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2015 Artigo Metafísica Aristotélica na filosofia dos autores. 29/05/2015 INTRODUÇÃO A METAFÍSICA DE ARISTÓTELES

A Introdução a Metafísica de Aristóteles- Resumo

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INTRODUO A METAFSICA DE ARISTTELES

A Introduo a Metafsica de Aristteles.

Nada existe na Natureza, ainda mesmo o menos valioso e mais desprezvel, que no encerre no seu seio algo de maravilhoso; aquele cujos olhos o descobrem com deleitoso assombro irmo em esprito de Aristteles.WERNER JAEGERO obra filosfica e cientfica de Aristteles constitui uma das criaes exemplares do gnio helnico. Pela vastido enciclopdica dos conhecimentos, condensa o saber coetneo e pela inventiva da prpria capacidade, fundou novos saberes; pela multiplicidade das concepes originais, assinala a fecundidade sem par de uma mentalidade portentosa, que levou luz da inteligncia, o esteio do mtodo, a largueza de vistas e a profundidade do estudo e da anlise aos mais diversos objectos e assuntos do mundo natural, do mundo civil e do mundo psicolgico e lgico; e pela influncia no desenvolvimento cultural de gregos, de alexandrinos, de siracos, de rabes, de judeus e de cristos europeus, instituiu com a lio dos seus livros a aula mais vasta e frequentada de todos os tempos e de toda a Humanidade.De Aristteles, por antonomsia o Filsofo, disse Latino Coelho, com acerto de juzo e majestade de estilo, que o talento mais fecundo e eminente de toda a Antiguidade. Nenhum homem teve como ele esta rara e perigosa proeminncia de reger e encadear durante sculos o pensamento cientfico das duas raas principais, de cuja atividade veio a nascer a moderna civilizao. Nenhum esprito profano, por mais alto e luminoso, gozou como Aristteles este assinalado privilgio de que as suas ideias se venerassem como dogmas, e de que o seu nome fosse tido por sinnimo da Cincia. A energia do seu talento vibrou at aos nossos dias em ondas de luz intelectual. Mas a idolatria pelo seu sistema, estancando nos espritos as fontes do livre exame, e reduzindo a interpretaes e comentrios sobre a letra do grande mestre toda a fecndia espiritual da Idade Mdia, foi o mais lastimoso impedimento a que mais tempor e diligente acordasse para saudar a Natureza a moderna investigao...To dilatada e contnua influncia resultou da vastido do legado de Aristteles e da coerncia da sua concepo da Cincia.Antes de outrem, e de maneira que Kant ainda considerou como que definitiva, determinou o Organon, sob o ponto de vista formal, as categorias e formas do raciocnio exato e da inferncia cientfica, e fundou a anlise lgico-gramatical, de capital importncia para o exame crtico da expresso do pensamento, pelo que a mossa do tempo no gastou nem desfigurou a sua Lgica, e, noutros planos da atividade espiritual, a sua Retrica e a sua Potica. Foi o primeiro que formulou uma concepo do Mundo em estreita conexo com os resultados da Cincia coetnea e coerente na hierarquia lgica dos elementos que a integravam; a sua atitude mental foi de severa exigncia racional, a sua metdica no se desviou dos problemas a que se aplicava, e o seu vocabulrio foi variado, adequado, claro, encontrando-se na base de grande parte do lxico filosfico que empregamos.Demais, a estas razes veio juntar-se a coerncia com que exps a concepo da Cincia como teoria das relaes recprocas dos seres e a consistncia que lhe deu, ao base-la num imenso saber, que ia da Astronomia Poltica, da Fsica Biologia, da Psicologia tica, da Lgica Potica.Da, a conexo estreita da sua Filosofia com a Cincia e a estrutura racional das suas explicaes do Universo perceptvel e pensvel, sem o recurso a mitos e a alegorias; e porque a sua concepo da Cincia se articulou em sistema, foi levado a uma concepo total do Mundo, definitiva, sem progresso nem retrocesso, onde no h lugar para a emergncia do novo ou para uma evoluo criadora, e cuja estrutura fixista e hierrquica como que obriga a que ela seja admitida ou repudiada em bloco.Por esta ltima feio se compreende o destino histrico do aristotelismo, que, por um lado, facilitou a estabilidade de um corpo de doutrinas de saber coerente, com a correlativa oposio a todas as inovaes, e por outro exigiu que a Cincia e a Filosofia que o quisessem apear carecessem de fundar-se numa interpretao da realidade perceptvel e pensvel que lhe fosse polarmente oposta. Por isso, sem esquecer a legio aguerrida dos renascentistas, cujo pensamento se orientou, no geral, em sentido mais ou menos hostil ao legado do Estagirita, os mais eficientes demolidores da cincia aristotlica da Natureza foram Coprnico, Galileu, Newton e Lavoisier, como Descartes, Hobbes e, sobretudo, Kant o foram da teorizao ontolgica e explicativa do filsofo da Metafsica.A partir de Bocio (circa 480-525), que ambicionou proporcionar ao mundo latino o conhecimento da obra aristotlica e conciliar sinteticamente a filosofia do Estagirita com a de Plato, jamais deixou de estar presente ao mundo ocidental o imenso peclio de conhecimentos, de concepes e de interpretaes do fundador do Liceu, assinalando um passo decisivo na evoluo da nossa cultura ocidental a conciliao do pensamento teolgico cristo, produzida na Idade Mdia , com a metafsica de Aristteles.As multplices composies do vastssimo Corpus alcanaram a estimao dos doutos e dos amantes do saber, mas nem todas exerceram a mesma influenciao doutrinal nem gozam na actualidade do mesmo apreo. De modo geral, pode dizer-se que os escritos relativos Fsica, ao Mundo celeste e sublunar, e Biologia, tm hoje o interesse retrospectivo que votamos aos marcos ultrapassados da Histria da Cincia. No assim os escritos lgicos e propriamente filosficos, de permanente actualidade pelo seu objecto acrnico e atpico e, sobretudo, pela problematicidade da atitude mental e pelo potencial pedaggico de reflexibilidade, de explicao e de sistematizao que encerram.Povo algum, que de antigo afeioasse a mente s normas do pensar lgico e nutrisse a alma da equidade do Direito e da doutrina do Evangelho, se eximiu filosofia aristotlica, e at deve dizer-se que as vicissitudes da influncia do aristotelismo tecem de algum modo, e em grande parte, a histria do pensamento nos pases em que desabrochou e tem florescido a civilizao ocidental. O que verdade geral nestes pases -o em especial, e acentuadamente, em Portugal, cujos grandes nomes da cultura filosfica, de Pedro Hispano a Silvestre Pinheiro Ferreira, passando pelo extraordinrio Aristteles Conimbricense, Pedro da Fonseca, ligaram a reflexo prpria do autor da Metafsica e do Organon, e cujos anseios de renovao intelectual, como o eclectismo pedaggico de Verney e o empirismo mitigado da segunda metade do sculo XVIII, somente se esclarecem cabalmente quando considerados como reaco contra a metafsica substancialista de Aristteles, contra a feio disputante que a Escolstica dera s teorias do Organon, e contra a concepo hilemrfica como explicao da realidade natural.O conhecimento da filosofia aristotlica , pois, um elemento indispensvel compreenso da evoluo mental da civilizao a que pertencemos, mas o seu valor no 'meramente veicular e subsidirio. Criao original, fecunda e normativa, tem o valor atpico e acrnico inerente s sistematizaes que se tornam singulares pela atitude mental donde brotam, pelo mtodo com que so construdas, pela problemtica a que respondem e pelas solues que apresentam, as quais podem no ser conhecidas por quem conscienciosa e reflectidamente pense os mesmos problemas a que elas respeitam.Considere-se como fonte de informao, de assimilao ou de contraposio, a filosofia de Aristteles constitui um elemento capital e indispensvel na formao do esprito filosfico e sobretudo no ensinamento de que o filsofo deve desatender o sortilgio das palavras e lhe cumpre evitar o extravio por caminhos que se afastem do pensar lgico e da conexo da reflexo com os dados cientficos. Como nas pginas de Plato, de Descartes, de Espinosa, de Kant, de Hegel, de Husserl, aprende-se na Metafsica de Aristteles que fazer Filosofia to difcil como fazer Cincia, e que filosofar com ignorncia ou com imposturice to fcil como fazer literatura de mau gosto.No , nem ser, pois, baldado, o contato com o Pensador que at Renascena foi tido como encarnao viva e definitiva da Filosofia e que depois daquela viragem da nossa cultura se tornou, para uns, o instaurador de algumas bases da Filosofia perene, e para outros, o antpoda do pensamento moderno, designadamente de Descartes e de Kant.A Metafsica , por excelncia, a obra filosfica de Aristteles, que talvez dela tivesse feito como que o centro de convergncia do seu imenso labor e da sua portentosa reflexo; e porque o seu labor e a sua reflexo sempre tiveram por alvo a explicao do objecto sobre que se exerciam e jamais deixaram de ter em conta os esforos e os resultados dos que o precederam, a Metafsica como que a interpretao global do saber e o remate da especulao filosfica de Tales a Plato.So sem conto, a bem dizer, as dvidas e perplexidades que o texto desta obra suscita, como prova extrnseca a srie extensa dos seus comentadores. Teofrasto, amigo e discpulo dilecto de Aristteles e seu imediato sucessor na direco do Liceu, foi o primeiro, e aps o grande sbio, cujo livro sobre os Caracteres La Bruyre divulgou em elegante traduo, bastar apenas referir o nome dos seguintes intrpretes: Alexandre de Afrodsia (circa 200), que a posteridade designou de Segundo Aristteles, Averrois (1126-1198), por antonomsia o Comentador, S. Toms de Aquino (1225-1274), Pedro da Fonseca (1548-1597), o Aristteles Conimbricense, e Bonitz, falecido no sculo passado. crtica textual, que verdadeiramente surgiu com a erudio humanista da Renascena, e aos comentrios analticos, vieram juntar-se as interpretaes doutrinais, designadamente desde as proibies eclesisticas no princpio do sculo XIII (1210 e 1215), passando pelas polmicas quinhentistas e pelas Discussiones Peripateticae (1583), de Francisco Patrizzi (1529-1597), at aos nossos dias, com os trabalhos de Werner Jaeger e de E. Bignone.Tanto basta para mostrar que no fcil falar de Aristteles, e muito menos a ns, portugueses, pela herclea responsabilidade que Pedro da Fonseca nos legou; por isso, nas pginas que se seguem e mas brevssimas notas traduo resumiremos to somente o que mais importa ao conhecimento geral desta obra e compreenso de alguns passos do seu texto, tendo apenas em vista a divulgao do essencial.Destinaremos a cada livro uma introduo prpria, e por consequncia estas pginas de introduo geral situam-se no plano das generalidades relativas autenticidade, estrutura e teor dos catorze livros que compem a Metafsica.O ttulo de Metafsica, pelo qual esta obra conhecida, no pertence propriamente a Aristteles, que, como presumvel, intitularia de Filosofia primeira o conjunto destes estudos, que alis o ttulo preferido pelo comentador Alexandre de Afrodsia, sem embargo de tambm empregar o de Metafsica.Empregou-o primeiramente Nicolau de Damasco, mas o verdadeiro criador do afortunado ttulo foi, ao que parece, Andrnico de Rodes, undcimo sucessor de Aristteles na direco do Liceu (78-47 a. C.), a quem se deve a colao e reviso dos escritos que esto na base do actual Corpus aristotlico, e que designou de metafsica os livros que [nas tbuas] sucedem aos da fsica t met t phusik. A origem do ttulo , pois, tpica, isto , relativa ao lugar que os livros que designamos de metafsicos ocupavam no corpus, aps os livros fsicos, adquirindo posteriormente o sentido actual, de livros que se ocupam do que vai alm do objecto da Fsica, entendendo por tal a descrio e explicao puramente cientfica dos fenmenos da Natureza. Sob o ponto de vista verbal, o sentido adquirido no , pois, de Aristteles, mas -o sob o ponto de vista doutrinal, porque a mutao semntica de livros metafsicos para livros de Metafsica passou a designar a cincia do ser enquanto ser, ou, no excelente dizer de Pedro da Fonseca, o que no consta de matria nem em matria se resolve e atribuvel a coisas diversas.Pela natureza do assunto, essencialmente abstrato, no qual utilizou a crtica dos sistemas filosficos que se sucederam a Tales em ordem ao estabelecimento de uma teoria do ser e da causa primeira como primeiro motor e forma perfeita, pela conciso do pensamento e pela prpria significao do vocabulrio, a Metafsica veio a tornar-se a obra aristotlica de mais densas dificuldades e de mais variados comentrios.A perda de escritos como o Sobre Aristteles, de Hermipo de Esmirna, que Digenes Larcio ainda utilizou na redaco da biografia de Aristteles na Vida dos Filsofos, de comentrios, como os de Eudoro, de Aspsio e de Simplcio, e de catlogos, como a bibliografia ordenada dos escritos aristotlicos de Adrasto de Afrodsia, e a disparidade relativa de alguns informes que at ns chegaram, deixam envoltos os livros metafsicos em obscuridades e dvidas.Quatro pontos cumpre considerar: se todos os livros so da autoria de Aristteles, e, no caso afirmativo, se os publicou em vida, quantos escreveu e por que ordem.a) A primeira dvida, ou seja o problema da autenticidade, radica no facto de Digenes Larcio, que, como mais verosmil, viveu pela segunda metade do sculo terceiro da nossa era, no ter referido a Metafsica no seu catlogo das obras de Aristteles. A dvida, porm, no parece fundada, porquanto Alexandre de Afrodsia, anterior a Digenes Larcio e que Septmio Severo nomeou professor de filosofia peripattica circa 198 e 211 da nossa era, conheceu esta obra, da qual um dos mais famosos comentadores, e cuja influncia se fez sentir, especialmente na Renascena, aps Pedro Pomponazzi (1462-1525), que no Tractatus de immortalitate animae (1616) ops a interpretao alexandrista de Aristteles de Averrois, e com os escritos de Simo Porta (t 1555) e a traduo latina de Juan Gines de Seplveda (1572).Apesar dos cinco sculos que separam Aristteles de Alexandre de Afrodsia e da incerteza acerca da autenticidade dos seus comentrios a alguns dos livros da Metafsica, indiscutvel que o testemunho do notvel comentador, conjugado com outros factos designadamente as referncias de Aristteles aos escritos que intitularia de Filosofia primeira, a que j aludimos, responde cabalmente dvida fundada no silncio de Digenes Larcio.Deixando de lado a interpretao deste silncio, isto , se ele indcio de desconhecimento ou, pelo contrrio, se os livros que compem a Metafsica foram indicados, pelo menos em parte e com ttulos prprios, no catlogo de Digenes Larcio, passamos ao segundo ponto, ou seja o da poca em que se tornou pblico o conhecimento da Metafsica.b) Tudo concorre para indicar que os livros metafsicos no alcanaram na Antiguidade, porventura at ao estabelecimento do Imprio Romano, o apreo de outros escritos do vastssimo corpus aristotlico. Seja ou no exato o parecer, que se no baseia propriamente em factos positivos mas na carncia de informes, os livros metafsicos pertencem ao grupo de escritos aristotlicos que de antigo se designam de exotricos.Distinguiram os antigos os escritos exotricos dos acroamticos, entendendo por exotricos os de feio didctica, de frase concisa e desataviada e de pensamento condensado, e por acroamticos os de feio literria, no isenta at de inteno oratria. Os primeiros destinar-se-iam aos cursos, os segundos, ao pblico, cujo estilo cuidado Ccero louvou no De natura deo rum (II, XXXVII, 95) pela torrente de ouro da sua eloquncia.Os escritos deste ltimo teor no chegaram at ns, pois salvo a Constituio de Atenas, descoberta vai para cinquenta anos, cujo estilo denota a preocupao do escritor, todas as demais obras do corpus aristotlico foram pensadas e escritas para uso pessoal ou docente. Da, a conciso, a densidade e, por vezes a obscuridade do pensamento, prprias das pginas que no so destinadas ao pblico, e, sobretudo, o vinco didctico, to acentuado que no parece desprovida de fundamento a conjectura dos livros metafsicos terem sido compostos para uso de lies e conterem, porventura, apontamentos de alunos.Em reforo desta opinio acode o informe de Asclpio, num passo do seu comentrio Metafsica, segundo o qual Aristteles teria enviado estes livros a Eudemo, o discpulo a quem dirigiu uma das ticas, que os no considerara em estado de serem divulgados. A divulgao seria, portanto, pstuma, dizendo ainda Asclpio que depois da morte de Eudemo o texto teve acrescentamentos em ordem a preencher lacunas, os quais foram colhidos noutras obras de Aristteles.Qualquer que seja o valor intrnseco desta notcia, ela confirma a autenticidade dos livros metafsicos e est de acordo com a circunstncia, unanimemente reconhecida, deles no apresentarem a unidade dos outros escritos sados da pena ou do ditado de Aristteles. Da, o problema da autenticidade em relao a cada um dos catorze livros, o qual pode formular-se j a respeito de todo o texto de cada um, j a respeito de certos trechos ou perodos. A exposio sumria deste assunto obrigaria a repeties, visto termos de aludir a este problema na introduo privativa de cada livro; por isso, passaremos ao terceiro ponto, ou seja a ordem dos livros que constituem a Metafsica.c) No contexto tradicional, a Metafsica constituda por catorze livros no coordenados entre si com perfeita sequncia, os quais se discriminam pela ordem do alfabeto grego ou pela ordem dos nmeros, mas o estabelecimento do nmero total e a ordem por que se sucedem no esto isentas de dificuldades.Com efeito, quanto ao nmero, a computao grega, que segue a ordem do alfabeto, enumera treze livros, aos quais se aditou um livro suplementar, o alfa minsculo (a), que corresponde ao II no cmputo numrico; e Hesquio, no seu catlogo dos escritos de Aristteles, refere a Metafsica com dez livros, donde o problema de saber que livros omitiu. W. D. Ross estabelece por mais verosmil, e num caso com segurana, que foram os seguintes: o II (alfa minsculo), que propriamente uma introduo Fsica ou ainda filosofia teortica, e que uma tradio antiga atribui a Pasicles de Rodes, sobrinho de Eudemo, discpulo de Aristteles e cujo nome, como j dissemos, figura no ttulo de uma das ticas de Aristteles (tica a Eudemo); o V (Delta), que alis Hesquio refere com o ttulo Sobre os diversos sentidos das palavras; o XI (Kappa), cuja parte primeira resumo dos livros III (Beta), IV (Gamma) e VI (psilon), que a parte que Alexandre de Afrodsia comentou, e cuja segunda parte, a partir do cap. 8, uma compilao no autntica da Fsica; e o XII (Lambda), que como que um tratado independente acerca da causa primeira.Segundo estes dados, teramos, assim, de considerar que a Metafsica constituda propriamente por um ncleo fundamental, cujo nmero de livros varia no cmputo de alguns exegetas, ao qual se teriam adicionado alguns livros, como que marginalmente.A este problema, de marcha dificultosa, acresce outro, bem mais complexo e difcil pela compenetrao estreitssima da Filosofia e da Filologia: a cronologia e agrupamento dos livros metafsicos.De maneira geral, e sucintamente, defrontam-se duas concepes diferentes do pensamento de Aristteles: a sistemtica e a gentica.Segundo a concepo sistemtica, que a tradicional, os pensamentos expressos na Metafsica so parcelas ou membros de um sistema que Aristteles havia elaborado como fundamentao e sntese do saber, ou, pelo menos, o esforo do historiador e do intrprete deve orientar-se no sentido da reconstruo do sistema.Das vrias manifestaes desta maneira de ver, referiremos to somente os pareceres de Pedro da Fonseca, de Karl Ludwig Michelet, de F. Ravaisson e de O. Hamelin.Para o Aristteles Conimbricense, a Metafsica compreende o prefcio e o tratado. O prefcio constitudo pelos dois captulos iniciais do livro I (Alfa maisculo) nos quais se louva esta cincia.O tratado comea no cap. III do livro I (A) e prossegue at final do ltimo livro, que o livro XIV (N). A parecer de Fonseca, que como ningum levou longe esta concepo, o sistema desenvolve-se da seguinte maneira, ou, por outras palavras, os catorze livros ocupam-se sucessivamente: da refutao das opinies dos antigos acerca das causas (I, A); do modo de se investigar a verdade (II,I) ; das questes a resolver (III, B); do sujeito da metafsica (IV,I); das dvidas e problemas metafsicos (V, A); do ente em geral (VI, E); do ente per se e real (VII, z); da matria e da forma (VIII, II); da potncia e do ato (IX, 0); do uno (X, 1); de vrias noes j anteriormente expostas na Metafsica e na Fsica (liv. XI, (E) e p.a La do XII, A); da causa universal (final do liv. XIII, m); da crtica da teoria platnica das Ideias (liv. XIII, M, e XIV, N).Fonseca no tomou em conta os elementos histricos. A sua repartio o resultado de uma concepo sistemtica da metafsica aristotlica em ordem metafsica da Escola; por isso, sem esquecer a larga quota que pertence interpretao tomista, esta repartio em funo do objecto dos catorze livros particularmente importante para o estudo da gnese da problemtica ontolgica da Segunda Escolstica, tanto nas Quaestiones de Pedro da Fonseca, como nas Disputationes Metaphysicae, de Francisco Surez.A diviso de Michelet, no Examen critique de touvrage d'Aristote intitul Mtaphysique (1835), no to esquemtica como a de Fonseca. A seu ver, a Metafsica divide-se em trs partes.A primeira uma introduo, na qual Aristteles d a definio de Filosofia primeira e estabelece que esta cincia dos princpios. Compreende os livros I (A), II (a) e III (B).Na segunda, faz o exame dos princpios do ser em geral, no qual considera o ser enquanto ser, ou seja a substncia das coisas. o tratado da ontologia e abrange os livros IV-X, inclusive.Na terceira, faz a exposio do primeiro princpio, ou seja a substncia absoluta, eterna, imutvel e imaterial, princpio e causa de todas as coisas, o qual Deus. A Metafsica termina, pois, com uma Teologia, a qual exposta nos livros XI-XIV.Para Ravaisson, o autor do Essai sur la Mtaphysique d'Aristote, o objetivo da sua sbia e lcida indagao consistiu na restituio do verdadeiro plano da Metafsica, e o plano que lhe pareceu mais verosmil foi o seguinte:O livro V (A), cujo objecto a definio de termos filosficos, seria uma espcie de tratado preliminar, cujo conhecimento suposto por Aristteles e ao qual se refere expressamente no curso da Metafsica. O livro I (A) liga-se diretamente ao liv. III (B), considerando-se o liv. II (a) uma nota apendicular ao livro 1; o livro XI (x), de importncia secundria, aproveitvel nalguns passos; o livro X (1), cujos primeiros captulos no se reportam propriamente Metafsica, tambm de aproveitamento subsidirio; os livros XIII (m) e XIV (N), considerar-se-o anteriores ao livro XII (A) e o livro I (A), deve analisar-se conjuntamente com o livro XIII (m) no que respeita aos captulos relativos teoria das ideias. Em resumo: a ordem segundo a qual os livros da Metafsica devem ser lidos sob o ponto de vista filosfico ou sistemtico a seguinte: V; 1; III; IV; VI; VII; VIII; IX; X; XI; XIII; XIV e XII.Otvio Hamelin, cujo notabilssimo livro sobre O Sistema de Aristteles se colocou na dianteira desta concepo sistemtica, considerou que o corpo da Metafsica constitudo pelos livros I (A), III (B), IV (r), VI (E), VII (z), VIII (H) e IX (C)), sendo os outros livros como que secundrios perante o objecto que Aristteles se props tratar.Esta simples amostra da diversidade de critrios tendo, mais ou menos, uma base comum, pe a claro a falta de ordem que existe entre os catorze livros metafsicos. Procurar e fundamentar criticamente uma opinio , pois, tarefa rdua; no entanto, pragmaticamente, isto , quem queira conhecer sob o ponto da concatenao as concepes fundamentais da Metafsica, notadamente as de mais larga influncia histrica, pode admitir que a parte principal constituda pelos livros I, III e IV, VI a IX, e a parte secundria assim considerada: livro II (a), acrescentado posteriormente; livro V, parece ser um compndio para uso escolar; o X, um tratado independente acerca do uno e do mltiplo, do idntico e do diverso; o XI, de contestvel autenticidade na sua maior parte; o XII, o remate da Metafsica, o XIII e XIV contm a crtica da teoria platnica das Ideias e da concepo pitagrica dos nmeros, repetindo alguns captulos do livro I.O critrio gentico, ou histrico-evolutivo, que Werner Jaeger concebeu e aplicou com extraordinrio desenvolvimento e xito, renovou profundamente a interpretao do aristotelisn-io, como alis a aplicao do mesmo mtodo j havia renovado a interpretao do pensamento platnico.Na parte que nos ocupa, a crtica gentica, ou por palavras mais expressivas, a concepo de que o corpus metaphysicum de Aristteles no constitui um todo nem possvel estud-lo com base numa representao esquemtica, que teria de formar-se com elementos heterogneos, conduziu Jaeger a afirmar que a coleco de livros que compem a Metafsica foi formada depois da morte do Estagirita. Este t-los-ia escrito em ocasies diversas, com objetivos prprios e numa ordem diferente das edies actuais, por forma que com excepo dos livros VII-VIII todos so relativamente independentes, e se podem repartir em dois grupos: livros de redaco mais antiga, e de redaco mais moderna.No primeiro grupo, Werner Jaeger, conta: o liv. I (A) e o III (B), que supe terem sido escritos pouco depois de 347 a. C., provavelmente em Assos; os caps. 1-8 do liv. XI (K); o liv. XII (A), com excepo do cap. 8, salvo 1074, linhas 31-8, que atribui ao perodo final; o cap. 9 (de 1086 a 21 e segs.) e o cap. 10 do liv. XIII (m) e o liv. XIV (N).Os liv. IV (r) e V (E), que so continuao do liv. III (B), pertenceriam a uma fase de transio; os caps. 1-9 (1086 a 21) do liv. XIII (m), que ope, como j indicmos, ao restante do mesmo livro, seriam da ltima fase da evoluo de Aristteles. Os livros VII (z), VIII (II) e IX (o), cujo objecto o problema da substncia e cuja cronologia mais obscura, pensa Jaeger que formaram originariamente um grupo independente, que mais tarde Aristteles teria introduzido no seu curso de metafsica.Finalmente, para o livro V (a), cujo assunto no tem relao direta com os outros livros e foi considerado durante muito tempo como um tratado independente, no prope data, no o situando, porm, no grupo dos escritos antigos.Estas opinies, que resumimos ao mximo, suscitaram e suscitaro objeces e crticas de pormenor, mas a despeito dos inconvenientes inerentes s construes esquemticas, tm o mrito de haver distinguido pocas diferentes na redaco do texto da Metafsica que at ns chegou, remontando as mais antigas ao comeo da fase de transio em que Aristteles se desprende do Platonismo para seguir o curso do seu pensamento prprio. A esta luz, a obra imensa do Estagirita deixa de ser a expresso de um sistema pr-formado, a que todos os escritos obedecessem na respectiva construtura, e o segundo perodo da vida de Aristteles, entre 347 e 335, aparece com uma quadra de portentoso trabalho; e em especial, no que respeita Metafsica, os catorze livros que a constituem, alm de no formarem um todo uniforme, tudo indica terem sido escritos como obras autnomas e independentes.A vida de Aristteles, quer como discpulo de Plato, que o teve por luminar entre os seus discpulos, quer como pensador independente, foi sempre assinalada por portentosa capacidade de trabalho e assombroso saber, mas o segundo perodo, entre 347-335, avulta como quadra sem par pela atividade e criao cientfica.Como escreveu Robin, numa sntese expressiva, na qual entram elementos da sua crtica pessoal, este perodo deve ter sido aplicado composio da maior parte dos seus cursos: em primeiro lugar, os Tpicos, cujo primeiro e ltimo livros so talvez mais tardios, mas onde a influncia platnica em todas as outras partes to frequentemente sensvel; depois, como verosmil, as Categorias e a Hermeneia, salvo o final destas duas obras; por fim, os Analticos. Viria depois a Fsica, ou pelo menos grande parte desta obra; os tratados Do Cu e Da gerao e da corrupo; o livro III do tratado Da Alma; as partes mais antigas da Metafsica; A (I), (V), os oito primeiros captulos de K (XI), A (XII) salvo o final, e XIV (N); os livros II, III, VII e VIU, da Poltica, os quais supem o Protrptico e a tica a Eudemo.d) Os resultados da crtica interna e gentica mais recente estabelecem, pois, a existncia de uma evoluo no pensamento de Aristteles, ou, por outras palavras, um desenvolvimento que vai do platonismo da juventude ao conjunto de concepes pessoais da maturidade expostas nos escritos didcticos. Este o mnimo que pode considerar-se adquirido, visto algumas concluses de Jaeger parecerem demasiado esquemticas, notadamente a que sintetiza a imensa atividade do Filsofo em dois perodos, sendo o primeiro 'metafsico e o segundo emprico, durante o qual Aristteles se teria ocupado das cincias positivas e cado no agnosticismo relativamente ao que ultrapassa o mundo da perceo.Deixando de lado este assunto, bem como a exposio sumria do estado actual das investigaes acerca do que h de unitrio e de fragmentrio nos livros metafsicos, importa acima de tudo ao objetivo da presente notcia preliminar a ndole da atitude filosfica de Aristteles tal como ela se exprime na Metafsica e a concepo que ele teve acerca do objecto da filosofia primeira, ou Metafsica.Para Aristteles, a Metafsica uma cincia diaporemtica, isto , um saber constitudo intrinsecamente por dificuldades ou aporias. Em vez de resultados, e portanto de solues dogmticas, ela nutre-se vitalmente de interrogaes, de dvidas, de problemas, de sorte que a primeira tarefa do filsofo consiste em problematizar, isto , em se inteirar cabalmente do teor dos problemas propostos ou a propor. No , por isso, casual que o livro das Aporias (liv. IV, 1') seja como que o centro nuclear da problemtica mais ou menos explicitado das catorze aporias, isto , dificuldades ou problemas, a respeito dos quais os filsofos ante-aristotlicos tinham formulado doutrinas diversas das do Estagirita.O trabalho filosfico comea, portanto, com a apreenso clara da problematicidade em causa e nutre-se vitalmente do esforo que se orienta para o respectivo esclarecimento com coerncia lgica e consistncia material, dado que a Filosofia somente se descobre a quem a indaga com sinceridade escrupulosa, sem ardil nem venda nos olhos, e sempre se esconde a quem a procura colher, como fruto maduro, nos resultados da inquirio de outrem.Sendo a raiz da Filosofia, a problematicidade no significa que ela seja para Aristteles a prpria essncia da Filosofia. Problematiza-se filosoficamente para se alcanarem resultados mais amplos e seguros, e no pelo puro prazer de problematizar, isto , de levantar dificuldades onde outros encontram resposta pronta. Da, a diferena que o separa do seu mestre.Plato, com efeito, representa como ningum o esprito de inquirio, isto , a insatisfao incessante em face dos resultados, alheios ou prprios. Para o fundador da Academia, filosofar, pensar em voz alta, e pensar em voz alta no monologar, mas dialogar, incansavelmente com os outros e consigo prprio, na apreenso de novas dificuldades e na reviso do que por momentos se julgou adquirido e definitivo. Aristteles, ao contrrio do seu mestre, representa, ou talvez mais propriamente, pensou sob a influio do esprito de sistema. O seu alvo era a aquisio do saber exato, por forma que a problematicidade representa apenas um momento, embora fundamental e capital, da marcha que conduz ao resultado. , o resultado que importa e para o alcanar que a mente problematiza e raciocina.Por isso, ao contrrio de Plato, que no legou propriamente um sistema, mas antes um conjunto de teorias que se sucedem em torno de temas dominantes, da obra de Aristteles possvel extrair um sistema -- prova-o a Escolstica e provam-no os historiadores da escola de Zeller e os expositores de que Hamelin foi modelo , mesmo que se admita que os livros metafsicos no so propriamente a expresso de um sistema mas a tentativa para o alcanar.Do que vimos dizendo se colige que, para Aristteles, como alis para todos os pensadores verdadeiramente originais e criadores, filosofar problematizar em ordem a resultados coerentes e consistentes; cumpre agora mostrar que, a seu ver, o filosofar que d origem Filosofia mais digna de apreo o que incide sobre a problematizao acerca do ser e da causa primeira, ou por outras palavras, que a Filosofia essencialmente Metafsica, isto , conhecimento do que est ou vai alm da experincia sensvel, ou seja em termos que Aristteles tornou densos de significado, a teoria geral do ser, dos princpios e das causas.A primeira coisa que logo ressalta dos pargrafos iniciais do livro I (A) o propsito de indagar o conceito e o contedo do objecto do saber mais digno de apreo. Como cumpria, Aristteles conduz sempre a indagao no puro plano racional, mas no est isenta de dificuldades a determinao do objecto do saber metafsico, que alis designa com nomes diversos. Deixando de lado o problema cronolgico destas designaes n, importa ao nosso ponto de vista a determinao do conceito aristotlico de Metafsica.O primeiro sentido que a Metafsica apresenta, cuja designao alis no parece ter sido a mais antiga no vocabulrio aristotlico, o do saber metafsico como sabedoria. uma noo ampla, pois assenta no conceito do saber universal dos princpios supremos da realidade sensvel e no-sensvel. E a concepo que se encontra no livro I (hic., pp. 8-15) e nos livros III e X (caps. 1-2), e nela se acusa o vinco platnico, especialmente na concepo maternatizante das ideias-nmeros, que foi a ltima expresso que Plato deu sua ontologia. Nesta concepo, a sabedoria, ou filosofia, tida por fundamento da explicabilidade cientfica, visto alcanar-se a explicao completa quando se conhecem as quatro causas do ser: material, formal, eficiente e final. Saber, conhecer pelas causas e, portanto, o saber das causas o saber metafsico e o fundamento da Cincia.O segundo sentido, indicado no captulo I do livro II (a), considera a Filosofia cincia da verdade. Quer dizer, o saber metafsico um saber terico, que investiga a verdade por si mesma, sem ter em vista a aco, que o sentido prprio das cincias prticas, ou como pensa Bonitz: somente pelas causas sabemos as coisas, sendo que as causas so mais verdadeiras que os seus efeitos. Neste sentido, o objecto do saber metafsico o conhecimento teortico das coisas que so supremamente verdadeiras.O terceiro sentido, indicado em outros passos da Metafsica, designadamente no princpio do livro IV (1') e no livro XI (x), 3, estabelece que o saber do filsofo a cincia do ser enquanto ser, considerado universalmente e no em qualquer das suas determinaes. Esta concepo, que a anlise dos vrios textos que se lhe referem torna difcil, complexa e sumamente importante e na qual sobressaem Oggioni e Werner Jaeger, prope, entre outros quesitos, o de se esclarecer se Aristteles considerou este saber como cincia do ser formal ou material e se a determinao das propriedades essenciais do ser feita somente sob o ponto de vista da realidade ou tambm sob o ponto de vista gnoseolgico, ou seja, com base filolgica, ontologia , isto , como escreveu Hamelin, se a cincia do ser enquanto ser tende j fortemente em Aristteles a passar ao idealismo completo, para o qual um ser a sntese de um objecto ou de um sujeito . Dois pontos no obstante so seguros: a pluralidade de sentidos da noo de ser no afecta a unidade da respectiva nooe a identificao ulterior, com base neste sentido, da Metafsica com a Ontologia, cuja fortuna histrica imensa, designadamente na Escolstica medieval e nos peripatticos peninsulares da Escolstica renovada dos sculos XVI-XVII, notadamente Pedro da Fonseca e Francisco Surez.Finalmente, o quarto sentido, que identifica o saber metafsico com a filosofia primeira, concebe por filosofia primeira a cincia da realidade transcendente, isto , do supra-sensvel. a concepo que aparece no dilogo Peri philosophias, nos dois primeiros livros da Fsica, o segundo dos quais citado no I da Metafsica, e nos livros XIII (caps. 9-10) e XIV. Nestes textos, de modo geral, estabelece, ainda sob influncia platnica, a despeito da crtica que faz teoria das Ideas, que a Fsica tem por objecto os princpios do ser sensvel e a Filosofia primeira, o supra-sensvel. Filosofia e Teologia identificam-se, isto , o saber metafsico ontolgico ao mesmo tempo saber teolgico --- no que Jaeger v uma contradio , e esta identificao tem como que a contraprova na subdiviso que no livro IV (E) I, faz das cincias teorticas: Matemticas, Fsica e Teologia.Destas brevssimas noes se colige como nota dominante que a Metafsica a cincia dos princpios e do ser enquanto ser.Como cincia dos princpios ocupa-se do que est na base do pensamento demonstrativo, designadamente os axiomas e os princpios da contradio e do terceiro excludo; e como cincia do ser enquanto tal, ocupa-se disto mesmo, mas considerado sob o ponto de vista ontolgico. Entre os dois objectos no h diferena estrutural, porque os fundamentos do pensar lgico so ao mesmo tempo expresso da essncia do ser enquanto ser, pelo que podem ser estudados, como Aristteles mostrou, sob o ponto de vista lgico, nos Segundos Analticos, e sob o ponto de vista ontolgico, no livro IV (r) da Metafsica.Em concluso, pode dizer-se que a Ontologia constitui o objecto capital da Metafsica, pois pela diversidade da resposta pergunta sobre o que o ser que uns filsofos so monistas e outros pluralistas, e destes, uns admitem a pluralidade limitada em nmero, e outros, a pluralidade ilimitada.Tais so as notcias mais gerais, de ordem histrico-filosfica, que podem servir de introduo geral leitura desta obra; cumpre agora reparar separadamente nos temas e problemas de cada um dos catorze livros da Metafsica, o que iremos fazer concisamente e to somente em ordem compreenso da respectiva leitura.INTRODUO LEITURA DO LIVROALFA MAISCULO (1)Num passo do comentrio de Asclpio de Tales Metafsica de Aristteles diz-se que se atribua o livro Alta maisculo (I) a Pasicles, irmo de Eudemo e discpulo de Aristteles. Joo Filopo, no comentrio mesma obra, transmite a substncia deste informe, dizendo porm que se tratava do Alfa minsoulo, que o livro II, e entre os rabes correu uma tradio que o atribua a Teofrasto.A crtica interna, porm, corroborada pela tradio constante, dissipou a dvida que estes dizeres podiam suscitar, por forma que a autenticidade deste livro tida por firme.O segundo problema preliminar respeita cronologia. Pode ser considerado sob dois aspectos diferentes: o da situao temporal que o Alfa maisculo ocupa em relao aos demais livros que constituem a Metafsica, e o da poca da atividade literria de Aristteles a que pertence.Sob o primeiro ponto de vista, Hamelin, para s citar uma nica autoridade, resumindo as investigaes de Brandis e de Bonitz, foi de parecer que a exposio da teoria platnica das Ideias e dos Nmeros, que Aristteles fez com numerosos traos de semelhana nos livros Alfa maisculo (I), Mu (XIII) e Nu (XIV), inculca que a redaco do Alfa maisculo (I) mais madura, pelo que lhe seria posterior.Ao tempo em que o insigne filsofo e historiador da Filosofia defendeu esta cronologia ela j no era recebida por grande parte dos crticos, e actualmente foi como que preterida pela crtica de Werner Jaeger, em cujo juzo o livro Alfa maisculo (I) se deve considerar esboceto da crtica da teoria platnica das Ideias e da doutrina dos Nmeros de Espeusipo e de Xencrates, as quais foram ulteriormente expostas com mais desenvolvimento no livro Mu (XIII).A seu ver, e com acerto como tudo indica, o confronto do captulo IX do Alfa maisculo (I) com os captulos IV-V do Mu (XIII) mostra que as duas crticas teoria platnica das Ideias so, no geral, coincidentes, e que a redaco do captulo IX do Alfa maisculo (I) anterior do Mu (XIII), visto Aristteles se referir naquele aos platnicos na primeira pessoa do plural (demonstramos, admitimos), o que no ocorre na redaco dos captulos (IV-V) do livro Mu (XIII); consequentemente, Aristteles considerava-se ainda ligado comunidade platnica na poca em que escreveu o livro Alfa maisculo (I), o que j se no verifica na poca em que escreveu o livro Mu (XIII).O insigne historiador de Aristteles e da Paidea helnica no hesitou at em afirmar que a forma original da crtica [ teoria das Ideias, no Alfa maisculo (I)] pressupe um grupo de filsofos platnicos, para os quais Aristteles resume uma vez mais e em rpida revista todas as objeces doutrina do Mestre j falecido, que haviam ocupado a Academia no decurso dos anos, a fim de concluir pela necessidade de uma reorganizao completa do platonismo sobre a base daquelas crticas.A considerao cronolgica relativa ao segundo ponto de vista, ou seja a da poca da atividade literria de Aristteles a que o Alfa maisculo pertence, no tem por si qualquer facto indubitvel que a permita estabelecer. A correlao com a concluso anterior levou, contudo, Werner Jaeger a estabelecer com verosimilhana que os livros Alfa maisculo (I), Beta (III) e Gamma (IV) pertencem parte mais antiga da Metafsica, e que Aristteles os teria escrito pouco depois de 348-7, aps a morte de Plato, provavelmente em Assos.Apontadas sumariamente algumas das opinies relativas autenticidade e cronologia do Alfa maisculo (I), atentemos agora nalguns dos pensamentos nele expressos, em ordem respectiva compreenso histrica e filosfica.No conjunto dos livros metafsicos, este livro claro testemunho da multiplicidade de dotes e de recursos do gnio de Aristteles, que nele com igual capacidade se mostra a um tempo historiador e filsofo, observador e dialctico.A variedade de assuntos que nele se expem ou referem permite que o consideremos sob pontos de vista diferentes, notadamente como tratado histrico da teoria do ser na filosofia anterior a Aristteles e como introduo histrico-filosfica teoria do saber.A feio histrica , pois, a caracterstica saliente e, por assim dizer, bvia, e at se deve acrescentar que o Alfa maisculo a nica Histria do pensamento helnico, de Tales aos platnicos, que at ns chegou com feio sistemtica. A esta luz, de capital importncia, apesar de Aristteles no haver historiado as correntes filosficas que o precederam com objectividade histrica, isto , com sentido de temporalidade e de conexo histrico-cultural, tanto mais que inseriu na exposio das concepes alheias as suas prprias concepes, como adiante veremos, designadamente a propsito da exposio histrico-crtica que ele faz da teoria platnica das Ideias.Compreende-se. que o objetivo de Aristteles no Alfa maisculo consistiu fundamentalmente em coordenar as opinies dos filsofos que o precederam em funo do nmero e da natureza dos princpios fundamentais da Ontologia e de extrair destas opinies, por um lado, a justificao histrica da sua concepo das quatro causas, e por outro, o ndice de um conjunto de dificuldades problemticas acerca do ser enquanto ser. Como ele prprio declara (hic., p. 8), o seu propsito teve por fim descobrir os temas e problemas da cincia de que andamos procura, ou seja a Filosofia primeira, ou Metafsica; por isso, ps a nu os erros e paralogismos de cada uma das doutrinas e fez sobressair as verdades que de todas se colhem e se podem considerar como adquiridas.A circunstncia de Aristteles visar diretamente o que tem por verdade filosfica e no propriamente o que foi a verdade histrica consente, como acima dissemos, que a narrao do Alfa maisculo possa ser considerada, e consequentemente narrada, sob os pontos de vista da teoria do ser e da teoria do saber.O primeiro ponto de vista admitido, implcita ou explicitamente, pelo comum dos historiadores da Filosofia grega, e do segundo deu mostra Averrois, no Comentrio, ao dividir este livro I em quatro summas, sendo a primeira como que o promio, a segunda, a narraao das opinies dos filsofos acerca das causas e dos princpios (caps. 2-7), a terceira, a crtica da concepo da existncia de princpios corpreos das coisas naturais e da existncia de princpios incorpreos (caps. 8-9) e a ltima, como que a recapitulao geral (cap. 10).Temos, porm, por mais conveniente o critrio expositivo que atenda fundamentalmente aos temas versados e ao respectivo sentido e ordem. Por isso, salientaremos os seguintes pontos: conceito de Filosofia como Sabedoria (caps. 1-2); justificao histrica de que o objecto capital da Filosofia at ao tempo de Aristteles consistiu na indagao dos princpios e causas do ser (caps. 3-7); e reviso crtica das teorias relativas aos princpios e causas do ser at ento apresentadas (caps. 8-10).a) Conceito de Filosofia corno Sabedoria (caps. 1-2).Duas coisas cumpre distinguir na reflexo filosfica: o impulso que a excita e o objecto que a ocupa.O impulso nasce e nutre-se da admirao, isto , do sentimento de curiosidade perante o ignoto. Todos os homens tm, por natureza, desejos de conhecer, a frase inicial do livro I da Metafsica, mas o pensamento 'que impregna de sentido esta frase, ou seja a curiosidade de devassar o desconhecido e que Plato assinalou em certo passo do Teeteto, no precisa nem define rigorosamente a ndole da reflexo filosfica.Confere, sem dvida, Filosofia e Cincia autonomia e propriedade, porque dizer que elas nascem e se nutrem da admirao equivale a dizer que elas existem e subsistem por si e no como propedutica ou veculo da Moral, como pensara Scrates. A gnese autonmica da Filosofia no constitui, porm, toda a especificao que lhe prpria, e que dada principalmente pelo objecto e pela atitude da razo que o quer conhecer. que todo o ser vivente susceptvel de receber sensaes tem propenso para conhecer, mas da mera sensao passiva Cincia fundada e demonstrada existe um caminho longo, no qual se podem distinguir marcos diversos, sucessivamente mais perfeitos no grau do conhecimento.O primeiro a mera sensao. Os animais que dela gozam possuem conhecimento, mas se carecem de memria so animais imperfeitos. Consequentemente, a memria estabelece um grau de distino, podendo dizer-se que os animais que a possuem so mais perfeitos, como por exemplo as abelhas, que, no entanto, no podem ser domesticadas por carecerem de audio. Daqui resulta que os animais que alm da sensao e da memria possuam a sensibilidade auditiva so j mais perfeitos, pois podem ser domesticados.Com serem mais dotados, estes animais, contudo, no so em rigor perfeitos, porque a perfeio pressupe a experincia, ou mais propriamente, o conhecimento experimental, isto , o conhecimento que resulta da repetio dos casos fixados na memria e dos quais se tira uma regra prtica.O conhecimento experimental d-se no homem, mas os graus do conhecimento verdadeiramente privativos do ser humano so a Arte e a Cincia, por implicarem o que no existe nos animais, a saber, o raciocnio ou discurso lgico.A Arte consiste no conhecimento das regras prticas baseadas em princpios gerais. Quem possui a Arte, tem conhecimento de princpios gerais que aplica praticamente a casos particulares e este conhecimento origina-se na experincia, pois da experincia de muitos casos particulares que resultam os princpios gerais. O conhecimento implcito na Arte , pois, mais perfeito que o conhecimento implcito na mera experincia, pelo que reputamos mais capacitados os mestres de obra do que os simples operrios.O grau superior do conhecimento atingido, porm, pela Cincia. que o conhecimento inerente Arte um conhecimento de sentido prtico, isto , destinado satisfao de necessidades materiais, e o conhecimento inerente Cincia um conhecimento que tem por objecto o puro saber desinteressado, isto , o saber pelo saber, cujo fim est nele mesmo e no em qualquer aplicao.H assim, segundo Aristteles, uma hierarquia na perfeio do conhecimento, desde o conhecimento sem memria dos insectos, passando sucessivamente pelo conhecimento com memria dos irracionais, pelo conhecimento com memria e raciocnio do homem de experincia imperfeita e pelo conhecimento racional pelas causas com fim prtico, que d lugar Arte, isto , s cincias prticas, at ao grau supremo, representado pelo conhecimento pelas causas sem finalidade prtica, isto , puramente desinteressado, e que d lugar Cincia pura, isto , s cincias especulativas. perfeio do conhecimento corresponde naturalmente a perfeio do prprio saber, por forma que o saber mais perfeito dado pelo saber especulativo, que se ocupa das causas supremas e dos princpios mais gerais. Quem sabe este saber sabe o saber mais difcil e sabe dar a razo das coisas. Pois bem: este saber o saber do filsofo e a designao que Aristteles lhe d nos captulos do Alfa maisculo que estamos resumindo a de Sabedoria ou Filosofia.Actualmente, vulgar associar-se palavra sabedoria o sentido prtico inerente ao bom-senso natural enriquecido por longa e variada experincia da vida, e at no falta quem continue a verter nesta palavra a concepo tica da prudncia (virtus) que os esticos romanos lhe introduziram. Para Aristteles, porm, ela sinnimo da cincia por excelncia, ou Filosofia, isto , a cincia mais compreensiva, a mais difcil de atingir, pela universalidade do seu objecto e respectivo afastamento dos dados sensoriais, a mais precisa, pelo carcter abstrato, a mais instrutiva, a mais livre e independente e a de supremo ensinamento, por nela conflurem todas as cincias e dar a razo de ser e o destino de tudo o que existe.Como todo o conhecimento, a Filosofia, ou Sabedoria, nasce da surpresa e da admirao, mas pela virtude do saber que lhe prprio a surpresa d lugar compreenso. Quem a possui filsofo, e ser filsofo neste sentido atingir a compenetrao da unidade dos saberes, conhecer as causas e a natureza do Universo, e ter clara noo dos princpios primeiros e ltimos de tudo o que existe.Assim entendida, a Sabedoria ou Filosofia tem por objecto e finalidade o saber puro e desinteressado e a nica cincia livre no conjunto de todas as cincias , tal como o homem livre que somente existe para si prprio, enquanto que o escravo somente existe para proveito do seu dono.Por esta feio, a adquisio da Sabedoria ou Filosofia mais parece dote divino que capacidade humana, pelo que poderia pensar-se que ela no est em proporo com os recursos limitados do esprito, que no absolutamente independente.A Filosofia , com efeito, divina, quer pelo sujeito, pois conhecer a verdade funo prpria de Deus, quer ainda pelo objecto, pois o seu objecto o principal de todas as coisas, o qual a parecer de todos Deus; no obstante, inadmissvel dizer-se com Simnides que a Filosofia saber exclusivo de Deus, pois Deus no pode ser invejoso e no h outro qualquer saber que Filosofia se sobreleve em excelncia.b) Justificao histrica de que o objecto da Filosofia consistiu na indagao dos princpios e causas do ser (caps. 3-7).Estabelecendo que a cincia que procuramos, ou seja a Sabedoria, isto , a Filosofia ou Metafsica, a cincia das causas primeiras, Aristteles passa a investigar a espcie e nmero destas causas.A passagem lgica. que o filsofo ao indagar o que o ser como ser tem necessariamente de indagar tambm as razes do devir, ou por outras palavras, as causas gerais que explicam as geraes, o desenvolvimento e a extino dos seres, pois somente se sabe aquilo de que se conhece a respectiva razo ou porqu.Na Fsica, especialmente no livro II, considerara que a explicao completa e cabal de uma coisa assenta no concurso de quatro causas: causa formal, pela qual uma coisa o que , distinguindo-a das outras, isto , a sua essncia; causa material, ou seja a matria de que a coisa feita; causa eficiente, pela qual a coisa produzida, isto , o princpio do movimento e da mudana, e causa final, que o fim para o qual a coisa existe.So estas mesmas causas que Aristteles considera no livro Alfa maisculo, e a justificao que empreende no se apresenta com fundamentao puramente teortica. a via histrica o caminho que segue para comprovar e justificar esta concepo da explicabilidade, pelo que percorre os sistemas filosficos de Tales a Plato para verificar se algum props outras causas alm das quatro que acabamos de enumerar. A concluso a que chega que so estas, e s estas, as causas que foram admitidas pelos filsofos que o precederam, embora por vezes as tivessem pressentido de maneira vaga e como que balbuciante, por forma que da exposio histrica como que resultava a prova pelo consenso das opinies e se contraprovava o nmero e a espcie das causas que havia estabelecido na Fsica.Com ser orientada com este fim, e portanto com critrio sistemtico e no com sentido rigorosamente histrico, como acima acentuamos, a exposio de Aristteles constitui fonte primacial e basilar das nossas informaes acerca da marcha do pensamento filosfico de Tales a Plato. A riqueza e complexidade dos informes e juzos permitem que estes captulos possam ser considerados e resumidos sob diversos pontos de vista. Cremos, porm, que o critrio mais consentneo com o objecto da cincia de que andamos procura, ou seja a cincia das causas primeiras, o que se baseia nas opinies que os filsofos ante-aristotlicos exprimiam acerca das quatro causas.Coerentemente com este critrio, no resumiremos as pginas de Aristteles com rigoroso sentido cronolgico, dado que o nosso objetivo no propriamente histrico, seno que agruparemos as opinies que Tales e seus sucessores exprimiram acerca das referidas causas, em ordem a estabelecer-se o que Aristteles pretende, a saber: que a sua concepo das quatro causas objecto da cincia que procuramos ou da cincia a adquirir, isto , a Filosofia.a) Causa material. Os mais antigos filsofos somente tiveram a noo de causa material e conceberam o processo fsico do Mundo natural corno expresso de uma substncia fundamental da qual todos os seres derivam e na qual todos se reintegram. A seu ver, na Natureza no se verifica o nascimento e a extino seja do que for, porque o que se d a alterao cambiante dos estados e manifestaes do ser fundamental e persistente, que jamais perece.Tales de Mileto, que foi o primeiro a formular esta maneira de considerar o processo fsico, admitiu que a substncia ou princpio primeiro era a gua, e aps ele, Anaxmenes e Herclito admitiram, respectivamente, que eram o ar e o fogo. Para estes filsofos, cuja designao adequada a de fisilogos por considerarem a matria e o processo fsico dela resultante maneira de um ser vivo, o princpio fundamental era um s e nico. Exprimiam, pois, uma concepo monista do ser; porm Empdocles, sem abandonar o essencial da concepo, admitiu que o ser fundamental era mltiplo, constitudo pela gua, pelo ar, pelo fogo e pela terra, isto , fundou a teoria dos quatro elementos, dos quais trs j haviam sido propostos e a que juntou o da terra.Anaxgoras, que inicia a srie dos filsofos que ensinaram em Atenas e a cujos pensamentos somos devedores como a nenhuma outra quadra da Histria da Filosofia, continuou esta concepo pluralista do ser, dando-lhe at sentido infinitista com a sua teoria das hamoemrias. Servia esta expresso, que como palavra h quem duvide ser de Anaxgoras, para designar os princpios ou partes similares quantitativamente inumerveis, cuja reunio ou separao constituam para cada coisa homognea, COMO O osso, a carne, etc., a gerao e a corrupo.b) Causa eficiente. O problema posto nos termos que acabamos de indicar no se bastava a si mesmo, porquanto, se a causa material dava razo da persistncia, do que sub-estava s vicissitudes do Mundo natural, deixava por explicar a razo de ser da gerao, da alterao e da extino dos seres naturais, visto que nem a madeira, nem o bronze so causa das prprias modificaes, pois no a madeira que faz a cama ou o bronze a esttua, mas alguma outra coisa a causa da mudana (hic., pp. 19-20). Cumpria, pois, ir mais longe e indagar a causa que princpio ou origem do movimento em virtude do qual os seres mudam, nascem e se extinguem. Este princpio a causa eficiente.Os primeiros filsofos da Inia no se deram conta desta causa, e os da Escola de Eleia negaram mesmo que na Natureza se desse a gerao, a alterao e a extino dos seres, porque o Ser uno e imutvel. Dos filsofos eleatas, Parmnides foi talvez o nico que entreviu a causalidade eficiente, que ele em certo sentido repartiu pelo quente e pelo frio; e, por seu turno, Empdocles, como que atribuiu a cada um dos elementos natureza cintica, pelo que mal entreviu a natureza desta causa.c) Causa final. Esta parte do livro Alfa maisculo (hic., pp. 20-21) encerra rduas dificuldades, no faltando consequentemente as interpretaes, de algumas das quais demos indicao nas notas aos passos respectivos; cremos, porm, que se no violenta o sentido do pensamento de Aristteles admitindo que ele associou a gnese da concepo da causa final ao desenvolvimento histrico da causa eficiente.Por outras palavras: desde que se exclusse a existncia do acaso como explicao da combinao ,dos elementos geradores das coisas, cuja concepo Leucipo e Demcrito sustentaram, surgia a par da causalidade eficiente a noo da causalidade final. Os filsofos eram como que constrangidos a ir procura do princpio que se lhe seguia, e este princpio implicava a razo de ser da ordem e do belo que existe na Natureza.Anaxgoras foi quem primeiramente se ocupou desta ordem de consideraes, embora se diga que Hermtimo de Clazmenes o precedera, ao admitir que existia na Natureza, como entre os animais, uma Inteligncia (Nous), causa do mundo e da ordem universal (hic., p. 22); no obstante, confundiu num s conceito a causa que princpio do bem nos seres e a causa donde vem aos seres o movimento, e alm disto somente recorreu ao Nous (Inteligncia) quando se via na dificuldade de explicar uma coisa por causas fsicas.Empdocles distinguiu a causa do Bem, a que chamou Amor, da causa do Mal, a que chamou dio, mas a sua teoria tambm no consequente. Com efeito, nela se d o caso de o Amor separar e o dio unir, pois quando o Amor une os quatro elementos para formar os seres que constituem o Universo tem necessariamente de separar da constituio homognea em que se encontram as partes de cada um deles, e o mesmo, mas inversamente, relativamente ao dio.Leucipo e Demcrito consideraram como elementos o pleno e o vazio, a que chamavam o ser e o no-ser; e tal como os filsofos jnicos, que faziam provir todos os seres de uma nica substncia, tambm eles faziam provir todos os seres das propriedades do pleno e do vazio, a saber, da figura, da ordem e da posio.Esta explicao, porm, tambm insuficiente, porquanto, como todos os seus predecessores, Leucipo e Demcrito no dizem donde e como se origina nos seres o movimento.d) Causa formal. Os Pitagricos, nutridos de saber matemtico, que notavelmente fizeram progredir, afastaram-se da causa puramente material ao estabelecerem que os nmeros so os princpios das coisas.Em seu entender, os nmero no so totalmente desprovidos de matria, mas a materialidade que os constitui no tangvel, seno que abstracta, de sorte que introduziram na cincia que procuramos um princpio ideal.Com efeito, entendiam que o nmero a relao das partes materiais, e porque esta relao diferente nos diversos seres da parecem admitir que o nmero princpio, quer como matria dos seres, quer como [constituinte] das suas modificaes e hbitos, isto , como forma.Nesta concepo, a causa formal considerada em ntima conexo com a causa material. Os primeiros que deram passos no sentido de a separarem foram os filsofos eleatas, ao admitirem que a razo de ser do Universo a unidade e a imutabilidade, embora divergissem acerca do conceito de Uno, pois Xenfanes dizia que o Uno Deus, Parmnides, que ele era finito, e Melisso, infinito.Pertence, porm, a Plato a concepo da autonomia plena da causa formal, como implicao da sua teoria das Ideias, segundo a qual todas as coisas tm por princpio uma forma ou essncia imaterial.Concepo capital na histria da Metafsica e da Teoria da Cincia, a sua importncia impe que nos detenhamos um tanto nos passos do livro Alfa maisculo que lhe dizem respeito, alis sem nos desviarmos do sentido compendioso da presente introduo. Seguindo a ordem deste livro, e sem sairmos dos seus limites, dado que o nosso objetivo a propedutica aos pensamentos que ele expe e no a considerao da totalidade do pensamento de Aristteles e a da correlao do Alfa maisculo com os demais livros da Metafsica e do corpus aristotlico, exporemos primeiramente a concepo da teoria das Ideias que Aristteles atribui a Plato e depois, na seco seguinte, a crtica que lhe dirigiu.Situando-nos exclusivamente no sentido dos perodos do livro que nos ocupa, deixando de lado, portanto, o complexo problema de saber se as concepes que Aristteles atribuiu a Plato coincidem rigorosamente com as concepes que podemos conhecer mediante os prprios escritos platnicos e indiretamente mediante juzos de intrpretes e crticos, a primeira coisa a notar a explicao da gnese da teoria das Ideias.Segundo Aristteles, a teoria platnica filia-se em concepes de Herclito, de Scrates e dos Pitagricos (cap. 6.), omitindo qualquer referncia influncia de Parmnides e de Euclides de Megara, que alis Plato implicitamente confessou.Por intermdio de Crtilo, seu mestre na juventude, Plato veio ao conhecimento da concepo mobilista de Herciito, segundo a qual todas as coisas sensveis esto submetidas ao fluir incessante, tal como a gua corrente de um rio, na qual nos banhamos duas vezes.Com este ensino, o futuro filsofo da Academia aprendeu que impossvel um saber exato edificado somente sobre as prprias coisas ou sobre as intuies sensveis que elas geram, dado que a Cincia tem de assentar no que no muda, e as coisas sensveis no so, mas esto, ou mais precisamente, devm.Mais tarde, a convivncia com Scrates ensinou-lhe que o esforo explicativo deve dirigir-se no sentido da definio da coisa que objecto de problema ou de indagao. Scrates somente se ocupara de temas morais, mas a lio viva e convincente da sua dialctica de filsofo que sempre procurou o inteligvel e universal, isto , o conceito que exprimisse a essncia da coisa que era objecto de indagao ou de conversao, podia ser alargada totalidade do mundo pensvel.O que Scrates havia feito relativamente aos fundamentos explicativos da atividade tica continha potencialmente a explicao teortica da realidade do ser; por isso, conjugando a concepo heracliteia de que a cincia que procuramos se no encontra no estar mutvel das coisas e da sensibilidade em que ele se reflecte, Plato, aps Scrates, foi levado a procur-lo no que as coisas sensveis tm de inteligvel e de imutvel, e a que chamou Ideia. As Ideias, no sentido platnico, so, pois, realidades, e estas realidades existem alhures das coisas sensveis, porque, exprimindo elas essncias universais, impossvel que o universal exista em cada uma das coisas sensveis, mormente nas que se apresentam em constante fluir e mutao.Do que vimos dizendo resulta que, desenvolvendo, aprofundando e modificando concepes de Herclito e de Scrates, Plato foi levado a estabelecer a separao entre o Inteligvel e o Sensvel, ou por outras palavras, entre o Universal e Imutvel de um lado e o particular e deviente do outro, e a conferir s Ideias, que exprimem, em contraste com a perptua mobilidade de esvaimento das coisas sensveis, o Inteligvel, o Universal, o Imutvel e a Essncia, isto , a quididade dos seres, a identidade e permanncia necessrias fundamentao da cincia que procuramos.A Cincia convertia-se, assim, no conhecimento das Ideias ou Formas imateriais das coisas, mas para que a teoria se tornasse harmnica cumpria estabelecer a relao das Ideias com as prprias coisas sensveis. , o terceiro aspecto sob o qual Aristteles considera a gnese da teoria platnica das Ideias e que a seu juzo remonta teoria pitagrica dos seres sensveis como imitao dos nmeros.Da exposio aristotlica resulta que a teoria platnica das Ideias como que a sntese de concepes anteriores, o que alis Zoller, o incomparvel historiador da Filosofia helnica, corroborou com sbia e penetrante crtica. A esta luz, a teoria das Ideias aparece, consequentemente, como fundamentao da realidade da Cincia e do conhecimento inteligvel, e portanto como explicao ontolgica, isto , o que faz com que um ser seja o que , um cavalo, um cavalo, uma esttua, uma esttua.A concepo continha intrinsecamente algumas dificuldades, e a primeira que Aristteles acentua no captulo sexto que nos ocupa consiste em pr a claro que a explicao da natureza das coisas sensveis mediante as Ideias no uma explicao aceitvel.Para Plato, as coisas sensveis existem por participao das Ideias, e a juzo de Aristteles esta explicao somente difere verbalmente da explicao pitagrica da existncia dos seres imitao dos nmeros.O que sejam participao e imitao no o dizem Plato e os Pitagricos, mas a circunstncia da explicao platnica somente diferir verbalmente da explicao pitagrica no quer dizer que Plato coincidisse com os Pitagricos no que respeita aos objectos matemticos.Segundo os Pitagricos, quando dizem que os seres sensveis existem imitao dos nmeros cumpre entender por tal que os nmeros so imanentes aos seres, isto , no esto fora dos objectos sensveis , o que alis Aristteles tem por mais consentneo com a razo, pois o princpio das coisas deve ser-lhes imanente e no transcendente. Plato no pensa assim. Segundo os obscuros perodos do captulo sexto do Alfa maisculo, o filsofo da Academia admitiu a existncia de entidades matemticas intermedirias entre as Ideias e os seres sensveis. Como as Ideias, estas entidades seriam eternas e imutveis, pelo que diferiam dos seres sensveis, que so perecveis e mutveis, mas distinguir-se-iam das Ideias, em virtude de cada Ideia ser nica e possuir singularidade prpria e os objectos matemticos somente possurem unidade especfica, o que equivale a dizer que comportam a multiplicidade, ou por outras palavras, a existncia concreta de objectos semelhantes.Assim, os objectos ou entidades matemticas seriam intermdios, isto , seres Com onticidade prpria entre os seres inteligveis, que so as Ideias, e os seres sensveis, que so os objectos fsicos.Esta concepo encerra rduas dificuldades, bastando deixar acentuado agora, pois no seguimento das nossas introdues aos livros da Metafsica teremos de voltar teoria platnica dos nmeros por mais de uma vez e sob pontos de vista diferentes, que ela importa a distino entre os nmeros intermdios, ou matemticos, e os nmeros ideais, ou mais propriamente os nmeros corno Ideias.Como crvel, Plato foi levado a esta distino para tornar compatvel a propriedade aditiva dos nmeros, pela qual eles se tornam quantitativamente diversos, com a unicidade de cada um deles, a qual expressa pela essncia ideal respectiva. A distino equacionava-se com a teoria das Ideias, porquanto tornava possvel logicamente o antes e depois inerentes gerao dos seres, quer esta se considerasse fsica e temporalmente (nmeros intermedirios ou matemticos), quer se considerasse inteligivelmente, o que implicava a existncia dos nmeros ideais.Sendo assim, e s hipoteticamente podem arriscar-se opinies, que alis abundam , os nmeros intermdios no tm propriamente a unicidade das Ideias e portanto dos nmeros ideais, mas so, corno interpretou Bonitz, espcies, que Plato comparou a nmeros ou reduziu a nmeros. Com os nmeros intermdios possvel explicar o facto da soma, isto , a formao de um nmero com outros nmeros, o que era impossvel com os nmeros ideais, pois de essncias nicas e irredutveis no possvel obter por soma uma essncia nova e diversa; consequentemente, os nmeros intermdios so adicionveis, por serem quantitativamente diversos, e os nmeros ideais so inadicionveis, por serem inteligivelmente e essencialmente diferentes. dificuldade de saber o que so intrinsecamente os nmeros intermdios acresce outra, no menos densa de dvidas, ou seja a gerao dos nmeros intermedirios com a gerao dos seres.Aps a referncia concepo dos nmeros intermdios, Aristteles atribui a Plato (hic., pp. 37-38) a doutrina segundo a qual a gerao dos nmeros matemticos ou intermdios e das coisas sensveis resultaria de uma causa formal, ou seja o Uno, e de uma causa material, ou seja a dada do grande e do pequeno. outra concepo de no menor dificuldade interpretativa, e cuja explicao parece ser a seguinte: Se as Ideias so a essncia ou causa formal dos nmeros enquanto contveis e dos seres enquanto existentes na sua transitoriedade, e se de cada essncia somente existe uma nica Ideia, a multiplicidade de objectos semelhantes, isto , tendo a mesma essncia inteligvel, pressupe alm da Ideia, ou causa formal, uma causa material, que Plato designa com o nome de dada do grande e do pequeno. Consequentemente, a sucesso dos nmeros e a gerao dos seres resultariam da participao do grande e do pequeno, isto , da matria, Ideia, ou essncia formal.Aristteles criticou esta obscura teoria, cuja estrutura parece compaginar-se principalmente teoria do dilogo platnico Filebo, segundo a qual a natureza do apeiron se exprime pelo conceito de dada infinita. A seu juzo, a explicao da existncia da multiplicidade de seres semelhantes com a mesma essncia inteligvel, ou Ideia, exacta, porquanto a multiplicidade dos seres semelhantes no procede da causa material, que causa de limitao ou de individuao, mas da causa formal, que, multiplicando-se, produz novos seres semelhantes. Assim, a madeira que estabelece a limitao da existncia concreta de uma mesa, porque o marceneiro que a fez, aplicando a Ideia de mesa, pode produzir outras mesas se no tiver a limitao que resulta da falta de madeira apropriada; e o mesmo quanto fecundao, porque a fmea fecundada por urna s cpula, enquanto o macho pode fecundar vrias fmeas.Desta exposio breve, e no fundo conjecturai, resulta uma concluso, que era o objetivo de Aristteles: Plato admitiu a existncia de duas causas, ou sejam a causa formal e a causa material. Cumpre agora atentar no valor explicativo das concepes que acabmos de resumir.c) Reviso crtica das concepes mencionadasComo acima dissemos, a feio histrica que o livro Alfa maisculo (I) apresenta obedeceu ao intento, que Aristteles expressamente declara (c. 7, hic., p. 39), de mostrar que, de Tales de Mileto a Plato, os sistemas filosficos, separadamente considerados, sempre tiveram em mente, com mais ou menos clareza, uma ou alguma das causas que explicam o ser, a saber, a causa material, a causa eficiente, a causa formal e a causa final, e considerados em conjunto, estabelecem que so estas quatro causas, e no outras, em nmero e em espcie, as causas que cumpre admitir.A concepo aristotlica da explicabilidade causal tinha, pois, fundamento histrico, a ponto de poder afirmar-se que ela era o remate de uma caminhada de sculos dirigida no sentido da edificao de urna teoria do princpio e da causa. Herdeiro e continuador da tradio filosfica que o antecedera, Aristteles sentiu como que a obrigao de declarar o que devia aos seus predecessores e mostrar as razes por que deles se afastava.Cumpre, pois, atentar separadamente nestes dois pontos, ou sejam, respectivamente, o grau de conhecimento que os filsofos pr-aristotlicos alcanaram acerca da explicabilidade pelas causas e o valor que deve atribuir-se s suas concepes. O primeiro ponto essencialmente indicativo; o segundo, crtico.Em rigor, estes filsofos somente alcanaram como que o pressentimento, mais ou menos certeiro, de que a explicabilidade no era possvel sem a existncia de alguma ou de algumas destas quatro causas, mas no foram concordes no conceito que delas tiveram.Com efeito, pelo que respeita causa material, admitiram uns que o princpio material era uno, e outros que ele era mltiplo, no faltando ainda quem o concebesse como corpreo e, contrariamente, como incorpreo.Filsofos houve que somente alcanaram esta causa material; outros, porm, pressentiram a causa eficiente, designadamente Empedoeles e Anaxgoras , aquele, ao admitir que o donde o princpio do movimento provm de duas foras csmicas, o Amor e a Discrdia, este, em o situar na Inteligncia (Nous).Quanto causa formal, ou quididade, Aristteles no hesitou em afirmar que ningum havia atingido com clareza o respectivo conceito. O nico que dele se aproximou foi Plato, com a teoria das Ideias, visto considerar as Ideias como quididade das coisas, analogamente ao Uno que d s Ideias a respectiva essncia.Finalmente, relativamente causa final, os que dela tiveram noo referem-se-lhe sem explicitarem o pensamento e sem lhe indicarem a origem. Assim, Empdocles e Anaxgoras, ao indicarem o Amor e a Inteligncia como causas, pensaram esta causalidade como Bem e no propriamente como fim, de sorte que ao mesmo tempo dizem e desdizem que o Bem causa, pois a consideram no absolutamente, mas por acidente.Indicadas as noes que os filsofos pr-aristotlicos enunciaram acerca da teoria causal, atentemos agora nas objeces de Aristteles.A juzo do Estagirita, a concepo da causa material que os filsofos da Jnia postulam limita-se exclusivamente aos corpos materiais, omitindo em consequncia os princpios dos seres incorpreos, e desconhece as causas eficiente e formal. Alm disto, estabelecem impensadamente como princpio fundamental e originrio um destes trs elementos -- a gua, o ar ou o fogo , sem notarem que os quatro elementos se geram mutuamente, nascendo uns dos outros, quer por unio, quer por desunio , o que evidentemente impossibilita a relao de anterioridade e de posterioridade, implcita na noo de substncia fundamental e originria.A teoria de Empdocles no s se no furta a estas objeces seno que deixa por explicar a mudana de estado dos corpos naturais; e a de Anaxgoras comete o absurdo de dizer que todas as coisas estiveram primitivamente misturadas, embora tivesse tido o mrito de estabelecer, por um lado, a existncia da unidade e da simplicidade da Inteligncia, e por outro, a multido infinita dos elementos, em termos que preludiam concepes posteriormente formuladas.Nenhum destes filsofos se elevou concepo da existncia de seres imateriais, ou por outras palavras, distinguiu os seres sensveis, isto , os corpos fisicamente tangveis, dos seres no-sensveis, isto , os seres no perceptveis pelos sentidos.O descobrimento destes seres no-corpreos foi feito por Pitgoras e por Plato, mantendo-o e continuando-o as escolas que eles fundaram. As concepes de um e de outro assinalam um progresso notvel, mas no esto isentas de graves dificuldades.Com efeito, no que respeita concepo do nmero, cuja essncia no apreendida pelos sentidos, os Pitagricos servem-se do respectivo conceito para explicar a Natureza, isto , pretendem explicar a realidade fsica mediante a existncia de seres que no tm existencialidade fsica intuvel pelos sentidos. Ora, sendo assim, como possvel passar-se do finito e do infinito, do par e do mpar, para o movimento, ou mais explicitamente, para a gerao e corrupo dos seres, para o que pesado e para o que leve?Os nmeros explicam a grandeza e o que na Natureza pertence ordem da quantidade, mas no so causa de movimento; e alm disto, como possvel que os nmeros que os Pitagricos consideram causas das coisas sejam os mesmos, e no outros que os que formam o Cosmos?Para obviar a esta dificuldade, Plato distinguiu o nmero sensvel, que o nmero que se incorpora ao mundo real, do nmero inteligvel ou ideal, que o nmero propriamente dotado de causalidade. A distino conduz-nos teoria platnica das Ideias, que, como acima dissemos, uma concepo que assenta na existncia de seres materiais, que so os corpos, e na de seres imateriais, que so as Ideias, nas quais funda a essncia do Ser e o objecto da Cincia.Teoria original e complexa, de uma complexidade to inextricvel que quase roa pelo mistrio, tem dado ensejo s mais dispares influncias e juzos, desde o sentido transcendente, que enlevou o gnio de Santo Agostinho e abonou o doutrinarismo mstico, at significao epistemolgica do neo-kantianismo Paul Natorp, que nela reconheceu o princpio fundamental precursor do idealismo da Crtica da Razo Pura. O poder de reflexibilidade que ela contm assegura4he valor permanentemente formativo, alm de ser capital para o estudo da gnese da metafsica aristotlica, porquanto foi contra a teoria das Ideias que, por assim dizer, se constituiu o pensamento prprio de Aristteles.No de admirar, por isto, que este se lhe refira em diversos passos da sua vastssima obra, mas como cumpre ao objetivo da presente introduo, devemos limitar a anlise ao livro Alfa maisculo, em cujo mbito e s nele nos situaremos, isto , sem ter em vista os escritos de Plato e a totalidade das referncias aristotlicas teoria das Ideias.Por esta razo, e atendendo ainda comodidade expositiva, consideraremos fundamentalmente dois pontos: os argumentos justificativos da onticidade das Ideias segundo o Alfa maisculo, e as objeces crticas que Aristteles lhes dirigiu neste mesmo livro. Comecemos por aqueles.Como acima dissemos, a teoria platnica das Ideias exprime o intento de conferir Cincia um fundamento inteligvel que a exima perptua instabilidade e mutao do fluir da experincia sensvel. Coerente com esta exigncia lgica, o objecto da Cincia carece de ser universal, determinado e imutvel; pelo que Plato o identificou com o Universal inteligvel e estabeleceu a separao completa entre a essncia ou forma que cada Ideia exprime e os seres sensveis que dela participam, de sorte que as Ideias so concebidas como seres transcendentes ao mundo sensvel, com existncia prpria e mais real que os seres concretos, porque pela realidade das Ideias que se explica a realidade dos seres particulares da experincia sensvel.O primeiro argumento, na ordem por que Aristteles os indica e no valor intrnseco, assenta nesta exigncia lgica da Cincia, dado que a Cincia no tem por objecto coisas particulares mas o constante e imutvel, que dado precisamente pelas IdeiasO segundo argumento procede da necessidade lgica de admitir a unidade na multiplicidade. Significam estas palavras, que so as de Aristteles (hic., p. 51), que tem de existir e subsistir separadamente o que h de comum a muitos indivduos semelhantes, como, por exemplo, aos indivduos humanos o terem de comum a Hominidade, isto , a forma de Homem, e que o que h de comum no perece quando cada um dos indivduos se extingue. Ora a Ideia precisamente a expresso inteligvel desta unidade na multiplicidade.O terceiro argumento tem por fundamento a persistncia no pensamento das representaes de coisas que pereceram, ou, como diz Aristteles (hic., p. 51) pensamos qualquer coisa mesmo depois de corrupta. Equivale o raciocnio a dizer que quando se pensa uma essncia inteligvel, como por exemplo a Ideia de Homem, se pensa em algo existente em si e no em algo que exista somente nos indivduos a que chamamos homens, dado que o perecimento dos indivduos no implica que cesse o pensar-se a ideia de Homem; pelo que a ideia de Homem, como essncia inteligvel, distinta dos seres humanos.So estes os argumentos que no Alfa maisculo Aristteles atribui aos Platnicos, acentuando, porm, que eles apresentavam outros raciocnios mais rigorosos, cujo teor no expe mas cujas consequncias indica, a saber, a existncia de ideias de relativos e a incongruncia lgica da existncia do terceiro homem, que no lugar prprio referimos (hic., p. 52, nota).Segundo Robin, estes argumentos basear-se-iam na concepo da Ideia como modelo, em ordem a explicar a existncia de atributos comuns, e no conceito de participao, segundo o qual as coisas que so semelhantes entre si s-lo-iam por participarem Ideia que as torna semelhantes.Conhecida a fundamentao da teoria, cumpre agora atentar nas objeces de Aristteles, pensadas com o propsito de provar que ela no esclarece coerentemente o problema do princpio e da causa, que o abjecto da cincia a adquirir> (hic., p. 15), ou como tambm diz, com admirvel sentido das dificuldades, da cincia de que andamos procura (hic., p. 8).Quando Aristteles escreveu o Alfa maisculo, de crer que, como acima dissemos, no tivesse rompido completamente com o crculo de filsofos mais ou menos fiis doutrina de Plato. Considerava-se ainda, de certo modo, seno platnico, pelo menos platonizante, mas isto no significa que aceitasse integralmente a teoria das Ideias, ou por outras palavras, a concepo ontolgica e causal que ela exprimia.Para bem situar a crtica de Aristteles, convm atentar principalmente nas duas consequncias que da teoria platnica resultavam: a Cincia no tem por objecto o particular sensvel, ou por outras palavras, a factualidade captada imediatamente pelas sensaes no constitui ontologicamente o objecto do Saber; e o geral que objecto da Cincia constitudo pelas Ideias, isto , o objecto da Cincia e a essncia do Ser enquanto Ser somente so pensveis desde que se admita a existncia de essncias universais com existncia prpria, quer em relao s coisas corpreas e sensveis.Na linha da tradio socrtica, firmado no princpio de que somente no universal se d a Cincia, Aristteles no contestou a primeira destas consequncias, excogitando at uma teoria original acerca da oposio do particular e do universal em ordem a estabelecer o trnsito do conhecimento sensvel ao conhecimento universal, mas contestou a segunda com insistentes e penetrantes objeces.Fundamentalmente, temos diante de ns o problema de saber se logicamente possvel separar-se de uma coisa sensvel a Ideia, isto , a essncia formal ou inteligvel dessa mesma coisa. Aristteles ocupou-se reiteradamente deste assunto, mas ao objetivo da presente introduo somente importa considerar a refutao que ele exps no captulo nono do Alfa maisculo. Nestas pginas, concisas e densas de dificuldades como quase todas as que constituem os livros metafsicos, Aristteles pretende mostrar que a teoria das Ideias no resolve cabalmente o problema do objecto da cincia a adquirir, que o do princpio e da causa.Com Plato, na sequncia do ensino socrtico, Aristteles teve por indubitvel que a Cincia no possvel sem a existncia de conceitos universais, mas contra o ensino do seu Mestre no admitiu que os conceitos universais, essncias inteligveis ou Ideias, fossem explicao bastante da realidade sensvel e da cincia da Natureza.So muitas as objeces que lhes despede, pelo que convm agrup-las na seguinte esquematizao: a teoria das Ideias intil como explicao; a onticidade atribuda s Ideias no admissvel; a teoria no explica o devir no mundo fsico. Atentemos separadamente em cada um destes apartados:A primeira objeco , por assim dizer, preliminar, e consiste em arguir os platnicos de estabelecerem a existncia de tantas Ideias quantas as espcies de seres sensveis. Equivale a objeco a considerar o mbito do mundo das Ideias, e a dizer que os platnicos duplicaram o nmero de seres, procedendo corno quem tivesse dificuldade em fazer urna conta e pensando que os nmeros existentes no eram bastantes, aumentasse a numerao para mais facilmente a fazer. Por outras palavras: para que admitir uma duplicao de essncias inteligveis que nada resolve, visto o duplicado ser sinnimo da coisa que se duplica?A teoria das Ideias, porm, no s no resolve a dificuldade da cincia que indagamos seno que os argumentos com que os platnicos procuram demonstrar a onticidade das Ideias, isto , a existncia prpria e distinta das formas e essncias inteligveis, no so aceitveis.Com efeito, o primeiro argumento que, como vimos, se baseia na necessidade da existncia do Universal como fundamento da Cincia, no autoriza que a este se atribua onticidade prpria e distinta. Aristteles no desenvolve no captulo nono do Alfa maisculo a objeco, mas pelo seguimento dos seus raciocnios e por outros passos dos seus escritos, pode dizer-se que ela consiste em opor concepo platnica a concepo de que o Universal inerente fundamentao da Cincia no pode ser existentivado, como o no podem ser as qualidades e as relaes.Ao segundo argumento, baseado na necessidade lgica de admitir a existncia da unidade na multiplicidade, objecta Aristteles que ele no implica a existncia distinta das Ideias, porquanto se assim fosse seria necessrio admitir tambm a existncia distinta das negaes. Por outras palavras: se a ideia de Homem-em-si tem de existir com existncia prpria, por ser a essncia una atribuvel multiplicidade dos indivduos humanos, a ideia de No-Homem-em-si tambm tem de existir nas mesmas condies, por ser uma essncia una que no atribuvel a uma 'multiplicidade de indivduos semelhantes.O terceiro argumento a favor da existncia separada das Ideias baseia-se na persistncia mnsica de representaes de coisas que desapareceram: donde a implicao da existncia de coisas fora do esprito que as representa. Corno bvio, Aristteles no contesta a realidade psicolgica das representaes da memria, mas a sua objeco de que temos representao dos corruptveis mostra que tinha em mente dizer que a coerncia lgica obrigava a admitir no s a existncia das Ideias que exprimem o uno na multiplicidade, mas tambm a existncia da Ideia de cada coisa singular, concreta e perecvel.Tais so as objeces de Aristteles concepo das Ideias como realidades com existncia prpria e distinta dos seres sensveis. A crtica de Aristteles no se limitou, porm, no Alfa maisculo, refutao da onticidade das Ideias, porquanto criticou tambm a relao que os platnicos estabeleciam entre as Ideias e os seres sensveis. E o terceiro aspecto da crtica aristotlica que cumpre notar, porque se a refutao que acabamos de expor resumidamente implica a afirmao de que no possvel separar dos seres sensveis as Essncias inteligveis, Ideias ou Quididades o que constitui como que a propedutica da doutrina pessoal de Aristteles , o aspecto que agora vamos considerar implica a considerao do desacerto a que conduz a explicao da realidade dos seres sensveis mediante a teoria das Ideias.Se bem interpretamos as pginas do captulo nono do Alfa maisculo, cujo pensamento e afirmaes tm sido coordenados de maneira diversa, como pode ver-se por exemplo, nas profundas e extensas monografias de Rabin e de Cherniss, Aristteles discrimina (hic., pp. 53-54) trs explicaes diferentes, embora afins: as Ideias so causas; as Ideias so paradigmas ou exemplares; as Ideias so participveis e as coisas sensveis existem por participao s Ideias.A primeira, ou seja a aco causal das Ideias, expressamente reportada por Aristteles (hic., p. 56) ao Fdon, de Plato, no passo em que afirma que as Ideias so causa tanto do ser como do devir , devir, isto , do estar sendo.Poderia, com efeito, pensar-se que o Branco causa da composio da coisa branca, e deste parecer foram Anaxgoras, Eudoxo e outros, isto , a causalidade exercer-se-ia pela insero ou, talvez mais propriamente, pela mistura da Essncia inteligvel matria informe.Esta argumentao, qual est subjacente a teoria do Nous e das homoemrias de Anaxgoras, diz Aristteles que muito frgil, pois fcil opor-lhe objees inmeras e por absurdo, que alis no explicitou. O emprego da palavra absurdo, no entanto, como que descobre a objeo fundamental que teria em mente, levando a crer que fosse a contradio existente entre a ao causal das Ideias, que tinha de se exprimir concretamente no fluir incessante do mundo fsico, e o carcter transcendente que lhes prprio, e que confere onticidade s Ideias somente no mundo inteligvel. Consequentemente, as Ideias no podem ser causas, quer se considerem como puras essncias inteligveis, quer como nmeros-ideias, como adiante veremos, por no terem imanncia causal.A conceo das Ideias como exemplares tambm no explicao satisfatria.Com efeito, em primeiro lugar, ela implica a existncia de um agente que contemple a Ideia-modelo e a insira na realidade material.Em segundo lugar, o ser concreto exigiria vrias Ideias-modelos, como por exemplo, um indivduo humano, cuja individuao pressuporia as Ideias de Animal, de Bpede, e, ao mesmo tempo, de Homem-em-si, isto , a necessidade lgica da coexistncia de muitas Ideias-modelos autnomas, o que importa a destruio da conceo. Por outras palavras: sendo Pedro um ser animal, bpede e hominal, a sua individuao pressuporia as Ideias de Animal, de Bpede e de Homem-em-si, cuja singularidade ntica de cada uma destas Ideias torna inexplicvel que Pedro seja concretamente um ente uno e no plural.Em terceiro lugar, considerando as relaes de subordinao das espcies ao gnero a que pertencem, seria foroso admitir que as prprias Ideias tambm se constituam por Ideias-modelos, o que conduziria ao paradoxo de as Ideias poderem ser simultaneamente modelos e imagens.Finalmente, a conceo implica a negao da transcendncia das Ideias, dado serem inseparveis a existncia da substncia e aquilo de que ela substncia.A explicao mediante a participaodas Ideias tambm no satisfatria, equivalendo a pronunciar palavras ocas e fazer metforas poticas (hic., p. 55).Com efeito, a participao, considerada em si mesma, no pressupe uma causa atuante que lhe seja inerente, por forma que os seres que participam das Ideias no so gerados, se no houver um motor. Consequentemente, a causa formal, inerente ideia, no basta para explicar a existncia dos seres sensveis, pelo que se impe a procura da causalidade que a explique fora das Ideias.Nesta objeo, como alis noutras, a crtica brota da prpria filosofia de Aristteles, visto nela censurar a separao da Forma e da Matria e a omisso de uma explicao do trnsito da Potncia ao Ato, mas considerada ainda em si mesma a teoria encerra intrinsecamente como que uma contradio. que as Ideias, segundo a teoria platnica, participam como essncias genricas. Ora a unidade na multiplicidade no se d somente em relao aos gneros, mas tambm em relao a muitas outras coisas, como uma casa, por exemplo, ou um anel, sem que delas se afirme que h espcie; por consequncia, contrariamente teoria, foroso admitir a participao em relao a coisas de que no existem essncias genricas ou especficas. Quer dizer: se no existem Ideias de objetos, como a casa, o anel, etc., e se estes objetos existem, a participao no uma explicao universal, visto darem-se objetos cuja existncia no carece das Ideias.Alm de ser uma explicao oca, a participao , pois, uma conceo contrria prpria teoria das Ideias, por implicar a dissoluo da substancialidade das Ideias.Da exposio que acabmos de fazer, com ser resumida e breve, resulta que a causalidade no explicada satisfatoriamente pela teoria das Ideias, e para remate do assunto, deve ainda acentuar-se que a conceo dos Nmeros-ideais tambm a no explica. Deixando para outro lugar mais adequado o complexo problema da relao das Ideias e dos Nmeros na conceo platnica, baste agora notar que para Aristteles os Nmeros-ideais tambm no podem ser causa dos sensveis (hic., pp. 56-57).E no o so, j porque os seres sensveis no so nmeros, isto , tal nmero seria Clias, tal outro Scrates, j porque se no descobre uma razo pela qual um nmero seria causa de outro nmero que lhe fosse igual, pois o facto de se dizer que uns nmeros so eternos no explicao causal.Em concluso, e maneira de re