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A intervenção da educação musical no processo de reabilitação do deficiente visual

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Resumo: O foco desta pesquisa é na intervenção do ensino de música no processo de reabilitação do deficiente visual no Instituto Benjamin Constant. Ensinando música para deficientes visuais que perderam ou estão perdendo a visão na fase adulta, percebemos melhor suas angústias, ansiedades e suas dificuldades atribuídas à perda da visão de forma repentina. O objetivo dessa pesquisa é relatar de forma investigativa nossas estratégias propostas nas aulas de violão em grupo e nas aulas de musicalização, e como essas estratégias podem influenciar no aprendizado musical e na vida social desses reabilitandos. A metodologia aplicada nesse trabalho tem como base uma das linhas pedagógicas citadas por Libâneo (1990), a pedagogia liberal renovada não - diretiva, na qual trata justamente de um relacionamento entre professor – aluno, onde o professor é um agente facilitador e mediador de todo o processo. Dialogando com alguns autores da área da psicologia e da educação musical conseguimos nos apreender e investigar o processo de ensino e aprendizagem desses alunos, o que nos trouxe a tona alguns resultados como: uma maior procura pelas aulas de música; o violão como uma atividade de lazer fora das aulas; a forma de se expressar e se comunicar com a música nas aulas e nas apresentações.Palavras-chave: Deficiente visual, Reabilitação, Pedagogia liberal.

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  • A interveno da educao musical no processo de reabilitao do

    deficiente visual1

    Paulo Roberto de Oliveira Coutinho

    Universidade Federal do Rio de janeiro

    [email protected]

    Resumo: O foco desta pesquisa na interveno do ensino de msica no processo de reabilitao do deficiente visual no Instituto Benjamin Constant. Ensinando msica para deficientes visuais que perderam ou esto perdendo a viso na fase adulta, percebemos melhor suas angstias, ansiedades e suas dificuldades atribudas perda da viso de forma repentina. O objetivo dessa pesquisa relatar de forma investigativa nossas estratgias propostas nas aulas de violo em grupo e nas aulas de musicalizao, e como essas estratgias podem influenciar no aprendizado musical e na vida social desses reabilitandos. A metodologia aplicada nesse trabalho tem como base uma das linhas pedaggicas citadas por Libneo (1990), a pedagogia liberal renovada no - diretiva, na qual trata justamente de um relacionamento entre professor aluno, onde o professor um agente facilitador e mediador de todo o processo. Dialogando com alguns autores da rea da psicologia e da educao musical conseguimos nos apreender e investigar o processo de ensino e aprendizagem desses alunos, o que nos trouxe a tona alguns resultados como: uma maior procura pelas aulas de msica; o violo como uma atividade de lazer fora das aulas; a forma de se expressar e se comunicar com a msica nas aulas e nas apresentaes.

    Palavras-chave: Deficiente visual, Reabilitao, Pedagogia liberal.

    Introduo

    Este artigo consiste em apresentar um trabalho de educao musical que est sendo

    desenvolvido com alguns alunos deficientes visuais no setor de reabilitao do Instituto

    Benjamin Constant no Rio de Janeiro. Ao iniciar um trabalho de ensino de msica no setor,

    em junho de 2009, com a oferta de aulas coletivas de violo juntamente com as aulas de

    musicalizao, procuramos desenvolver um trabalho que pudesse intervir de forma positiva

    na vida social desses alunos que por perderem a viso na fase adulta se encontram na maioria

    das vezes, em estado de depresso devido cegueira adquirida de forma repentina.

    Dialogando com alguns autores da rea da educao musical e tambm da

    psicologia, descreveremos a seguir nossas aes, a fim de levantar algumas questes

    relacionadas cegueira adquirida na fase adulta que nos ajudaro a refletir sobre a relao

    entre o ensino de msica, a deficincia visual e os resultados que conseguimos observar

    desde o incio de nosso trabalho.

    1 Este trabalho est vinculado linha de pesquisa de Mestrado em Educao Musical (Msica, Educao e Sade), que est sendo desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro sob a orientao da Professora Doutora Thelma lvares.

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  • O Instituto Benjamin Constant e a cegueira adquirida

    Hoje o Instituto Benjamin Constant - IBC - uma referncia, a nvel nacional para

    questes de deficincia visual. Possui uma escola, capacita profissionais da rea da

    deficincia visual, assessora escolas e instituies, realiza consultas oftalmolgicas

    populao, reabilita, produz material especializado impressos em Braille2 e publicaes

    cientficas.

    O setor de reabilitao do Instituto constitudo por uma equipe de mdicos,

    terapeutas, psiclogos e professores que se objetivam em reabilitar o indivduo que por algum

    motivo patolgico ou acidental, perde a viso na fase adulta. Muitos reabilitandos, como so

    assim chamados, participam de diversas atividades com fins pedaggicos que se objetivam

    em oferecer a esses alunos, a reabilitao, a capacitao e o encaminhamento para um novo

    trabalho, buscando sempre novas expectativas para a devida insero e incluso no mundo

    social e profissional.

    Segundo Carroll (1961), a perda da viso na fase adulta traz ao indivduo um choque

    psquico, o que se chama de luto, e consequentemente outras perdas acabam se somando

    cegueira na vida dessas pessoas. Algumas perdas podem ser destacadas como:

    a perda da integridade fsica; a perda da confiana dos sentidos remanescentes; perda do contato real com o meio ambiente; perda da mobilidade; perda na facilidade da comunicao escrita; perda da percepo visual do agradvel e do belo; perda da recreao; perda da carreira profissional; perda da segurana financeira [...] (CARROLL, 1961, p.11 - 68.)

    Amiralian (1997) tambm nos aponta que os efeitos da cegueira adquirida sobre o

    indivduo esto em funo de trs fatores: a fase de desenvolvimento em que se encontra o

    sujeito, a forma de instalao da cegueira (subida ou progressiva), e as condies pessoais e

    familiares do sujeito antes da ocorrncia do problema.

    Atravs de um contato mais prximo com esses deficientes visuais nas aulas de

    msica, foi possvel perceber esses efeitos causados pela cegueira a partir da nossa prpria

    vivncia em sala de aula.

    As aulas de msica na reabilitao

    2 Sistema de leitura e escrita em alto relevo criado e desenvolvido pelo francs Louis Braille para deficientes visuais.

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  • Diante da histria de vida desses alunos e de todo o contexto, nos surgiu uma grande

    inquietude em querer desenvolver um trabalho que pudesse contribuir no s para um

    aprendizado musical, mas tambm para uma efetiva interveno na vida social desses

    indivduos. Houve a necessidade de se pensar no que poderia ser importante para esses

    alunos no ensino de msica diante de todo esse quadro de perdas descrito anteriormente.

    Na primeira semana de aula realizamos entrevistas semi-estruturadas com o

    objetivo de obter dados da histria de vida social e cultural dos alunos. Alm das entrevistas,

    as conversas informais em sala de aula e nos corredores do Instituto contriburam tambm

    para uma melhor reflexo em torno de nossas aes em sala de aula.

    Aps coletar esses dados, foi possvel perceber com mais clareza, suas angstias e

    suas reais dificuldades devido a perdas sucessivas ocorridas em suas vidas. Ao mesmo

    tempo, diante desse quadro, procuramos repensar a funo da msica na reabilitao desses

    indivduos e como se ensinar msica para esse pblico especfico. Assim, buscamos a melhor

    forma de aplicar uma metodologia fundamentada em estratgias que pudessem ser adequadas

    a esse contexto. Uma metodologia capaz de nos ajudar, como educadores, a entender a

    concepo de ensino de msica que fosse vivel a essas caractersticas apontadas.

    De acordo com uma das linhas pedaggicas apontadas por Libneo (1990) - a

    pedagogia liberal renovada no-diretiva - no relacionamento professor/aluno, o professor

    um agente facilitador e mediador de todo o processo. O objetivo dessa relao proporcionar

    o desenvolvimento pessoal do indivduo na busca de sua auto realizao.

    Os mtodos usuais so dispensveis, prevalecendo quase que exclusivamente o esforo do professor em desenvolver um estilo prprio para facilitar a aprendizagem dos alunos. Sua funo restringe-se a ajudar o aluno a se organizar, utilizando tcnicas de sensibilizao onde os sentimentos de cada um possam ser expostos, sem ameaas. (LIBNEO, 1990, p.27)

    Essa corrente pedaggica levantada pelo autor vai de encontro com o que propomos

    nesse trabalho. Buscamos em todo momento facilitar o processo de ensino e aprendizagem e

    ao mesmo tempo mostrar pequenos desafios onde o aluno se sinta motivado e realizado com

    a conquista de seus objetivos. Essa motivao nos aponta para uma estreita relao entre o

    envolvimento e o prazer despertados pelos alunos e as atividades desenvolvidas em sala de

    aula. De acordo com esse raciocnio, Arajo (2009) aborda que, a partir do estabelecimento

    de metas que direcionam as atividades do indivduo, que os componentes afetivos da

    motivao geram o estado de fluxo, ou seja, um profundo envolvimento pessoal nas

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  • atividades. Quando o indivduo alcana o estado de fluxo, por meio do equilbrio entre os

    desafios propostos e suas habilidades, ele tem sua energia psquica totalmente focalizada e

    concentrada na atividade em execuo. (ARAJO, 2009, p.123)

    Ao notar essa motivao e o envolvimento com a msica em sala de aula resolvemos

    adotar algumas estratgias para tornar o estudo prazeroso, considerando as preferncias

    musicais dos alunos, revisando e reforando elementos j estudados anteriormente e

    procurando sempre que possvel capturar o interesse e o entusiasmo de cada um.

    Nas aulas de violo em grupo, todas as tcnicas de dedilhado, orientao da postura

    de mos esquerda e direita e a memorizao dos acordes so inseridas por meio das prprias

    msicas trazidas pelos alunos em aula. Por no terem desenvolvido ainda as tcnicas para a

    leitura e escrita Braille, solicitamos que cada aluno adquira um gravador de modo que

    consiga gravar o que est sendo desenvolvido em aula. Assim, munidos do gravador em suas

    casas, os alunos podem escutar a forma certa de se tocar e dedilhar os acordes, memorizar os

    encadeamentos desses acordes e a melodia da cano sugerida em aula.

    Nas aulas de musicalizao fazemos uso de alguns instrumentos de percusso que

    disponibilizamos na sala de aula, sendo eles: dois pandeiros, um caxixi, um ganz, um surdo

    e um pau de chuva. O violo, a flauta doce e o piano se tornam instrumentos de apoio

    utilizados por mim, o professor, para a realizao das atividades.

    Nosso objetivo nas aulas de musicalizao assim como as aulas de violo, fazer

    com que as canes abordadas em aula sejam sugeridas pelos alunos tornando-se o centro do

    trabalho. Os contedos musicais so inseridos dentro deste processo. Buscamos em todo o

    momento um trabalho prtico que resulte sempre no ato de se produzir msica em sala de

    aula e que essa produo possa gerar apresentaes musicais realizadas em datas festivas do

    Instituto e tambm ao final do ano no encerramento das atividades.

    Segundo Paz (2000), o desenvolvimento da percepo auditiva; o desenvolvimento

    da concentrao e da capacidade de coordenao do movimento e do pensamento so

    algumas das propostas de grandes educadores como Dalcroze e Orff. Esses elementos so

    indispensveis para a realizao musical de qualquer aluno, no caso dos deficientes visuais,

    percebemos que esses fundamentos os ajudam no desenvolvimento da orientao e

    mobilidade na rua ou em outros espaos. Por isso investimos constantemente no estudo dos

    parmetros sonoros, auxiliando e estimulando a escuta a partir dos sons que so ouvidos no

    dia a dia, fazendo uma comparao com os sons que so produzidos em aula. Elementos

    como, freqncia, timbres, volume, e principalmente o ato de organizar esses sons, so

    discutidos por todos em nossas aulas.

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  • Schafer (1991) em seu livro O ouvido pensante, descreve o seu trabalho com

    algumas turmas, essa questo dos sons que esto em nossa volta e como diferenciamos como

    os que so msica e os que no so. O autor usa a palavra organizada para se discutir e

    encontrar uma definio para o que venha a ser msica. Assim ele define: Msica uma

    organizao de sons (ritmo, melodia etc.) com a inteno de ser ouvida. (Schafer, 1991,

    p.35)

    Notamos em nosso trabalho que, para esses alunos que no contam com o campo

    visual, necessrio estarem conectados com a escuta e com a inteno de se organizar os

    sons de modo que assim encontrem um caminho para se produzir msica.

    Resultados observados

    Em um ano de trabalho conseguimos levantar alguns resultados observados em todo

    o perodo. Destacamos abaixo os seguintes resultados:

    x Depois da apresentao no final do ano de 2009, a procura pela atividade de msica no setor de reabilitao aumentou. x Alguns alunos que estudam violo desde o ano passado, hoje mostram nas prprias aulas algumas msicas ou trechos de msicas que conseguem tirar de ouvido em

    suas casas. Acreditamos que o uso do gravador em aula e tambm em casa foi um

    fator determinante para esse resultado. x Como j foi relatado neste trabalho, a perda da recreao um dos danos que se instalam por algum momento na vida dessas pessoas. Percebemos hoje por meio de

    conversas informais, uma mudana evidente nesse cenrio. Constatamos que o violo

    passa a fazer parte da vida cotidiana, de momentos festivos com a famlia e em outros

    espaos. Nota-se uma estreita relao de bem estar entre a msica e alguns alunos

    envolvidos nesse processo. x Alguns alunos que antes de perder a viso nunca tiveram a oportunidade de ter aulas de msica, hoje conseguem cantar, se expressar e se comunicar com a msica por

    meio das aulas e apresentaes. x Hoje conseguimos notar uma satisfatria evoluo no que diz respeito superao, ligada a presena de auto-estima e o sentimento de conquista pela realizao de

    algumas atividades em sala de aula e nas apresentaes.

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  • Consideraes

    Esses so os resultados observados em um perodo de um ano de trabalho atravs de

    conversas informais, entrevistas, aulas, ensaios e apresentaes ocorridas no Instituto com os

    alunos em todo esse perodo. Neste processo me coloquei como um observador ativo

    participando dos ensaios, das aulas e das apresentaes como um membro da turma, tocando

    e cantando com os alunos trocando informaes, contedos e aprendendo com toda essa

    dinmica de trabalho. Apesar de percebermos algumas dificuldades, o que nos parece normal

    em qualquer prtica musical, notamos uma imensa satisfao dos alunos em fazer msica. O

    entusiasmo de tocar e cantar em conjunto se apresenta como elemento fundamental para

    integrao e socializao do todos, o que nos aponta um caminho para uma possvel incluso

    social.

    O trabalho ainda est em andamento e far parte de uma futura dissertao de

    mestrado. No pretendemos nos esgotar com esse tema, pois estamos apenas iniciando uma

    pesquisa e continuaremos refletindo sobre o assunto, j que o mesmo no exaure as

    possibilidades de continuar com o desejo e a curiosidade de buscar novas abordagens para o

    ensino de msica.

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  • Referncias

    ARAJO, Rosane Cardoso de; LLARI, Beatriz. Mentes e Msica. Curitiba: Deartes- UFPR, 2009. AMIRALIAN, Maria Lcia Toledo Moraes. Compreendendo o cego: uma viso psicanaltica da cegueira por meio de desenhos-estrias. So Paulo: Casa do Psiclogo, c1997. CARROLL, Thomas J. ; VENTURINE, Jurema Lucy; SILVA, Ana Amlia da (Trad.) Cegueira: o que ela , o que ela faz e como conviver com ela. So Paulo: Fundao para o Livro do Cego no Brasil, 1961. LIBNEO, Jos Carlos. Democratizao da Escola Pblica - A pedagogia crtico social dos contedos. So Paulo: Loyola, 1990. PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no SculoXX - Metodologias e tendncias. Braslia: Editora Musimed, 2000. SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1991.

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