gerais do Direito Privado. Se a legislação tributária faz menção a um instituto do

Direito Privado sem especificar-lhe um sentido diferente, então o conceito deste instituto tal

como configurado no Direito Privado será determinante para se concluir se a lei tributária

incidirá ou não, e os princípios gerais de Direito Privado podem ser utilizados para investigar

se em um caso concreto houve ou não a prática daquele instituto de Direito Privado. Fora

dessa investigação do alcance ou do conteúdo de um instituto do Direito Privado mencionado

e mantido na legislação tributária, segundo Godoi (2010), os princípios gerais de Direito

Privado são irrelevantes em matéria tributária.

154

Tal conclusão, ressalta Godoi (2010), está em linha com o art. 108 do CTN, que não

prevê em seus incisos (“processos supletivos de interpretação”, na expressão do art. 75 do

Projeto) os princípios gerais de Direito Privado. Por essa razão Sousa (1954, p. 183) afirmou

que o art. 76 do Projeto (atual art. 109) “completaria” a norma do artigo 75 (atual art. 108).

Concordamos com o sentido conferido por Godoi (2010) e Amaro (2006) ao art. 109

do CNT e por essa razão não identificamos nesse dipositivo a recepção de qualquer das

versões da teoria da interpretação econômica. O art. 109 do CTN, a nosso ver, não abriga nem

afasta a interpretação econômica, seja como critério de interpretação teleológica, seja como

forma de combate à elusão fiscal. O art. 109 simplesmente não trata dessas questões.

4.2.4 Art. 110 do CTN

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

O Anteprojeto do Código Tributário Nacional, finalizado em 1953, não continha a

regra do atual art. 110. Sua inclusão no Projeto de 1954 foi sugerida por Canto, com o

objetivo de conferir estabilidade aos conceitos de Direito Privado empregados pela

Constituição na fixação das competências tributárias. Não fosse assim, conforme Canto

(1967, p. 428), a discriminação constitucional de rendas tributárias poderia “sofrer toda a

sorte de golpes e deformações”.

Canto (1967, p. 29) ressalta que o art. 110 espanca as dúvidas que a leitura isolada do

art. 109 poderia provocar. Esses artigos se completam e “tranquilizam” o intérprete. Para

demonstrar o tipo de problema que o art. 110 visa a evitar, Canto (1967) cita que houve

Estados-membros da Federação que tentaram exigir o Imposto de Transmissão Imobiliária

sobre a alienação de navios e sobre a locação de bens imóveis firmada por período superior a

vinte anos, distorcendo os conceitos privados para maximizar a arrecadação tributária.

Guimarães (1947, p. 30) critica o art. 110 argumentando que “como é a União quem

legisla sobre Direito Privado, poderia ela, mudando os nomes dos institutos, alterar, a seu bel

prazer, a competência privativa dos poderes locais, a qual de privativa só teria o nome”

(itálico do autor).

155

Como bem observa Godoi (2010), é improvável que a União altere o Direito Privado

para auferir ganhos tributários, pois tal manobra provocaria graves efeitos sobre toda a vida

civil e econômica do país. O que o art. 110 do CTN evita é que os entes federativos (inclusive

a própria União) alarguem, por meio de leis tributárias e por isso com efeitos restritos a esse

terreno, conceitos de Direito Privado previstos na Constituição para definir competências

tributárias.

O art. 110 do CTN, na visão de Grau (1975, p. 80), ratifica e complementa os arts. 109

e 118. Garantindo a subsistência do regime federativo e coibindo a concorrência tributária, o

art. 110 impede que da alteração dos conceitos do Direito Privado resulte o desvirtuamento da

estrutura discriminatória de competências tributárias. O art. 118, por sua vez, define a

irrelevância jurídica do ato que integra a situação escolhida pela lei como necessária e

suficiente à ocorrência do fato gerador. É por isso, segundo o autor, que a prática efetiva do

fato gerador independe da sua validade para dar origem à obrigação principal.

Torres (2000, p. 227-228) entende que o art. 110 do CTN é ambíguo e contraditório,

pois admite diferentes leituras e separa os métodos de interpretação de acordo com a natureza

constitucional ou meramente legal da norma a ser interpretada. Ademais, o art. 110, na visão

do autor, é insuficiente e lacunoso, uma vez que visa a afastar da interpretação teleológica os

conceitos utilizados no sistema de discriminação de rendas. Torres (2000, p. 230) discorda

desse entendimento porque a interpretação da Constituição não se restringe ao sistema do

federalismo fiscal, alcançando todo o Sistema Tributário Nacional, independentemente de a

titularidade pertencer a este ou àquele ente público.

Conforme Godoi (2010), o julgamento do STF (RE 166.772, DJ 16.12.94, Relator

Min. Marco Aurélio) acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre a remuneração

de trabalhadores autônomos bem ilustra a crítica de Torres (2000) que se refere ao art. 110 do

CTN. Nesse julgamento, o art. 110 potencializou a argumentação literal-restritiva do art. 195

da Constituição (no sentido de que a Constituição se referia ao conceito de “salários” tal como

vigora no Direito do Trabalho) e reprimiu a argumentação histórico-teleológica presente nos

votos vencidos dos Ministros Velloso, Rezek e Galvão. O STF acabou decidindo, com base

no voto do Ministro Marco Aurélio, que a contribuição previdência não incide sobre a

remuneração de trabalhadores autônomos.

Na visão de Godoi (2010), uma maneira de evitar que o art. 110 do CTN leve à

privatização ou à literalidade da interpretação constitucional-tributária é conceber o

dispositivo não como um artigo sobre a interpretação do Direito Tributário, e sim como um

156

artigo voltado ao legislador ordinário (e não ao intérprete), definindo (ou confirmando) regras

de competência tributária.

Amaro (2006, p. 220) também entende que o comando do art. 110 dirige-se ao

legislador, e não ao intérprete. O que determina o art. 110, na visão do autor, é que o

legislador não pode expandir o campo de competência tributária que lhe foi atribuído pela

Constituição, mediante o artifício de ampliar a definição, o conteúdo ou o alcance de

institutos de Direito Privado (ou de outros ramos do Direito) utilizados para definir aquele

campo. A contrario sensu, conforme o autor, conceitos jurídicos não utilizados na definição

da competência tributária podem ser alterados pela legislação tributária.

Estamos de acordo com a advertência de Torres (2000) acerca do risco de se afastar da

interpretação teleológica os conceitos utilizados no sistema de discriminação de rendas e

concordamos com a sugestão de Godoi (2010) e Amaro (2006) quanto ao real sentido e

alcance do art. 110 do CTN.

4.2.5 Art. 111 do CTN

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – outorga de isenção; III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

157

De forma contraditória com a justificativa de Sousa (1954) acerca do art. 128 do

Anteprojeto e do art. 73 do Projeto, demonstrada anteriormente, o art. 13360 do Anteprojeto e

o art. 7761 do Projeto determinam a interpretação “literal” da legislação tributária que dispense

o cumprimento de obrigações acessórias e disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito

tributário.

Segundo Sousa (1954, p. 184), “as sugestões 723 e 913, que propunham se dissesse

‘restritivamente’ em vez de ‘literalmente’, não foram adotadas porque o objetivo visado é

delimitar a interpretação à letra da lei, sem porém admitir a restrição, em eventual prejuízo do

contribuinte, das concessões nela previstas.”

Não obstante, a concepção geral acerca do art. 111 do CTN, no qual se converteu o art.

77 do Projeto, é no sentido de que “literalmente” significa “restritivamente”. Segundo Godoi

(2010), essa interpretação do art. 111 decorre da visão de que o Direito Tributário protege

apenas o interesse arrecadatório do fisco e que por isso as normas que negam esse interesse

(tais como as normas de desoneração fiscal) devem ser interpretadas restritivamente62. Apesar

da missão constitucional do Direito Tributário não se resumir à arrecadação, Godoi (2010)

considera compreensível que à época da edição do CTN houvesse reservas às normas de

isenção, bastando lembrar a absurda isenção do imposto de renda sobre os proventos de

magistrados e outras categorias.

O próprio Canto (1967, p. 30), um dos autores do CTN, reconhece que o art. 111 foi

“um dos pontos em que mais se errou na elaboração do CTN” e que hoje a “isenção só é dada

60 “Art. 133. Será interpretada literalmente a legislação tributária excepcional em relação ao direito tributário

comum, assim considerada a que disponha sobre: I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – concessão de reduções ou franquias tributárias, ou de dispensa de obrigações tributárias acessórias, ainda que

em caráter temporário ou condicional. Parágrafo único. Não se considera excepcional, para os efeitos deste artigo, a legislação tributária que disponha

sobre: I – instituição de tributos extraordinários ou de caráter parafiscal, quaisquer que sejam a sua natureza e

finalidade; II – imposição de sanções ou penalidades, pecuniárias ou de outra qualquer natureza, observado o disposto no

art. 27.” 61 “Art. 77. Interpreta-se literalmente a legislação tributária excepcional em relação ao direito tributário comum,

assim considerada a que disponha, ainda que em caráter temporário ou condicional, sobre: I – suspensão ou exclusão do crédito tributário; II – concessão de reduções ou franquias tributárias, ou de dispensa de obrigações tributárias acessórias. Parágrafo único. Não se considera excepcional, para os efeitos deste artigo, a legislação tributária que disponha

sobre: I – instituição de tributos extraordinários, quaisquer que sejam a sua natureza e finalidades; II – imposição de sanções ou penalidades de qualquer natureza, observado o disposto no artigo seguinte.” 62 Godoi (2010) ressalta que o espanhol Lozano Serrano critica essa “teoria do interesse tutelado” e sua influência

deletéria sobre a compreensão das isenções tributárias e seu papel no Estado Democrático de Direito nas suas obras Exenciones Tributarias y Derechos Adquiridos, Madrid: Tecnos, 1988 e Consecuencias de La jurisprudência constitucional sobre el derecho financiero y tributario, Madrid: Civitas, 1990.

158

em consideração a importantes, relevantes interesses coletivos, de sorte que ela deve ser

interpretada da mesma maneira que qualquer lei, teleologicamente, sistematicamente,

literalmente”.

Para Grau (1975, p. 82), o art. 111 do CTN prevê, com base no princípio da

interpretação literal, as hipóteses excluídas da interpretação econômica.

Na visão de Godoi (2010), a única maneira de “salvar” o art. 111 é interpretá-lo no

sentido da vedação de integrações analógicas das normas de isenção. Da mesma forma que a

norma que estabelece o fato gerador e o sujeito passivo de um tributo não pode ser aplicada

por analogia (art. 108, §1.º do CTN), tampouco a norma de isenção pode ser estendida ou

ampliada por argumentos analógicos. Nesse mesmo sentido são as ponderações de Barros

(1975, p. 187) e Hugo de Brito Machado Segundo (2007, p. 209-210).

Ademais, com bem adverte Godoi (2010), o critério literal referido por Sousa (1954)

pode levar a uma interpretação extensiva e abranger um conjunto de fatos mais amplo do que

o conjunto que seria normalmente abrangido caso fosse utilizado o critério contextual. A esse

respeito, Godoi (2010) cita o exemplo de Berliri (1964, p. 98), que examinamos na seção 2,

acerca da isenção da venda de flores, cuja interpretação literal alcançaria as alcachofras.

Por outro lado, conforme Godoi (2010), a ideia de Sousa (1954), encartada no art. 111

do CTN, é hermeneuticamente equivocada, pois não existe somente um sentido literal e para

decidir-se por um deles é sempre necessário usar os demais critérios de interpretação.

Estamos plenamente de acordo com a posição de Godoi (2010) acerca do alcance do

art. 111 do CTN. A interpretação literal, como bem demonstra o citado exemplo de Berliri

(1964), não é sinônimo de interpretação restritiva. A vedação da integração analógica nos

parece a melhor leitura do art. 111.

4.2.6 Art. 112 do CTN

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato; II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

159

O art. 112 do CTN, decorrente do art. 7863 do Projeto e do art. 27364 do Anteprojeto do

CTN, não se aplica, no nosso entendimento, à interpretação das normas que tratam dos

elementos da obrigação tributária (fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo) e

sim à interpretação das normas que tratam de infrações e sanções tributárias. Ou seja, não se

trata do superado in dubio pro contribuinte, e sim do in dubio pro reo.

Conforme Amaro (2006, p. 222), aplica-se o art. 112 em caso de dúvida sobre a

capitulação do fato, sua natureza ou circunstâncias materiais, ou sobre a extensão dos seus

efeitos, bem como sobre a autoria, imputabilidade ou punibilidade, e, ainda, sobre a natureza

ou graduação da penalidade aplicável.

Alerta Amaro (2006, p. 222) que nas demais matérias tributárias (que não se refiram a

infrações e penalidades), em que não cabe falar em retroatividade benigna, a interpretação

benigna não tem acolhida. Ressalta o autor que é por essa razão que na identificação do fato

gerador o intérprete não deve se valer da equidade, para o fim de dispensar o tributo (art. 108,

§2º), nem da analogia, para o fim de exigir o tributo (art. 108, §1º).

Na visão de Amaro (2006, p. 222), as situações previstas nos incisos do art. 112 não se

referem à interpretação da lei tributária, e sim à valorização dos fatos. Nessas situações, a

dúvida a ser resolvida, em favor do acusado, não é de interpretação da lei, e sim de

qualificação do fato. Conforme o exemplo do autor, discutir se o fato “x” se enquadra ou não

na lei, ou se a autoria do fato é ou não do indivíduo “y”, diz respeito ao exame dos fatos, e

não da lei. Nas palavras de Amaro (2006, p. 223), “a questão atém-se à subsunção, mas a

dúvida que se põe não é sobre a lei, e sim sobre o fato”. O inciso IV do art. 112, contudo,

como ressalta o autor, refere-se tanto a dúvidas sobre o fato quanto a dúvidas sobre o

conteúdo e o alcance da norma punitiva ou sobre os critérios legais de graduação da

penalidade.

63 “Art. 78 – A lei tributária que defina infrações, ou lhes comine penalidades, interpreta-se da maneira mais

favorável ao acusado, em caso de dúvida: I. Quanto à capitulação legal, a natureza ou as circunstâncias materiais do fato, ou quanto à natureza ou extensão

de seus efeitos; II. Quanto à autoria, imputabilidade ou punibilidade; III. Quanto à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” 64 “Art. 273 – A lei tributária que defina infrações ou lhes comine penalidades interpreta-se da maneira mais

favorável ao acusado, em caso de dúvida: I. Quanto à capitulação legal, a natureza ou as circunstâncias materiais do fato, ou quanto à natureza ou extensão

dos seus efeitos; II. Quanto à autoria, imputabilidade ou punibilidade; III. Quanto à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação. Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no Título III do Livro III, aplicam-se como métodos os processos

supletivos de interpretação da lei tributária a que se refere esse artigo os princípios gerais de direito penal, legislados ou não.”

160

Para Martins (1998, p. 208), contudo, que ainda vê o tributo como algo odioso e

agressivo do patrimônio dos cidadãos, o art. 112 determina que todas as matérias reguladas

pelo Direito Tributário sejam interpretadas da forma mais favorável ao contribuinte, e não

apenas as normas que regulam infrações e penalidades.

Greco (1998, p. 173) considera que a norma do art. 112, ao consagrar o princípio in

dubio pro reo, contribui para a certeza e a segurança das relações jurídicas no campo

tributário, eliminando, assim como as demais normas do Capítulo IV do CTN, grande parte

das dúvidas e perplexidades que surgem em países que não possuem um texto legal com essa

amplitude.

4.3 Síntese conclusiva

Na seção 4, procuramos demonstrar que o Anteprojeto e o Projeto do Código

Tributário Nacional pretendiam incorporar a versão original da teoria da interpretação

econômica, com todos os malefícios à segurança jurídica e ao princípio da legalidade.

Também procuramos demonstrar que o texto final do CTN, aprovado em 1966 (Lei

5.172), extirpou todos os dispositivos que se referiam à interpretação econômica do Direito

Tributário.

Nossa análise do CTN foi centralizada nos arts. 108 a 112, que estão mais diretamente

relacionados à interpretação econômica. Essa relação decorre, no caso do art. 108, da previsão

da analogia como meio de integração da legislação tributária e de sua proibição caso resulte

na exigência de tributo não previsto em lei. O art. 109 é o dispositivo cuja associação à

interpretação econômica é mais frequentemente debatida na doutrina. A relação do art. 110

com a interpretação econômica, por seu turno, decorre de seu estreito vínculo com o art. 109.

A maior parte da doutrina, como tentamos demonstrar, entende que a interpretação

econômica não foi recepcionada pelo Código Tributário Nacional, seja porque os dispositivos

do Anteprojeto e do Projeto que visavam à incorporação dessa teoria foram extirpados do

texto final do CTN, seja porque a interpretação de seus dispositivos não permite essa

conclusão.

Também entendemos que o Capítulo IV do CTN não incorporou a versão original da

interpretação econômica. Conforme ressaltamos anteriormente, somente em 2001, com a

161

edição da Lei Complementar 104, a versão da interpretação econômica como forma de

combate à elusão fiscal foi inserida no CTN (art. 116, § único).

Por outro lado, a versão da interpretação econômica como critério de interpretação

teleológica, a nosso ver, decorre da Teoria Geral do Direito, sendo desnecessária a sua

previsão em lei. Ou seja, a aplicação dessa vertente da interpretação econômica no Direito

Tributário brasileiro independe da sua previsão em lei, como de resto ocorre em todos os

ramos do Direito.

Concluímos, assim, que o CTN não acolhe nem refuta a interpretação econômica

como critério de interpretação teleológica; o CTN, no nosso entendimento, simplesmente não

regula a matéria. Tal como reconheceu a doutrina alemã quando da edição do Código

Tributário alemão de 1977, a regulação normativa da interpretação econômica é desnecessária

e sua falta em nada prejudica a aplicação desse método.

162

5 CONCLUSÃO

No contexto do início do século passado, de superação da Jurisprudência dos

Conceitos pela Jurisprudência dos Interesses, os princípios da segurança jurídica e da certeza

do Direito eram muito menos valorizados que os princípios da igualdade e da capacidade

contributiva. Foi então natural, naquele contexto, que a versão original da interpretação

econômica tenha cometido certos exageros, tal como ocorreu na jurisprudência alemã, até

encontrar o seu ponto de equilíbrio no ordenamento jurídico.

A versão equilibrada da interpretação econômica, representada pelas obras de Vanoni

(1932), Berliri (1964), Hensel (2005), Giannini (1956), Combarros Villanueva (1984),

Amatucci (1994), Beisse (1984), Tipke e Lang (2008) e Palao Taboada (2009), corrigiu

acertadamente a versão original da interpretação econômica, com a devida consideração tanto

ao princípio da segurança jurídica quanto aos princípios da legalidade, da igualdade e da

capacidade contributiva. Essa versão reflete o consenso de que a norma tributária não

demanda nenhum critério especial de interpretação, de que não são admissíveis quaisquer

métodos a priori de interpretação e de que é tarefa do intérprete, em cada caso concreto,

resolver o problema do significado dos termos de Direito Privado utilizados pelo Direito

Tributário. A interpretação econômica, segundo a versão equilibrada, é tida como espécie de

interpretação teleológica ou forma de combate à elusão fiscal.

Combarros Villanueva (1984) e Amatucci (1994) representam a versão equilibrada da

interpretação econômica que sugere adicionalmente que, no silêncio da lei, o instituto de

Direito Privado utilizado pela lei tributária seja interpretado conforme o sentido que possui

em seu ramo de origem. Beisse (1984) representa a linha doutrinária que sustenta o

entendimento oposto, de prevalência do significado econômico do fato gerador na ausência de

previsão expressa na lei tributária.

Em nossa opinião, o silêncio da lei não deve ser interpretado em nenhum dos dois

sentidos sustentados por Combarros Villanueva (1984), Amatucci (1994) e Beisse (1984). A

adoção de uma dessas premissas, no silêncio da lei, significa a adoção de um método a priori

de interpretação, que impõe um resultado ao intérprete e inibe a sua liberdade investigativa.

A nosso ver, se não houver expressa previsão legal em um ou outro sentido, a norma e

o fato deverão ser submetidos aos processos normais de interpretação e qualificação, visando

163

a identificar se a lei tributária empregou determinado instituto de Direito Privado objetivando

a sua forma jurídica ou o seu significado econômico.

A versão equilibrada da interpretação econômica, como critério de interpretação

teleológica ou como forma de combate à elusão fiscal, era amplamente aceita pelos primeiros

tributaristas brasileiros, os quais, ao contrário da doutrina majoritária atual, não eram

apegados ao formalismo jurídico. Sousa (1975a), Falcão (1987), Ataliba (1975), Nogueira

(1974), Baleeiro (1975), Dória (1971), Guimarães (1947) e Barros (1975) são expoentes dessa

doutrina. Canto (1967), contudo, filia-se à doutrina formalista do Direito Tributário.

A postura antiformalista de Sousa (1954) refletiu-se no Anteprojeto e no Projeto do

Código Tributário Nacional, os quais chegavam a incorporar a versão original da

interpretação econômica. O texto final do CTN, contudo, foi aprovado sem os dispositivos

que incorporavam essa teoria. Somente em 2001, com a edição da Lei Complementar 104, a

versão da interpretação econômica como forma de combate à elusão fiscal foi incorporada ao

CTN (art. 116, § único).

A maior parte da doutrina brasileira contemporânea, contudo, representada por Becker

(2004), Xavier (2001), Carvalho (1975) e Martins (1998), é extremamente apegada ao

formalismo jurídico e não admite a versão equilibrada da interpretação econômica nem

mesmo como forma de combate à elusão fiscal. Essa parte da doutrina continua vendo o

tributo como algo a ser meramente “tolerado” e que não traz consigo qualquer carga de

justiça.

A norma tributária, segundo esse entendimento, é restritiva de direitos e por isso deve

ser interpretada de forma literal (como se a interpretação literal fosse necessariamente

restritiva). A doutrina formalista é refratária às modernas teorias da interpretação do Direito

Tributário que reconhecem que a interpretação jurídica é uma tarefa que não se pode cumprir

sem uma considerável “carga criativa” e sem que frequentemente entrem em ação

determinadas convicções do intérprete sobre “o que é e quais são” os fundamentos do Direito.

Torres (2000), Greco (2004) e Godoi (2005) são expoentes da doutrina oposta,

contrária ao caráter excessivamente formalista do Direito Tributário.

É muito relevante, a respeito do embate entre as doutrinas formalista e antiformalista,

o alerta de Greco (2004) sobre as diferentes posturas ideológicas acerca da interpretação da

norma tributária. Os que consideram que a principal função da forma atual de nosso Estado é,

intervindo o menos possível na ordem social, promover segurança e certeza jurídicas para que

as pessoas físicas e jurídicas possam exercer livremente sua autonomia privada desde que tal

164

exercício não prejudique a autonomia dos demais cidadãos, têm uma concepção sobre o papel

do tributo, do sistema tributário e da própria interpretação do Direito Tributário muito distinta

da concepção dos que consideram que o paradigma atual de Estado exige a transformação das

condições sociais de modo que todos os cidadãos tenham uma liberdade o mais igual possível

no que diz respeito ao nível de participação na definição dos rumos políticos da sociedade

(autonomia pública) e uma igualdade equitativa de oportunidades para a busca e a realização

de seus projetos pessoais de vida (autonomia privada).

A doutrina formalista prestigia apenas os valores constitucionais protetivos, sem

considerar que a Constituição Federal de 1988 também consagrou valores sociais,

modificadores da realidade. Essa postura explica o repúdio dessa corrente doutrinária à versão

equilibrada da interpretação econômica, principalmente como forma de combate à elusão

fiscal.

A doutrina antiformalista, de modo contrário, considera tanto os valores protetivos

quanto os valores sociais, em total prestígio ao Estado Democrático de Direito. Para essa

corrente doutrinária, a versão equilibrada da interpretação econômica, como critério de

interpretação teleológica ou como forma de combate à elusão fiscal, é necessária ao

ordenamento jurídico.

Filiamo-nos aos valores e concepções da teoria antiformalista e entendemos que a

interpretação econômica é mera interpretação teleológica aplicável ao Direito Tributário. Em

outras palavras, entendemos que a interpretação econômica está inserida na interpretação

teleológica, a qual se faz presente em qualquer ramo do Direito e informa todos os métodos de

interpretação (literal, lógico-sistemático e histórico). Inexiste a prevalência de um único

método. Há pluralidade e equivalência, sendo os métodos aplicados de acordo com o caso

concreto e com os valores ínsitos na Constituição. Ora se recorre ao método sistemático, ora

ao teleológico, ora ao histórico, uma vez que tais métodos não são contraditórios e na verdade

se complementam e se intercomunicam (pluralismo metodológico).

A versão da interpretação econômica como critério de interpretação teleológica, a

nosso ver, decorre da Teoria Geral do Direito, sendo desnecessária a sua previsão em lei. O

Código Tributário alemão de 1977, por exemplo, não contém mais a regra sobre interpretação

de lei tributária, o que não tem impedido a aplicação da interpretação econômica (livre dos

excessos iniciais) por parte da Administração e do Judiciário. A Comissão de Finanças, com a

aprovação do Plenário alemão, entendeu que, tratando-se de uma regra geral de interpretação,

165

não era necessário que figurasse em uma codificação, nem de Direito Tributário, nem de outro

qualquer ramo jurídico.

Também nos parece viável a versão da interpretação econômica como forma de

combate à elusão fiscal, uma vez que discordamos da corrente doutrinária que considera que

os atos de elusão tributária somente podem ser combatidos mediante o fechamento das

lacunas legislativas, e não por meio da interpretação e da qualificação das normas e fatos.

Essa corrente, muito forte no Brasil, implica a volta do formalismo exacerbado existente no

período anterior ao surgimento da versão original da interpretação econômica do Direito

Tributário. A efetiva natureza das formas de combate à elusão fiscal, contudo, e sua

caracterização ou não como espécie de interpretação econômica, fogem do escopo do nosso

estudo e são objeto de intensos debates na doutrina nacional e internacional.

166

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