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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A INTERPRETAÇÃO GEOMÉTRICA DOS NÚMEROS IMAGINÁRIOS NO SÉCULO XIX: A CONTRIBUIÇÃO DE JEAN ROBERT ARGAND (1768-1822) LUCIENE DE PAULA UFMT 2007

A INTERPRETAÇÃO GEOMÉTRICA DOS NÚMEROS …livros01.livrosgratis.com.br/cp046266.pdf · Em seguida, mostramos que, com a ampliação da geometria de figuras planas de Euclides

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A INTERPRETAÇÃO GEOMÉTRICA DOS

NÚMEROS IMAGINÁRIOS NO SÉCULO XIX:

A CONTRIBUIÇÃO DE

JEAN ROBERT ARGAND (1768-1822)

LUCIENE DE PAULA

UFMT

2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A INTERPRETAÇÃO GEOMÉTRICA DOS

NÚMEROS IMAGINÁRIOS NO SÉCULO XIX:

A CONTRIBUIÇÃO DE

JEAN ROBERT ARGAND (1768-1822)

ORIENTANDA: LUCIENE DE PAULA

ORIENTADOR: DR. MICHAEL OTTE

UFMT

2007

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A INTERPRETAÇÃO GEOMÉTRICA DOS

NÚMEROS IMAGINÁRIOS NO SÉCULO XIX:

A CONTRIBUIÇÃO DE

JEAN ROBERT ARGAND (1768-1822)

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação, do Instituto de Educação

da Universidade Federal de Mato Grosso

como parte dos requisitos para obtenção

do título de Mestre em Educação (Área de

Concentração: Educação Matemática)

UFMT

2007

FICHA CATALOGRÁFICA

Índice para Catálogo Sistemático

1. Educação matemática 2. Jean Robert Argand 3. Números imaginários 4. Interpretação geométrica

A148h Paula, Luciene A interpretação geométrica dos números imaginários no século XIX: a contribuição de Jean Robert Argand (1768-1822) / Luciene de Paula. − Cuiabá: Instituto de Educação, 2007. 156p.:il Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Educação da UFMT, como parte dos requisitos para Obtenção do título de Mestre em Educação (Área de concentra- ção: Educação matemática) Bibliografia: p.143-147. CDU − 514.112

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Professores componentes da Banca Examinadora:

Prof. Dr. Michael Otte Orientador da Dissertação

Prof.ª Dr.ª Gladys Denise Wielewski Examinadora Interna

Prof.ª Dr.ª Sônia Barbosa Camargo Igliori Examinadora Externa

Agradecimentos Ao professor Dr. Michael Otte, pela orientação, amizade, incentivo e

apoio irrestrito que foram de importância ímpar para a conclusão desse estudo.

Às professoras Dr.ª Sônia Barbosa Camargo Igliori e Dr.ª Gladys

Denise Wielewski, pela atenção e apoio e, principalmente, por aceitarem participar

como banca da minha qualificação e defesa dessa Dissertação de Mestrado

enriquecendo-a com suas contribuições.

Aos professores da Pós-Graduação, que atuaram como ministrantes

das disciplinas desse programa, proporcionando reflexões e contribuições que me

fizeram amadurecer.

Aos meus colegas Isabella, Evilásio e Humberto pelo carinho, pelos

bons momentos que estivemos juntos e, principalmente, pelo companheirismo.

À professora MSc. Irene Baleroni Cajal, que muito contribuiu para

dar clareza, no sentido da língua, a esse trabalho.

Aos meus queridos pais JOSÉ DE PAULA e DIRCE CARLOS DE

PAULA que durante toda a minha existência não mediram esforços para carregar-me

em seus braços nos momentos de maior dificuldade.

Às minhas queridas irmãs Eliane, Rosilene e Gabriela, que sempre

estiveram presentes na minha caminhada.

Aos meus amados filhos MATHEUS e RAFAELA, que vieram

completar minha felicidade.

Ao meu esposo ALEXANDRE, que me incentivou para transpor

todas as dificuldades.

ÍNDICE

RESUMO...................................................................................................................... 7

ABSTRACT ................................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1.............................................................................................................. 16

SIMBOLIZAÇÃO ................................................................................................. 17

CAPÍTULO 2.............................................................................................................. 37

AS EQUAÇÕES DO SEGUNDO GRAU, DO TERCEIRO GRAU E AS

QUANTIDADES IMPOSSÍVEIS OU IMAGINÁRIAS....................................... 38

CAPÍTULO 3.............................................................................................................. 69

REPRESENTAÇÃO GEOMÉTRICA: O ELO

LEGITIMADOR DOS NÚMEROS IMAGINÁRIOS .......................................... 70

CAPÍTULO 4.............................................................................................................. 93

JEAN ROBERT ARGAND E A REPRESENTAÇÃO

GEOMÉTRICA DOS NÚMEROS IMAGINÁRIOS ............................................ 94

CAPÍTULO 5............................................................................................................ 112

A GEOMETRIA E O ENSINO DOS NÚMEROS COMPLEXOS............................. 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 140

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 143

ANEXO ..................................................................................................................... 148

GALERIA DE IMAGENS

RESUMO

8

Nesse trabalho, objetivamos apresentar a representação geométrica

dos números imaginários feita pelo bibliotecário suíço e matemático não profissional

Jean Robert Argand (1768−1822).

Para tratar de tal questão, fizemos uma abordagem sobre

Simbolização, apresentando a evolução da Álgebra que começa com Álgebra

Retórica, passa pela Álgebra Sincopada, culminado na Álgebra Simbólica atualmente

utilizada. Essa abordagem acontece principalmente no contexto das equações.

Posteriormente, buscamos enfocar a importância da prática algébrica,

por meio de trabalhos com as equações do segundo e do terceiro graus que

possibilitaram a descoberta de alguns casos insolúveis e, a partir desses, o

reaparecimento das quantidades impossíveis ou imaginárias.

Em seguida, mostramos que, com a ampliação da geometria de figuras

planas de Euclides para a geometria do espaço no sentido do século XIX, os

matemáticos ganharam um novo instrumento para assegurar a existência dos seus

objetos em termos de modelos e de estruturas. A representação geométrica foi,

portanto, um fruto do pensamento relacional para o qual a idéia do espaço fora

essencial. Os objetos matemáticos controversos, como as raízes quadradas de

números negativos, ganharam realidade somente como elementos de uma estrutura e,

por isso, em poucos anos, muitos matemáticos independentes (não profissionais)

como Caspar Wessel (1745−1818), Adrien Quentin Buée (1748−1826), Jean Robert

Argand (1768−1822), Hermann Günther Grassmann (1809−1877) entre outros,

tiveram a idéia de ganhar a existência dos números imaginários à base da geometria

plana.

ABSTRACT

10

From the Middle Ages onwards, when algebra entered into a more

intense development, the problem of the square roots of negative numbers, which

inevitably appeared in the process of the resolution of algebraic equations bothered

people. Clearly, if we identify numbers with quantities it doesn't make sense to speak

of such roots and even of negative numbers. Numbers of that type were thus called

impossible numbers, absurdities, false or imaginary, names that express the

confusion they caused in mathematics. On the other hand such symbols were well

defined in terms of operation and as mathematics up to the 19th century was mainly

conceived in algorithmic or constructive terms these numbers were used as part of

the calculation.

Only in the turning of the century XVIII for the XIX, when a new

view of mathematics began to evolve based on new types of applications on searched

for a reference of these symbols and found it in the different geometric

representations for those numbers, what guaranteed their full acceptance within the

universe of the numbers and clarified their place in the overall realm of numbers..

One of the main contributors to the solution of the problem was the Swiss librarian

Jean Robert Argand (1768-1822), who in 1806 published, in Annales of

Mathématiques of Gergonne, the Rehearsal on a way of representing the imaginary

amounts in the geometric constructions. In spite of its importance, that work only

became known in 1813.

INTRODUÇÃO

12

Desde o início do século XIX, todo discurso matemático começou a

ser influenciado pelas exigências do ensino matemático em escalas maiores e da

produção de textos para um público mais diversificado, por exemplo, estudantes de

engenharia e de ciências naturais, além de professores de educação matemática. Os

matemáticos reagiram de maneira diversificada em relação a essas exigências.

De um lado existia um movimento da aritmetização e do rigor

aritmético e, de outro lado, se desenvolveu a álgebra abstrata e a axiomática moderna

(OTTE, 1989). A maior diferença entre esses dois programas consistia nas suas

noções de uma teoria matemática; o movimento do rigor aritmético considerava as

teorias matemáticas como reflexos mais refinados da visão concreta do mundo,

enquanto o movimento axiomático enfatizava que teorias eram realidades sui generis

que tinham que ser avaliados em termos de coerência de sua estrutura e não em

comparação com uma visão do mundo empírico.

A diferença entre esses dois movimentos mostrava-se na maneira

como eles avaliaram os números imaginários. Enquanto o movimento da

aritmetização da matemática não admitiu que os números complexos tinham um

significado próprio, mas considerava um número complexo como um par de números

reais, o movimento axiomático buscava construir modelos geométricos considerando

os números complexos essencialmente como vetor.

Ambos concordavam, no entanto, que os números imaginários não

podiam ser tratados como meros símbolos de cálculos como foram entendidos nos

desde os dias de Cardano e Bombelli. As exigências do ensino da matemática

resultam na necessidade de dar explicações mais palpáveis desses símbolos. Por isso

observamos o fato histórico bastante surpreendente que num determinado período de

menos de cinqüenta anos, surgiu um grande número de interpretações desses

números imaginários.

Hintikka em várias ocasiões chamou nossa atenção para a importância

desta distinção entre o movimento de aritmetização e da axiomatização moderna,

pois foram acompanhadas também por concepções diferentes na lógica.

13

“Um ponto de referência inicial nesta área é fornecido pela distinção de Leibniz entre dois componentes de seu ambicioso projeto em lógica matemática [...]. Por um lado, Leibniz propôs desenvolver uma characteristica universalis cuja estrutura simbólica refletiria diretamente a estrutura do mundo de nossos conceitos. Por outro lado, o projeto de Leibniz incluiu a criação de um calculus ratiocinator que era concebido como um método de calculação simbólica que refletiria os processos do raciocínio humano” (HINTIKKA, 21ff, 1997).

Quando o projeto de Leibniz começou a ser desenvolvido no século

XIX, seus dois componentes foram assumidos por diferentes pesquisadores

tradicionais, como Bolzano (1781−1845) e Frege (1848−1925) de um lado, e Boole

(1815−1864), De Morgan (1806−1871), Grassmann (1809−1878), Peirce

(1809−1880) e Schroeder (1841−1902) de outro, servindo como primeiras

referências.

Os que poderiam ser chamados “algebristas” buscaram além do

sentido das representações matemáticas modelos que poderiam servir como campos

de referência. A interpretação geométrica dos números imaginários é um excelente

exemplo. Esta interpretação geométrica mostra que a álgebra não necessariamente

precisa ser interpretada como uma aritmética generalizada, como é costume nas

escolas, mas sim como uma ciência geral de estruturas.

O pensamento matemático, como disse Aristóteles, começa com

theoremata, como “O produto de dois números ímpares é ímpar”. Ou “Se um número

ímpar divide um número par sem resto, ele também divide a metade desse número

sem resto”. Esses são teoremas que, como dizemos, vão além do que pode ser

experimentado concretamente porque declaram algo sobre infinitamente muitos

objetos. Realmente, eles não declaram absolutamente nada sobre os objetos (por

exemplo, sobre os números); ao contrário, eles são sentenças analíticas que

desdobram o significado de certos conceitos.

Como fazemos para provar, porém, essas proposições analíticas como

“o produto de dois números ímpares é ímpar”? Nós representamos certas atividades.

Dizemos, por exemplo, se um número ímpar é dividido por 2, haverá, por definição,

resto igual a 1. Disto, deduzimos que existe para cada número ímpar X outro número

inteiro positivo N tal que X = (2N + 1). Se agora tivermos dois números ímpares

representados dessa maneira, e se os multiplicarmos, o teorema resultará quase

14

automaticamente aplicando as leis distributiva e associativa e observando que o

produto tem exatamente a mesma forma dos dois fatores.

Tais considerações sobre a noção de diagrama lembram-nos dos

trabalhos de Boole (1815−1864) e de Grassmann (1809−1878) e das primeiras idéias

sobre teoria dos modelos. O primeiro aparecimento da noção de modelo ocorreu

talvez, como já foi dito, na interpretação geométrica dos números imaginários, a qual

é uma aplicação especial do Ausdehnungslehre de 1844 de Grassmann, como o

próprio Gauss havia observado em uma carta a Grassmann. A análise vetorial de

Grassmann, como a interpretação gaussiana dos números complexos, só fora possível

assim que o assunto em questão da matemática não foi mais concebido em termos de

significados e quantidades objetivas de todos os tipos, mas quando teorias

matemáticas foram vistas como estruturas quase autônomas.

O problema dos números imaginários encaixa-se nesse

desenvolvimento.

De Cardano (1501−1576) e Bombelli (1526−1572) até Gauss

(1777−1855) e Grassmann, os números imaginários tinham uma existência

“simbólica” ou somente virtual. Nesse sentido, algebristas como Euler (1707−1783)

não se preocupavam com o valor particular das variáveis.

Somente no século XIX novas exigências do ensino e novos campos

de aplicação exigiram conceitos matemáticos mais diferenciados. Falava-se da

existência de uma transição de “conceitos globais” para “conceitos locais” (por

exemplo, de função contínua para a função contínua num ponto isolado X). Com essa

transição, apresentou-se a necessidade de novas idéias sobre os objetos matemáticos.

Percebeu-se que os símbolos matemáticos (os números, em particular) representavam

relação entre objetos e não objetos. A geometria de Descartes (1596−1650)

considerava os números como marcadores de coisas e pontos em vez de

representações de relações e isso significou um retrocesso em comparação à Teoria

das Relações de Eudoxos (408 a.C-355 a.C).

Nesse trabalho, buscamos apresentar esse fato por meio da

representação geométrica dos números imaginários feita por Jean Robert Argand

(1768−1822) o qual estruturamos em cinco capítulos, a seguir, descritos.

15

No Capítulo I, tratamos a questão da Simbolização, apresentando a

evolução da Álgebra que começa com Álgebra Retórica, passa pela Álgebra

Sincopada, culminado na Álgebra Simbólica atualmente utilizada. Essa abordagem

acontece principalmente no contexto das equações.

No Capítulo II, buscamos verificar a importância da prática algébrica,

por meio de trabalhos com as equações do segundo e do terceiro graus que

possibilitaram a descoberta de alguns casos insolúveis e, a partir desses, o

reaparecimento das quantidades impossíveis ou imaginárias.

No Capítulo III, destacamos que, com a ampliação da geometria de

figuras planas de Euclides para a geometria do espaço no sentido do século XIX, os

matemáticos ganharam um novo instrumento para assegurar a existência dos seus

objetos em termos de modelos e de estruturas. A representação geométrica foi,

portanto, um fruto do pensamento relacional para o qual a idéia do espaço fora

essencial. Os objetos matemáticos controversos, como as raízes quadradas de

números negativos, ganharam realidade somente como elementos de uma estrutura e,

por isso, em poucos anos, muitos matemáticos independentes (não profissionais)

como Caspar Wessel (1745−1818), Adrien Quentin Buée (1748−1826), Jean Robert

Argand (1768−1822), Hermann Günther Grassmann (1809−1877) entre outros,

tiveram a idéia de dar existência aos números imaginários à base da geometria plana.

No Capítulo IV, objetivamos apresentar a representação geométrica

dos números imaginários feita por Argand que trata os números imaginários como

pontos no plano, e no sentido de enriquecer ainda mais incluímos, nessa

apresentação, as regras da adição e da multiplicação desses números. Para isso,

pautamo-nos na obra original de Argand, Essai sur une manière de representer les

quantités imaginaires dans les constructions géométriques (Ensaio sobre uma

maneira de representar as quantidades imaginárias nas construções geométricas), de

1806.

Finalmente, no Capítulo V, apresentamos algumas reflexões sobre

abordagens de ensino dos números complexos, reflexões essas resultantes dos

estudos dos capítulos anteriores e também de observações de nossa experiência como

docente.

CAPÍTULO 1

17

SIMBOLIZAÇÃO

As considerações desse capítulo partem da convicção que todo

pensamento matemático ocorre em termos de signos e não é um evento ou

acontecimento mental. Desde muito tempo, foram desenvolvidas teorias que

mostraram, em particular, que qualquer concepção evolucionista ou genética da

cognição e da personalidade humana pode ser concebida de um ponto de vista

semiótico. Nesse sentido, a obra do psicólogo americano Jerome Bruner influenciou

a educação matemática nos últimos 40 anos. Mesmo assim, falta na educação

matemática, como disciplina acadêmica, uma consciência mais ampla da importância

da concepção semiótica do pensamento matemático. Por isso, vamos buscar, nesse

capítulo, fornecer algumas ilustrações sobre influência da simbolização no

desenvolvimento histórico da matemática.

Segundo o matemático francês René Thom (1923−2002), o grande

problema da Educação Matemática e do Pensamento Matemático em geral, inclusive

da Epistemologia, não é o rigor, mas refere-se à seguinte questão: que tipo de

realidade têm os objetos matemáticos? Por exemplo, em sua conferência sobre

Educação Matemática, proferida em 1972 na Inglaterra, no Congresso Internacional

de Exeter, apresentou o problema do significado como ponto central, quando

afirmou:

O real problema que confronta o ensino da matemática não é o do rigor, mas o problema do desenvolvimento do ‘significado’, da ‘existência’ de objetos matemáticos. (THOM, 1973, p.202.)

A resposta a essa pergunta é dada a partir da análise do uso dos

símbolos e dos signos, ou seja, a prática semiótica da matemática cria seus objetos e

não o contrário, como acontece nas ciências empíricas em que os objetos existem

independentemente das teorias e das atividades dos pesquisadores. Na matemática,

tais objetos são produzidos numa atividade simbólica ou, pelo menos, foi por muito

tempo.

18

No entanto, essa explicação não é suficiente ou totalmente suficiente,

pois no início do século XIX, houve uma nova revolução na matemática e o novo

contexto em que os objetos matemáticos encontravam-se e desenvolveram-se não foi

mais o da língua ou o do símbolo isolado, mas o de uma teoria considerada como

sistema de proposições e enunciados. A teoria foi concebida como uma resposta à

pergunta: o que significam estes símbolos que os matemáticos tinham colocado no

papel ao longo dos séculos? Sobre essa transformação, falaremos mais claramente

no Capítulo III.

Álgebra, no sentido geral em que o termo é usado atualmente, lida

com operações em formas simbólicas, e os símbolos algébricos são ícones. Robert

Recorde (1510−1558), por exemplo, escolheu, em 1557, o símbolo “=” para

representar a igualdade, pois para ele, “não havia coisa mais igual que duas retas

paralelas” (CAJORI, 1929, parágrafo 261.). Tal questão é fundamental e se mostra

mais claramente na interpretação geométrica dos números imaginários. Podemos

constatar que na escola ainda existe a equivocada crença de que a álgebra é igual à

aritmética generalizada (mesmo pensamento que se tinha no século XVI), resultado

do conceito exclusivamente algorítmico da matemática de que matematizar é igual a

calcular. A álgebra consiste em uma ciência de formas e estruturas gerais.

“O método usual de instrução da aritmética e da álgebra tradicional consiste em introduzir as operações e reafirmar, por exemplo, as leis que as governam; ao contrário do método geométrico e algébrico, se verdadeiramente entendido, aponta diretamente para a generalidade.” (FREUDENTHAL, 1978, p.221.)

Nessa capacidade, ela não só permeia toda matemática, como se

alastra no domínio da lógica formal e até mesmo da metafísica. Além disso, quando

assim interpretada, a álgebra é tão antiga quanto a faculdade do homem para tratar com

proposições gerais; tão antiga quanto sua habilidade para distinguir entre algum e

qualquer.

Estamos, neste estudo, interessados na álgebra em um sentido muito

mais restrito, isto é, aquela parte da álgebra geral que é muito propriamente chamada

de teoria das equações. E é nesse sentido mais específico que o termo álgebra foi

usado inicialmente. A palavra é de origem árabe. Al é o artigo árabe o, e gebar é o

19

verbo estabelecer, para restituir. Atualmente a palavra Algebrista é usada na Espanha

para designar uma pessoa que recoloca ossos no lugar, um tipo de quiroprático.

A palavra álgebra é concebida como a adaptação do título de um livro

escrito no século IX pelo árabe Mohammad ibn-Musa Al-Khowarizmi (780−850)

que muito contribuiu para o desenvolvimento da numeração posicional. O livro é

intitulado Algebar wal Muquabalah, cuja tradução literal é Sobre Restituição e

Ajuste. Al-Khowarizmi usou a palavra restituição no mesmo sentido que atualmente

usamos a palavra transposição, isto é, a mudança dos termos de uma equação de um

lado para o outro, por exemplo, a mudança de 3x + 7 = 25 para 3x = 25 − 7.

Traços de uma álgebra primitiva são encontrados nos tabletes de barro

dos Sumérios. Essa álgebra, provavelmente, alcançou um elevado grau de

desenvolvimento entre os Egípcios antigos. Realmente, o papiro Rhind, datado,

aproximadamente, do ano 1650 a.C., contém 80 problemas, todos resolvidos, a

maioria envolvendo problemas do dia-a-dia, como o preço do pão, a armazenagem

de grãos de trigo, a alimentação do gado, enfim, problemas que conduzem a

equações simples. O papiro foi escrito pelo egípcio Ahmes (1680 a.C.−1620 a.C.).

Porém Ahmes, em função dos muitos erros grosseiros no texto, foi um mero copiador

que entendia pouco do que estava copiando, o que justifica muitos erros no texto.

Assim é conjeturado que o estado de conhecimento dos antigos Egípcios seria mais

elevado do que esse papiro nos levaria a acreditar. Seja como for, não há qualquer

dúvida de que a álgebra egípcia antecede o papiro em muitos séculos.

Em geral, é correto afirmar que o desenvolvimento da álgebra em

alguns países atravessou, sucessivamente, três fases: a retórica, a sincopada e a

simbólica. Na álgebra retórica as relações são expressas com palavras e

caracterizadas pela ausência completa de qualquer símbolo, ou seja, as próprias

palavras são usadas em seus sentidos simbólicos. Atualmente, a álgebra retórica é

usada em afirmações como “a soma é independente da ordem dos termos”, a qual,

simbolicamente, seria designada por a + b = b + a.

20

(DANTZIG, 1962, p.78.)

A álgebra sincopada é uma álgebra de transição entre a álgebra

retórica e a simbólica, diferenciando-se da retórica por aparecerem abreviaturas de

certas palavras. A álgebra hindu é um exemplo típico. Certas palavras de uso

freqüente são abreviadas gradualmente. Eventualmente essas abreviações

indicam o ponto de suas origens, como foram adquiridas, de forma que os

símbolos não tenham nenhuma conexão óbvia com a operação que eles

representam. A sincopação tornou-se um símbolo.

A história dos símbolos + e − pode ilustrar tal fato. Na Europa

medieval, o último foi denotado por muito tempo pela palavra cheia menos, então

pela primeira letra m devidamente sobrescrita. Eventualmente a letra propriamente

foi retirada, ficando somente o sobrescrito. O sinal mais passou por uma

metamorfose semelhante. Se observarmos a tabela de Evolução de Símbolos, na

página anterior, podemos acompanhar uma história cronológica dos símbolos

convencionais.

A álgebra grega, antes de Diophantus de Alexandria (200−284), foi

essencialmente retórica. Foram oferecidas várias explicações pelas quais os gregos

eram incoerentes em criar simbolismo. Uma das teorias mais atuais é que as

letras do alfabeto grego representaram números e que o uso das mesmas para

21

designar quantidades gerais teria obviamente causado confusão. É registrado

que Diophantus aproveitou-se do fato de que em grego o som ς (sigma) tem duas

formas de escrita, σ e ς: σ designou 60, mas o ς não tinha valor numérico, e é por

esta razão que Diophantus o escolheu para simbolizar o desconhecido.

Na verdade é mais provável que o símbolo diofantino para o

desconhecido seja uma sincopação da primeira sílaba da palavra grega arithmos

(número), nome pelo qual ele designou o desconhecido de um problema. Além disso,

a teoria parece ignorar o fato de que só as letras minúsculas do alfabeto grego eram

usadas como numerais. Os gregos tinham a sua disposição as letras maiúsculas para

fazerem uso como símbolos e o fizeram.

Esses símbolos foram usados meramente como etiquetas para designar

pontos diferentes ou elementos de uma configuração geométrica, e nunca num

sentido operacional. Tais símbolos são usados, atualmente, para identificar vários

pontos de uma figura geométrica, e disto devemos lembrar que herdamos esse

costume dos gregos.

Essa teoria parece pouco provável, pois o pensamento grego era

essencialmente não-algébrico, uma vez que concreto. As operações abstratas da álgebra

que tratam dos objetos foram tiradas de propósito do seu conteúdo físico; não

poderiam ocorrer às mentes que estavam intensamente interessadas pelos próprios

objetos. O símbolo não é uma mera formalidade; é mesmo a essência da

álgebra. Sem o símbolo, o objeto é uma percepção humana e reflete todas as fases

que os sentidos humanos adquirem; substituído por um símbolo, o objeto torna-se

uma abstração completa, um mero operando sujeito a certas operações indicadas.

O pensamento grego estava só começando a emergir do estado de

plástico, quando começou o período de decadência. Nesses dias de decadência da

cultura Helênica, dois matemáticos se destacaram. Ambos viveram no século III d.C.,

provenientes de Alexandria, semearam as sementes de novas teorias, extremamente

avançadas para serem absorvidas por seus contemporâneos, mas destinadas a

influenciar em ciências importantes muitos séculos mais tarde. O “porisms” de

Pappus de Alexandria (∼290−∼350) antecipou a geometria projetiva, os problemas

de Diophantus prepararam o terreno para a moderna teoria das equações.

22

Diophantus foi o primeiro matemático grego que reconheceu as

frações como números. Ele também foi o primeiro a lidar sistematicamente não só

com as equações simples, mas também com as quadráticas e com as equações de

ordem superior. Apesar do seu simbolismo ineficaz, da deselegância dos seus

métodos, ele deve ser considerado o precursor da álgebra moderna.

Os hindus podem ter herdado alguns dos fatos expostos da ciência

grega, mas não a perspicácia crítica grega. Não se sentiram constrangidos pela

falta de rigor, não tiveram sofistas para paralisar o vôo de suas imaginações

criativas. Eles lidaram com número e relação, zero e infinito, como com

palavras: por exemplo, o mesmo sunya, que representava o nulo e

eventualmente tornou-se nosso zero, também fora usado para designar o

desconhecido.

Todavia o formalismo ingênuo dos hindus fez mais para desenvolver a

álgebra que o rigor crítico dos gregos. Deles foi, por excelência, a álgebra

sincopada. Os símbolos foram meramente as primeiras sílabas das palavras que

designavam os objetos ou operações. Eles tiveram símbolos não só para as

operações e igualdades fundamentais, mas para os números negativos também.

Além disso, eles desenvolveram todas as regras para a transformação de

equações simples e quadráticas.

Os tipos de problemas com que eles lidaram eram bastante simples e

são realmente típicos daquela fase da álgebra. Citamos dois de Lilawati, um

tratado sobre teologia geral escrito no século XI:

De um conjunto de flores de puro lotus floresce um terço, um quinto e um sexto foram ofertados, respectivamente, aos deuses Siva, Vishnu, e o Sol; um quarto foi presenteado a Bhavani. As seis flores restantes foram dadas ao venerável preceptor. Diga-me rapidamente o número inteiro de flores. . . . Um colar foi quebrado durante uma luta amorosa. Um terço das pérolas caíram no chão, um quinto ficou no sofá, um sexto foi encontrado pela menina, e um décimo pelo seu amante; seis pérolas permaneceram no fio. Diga de quantas pérolas o colar era composto. (DANTIZIG, 1962, p.81-82.)

A matemática hindu teve pouca influência direta na Europa.

Quase não há dúvida de que os árabes receberam suas aritmética e álgebra dos

23

representantes do conhecimento, os Brahmins (indivíduos com nível elevado de

conhecimento do Sanskrit), que foram amplamente contratados nas cortes dos

iluminados califas dos séculos IX e X. A civilização muçulmana daquele período

era a mistura de duas culturas: a oriental e a helênica. Um grande número de

Sanskrit (escrito que abrange uma tradição rica da poesia e do drama, como também

textos científicos, técnicos, filosóficos e religiosos) e de clássicos gregos da

literatura, ciência e filosofia foram traduzidos para o árabe e avidamente estudados

pelos savants árabes (pessoas instruídas, bem versáteis na literatura ou na ciência

assim como nas artes finas, freqüentemente com uma habilidade excepcional em um

campo especializado da aprendizagem). Muitas dessas traduções foram preservadas e

são agora uma fonte fértil de informações históricas. Devemos nos lembrar nesta

conexão que a biblioteca mais rica da antigüidade helênica, a de Alexandria, fora

duas vezes saqueada ou destruída: primeiro por vândalos cristãos no século IV, e por

fanáticos muçulmanos no VII. Como resultado dessa destruição, desapareceu

um grande número de manuscritos antigos que teria sido perdido

completamente para posteridade se não fosse por suas traduções em árabe.

Era dito freqüentemente que o destino histórico dos árabes fora agir

como guardas da cultura helênica durante estes anos de transição. Além disso,

também enriqueceram esse tesouro cultural por meio de brilhantes contribuições

próprias. Podemos mencionar entre os numerosos matemáticos de primeira

categoria do período o nome de um homem cuja fama é familiar a toda pessoa

culta: Omar Khayyám (1048−1131). Autor do Rubaiyat, Omar Khayyám era o

astrônomo oficial da corte do califa. Embora Rubaiyat tenha sido escrito em

língua persa, Omar escreveu uma álgebra árabe na qual ele utilizou do seu

conhecimento de geometria grega e álgebra hindu para resolver equações

cúbicas e quárticas. Ele pode ser considerado como aquele que deu origem aos

métodos gráficos. Além disso, há indicações que ele se antecipou a Isaac

Newton (1643−1727) na descoberta da fórmula binomial.

Mas, apesar de tudo isso, os árabes não avançaram nem um iota em

notação simbólica. É um dos fenômenos mais estranhos na história da matemática

que os árabes, adotando álgebra hindu, não retiveram o seu pitoresco simbolismo

sincopado. Exatamente o contrário; eles regrediram à álgebra retórica dos

24

gregos e, durante algum tempo, eles até eliminaram os símbolos numéricos

dos seus tratados de álgebra, preferindo escrever números por extenso. Foi

isto que impeliu os árabes à reivindicação de herdeiros intelectuais dos Helenos

ao ponto de recusar reconhecer a dívida que eles tinham com o Brahmins?

Enquanto a cultura muçulmana estava atingindo o ápice, a Europa

ainda estava em sono profundo. Um magnífico retrato escrito dessas idades obscuras

e dos séculos de transição que seguiram foi escrito pelo matemático Karl Gustav

Jacob Jacobi (1804−1851) em seu discurso sobre René Descartes (1596−1650):

A História conheceu uma meia-noite que podemos estimar, aproximadamente, no ano 1000 d.C., quando a raça humana perdeu as artes e as ciências até mesmo da memória. O último crepúsculo de paganismo tinha ido, e ainda o dia novo não tinha começado. Tudo que foi remanescente de cultura no mundo foi encontrado somente com os Saracens, e um Papa ansioso para aprender estudou disfarçado em suas universidades, e assim tornou-se a admiração do Ocidente. Finalmente o Cristianismo, cansado de rezar para os restos mortais dos mártires, reuniu-se à tumba do Salvador, somente para encontrar uma segunda vez que a sepultura estava vazia e que Cristo tinha levantado dos mortos. Então a humanidade também levantou-se dos mortos. Retornou-se às atividades e à vida; houve um restabelecimento fervoroso nas artes e nos artesanatos. As cidades floresceram e novas foram fundadas. Cimabue redescobriu a extinta arte de pintar; Dante, a poesia. Naquela época, também, grandes espíritos corajosos como Abelard e São Thomas de Aquino ousaram introduzir no catolicismo os conceitos da lógica de Aristóteles, fundando assim a filosofia escolástica. Mas quando a Igreja conduziu as ciências sob suas asas, exigiu que as formas das quais as ciências desenvolveram estivessem sujeitas à mesma fé incondicional na autoridade como eram as suas próprias leis. E assim aconteceu que o escolasticismo, longe de livrar o espírito humano, prendeu-o durante muitos séculos, até que a mesma possibilidade de pesquisa científica livre veio a ser duvidada. Por fim, a aurora do dia se mostrou aqui, e o gênero humano, confiante, determinado a tirar proveito de seus próprios talentos e de criar o conhecimento da natureza baseado no pensamento independente. O amanhecer deste dia na história é conhecido como o Renascimento ou a Revivificação do Saber. (DANTZIG, 1962, p.83-84.)

Agora, a aquisição da cultura não foi certamente uma parte do

programa das Cruzadas. A reconquista da Península Ibérica pelos cristãos, em

primeiro lugar, foi, exatamente, o que as Cruzadas realizaram. Durante três

séculos os poderes cristãos tentaram, por meio da espada, impor a sua “cultura”

25

sobre os muçulmanos. Mas o resultado foi que a cultura superior dos árabes,

ainda de forma lenta, certamente penetrou na Europa. Os árabes da Espanha e

os árabes do Oriente Médio foram, em grande parte, responsáveis pelo

restabelecimento dos estudos europeus.

O restabelecimento dos estudos começou na Espanha e, o século XII,

foi decisivo. O primeiro trabalho notável em matemática foi feito por Leonardo

Pisano Fibonacci (1170−1250), um homem de habilidade extraordinária cuja

perspicácia e previsão estavam além do século XIII no qual ele viveu. Comerciante

por vocação, ele tinha viajado consideravelmente pelo Oriente Médio e absorveu o

conhecimento árabe do período; mas também estava familiarizado com a literatura

matemática grega. As suas contribuições para aritmética, álgebra, e geometria

formaram a rica fonte da matemática italiana durante os próximos três séculos.

O momento decisivo na história da álgebra foi um ensaio escrito no

final do século XVI pelo francês François Viète (1540−1603) que escreveu sob o

nome latino de Franciscus Viète.

Atualmente, sua grande realização parece muito simples. Está

resumida na seguinte passagem de seu trabalho In artem analyticum isagoge,

publicado em 1592, o mais antigo sobre álgebra simbólica:

Nisto somos ajudados por um artifício que nos permite distinguir valores dados daqueles que são desconhecidos ou procurados, e isto por meio de um simbolismo que é permanente na natureza e claro para entender, por exemplo, denotando os valores desconhecidos por A ou qualquer outra vogal, enquanto os valores determinados são designados por B, C, G ou outras consoantes. (DANTZIG, 1962, p.85.)

Essa notação vogal-consoante teve uma curta existência. Num período

de meio século, após a morte de Viète, apareceu a Géomètrie de Descartes

(1596−1650) em que as primeiras letras do alfabeto foram usadas para quantidades

conhecidas, as últimas para aquelas desconhecidas. A notação cartesiana não só

deslocou a vieteana, mas sobreviveu até hoje.

Embora poucas das propostas de Viète fossem postas em prática

literalmente, elas certamente foram adotadas em espírito. O uso sistemático de letras

para magnitudes indeterminadas, mas constantes, a “Logística Speciosa” (álgebra

26

simbólica) como ele chamou, que teve um papel dominante no desenvolvimento das

matemáticas, foi a grande realização de Viète.

A mente leiga pode achar difícil calcular a realização de Viète em seu

verdadeiro valor. A notação literal não é afinal de contas uma mera

formalidade, uma taquigrafia convenientemente melhor? Não há dúvida da

economia em escrever

( ) 222 2 bababa ++=+ ,

mas realmente carrega mais a mente que a forma verbal da mesma identidade: o

quadrado da soma de dois números é igual a soma dos quadrados dos números,

aumentada por duas vezes o produto deles.

Novamente, a notação literal teve o destino de todas as inovações

muito bem sucedidas. É difícil imaginar o uso universal dessas notações em um

tempo que métodos inferiores estavam em voga. Hoje fórmulas em que letras

representam magnitudes gerais são quase tão familiares quanto um texto

comum, e nossa habilidade de lidar com símbolos é considerada por muitos

quase como um dom natural de qualquer homem inteligente; mas só é natural

porque se tornou um hábito tenaz de nossas culturas. Nos dias de Viète tal

notação constituiu uma ruptura radical com as tradições estabelecidas. Realmente,

como é possível chamar de natural um dispositivo que passou completamente

despercebido do grande Diophantus e seus perspicazes sucessores árabes, e

mesmo o engenhoso Fibonacci que esteve bem próximo de tal artifício,

deixou-o passar!

Existe uma analogia extraordinária entre a história da álgebra e da

aritmética. Assim como na aritmética a humanidade sofreu por milhares de anos com

uma numeração inadequada por falta de um símbolo para o zero, na álgebra, a

ausência de uma notação comum a reduziu em uma coleção casual de regras para a

solução de equações numéricas. Exatamente como a descoberta do zero criou a

aritmética de hoje, também a notação apropriada disponibilizou uma nova era

na história da álgebra.

Em que se firma o poder desse simbolismo?

Em primeiro lugar, as letras libertaram a álgebra da escravidão das

palavras. Com isto não se pretende dizer que, sem a notação literal, qualquer

27

declaração geral se tornaria somente um mero fluxo de verbosidade, sujeito a todas

as ambigüidades e equívocos de fala humana. Isto é bastante importante; mas o

que ainda é mais extraordinário é que as letras estão livres dos tabus que

prenderam a palavras por séculos de uso. A arithmos de Diophantus, o res de

Fibonacci, eram noções preconcebidas: eles representaram todos os números

inteiros. Mas o A de Viète ou o nosso presente x tem uma essência que independe

do objeto concreto que ele supostamente representa. O símbolo tem um

significado que transcende o objeto simbolizado: isso porque não é uma

mera formalidade.

Em segundo lugar, as letras são suscetíveis de operações que

permitem transformar expressões literais e assim parafrasear qualquer proposição em

várias formas equivalentes. É este poder de transformação que eleva a álgebra

acima do nível f de uma taquigrafia conveniente.

Antes da introdução da notação literal, só era possível falar de

expressões individuais; cada expressão, como 32 +x ; 53 −x ; 742 ++ xx ;

543 8 +− xx , teve uma individualidade própria e precisou ser controlada em seus

próprios méritos. A notação literal tornou possível passar do individual para o

coletivo, do “alguns” para o “qualquer” e o “todo”. A forma linear bax + , a

forma quadrática cbxax ++2 , cada uma dessas formas é considerada agora como

uma espécie única. É isto que tornou possível a teoria geral de funções que são

a base de toda a matemática aplicada.

Porém, a contribuição mais importante da logística speciosa, e a parte

que mais nos interessa neste trabalho, é o papel que teve a formação do conceito de

número generalizado.

Desde que se trabalhe com equações numéricas, como

(I) x + 4 = 6 (II) x + 6 = 4 2x = 8 2x = 5 x2 = 9 x2 = 7,

alguém pode satisfazer-se (como fez a maioria dos algebristas medievais) com a

afirmação de que o primeiro grupo de equações é possível, enquanto o segundo é

impossível.

Mas quando se considera as equações literais dos mesmos tipos:

28

x + b = a

bx = a

xn = a

a mesma indeterminação dos dados compele a alguém dar uma indicação ou solução

simbólica para o problema:

x = a – b

x = a/ b n ax =

Em vão, depois disto, alguém estipulará que a expressão a – b só tem

um significado se a é maior que b, que ba é sem significado quando a não é um

múltiplo de b, e que n a não é um número a menos que a seja uma enésima potência

perfeita. O próprio ato de escrever o desconhecido gerou um sentido; e não é fácil

negar a existência de algo que recebeu um nome. É importante salientarmos a

diferença entre significado e sentido. Significado é a relação do signo com o objeto,

enquanto sentido é a relação entre signos.

Além disso, com a ressalva de que a > b , que a é um múltiplo de b,

que a é uma enésima raiz perfeita a, são inventadas regras para operar com tais

símbolos como a – b; ba ; n a . Mas, mais cedo ou mais tarde, o mesmo fato de não

existir nada a respeito desses símbolos para indicar se o ato é legítimo ou ilegítimo

sugere que não há contradição envolvida em operar com esses símbolos como se fossem

números bona fide. E daí falta só um passo para reconhecer esses símbolos como

sendo números de fato.

Assim é contada a história da primeira álgebra, ou mais precisamente

aquela parte que conduziu até o conceito geral de número. Agora, vamos abandonar

a rota histórica, por duas razões. Em primeiro lugar, porque o desenvolvimento da

matemática depois dos dias de Viète foi tão rápida que a exposição sistemática iria

muito além do âmbito deste trabalho. Além disso, o fundamento da ciência de

29

número foi pouco influenciado por esse desenvolvimento, enquanto o progresso foi

limitado somente para a técnica.

O que distingue a aritmética moderna do período de Viète é a

mudança de atitude frente ao “impossível”. Até o século XVII, os algebristas

entenderam esse termo num sentido absoluto. Comprometidos a ter números

naturais como o campo exclusivo para todas as operações aritméticas, eles

consideraram possibilidade, ou possibilidade restringida, como uma

propriedade intrínseca dessas operações.

Desse modo, as operações diretas de aritmética − adição ( )ba + ,

multiplicação ( )ba ⋅ , potenciação ( )ba − são omnipossible; enquanto as operações

inversas − subtração ( )ba − , divisão ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

ba , extração de raízes b a , − só eram

possíveis de acordo com as condições restritas. Os algebristas pré-Viète estavam

satisfeitos em afirmar estes fatos, portanto, foram incapazes de uma análise mais

íntima do problema.

Hoje sabemos que aquela possibilidade e impossibilidade têm o

mesmo significado relativo; não é nenhuma propriedade intrínseca da operação, mas

meramente uma restrição que a tradição humana impôs no campo dos operandos.

Removendo essa barreira, o campo se abre e o impossível fica possível.

As operações diretas da aritmética são omnipossible porque são nada

mais que uma sucessão de iterações, passo por passo na sucessão de números

naturais que é assumida, a priori, ilimitada. Derrubada essa suposição, restringindo o

campo de operação a uma coleção finita (digamos para os 1.000 primeiros números),

operações como 925 + 125, ou 67 × 15 tornam-se impossíveis e as expressões

correspondentes sem sentido.

Ou, vamos assumir que o campo está restrito somente aos números

ímpares. Multiplicação ainda é sempre possível, pois o produto de qualquer dois

números ímpares é ímpar. Porém, em um campo tão restrito, uma adição é uma

operação completamente impossível, porque a soma de qualquer dois números ímpares

nunca é um número ímpar.

Ainda, novamente, se o campo fosse restrito aos números primos, a

multiplicação seria impossível pela simples razão que o produto de dois primos

30

nunca é um primo; entretanto a adição só seria possível em casos raros como quando

um dos termos é 2, o outro sendo o menor que um par de primo-gêmeo, como 2 + 11

= 13.

Outros exemplos poderiam ser aduzidos, mas mesmo esses poucos

bastarão para destacar a natureza relativa das palavras possível, impossível, e sem

sentido. Uma vez que a relatividade é reconhecida, é natural indagarmos se, com uma

extensão apropriada do campo restrito, as operações inversas da aritmética não podem

ser tornadas omnipossible assim como são diretas.

Em relação à subtração, por exemplo, é suficiente juntar à sucessão

dos números naturais o número zero e os inteiros negativos. O campo assim criado é

chamado o campo dos inteiros.

Semelhantemente, a junção das frações positivas e negativas a este

campo dos inteiros tornará omnipossible a divisão.

Os números assim criados − os inteiros, as frações positivas e

negativas e o número zero − constituem o domínio racional. Substitui o domínio

natural da aritmética do inteiro. As quatro operações fundamentais que antes só se

aplicavam aos inteiros estão agora, por analogia, estendidas a esses números

generalizados.

Tudo isso pode ser realizado sem uma contradição. E, o que é mais,

com uma única restrição que levaremos agora, a soma, a diferença, o produto, e o

quociente de qualquer dois números racionais são sempre números racionais. Esse

fato muito importante é parafraseado freqüentemente na afirmação: o domínio racional

é fechado com respeito às operações fundamentais da aritmética.

A única restrição, mas muito importante, é a divisão por zero. Isto é

equivalente à solução da equação x⋅ 0 = a. Se a não é zero, a equação é impossível,

porque fomos compelidos, em definindo o número zero, admitir a identidade

x⋅ 0 = 0. Não existe nenhum número racional que satisfaça a equação x⋅ 0 = a.

Pelo contrário, a equação x⋅ 0 = 0 é satisfeita para qualquer valor

racional de x. Por conseguinte, x é aqui uma quantidade indeterminada. A menos que

o problema que conduziu a tais equações forneça alguma informação adicional,

31

temos que considerar 00 como o símbolo de qualquer número racional, e

0a como o

símbolo de nenhum número racional.

Elaboradas essas considerações, elas mesmas reduziram-se, em termos

simbólicos, à seguinte afirmação concisa: se a, b, e c forem números racionais, e a

diferente de zero, então existe sempre um e somente um número racional x, que

satisfará a equação ax + b = c.

Essa equação é chamada linear, e é o tipo mais simples em uma

grande variedade de equações. Próximo à equação linear vem a quadrática, então a

cúbica, a quártica, a quíntica, e equações geralmente algébricas de qualquer grau, o

grau n que significa a potência mais alta do desconhecido x em

axn + bxn−1 + cxn−2 + ... + px + q = 0.

Mas mesmo esses não esgotam a variedade infinita de equações;

exponencial, trigonométrica, logarítmica, circular, elíptica, etc. constituindo ainda

uma vasta variedade, classificada normalmente sob o termo transcendental.

O domínio racional é adequado para lidar com essa variedade infinita?

É possível vermos que esse não é enfaticamente o caso. Temos que nos antecipar a

uma extensão de domínio de número para maior complexidade. Mas essa extensão não é

arbitrária; há oculta no mesmo mecanismo do esquema de generalização uma idéia

guiando e unificando.

Essa idéia às vezes é chamada o princípio da permanência. Ela foi

formulada explicitamente pelo matemático alemão Hermann Hankel (1839−1873),

em 1867, mas o germe da idéia já estava contido nas escritas de Sir William Rowan

Hamilton (1805−1865), uma das mentes mais originais e frutíferas do século XIX.

Esse princípio é formulado como uma definição:

Uma coleção de infinitos números será chamada um corpo de número,

e cada elemento individual um número, se as seguintes condições são verificadas:

Primeira: Se entre os elementos da coleção pudermos identificar uma

sucessão de números naturais.

Segunda: Se pudermos estabelecer critérios de ordem que nos

permitirão dizer se dois elementos quaisquer são iguais ou não, qual é maior;

reduzindo estes critérios aos números naturais são entendidos num sentido natural.

32

Terceira: Se para qualquer dois elementos da coleção pudermos

inventar um esquema de adição e multiplicação que tenham as propriedades

comutativa, associativa e distributiva das operações naturais que admitem estas

propriedades, e que reduzirá a estas operações naturais quando os dois elementos

forem números naturais.

Essas considerações muito gerais deixam em aberto a pergunta de

como o princípio da permanência opera em casos especiais. Hamilton apontou o

modo por um método que ele chamou emparelhamento algébrico. Nós ilustraremos

isto nos números racionais.

Se a é um múltiplo de b, então o símbolo b indica a operação de

divisão de a por b. Assim 39 = 3 significa que o quociente da divisão indicada é 3.

Agora, dadas duas operações, há um modo de determinar se os resultados são iguais,

maiores, ou menores, sem executar as operações de fato? Sim, temos o seguinte

⎪⎪⎪

⎪⎪⎪

<<

>>

==

bcad sedc

ba

bcad sedc

ba

bc ad sedc

ba

Ordem de Critério

E podemos ir até mesmo mais adiante que isto: sem executar as

operações indicadas, podemos inventar regras para manipular estas quantidades

dadas:

bdbcad

dc

ba :Adição +

=+

dbca

dc

ba :çãoMultiplica

⋅⋅

=⋅

Agora não estipularemos mais que a seja um múltiplo de b. Vamos

considerar b como o símbolo de um novo corpo de entes matemáticos. Esses entes

simbólicos dependem de dois inteiros a e b escritos em ordem adequada. Devemos

impor nessa coleção de pares os critérios de ordem mencionados acima, isto é, devemos

alegar que, por exemplo:

33

16151220 porque 1216

1520

×=×=

5344 porque 45

34

×>×>

Definiremos as operações nesses pares conforme as regras que, como

mostramos acima, são verdadeiras para o caso quando a é um múltiplo de b, e c é um

múltiplo de d, isto é, diremos por exemplo:

( ) ( )( ) 15

2235

435254

32

×+×=+

158

5342

54

32

=××

Satisfizemos agora todas as estipulações do princípio da permanência:

1) O novo corpo contém os números naturais como um sub-corpo,

porque podemos escrever qualquer número natural na forma de um par:

. . . . , , , ,14

13

12

11

2) O novo corpo possui critérios de ordem para os quais reduzem os

critérios naturais quando ba e

dc são números naturais.

3) No novo corpo foram introduzidas duas operações que têm todas as

propriedades de adição e multiplicação para as quais elas se reduzem quando ba e

dc

são números naturais.

E assim esses novos entes satisfazem todas as estipulações do princípio.

Eles provaram seu direito de serem juntados aos números naturais, o seu direito a ser

investido com a dignidade do nome número. Eles estão com isso admitidos, e o

corpo de números que inclui velho e novo é batizado o domínio dos números

racionais.

Parecia à primeira vista que o princípio da permanência permitia uma

liberdade muito grande na escolha de operações para deixar um grande número de

34

postulados genéricos demais para ter um valor prático. Porém, as estipulações que a

sucessão natural deveria ser uma parte do corpo, e que operações fundamentais

deveriam ser comutativa, associativa e distributiva (como são as operações naturais)

impunham restrições que, como veremos, só corpos muito especiais podem obedecer.

A posição da aritmética, como formulada no princípio da

permanência, pode ser comparada à política de um Estado disposto à expansão, mas

ambicioso para perpetuar às leis fundamentais nas quais cresceu forte. Esses dois

objetivos diferentes − expansão por um lado, preservação de uniformidade por outro

− naturalmente influenciarão as regras para admissão de novos Estados para a União.

Assim, o primeiro ponto no princípio da permanência corresponde ao

pronunciamento que o Estado de núcleo fixará o tom da União. Logo, o Estado

original, sendo uma oligarquia na qual todo cidadão tem uma ordem, impõe essa

exigência nos novos Estados. Essa exigência corresponde ao segundo ponto do

princípio da permanência.

Finalmente, estipula que as leis de entrosamento entre os cidadãos de

cada Estado individual admitidos à União serão de um tipo que permitirá relações

desimpedidas entre cidadãos daquele Estado e esses do Estado de núcleo.

Essa é uma analogia para que invoquemos as associações mentais de

um campo mais familiar, de forma que o princípio da permanência possa perder sua

aparência de artificialidade.

As considerações que conduziram à construção do domínio racional

foram os primeiros passos em um processo histórico chamado aritmetização da

matemática. Esse movimento começa com Karl Theodor Wilhelm Weierstrass

(1815−1897) nos anos sessenta do século XIX, e teve por objeto a separação de

conceitos puramente matemáticos, como número, correspondência e agregado, das

idéias intuitivas que matemática tinha adquirido da longa associação com a geometria e

a mecânica.

Essas últimas, na opinião dos formalistas, estão firmemente

fortificadas nos pensamentos matemáticos que, apesar da discrição mais cuidadosa

na escolha de palavras, o significado oculto atrás dessas palavras pode influenciar

nosso raciocínio.

35

Mas como podemos evitar o uso da linguagem humana? A resposta é

encontrada na palavra “símbolo”. Somente usando uma língua simbólica ainda não

usurpada pelas idéias vagas de espaço, tempo, continuidade que tem sua origem na

intuição e tende a obscurecer a razão pura − somente assim poderemos esperar

construir a matemática na fundamentação sólida da lógica.

Tal é a plataforma dessa escola, uma escola que foi fundada pelo

italiano Giuseppe Peano (1858−1932) e da qual os representantes mais modernos são

Alfred North Whitehead (1861−1947) e Bertrand Arthur William Russell

(1872−1970). No trabalho fundamental desses dois últimos, a Principia

Mathematica, esforçaram-se para reconstruir toda fundamentação da

matemática moderna, começando com suposições bem definidas, fundamentais

e procedendo em princípios da lógica rígida. O uso de um simbolismo preciso

não deveria deixar nenhum espaço para as ambigüidades que são inseparáveis da

linguagem humana.

A Principia permanecerá por muito tempo como monumento do

trabalho duro e de excelentes intenções. Seus autores tiveram sucesso construindo

uma estrutura criada na razão pura e imaculada pela intuição humana? A história

atual em torno dos matemáticos mostra que não existem mais que duas pessoas

que leram a Principia do início ao fim.

A tremenda importância desse simbolismo encontra-se não nas

tentativas estéreis de banir a intuição do reino do pensamento humano, mas em seu

poder ilimitado de ajudar a intuição a criar novas formas de pensamento.

Para reconhecer isso, não é necessário dominar o simbolismo técnico

complicado da matemática moderna. É suficiente contemplar o mais simples,

contudo muito mais sutil, o simbolismo da língua. Na medida em que nossa língua é

capaz de afirmações precisas, é, portanto, um sistema de símbolos, uma álgebra

retórica por excelência. Substantivos e frases são, entretanto, símbolos de classes

de objetos, verbos simbolizam relações, e orações são, entretanto, proposições

que conectam essas classes. Ainda, enquanto a palavra for o símbolo abstrato de

uma classe, também tem a capacidade de evocar uma imagem, um retrato

concreto de algum elemento representativo da classe. Nessa função dual de nossa

36

língua deveríamos buscar os germes do conflito que mais tarde surgem entre

lógica e intuição.

E o que é geralmente verdadeiro das palavras é particularmente

verdadeiro das palavras que representam os números naturais. Porque eles têm o

poder para evocar em nossa mente imagens de coleções concretas, eles nos parecem

tão arraigados em realidade firme como sendo dotados de uma natureza absoluta.

Contudo no sentido em que são usados na aritmética, são, entretanto, um jogo

de símbolos abstratos sujeito a um sistema de regras operacionais.

Uma vez que reconhecemos esta natureza simbólica dos números

naturais, eles perdem seu caráter absoluto. Sua afinidade intrínseca com o

domínio mais amplo de que é o núcleo torna-se evidente. Ao mesmo tempo as

extensões sucessivas do conceito de número tornam-se passos em um processo

inevitável de evolução natural, em vez da prestidigitação artificial e arbitrária que

eles parecem no princípio.

CAPÍTULO 2

38

AS EQUAÇÕES DO SEGUNDO GRAU, DO TERCEIRO GRAU E AS

QUANTIDADES IMPOSSÍVEIS OU IMAGINÁRIAS

O conceito de número é fundamental em Matemática. Seu estudo é um

marco do próprio início da aprendizagem escolar e o seu significado desenvolve-se,

de forma satisfatória, por meio de um percurso particularmente extenso na formação

acadêmica do aluno. O resultado desse processo de aprendizagem deverá cativar

significativa parte dos alunos e percorrerá desde o Ensino Básico até o Ensino

Superior. Nesse percurso educativo, surgem, de “forma natural”, os números

imaginários: usualmente, como uma questão de generalização do conceito de

número, para além dos números reais. Com essa extensão, conservam-se as

propriedades operatórias dos números reais e expande-se o conceito de número, de

forma que qualquer equação do segundo grau com coeficientes reais é possível,

independentemente do valor do binômio discriminante.

Nesse capítulo, buscaremos verificar a importância da prática

algébrica, por meio de trabalhos com as equações do segundo e do terceiro graus

que possibilitaram a descoberta de alguns casos insolúveis e, a partir desses, o

reaparecimento das quantidades impossíveis ou imaginárias.

Atualmente, a maioria dos livros didáticos introduz os conhecidos

números complexos (termo introduzido por Gauss em 1832) como meio de resolver

equações que não admitem apenas solução real.

Uma introdução típica é feita a partir da prática da aritmética das

equações de segundo grau, em particular, da seguinte forma:

A equação x2 + 1 = 0 não tem solução real porque não existe um número real x que pode ser quadrado para produzir −1. Para resolver tal equação, matemáticos criaram um sistema expandido de números usando a unidade imaginária i, definida como i = 1− (NGO,V. & WATSON, 1998, 141).

Um estudante poderia perguntar: Em primeiro lugar, por que resolver

essa equação? E mais, quem se preocupa se ela tem uma solução? Essas perguntas

são legítimas. Alguém esperaria uma justificativa prática ou intuitiva para introduzir

uma nova idéia. Afinal de contas, há motivações intuitivas para introduzir outros

39

aspectos do nosso sistema de números. Os números naturais são usados para contar,

podem ser usados números negativos para descrever dívida, números racionais nos

ajudam a descrever conceitos naturais tais como um quarto de um litro de leite, e são

necessários os números irracionais para representar certas distâncias no plano. Por

outro lado, não há qualquer aplicação dos números complexos que serve para utilizá-

los em um nível introdutório. Além disso, até que os estudantes tenham um

conhecimento sofisticado o bastante para entender as aplicações dos números

complexos, a motivação para os mesmos é normalmente esquecida.

Usaremos a prática algébrica das equações do segundo grau

apresentando sua evolução desde o antigo Egito até a Europa, passando pelos

notáveis árabes, e a prática algébrica das equações do terceiro grau, durante o

Renascimento, com Girolamo Cardano (1501−1576) e Rafael Bombelli

(1526−1572), para caracterizar o reaparecimento e o interesse por uma explicação

clara a respeito dos números imaginários.

A teoria das equações é uma das mais belas e relevantes páginas da

História da Matemática, em que é possível evidenciar a força criativa do espírito

humano. A primeira referência histórica que temos sobre equações encontra-se no

papiro de Rhind, que citamos no capítulo 1. Os egípcios utilizavam a álgebra

retórica, o que tornava a solução cansativa e complexa das equações. Já os gregos

resolviam equações por meio da geometria. Na obra Stoichia (Os Elementos, 300

a.C.), de Euclides de Alexandria (360 a.C.−295 a.C.), encontramos soluções

geométricas de equações do segundo grau.

Mas, sem dúvida, foram os árabes que promoveram o grande

desenvolvimento no estudo e resolução de equações. Dentre os árabes, destacamos o

trabalho de Al Khwarizmi (780−850) que, no século IX, resolveu e discutiu vários

tipos de equações. É considerado o matemático árabe de maior expressão do século

IX, merecendo ser chamado “o pai da álgebra”.

AS EQUAÇÕES DO SEGUNDO GRAU

Atualmente, a resolução de uma equação do segundo grau nos parece

bem simples. Ao ensiná-la, geralmente limitamo-nos a mostrar que a conhecida

40

fórmula para a obtenção das soluções de 02 =++ cbxax , com a ≠ 0, denominada na

maioria dos livros didáticos do Brasil de “fórmula de Bhaskara”,

aacbbx

242 −±−

=

pode ser obtida pelo processo bem conhecido de “completar quadrados”.

O hábito de imputar o nome de Bhaskara à fórmula de resolução da

equação do segundo grau foi estabelecido no Brasil por volta de 1960. Esse costume,

aparentemente brasileiro (pois não se encontra o nome de Bhaskara para essa

fórmula na literatura internacional), não é adequado, pois:

1) Problemas que recaiam em uma equação do segundo grau já

apareciam, há quase quatro mil anos atrás, em textos escritos pelos Babilônios. Esses

textos continham formas de receitas escritas em prosa e sem uso de símbolos que

ensinavam como proceder para a determinação das raízes de equações do segundo

grau obtidas a partir de exemplos concretos;

2) Bhaskara (1114−1185) nasceu na Índia e foi um dos mais

importantes matemáticos do século XII. Em seu livro Lilavati (cuja tradução é

“Bela”), nome próprio de mulher, em que, provavelmente, teria feito um trocadilho

comparando a elegância de uma mulher da nobreza com a elegância dos métodos da

Aritmética, tornando-o conhecido entre as pessoas de pouco conhecimento

matemático e de História da Matemática, que estavam dispostas a aceitarem histórias

românticas em uma área tão abstrata e difícil como a Matemática. Escreveu dois

livros matematicamente importantes e, devido a eles, tornou-se o matemático mais

renomado de sua época. Esses livros são: o Siddhanta-siromani (Diadema de um

sistema astronômico) escrito em 1150, dedicado a assuntos astronômicos e dividido

em duas partes: a) Goladhyaya (Esfera Celeste) e b) Granaganita (Matemática dos

Planetas); Vijaganita, que trata sobre Álgebra. Bhaskara, por meio da álgebra

retórica, gastou maior parte desse livro mostrando como resolver equações e,

especificamente em relação às equações do segundo grau, apresentou mera cópia do

que já tinham escrito outros matemáticos;

3) Até o fim do século XVI, não era usada uma fórmula para obter as

raízes de uma equação do segundo grau, simplesmente porque não se representavam

41

por letras os coeficientes de uma equação. A Era das Fórmulas foi inaugurada com a

Logística Speciosa de François Viète, cerca de 1.600 d.C., quando foram iniciadas as

tentativas de dar um procedimento único para resolver todas as equações de um dado

grau.

Este trabalho, além do cunho científico, tem objetivo didático e,

portanto, buscaremos apresentar pelo menos um procedimento usado por alguns

povos do passado ao trabalharem com as equações do segundo grau, interpretando

resultados sob a ótica moderna, ou seja, utilizando, muitas vezes, a álgebra

simbólica.

As Equações do Segundo Grau no Antigo Egito

Não são conhecidos documentos que provém que os antigos egípcios

tenham-se ocupado da resolução de equações do segundo grau, mas, no papiro de

Berlim, datado, aproximadamente, de 1.800 a.C., há dois problemas que dependem

da resolução de um sistema de duas equações, uma do primeiro grau e outra do

segundo grau. Vejamos um desses problemas:

Problema É te dito ... a área de um quadrado de 100 [cúbitos quadrados] é igual à de dois quadrados mais pequenos. O lado de um dos quadrados é 1/2 + 1/4 o lado do outro. Diz-me quais são os lados dos dois quadrados desconhecidos. Resolução: Toma sempre o quadrado de lado 1. Então o lado do outro é 1/2 + 2/4. Multiplica-os por 1/2 + 2/4. Dá 1/2 + 1/16, área do quadrado pequeno. Depois juntos estes quadrados têm uma área de 1 + 1/2 + 1/16. Tira a raiz quadrada de 1 + 1/2 + 1/16. Que é 1 + 1/4. Tira a raiz quadrada de 100 cúbitos. Que é 10. Divide estes 10 por 1 + 1/4. Dá 8, o lado de um quadrado. Calcula 1/2 + 1/4 de 8. Dá 6, o lado do outro quadrado.

(GILLINGS, 1982)

Em linguagem atual, significa resolver o seguinte problema:

A área de um quadrado é 100 e tal quadrado é igual à soma de dois quadrados

menores, em que o lado de um é igual a 43 do lado do outro. Determine o lado dos

dois quadrados menores.

42

Transformando em linguagem simbólica, temos:

⎩⎨⎧

==+

yxyx34

10022

A resolução egípcia é feita por um método que mais tarde foi chamado

regra da falsa posição. Observe-se que a segunda equação é satisfeita por x = 3 e

y = 4. Substituindo x e y por estes valores, na primeira equação obtém-se

2543 2222 =+=+ yx . Assim, para obter a soma 100, bastaria multiplicar ambos os

membros por 4, isto é, bastaria fazer x = 2.3 = 6 e y = 2.4 = 8; então resulta

100643622 =+=+ yx e yx 3244 == .

O nome regra da falsa posição motivou alguns a pedir desculpas por

um nome tão estranho numa ciência cuja função é procurar a verdade. Assim,

Humphrey Baker (1557–1574) escreveu (1568):

A regra de falsidade é assim chamada, não porque ela ensine qualquer fraude ou falsidade, mas porque, por meio de números tomados à sorte, ensina a encontrar o número verdadeiro que é pedido. (BAKER, apud SMITH, 1925, p.441.)

Equações do Segundo Grau na Antiga Babilônia

Carl Benjamin Boyer (2005, p.21) traz que

A solução de uma equação quadrática com três termos parece ter sido demasiado difícil para os egípcios, mas Otto Neugebauer (1899−1990), em 1930, revelou que tais equações tinham sido tratadas eficientemente pelos babilônios em alguns dos mais antigos textos de problemas. Por exemplo, num desses problemas pede-se o lado de um quadrado, em que a área menos o lado é igual a 14;30.

Note-se que os Babilônios usavam uma combinação da base 60 com a base 10, para a

escrita dos números. Assim, 14;30 significava para eles 14 × 601 + 30 × 600 = 870 e,

conseqüentemente, na linguagem simbólica atual se designarmos por x o lado do

quadrado, a resolução do problema considerado é equivalente à resolução da equação

8702 =− xx (ou, mais precisamente, a procurar uma raiz positiva dessa equação.

43

A equação qpxx =−2 , com p e q positivos, tem uma raiz positiva,

dada por

22

2 pqpx ++⎟⎠⎞

⎜⎝⎛= .

Os babilônios não dispunham dessa fórmula algébrica, mas o processo

que seguiam é inteiramente equivalente a aplicá-la. Com efeito, a solução registrada

no tablete é a seguinte:

Tome a unidade: 1

Divida a unidade em duas partes: 0;30 → 0;30 significa 1/2

Cruze (multiplique) 0;30 por 0;30: 0;15 (significa 0,25) → 1/2×1/2 = 1/4

Some 0;15 a 14;30, para obter 14;30;15 → 14;30;15 = 870 + 1/4 = 870,25

Isto é o quadrado de 29;30 → 29;30 significa 29,5, ou ( ) 25870529 2 ,, =

Some agora 0;30, que você multiplicou, com 29;30 e o resultado é 30, isto é, 1/2 +

59/2 = 30 que é o lado do quadrado.

É possível observarmos que fazer tal procedimento é exatamente o

mesmo que aplicar a fórmula. Mais uma vez, a formulação do problema pelos

babilônios mostra a completa ausência de simbolismo algébrico na sua matemática.

Se lembrarmos que essa transformação foi feita há perto de 4000 anos

(Neugebauer situa os textos cuneiformes referentes às equações quadráticas entre

1800 a.C. e 1600 a.C.), não podemos deixar de concluir que, na antiga Babilônia, a

Álgebra atingiu um nível surpreendentemente avançado.

Na verdade, cerca de 2000 anos antes da nossa era, os Babilônios

podiam resolver sistemas de equações da forma

⎩⎨⎧

=⋅=+qyx

pyx

o que equivale à resolução da equação do segundo grau

pxqx =+2 .

A orientação dos Babilônios para resolver o sistema

44

⎩⎨⎧

=⋅=+qyx

pyx

consistia no seguinte:

Tomar a metade de p: 22

yxp += .

Quadrar o resultado: 22

22⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ yxp .

Subtrair q do resultado obtido: 222

222⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −

=−⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

=−⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ yxxyyxqp .

Extrair a raiz quadrada do resultado obtido: ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −

=−⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

22

2 yxqp .

Somar ao resultado obtido a metade de p: xyxyxqpp=

−+

+=−⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+

2222

2

O resultado obtido é um dos números desejados e o outro, y, é a

diferença entre p e x, isto é

p − x = (x + y) – x = y.

Notemos que os números procurados são

24

22

22 qppqpp −+=−⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+ e

24

22

22 qppqppp

−−=⎟

⎜⎜

⎛−⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+−

o que está de acordo com as fórmulas que ainda hoje utilizamos para resolver a

equação

qpxx =−2 .

Os tipos indicados para as equações do segundo grau eram

necessários, porque os Babilônios não podiam trabalhar ainda com números

negativos, pois esses números não tinham ainda sido incluídos na sua aritmética.

Segundo Paul Karlson, em seu livro A Magia dos Números (cuja

tradução em língua portuguesa fora feita por Henrique Carlos Pfeifer, Eugênio Brito

e Frederico Porta, do original alemão Von Zauber der Zahlen, publicada em 1961),

apenas em 1489 é que os sinais + e − foram, pela primeira vez, utilizados por Johann

Widman (1462−1498), mas somente em 1545 é que eles foram, pela primeira vez,

45

utilizados como sinais operatórios, pelo algebrista alemão Michael Stigel

(1486−1567) (SMITH, 1925, p. 403).

Equações do Segundo Grau na Antiga Grécia

O caráter da Matemática grega é completamente diferente daquele da

Matemática babilônica. Embora os próprios gregos reconhecessem que muito deviam

à Matemática egípcia e babilônica, eles transformaram os conhecimentos dessas duas

civilizações em um corpo de resultados bem estruturado no qual a argumentação é

feita com um tipo bem específico de discurso, a demonstração matemática.

Por razões possivelmente associadas à descoberta da existência de

grandezas incomensuráveis, a maneira de os matemáticos gregos apresentarem seus

resultados é geométrica, como em Os Elementos de Euclides.

Os antigos gregos, portanto, conseguiram resolver as equações do

segundo grau por meio de construções geométricas. Por exemplo, em Os Elementos

(Livro II.5), ensina-se a resolver o seguinte problema: Dividir um segmento de reta

em duas partes tais que o retângulo contido pelo segmento dado e uma das partes

seja igual ao quadrado da outra parte.

Este problema é solucionado, resolvendo a equação

a(a−x) = x2,

onde a designa o segmento dado. A equação pode ser escrita sob a forma

xax

xa

−= ;

que significa dividir o segmento a em média e extrema razão.

Seja AB o segmento dado e consideremos a circunferência tangente

ao segmento AB em B e cujo raio é 2a . A reta definida por A e pelo centro O da

circunferência intercepta a circunferência nos pontos C e D, conforme mostra a

figura seguinte.

46

O arco de circunferência de centro A e raio AC intercepta o segmento

AB no ponto M. As partes pedidas são, precisamente, AM e MB , e temos que

MBAM

AMAB

= .

Portanto, temos x)xa(a +=2 , onde a e x designam, respectivamente,

o comprimento da tangente AB = CD e o comprimento de AM (o quadrado da

tangente é igual ao produto da secante pela sua parte externa) e da igualdade

x)xa(a +=2 , resulta 2x)xa(a =− , quer dizer, a área do retângulo que tem por

lados a e a − x é igual ao quadrado da outra parte, pois ( ) xxaa =−− .

A igualdade x)xa(a +=2 resulta imediatamente da aplicação do

teorema de Pitágoras ao triângulo retângulo ABO. Assim, temos 222

OABOAB =+ ,

isto é, 22

2

22⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +=⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+ xaaa , onde ( )xaxaxxa +=+= 22 , como se pretendia.

Equações do Segundo Grau na Antiga Índia

Como assinala Howard Whitley Eves (1911−2004) em seu livro

Introdução à História da Matemática (2002), os hindus foram hábeis aritméticos e

deram contribuições importantes à álgebra.

Muitos dos problemas aritméticos eram resolvidos pelo método do

retorno, em que se trabalha do fim do problema para o começo.

Vários dos resultados obtidos pelos matemáticos gregos chegaram ao

conhecimento dos hindus por intermédio dos árabes. Os hindus ampliaram-nos sob

alguns aspectos, traduziram-nos para a sua língua e exprimiram-nos com eloqüência

A M B

C

O

D

47

poética. Vejamos o exemplo de um problema sugerido por Bhaskara, cujo enunciado

era o seguinte:

Linda donzela de olhos cintilantes, se conheces o método do retorno diz-me: qual é o número que, multiplicado por 3,

acrescido de 43 deste produto, dividido por 7, diminuído de

31

do quociente, elevado ao quadrado, diminuído de 52, acrescido de 8 e dividido por 10, dá como resultado o número 2?

Foi Bhaskara que chamou a Álgebra de a arte dos raciocínios

perfeitos.

No entanto, Sridhara (aprox. 870−aprox. 930) foi um dos primeiros

matemáticos a dar uma regra para resolver uma equação quadrática, mas como o

original de seu trabalho está perdido, temos que contar com uma citação de Bhaskara

da regra de Sridhara:

Multiplicar ambos os membros da equação por um número igual a quatro vezes o coeficiente do quadrado do desconhecido; adicionar em ambos os lados o número igual ao quadrado do coeficiente da quantidade desconhecida; então extraia a raiz quadrada.

Vejamos o significado da regra de Sridhara, usando a linguagem

simbólica atual. Seja

cbxax =+2

Multiplicando ambos os membros por a4 , temos

acabxxa 444 22 =+ .

Somando a ambos os membros o quadrado do coeficiente da

quantidade desconhecida, temos 2222 444 bacbabxxa +=++

ou seja,

( ) 22 42 bacbax +=+ ;

extraindo a raiz quadrada, vem:

242 bacbax +=+ .

48

Não existe sugestão de que Sridhara tomou dois valores quando

extraiu a raiz quadrada.

Agora, trata-se de uma equação do primeiro grau, cuja resolução já é

conhecida.

Equações do Segundo Grau no Mundo Árabe

Se, por um lado, os árabes foram responsáveis por fazer desaparecer

grande parte do conhecimento ocidental, por outro, contribuíram para sua

preservação. O extermínio se deu quando, como conta a História, em 641 d.C. o

califa Omar mandou que fosse destruída a Biblioteca de Alexandria. E a preservação

foi devida à atuação de três califas, considerados os grandes patronos da cultura

abássida: al-Mansur, Harum al-Rachid e al-Mamum, que durante seus reinados

foram responsáveis pela tradução, do grego para o árabe, dos mais importantes

escritos científicos conhecidos, entre eles, Almagesto de Ptolomeu e Os Elementos de

Euclides.

Al-Mamun fundou em Bagdá, no século IX, um centro científico

similar à Biblioteca de Alexandria, denominado Bait al-hikma (Casa da Sabedoria),

para onde convergiram muitos matemáticos, dentre os quais Mohammad ibn-Musa

Al-Khowarizmi, que, além de outras obras, escreveu, em 825, Hisab al-jabr

wa’lmuzabalah, obra de grande potencial didático, traduzida como Ciência das

equações. Nessa obra Al-Khowarizmi apresentou a equação do segundo grau, bem

como sua resolução, de forma retórica, além de uma comprovação geométrica

denominada método de completar quadrados, método geométrico distinto daquele

utilizado pelos gregos. Em muitos casos apresentava, tal como seus predecessores,

somente uma raiz (positiva).

Al-Khowarizmi usou dois métodos gerais para resolver equações

quadráticas da forma qpxx =+2 .

Vejamos um dos métodos de Al-Khowarizmi:

Constrói-se um quadrado de lado x e, sobre os lados x, para o exterior

do quadrado, constrói-se retângulos de lados x e p41 .

49

Completa-se a figura, construindo-se em cada um dos quatro cantos

um quadrado de lado igual a p41 .

Vejamos a figura:

Portanto, a área do quadrado de lado ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

2px é

2222

41

1614

414 ppxxppxx ++=++

Somando-se 2

41 p a ambos os membros da equação qpxx =+2 ,

temos

222

41

41 pqppxx +=++ ,

qppx +=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ + 2

2

41

21

donde

qppx +=+ 2

41

21

e, conseqüentemente,

pqpx21

41 2 −+= .

Vejamos o outro método de Al-Khowarizmi:

x

x

4p

4p

4p

4p

50

Constrói-se um quadrado de lado x e, sobre um dos lados x, para o

exterior do quadrado, constrói-se um retângulo de lados x e p21 .

Completa-se a figura, construindo-se no canto um quadrado de lado

igual a p21 .

Vejamos a figura:

Portanto, a área do quadrado de lado ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

2px é

222

22

21

4422 ⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ +=++=++ pxppxxpxpx

Somando-se 2

41 p a ambos os membros da equação qpxx =+2 ,

temos

222

41

41 pqppxx +=++ ,

qppx +=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ + 2

2

41

21 ,

donde

qppx +=+ 2

41

21

e, conseqüentemente,

pqpx21

41 2 −+= .

x

x

2p

2p

51

Não podemos esquecer que os números negativos ainda não existiam.

Equações do Segundo Grau na Europa

Embora ainda não se usasse o formalismo atual, o processo para

resolver problemas envolvendo as atuais equações do segundo grau resumia-se na

receita usada por Bhaskara. Do século XV ao XVII, muitos foram os matemáticos

que desenvolveram formas distintas de representação e resolução da equação do

segundo grau. Particularmente, trataremos de dois métodos: o de François Viète e o

de René Descartes.

Viète teve uma participação muito efetiva na renovação do

simbolismo e na resolução das equações de segundo, de terceiro e de quarto graus.

Desenvolveu novos métodos de solução, percebeu algumas relações entre

coeficientes e raízes de uma equação, embora seu trabalho tivesse ficado tolhido por

sua recusa em aceitar coeficientes ou raízes negativas.

Vamos descrever o método de Viète para a resolução de equações do

segundo grau. Seja 02 =++ cbxax , 0≠a .

Fazendo vux += , onde u e v são incógnitas auxiliares, e substituindo

na equação, temos:

( ) ( ) 02 =++++ cvubvua

( ) ( ) 02 22 =+++++ cvubvuvua .

E reescrevendo essa igualdade na incógnita v, obtemos

( ) 02 22 =+++++ cbuauvbauav .

Viète transformou essa equação numa incompleta do segundo grau,

anulando o coeficiente de v, isto é, escolhendo abu

2−

= . Obteve assim a equação:

022

22 =+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ −+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ −+ c

abb

abaav

e chegou, após simples manipulações, a 2

22

44

aacbv −

= .

Se 042 ≥− acb então a

acbv2

42 −±= . Logo,

52

aacb

abvux

24

2

2 −±

−=+= =

aacbb

242 −±− ,

fórmula que nos livros didáticos do Brasil a denominam como fórmula de Bhaskara.

Retomemos, pois, o que falamos anteriormente, que a Era das

Fórmulas foi inaugurada com a Logística Speciosa de François Viète. O método de

Viète possibilita uma maneira de demonstração da fórmula para resolver equações do

segundo grau de fácil compreensão e sem grandes artifícios.

Em 1637, René Descartes, além de possuir uma notação que diferia da

atual somente pelo símbolo de igualdade, desenvolveu um método geométrico para a

obtenção da solução positiva. No apêndice La Géométrie de sua obra O discurso do

método, Descartes resolve equações do tipo: 22 cbxx += , bxcx −= 22 e 22 cbxx −= , sempre com b e c positivos. A título de exemplo, mostremos a solução

de Descartes para equações do tipo 22 cbxx += .

Traça-se um segmento LM , de comprimento c, e, em L, levanta-se

um segmento NL igual a 2b e perpendicular a LM . Com centro em N, construímos

um círculo de raio 2b e traçamos a reta por M e N que intercepta a circunferência em

O e P. Então a raiz procurada é o segmento OM .

Com efeito, no triângulo retângulo MLN, se xOM = , temos:

222

22cbbx +⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛=⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ − e daí: 22 cbxx =− .

Atualmente, sabemos que a segunda raiz é PM− , mas Descartes não

considerava a raiz negativa.

53

AS EQUAÇÕES DO TERCEIRO GRAU

Em meados do século XV, teve início o fenômeno sócio-cultural

conhecido como Renascença, caracterizado por uma renovação do interesse pelas

coisas do espírito em seus mais altos níveis, por uma efervescência criativa e uma

extraordinária explosão produtiva nas artes plásticas, literatura, arquitetura e

ciências.

Em 1494, o frade franciscano Lucca Pacioli (1445−1514) escreveu a

Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita, um bom

compêndio de matemática, contendo noções de cálculo aritmético, radicais,

problemas envolvendo equações do primeiro e do segundo graus, geometria e

contabilidade. Até o aparecimento do trabalho intitulado Algebra de Rapael Bombelli

(1526−1572), a obra de Lucca Pacioli teve grande prestígio. Como era costume, a

incógnita, que hoje chamamos x, era nele denominada a coisa, enquanto 2x era

censo, 3x era cubo, 4x = censo censo, etc. A álgebra era na época chamada a arte da

coisa ou arte maior. Depois de ensinar, sob forma de versos, a regra para resolver a

equação do segundo grau, Pacioli afirmou que não podia haver regra geral para a

solução de problemas do tipo cubo e coisas igual a número, ou seja, qpxx =+3 . No

final de seu livro, fez corajosamente a afirmação de que a solução da equação cúbica

era “impossível no presente estágio da ciência, assim como a quadratura do círculo.”

Esse último problema já desafiava os matemáticos desde o tempo do matemático

grego Hippocrates de Chios (460 a.C.−370 a.C.). A quadratura de um círculo, a

construção exclusivamente por régua e compasso de um quadrado com medida de

área igual à do círculo, tinha provado ser difícil, e então Pacioli escreveu que o

problema da quadratura era ainda insolúvel. Na realidade Pacioli pretendeu com essa

comparação uma maneira de mensurar a dificuldade da resolução da equação cúbica.

Porém, em 1882, o problema da quadratura foi provado ser impossível.

Porém, o matemático italiano, Scipione del Ferro (1465−1526),

professor da universidade de Bolonha, personagem cuja vida muito pouco se

conhece, descobriu o método para a resolução da equação do terceiro grau, embora

não haja conhecimento do desenvolvimento dos seus trabalhos, pois del Ferro nunca

publicou o método de resolução. Na realidade, nunca publicou nada. Na

54

universidade, del Ferro teria tido acesso a textos importantes como os de Leonardo

de Pisa, de autores árabes e de Lucca Pacioli. Sabemos, contudo, que a duas pessoas

ele comunicou o segredo do método de resolução dos problemas do tipo cubo e

coisas igual a número ( qpxx =+3 ) e, cubo igual a coisas e número ( qpxx +=3 ):

seus discípulos Annibale Della Nave (1500−1558) (mais tarde seu genro e sucessor

na cadeira de Matemática em Bolonha) e Antonio Maria Fiore (seu aluno). A este

último, deitado e já agonizante, deu-lhe a regra, mas não a prova. A descoberta

ocorreu provavelmente em torno de 1515. Fiore não era, particularmente, um bom

matemático, mas tal conhecimento foi como se detivesse uma arma formidável e, em

1535, teve a infeliz idéia de desafiar Niccolò Fontana (1500−1557), um matemático

muito conhecido e de capacidade invejável, para uma disputa matemática. Fontana

chamou a atenção de Fiore ao anunciar que podia resolver equações cúbicas da forma

geral qpxx =+3 . Fiore pensou que Fontana estivesse blefando, que realmente não

tinha tal solução, e então o viu como a vítima perfeita, e se sentiu preparado para

desafiá-lo nesta competição pública.

Tais competições eram cercadas de ritual, presididas por alguma

autoridade e muitas vezes assistidas por numerosa audiência. Alguns contratos de

professores universitários eram temporários e muitas vezes a permanência na cátedra

dependia de um bom desempenho nessas disputas. Isso talvez explique a atitude

sigilosa de del Ferro.

Niccolò Fontana, mais conhecido simplesmente como Tartaglia (o

gago), era professor em Veneza e já tinha derrotado outros desafiantes. No entanto,

suspeitava que Fiore tinha recebido de del Ferro o segredo da resolução das equações

do terceiro grau. Temendo ser esse o desafio e não saber resolver os problemas, oito

dias antes do encontro, depois de longas tentativas, ocorreu a Tartaglia como deduzir

a fórmula para resolver as equações do terceiro grau e acabou redescobrindo, em

1535, a solução de del Ferro para qpxx =+3 antes do dia da competição. Sem

dúvida, isso foi uma notável descoberta, porém, não tão grande quanto a de del Ferro

pois Tartaglia sabia, pelas questões que lhe foram propostas, que uma tal fórmula

deveria existir, enquanto del Ferro não podia ter essa certeza. Quem já fez pesquisa

55

em matemática sabe a grande diferença que isso faz. É a mesma que existe entre

resolver um exercício ou demonstrar um novo teorema.

Fiore propôs trinta problemas, todos envolvendo, de um modo ou de

outro, equações do terceiro grau. Tartaglia também fez sua lista, de natureza bem

variada. A única arma de Fiore era a fórmula de del Ferro, já as armas de Tartaglia

eram seu sólido conhecimento e sua inteligência. Tartaglia resolveu de um golpe os

trinta problemas de Fiore, enquanto que Fiore não conseguiu resolver nenhum dos de

Tartaglia. A disputa foi vencida por Tartaglia que recusou magnanimamente os trinta

banquetes estipulados como prêmio ao vencedor.

Notícias sobre a disputa e a natureza dos problemas resolvidos

chegaram a Milão, onde vivia o doutor Girolamo Cardano (1501−1576), também

conhecido simplesmente como Cardano. Diferentemente de Fiore, Cardano foi um

excelente intelectual e, entre seus muitos talentos, um exímio matemático. A

curiosidade intelectual de Cardano foi incendiada ao saber que Tartaglia tinha o

segredo para resolver a equação cúbica que Pacioli julgara impossível.

A vida de Niccolò Fontana foi muito difícil. Nascido em Brescia,

ficou órfão de pai aos seis anos e foi criado, com seus três irmãos, pela mãe devotada

e paupérrima. Aos 14 anos, no saque de Brescia por tropas francesas, refugiou-se na

Catedral, mas ali mesmo, foi seriamente ferido no rosto por golpes de sabre que lhe

deixaram desfigurado e, por longo tempo, quase sem poder falar. Isso lhe valeu o

apelido de Tartaglia (o gago), que posteriormente assumiu como sobrenome.

Aprendeu sozinho, somente em companhia de uma filha da pobreza chamada

diligência, estudando continuamente as obras dos homens defuntos (Matemática

LIMA, 1987, p.13). Superou todas as dificuldades e conseguiu chegar ao limite do

conhecimento da época em Matemática, Mecânica, Artilharia e Agrimensura.

Descobriu a lei de formação dos coeficientes de ( )nax + , e foi autor de algumas

descobertas sobre tiro e fortificações. Por causa delas, sonhava conseguir

recompensa do comandante militar de Milão. Esta foi a isca usada por Cardano para

atraí-lo.

Girolamo Cardano era um personagem rico em facetas contraditórias e

em talentos vários. Sua vida lhe trouxe alternâncias de fama, fortuna, prestígio,

desgraça familiar, severas punições e pobreza. Era médico, astrônomo, astrólogo,

56

matemático, filósofo, jogador inveterado e um incansável investigador, cuja

curiosidade e interesse por todos os tipos de conhecimento não tinham limites.

Escreveu muitos livros sobre todos esses assuntos (mais de cem!), inclusive uma

interessantíssima e reveladora autobiografia. Tendo conseguido melhorar vários

assuntos tratados por Pacioli, Cardano pretendia publicar um livro de Álgebra,

ajudado por seu fiel discípulo Ludovico Ferrari (1522−1565).

Cardano usou de todos os meios para atrair Tartaglia a sua casa e lá,

mediante promessa de guardar segredo, obteve dele em 1539, a regra para resolver a

equação qpxx =+3 , dada sob forma de versos e um tanto enigmáticos, sem

nenhuma indicação de prova. Tal atitude não é tão estranha quanto pode parecer a

princípio; devemos lembrar que, na época, os autores não dispunham ainda de uma

notação adequada para tratar as equações em sua generalidade, não podiam, portanto,

expressar seus métodos resumidamente mediante fórmulas, como fazemos hoje.

No sentido de exemplificar e corroborar com a importância da

simbolização para a evolução da matemática, que abordamos no Capítulo 1,

reproduziremos, a seguir, em três colunas, o método que Tartaglia confiou a Cardano

na seguinte ordem: 1.ª coluna – os versos originais, tal como transcritos na página

120 da edição de 1554 dos Quesiti et inventioni diverse, de Tartaglia, que teve, em

1559, na Brescia, uma publicação comemorativa do IV centenário de sua morte; 2.ª

coluna – a tradução desses versos em língua portuguesa; 3.ª coluna – a transcrição

para o nosso simbolismo atual.

1.º Caso: Cúbica da forma qpxx =+3 Quando che’l cubo com le cose appresso Se agguaglia a qualche número discreto Trovati dui altri differenti in esso.

Quando o cubo com a coisa em apreço Se igualam a qualquer número discreto Acha dois outros diferentes nisso

x3 + px x3 + px = q A – B = q

Depoi terrai questo por consueto: Che’l lor produtto sempre sia eguale Al terzo cubo delle cose neto,

Depois terás isto por consenso: Que seu produto seja sempre igual Ao cubo do terço da coisa certa

3

3⎟⎠⎞

⎜⎝⎛=×

pBA

El resíduo poi suo generale Delli lor lati cubi ben sotratti Varrà la tua cosa principale.

Depois, o resíduo geral Das raízes cúbicas subtraídas Será tua coisa principal

⎪⎩

⎪⎨⎧

=⋅

=−

27

3pBA

qBA

x = 33 BA −

57

2.º Caso: Cúbica da forma qpxx +=3 In el secondo de coiesti aiti Quando che’l cubo restasse lui solo Tu osserverai quesfaltri contratti,

Na segunda dessas operações Quando o cubo está sozinho Observará estas outras reduções

2.º caso da cúbica

qpxx +=3

Del número farai due tal parfa volo Cha l’uno in l’altro si produca schietto El terzo cubo delle cose in stelo

Do número farás dois, de tal forma Que um e outro produzam exatamente O cubo da terça parte da coisa

A – B = q 3

3⎟⎠⎞

⎜⎝⎛=×

pBA

Dalle qual poi, per commun precetto Torrai li lati cubi incieme gionti et cotal somma será il tuo concetto.

Depois, pro preceito comum Toma o lado dos cubos juntos E a soma será teu conceito

x = 33 BA −

3.º Caso: Cúbica da forma pxqx =+3 El terzo poi de questi nostri conti Se solve con secondo se ben guardi Che ser natura son quasi congionti.

Depois, a terceira de nossas contas Se resolve como a segunda, se observas bem Que suas naturezas são quase idênticas

O terceiro caso re-solve-se recorrendo ao segundo

Questi trovai, et non con passi tardi Nel mille cinquecento, quatro et trinta Com fondamenti bem saldi e gagiardi Nella città dal maré intorno centa.

Isto eu achei, e não com passo tardo No mil quinhentos e trinta e quatro Com fundamentos bem firmes e rigorosos Na cidade cingida pelo mar.

1534 Veneza

Vamos analisar, como ilustração, apenas o primeiro caso da solução

da equação qpxx =+3 que Tartaglia passou a Cardano, mas usando métodos e

notações modernas que nos darão uma exposição mais simples.

Seja a equação do terceiro grau qpxx =+3 , e vamos lembrar a

fórmula do cubo de um binômio:

( ) 32233 33 vuvvuuvu −+−=− .

Colocando-se em evidência o produto uv teremos:

( ) ( ) ( )333 3 vuvuuvvu −+−−=− ,

ou seja,

( ) ( ) ( )333 3 vuvuuvvu −=−+−

Se obtivermos u e v tais que

3pvu =⋅ e qvu =− 33

a expressão acima ficará:

( ) ( ) qvupvu =−+− 3

58

e comparando com a expressão inicial qpxx =+3 , percebemos que x = u – v será

uma solução desta equação. Portanto para resolvermos a equação proposta devemos

resolver o sistema

⎪⎩

⎪⎨⎧

=−

=⋅

qvu

pvu

333

pois achando u e v teremos x, uma vez que x = u – v.

Para resolver o sistema, elevamos na primeira equação os dois termos ao cubo e

teremos

⎪⎩

⎪⎨

=−

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛=⋅

qvu

pvu

33

333

3

fazendo u3 = U e v3 = V teremos:

⎪⎩

⎪⎨

=−

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛=⋅

qVU

pVU3

3

Dessa forma U e −V são raízes da equação

03

32 =⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛−+−

pqXX que são:

23

43

2 ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−−±

=

pqqX =

32

322⎟⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛±

pqq

Uma dessas raízes é U e a outra é −V e como u = 3 U , v = 3 V e x = u – v, teremos a

solução enunciada por Tartaglia:

x = 3 U – 3 V

Finalmente, substituindo U e V pelos seus respectivos valores resulta a conhecida

fórmula que, nos textos, é chamada de fórmula de Cardano ou de Tartaglia:

332

332

322322⎟⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛−+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+=

pqqpqqx .

59

Depois da visita de Tartaglia, Cardano, com algum esforço, conseguiu

demonstrar a validade da regra para resolver a equação qpxx =+3 . Naquela época,

não era costume concentrar os termos da equação no primeiro membro, deixando

apenas zero depois do sinal de igualdade. Nem se percebia que uma equação sem o

termo x2 é o mesmo que ter o mesmo termo com coeficiente zero.

A equação geral do terceiro grau, que podemos escrever na forma:

0322

13 =+++ axaxax ,

pode-se reduzir ao caso acima, mediante a mudança de variável 31ayx −= . Essa

redução era conhecida por Tartaglia, mas não por Fiore, e foi justamente esse fato

que determinou a vitória do primeiro. Isso significa que, na verdade, Tartaglia

conhecia um método geral para resolver qualquer equação do terceiro grau.

Vejamos esse caso:

Considerando a equação: 0322

13 =+++ axaxax

fazendo 31ayx −= vem:

0333 31

2

21

1

31 =+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ −+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ −+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ − aayaayaay

3y − 3 ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

312 ay + 3

21

3⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ ay −

31

3⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ a + 2

31

212

1 332 aayya +− + 3

212 3

aaaya +− = 0

32

31

31

2

21

213

3332

33 aaayaaay −−⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛=⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+−⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+ e esta equação é o mesmo que:

qpyy =+3 .

Os estudos de Cardano, feitos com a colaboração de Ferrari, o qual

obteve a solução por radicais da equação do quarto grau, conduziram a importantes

avanços na teoria das equações, como o reconhecimento de raízes múltiplas em

vários casos, relações entre coeficientes e raízes, e aceitação de raízes negativas,

irracionais e imaginárias. (Por esses dois últimos nomes pode-se perceber a má

vontade secular para considerá-las. Cardano, entretanto, nunca enunciou

explicitamente que uma equação qualquer do terceiro grau deve ter três raízes e uma

60

do quarto grau quatro raízes. Isto foi feito depois, por Bombelli.) Todos esses

progressos eram razões mais do que suficientes para a publicação de um livro sobre o

assunto. Mas isso ele estava impedido de fazer em virtude de seu juramento a

Tartaglia.

Entretanto, em 1542, Cardano e Ferrari visitaram Bolonha e lá

obtiveram permissão de Della Neve para examinar os manuscritos deixados por del

Ferro, entre os quais estava a solução da equação qpyy =+3 . O juramento de

Cardano o proibia de publicar a solução de Tartaglia mas não a de del Ferro, obtida

muito antes. Por isso, ele se considerou desobrigado de qualquer compromisso e

voltou, com energia, à preparação de seu grande livro Ars Magna, que foi publicado

em 1545. O aparecimento dessa notável obra foi recebido favoravelmente pelos

entendidos, mas provocou reação bem desfavorável de Tartaglia.

No entanto, no ano seguinte (1546) Tartaglia publica os Quesiti et

invetioni diversi, livro já mencionado acima, no qual ele, além de apresentar soluções

para vários problemas que lhe foram propostos, descreve fatos autobiográficos e

conta a história de suas relações com Cardano, atacando-o asperamente pela quebra

de um solene juramento. Nas situações de controvérsia, quase sempre ocorre que

cada uma das partes tem razão em alguns pontos e não em outros. Vimos acima as

razões de Cardano. As razões de Tartaglia, a História comprova. Por muitos séculos,

a fórmula da equação do terceiro grau foi conhecida como fórmula de Cardano, por

ter sido publicada pela primeira vez na Ars Magna, muito embora Cardano tenha

indicado as fontes e referindo-se a del Ferro, Antonio Fiore e Tartaglia,

demonstrando uma postura ética inquestionável, o que o iliba da acusação de plágio.

Se a fórmula fosse publicada num livro de Tartaglia, a posteridade certamente a

conheceria por seu nome. Assim, Tartaglia tinha seus motivos para zanga. Apesar

disso, historicamente, a fórmula da equação do terceiro grau é conhecida como

fórmula de Tartaglia-Cardano.

A publicação dos Quesiti foi respondida por um panfleto de Ferrari,

em 1557, em defesa do seu mestre, o que provocou uma réplica de Tartaglia,

iniciando-se uma polêmica que durou mais de um ano (fevereiro de 1547 a julho de

1548) e produziu doze panfletos (seis de cada autor), conhecidos como Cartelli di

Sfida Mathematica (Sfida significa disputa). No final, Tartaglia aceitou o desafio

61

para um debate matemático contra Ferrari em Milão. Cardano manteve-se sempre

fora da briga, apesar das provocações de Tartaglia. O resultado do debate não ficou

muito claro, mas as autoridades universitárias, em Brescia, para onde Tartaglia

acabara de transferir-se, não ficaram satisfeitas com seu desempenho e cortaram seu

contrato. Ele regressou a Veneza, onde morreu humilde, obscuro, nove anos depois.

AS QUANTIDADES IMPOSSÍVEIS OU IMAGINÁRIAS

Rigorosamente, uma equação era vista como a formulação matemática

de um problema concreto; assim, caso no processo de resolução aparecesse uma raiz

quadrada de um número negativo, isso era interpretado apenas como uma indicação

de que o problema originalmente proposto não tinha solução. Como veremos adiante,

as equações do terceiro grau impuseram a necessidade de trabalhar-se com os

números imaginários.

Vejamos inicialmente alguns antecedentes. Um primeiro exemplo

dessa atitude aparece na Arithmetica, de Diophanto. Aproximadamente no ano de

275 d.C., ele considerou o seguinte problema:

Um triângulo retângulo tem área igual a 7 e seu perímetro é de 12 unidades. Encontre o comprimento dos seus lados.

Solução:

Chamando x e y o comprimento dos catetos desse triângulo, temos, na nossa notação

atual:

721

=xy ; ( )222 12 yxyx −−=+ .

Substituindo y em função de x, obtemos a equação:

033617224 2 =+− xx , cujas raízes são 12

16743 −±=x .

Nesse ponto Diophanto observou que só poderia haver solução se 336242

172 2

×≥⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ .

Nesse contexto, é claro que não há necessidade alguma de introduzir um sentido para

a expressão 167− .

Na verdade, o primeiro registro de um radical de um número negativo

é um pouco anterior: ele aparece na Stereometria de Heron de Alexandria (10−75

62

aproximadamente), matemático grego do período Alexandrino, publicada

aproximadamente em 75 d.C. Num cálculo sobre o desenho de uma pirâmide surgiu

a necessidade de avaliar 14481− . A questão parece não causar nenhum problema

simplesmente porque logo em seguida os números apresentaram-se trocados:

81144− , resultando 63 , que foi calculado como aproximadamente igual a 16157 .

Encontram-se novas referências à questão na matemática indiana.

Aproximadamente no ano 850 d.C., o matemático Mahavira ou Mahaviracharia

(800−870) afirmou: “[...] como na natureza das coisas um negativo não é um

quadrado, ele não tem, portanto, raiz quadrada.”

Já no século XII o famoso matemático Bhaskara (1114−1185

aproximadamente) escreveu: “O quadrado de um afirmativo é afirmativo; e a raiz

quadrada de um afirmativo é dupla: positiva e negativa. Não há raiz quadrada de um

negativo, pois ele não é um quadrado.”

Também na matemática européia aparecem observações dessa

natureza quando o frade Lucca Pacioli (1445−1514) em sua Summa de Arithmetica,

Geometrica, Proportioni et Proportionalita, publicada em 1494, escreveu que a

equação bxcx =+2 é solúvel somente se cb ≥2

41 ; o matemático francês Nicolas

Chuquet (1445−1500 aproximadamente) fez observações semelhantes sobre soluções

impossíveis num manuscrito, não publicado, de 1484.

O próprio Cardano deparou-se com esse tipo de questão e, embora

mantivesse a atitude dos seus contemporâneos, no sentido de entender que raízes

quadradas de números negativos indicavam apenas a não-existência de soluções de

um determinado problema, pelo menos em um caso ele deu um passo a mais. No

capítulo 37 do Ars Magna, ele considerou o problema de dividir um segmento de

comprimento 10 em duas partes cujo produto seja 40.

Se chamarmos de x o comprimento de uma das partes, a outra terá

comprimento 10 – x, e a condição do problema traduz-se na equação:

x 10 − x

63

( ) 4010 =− xx

Isso leva à equação 040102 =+− xx , cujas soluções são

155 −±=x . Cardano reconheceu que o problema dado não tem solução, mas

talvez a título de curiosidade, observou que, trabalhando com essas expressões como

se fossem números, deixando de lado as torturas mentais envolvidas e multiplicando

155 −+ por 155 −− , obtém-se 25 – (–15), que é igual a 40.

Em conseqüência, ele chamou essas expressões de raízes sofísticas da

equação e afirmou a respeito delas: são tão sutis quanto inúteis (CARDANO, 1993,

p.220).

Rafael Bombelli (1526−1572) era um admirador da Ars Magna de

Cardano, mas achava que seu estilo de exposição não era claro. São suas as palavras:

Cardano Milanês, na sua arte magna, onde sobre esta ciência muito disse, foi

obscuro nas suas palavras (BOMBELLI, 1966, p.9). Decidiu, então, escrever um

livro expondo os mesmos assuntos, mas de forma tal que um principiante pudesse

estudá-los sem necessidade de nenhuma outra referência.

Publicou, em 1572, em Veneza, l’Algebra, em três volumes, obra que

se tornou muito influente. No Capítulo II dessa obra, ele estudou a resolução de

equações de grau não superior a quatro. Em particular na página 294 e nas seguintes,

ele considerou a equação 4153 += xx . Ao aplicar a fórmula de Cardano para o

cálculo de uma raiz, ele obteve:

33 12121212 −−+−+=x .

Seguindo Cardano, ele também chamou essa expressão de sofística,

mas, por outro lado, ele percebeu que x = 4 era, de fato, uma raiz da equação

proposta.

Assim, pela primeira vez, deparou-se com uma situação em que,

apesar de se ter raiz quadrada de números negativos, existia verdadeiramente uma

solução da equação proposta que a fórmula aparentemente não forneceu. Era

necessário, então, compreender o que estava acontecendo.

Bombelli concebeu então a possibilidade de que existia uma expressão

da forma ba −+ que poderia ser considerada como a raiz cúbica de 1212 −+ ,

64

isto é, ( ) 12123

−+=−+ ba . A forma em que ele calculou essa raiz é um tanto

peculiar; ele assumiu que a raiz cúbica de 1212 −− fosse da forma ba −− .

Como ele sabia que 4 era a raiz da equação, necessariamente ba −+ + ba −− =

4. Nesse ponto, felizmente, as quantidades não existentes cancelam-se e obtemos

2=a . Tendo esse resultado, voltou à equação ( ) 12123

−+=−+ ba e encontrou

b da seguinte maneira:

( ) 12123

−+=−+ ba

=−−−−+ bbbb 6128 1212 −+

=−−−−+ 161128 bbbb 1112 −+

Da igualdade vem:

⎩⎨⎧

=−

=−

1112

268

bbb

b e daí b = 1

Dessa maneira Bombelli obteve que 3 1212 −+ = 12 −+ e, analogamente,

3 1212 −− = 12 −− . Portanto:

33 12121212 −−+−+=x

x = 12 −+ + 12 −− = 4

era uma solução da equação dada.

Bombelli (1966, p.133) percebeu claramente a importância desse achado. E afirmou:

Eu achei uma espécie de raiz cúbica muito diferente das outras, que aparece no capítulo sobre o cubo igual a uma quantidade e um número. ... A princípio, a coisa toda me pareceu mais baseada em sofismas que na verdade, mas eu procurei até que achei uma prova... . Isso pode parecer muito sofisticado, mas, na realidade, eu tinha essa opinião, e não pude achar a demonstração por meio de linhas (isto é, geometricamente), assim, tratarei da multiplicação dando as regras para mais e menos.

65

Bombelli utilizou a expressão piú di meno para referir-se ao que

denotaríamos por +i e meno di meno para −i. Ele enunciou então o que chamou de

regras do produto, que citamos, a seguir, junto com sua tradução, na nossa atual

simbologia:

Piú via piú di meno fa piú di meno ( ) ii +=+⋅+

Meno via piú di meno fa meno di meno ( ) ii −=+⋅−

Piú via meno di meno fa meno di meno ( ) ii −=−⋅+

Meno via meno di meno fa piú di meno ( ) ii +=−⋅−

Piú di meno via piú di meno fa meno ( ) ( ) −=+⋅+ ii

Meno di meno via piú de meno fa piú ( ) ( ) +=+⋅− ii

Meno di meno via meno di meno fa meno ( ) ( ) −=−⋅− ii

É interessante notarmos que Bombelli se deparava com a dificuldade

adicional de não dispor de uma boa notação. Ele utilizava p (plus) para indicar a

soma; m (minus) para a subtração; R (radix) para raiz quadrada e R3 para a raiz

cúbica. Também não dispunha de parênteses; nos seus manuscritos sublinhava

expressões para indicar quais os termos afetados por um radical. Assim, por

exemplo, a expressão 3 1212 −+ era escrita na forma

121023 mpRR .

Notemos que ele não escrevia diretamente os números negativos; ele

escreveu −121 como 0 – 121.

Vejamos mais alguns exemplos da notação de Bombelli:

Notação moderna Publicado por Bombelli Manuscrito de Bombelli

5x 1

5∪

1

5∪

5x2 2

5∪

2

5∪

64+ ⎣ ⎦64 pRqRq 64 pRR

3 12102 −+ ⎣ ⎦⎣ ⎦12102 mpRqRc 121023 mpRR

66

Segundo Boyer (1996), a resolução das equações cúbica e quártica foi

talvez a maior contribuição à álgebra desde que os babilônios, quase quatro milênios

antes, aprenderam a completar quadrado para equações quadráticas. Nenhuma

descoberta constitui um estímulo para o desenvolvimento da álgebra comparável a

essas reveladas na Ars Magna. A resolução das equações cúbicas e quárticas não foi

em nenhum sentido motivada por considerações práticas, nem tinham valor para os

engenheiros ou praticantes de matemática. Soluções aproximadas de algumas

equações cúbicas já eram conhecidas na antigüidade, e o matemático árabe al-Kashi

(1390-1450), um século antes de Cardano, podia resolver com qualquer grau de

aproximação qualquer equação cúbica resultante de um problema prático. A fórmula

de Tartaglia-Cardano é de grande importância lógica, mas não é tão útil para as

aplicações quanto os métodos de aproximações sucessivas.

Boyer continua afirmando que o mais importante resultado das

descobertas publicadas na Ars Magna foi o enorme impulso dado à pesquisa em

álgebra em várias direções. Era natural que o estudo fosse generalizado de modo a

incluir equações polinomiais de qualquer ordem e que em particular se procurasse

resolver a quíntica. Os matemáticos dos dois séculos seguintes enfrentaram um

problema algébrico insolúvel, comparável aos problemas geométricos clássicos da

antigüidade. Resultou muito boa matemática, mas somente uma conclusão negativa.

Outro resultado imediato da resolução da equação cúbica foi a primeira observação

significativa de uma nova espécie de número. Os números irracionais já tinham sido

aceitos no tempo de Cardano, embora não tivessem base firme, pois eram

aproximáveis por números racionais. Os números negativos causaram dificuldades

maiores porque não são aproximáveis por números positivos, mas a noção de sentido

sobre uma reta tornou-os plausíveis. Cardano usou-os embora chamando-os “numeri

ficti”. Se um algebrista desejava negar a existência dos números irracionais ou

negativos, dizia simplesmente, como os gregos antigos, que as equações x2 = 2 e

x + 2 = 0 não são resolúveis. Semelhantemente, os algebristas tinham podido evitar

os imaginários, simplesmente dizendo que uma equação como x2 + 1 = 0 não é

resolúvel. Não havia necessidade de considerar raízes quadradas de números

negativos. Porém, com a solução da equação cúbica, a situação mudou radicalmente.

Sempre que as três raízes de uma equação cúbica são reais e diferentes de zero a

67

fórmula de Tartaglia-Cardano leva inevitavelmente a raízes quadradas de números

negativos. Sabia-se que o alvo era um número real, mas ele não podia ser atingido

sem que se compreendesse alguma coisa sobre os números imaginários. Era agora

necessário levar em conta os imaginários mesmo que se concordasse em só aceitar as

raízes reais.

É notório que com seu engenhoso raciocínio, que mostramos

anteriormente, Bombelli mostrou o papel importante que os números imaginários

conjugados iriam desempenhar no futuro; mas na época a observação não ajudou na

operação efetiva de resolver equações cúbicas, pois Bombelli precisava saber

antecipadamente o valor de uma das raízes. Mas então a equação já está resolvida, e

não precisaria da fórmula; sem o conhecimento de uma das raízes o método de

Bombelli falha. Qualquer tentativa de achar algebricamente as raízes cúbicas dos

números imaginários na regra de Tartaglia-Cardano leva à própria equação cúbica,

em cuja resolução as raízes cúbicas aparecem, de modo que se volta ao ponto de

partida. Esse impasse surgia sempre que as três raízes fossem reais, caso conhecido

como “irredutível”. Aqui uma expressão para a incógnita é de fato fornecida pela

fórmula, mas a forma em que aparece é inútil para quase todos os fins.

Um outro exemplo corrobora com o status que esses números

detinham na época: é o do matemático suíço Leonhard Euler (1707−1783),

considerado o mais prolífico matemático de todos os tempos, compreendia e

utilizava muito bem os números imaginários, apesar de ele próprio ter grandes

dúvidas quanto à sua legitimidade. Em Vollständige Anleitung zur Álgebra (Instrução

Completa sobre Álgebra), publicada primeiro em russo, em 1768-69, e depois em

alemão, em 1770, que se tornou uma referência clássica nessa área nos dois séculos

seguintes, Euler escreveu:

Uma vez que todos os números concebíveis são maiores do que 0, ou menores do que 0 ou iguais a 0, é claro que a raiz quadrada de um número negativo não pode ser incluída entre os números possíveis. Conseqüentemente, devemos dizer que estes são números impossíveis. E esta circunstância nos conduz a tais números, que por sua natureza são impossíveis, e que são chamados costumeiramente de imaginários, pois eles só existem na imaginação.

68

Fica evidente, neste capítulo, que a raiz quadrada de um número

negativo não fora um problema em uma época específica e, muito menos, de uma

situação em particular. É possível verificarmos na história fatos em que tais raízes

apareceram, causaram grandes preocupações por serem heterodoxas no contexto,

mas que em determinada época foram simplesmente ignoradas, em outra,

desprezadas e, no Renascimento, um pouco mais discutidas e trabalhadas, e, apesar

de chegarem ao ponto de dominarem as manipulações simbólicas ora desenvolvidas,

perdurava a dúvida sobre a legitimidade desses entes que acabamos, neste capítulo,

denominando mais largamente de números imaginários.

Apesar de todos os trabalhos desenvolvidos, a necessidade de tornar

os números imaginários legítimos ainda imperava, parecendo faltar um elo que

realmente proporcionaria o significado tão almejado. No capítulo seguinte,

buscaremos apresentar o elo que faltava para que os números imaginários

definitivamente fossem aceitos.

CAPÍTULO 3

70

REPRESENTAÇÃO GEOMÉTRICA: O ELO

LEGITIMADOR DOS NÚMEROS IMAGINÁRIOS

No início do século XIX, começou uma nova época áurea da

geometria, a qual se amplia de uma geometria de figuras para uma geometria do

espaço. Johann Carl Friedrich Gauss (1777−1855) foi o primeiro que buscou explicar

como a matemática pura seria possível, criando-se uma nova idéia do espaço

diferentemente do espaço empírico. Como observa Andrei Nikolaevich Kolmogorov

(1903−1987):

Toda a área de matemática onde a continuidade tem uma atuação, parece se tornar geometria, porque qualquer conjunto de objetos matemáticos (funções, por exemplo) em que relações topológicas podem ser impostas, pode ser chamado um espaço. Com esta geometrização da matemática a geometria como uma disciplina independente, que se colocava em certa oposição ao resto da matemática, começa a desaparecer. (Comunicação oral de M. OTTE.)

Com essa idéia do espaço, os matemáticos ganharam um novo instrumento para

assegurar a existência dos seus objetos. A representação geométrica foi, portanto,

uma necessidade de realizar geometricamente os objetos matemáticos controversos,

como as raízes quadradas de números negativos e, por isso, em poucos anos, muitos

matemáticos independentes (não profissionais) como Caspar Wessel (1745−1818),

Adrien Quentin Buée (1748−1826), Jean Robert Argand (1768−1822), Hermann

Günther Grassmann (1809−1877) entre outros, tiveram a idéia de ganhar a existência

dos números imaginários à base da geometria plana. Foi o trabalho de duas gerações

para se esclarecer a natureza dos números imaginários.

É oportuno salientarmos que os números imaginários não foram

aceitos como entidades matemáticas legítimas pela maioria dos matemáticos até o

século XIX. Como já fora dito, é justamente nesse século, por meio do esforço de

alguns dos matemáticos não profissionais, citados anteriormente, trabalhando

independentemente na busca de uma representação geométrica para tais números,

que esses foram aceitos por toda comunidade científica, mais ainda, foram as

71

sucessivas tentativas de estender essa representação a três dimensões que levou Sir

Willian Rowan Hamilton (1805−1865) a descobrir os quatérnios.

Vamos, nesse capítulo, buscar apresentar um pouco dessa idéia,

discorrendo, em linhas gerais, sobre esses matemáticos independentes, dando um

destaque maior aos dois primeiros nomes, pois as semelhantes representações

geométricas de ambos, essencialmente, fora a mesma representação geométrica

introduzida por Gauss, em 1831, quando formulou precisamente a “equivalência

matemática da Geometria Plana ao domínio do número complexo”.

CASPAR WESSEL

Caspar Wessel (1745−1818), norueguês, nascido na cidade de Vestby,

atualmente Dröbak, era um agrimensor e não um matemático profissional. Sua

inovação em um problema que deixou muitas mentes brilhantes perplexas, na

realidade, foi motivada pelos problemas práticos que enfrentava diariamente fazendo

mapas. Não havia nenhuma tradição familiar em matemática para guiá-lo, pois seu

pai e seu avô eram homens do pano (clérigos). Foi o seu trabalho que o inspirou para

o sucesso.

Embora Wessel fosse um dos treze filhos, e conseqüentemente as

finanças da família deviam ser limitadas, ele recebeu uma boa educação na escola

secundária, seguido por um ano na Universidade de Copenhague. Ainda adolescente

(1764), ele deixou a vida acadêmica e iniciou seu trabalho como cartógrafo, sendo

um assistente da Comissão de Pesquisa da Dinamarca operada pela Academia Real

de Ciências da Dinamarca. Pesquisar seria o trabalho da sua vida ⎯ embora, em

1778, por alguma razão, ele passasse no exame de Direito Romano da Universidade

de Copenhague ⎯ e antes de 1798, fora promovido a supervisor. Em 1805, ele

aposentou-se, mas continuou trabalhando por vários anos antes do reumatismo forçá-

lo realmente a parar. Ele era considerado um exímio agrimensor e recebeu uma

medalha de prata da Academia Real de Ciências da Dinamarca pelo trabalho

cartográfico feito para o governo francês.

Ainda que muito respeitado como agrimensor, ele não era a pessoa

mais indicada para apresentar um trabalho (no dia 10 de março de 1797, pouco antes

do seu 52.° aniversário) intitulado Om Directionens Analytiske Betegning (Sobre a

72

Representação Analítica de Direção: Uma Tentativa), publicado no volume V, em

1799, na Coleção da Academia Real de Ciências da Dinamarca. Wessel era

conhecido por ter sido ajudado pelo presidente da seção de ciência da Academia na

escrita do seu trabalho, cujo apoio certamente não o maculou, pois o conteúdo

intelectual era todo de Wessel. A qualidade e o mérito do seu trabalho foram

julgados tão satisfatórios que, pela primeira vez, foi aceita a publicação ⎯ em

Academy’s Memoires of 1799 (Memórias da Academia de 1799) ⎯ por um autor não

membro da Academia.

O brilhante trabalho de Wessel estava predestinado a não ter nenhum

impacto, pois foi escrito em dinamarquês e publicado em um jornal pouco lido fora

da Dinamarca. Não teve até 1895, quando foi redescoberto e finalmente reconhecido

como pioneiro. Passemos a fazer uma análise do seu trabalho.

A figura abaixo apresenta a simplicidade de Wessel para a

interpretação dos números complexos.

Para Wessel e, atualmente para nós, um número complexo é qualquer ponto a + ib no

denominado plano complexo (a e b são dois números reais) ou o vetor dirigido da

origem para aquele ponto. Escrito nessa forma, o número complexo é dito estar na

forma retangular ou cartesiana. Uma alternativa muito útil é a forma polar, escrita em

termos do comprimento do vetor e do ângulo polar que é o ângulo medido no sentido

anti-horário do eixo x para o vetor. Quer dizer, se ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛=θ −

abtan 1 , então

22 baiba +=+ ( ) ( ){ }θ+θ isencos . O comprimento do vetor, determinado por

22 ba + , é chamado módulo do número complexo a + ib. O valor do ângulo polar

0 a x

y b

a + ib

(eixo real)

(eixo imaginário)

θ

73

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−

abtan 1 é chamado de argumento de a + ib e escrito como )ibaarg( + . Mais

compactamente, pode-se escrever tudo isso na forma

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛∠+=+ −

abtan baiba 122 .

A notação ∠ para números complexos é comumente mais usada por

engenheiros elétricos, mas matemáticos, freqüentemente, também a consideram

bastante útil. Existe, porém, uma advertência relativa à forma polar de representar

números complexos que é muito importante ser lembrada. Um erro comum cometido

por estudantes que estão iniciando o aprendizado sobre a forma polar é uma falha ao

analisar que a função tangente é periódica com período de 180°, não 360°. Isto é, a

função tangente varia no intervalo completo de valores (−∞ para +∞) à medida que o

ângulo polar θ varia de −90° a 90°. Ou, expressando os ângulos em radianos (um

radiano = π°180= 57,296°), então a função tangente no intervalo completo de valores

à medida que o ângulo polar varia de 2π

− a 2π radianos. Isto significa que

substituindo aleatoriamente valores para a e b em θ = ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−

abtan 1 pode-se conduzir a

erros. Então, é preciso definir que

θ = ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−

abtan 1 , quando a > 0,

isto é, o número complexo está no primeiro ou no quarto quadrante, e

θ = 180° + ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−

abtan 1 , quando a < 0,

isto é, o número complexo está no segundo ou no terceiro quadrante.

Recordamos que os quadrantes do plano são numerados no sentido

anti-horário, e o primeiro, é o quadrante onde a e b são positivos.

Como Wessel foi conduzido ao então modo padrão de representar os

números complexos? Wessel começou o seu trabalho descrevendo o que hoje é

74

denominado adição de vetor. Isto é, se dois segmentos de reta dirigidos estiverem ao

longo do eixo x (talvez em direções opostas), então para somá-los situamos o ponto

de partida de um ao ponto de chegada do outro, e a soma é o segmento de reta

dirigido resultante que se estende do ponto inicial do primeiro segmento ao ponto

final do segundo. Wessel disse que a soma de dois segmentos não paralelos deveriam

seguir a mesma regra. Dessa forma ele criou o cálculo vetorial (veja também,

CROWE, M. J. A HISTORY OF VETCTOR ANALYSIS. New York: Dover, 1985).

Esse procedimento é apresentado na figura a seguir:

Não existe nada de novo até aqui, porque John Wallis (1616−1703) já havia

expressado idéias semelhantes de como somar segmentos de reta dirigidos. A

contribuição original de Wessel foi mostrar como multiplicar tais segmentos.

Wessel descobriu como multiplicar segmentos de reta fazendo uma

generalização inteligente do comportamento de números reais. Ele observou que o

produto de dois números (por exemplo, 3 e −2, com um produto de −6) tem a mesma

razão para cada fator assim como o outro fator tem para 1. Isto é, 122

36 −

=−=− , e

133

26

==−− . Assim, assumindo existir uma unidade para segmento de reta dirigido,

Wessel argumentou que o produto de dois segmentos de reta dirigidos deveria ter

duas propriedades. Primeira, e imediatamente análoga à dos números reais, o

comprimento do produto deveria ser o produto do comprimento de cada segmento de

reta.

z w x y x y

x w

+ =

= x z

= +

x y

z

w

x y

z

w

75

Mas qual a direção do produto? Esta segunda propriedade é a

contribuição seminal de Wessel: por analogia de tudo que foi feito anteriormente, ele

disse que o produto do segmento de reta deveria diferir em direção de cada fator de

segmento de reta pelo mesmo valor angular, assim como o outro fator do segmento

de reta difere em direção quando comparado ao segmento de reta unitário dirigido.

Assim, suponha que o segmento de reta unitário dirigido aponte da esquerda para a

direita com ângulo de 0°, isto é, ao longo do eixo x positivo. Então, se tivermos dois

segmentos de reta para serem multiplicados um com o outro, um com ângulo θ e o

outro com ângulo α, o ângulo produto deve ser a soma θ + α porque θ + α difere de

θ por α (o ângulo pelo qual o segmento com ângulo θ difere do segmento unitário).

Isso é talvez tão elementar ou até óbvio atualmente, que parece

infantil escrevermos isto por extenso com tantas palavras, mas não nos iludamos. Se

acharmos que isso é “óbvio”, estaremos confundindo algo conhecido por muito

tempo, talvez desde a escola secundária, com algo que todos nascem sabendo, e, no

entanto, teve que ser descoberto ou inventado, dependendo de como se vê a evolução

da matemática, e Wessel foi o primeiro a ver como se fazia isso.

Com apenas essas poucas, mas brilhantes percepções de Wessel,

podemos fazer alguns cálculos extraordinários. Mostraremos apenas três. Primeiro o

que é ( )176230 ,i, + ? Isso parece a princípio bem complexo, mas observemos que

( ) ( ) °∠=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛∠+=+ − 4180558361725052

306262306230 122 ,,,,tan,,,i, .

Já que ( )176230 ,i, + significa ter ( )6230 ,i, + multiplicado por ele mesmo dezessete

vezes, então as regras de Wessel dizem para elevar a magnitude ou módulo à décima

sétima potência e multiplicar o ângulo polar ou argumento por dezessete. Isto é,

( ) ( ) ( ) .,. ,. ,,,i, °∠=×°∠=+ 10614181322687121741805583617250526230 1717

Esse é um número complexo no quarto quadrante, que pode ser visto simplesmente

subtraindo tantas vezes 360° ⎯ com cada vez de 360° representando uma volta

completa sobre a origem ⎯ até que se chegue num ângulo menor que 360º. Desse

modo,

76

( ) °∠=+ 1061338322687126230 17 ,,.,i,

= 12.687,322∠−21,893915°

= 12.687,322{cos (−21,893915°) + i sen (−21,893915°)}

= 11.772,300 – i 4.730,800.

Antes de Wessel, esse cálculo teria exigido multiplicar ( )6230 ,i, + por ele mesmo

dezessete vezes, e os detalhes teriam levado muitas pessoas à loucura.

Aqui está outro cálculo, até mais surpreendente, baseado na idéia de

Wessel de adicionar ângulos. Considere o produto ( )( ) .iii 5532 +=++ Usando como

unidade de ângulo o radiano, o ângulo do produto é ( )4

155 11 π

==⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −− tantan . Os

ângulos dos dois fatores da esquerda são semelhantemente a ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−

211tan e ⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛−

311tan .

Assim, temos imediatamente que

431

21 11 π

=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ −− tantan ,

um resultado que pode ser facilmente verificado em uma calculadora científica

configurada em modo radiano. Para deduzir mais diretamente essa fórmula, pode-se

multiplicar do mesmo modo ( ) ( )ii +−+ 2395 4 para obter

42391

514 11 π

=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ −− tantan .

Depois da multiplicação, encontraremos que o produto é um número do terceiro

quadrante, com ângulo 4

5π radianos, e não 4π radianos. Isso pode, a princípio,

confundir-nos, mas nesse caso, provavelmente não depois de observarmos que o

fator ( )i+− 239 está no segundo quadrante e, portanto, tem ângulo

⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−π −

23911tan radiano. Depois de agruparmos os termos observaremos, que os

três termos do lado esquerdo da identidade somam 4

15π− radianos, que é o ângulo do

77

segmento de reta direcionado no primeiro quadrante com um ângulo de 4π radianos

(lembremos que o sinal de menos indica que se deve girar à direita do eixo real

positivo, isto é, no sentido horário).

E finalmente, multiplicando-se ( )( )iqpqpiqp +++++ 12 , onde p e q

é qualquer par de números reais, podemos facilmente deduzir a famosa identidade

( ) ( ) ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=

⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

+++

⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

+−−−

ptan

pqpqtan

qptan 1

11 1

211 .

Sem números complexos e a idéia de Wessel de somar os ângulos, deduzir esta

identidade seria um problema muito mais difícil.

Desde Wessel, então, multiplicar simultaneamente dois segmentos de

reta dirigidos significou a operação de duas etapas de multiplicar os dois

comprimentos sempre tomados como positivos e adicionar os dois ângulos de

direção. Essas duas operações determinam o comprimento e o ângulo de direção do

produto, e é essa definição de produto que explica o significado geométrico de 1− .

Isto é, suponha existir um segmento de reta direcionado que representa 1− , e que o

seu comprimento é l e sua direção o ângulo θ. Matematicamente, então, afirma-se

que 1− = l ∠ θ. Multiplicando-se essa afirmação por ela mesma, isto é, quadrando-

se ambos os lados temos −1 = l2 ∠ 2θ ou, como −1 = 1 ∠ 180°, então l2 ∠ 2θ = 1∠

180°. Assim, l2 = 1 e 2θ = 180°, e então l = 1 e θ = 90°. Isto diz que 1− é o

segmento de reta dirigido de comprimento um apontando diretamente para cima ao

longo do eixo vertical ou, finalmente,

i = 1− = 1 ∠ 90°.

Historiadores geralmente creditam a Wessel como sendo o primeiro a

associar um eixo perpendicular real com o eixo de imaginários. Porém, há indícios

que essa idéia já estava sendo utilizada antes de Wessel. Existe uma nota num folheto

de propaganda, por exemplo, fundamentada em um livro (1847) do grande físico e

matemático francês Augustin-Louis Cauchy (1789−1857), que já em 1786, Henri

Dominique Truel (“um modesto estudante”, escreveu para Cauchy) tinha

78

representado valores imaginários por um eixo perpendicular e, por um eixo

horizontal, valores reais. No entanto, nada é conhecido de Truel e parece que nunca

publicou seus resultados, qualquer que possam ter sido. E existem colocações nas

escritas de Gauss que ele tinha trabalhado sobre a mesma idéia já em 1796, mas

também não publicou nada naquela época. Foi Wessel o primeiro a apresentar suas

idéias em um foro público.

Vejamos como a idéia de Wessel é simples. Multiplicando-se por

1− é, do ponto de vista geométrico, simplesmente uma rotação de 90° no sentido

anti-horário. Na figura a seguir, por exemplo, o vetor que representa o número

complexo iba + é apresentado no primeiro quadrante do plano complexo

( )00 >> b ,a . Multiplicando esse número complexo por i, geometricamente

representamos uma rotação de 90° do vetor no sentido anti-horário, girando-o para

( ) iabibai +−=+ no segundo quadrante. Por causa dessa propriedade, 1− é

freqüentemente considerada como um operador rotação, além de ser um número

imaginário.

Como foi observado por E. T. Bell, 1986, p.234, um historiador de

matemática, a elegância e a simplicidade absoluta dessa maravilhosa interpretação

sugerem que “não existe como se confundir o que ele mesmo declarou a um místico

admirador sobre . . . a grosseria do nome ‘imaginários’”. Isto é, para não dizer, no

entanto, que essa interpretação geométrica não foi um enorme salto à frente da

compreensão humana. Realmente, isso é só o começo de muitos cálculos elegantes.

0 x

y

a + ib

−b + ia

90º

79

Por exemplo, a figura seguinte apresenta uma circunferência de raio

unitário e dois vetores raios arbitrários, um com ângulo θ e outro com ângulo α. Já

que cada vetor tem módulo unitário, seu produto terá também módulo um, com

ângulo α + θ (como mostrado).

Escrevendo, matematicamente, todos os vetores raios temos

( ) ( )θ+θ=θ∠ isencos1 ,

( ) ( )α+α=α∠ isencos1 ,

( ) ( ) ( )θ+α+θ+α=θ+α∠ isencos1 ,

e assim ( )( ) ( )θ+α∠=α∠θ∠ 111 , devemos ter

( ) ( )} ( ) ( )} ( ){{ ( )θ+α+θ+α=α+αθ+θ isencosisencosisencos .

Desenvolvendo o lado esquerdo, vem

( ) ( ) ( ) ( )} ( ) ( ) ( ) ( )} ( ){{ ( )θ+α+θ+α=αθ+αθ+αθ−αθ isencossencoscossenisensencoscos .

Dois números complexos são iguais somente se suas partes reais e

imaginárias são separadamente iguais, e então, temos imediatamente as duas

identidades trigonométricas

(−1,0) (0,0) (1,0) x

y

(0,1)

(0,−1)

θ

α

θ + α

80

( ) ( ) ( ) ( ) ( )αθ−αθ=θ+α sensencoscoscos ,

( ) ( ) ( ) ( ) ( )αθ+αθ=θ+α sencoscossensen .

Para o caso especial de α = θ, essas expressões se reduzem a

( ) ( ) ( )α−α=α 222 sencoscos e ( ) ( ) ( )αα=α cossensen 22 . É claro que tais

identidades tinham sido conhecidas muito tempo antes de Wessel; por exemplo, elas

podem ser encontradas no livro Almagesto (o maior) por Ptolomeu de Alexandria,

escrito no século II d.C., mas até a nova geometria de números complexos de Wessel

tais identidades nunca tinham sido antes tão facilmente deduzidas. Essas duas

identidades são úteis, por exemplo, para deduzir a expressão para ( )β−αtan .

Simplesmente escreve-se ( ) ( )( )β−α

β−α=β−α

cossentan , usa-se as duas identidades acima

para expandir o seno e o cosseno, e divide numerador e denominador por

( ) ( )βα coscos .

Com essa maravilhosa dedução da geometria de 1− não houve nada

que detivesse Wessel mesmo com cálculos até mais exóticos. Por exemplo,

começando com um vetor raio unitário de ângulo de direção mθ , onde m é um

inteiro, segue imediatamente que

( ) ( )θ+θ=θ∠=⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ θ+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ θ=

⎭⎬⎫

⎩⎨⎧ θ∠ isencos

misen

mcos

m

mm

11

ou, fazendo-se o processo inverso desta afirmação, ou seja, tomando-se a m-ésima

raiz,

( ) ( )}{ ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ θ+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ θ=θ+θ

misen

mcosisencos m

1.

Esse resultado não foi original de Wessel (embora essa simples e

elegante dedução tenha sido), e ficou comumente conhecido como “Teorema de De

Moivre”, depois do matemático francês-nato Abraham De Moivre (1667−1754). De

Moivre, um protestante, católico da esquerda na França, foi à Londres aos dezoito

anos de idade em busca de liberdade religiosa, e tornou-se amigo de Isaac Newton.

Em 1698, ele publicou no jornal Philosophical Transactions da Sociedade Real, e

81

mencionou que Newton reconheceu, em 1676, uma expressão equivalente à do

teorema De Moivre, e que usou para calcular as raízes cúbicas dos números

complexos que se tornou evidente com a fórmula de Cardano para o caso irredutível.

De Moivre provavelmente aprendeu essa técnica de Newton, e a usou para ganhar

seu sustento como um “solucionador de problemas matemáticos”. De Moivre era um

homem de grande talento ⎯ particularmente qualificado em teoria da probabilidade

aplicada a jogos, ele escreveu The Doctrine of Chances (A Doutrina de Chances), em

1718, e descobriu o ubíquo normal ou “em forma de sino” curva agora conhecida

pelo nome Gauss. A tradição era que o próprio Newton, freqüentemente, ao

responder as perguntas matemáticas dizia: “Perguntem ao Sr. De Moivre, ele sabe

mais sobre o que faço.” Está claro nas escritas de De Moivre que ele, de fato,

conhecia e usava o resultado anterior, mas nunca realmente publicou-o

explicitamente ⎯ que fora feito por Euler, em 1748, que chegou a esse resultado por

meios completamente diferentes.

O teorema De Moivre permitiu a Wessel calcular qualquer raiz m-

ésima de um número complexo. Em seu trabalho, por exemplo, Wessel sugere o

poder de seus resultados declarando

°∠=−+ 10214343 .

Realmente, isso está correto, mas não foram fornecidos quaisquer detalhes de como

ele chegou a isso. Provavelmente, argumentou da seguinte forma: o número

complexo abaixo do sinal da raiz cúbica é, na forma polar,

( ) ( ) °∠=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∠+=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∠+ −− 3083

1164834

4434 1122tantan .

Assim,

( ) °∠=°

∠=°∠=−+ 1023

3083081434 31

313 ,

que é, quando escrito por extenso na forma cartesiana,

( ) ( ) 34729635509696155061102102 ,i,sencos +=°+° .

82

Que esse resultado está correto pode ser comprovado simplesmente

cubando-o, uma tarefa tediosa feita facilmente com uma calculadora científica, e

observando que o resultado é, realmente, 6,928203230 + i4 = 434 i+ . Wessel

estava ciente de que, da mesma maneira que há duas raízes quadradas de qualquer

número, há m raízes m-ésimas. Assim existem três raízes cúbicas para 434 i+ .

Wessel também soube que essas raízes são separadas por ângulos iguais, isto é, se

uma raiz é °∠102 então as outras duas são °∠1302 e °∠2502 . Para ver isso,

suponha que o número complexo para o qual está calculando-se a n-ésima raiz tenha

ângulo θ. Então, obviamente, uma das raízes terá ângulo nθ porque quando elevamos

a raiz à n-ésima potência temos o número original de volta, com ângulo θ. Isto é,

desde que ângulos sejam adicionados durante a multiplicação temos θ=×θ nn

. Se

outro possível ângulo para a raiz é α, então °⋅+θ=α 360kn , onde k é algum inteiro,

isto é, adicionando qualquer número inteiro completamos 360° de rotações para θ,

não fazendo nenhuma diferença por retornar-se para θ. Deste modo,

nk

⋅+θ

=α360 . Quando k = 0, obtemos, obviamente,

=α , o ângulo da raiz. E

para k = 1, 2, . . ., n – 1 obtemos n – 1 diferentes ângulos mais para um total de n

ângulos uniformemente espaçados. Usando-se outros valores inteiros para k que são

ou negativos ou maiores que n – 1, simplesmente repetimos as raízes dadas por

valores de k ao primeiro n inteiro não-negativo, por exemplo, k = n repete a raiz dada

por k = 0.

JEAN ROBERT ARGAND

Como foi dito anteriormente, a brilhante contribuição de Wessel

simplesmente não foi lida ⎯ e não iria ser ⎯ até um século depois do fato. Porém,

as idéias de Wessel estavam “no ar” e dentro de uma década da apresentação original

do seu trabalho à Academia Dinamarquesa elas eram redescobertas. No ano 1806, na

verdade, surgiram duas publicações que, mais ou menos, avançou o plano complexo

de Wessel e sua associação do eixo vertical com o eixo dos imaginários.

83

O primeiro desses dois escritores, o suíço Jean Robert Argand

(1768−1822), teve base teórica tão improvável quanto era a de Wessel.

Essencialmente nada é conhecido a respeito do princípio da vida de Argand, mas

provavelmente ele não foi formalmente educado em matemática, pois em 1806,

quase com quarenta anos, ele estava trabalhando na obscuridade como um guarda-

livros parisiense. Em 1876, o matemático francês Guillaume-Jules Hoüel

(1823−1886) reimprimiu o folheto de Argand, e em seu prefácio introdutório diz da

sua tentativa para localizar detalhes de vida de Argand. E foi por esforços de Hoüel

que o registro de nascimento de Argand foi encontrado. Porém, ele descobriu muito

pouco mais sobre ele. Hoüel terminou seu breve resumo com as seguintes

comoventes palavras:

Se acrescentarmos a isso que, mais ou menos em 1813, Argand viveu em Paris, rue de Gentilly, No. 12, como indicado em sua própria caligrafia em uma capa de um exemplar de seu folheto, nós devemos declarar tudo que podemos aprender deste homem original, cuja vida modesta permanecerá desconhecida, mas cujos serviços para ciência Hamilton e Cauchy julgaram dignos da gratidão da posteridade. (HOÜEL, apud NAHIN, 1998, p.73.)

Apesar da sua origem humilde, em 1806, Argand teve seu trabalho

sobre números complexos ⎯ em que a idéia do módulo é primeiramente introduzida

⎯ publicado em pequena impressão por uma imprensa privada. Ele distribuiu cópias

gratuitamente para amigos e correspondentes, e nem chegou a por seu nome na capa.

Esse trabalho, intitulado Essai sur une manière de représenter les quantités

imaginaires dans les constructions géométriques (Ensaio sobre uma maneira de

representar as quantidades imaginárias nas construções geométricas), foi quase

seguramente sentenciado a desaparecer muito mais rápido que o trabalho de Wessel,

com exceção de acontecimentos subseqüentes de natureza surpreendente.

Um que recebeu cópia do trabalho de Argand foi o grande matemático

francês Adrien-Marie Legendre (1752−1833), que escreveu uma carta mencionando

isso para François Joseph Français (1768−1810), um professor de matemática cuja

educação militar o conduziu para problemas matemáticos relacionados à artilharia;

por exemplo, uso de cálculo para estudar projéteis no ar. Quando ele morreu, seu

irmão mais novo Jacques (1775−1833) herdou os documentos do irmão mais velho.

84

Jacques também tinha uma extensa educação militar e, de 1811 até sua morte, foi

professor de arte militar na Ecole Impériale d`Application du Génie et de l`Artillerie

em Metz. Também, como seu irmão mais velho, Jacques era matemático e, lendo os

documentos recebidos como herança, encontrou uma carta escrita, em 1806, por

Legendre com um folheto descrevendo a matemática de Argand ⎯ mas ele não

soube que era de Argand porque Legendre falhou em não mencionar isso na carta.

Demasiadamente estimulado pelas idéias lidas naquela carta, Jacques

publicou um artigo, em 1813, numa edição da revista Annales de Mathématiques,

apresentando o fundamento da geometria dos números complexos. No último

parágrafo desse artigo, porém, Français reconheceu sua responsabilidade com a carta

de Legendre e adicionou a persuasão da demonstração do trabalho de um autor

anônimo apresentado numa carta de Legendre. Felizmente, Argand aprendeu a lição

e sua resposta apareceu na edição seguinte da revista. A resposta de Argand foi

acompanhada de uma pequena nota de Français, em que ele declarou Argand ser o

primeiro a ter desenvolvido a geometria dos imaginários e que ele estava muito

contente por reconhecer essa prioridade (nenhum homem, é claro, tinha ouvido falar

de Wessel).

Com a publicação das idéias de Argand em uma renomada revista de

matemática, certa controvérsia deflagrou entre Argand e Français de um lado e o

matemático francês François−Joseph Servois (1767−1847) de outro. Um homem de

formação militar que, como Français, lecionou durante algum tempo na escola de

artilharia em Metz. Servois pressentiu que eles, de algum modo, pecaram em uma

interpretação geométrica de idéias algébricas. Por exemplo, em uma carta para o

Annales ele escreveu “Eu confesso que ainda não vejo nesta notação qualquer coisa

exceto um disfarce geométrico aplicado a formas analíticas me parecendo que o uso

direto das mesmas é simples e mais rápido.” (FRANÇAIS, apud NAHIN, 1998,

p.74.). Curiosamente, esse debate ficou mais ou menos cortês e provavelmente, de

alguma forma, ajudou a chamar um pouco de atenção para as idéias de Argand. Até

mais curiosamente, Wessel (que ainda estava vivo) não ouviu falar nada sobre essas

discussões na França e ninguém notou que Wessel tinha feito tudo isso vinte anos

atrás. Wessel e Argand faleceram com apenas quatro anos de diferença, sem que

85

nenhum tivesse aprendido do outro e com a maior parte do mundo ignorante de

ambos.

Hoüel, em 1876, reimprimiu o trabalho de Argand e incluiu no

prefácio introdutório a homenagem irônica que segue palavras citadas do jovem

alemão, recentemente formado em matemática, Hermann Hankel (1839−1873):

O primeiro a mostrar como se representa a forma imaginária bia + por pontos em um plano, e dar regras para sua adição e

multiplicação geométrica, foi Argand.... a menos que algum trabalho mais velho seja descoberto, Argand deve ser considerado como o criador verdadeiro da teoria das quantidades complexas em um plano. (HANKEL, 1867, p.82.)

Duas décadas mais tarde, claro, o “trabalho mais velho” de Wessel foi descoberto.

Apesar dos trabalhos de Argand e Wessel resumirem-se em uma

mesma teoria, Argand é quem teve marcado na história o reconhecimento de tal

descoberta. Por isso, no capítulo seguinte, faremos uma abordagem criteriosa sobre

Argand e sua representação geométrica dos números imaginários.

ADRIEN QUENTIN BUÉE

De acordo com Nahin (1998, p.75), o segundo redescobrimento das

idéias de Wessel, em 1806, veio de um escritor até mais obscuro que Argand, o

francês Abbé Adrien-Quentin Buée (1748−1826), que publicou, em francês, nas

Philosophical Transactions (Transações Filosóficas) da Sociedade Real de Londres,

seu trabalho Mémoire sur lês Quantités imaginaires. Ao contrário dos estilos de

Wessel e Argand, o trabalho de Buée tem um ar decididamente místico, e deve ter

parecido bastante estranho a todos que o conseguiram ler.

Na sua Mémoire sur les Quantités imaginaires (Buée, 1806), ele

propôs uma interpretação geométrica para as quantidades imaginárias. Os pontos

importantes e originais dessa memória devem-se por um lado à duplicação da álgebra

em uma aritmética universal e uma língua matemática, de outro lado a busca de uma

interpretação das expressões imaginárias em termos de operações (e não de objetos),

operação que faz sair de uma reta. Essa memória é um trabalho muito longo e

bastante confuso devido a diferentes espécies de operação. A idéia de uma Álgebra

86

duplicada foi explorada novamente nos anos seguintes por Peacock, Warren, De

Morgan, entre outros.

Buée começou seu artigo pela constatação que uma linha é

determinada pelo seu comprimento e pela sua direção. Ora, a aritmética considera

apenas os comprimentos, abstração feita de sua direção, e a geometria considera

apenas as direções, abstração feita dos comprimentos. Ele vem com a idéia de definir

uma operação aritmética que consiste “dar um comprimento a uma linha” e uma

operação geométrica, que consiste “dar uma direção a uma linha”.

Quando considera os comprimentos e as direções, diz-se efetuar uma

operação aritmético-geométrica. Os sinais “+” e “−” tomam, portanto, um

significado diferente conforme pertençam a uma expressão da aritmética ou da

geometria. Como sinais da aritmética, eles designam a adição ou a subtração. Como

sinais geométricos, eles indicam o sentido no qual tomar a quantidade.

Afim de efetivamente marcar que a álgebra é uma língua matemática,

Buée traduziu as expressões algébricas em linguagem comum. Por exemplo, a

expressão “ 43 −×− ” significa, dizer, “–3 tomados 4 vezes com um sinal contrário ao

que daria 43×− ”. Curiosamente, embora os sinais “+” e “−” designem operações,

Buée os nomeou qualitativos da quantidade. As quantidades desempenham na língua

algébrica o papel do nome na linguagem comum. Nessa língua, 1− designa uma

operação meramente geométrica. É um sinal de perpendicularidade que indica uma

direção, sem comprimento. Posto na frente de a (o sinal de uma linha) significa que é

necessário dar a a uma “situação perpendicular à aquela que dar-lhe-ia se tivesse

simplesmente +a ou –a”. A perpendicularidade em questão é “indeterminada”,

aumenta, dado que qualquer raio de um “círculo suposto perpendicular ao plano

deste papel” é perpendicular à direção de +a ou –a. Essa observação curiosa parece

ter por objetivo respeitar o imaginário associado a 1− .

Buée dá uma interpretação diferente ao sinal 1− , segundo o caráter

da “língua algébrica” ou o caráter da “aritmética”. Como caráter aritmético, esse

sinal é uma marca de impossibilidade. Como caráter algébrico, há uma operação

pendente. Buée procurou redefinir o sentido da palavra multiplicação. Propôs para a

expresssão: ( )11 −−×− , a seguinte tradução: “A quantidade concreta 1−

87

tomada uma vez, num sentido igualmente afastado dos sentidos que apresentariam

( )11 +−×− e ( )11 −−×− ”. O matemático escocês John Playfair (1748−1819)

aumentou a incoerência (inconsistência) desta explicação. Sublinhou que o sinal

1− designa, na acepção de Buée, não uma quantidade, mas uma operação. Esse

sinal não pode, pois, entrar em uma multiplicação:

Se a quantidade é impossível, de multiplicar ou dividir por ela, ou para fazer-lhe o assunto de que qualquer operação aritmética deve ser impossível também. As operações executadas com símbolos são então destituídas de significado; elas são tão imaginária quanto seus próprios símbolos (PLAYFAIR [1808b], p. 315.).

No entanto, Playfair continuou impressionado pelas possibilidades de

uma linguagem simbólica:

No entanto conduziram a uma conclusão que fosse verdadeira, e de nenhuma maneira óbvia. A eficácia de sinais feitos distintamente das idéias que representam nunca fora tão fortemente evidenciado; e o resultado agora obtido, considerando o anterior e negligenciando o último, é um triunfo que a imaginação do mais sangüíneo nominalist nunca poderia ter se antecipado (PLAYFAIR [1808b], p. 315-316).

Reafirmou sua crença num princípio “que não é evidente, mas cuja

existência é inegável”, que governa a legitimidade da prática corrente. Esse princípio

deve ainda descobrir-se. Playfair não se satisfez com nenhuma das explicações

propostas até lá. Sublinhou que o artigo de Woodhouse não o convenceu. Desta

crítica, resultou que para Playfair, a aritmética das quantidades impossíveis tende a

destacar-se de uma aritmética universal para constituir-se em linguagem formal. O

termo language of algebra voltará em várias ocasiões. Esta linguagem não se refere

somente, de acordo com ele, aos matemáticos, mas também aos filósofos. Em várias

ocasiões destacou a ajuda que um sistema de sinais utilizados sem referência a uma

idéia fornece ao espírito. A sua revista da Memória de Buée começou por estas

linhas:

A linguagem de Álgebra merece a atenção, não de matemáticos somente, mas de todos os filósofos que estudassem a influência que os sinais tem sobre a formação de idéias e a aquisição de conhecimento. […] Álgebra, por outro lado, é uma linguagem

88

inventada expressamente com a finalidade de ajudar a mente na administração do pensamento: este é o seu destino principal; e o negócio de comunicar conhecimento, que é principal em relação a outras linguagens, com respeito a ela é secundário e acidental. (PLAYFAIR [1808b], p. 306).

HERMANN GÜNTHER GRASSMANN

Hermann Günther Grassmann (1809−1877), filho de professores,

nasceu em 15 de abril de 1809, na cidade de Stettin (agora Szczecin, na Polônia) e

faleceu em 26 de setembro de 1877 na mesma cidade. Iniciou seus estudos com a

mãe, vindo posteriormente a ser aluno do ginásio em Stettin. Em seguida, foi a

Berlim estudar teologia. Retornou à sua cidade natal em 1830 onde iniciou seus

estudos em matemática e física. Em 1832, começou os seus trabalhos em geometria

aplicando-a à mecânica analítica de Lagrange. Na mecânica celeste, desenvolveu

uma teoria diferente da apresentada por Laplace.

A história de Grassmann é um dos melhores exemplos de “Tragédia

Matemática”: um obscuro professor de escola secundária em uma cidadezinha

qualquer que fez uma das maiores contribuições matemáticas da história, mas que de

tão avançada para sua época foi praticamente ignorada pelos seus contemporâneos

sendo percebida apenas muitos anos depois.

O fato de dizermos “xis ao quadrado” para 2x e “xis ao cubo” para 3x é simples, porque dado um quadrado de lado x a medida da sua área é dada por 2x , enquanto a medida do volume de um cubo de aresta x é dada por 3x . Entretanto,

por trás deste simples fato, existe uma idéia muito profunda, que remonta aos gregos,

em particular Euclides, ao representar os objetos geométricos por meio de objetos

algébricos e as operações geométricas por meio de operações algébricas. Nesse

caso, a idéia era representar os lados do quadrado (objetos geométricos) por um

número x (objeto algébrico) e a medida da área do quadrado (operação geométrica)

determinada a partir de seus lados por meio do produto 2xxx =⋅ (operação

algébrica). Apesar de tentadora, essa idéia foi abandonada pelos gregos, pois nem

todos os segmentos de reta podiam ser representados por números (assim como os

gregos os conheciam). Por exemplo, dado um quadrado de lado unitário a sua

diagonal é justamente a raiz quadrada de 2, o que hoje chamamos número irracional

89

que não era conhecido pelos gregos. Além disso, como os gregos poderiam

interpretar 4x , 5x , e assim por diante? O que vemos aqui é uma tentativa de

representar objetos algébricos (números, neste caso) por meio de objetos

geométricos e as operações algébricas por meio de operações geométricas. Esta é a

idéia que podemos denominar ÁLGEBRA GEOMÉTRICA.

Tais problemas impediram os gregos de levarem adiante esta idéia,

atualmente eles estariam solucionados. Na realidade, a noção de congruência dos

gregos era a problemática que estava por trás dessa idéia, ou seja, definir quando dois

segmentos de reta eram congruentes. Para os gregos, bastava que tivessem o mesmo

comprimento.

A busca da álgebra geométrica se fez novamente presente nos tempos

modernos com Descartes, que também não logrou êxito, pois a noção de congruência

usada por Descartes era a mesma de Euclides. O mesmo problema preocupou

Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646−1716), um dos criadores do cálculo diferencial

e integral. Na questão conceitual, Leibniz teve clara a idéia de uma álgebra

geométrica e a sua necessidade. Ele a denominou uma geometria de situs, que

podemos traduzir como uma geometria de posição. Leibniz escreveu um ensaio

sobre esse assunto que ficou esquecido por muito tempo. Quando redescoberto e

publicado, por volta de 1833, foi instituído um prêmio para quem desenvolvesse tais

idéias de Leibniz. Apenas um matemático não profissional se inscreveu: Grassmann,

que desenvolveu com êxito a idéia de uma álgebra geométrica, graças ao fato de não

ter usado a noção de congruência de Euclides, mas uma outra relacionada com o

conceito que atualmente conhecemos como vetores.

A idéia de Grassmann encontra-se na sua obra-prima Die Lineale

Ausdehnungslehre, ein neuer Zweig der Mathematik (A Teoria das Extensões

Lineares, um novo Ramo da Matemática), de 1843, da qual pouquíssimos

exemplares foram vendidos. Em 1873, houve não uma segunda edição, mas a

publicação desta mesma obra com um texto totalmente reescrito na tentativa de

torná-lo mais claro. Foi Grassmann quem finalmente conseguiu tornar tal idéia em

realidade.

Sabemos que duas retas não-paralelas determinam um plano, e

queremos definir um produto de “coisas” que representam retas (ou segmentos de

90

reta), tal que o resultado desse produto seja uma outra “coisa” que represente um

plano (ou fragmentos de plano). Essa foi a idéia de uma álgebra geométrica. O

grande passo de Grassmann não foi a representação de segmentos de reta por

números, mas por objetos matemáticos chamados vetores. Nesse caso, podemos

atribuir a um segmento de reta não apenas um número (dado pelo seu comprimento),

mas uma orientação e uma direção (que depende da noção de paralelismo).

Grassmann definiu um produto de vetores a e b, chamando-o produto exterior, cujo

resultado é um objeto que denominou bivetor que descreve um paralelogramo

orientado de lados a e b.

a + b = c

a × b = P

Em síntese, Grassmann ensinou como multiplicar vetores. No entanto,

em geral as suas idéias não foram bem entendidas, mesmo por matemáticos de

renome como August Ferdinand Möbius (1790−1868). Baseado no conceito de

conectividade, Grassmann aplicou a Teoria das Extensões Lineares na descrição de

uma nova teoria para o eletromagnetismo. Seu trabalho só recebeu reconhecimento

da comunidade científica, quando submeteu um artigo, sob sugestão de Möbius, em

1846, à Fürstliche Jablonowski'schen Gesellschaft der Wissenschaften (Sociedade

Jablonowski Gesellschaft de Ciências), em Leipzig. Em maio de 1847, escreveu ao

ministro da educação da Prússia candidatando-se a uma vaga de professor na

Universidade. O ministro pediu a opinião do matemático alemão Ernst Eduard

Kummer (1810−1893), o qual fez severas críticas aos trabalhos de Grassmann,

levando assim à rejeição de sua candidatura.

Salvo raras exceções, o trabalho de Grassmann passou quase

despercebido. Dessas exceções, citamos seu contemporâneo, o matemático inglês

William Kingdon Clifford (1845−1879). Antes de mencionarmos o trabalho de

b

a

c

91

Clifford, devemos observar que, também em 1844, o então famoso Hamilton havia

publicado um sistema que denominou quatérnions, que consistiam em uma

generalização dos números complexos. Os quatérnions mostraram-se ser objetos

extremamente adequados para descrevermos operações no espaço tridimensional tais

como rotações. Em 1878, Clifford publicou um trabalho em que mostrou como

unificar em uma única estrutura os sistemas de Grassmann e de Hamilton. Mais

ainda, aproveitando a estrutura bem geral da álgebra de Grassmann, o sistema de

Clifford permitiu a generalização do sistema dos quatérnions de Hamilton. A

denominação original de Clifford para essa estrutura foi álgebra geométrica, mas

atualmente denominamo-la álgebra de Clifford.

Em 2 de dezembro 1871, Grassmann tornou-se membro da Academia

de Ciências de Göttingen, o que o encorajou a publicar pequenos artigos durante os

últimos anos de sua vida. Em 1877, ele iniciou uma nova edição de seu livro

Ausdehnungslehre, que foi publicada após sua morte, em 1878. Somente no final de

sua vida seus trabalhos tiveram o real reconhecimento de vários matemáticos

importantes da época, tais como: Rudolf Friedrich Alfred Clebsch (1833−1872),

August Ferdinand Möbius (1790−1868), Rudolf Mehmke (1857−1944), Rudolf

Hermann Lotze (1817−1881). Entretanto, foi o matemático americano Josiah Willard

Gibbs (1839−1903) quem mais propagou as idéias de Grassmann ao estudar o

problema dos quatérnions. Gibbs publicou vários artigos na revista Nature, no

período de 1891 a 1895, mostrando a correlação entre os quatérnions de Hamilton e

a Ausdehnungslehre de Grassmann.

O texto seguinte é um extrato do prefácio do Ausdehnungslehre

publicado por Grassmann em 1862:

Eu permaneço completamente confiante que o trabalho que empreguei na ciência apresentado aqui, e que exigiu uma significativa parte da minha vida com também a aplicação mais árdua de meus poderes, não será perdido. É verdade que estou ciente de que a forma que dei para a ciência é imperfeita e deve ser imperfeita. Mas eu sei e sinto obrigado a indicar (embora corra risco de parecer arrogante) que mesmo se este trabalho remanescer outra vez não utilizado por outros dezessete anos ou mais, sem participar no desenvolvimento real da ciência, ainda aquela hora virá quando será trazido adiante da poeira do esquecimento e quando as idéias agora dormentes produzirão frutos. Eu sei que se não me recolher em torno de mim (como eu tenho até agora

92

desejado em vão) um círculo de estudantes a quem eu poderia frutificar com essas idéias e quem eu poderia estimular desenvolver e os enriquecer mais adiante, contudo virá o momento em que essas idéias, talvez em uma nova forma, surgirão novamente e entrarão em uma comunicação viva com os desenvolvimentos contemporâneos. A verdade é eterna e divina e nenhuma fase dela [...] pode passar sem um traço; ela permanece em existência mesmo se o pano em que os fracos mortais vestem desintegrar na poeira.

Cada vez mais, em Matemática, os conceitos geométricos são

generalizados de modo a incluir objetos que dificilmente imaginar-se-ia estuda-los

segundo o ponto de vista da Geometria. Existem formas de geometria muito mais

gerais do que se pensava que é denominada geometria ortogonal. Existe, por

exemplo, a chamada geometria simplética. Nesse caso também há uma estrutura

algébrica apropriada no sentido de uma álgebra geométrica. De qualquer forma, as

geometrias e as operações geométricas que muitas vezes se tem em mente são muito

mais complexas do que as mencionadas acima, e nesse caso a sua transcrição em

termos algébricos se faz fundamental e necessária.

CAPÍTULO 4

94

JEAN ROBERT ARGAND E A REPRESENTAÇÃO

GEOMÉTRICA DOS NÚMEROS IMAGINÁRIOS

Normalmente um objeto matemático não existe por si só, como uma

árvore ou uma folha de papel. Para que exista, é preciso adquirir existência por meio

de alguma forma de expressão matemática. A representação geométrica é uma dessas

formas, e foi a necessidade de realizar geometricamente os objetos matemáticos,

como raízes de números negativos, que motivou Argand a propor seu diagrama.

Como abordamos no capítulo II, somente no século XVII foi possível

expressar a fórmula para encontrar raízes de equações do segundo grau por meio de

símbolos, pois foi nessa época que ocorreu a introdução da simbolização para

representar os coeficientes genéricos de uma equação. No entanto, procedimentos

particulares − equivalentes à fórmula, mas para equações específicas − já eram

utilizados desde muito antes. Tratava-se de procedimentos que já tinham caráter

algébrico, ainda que fossem encarados em estreita ligação com métodos geométricos.

Desde a Idade Média, quando a álgebra conheceu um intenso

desenvolvimento, colocava-se o problema do estatuto das raízes de números

negativos que apareciam em procedimentos de resolução de equações, pois eles

esbarravam em dificuldades análogas às que exemplificamos anteriormente. Essas

dificuldades não diziam respeito apenas às raízes, mas aos próprios números

negativos. É claro que, se identificamos números a quantidades que aparecem no

processo de contagem, não faz sentido falar em números negativos. Mas números

desse tipo também apareciam na resolução de equações e eram chamados, assim

como suas raízes, de números impossíveis, absurdos, falsos ou imaginários,

nomenclaturas que exprimem bem a confusão que causavam na mente dos

matemáticos da época.

Embora toleradas por sua utilidade prática na realização de cálculos,

essas quantidades não eram consideradas rigorosas. Somente no final do século

XVIII e início do XIX é que começaram a ser sugeridas diferentes representações

geométricas para os números negativos e imaginários, o que garantiu sua plena

aceitação no universo dos números.

95

O trabalho elaborado por Jean Robert Argand (1768−1822), intitulado

Essai sur une manière de representer les quantités imaginaires dans les

constructions géométriques (Ensaio sobre uma maneira de representar as quantidades

imaginárias nas construções geométricas), de 1806, aborda a representação

geométrica dos números imaginários como pontos no plano, fazendo corresponder o

número a + bi (sendo i = 1− ) o ponto de coordenadas (a, b), dá as regras da adição

e da multiplicação desses números e apresenta como aplicar essa representação a

inúmeros teoremas.

Nosso estudo pautar-se-á na segunda edição do Ensaio, prefaciado

pelo matemático francês Guillaume Jules Hoüel (1823−1886), publicado em Paris,

em 1874, pela Gauthier-Villars. Composto de 126 páginas, o referido trabalho está

dividido em duas partes: a primeira, com páginas numeradas de 1 a 60, contém

representação geométrica feita por Argand e aplicações dessa representação a

inúmeros teoremas, e a segunda, com páginas numeradas de 61 a 126, um apêndice

extraído dos Annales de Mathématiques pures et appliquées de Gergonne (t.IV,

1813-1814, e t.V, 1814-1815), relativo à questão dos imaginários.

A obra de Argand, com sessenta páginas, não está organizada

convencionalmente em capítulos, mas em subdivisões numeradas de 1 a 32. Nosso

trabalho tem por objetivo apresentar a representação geométrica dos números

imaginários feita por Argand e, no sentido de enriquecê-lo ainda mais, também

incluiremos nessa apresentação as regras da adição e da multiplicação desses

números, que se encontram descritas nas subdivisões de 1 a 11, fechando esse

capítulo com a subdivisão 32.

Passaremos, a seguir, a apresentar especificamente essas subdivisões

tal qual se encontram no original do Ensaio de 1806, tecendo eventualmente, quando

necessário, comentários que remetam à linguagem atual.

O Ensaio de 1806

O Ensaio abre-se como uma espécie de recapitulação das idéias que

tinham os seus contemporâneos em relação às quantidades negativas. Argand

afirmou que não saberia se recusá-las pura e simplesmente era a maneira correta de

participar no estabelecimento e na evolução da matemática, sobretudo em razão do

96

imenso progresso propiciado por essas quantidades. Muitos exemplos que colocaram

em jogo essas entidades deveriam ser suficientes para bani-los dos raciocínios de

uma ciência em que primava o rigor: mas outros exemplos, não menos numerosos,

mostravam que estas quantidades negativas eram completamente reais. Portanto,

qual atitude deveria ser adotada para se evitar esta impossível escolha? Não se

poderiam recusar as quantidades negativas porque numerosos resultados obtidos

seriam postos em questão; não se poderia aceitá-las sem um desconto prévio em

questão dos princípios. Era esse o dilema de Argand que optou pela segunda

possibilidade. A teoria que ele esboçou chegou a atingir os objetivos, graças aos

conceitos e ao grau de abstração adquiridos no início do século XIX.

O ponto de partida da teoria de Argand começou sobre uma tentativa

de avaliação de diferentes situações que, nos problemas, conduziam à rejeição ou à

aceitação das quantidades negativas.

ENSAIO SOBRE

UMA MANEIRA DE REPRESENTAR

AS QUANTIDADES IMAGINÁRIAS NAS CONSTRUÇÕES GEOMÉTRICAS

1. Seja a uma grandeza tomada à vontade. Se acrescentarmos a essa

grandeza uma segunda, que lhe seja igual, para formar somente um único todo,

teremos uma nova grandeza, que será expressa por 2a. Fazendo sobre esta última

grandeza uma operação similar, o resultado será expresso por 3a, e assim por diante.

Obteremos assim uma seqüência de grandezas

a, 2a, 3a, 4a,...,

97

entre as quais cada termo é obtido do anterior, por uma operação que é a mesma para

todos os termos, e que pode ser repetida indefinidamente.

Consideramos esta mesma seqüência ao contrário, ou seja:

..., 4a, 3a, 2a, a.

Podemos ainda conceber, nesta nova seqüência, cada termo como deduzido do

precedente, por uma operação inversa daquela que serve à formação da primeira

seqüência; mas existe uma diferença notável entre as duas seqüências: a primeira

pode ser levada tão longe quanto se quiser; não é a mesma coisa com a segunda.

Após o termo a, será achado o termo 0; mas para ir mais longe, é preciso que a

natureza da grandeza a seja tal, que se possa operar em relação a 0 como foi feito em

relação aos termos ..., 4a, 3a, 2a, a. Isso que não é sempre possível fazer.

Se a, por exemplo, designar um peso material, como o grama, a

seqüência das quantidades ..., 4a, 3a, 2a, a, 0 não pode ser continuada além de 0;

pois se retira realmente 1 grama de 3, de 2 ou de 1 grama, mas não seria possível

retirá-lo de 0. Assim os termos que deveriam seguir 0 não podem existir a não ser na

imaginação; eles podem, por isso mesmo, ser chamados de imaginários.

Mas, em vez de uma seqüência de pesos materiais, consideramos os

diversos graus de gravidade que agem sobre o prato A de uma balança que contém

pesos nos seus dois pratos, e vamos supor, para dar mais apoio às nossas idéias, que

os movimentos dos braços dessa balança sejam proporcionais aos pesos adicionados

ou subtraídos, efeito que aconteceria, por exemplo, por meio de uma mola adaptada

ao eixo. Se a adição do peso n no prato A faz variar da quantidade n’ a extremidade

do braço A, a adição dos pesos 2n, 3n, 4n,... ocasionará, sobre essa mesma

extremidade, variações 2n’, 3n’, 4n’,..., e essas variações poderão ser tomadas como

medida do peso agindo sobre o prato A: esta gravidade é 0 no caso de igualdade

entre os dois pratos. Será possível, acrescentando no prato A pesos n, 2n, 3n,..., obter

os pesos n’, 2n’, 3n’,..., ou, partindo do peso 3n’, obter, subtraindo pesos, os pesos

2n’, n’, 0. Mas esses diversos graus podem ser produzidos não somente retirando

pesos ao prato A, bem como acrescentando pesos ao prato B. A adição de pesos

sobre o prato B pode ser repetida indefinidamente; assim, continuando-a, formarão

98

novos graus de gravidade expressos por −n’, −2n’, −3n’,..., e esses termos, chamados

negativos, expressarão quantidades tão reais quanto os termos positivos. Então é

possível ver também que, se dois termos, de signos diferentes, têm o mesmo número

por coeficiente, como 3n’, −3n’, eles expressarão dois estados da alavanca tais que a

extremidade que marca os graus de gravidade será, num e no outro, igualmente

afastada do ponto 0. É possível considerar esse afastamento fazendo abstração do

sentido no qual ele acontece, e dar-lhe então o nome de absoluto.

Consideramos ainda numa outra espécie de grandeza a geração das

quantidades negativas. Se, para contar uma quantia de dinheiro, adotarmos por

unidade o franco, será possível operar diminuições sucessivas sobre essa quantia, e

reduzi-la a zero pela subtração de certo número de francos. Chegado a este termo,

vemos que a subtração cessa de ser possível, e que, conseqüentemente, −1 franco, −2

francos,..., são quantidades imaginárias.

Tomaremos agora o franco por unidade, a fim de avaliar a fortuna de

um indivíduo, a qual se compõe de valores ativos e passivos. O que chamamos de

diminuição nessa fortuna poderá acontecer seja pela supressão de um número de

francos ao ativo, seja pela adição de um número de francos ao passivo, e, levando a

certo termo essa diminuição por um desses dois meios, será possível chegar a uma

fortuna negativa, tal qual −100 francos, −200 francos,... . Essas expressões

significarão que o número de francos dos valores passivos considerado

abstratamente, é maior de 100, 200,..., que aquele dos valores ativos. Assim −100

francos, −200 francos,..., que expressavam no primeiro caso somente quantidades

imaginárias, representam aqui quantidades tão reais quanto àquelas que designam as

expressões positivas.

2. Essas noções são muito elementares; no entanto, não é tão fácil

quanto poderia parecer à primeira vista estabelecê-las de uma maneira muito

esclarecedora, e de dar-lhes esta generalidade que pede a sua aplicação aos cálculos.

Aliás, não podemos duvidar da dificuldade do assunto, se pensarmos que as ciências

exatas tinham sido cultivadas durante um grande número de séculos, e que elas

tinham feito enormes progressos antes que se concebessem as verdadeiras noções das

quantidades negativas, e que se concebesse a maneira geral de empregá-las.

99

De resto, não nos propusemos dar aqui princípios mais rigorosos ou

mais evidentes do que aqueles achados nas obras que tratam deste assunto; tivemos

simplesmente por meta fazer duas anotações sobre as quantidades negativas. A

primeira é que, de acordo com a espécie de grandeza à qual se aplica a numeração, a

quantidade negativa é real ou imaginária; a segunda é que, duas quantidades de uma

espécie suscetível de fornecer valores negativos sendo comparadas entre si, a idéia da

sua relação é complexa. Ela inclui: 1.º) a idéia da relação numérica dependendo das

suas grandezas respectivas consideradas absolutamente; 2.º) a idéia da relação das

direções ou sentidos aos quais elas pertencem, relação que é a identidade ou a

oposição delas.

3. Agora, se, fazendo abstração da relação das grandezas absolutas, se

consideramos os diferentes casos que a relação das direções pode apresentar,

acharemos que eles se reduzem a aqueles que oferecem as duas proporções

seguintes:

+ 1 : + 1 : : −1 : −1,

(+1 está para +1 assim como −1 está para −1, ou em notação atual, 11

11

−−

=++ )

+ 1 : −1 : : −1 : +1.

(+1 está para −1 assim como −1 está para +1, ou em notação atual, 11

11

+−

=−+ )

A observação dessas proporções e daquelas que formaríamos pela

inversão dos termos mostra que os termos médios são de sinais iguais ou diferentes,

seguindo que os extremos sejam mesmos de sinais iguais ou diferentes.

Comentário: Sabemos que a média proporcional entre grandezas de

mesmo sinal é +1 ou −1, pois se −1 : + x :: + x : −1 (i.e., 1

1−+

=+− x

x) ou +1 : + x ::

+ x : +1 (i.e., 1

1++

=++ x

x), a quantidade x deve ser +1 ou −1.

100

Propomos atualmente determinar a média proporcional entre duas

quantidades de sinais diferentes, quer dizer a quantidade x que satisfaça à proporção

+ 1 : + x : : + x : −1.

(+1 está para + x assim como + x está para −1, ou em notação atual, 1

1−+

=++ x

x)

Estamos parados aqui como estivemos querendo continuar além do 0

na progressão aritmética decrescente, pois não podemos igualar x a nenhum número

positivo ou negativo; mas, já que achamos acima que a quantidade negativa,

imaginária quando a numeração era aplicada a certas espécies de grandezas, tornava-

se real quando combinava-se, de certa maneira, a idéia de grandeza absoluta com a

idéia de direção, não seria possível obter o mesmo sucesso relativamente à

quantidade de que se trata, quantidade dita imaginária pela impossibilidade de onde

atribuir um lugar na escala das quantidades positivas ou negativas?

Refletindo sobre isso, pareceu que conseguiríamos chegar a esse

objetivo se fosse possível encontrar um gênero de grandezas ao qual pudéssemos

combinar a idéia de direção, de maneira que, adotando duas direções opostas, uma

para os valores positivos, outra para os valores negativos, existisse uma terceira na

qual a direção positiva é tratada como se esta fosse a direção negativa.

Comentário: O fato de afirmar “(...) existisse uma terceira direção na

qual a direção positiva é tratada como se esta fosse a direção negativa.”, deve ser

interpretada como uma rotação de 90°.

4. Se tomarmos um ponto fixo K (Figura 1) e adotarmos por unidade

positiva a linha KA considerada como tendo a sua direção de K em A, o que se

poderá designar por KA , para distinguir esta quantidade da linha KA na qual

consideramos aqui somente a grandeza absoluta, a unidade negativa será KI , o traço

superior tendo o mesmo significado daquele que está colocado sobre KA , e a

condição à qual se trata de satisfazer será preenchida pela linha KE, perpendicular às

anteriores e considerada como tendo a sua direção de K em E, e que expressaremos

também por KE .

101

Figura 1

De fato, a direção de KA é, em relação à direção de KE , o que esta

última é em relação à direção de KI . Além disso, vemos que esta mesma condição é

preenchida tanto por KN quanto por KE , essas duas últimas quantidades que são

entre elas como + 1 e −1, assim como deve ser. Elas são então o que expressamos

habitualmente por 1−+ , 1−− .

Por uma abordagem análoga, poderemos inserir novas médias

proporcionais entre as quantidades de que acabamos de tratar agora. De fato, para

construir a média proporcional entre KA e KE , será preciso desenhar a linha CKL

que divide o ângulo AKE em duas partes iguais, e a média buscada será KC ou KL .

A linha GKP dará igualmente as médias entre KE e KI ou entre KA e KN . Será

possível obter da mesma maneira as quantidades KB , KD , KF , KH , KJ , KM ,

KO , KQ por médias entre KA e KC , KC e KE , ..., e assim por diante. Poderemos

inserir da mesma maneira um maior número de médias proporcionais entre duas

quantidades dadas, e o número das construções que poderão resolver a questão será

igual ao número das relações que a progressão buscada apresenta. Se tratamos, por

exemplo, de construir duas médias, KP , KQ , entre KA e KB , o que deve produzir

três relações

KA : KP : : KP : KQ : : KQ : KB ,

A

B

C

D E

F

G

H

I

J

K

L M N O

P

Q

102

( KA está para KP assim como KP está para KQ assim como KQ está para KB ,

ou em notação atual, KBKQ

KQKP

KPKA

== )

é preciso ter

ângulo AKP = ângulo PKQ = ângulo QKB ,

o traço superior indicando que esses ângulos estão em posição homólogas sobre as

bases AK, PK, QK. É possível chegar a isso de três maneiras, quer dizer, dividindo

em três partes iguais: 1.º) o ângulo AKB; 2.º) o ângulo AKB, mais uma

circunferência; 3.°) o ângulo AKB, mais duas circunferências, o que dará as três

construções representadas pelas Figuras 2, 2A, 2B.

Figura 2 Figura 2A Figura 2B

5. Observamos agora que, para a existência das relações que acabaram

de ser estabelecidas entre as quantidades KA , KB , KC ,... , não é necessário que a

partida da direção, que constitui uma parte da essência dessas quantidades, seja

fixada num único ponto K; mas que essas relações aconteçam igualmente, se

supusermos que cada expressão, como KA , designe, em geral, uma grandeza igual a

KA, e tomada na mesma direção, como 'A'K , "A"K '"K'"A , BK , ... (Figura 3).

P K

A

Q B

K

B P

Q

A K A

B

P

Q

103

Figura 3

De fato, seguindo, em relação a essa nova espécie de grandezas, os

raciocínios que foram feitos acima, veremos que, se KA , 'A'K , "A"K ,... são

unidades positivas AK , 'K'A , "K"A ,... serão unidades negativas; que a metade

proporcional entre + 1 e −1 poderá ser expressa por uma linha qualquer, igual às

anteriores, perpendicular à sua direção, e que se poderá tomar a vontade num dos

seus dois sentidos, e assim por diante. É possível, para ajudar as idéias a se fixar,

considerar um caso particular, como, por exemplo, se designamos por KA uma força

determinada tomada por unidade, e cuja ação se exerce sobre todos os pontos

possíveis, paralelamente à KA e no sentido de K a A, essa unidade poderá ser

expressa por uma linha paralela a KA, tomada a partir de um ponto qualquer. A

unidade negativa será uma força igual em ação, cujo efeito acontece paralelamente à

mesma linha, mas no sentido de A a K, e poderá igualmente ser expressa por uma

linha partindo de um ponto qualquer, a qual será tomada no sentido contrário à

anterior. Basta que as qualidades de positivas e de negativas, que atribuímos às

grandezas de certa espécie, dependam de direções opostas entre as quais exista uma

média, para que se possa aplicar a ela as idéias desenvolvidas adiante em relação aos

raios partindo de um centro único, e conceber, entre todas as linhas que representarão

tal espécie de grandezas, as mesmas relações que esses raios ofereceram.

6. Conseqüentemente a essas reflexões, poderá se generalizar o

sentido das expressões da forma AB , CD , KP ,..., e toda expressão similar

designará, depois, uma linha de certo comprimento, paralela a certa direção, tomada

num sentido determinado entre os dois sentidos opostos que essa direção apresenta, e

B K’’’ K A’’’ A

A’’ K’’

K’ A’

104

cuja origem está num ponto qualquer, essas linhas podendo elas mesmas ser a

expressão de grandezas de outra espécie.

Como elas devem ser o assunto das pesquisas que estão a seguir, está

a propósito de aplicar-lhes uma denominação particular. Nós as chamaremos linhas

em direção ou, mais simplesmente. linhas dirigidas. Elas serão assim distinguidas

das linhas absolutas, nas quais se considera somente o comprimento, sem nenhuma

atenção com a direção.

7. Relacionando às denominações de uso as diversas espécies de

linhas em direção que se engendrem de uma unidade primitiva KA , podemos ver que

qualquer linha paralela à direção primitiva é expressa por um número real, que

aquelas que lhe são perpendiculares são expressas por números imaginários ou da

forma 1−± a , e, enfim, que aquelas que são traçadas numa direção diferente das

duas anteriores pertencem à forma 1−±± ba , que se compõe de uma parte real e

de uma parte imaginária.

Mas essas linhas são quantidades tão reais quanto a unidade primitiva;

elas derivam dela pela combinação da idéia da direção com a idéia da grandeza, e

elas são, nesse respeito, o que é a linha negativa, que não é de jeito nenhum vista

como imaginária. Os nomes de real e de imaginário não são atribuídos em

conseqüência das noções que acabam de ser expostas. É supérfluo observar que

aqueles de impossível e de absurdo, que encontramos às vezes, estão aí ainda mais

contrários. Aliás, é possível surpreender-se de ver que esses termos são empregados

nas ciências exatas diferentemente que para qualificar o que é contrário à verdade.

Uma quantidade absurda seria aquela cuja existência ocasionaria a

verdade de uma proposição errada: tal seria, por exemplo, a quantidade x que

satisfaria ao mesmo tempo às duas equações x = 2, x = 3, de onde seguiria 2 = 3.

Admitindo tal quantidade no cálculo, chegaríamos a conseqüências tão contraditórias

quanto à equação 2 = 3; mas os resultados obtidos pelo emprego das quantidades

ditas imaginárias estão em muita conformidade a aqueles que se deduzem dos

raciocínios dos quais se faz uso somente de quantidades reais. Então, podia-se

pressentir um vício nas denominações que colocavam na mesma classe as

quantidades realmente absurdas e as raízes de ordem par das quantidades negativas, e

105

é o sentimento secreto dessa inconveniência que foi o primeiro germe das idéias que

recebem seu desenvolvimento no Ensaio. Estamos então levados a empregar outras

denominações.

Observamos que, apesar de existir uma infinidade de espécies

diferentes de linhas derivadas da unidade primitiva, voltam-se, na prática do cálculo,

e pelos meios de que falaremos daqui a pouco, todas as linhas em direção às espécies

KA , KC , KB , KD . KA é a unidade primitiva ou positiva; KC é a unidade

negativa; KB e KD são as unidades médias (Figura 4).

Figura 4

Além disso, é conveniente reunir sob um mesmo nome as espécies

opostas, positivas e negativas recíprocas. A reunião de duas espécies assim relativas

formará uma ordem. Chamaremos ordem prima aquela que compõe a espécie

primitiva KA e sua negativa KC , e ordem mediana aquela que contém as espécies

médias KB e KD . Diremos também quantidade prima, quantidade mediana, para

quantidade da ordem prima, da ordem mediana. Essas denominações são tiradas da

geração dessas quantidades e da maneira como concebemos a existência delas.

Podemos dar o nome geral de intermedianas a todas as outras, que não é necessário

designar em particular.

8. Poderíamos também, de acordo com as idéias precedentes,

modificar a expressão das quantidades ditas imaginárias, de maneira a dar mais

simplicidade a essa parte da notação.

Quando escrevemos 1−+ a ou 1−− a , indicamos explicitamente a

geração da quantidade 1− , o que pode ser bom em certos casos; mas,

K

B

D

C A

106

habitualmente fazemos abstração desta geração, e 1− não é outra coisa a não ser a

espécie particular de unidade à qual aplicamos o número a. Não é então

essencialmente necessário lembrar esta geração frente aos olhos. Aliás, a expressão

1−a apresenta 1− como um fator que multiplica a; mas, no fundo, 1− , em

1−a , não é mais um fator do que + 1 em + a ou −1 em −a. Não escrevemos +1⋅a,

−1⋅a, mas simplesmente +a, −a e o signo que precede a indica ele próprio qual

espécie de unidade este número expressa. É possível, então empregar um meio

similar relativamente às quantidades imaginárias, escrevendo, por exemplo, ~a e ~/ a,

em vez de 1−+ a , 1−− a , os signos ~ e ~/ sendo positivos e negativos recíprocos.

Para a multiplicação desses signos, observamos que, multiplicados por

eles mesmos, eles dão −, e que, conseqüentemente, multiplicados um pelo outro, eles

dão +. É possível, aliás, estabelecer uma regra única para todos os signos, que se

estende para um número qualquer de fatores.

Que atribuamos o valor 2 a cada um dos traços retos, sejam

perpendiculares, sejam horizontais, que entrem nos signos a serem multiplicados, e o

valor 1 a cada um dos traços curvos: teremos, para os quatro sinais, os valores

seguintes:

~ = 1

− = 2

~/ = 3

+ = 4

Isso posto, tomaremos a soma do valor de todos os fatores e

subtrairemos 4 quantas vezes for necessário para que o resto seja um dos números 1,

2, 3, 4; esse resto será o valor do sinal do produto; e da mesma maneira, para a

divisão, subtrairemos a soma dos traços do divisor da soma dos traços do dividendo,

à qual se terá acrescido, se necessário, um múltiplo de 4, e o resto indicará o sinal do

quociente. Devemos notar que essas operações são multiplicações e divisões por

logaritmos; essa analogia se esclarecerá melhor.

Esses novos sinais abreviariam a notação (a quantidade m+ n 1−

expressando-se por m ~ n ou por m ~/ n, um dos sinais ~ ou ~/ substituiria os quatro

107

sinais +, , −, 1) e tornaria talvez mais cômodo o cálculo das quantidades

imaginárias, no qual é às vezes fácil de cometer erros relativamente aos sinais (que

trate, por exemplo, de multiplicar cm −− por cdn −+ . O produto desses dois

coeficientes é −mn; o produto dos dois radicais é dc− ; enfim o produto final é

dmnc+ . Pelos novos signos, as duas quantias a serem multiplicadas se

expressariam por ~ cm , ~/ cdn , ou por ~/ cm , ∼ cdn , e, por meio da regra

das linhas, obter-se-ia imediatamente dmnc+ . Essa vantagem, se, fosse uma

vantagem, estaria nula para um calculador experiente, que lê um produto pela

simples observação dos fatores; mas nem todo mundo tem essa faculdade.). Faremos

uso deles no que está a seguir, sem pretender por isso que eles mereçam ser adotados.

Não escondemos o fato de que há um inconveniente inerente a todas as inovações,

mesmo àquelas que são fundadas na razão; mas nada seria aperfeiçoado se

rejeitássemos essas inovações pelo único motivo que elas ferem os hábitos, e é pelo

menos permitido tentá-lo.

9. Vamos agora examinar as diferentes maneiras como as linhas

dirigidas se combinam entre si por adição e multiplicação, e determinar as

construções que resultam disso.

Em primeiro lugar, supomos que se tenha que acrescentar à linha prima positiva KP

(Figura 5) a linha igualmente prima positiva KQ ;

Figura 5

a construção não será diferente daquela que seria empregada para achar a soma das

linhas absolutas KP, KQ; ela consiste em tomar sobre o prolongamento de KP o

comprimento PR = KQ, e a soma buscada será KR. Teremos então

KP + KQ = KP + PR = KR .

K Q S P R

108

Para acrescentar a uma linha prima negativa PK outra linha negativa QK , a

construção se fará como acima, mas em sentido inverso, e teremos

PK + QK = PK + RP = RK .

Em geral, se trata de acrescentar duas linhas da mesma espécie AB , AC , tomar-se-

á, na direção que pertence a esta espécie, PQ = AB, QR = AC, e teremos

PQ + QR = AB + AC = PR .

Trata-se de acrescentar à linha positiva KP à linha negativa QK,

tomaremos, a partir do ponto P e no sentido negativo, PS = QK, e teremos

KP + QK = KS = QP .

Seria a mesma coisa para uma ordem qualquer.

O princípio dessas construções é olhar o ponto de chegada P da linha

KP como o ponto de partida da linha a ser acrescentada, e tomar respectivamente,

como pontos de partida e de chegada da soma, o ponto de partida de KP e o ponto

de chegada da linha a ser acrescentada. Aplicando esse mesmo princípio às linhas

das outras ordens, concluiremos que os pontos K, P, R, sendo quaisquer, sempre

teremos

KP + PR = KR ;

e, como cada uma das linhas KP , PR pode igualmente ser a soma de duas linhas,

como KM + MP , PN + NR , os pontos M, N sendo à vontade, tiraremos daí esta

conclusão geral, que, A, B; M, N, O, ..., R, S, T sendo pontos quaisquer, temos

AB = AM + MN + NO + ...O + ..... + R... + RS + ST + TB .

109

Os pontos A, B, M,... podem coincidir, ou ser colocados de tal maneira que as linhas

AM , MN ,... passem várias vezes pelo mesmo traço, se cruzam entre si etc. Todas

essas circunstâncias são indiferentes.

10. Toda linha em direção pode ser assim decomposta de uma

infinidade de maneiras.

Querendo, por exemplo, decompor a linha KP (Figura 6)

Figura 6

em duas partes, uma da ordem KA , a outra da ordem KB : tiraremos, sobre KA, PN

paralela a BK, e teremos

KP = KN + NP .

Também teria sido possível tirar PM paralela a KA, e teríamos tido

KP = KM + MP ;

mas essas duas expressões são idênticas, pois KM = NP e KN = MP . Assim,

como há somente essas duas maneiras de operar a decomposição proposta,

concluímos que, se A e A’ são da ordem a, B e B’ da ordem b, a sendo diferente de b,

e que temos a equação

A + B = A’ + B’,

resultem disso as duas equações A = A’, B = B’.

K N A

M P

B

110

11. Vamos passar para a multiplicação das linhas dirigidas, e, em

primeiro lugar, vamos propor construir o produto KCKB× (Figura 7),

Figura 7

cujos fatores são unidades não primas. Seja tomado ângulo CKB = ângulo AKB .

De acordo com o que foi dito acima, teremos

KA : KB : : KC : KD ,

de onde

KA × KD = KB × KC ;

mas

KA = + 1,

então

KB × KC = KD .

Assim, para construir o produto de dois raios dirigidos, é preciso

tomar, a partir da origem dos arcos, a soma dos dois arcos que pertencem a esses

raios, e a extremidade do arco-soma determinará a posição do raio-produto: é de

novo uma multiplicação logarítmica. Não é necessário mostrar que essa regra

acontece para um número qualquer de fatores.

Se os fatores não são unidades, poderemos colocá-los sob a forma m⋅KB , n⋅KC ,...,

m, n,... sendo coeficientes ou linhas primas positivas; e o produto será

(mn...) ⋅ ( KB ⋅KC ...) = (mn...) ⋅KP .

B K

A

C D

111

O produto da linha prima positiva (mn...) pelo raio KP não é nada

senão esta mesma linha desenhada na direção desse raio.

A divisão se fará por uma abordagem inversa, que seria supérfluo

detalhar.

32. O método que o Ensaio acaba de expor repousa sobre dois

princípios de construção, um para a multiplicação, a outra para a adição das linhas

dirigidas; e foi observado que, esses princípios, resultando de induções que não

possuem um grau suficiente de evidência, podiam, até presentemente, ser admitidos

somente como hipóteses, que suas conseqüências ou raciocínios mais rigorosos

poderão fazer admitir ou rejeitar.

Poderíamos ter dado mais desenvolvimento às idéias que levaram a

esses resultados. Poderíamos, por algumas aproximações, ter mostrado que certos

pontos de teoria, em Álgebra e em Geometria, têm por objeto princípios admitidos

por indução, e cuja certeza é estabelecida mais pela exatidão das conseqüências que

decorrem deles do que pelos raciocínios sobre os quais os fundamos; mas essa

discussão não teria acrescentado nada de essencial ao que precede, e limitamo-nos a

propor o método das direções como um meio de pesquisas, que, em certos casos,

pode ser usado utilmente, por causa da vantagem que têm as construções geométricas

de apresentar um quadro próprio para facilitar às vezes as operações intelectuais.

Será, aliás, sempre possível traduzir na linguagem habitual as

demonstrações retiradas desse método.

CAPÍTULO 5

113

A GEOMETRIA E O ENSINO DOS NÚMEROS COMPLEXOS

Neste capítulo apresentamos algumas reflexões sobre abordagens de

ensino dos números complexos, reflexões essas resultantes dos estudos dos capítulos

anteriores e também de observações de nossa experiência como docente.

O tópico dos números complexos, de um modo geral, faz parte dos

programas do Ensino Médio e também dos programas da Licenciatura e Bacharelado

em Matemática e, por essa razão, é freqüente ocorrer que esse tópico deixe de ser

devidamente desenvolvido nesses dois níveis de ensino. No Ensino Superior por ser

considerado um tema elementar do Ensino Médio e, no Ensino Médio, por ser

considerado um conceito muito abstrato, de difícil compreensão e por ter poucas

aplicações. De fato, como encontrar aplicação para os números complexos se a

própria existência deles é motivada, logo no primeiro contato, como solução

“imaginária” de equações que “sabemos” não terem solução, como foi antes

demonstrada várias vezes?

Em consulta a livros do Ensino Médio ou por meio de testemunhos de

professores e alunos, pudemos constatar que a maneira mais comum de se introduzir

os números complexos é por meio da seguinte definição: Um número complexo é um

objeto da forma bia + , onde a e b são números reais, i = 1− os quais satisfazem as

leis da álgebra (essa última parte significando que são válidas as propriedades que

definem um corpo).

A partir dessa definição é solicitado aos alunos que resolvam

exercícios do tipo: calcule ( )( )ii 432 ++ ; calcule ( )ii

−+

132 etc. E a maioria das

questões de provas sobre números complexos, inclusive em concursos, não passam

de variantes mais ou menos complicadas desse tipo de exercício.

Não há o que corrigir na definição acima citada, sem dúvida ela é

correta, mas a dificuldades está em introduzir esse conceito dessa forma. Essa

abordagem corresponderia a introduzir o conceito de número racional, para um

estudante que conheça números inteiros assim: um número racional é um objeto na

114

forma ba , sendo a e b números inteiros, com b ≠ 0, com bcad

dc

ba

=⇔= , os quais

satisfazem as seguintes leis da álgebra: bd

bcaddc

ba +

=+ e bdac

dc

ba

=⋅ . E na

seqüência propor os exercícios: calcule 95

32+ , etc. A definição é correta, mas ela não

possibilitaria resolver todas as operações no campo dos racionais.

Vale perguntar se alguém, em plena posse do seu bom senso e com

um mínimo de consideração pelos seus alunos, faria tal barbárie? Pois é, infelizmente

mais ou menos assim que, em geral, são introduzidos os números complexos.

Um outro comentário que desejamos fazer é sobre a introdução da

igualdade i = 1− , que por vezes vem acompanhada da “esclarecedora”

complementação: sendo i é a unidade imaginária. O que esperar dos estudantes que

até aquele momento tinham por conhecimento que o quadrado de um número não

pode ser negativo, e, como mágica, vê seu professor lhe apresentar um número cujo

quadrado é −1? E, ainda considerá-lo como um número “imaginário”? A resposta só

poderia ser: esperar que o estudante principiante não atribua alguma utilidade aos

números complexos na Matemática ou na Física, ou muito menos em outra área de

aplicação da Matemática. Pode-se mesmo esperar que eles duvidem da existência de

tais números e os considere uma invenção dos matemáticos sem muito significado.

Os capítulos anteriores desta dissertação possibilitam um estudo

aprofundado sobre os números complexos, e o porquê eles são tratados dessa

maneira. A História revela quão importante foi a representação geométrica para a

legitimação dos números imaginários.

É na obra Theoria residuorum biquadraticorum. Commentatio

secunda, de 1831, que Gauss apresenta seus estudos relacionados à representação dos

números complexos. É também nesse trabalho que surge pela primeira vez a forma

bia + e a terminologia número complexo. Portanto, foi Gauss quem outorgou aos

números complexos o “direito de cidadania”.

Hoje em dia, é bastante claro, para todos que trabalham com

Matemática, o papel central que exercem os números complexos e suas inúmeras

aplicações. O “segredo” está na multiplicação dos complexos, que é essencialmente

uma composição de rotações. É por isso que os números complexos aparecem

115

inevitavelmente em muitos problemas que envolvem rotação, círculo, funções

circulares (trigonométricas), movimentos periódicos, etc. É por isso também que

encontramos os números complexos no estudo de circuitos elétricos, corrente

alternada, astronomia, motores e mecânica quântica.

Com subsídio aos estudos apresentados anteriormente vamos, de

maneira resumida, transpor para a linguagem e simbolismo atuais o que Wessel e

Argand perceberam. E, a partir disso, observarmos que, com um toque sutil da

geometria, é possível, dar à denominação números complexos apenas o significado

de um conceito matemático, e não, a atribuição do significado semântico da palavra

complexo.

Sem nos referirmos, por enquanto, à intrigante raiz quadrada de −1, o

número complexo z = a + bi fica perfeitamente determinado pelo par ordenado de

números reais ( )b ,a . E esse, por sua vez, pode ser visto como um ponto P no plano

cartesiano (uma vez fixados os eixos), ou como pelo segmento orientado OP . Com

essa identificação, o seu módulo é a distância de P à origem, ou o módulo do vetor

cujo representante é OP . O conjugado de z é o simétrico de P em relação ao eixo das

abscissas, conforme mostra a Figura 1:

Figura 1

O produto de z pelo número real t, ou seja, ( )tb ,ta , é a imagem de P

pela homotetia de centro na origem e razão t, conforme mostra a Figura 2:

x

y

O 1

1

P = (a, b) = a + bi = z

(a, −b) = conjugado de z

116

Figura 2

O unitário z

z do número complexo não nulo é o vetor representado

por OP , igual a ( )θθ sen,cos , sendo θ o “argumento” de z conforme mostra a Figura

3:

Figura 3

Segue que cada número complexo pode ser escrito na sua forma

trigonométrica: ( )θθ= sen,cosz z .

z

x

y

O 1

1

tz

x

y

O 1

1

z

( )θθ= sen,cosz z

θ

117

Considerando os números complexos z = a + bi e w = c + di, a soma

( ) ( ) ( ) ( )idbcadicbiawz +++=+++=+ traduz-se na soma vetorial ( ) ( ) =+ d ,cb ,a

( )db ,ca ++ , e pode ser visualizada pelo clássico paralelogramo da Figura 4:

Figura 4

Considerando os números complexos z = a + bi e w = c + di, o

produto, pelas leis usuais da Álgebra, é

( )( ) ( ) ( ) i bcadbdacdicbiawz ++−=++=⋅ .

Se considerarmos os números complexos z = a + bi e w = c + di na sua

forma trigonométrica e efetuarmos a multiplicação, podemos verificar que resulta na

multiplicação dos módulos e na soma dos argumentos, ilustrada pela Figura 5. Nela,

se vê que z⋅w está para w assim como z está para 1, ou seja, multiplicar seu módulo

pelo de z (uma homotetia de razão z ) e somar o argumento de z a seu argumento

(uma rotação de amplitude e sentido iguais ao argumento de z).

x

y

O 1

1 z

w

z + w

118

Figura 5

Por essa abordagem, o problemático i nada mais é do que o ponto P

(0, 1), ou o vetor definido representado pelo segmento orientado da origem a P, ou

ainda, o complexo unitário que tem argumento 2π rd (ou 90º). Mais importante: seu

papel na multiplicação é somar um angulo reto ao argumento de w, ou seja, girar esse

fator de um ângulo reto positivo, como se vê também algebricamente: i⋅z = (−b, a) =

−b + ai, conforme apresenta a Figura 6.

Figura 6

Assim, multiplicar um número complexo z = (a, b) = a + bi por

iii ⋅=2 é girá-lo duas vezes de um ângulo reto positivo, o que equivale a girá-lo de

meia volta, obtendo ( ) ( ) zzb ,azi ⋅−=−=−−=⋅ 12 , ou seja, o simétrico de z em

0 1

z

w z⋅w

z

x

y

O 1

119

relação à origem, o mesmo que seria obtido se multiplicássemos z por −1, conforme

mostra a Figura 7:

Figura 7

Dessa forma fica claro que 12 −=i , longe de ser uma monstruosidade

incompreensível. Traduz um fato geométrico bastante simples: aplicar duas vezes

uma rotação de um ângulo reto em torno da origem, o que é o mesmo que efetuar

uma simetria de centro na origem (ou uma reflexão em torno da origem).

Na realidade, podemos dizer que essa abordagem geométrica está

incorporada ao ensino, pois nada mais é do que a forma trigonométrica ou polar dos

números complexos. Mas não é o que, geralmente, se faz. Na realidade o ensino dos

números complexos permanece ainda excessivamente preso à sua origem histórica e

parece que ainda não se beneficiou como poderia ou deveria da revolução iniciada há

200 anos por Wessel, Argand e Gauss. O enfoque algébrico permite logo a operar

com os números complexos sem dificuldade. Mas a experiência tem mostrado que,

quando se perde a chance de introduzir os números complexos como entes

geométricos, em geral ela não é recuperada, mesmo quando, mais tarde, se introduz

(quando se introduz) a forma trigonométrica.

Na abordagem algébrica podem-se inferir certas conseqüências para a

aprendizagem: o iniciante pode permanecer com uma visão demasiadamente formal

e algebrizante, deixando de se beneficiar da riqueza da visualização e de emprestar

um “significado” aos números complexos; dificilmente ocorrerá ao estudante aplicar

z

x

y

1

i

i⋅z

i⋅i⋅z = −z

120

números complexos a problemas de Geometria. O problema da ilha do tesouro

enunciado abaixo, ilustra esse argumento:

Dois piratas decidem enterrar um tesouro em uma ilha. Escolhem

como pontos de referência, uma árvore e duas pedras. A partir da árvore, medem o

número de passos até a primeira pedra. Em seguida dobram segundo um ângulo de

90o à direita, e caminham o mesmo número de passos até alcançar um ponto, onde

fazem uma marca. Voltam à árvore, medem o número de passos desde a árvore até a

segunda pedra, dobram à esquerda, segundo um ângulo de 90o, e caminham o mesmo

número de passos até alcançar um ponto, onde fazem outra marca. Finalmente,

enterram o tesouro exatamente no ponto médio entre as duas marcas.

Anos mais tarde, os dois piratas voltam à ilha e decidem desenterrar o

tesouro, mas, para sua decepção, constatam que a árvore não existe mais (o vento, a

chuva e os depredadores a haviam arrancado). Então um dos piratas decide arriscar.

Escolhe ao acaso um ponto da ilha e diz: “Vamos imaginar que a árvore estivesse

aqui.” Repete então os mesmos procedimentos de quando havia enterrado o tesouro:

conta os passos até a primeira pedra, dobra à direita, etc., e encontra o tesouro.

A pergunta é: esse pirata era sortudo ou um matemático?

Esse problema foi apresentado num curso sobre números complexos

(CARNEIRO, 2001, p.3.), e para “alunos” que tinham bastante experiência –

professores de Matemática, e causou uma comoção. Na verdade, todos admitiram

que, se o curso não fosse sobre números complexos, a nenhum dos presentes teria

ocorrido a idéia de resolver esse problema usando a álgebra dos números complexos.

E, mesmo depois da sugestão para fazê-lo, quase ninguém conseguiu.

Qual é a relação entre o problema e os números complexos? Tudo se

baseia em dois fatos fundamentais:

1) no plano complexo, a diferença entre dois complexos traduz o vetor

com um representante com origem no primeiro ponto e extremidade no segundo; é o

que se costuma formular por: ABAB −= ;

2) multiplicar um complexo pelo número i (a “unidade imaginária”)

equivale a girá-lo de um ângulo reto no sentido positivo.

A Figura 8:

121

Figura 8

Essa figura ilustra a situação do problema. Sendo A a árvore, e P e Q

as pedras, o tesouro está no ponto T , ponto médio do segmento de extremidades 'P e

' Q . Considerando os pontos pertencentes ao plano complexo, não importando onde

esteja situada a origem, tem-se:

2222PQiQP)AQ(iQ)AP(iP' Q' PT −

++

=−++−−

=+

=

Esse resultado não só demonstra que a localização do tesouro

independe da posição da árvore (o pirata era um matemático...), como também

permite localizá-lo como o terceiro vértice de um dos triângulos retângulos isósceles

com hipotenusa PQ.

A adoção de uma abordagem geométrica dos números complexos não

exclui o uso algébrico dos números complexos, aspecto importante. À primeira vista,

pode parecer que se os números complexos forem apresentados como pares

ordenados de números reais, como se faz na abordagem geométrica, não seria

perceptível como o corpo dos complexos é uma extensão do corpo dos reais.

Q

A P

Q’

P’

T

T

P

Q

122

Na realidade, o corpo dos complexos tem uma cópia perfeita dos reais,

o eixo das abscissas do plano cartesiano.

Na seqüência, buscaremos mostrar como um assunto tão abstrato

revela suas raízes na vida comum, tornando absolutamente compreensíveis e até

intuitivas as idéias e procedimentos que levaram ao surgimento desse novo tipo de

número. Vale destacar que não há, nessa exposição preocupação com o formalismo.

Primeiramente, vamos nos colocar na posição de Gauss e definir as

operações com os números complexos. Temos um novo conjunto de números que foi

chamado C (conjunto dos números complexos), formado por todos os pares

ordenados ( )b ,a , onde a e b são números reais. Esses pares ordenados são

representados no plano, facilitando sua visualização.

No conjunto C existe um par ordenado muito particular, que é

i = ( )1 0, . Por algum motivo, vamos supor que esse número i é tal que 12 −=i ; por

enquanto, porém, nada temos que nos autorize afirmar que i é efetivamente a raiz

quadrada de −1. Para isso, será preciso definir as operações nos números complexos,

ou seja, no conjunto dos pares ordenados.

Enumeremos o que se deve esperar da definição das operações em C

de modo que a transição do “mundo antigo” para o “mundo novo” seja o mais suave

possível. Vejamos:

1. Queremos que C contenha ℜ

Essa condição já fica satisfeita mediante a identificação que se pode fazer do

número real a ao par ordenado ( )0 ,a , ambos representados pelo mesmo ponto no

plano de Argand-Gauss. É o mesmo que dizer que a reta está contida no plano.

Notemos que o fato de que um número real a tem a mesma representação

geométrica que o par ordenado ( )0 ,a foi suficiente para identificar a com ( )0 ,a .

Escrevemos

a = ( )0 ,a , embora formalmente tenhamos à esquerda um elemento de um espaço

de dimensão um e à direita, um elemento de um espaço de dimensão dois.

2. Queremos que C preserve as propriedades já válidas para os números reais.

Por que desejamos preservar tais propriedades no campo complexo? Porque, de

acordo com o item 1 queremos garantir que ℜ seja imerso em C, mediante a

123

identificação que se faz entre o número real a e o par ordenado ( )0 ,a . Não teria

sentido que uma operação de adição em C, isto é, entre pares ordenados, não

funcionasse no sentido usual, quando restrita à reta real.

Mas estender as propriedades do campo real ao campo complexo dependerá da

forma como forem definidas as operações em C, como adição, multiplicação,

potenciação etc.

As propriedades de um corpo tais como a associativa, a existência do elemento

neutro, a existência do inverso que as duas operações adição e multiplicação

satisfazem para o conjunto dos reais entre outras, certamente é desejável que

também sejam válidas no novo conjunto de números que estenda o antigo.

Entretanto (e esse é um fato curioso e muitas vezes ignorado), como veremos

mais adiante, nem todas as propriedades dos números reais, como, por exemplo,

as propriedades de ordem, poderão ser estendidas para o conjunto dos números

imaginários.

3. Queremos que em C os problemas propostos inicialmente, sobre raízes quadradas

de números negativos, insolúveis em ℜ, possuam solução em C.

O nosso ponto de partida é o que sabemos a respeito de operações no conjunto

dos reais e as propriedades que essas satisfazem.

Igualdade

Inicialmente, há necessidade de se estabelecer o significado de

igualdade entre dois números complexos são iguais. Definimos então da seguinte

forma:

( ) ( ) dbcad,cb,a ==⇔= e .

Notemos que não há nada arbitrário nessa definição: ela apenas exige que os dois

pares sejam representados pelo mesmo ponto no plano.

Adição de pares ordenados

Agora, precisamos dizer o que é ( ) ( )d,cb,a + . A definição é a

seguinte:

( ) ( ) ( )db,cad,cb,a ++=+

124

Essa definição é “boa”, no sentido que veremos a seguir: primeiro, ela

garante que a soma de dois números complexos é ainda um número complexo

(propriedade do fechamento); em seguida, ela permite verificar todas as propriedades

usuais da operação adição do corpo dos reais: associatividade, comutatividade,

elemento neutro, existência do oposto.

Por exemplo, o elemento neutro da adição, face à definição acima,

será o par ( )0 0, . Isto é:

( ) ( ) ( ) ( )b,ab,a,b,a 0 00 0 =++=+ .

Existência do oposto

Notemos que o oposto do par ( )b,a é ( )b,a −− , visto que a soma

deles resulta em ( )0 0, .

Representamos esse fato, escrevendo: – ( )b,a = ( )b,a −− .

A forma algébrica do número complexo

Observemos que, dado um número complexo z = ( )b,a , então

podemos também escrever:

z = ( )0 ,a + ( )b, 0 = ( )0 ,a + b⋅ ( )1 0, = a + b.i

Essa é a maneira mais comum de escrever um número complexo:

z = a + b.i (que é a denominada forma algébrica do número complexo).

Devemos observar que está implícita nessa forma a identificação entre

( )0 ,a e a, por motivo já explicado anteriormente. Outra coisa interessante de se notar

é a identificação do par ( )b, 0 com o produto do número real b pelo par ( )1 0, .

De fato, o produto de um número real por um par ordenado é definido

dessa maneira, ou seja, resulta no par ordenado cujos membros são os respectivos

membros do par ordenado original multiplicados pelo coeficiente b.

Isto é, por definição, se λ é um número real qualquer, temos:λ⋅ ( )b,a =

( )b,a ⋅λ⋅λ .

Subtração de pares ordenados

Agora podemos definir facilmente a subtração de números complexos:

se 1z = ( )b,a e 2z = ( )d,c , então

125

1z – 2z = 2z + (– 2z )

isto é, definimos a subtração entre 1z e 2z como a soma de 1z com o oposto de 2z .

Isso, naturalmente, equivale a escrever:

( ) ( ) ( )db,cad,cb,a −−=−

Multiplicação de pares ordenados

Consideremos agora dois números complexos 1z = ( )b,a e

2z = ( )d,c ; como deveríamos definir o produto 1z ⋅ 2z ? Há uma certa “tentação” de

definir assim:

1z ⋅ 2z = ( )db,ca ⋅⋅

ou seja, multiplicando-se as primeiras coordenadas, e depois as segundas

coordenadas, para com esses produtos formar o par ordenado resultante. Afinal, na

adição foi feito algo semelhante e lá funcionou bem. Além disso, parece mais

simples, e de fato é. Nesse caso, porém, a simplicidade é enganosa.

De acordo com essa definição, teríamos, por exemplo:

(3, 0)⋅(0, 5) = (3⋅0, 0⋅5) = (0, 0)

Ou seja, teríamos o produto de dois números não nulos sendo nulo, quando entre os

números reais isso não ocorre, vigorando ali a chamada “Lei do Cancelamento”, que

diz: se o produto de dois números vale zero, então pelo menos um deles deve valer

zero.

Não é desejável que a multiplicação em C deixe de satisfazer qualquer

propriedade do corpo ℜ dos reais. Poderíamos mostrar ainda muitos outros

inconvenientes da “definição” sugerida inicialmente.

Se essa definição não serve, então qual devemos adotar?

Sejam z = ( )b,a e w = ( )d,c . Sabemos que também podemos escrever assim:

z = a + b.i

e

w = c + d.i

126

Se admitirmos que 12 −=i , podemos ter uma noção de como deveria ser definido o

produto de números complexos. Vejamos:

z⋅w = ( )b,a ⋅ ( )d,c = (a + b⋅i)⋅(c + d⋅i)

(a + b⋅i)⋅(c + d⋅i) = a⋅c + a⋅d⋅i + b⋅c⋅i + b⋅d⋅i⋅i

Como estamos supondo que i⋅i = –1, podemos escrever, agrupando os termos em i:

(a + b⋅i)⋅(c + d⋅i) = (a⋅c – b⋅d) + (a⋅d + b⋅c)⋅i

Ou, em notação de pares ordenados:

( )b,a ⋅ ( )d,c = (a⋅c – b⋅d) + (a⋅d + b⋅c)

Essa, efetivamente, é a definição de produto de números complexos, ou de pares

ordenados de reais.

Para chegarmos a essa definição, utilizamos um processo em que,

além de identificar cada número real a com o par ordenado ( )0 ,a , já consideramos

também como hipótese que ( ) 11 0 22 −== ,i e, além disso, foi usada também a

propriedade associativa da multiplicação antes mesmo de definir essa operação em

C.

O fato é que a definição adotada corresponde ao que se espera, ou seja

que os complexos satisfaçam para a operação multiplicação as mesmas do corpo dos

reais!

É uma tarefa simples, porém, cheia de detalhes, verificarmos que a definição acima é

inteiramente compatível com as propriedades associativa, comutativa, distributiva,

existência do inverso de um par ordenado não nulo etc.

Para encaminhar, vejamos a propriedade comutativa. Temos:

(a, b) ⋅ (c, d) = (a⋅c – b⋅d) + (a⋅d + b⋅c)

(c, d) ⋅ (a, b) = (c⋅a – d⋅b) + (c⋅b + d⋅a)

Mas, entre números reais, a propriedade comutativa da multiplicação e da adição é

válida. Podemos então escrever

127

(c, d) ⋅ (a, b) = (a⋅c – b⋅d) + (a⋅d + b⋅c)

Obtemos, então, o mesmo resultado, mostrando que (a, b) ⋅ (c, d) = (c, d) ⋅ (a, b).

A solução do enigma

Mas, será verdade que, com a definição adotada, teremos afinal 2i = –1?

Vejamos: 2i = i ⋅ i = (0, 1) ⋅ (0, 1) = (0⋅0 – 1⋅1, 0⋅1 + 1⋅0) = (–1, 0) = – 1

Isso mostra que está resolvido, em C, o problema da raiz quadrada de números reais

negativos. Além disso, ganhamos outra raiz para a resolução de equações, que é – i:

(–i)2 = (–i)⋅(–i) = (0, –1)⋅(0, –1) = (0⋅0 – (–1)⋅(–1), 0⋅ (–1) + (– 1)⋅0) = (–1, 0) = – 1

Finalmente, mostraremos como, do exposto até agora, derivam-se

facilmente outros conceitos importantes da teoria dos números complexos. Veremos

também que a identificação entre um número real a e o par ordenado (a, 0), que são

representados pelo mesmo ponto no plano de Argand-Gauss, o que permite a

expressão a = (a, 0), pode ser melhor fundamentada.

Um pouco de álgebra dos números complexos

a) Conceito de conjugado de um número complexo

Por definição, chama-se conjugado de um número complexo

ibaz ⋅+= o número complexo: ibaz ⋅−= . Em termos de pares ordenados, sendo z

= (a, b), tem-se ( )b,az −= . Observemos que o afixo de z (isto é, a representação

gráfica do conjugado de z) consiste num ponto do plano que é simétrico ao afixo de

z, em relação ao eixo real.

Esse conceito apresenta uma propriedade interessante:

22 bazz +=⋅ (ou, equivalentemente, 2 z =⋅ zz ). Por exemplo, se z = 1 + 2⋅i, então

seu conjugado é z = 1 − 2⋅i, e o produto z⋅ z vale 5. Vamos conferir:

(1 + 2⋅i) ⋅ (1 − 2⋅i) = 12 + 22= 5

128

b) Divisão de números complexos

Vejamos como a abstração está presente: queremos dividir, por

exemplo, iz ⋅+= 321 por iz ⋅+= 212 . Em termos de pares ordenados, isso significa

dividir ( )3 2, por ( )2 1, .

Dividir pares ordenados − observemos onde estamos sendo conduzidos com

desenvolvimento da teoria dos números complexos!

Recapitulemos um pouco:

Primeiro, tivemos que definir o produto de dois pares ordenados, coisa que já deu

bastante trabalho, pois precisávamos encontrar uma definição que estendesse a

multiplicação de números reais para o campo dos números complexos, tendo em

vista ainda que era nosso objetivo obter, nesse novo conjunto de números, a raiz

quadrada de −1.

Depois, tivemos que verificar que as propriedades associativa, comutativa,

distributiva, etc., da multiplicação e da adição de números reais, continuavam

válidas no campo complexo. Finalmente, tivemos que verificar que a unidade

imaginária i merecia mesmo esse nome, ou seja, i2 = −1.

E agora estamos querendo dividir pares ordenados... felizmente, essa divisão é

definida em termos da multiplicação, aliás seguindo o caminho do campo real,

quando dizemos: dividir o número d1 pelo número d2 diferente de zero significa

obter o número m tal que d1 = m⋅d2.

Por exemplo: 19 dividido por 2 vale 9,5 porque 9,5 ⋅ 2 = 19.

De maneira inteiramente análoga definimos esse conceito em C, ou

seja, dividir um número complexo ibaz ⋅+=1 pelo número complexo não nulo

idcz ⋅+=2 significa obter um terceiro número complexo iqpw ⋅+= de modo que

21 zwz ⋅= . Nesse caso, escrevemos: wzz=

2

1 .

Portanto, a divisão de z1 por z2 (não nulo) implica em obter um

terceiro número, w, tal que 21 zwz ⋅= . Será que sempre existe esse número? Nesse

caso, como é ele?

129

Operacionalmente, a determinação de w utiliza o conceito de

conjugado de um número complexo, visto acima. Isto é, precisamos obter

iqpw ⋅+= tal que:

w⋅z2 = z1

ou seja:

(p + q⋅i) ⋅ (c + d⋅i)= a + b⋅i.

Multipliquemos a igualdade membro a membro pelo conjugado de 2z , isto é, por

( )idc ⋅− :

( ) ( ) ( ) ( ) ( )idcibaidcidciqp ⋅−⋅⋅+=⋅−⋅⋅+⋅⋅+

( ) ( ) ( ) ( ) idacbdbcadciqp 22 ⋅−⋅+⋅+⋅=+⋅⋅+

( ) ( )22

dc

idacbdbcaiqp+

⋅−⋅+⋅+⋅=⋅+

Observação: Isto é possível, pois idcz ⋅+=2 não é nulo.

Identificando as partes reais e imaginárias, temos:

( )22 dcdbcap

+⋅+⋅

= e ( )22 dcdacbq

+⋅−⋅

=

m termos de pares ordenados, podemos escrever:

( )( ) ⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛

+−⋅

+⋅+⋅

= 2222

dcadcb,

dcdbca

d,cb,a

Essa fórmula demonstra que sempre existe, em C, o resultado da

divisão de um número complexo por outro, desde que esse último seja diferente de

(0, 0).

Observação: Na prática, para dividir dois números complexos, basta multiplicar

numerador e denominador pelo conjugado do denominador. Exemplo:

130

( )( )( )( )

( )( ) iiiii

iiii

ii

⋅−=−

=+

⋅−⋅+⋅−=

⋅−⋅+⋅−⋅+

=⋅+⋅+

51

58

58

216342

21212132

2132

22

2

Podemos “tirar a prova” facilmente; basta multiplicar ( )i⋅+ 21 por ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ ⋅− i

51

58 ; o

resultado será realmente ( )i⋅+32 .

Embora o conceito de divisão de números complexos tenha se

inspirado nos números reais, o desenvolvimento da teoria dos números complexos

realmente abre caminhos inteiramente novos de percepção e significado.

c) A forma polar (ou trigonométrica) dos números complexos

Inicialmente, vejamos o que se entende por módulo de um número

complexo ibaz ⋅+= .

Define-se módulo de z e denota-se por z o seguinte número positivo ou nulo

22 baz += .

Agora, observemos a Figura 9:

Figura 9

22 baz +=

Temos: z

acos =α

z

bsen =α

x

y

b

α O (0, 0) a

P (a, b)

z

131

Logo: α⋅= cosza

α⋅= senzb

isenzcoszibaz ⋅α⋅+α⋅=⋅+=

A forma polar (ou trigonométrica) de ibaz ⋅+= é:

( )α⋅+α⋅= senicoszz

Vemos que um número complexo não nulo ibaz ⋅+= (ou z = (a, b)), ao ser

representado no plano de Argand-Gauss, dá origem a uma figura na qual se forma

um triângulo retângulo cuja hipotenusa tem medida exatamente igual ao módulo de z,

sendo α o ângulo formado pelo eixo real e o segmento que une a origem O = (0, 0)

com o ponto do plano que representa z (ponto esse denominado afixo de z).

A Figura 9, de forma bem detalhada, mostra que um número complexo não nulo

ibaz ⋅+= pode ser representado na forma polar, (ou forma trigonométrica), que é a

seguinte: ( )α⋅+α⋅= senicoszz .

Essa fórmula permite resolver completamente a potenciação e a

radiciação no campo dos números complexos, operações essas que são definidas de

maneira análoga às correspondentes operações do campo real.

Isso se deve ao fato de que, para elevar um número complexo ao

quadrado, por exemplo, obtemos um resultado incrível que facilita grandemente esse

tipo de operação.

Temos:

( )α⋅+α⋅= senicoszz

( )222 α⋅+α⋅= senicoszz

( )α⋅α⋅⋅+α−α⋅= cossenisencoszz 2 2222

Lembrando, da trigonometria, que

α−α=α 222 sencoscos

e

α⋅α⋅=α cossensen 22

podemos escrever:

132

( )α⋅+α⋅= 22 22 senicoszz

Uma fórmula incrível: ela nos informa que, para elevar um número

complexo ao quadrado, não apenas o seu módulo deve ser elevado ao quadrado, mas

também se deve duplicar seu argumento (isto é, o ângulo formado pelo segmento OP

e o eixo real, sendo O = (0, 0) e P = afixo de z = a + b⋅i).

E o mais importante: essa fórmula se preserva para qualquer outro

expoente inteiro, positivo ou negativo.

Em outras palavras, pode-se provar que:

( )α⋅+α⋅= nsenincoszz nn

Curiosidades:

• Notemos que essa fórmula confirma um fato comum para números reais, isto é:

números reais positivos elevados a qualquer expoente resultam em valores positivos,

mas números reais negativos somente quando elevados a expoentes pares resultam

em valores positivos; quando elevados a expoentes ímpares resultam em valores

negativos.

Podemos verificar esse fato na última fórmula acima, pois: os números reais

positivos, “vistos” como números complexos, formam ângulo de 0o com o eixo x, por

isso, quando elevados a qualquer expoente sempre estarão sobre o lado positivo do

eixo x, visto que sem 0o = 0 e cós 0o = 1

Já os números reais negativos, “vistos” como números complexos, formam ângulo de

180o com o eixo x, e por isso, quando elevados a expoentes pares, estarão sobre o

lado positivo do eixo x, já que formarão ângulos congruentes com 0o, portanto com o

seno valendo zero e o cosseno valendo 1.

Mas, se elevados a expoentes ímpares estarão sobre o lado negativo do eixo x, visto

que formarão ângulos congruentes com 180o, portanto com o seno valendo zero e o

cosseno valendo −1.

• Suponha que z = 1, isto é, o número complexo possui módulo unitário. Nesse

caso, seu afixo (o ponto que o representa no plano de Argand-Gauss) estará numa

133

circunferência de raio unitário centrada na origem. Substituindo z por 1 na

fórmula da potenciação, temos:

( ) ( )α⋅+α=α⋅+α nsenincossenicos n

• Um resultado notável é a denominada fórmula de De Moivre (em homenagem ao

notável matemático francês). Se imaginarmos números complexos de módulo

unitário como um vetor que tem como representante um segmento centrado na

origem e com extremidade em uma circunferência também de raio unitário, essa

fórmula mostra que ao elevar tais números ao quadrado, cubo etc., tais segmentos

giram no sentido anti-horário, respectivamente duplicando, triplicando etc. os

ângulos que originalmente eles formavam com o eixo real.

Em particular, temos: i = 0 + 1⋅i = cos 90o + i⋅sen 90o

Vejamos as cinco primeiras potências de i:

i1 = cos 90o + i⋅sen 90o = 0 + 1⋅i = i (é a própria unidade imaginária)

i2 = cos 180o + i⋅sen 180o = −1 + 0⋅i = −1 (seu afixo está sobre o eixo real,

formando ângulo de 180o com o eixo real)

i3 = cos 270o + i⋅sen 270o = 0 + (−1)⋅i = −i (seu afixo está sobre o eixo imaginário,

formando ângulo de 270o com o eixo real)

i4 = cos 360o + i⋅sen 360o = 1 + 0⋅i = 1 (seu afixo está sobre o eixo real,

formando ângulo de 360o com o eixo real)

i5 = cos 450o + i⋅sen 450o = 0 + 1⋅i = i (seu afixo está sobre o eixo imaginário,

formando ângulo de 450o com o eixo real)

e assim por diante, ciclicamente, pois os ângulos obtidos ficam congruentes com os

já obtidos em etapas anteriores.

d) Radiciação em C

A fórmula ( )α⋅+α⋅= nsenincoszz nn , da potência enésima de

( )α⋅+α⋅= senicoszz , não será aqui demonstrada; apenas verificamos a validade

para o caso particular n = 2. Ela é válida, porém, para qualquer valor inteiro de n e

sua demonstração pode ser conferida em bons livros de Matemática do Ensino

Médio.

134

Consideremos agora o problema da extração de raízes não apenas

quadradas, mas de qualquer índice, no campo complexo.

Seja z um número complexo genérico, na forma trigonométrica

( )α⋅+α⋅= senicoszz .

Queremos obter outro número complexo,

( )β⋅+β⋅= senicosww ,

que seja uma raiz enésima de z. Isto é, w deve ser tal que satisfaça a seguinte

igualdade: wn = z.

Solução:

Pela fórmula da potenciação, podemos escrever que:

( )β⋅+β⋅= nsenincosww nn

Logo:

zw n =

α=β cosncos ( I )

α=β sennsen ( II )

A solução será dada por:

nzw1

= ,

ou seja, o módulo de w será a raiz enésima do módulo de z, o que não é nenhum

problema, pois trata-se da extração de raiz de um número positivo.

E quanto ao ângulo β que o vetor representado por OW forma com o

eixo real? (OW é o segmento que une a origem do plano de Argand-Gauss ao afixo

do número complexo w).

Revisando um pouco de Trigonometria, não é difícil ver que a solução

do sistema de equações trigonométricas ( I ) e ( II ) será dada por:

o360⋅+α=β kn , onde k = 0, 1, 2, 3, ...

Logo, ( )n

k o360⋅+α=β

Por exemplo, determinemos as raízes cúbicas da própria unidade imaginária i.

135

Temos:

i = 0 + 1⋅i = cos 90o + i⋅sen 90o

Seja ( )β⋅+β⋅= senicosww . Então, se w é uma raiz cúbica de i, e como i tem

módulo 1, teremos necessariamente = w 1. Portanto, β⋅+β= senicosw .

Tudo que precisamos é obter os valores de β. Pela aplicação da fórmula de De

Moivre, teremos:

β⋅+β= 3 33 senicosw

Logo, oo 360903 ⋅+=β k

assim, oo 12030 ⋅+=β k ,

com k variando de 0 a 2, porque valores de 3 em diante não representam novas

soluções.

Portanto, as soluções são: oo 30 30 0 0 senicoswk ⋅+=⇒=

oo 150 150 1 1 senicoswk ⋅+=⇒=

oo 270 270 2 2 senicoswk ⋅+=⇒=

Finalizando, queremos mais uma vez recordar que, embora seja

repleto de descobertas fascinantes, não nos interessa tanto abarcar, neste trabalho,

todo o desenvolvimento da teoria dos números complexos, a dedução das fórmulas, a

aplicação delas na resolução de problemas etc.

Interessa-nos principalmente desvendar os mistérios do assunto, como

tudo isso surgiu e se desenvolveu ao longo dos séculos. E foram séculos mesmo.

Hoje, como herdeiros de todas essas descobertas, desse intenso trabalho

desenvolvido por matemáticos geniais, não podemos ser meros aplicadores de

fórmulas!

Vejamos, porém, dois pontos interessantes, que raramente são

comentados.

136

Imersão de ℜ em C

Um ponto que ficou pendente é a melhor fundamentação da identidade

que se faz entre um número real x e o número complexo ( )0 ,x .

O que permitiu tal identificação, até agora, foi simplesmente o fato de

que um número real x tem a mesma representação gráfica que o par ordenado ( )0 ,x ,

escrevendo-se então: x = ( )0 ,x . Mas, como já dissemos, devemos ter em mente que x

é um elemento de um espaço vetorial de dimensão um, e ( )0 ,x é um elemento de um

espaço vetorial de dimensão 2.

Quem nos garante que toda e qualquer operação que se faça com

( )0 ,x , no campo complexo, conduzirá aos mesmos resultados que as correspondentes

operações, restritas ao campo real, dariam com o número real x? Essa é uma pergunta

sutil, porém, de fundamental importância. Ela tende a passar despercebida;

simplesmente consideramos que x = ( )0 ,x e vamos em frente.

Tomemos, por exemplo, a fórmula da potenciação em C:

( )α⋅+α⋅= nsenincoszz nn

Notemos que essa fórmula confirma um fato comum para números reais, isto é:

números reais positivos elevados a qualquer expoente resultam em valores positivos,

mas números reais negativos somente quando elevados a expoentes pares resultam

em valores positivos; quando elevados a expoentes ímpares resultam em valores

negativos.

O que está em causa é o seguinte: será que as operações em C, por

exemplo, a potenciação acima, quando aplicadas a números reais, dará sempre os

mesmos resultados que a potenciação comum de números reais?

Idêntica pergunta podemos fazer em relação à radiciação de números

complexos. Trata-se de uma fórmula razoavelmente complicada, que envolve

elementos trigonométricos. Ela permite inclusive extrair raízes quadradas de

números negativos, o que a radiciação não permite fazer em ℜ. Precisaríamos saber

se as raízes complexas de números reais positivos sempre resultam os mesmos

valores que as raízes reais comuns desses mesmos números.

137

Para responder a essas perguntas, definimos a função x → ( )0 ,x , que

associa a cada número real x, o par ordenado em que esse número x figure como

primeira coordenada, sendo nula a segunda. Trata-se de uma função biunívoca, que

possui as seguintes propriedades:

( ) ( ) ( )yfxfyxf +=+

e

( ) ( ) ( )yfxfyxf ⋅=⋅

A demonstração da primeira propriedade é simples:

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )yfxf,y,x,yxyxf +=+=+=+ 0 0 0

Quanto à segunda, lembremos que a definição de produto de pares

ordenados é dada pela seguinte expressão:

( )b,a ⋅ ( )d,c = (a⋅c – b⋅d) + (a⋅d + b⋅c)

Logo:

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )yfxf,y,x,yxyxf ⋅=⋅=⋅=⋅ 0 0 0

Isso significa basicamente que, ao somarmos números reais x e y,

obtendo resultado z, a adição em C com os números complexos ( )0 ,x e ( )0 ,y dará o

resultado ( )0 ,z . E inversamente.

Da mesma forma, ao multiplicarmos números reais x e y, obtendo

resultado z, a multiplicação em C com os números complexos ( )0 ,x e ( )0 ,y dará o

resultado ( )0 ,z . E inversamente.

Portanto, o conjunto dos números reais e o conjunto dos números

complexos da forma ( )0 ,x , para todo x real, comportam-se do mesmo modo no que

diz respeito às operações de adição e multiplicação, o mesmo ocorrendo com as

operações de divisão e potenciação, visto que estas são definidas a partir das duas

anteriores.

138

Assim, os dois conjuntos numéricos, embora formalmente diferentes,

não apenas admitem a mesma representação geométrica − pontos do eixo real −

como também se comportam do mesmo modo em relação às operações de adição e

multiplicação. Dizemos então que os dois conjuntos são isomorfos (possuem a

mesma forma), e a função x → ( )0 ,x , definida anteriormente, é chamada de

isomorfismo, isto é, uma função biunívoca que preserva aquelas operações. Dizemos

assim que ℜ está “imerso” em C.

A expressão x = ( )0 ,x agora tem um significado muito mais preciso;

operar em C com ( )0 ,x conduz aos mesmos resultados que aplicar a mesma

operação em ℜ, sobre a variável x.

Há relações de ordem em C?

Um fato muito interessante no plano complexo é o seguinte: não se é

possível definir uma relação de ordem em C. Em outras palavras, dados os números

complexos z e w, não há entre eles nenhuma relação do tipo z > w ou z < w.

Em particular, um número complexo não é positivo ou negativo! E por quê?

Consideremos, por exemplo, a unidade imaginária i. Se acaso tivermos i > 0, isto é,

se i for positivo, então deveríamos poder multiplicar os dois lados da desigualdade

pelo próprio i, sem inverter o sentido dessa desigualdade. Pelo menos é assim que se

comportam os números reais. Se x for um número real positivo, então x2 também será

positivo.

Mas vejamos o que aconteceria:

i > 0

i⋅i > i⋅0

−1 > 0 (absurdo!)

Idêntica contradição ocorre se considerarmos que i seja negativo. Em

ℜ se tivermos um número negativo, seu oposto será positivo. Certamente desejamos

que isto se estenda ao campo complexo, então teríamos –i > 0. Nesse caso ao

multiplicarmos ambos os membros da desigualdade por –i ela deveria manter seu

sentido. Como veremos a seguir, porém, tal situação não ocorre em C:

139

i< 0

i⋅ (–i)< 0

–i⋅i < 0

– (–1) = 1 < 0(absurdo!)

Não deixa de ser irônico que o problema que levou à descoberta dos

novos números, ou seja, a extração de raízes quadradas de números negativos,

simplesmente inexiste no novo campo numérico, visto que ali não há números

negativos.

Fazendo uma pequena incursão ao campo filosófico, seria o caso de

pensar se muitos dos problemas que nos atormentam, enquanto seres humanos

falíveis e limitados, não ficariam resolvidos numa dimensão superior, pelo simples

fato de ali não existirem. Que dimensão é essa? – pergunta o homem. E, de imediato,

nesse tipo de assunto, uma dúzia de “soluções” nos são apresentadas pelos fiéis de

qualquer tipo de crença... não podemos, porém, fazer como Bombelli em seu

algoritmo, que afinal foi uma pseudo-solução com a qual ele fugiu da necessidade de

descobrir o desconhecido.

Finalmente, esperamos que este capítulo possa contribuir para

esclarecer dúvidas talvez já antigas, ou despertar o interesse para buscar com rigor e

profundidade o entendimento de qualquer conteúdo científico, sem desprezar o

estudo minucioso das descobertas, das dificuldades, dos insights dos estudiosos

considerados ao longo deste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

141

Na sociedade a matemática é estigmatizada como conhecimento onde

tudo é certo e não há divergências na interpretação de conceitos ou afirmações, nem

dúvidas sobre provas ou afirmações e, conseqüentemente, na escola são ensinadas

como se as teorias estivessem prontas cabendo aos alunos dominarem definições,

teoremas, regras, modelos.

Como foi mostrado nesse trabalho, um tema relativamente elementar

como os números complexos poderiam estimular um grande número de reflexões

bastante complexas sobre a matemática e seu desenvolvimento histórico e cognitivo.

Nessas considerações finais, não vamos tentar harmonizar e sintetizar

tudo que fora discutido nas páginas anteriores, mas chamar atenção para um

problema epistemológico grave: por que o movimento do rigor aritmético prevaleceu

tanto no ensino e o pensamento relacional da axiomática abstrata foi quase ignorado

mesmo sendo a única maneira de dar uma interpretação satisfatória dos números

complexos?

O pensamento relacional é uma das noções pelas quais a Matemática e

a ciência se tornaram caracterizadas, desde o famoso livro de Ernst Cassirer

Substanzbegriff und Funktionsbegriff (Substância e Função) de 1910. Relações ou

funções, no entanto, são comumente identificadas com esquemas operativos pelos

Neo-Kantianos ou idealistas, como Cassirer, ou são consideradas como regularidades

meramente empíricas por positivistas.

Na escola, essas duas faces da função matemática permanecem pouco

conectadas uma com a outra. O pensamento relacional é o maior obstáculo do

conhecimento cotidiano e da atitude natural da assim chamada gente da rua, que

tende, ao contrário e positivamente, a identificar o conhecimento com a realidade ou

como um mero instrumento. A história da matemática como da matemática escolar

sempre tem prevalecido a concepção instrumental do conhecimento e da linguagem

matemática. Mas os números complexos foi um tema que realmente exigiu um

pensamento relacional na matemática, como a seguinte reflexão de Gauss mostra

claramente.

142

A idéia geral de coisas em que cada uma tem relações somente com mais duas é representável por pontos numa única reta. Se um ponto mantém relações com mais de dois pontos diferentes, uma representação possível seria a colocação de pontos num plano, que seria coberto por retas e cada ponto teria uma relação com três outros pontos. (GAUSS, 1831)

Acreditamos que essa é a questão por trás da afirmação de Thom de

que o problema real com o qual a Educação Matemática se confronta é o problema

“do desenvolvimento do significado, da ‘existência’ de objetos matemáticos”

(THOM, 1973, p. 202). E, como vimos anteriormente, esse tem sido o problema da

filosofia matemática desde a Revolução Científica, pelo menos.

Com a interpretação geométrica dos números imaginários, que até

então formavam meras marcas para operações algébricas, não só se mostrou um novo

entendimento da álgebra e da matemática em geral, ou seja, a transformação da

álgebra de uma linguagem formal para uma teoria de estruturas, mas também uma

nova concepção da objetividade matemática em termos da teoria de modelos.

Vale a pena desenvolver as conseqüências de uma

“complementaridade” (Otte, 2003) no pensamento matemático que poderia ser

considerada em analogia à coexistência das funções denotativa e conotativa de

qualquer linguagem para qualquer ensino da matemática.

Neste sentido, apresentamos este estudo de um capítulo da história da

álgebra e dos números.

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144

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OTTE, M. O Formal, o social e o subjetivo: uma introdução à filosofia e à

didática da matemática. Tradução: Raul Fernando Neto. São Paulo: Editora da

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147

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SMITH, D. E., History of Mathematics. Vol II, Boston: Ginn and Company, 1925.

STRUIK, D. J. História Concisa das Matemáticas. 4.ª ed. Tradução: João Cosme

Santos Guerreiro. Lisboa: Gradiva, 1986.

THOM, R. Modern mathematics: Does it exist?, in: A. G. Howson (ed),

Development in Mathematical Education, Cambrige University Press, 1973.

ANEXO

149

GALERIA DE IMAGENS

Papiro de Berlim Aproximadamente do ano 1800 a.C.

http://www.malhatlantica.pt/mathis/Egipto/berlin.jpg

Papiro de Rhind Aproximadamente do ano 1650 a.C. Comprimento: 6 m × Largura: 33 cm

http://suanzes.iespana.es/suanzes/papiro.htm

Hippocrates de Chios Geômetra grego

Nasceu em 460 a.C. Faleceu em 370 a.C.

http://www.math.sfu.ca/histmath/Europe/Euclid300BC/Hippocrates.jpg

Euclides de Alexandria Professor, Matemático e Escritor grego

Nasceu em 360 a.C. Faleceu em 295 a.C.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Euklid2.jpg

150

Ptolomeu de Alexandria Astrônomo, Matemático, Geógrafo grego

Nasceu em 100 d.C. Faleceu em 178 d.C.

http://br.geocities.com/saladefisica3/fotos/ptolomeu.jpg

Diophantus de Alexandria Matemático grego

Nasceu em Alexandria, Grécia – 200 Faleceu em Alexandria, Grécia – 284

http://www.zaitseva-irina.ru/html/f1120951804.html

Pappus de Alexandria Matemático grego

Nasceu em Alexandria, Grécia – 290 Faleceu em Alexandria, Grécia – 350

http://www.latein-pagina.de/index.html?http://www.latein-pagina.de/iexplorer/colloquium.htm

Mohammad ibn-Musa Al-Khowarizmi Matemático e Astrônomo árabe Nasceu em Bagdá, Iraque – 780 Faleceu em Bagdá, Iraque – 850

http://jeff560.tripod.com/khowar.jpg

151

Omar Khayyám Matemático árabe

Nasceu em Nishapur, Irã – 1048 Faleceu em Nishapur, Irã – 1131

http://www.nndb.com/people/043/000031947/

Leonardo Pisano Fibonacci Matemático italiano

Nasceu em Pisa, Itália – 1170 Faleceu em Pisa, Itália – 1250

http://www.iisalessandrini.it/progetti/medioevo/fibo.htm

Lucca Pacioli Frade Franciscano e Matemático italiano

Nasceu em Sansepolcro, Itália – 1445 Faleceu em Sansepolcro, Itália – 1514 ou 1517(?)

http://www.eumed.net/cursecon/economistas/Paciolli.htm

Nocolò Fontana (Tartaglia) Matemático italiano

Nasceu em Brescia, Itália – 1500 Faleceu em Venice, Itália – 1557

http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/PictDisplay/Tartaglia.html

152

Girolamo Cardano Médico, Matemático, Astrônomo italiano

Nasceu em Pavia, Itália– 1501 Faleceu em Roma, Itália– 1576

http://www.stetson.edu/~efriedma/periodictable/html/Cd.html

Robert Recorde Matemático e Astrônomo francês

Nasceu em Tenby, País de Gales – 1510 Faleceu em Londres, Inglaterra – 1558

http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/PictDisplay/Recorde.html

Rafael Bombelli Matemático italiano

Nasceu em Bologna, Itália – 1526 Faleceu em Roma, Itália – 1572

http://maurice.bichaoui.free.fr/Histoire36.gif

Fraçois Viète Matemático e Astrônomo francês

Nasceu em Vendée, França – 1540 Faleceu em Paris, França – 1603

http://www-gap.dcs.st-and.ac.uk/~history/Posters/1213c.html

153

René Descartes Filósofo e Matemático francês

Nasceu em Touraine, França – 1596 Faleceu em Stockholm, Suécia – 1650

http://www.knowledgerush.com/kr/encyclopedia/Ren%C3%A9_Descartes

Adrien-Marie Legendre Matemático francês

Nasceu em Paris, França – 1752 Faleceu em Paris, França – 1833

http://www.nndb.com/people/891/000093612/

Johann Carl Friedrich Gauss Matemático alemão

Nasceu em Braunschweig, Alemanha– 1777 Faleceu em Gönttingen, Alemanha – 1855

http://portrait.kaar.at/Deutschsprachige%20Teil%203/image49.html

Augustin Louis Cauchy Matemático francês

Nasceu em Paris, França– 1789 Faleceu em Sceaux, França– 1857

http://ar.geocities.com/matematicamente/cauchy.htm

154

Karl Gustav Jacob Jacobi Matemático alemão

Nasceu em Potsdam, Alemanha – 1804 Faleceu em Berlim, Alemanha – 1851

http://www.iisalessandrini.it/progetti/medioevo/fibo.htm

Sir William Rowan Hamilton Matemático e Astrônomo irlandês Nasceu em Dublin, Irlanda – 1805 Faleceu em Dublin, Irlanda – 1865

http://www.kosmologika.net/Scientists/Hamilton.html

Karl Theodor Wilhelm Weierstrass Matemático alemão

Nasceu em Ostenfelde, Alemanha – 1815 Faleceu em Berlin, Alemanha – 1897

http://www.matematikk.org/artikkel/biografi/vis.html?id=86

Hermann Hankel Matemático alemão

Nasceu em Halle, Alemanha – 1839 Faleceu em Tübingen, Alemanha – 1873

http://www-gap.dcs.st-and.ac.uk/~history/PictDisplay/Hankel.html

155

Giuseppe Peano Matemático italiano

Nasceu em Cuneo, Itália – 1858 Faleceu em Turin, Itália – 1932

http://www.u.lodz.pl/~wibig/hieronim/hie03p1ok.htm

Bertrand Arthur William Russell Matemático britânico

Nasceu em Ravenscroft, País de Gales – 1872 Faleceu em Penrhyndeudraeth, País de Gales – 1970

http://www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/en/russell1.htm

Alfred North Whitehead Matemático inglês

Nasceu em Ramsgate, Inglaterra – 1861 Faleceu em Cambridge, USA– 1947

http://www.anthonyflood.com/whitehead.htm

Otto Neugebauer Historiador das Ciências austríaco

Nasceu em Innsbruck, Áustria – 1899 Faleceu em Princeton, USA – 1990

http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/PictDisplay/Neugebauer.html

156

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

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