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A Inversão Prelúdio Franklin Santos

A Inversão : Prelúdio...Elias; homem caucasiano, alto, na faixa dos 36 anos, mudara-se para Salvação – BA para dar aula no CSEM, bacharel em Direito, e, apesar de não ter como

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A Inversão

Prelúdio

Franklin Santos

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©Impresso pela Per Se.

http://ukara72.wix.com/franklinsantos/

Título: A Inversão – Prelúdio ISBN: 978-85-8045-944-9

Texto: Franklin de Jesus Santos 1.ª Edição 2013 ®

Edição da capa: Franklin de Jesus Santos Site Oficial: http://inversao.webnode.com/

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PREFÁCIO

Feliz aquele que ouve! De fato; a habilidade da audição, além de ser uma parte essencial da nossa comunicação, também pode nos proporcionar experiências inesquecíveis. A maioria das pessoas possui uma resposta na ponta da língua para a pergunta: “qual a sua música favorita?” – e existe uma inúmera variedade delas. Com certeza há aquela música que nos faz cantar sem perceber, dançar sem perceber; há também aquela que nos anima; aquela que nos entristece, a que nos faz pensar. Há a que facilita o caminho do amor e existe a que suscita um incontrolável ódio. Todas essas sensações podem ser obtidas mediante a correta disposição de notas musicais. Esta história irá explorar tal faceta da música de forma ampliada e com uma pitada de ficção. Nicolas de Priamo Narf, ou simplesmente Nilk, é um jovem comum que vive uma vida comum em um lugar comum. A única faceta peculiar da sua vida é sua apurada habilidade auditiva que o permite até mesmo detectar mentiras. Pratica piano, mesmo sem nunca ter estudado de forma disciplinar. De repente ele se vê preso na ratoeira de um grande estrategista com um plano malévolo. Ele e seus amigos aos poucos se envolvem em meio a uma trama de ramificações internacionais, que pode afetar todo o país. Mas Nilk está mais do que disposto a provar para todo o mundo, que envolvê-lo nisto foi um grande erro para seus inimigos.

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SUMÁRIO

1. A alternativa B.. . . . . 7

2. A mezzo-soprano. . . . . 11

3. Luzes. . . . . . . 17

4. A universidade de Pádua.. . . . 22

5. A recompensa do herói. . . . 27

6. Perguntas sem respostas. . . . 33

7. Angelo Paroccinio. . . . . 40

8. Um lampejo de coerência. . . . 47

9. Adeus ou até logo?. . . . . 55

10. Passos de bailarina. . . . . 60

11. O poder do prelúdio. . . . . 66

12. Uma vez traidor. . . . . 72

13. Tecendo a teia. . . . . . 79

14. Perdendo o próprio jogo. . . . 85

15. “O flautista de Hamelin”. . . . 93

16. A nova aliada. . . . . . 99

17. A festa.. . . . . . 106

18. Em chamas (parte 1). . . . . 112

19. Em chamas (parte 2). . . . . 118

20. O primeiro dia do resto da vida. . . 126

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Capítulo I

A ALTERNATIVA B

- Qual será?

Essa era a questão que tomou subitamente a mente jovem de Nicolas naquele momento tão comum para um aluno do 3º ano do ensino médio. Nilk, como era chamado pelos amigos e família, não tinha nada de especial fisicamente; mulato, baiano, estatura mediana, sempre usando uma camisa social como jaqueta por cima da farda azul do CSEM-BA (Centro Superlativo de Ensino Médio da Bahia). Consciente ele já era de que tinha um sério problema com a responsabilidade de estudar pra avaliações cruciais como era aquela prova de história da 2ª unidade. Então uma exclamação dele foi ouvida na sala, seguida de um espanto compreensível da parte do professor Elias; homem caucasiano, alto, na faixa dos 36 anos, mudara-se para Salvação – BA para dar aula no CSEM, bacharel em Direito, e, apesar de não ter como esconder a barriga criada após ingerir uma quantidade exorbitante de gordura e bebidas em toda a vida ele apresentava movimentos e pensamentos rápidos o que nos leva a crer que já teve um corpo atlético na juventude. - Ah! Já chega! - Dificuldades com as alternativas Nicolas? - Perguntou o professor com um sorriso de autogratificação por achar ter imposto aos alunos um teste que ele sempre chamou de "Aquele que separa os homens dos meninos". - Sim senhor. Poderia ler pra mim a questão final? É que ela está um pouco apagada na minha prova. O professor Elias levantou-se, e com muita calma se dirigiu à carteira na qual se encontrava seu aluno queixoso e apanhou a sua prova. - Sua prova não está tão apagada assim, Nicolas. - Por favor “prof”, eu sou míope.

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- Ah é? Muito bem, farei esse favor a você: “Questão dezesseis: ‘Os proletários nada têm a perder com ela [a revolução], a não ser as próprias cadeias. E têm um mundo a ganhar. Proletários de todo os países, uni-vos.” (Karl Marx e Friedrich Engels). Neste trecho do Manifesto Comunista escrito há 150 anos, estão expressos alguns dos fundamentos do socialismo científico, cujos princípios são: a) internacionalismo e dialética idealista. b) materialismo histórico e luta de classes c) ditadura do proletariado e organização dos Sovietes. d) corporativismo e materialismo dialético. e) comunismo e nacional-socialismo. - Agradecido. - Ótimo. Uma boa prova, se possível. - Disse Elias soltando uma sonora risada após isso, que foi acompanhada pelas alunas trigêmeas, bonitas – combinação que causava certa confusão nos encontros que ocasionalmente marcavam com garotos – que eram fascinadas por ele e por isso sempre se sentavam nas cadeiras da frente. Seus nomes eram: Tamires, Erica e Rafaela. Nilk então virou a folha de costas, e na parte em branco fez uma tabela semelhante a um gabarito. Depois ele olhou pra cima, olhou para baixo, virou para a página da questão a marcar e marcou a alternativa B com certa convicção. - Terminei, senhor. Os olhos do Professor Elias se arregalaram. - Por que não respondeu tudo, Nicolas? - Retaliou - Respondi sim, senhor. Elias olhou para o relógio. - É proibido terminar a prova em vinte e três minutos professor? - É sim. Desde que seja minha prova com três páginas e dezesseis questões com textos. - E o que eu posso fazer? - Sente-se na sua cadeira e espere até outro aluno terminar. Enquanto este ainda falava levantou-se Calvin. Era um dos amigos mais achegados de Nilk – garoto reservado; fazia sucesso com as garotas apesar de só ter olhos pra sua namorada. Com a prova na mão, disse as palavras que soaram como um gancho de esquerda no professor Elias. - Terminei, senhor.

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Elias estava inerte. Abaixou a cabeça e começou a ler o seu documento que jazia nada mais do que o planejamento da unidade que acabara de terminar. Ao saírem da sala Nilk e Calvin ficaram quietos por uns segundos e então soltaram uma gargalhada. - Cara, você mesmo gosta de provocar o professor, não é? - disse Calvin - Sempre. - Estava muito fácil. - Estava! Assim talvez uns 12 a 13 alunos de nossa turma passem. - E a última questão, foi B? - Foi sim - Usou o Pelouá? - Usei. Era o mais apropriado - É quase infalível pra você. - É... Quase. - Ninguém é perfeito, Nilk. E Deus sabe o que você faria se pudesse usar o Pelouá com perfeição! Tem que arejar a mente. Vamos à sorveteria hoje, eu marquei com a Kelly. Nilk riu-se disfarçadamente. - É... Acho que vou sim. Não tenho nada melhor pra fazer do que assistir ao romance de vocês. - Você é o rei do sarcasmo. - Imperador, Calvin. Imperador. - Então, vai ficar em casa jogando videogame. - É, e aperfeiçoar o Pelouá. - Me mande o relatório. - Na hora chefe. Nesse momento os amigos se separaram com seus planos diferentes para aquela noite de sexta-feira. A amizade deles apesar de ser forte, já tinha sido maior. Cinco anos atrás, Calvin e sua família deixaram o bairro onde moravam após o depósito de Gás dirigido pelo pai de Nilk explodir deixando 26 pessoas feridas – o que incluía a mãe de Calvin – e 8 mortos – o que incluía a mãe de Nilk. As famílias dos garotos viviam em um condomínio que servia como uma espécie de proteção para o depósito. Uma briga, que na época era rara naquele bairro,

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irrompeu na madrugada. Alguém disparou um tiro que atingiu o depósito, causando a explosão que trouxe a desgraça para as vidas deles. Júlio Acre, pai de Calvin; acusou de irresponsabilidade o pai de Nilk, Gabriel Narf, afirmando que ele deveria ter se certificado que algo como aquilo nunca aconteceria; causando uma intriga duradoura entre os dois, e uma conseqüente depressão no Sr. Narf, adquirida pouco a pouco por osmose pelo seu filho. Antes de tal tragédia, porém, a amizade entre essas duas famílias era louvável, e, os garotos Nilk e Calvin passavam horas em diferentes jogos e brincadeiras criados por eles – a grande maioria por Nilk – e daí surgiu a Pelouá. Aconteceu numa tarde comum de brincadeiras de 2002. Os dois acharam interessante criar um jogo em que um deveria descobrir se outro está mentindo ou falando a verdade. Chamaram-no de Pelouá por ser uma sigla adequada. Isso contribuiu grandemente para a amizade entre os dois visto que, após um mês dessa brincadeira não existia sequer nenhum segredo entre eles. Mas o tempo passou, e para Nilk aquilo se uniu à prática de piano, o apreço por música alta nos fones de ouvido e o videogame como um de seus vícios incuráveis. Três anos depois, nada estava fora do alcance de sua capacidade dedutiva auditiva. Enquanto aprimorava-se musicalmente, qualquer barulho insignificante era como uma sinfonia com profundo significado para Nilk. Pobre professor Elias. Nilk sabia que uma das alternativas era a correta. O professor leria as questões se esforçando para não mudar sua entonação ao dizer a resposta certa, mas Nilk percebeu que ele leu a alternativa B mais rapidamente que as outras. Assim, com essa habilidade peculiar Nilk vivia sua vida sem nunca imaginar até aonde isso poderia o levar. Naquela mesma noite de sexta o professor Elias recebeu uma visita um tanto interessante.

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Capítulo II

A MEZZO-SOPRANO

- Boa noite, professor! A figura do sujeito que esteve na casa do professor Elias naquela noite era, sem dúvida, difícil de esquecer. Sujeito alto, bom porte, usando um terno de alta qualidade e um chapéu preto, os quais, unindo-se à hora ocorrida, tornava difícil imaginar que a visita tinha qualquer fútil objetivo. O professor Elias, por outro lado, foi pego completamente de surpresa. Estava de pijama e a vermelhidão dos seus olhos ardia como que fogo devido ao sono que lhe abatia enquanto corrigia algumas provas. - Boa noite, Carlo. – fez um sinal como que o convidando para entrar – Ao que devo o incômodo da sua visita ha uma hora da madrugada? - O Maestro pretende executar sinfonia em pouco tempo. Precisamos de um relatório final. - Não posso dar um relatório incerto. Seria perigoso. - Ai, ai – disse Carlo, em lamento – Sabe o que eu acho Elias? Acho que você se acostumou com essa vida de professor durão. Todos te respeitam. Ninguém te desafia. Bem diferente da realidade, não? A não ser, é claro, o dito aluno seu que você acha ter potencial. - Ele tem potencial. Isso é indiscutível. - Claro... Claro. Pelas suas investigações ele tem aptidão para piano não é? - Precisamente. - Realmente pode ser útil. - E quando vocês pretendem chamá-lo? - Você irá chamá-lo ainda hoje. Partiremos amanhã à tarde. - Pelo amor de Deus, Carlo. Você não acha que ele vai desconfiar de nada se eu ligar pra ele uma hora dessas?

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- Elias, meu caro,você tem que cumprir a sua obrigação. Apenas providencie que Narf esteja no ônibus amanhã às 13 horas e então pode ficar tranqüilo. Não estará mais em suas mãos. Elias virou o rosto para a esquerda, pensativo. - O que foi meu amigo? Ele vai ficar bem. E quanto a Raquel, não precisamos nem falar nisso. Ela é um doce, não vai causar problemas. Nesse momento Elias olhou para Carlo com um olhar de um animal feroz que se sente ameaçado pelo ser humano e responde com agressivamente a qualquer movimento. - Não se atrevam a encostar-se a um fio de cabelo da minha filha! - Ah... Claro que não... Claro que não... Carlo então saiu da casa de Elias e se dirigiu ao seu carro estilo europeu. A placa denunciava a procedência Sicília – Itália. Elias então pegou seu telefone celular e ficou segurando-o por alguns minutos. De repente, agiu. - Alô, Nicolas? - Alô, quem fala? - Boa noite, Nicolas. É o professor Elias falando. Vim trazer boas notícias. - Nenhuma notícia pode ser tão boa a ponto de me acordar uma hora dessas. - Ah... Mas essa é. Diga-me Nilk, se posso te chamar assim, você toca algum instrumento musical? - Toco sim. Como sabe disso? - Andam te espionando, meu jovem! – riu o professor. - É mesmo? Essa é a notícia boa? - A notícia boa é que você foi escolhido para participar de um programa de formação de músicos profissionais. Terá uma seleção amanhã em Riacho das Almas – Pernambuco, e a escola ficaria muito feliz se você fosse a fim de nos representar. - Sinto muito mais vou ter que recusar. - Não vai, não. É uma grande oportunidade pra você, garoto. - Eu não toco para os outros. Toco para mim. - Não importa. Apenas queremos ver o quanto você é bom. No final você ganha um instrumento novinho. Nilk ficou calado por alguns segundos. - Novinho?

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- Absolutamente. - Quanto tempo vai durar esse programa? - Oito dias. Nilk mais uma vez paralisou-se. Elias aproveitou a brecha para selar a conversa. - Ótimo. Esteja na praça principal ás treze horas. Um ônibus irá te buscar. Nilk ficou pensativo alguns minutos. Sabia que havia alguma coisa errada. Deu um sorriso então e dormiu, como se decidisse que seja lá o que significasse, não valia uma noite de sono perdida. Por volta das 9 da manhã Calvin estava com seu celular em mãos lendo a seguinte mensagem: “Vou pra Pernambuco hoje 13hrs. Recebi uma ligação muito estranha do prof. Elias. Encontre-me na Massa as 10hrs.” De: Nilk Na hora marcada Nilk estava na tal Lanchonete Massa. Era pequena, ficava na esquina da praça principal e tinha uma boa vista do jardim da cidade. Frequentemente eles iam a esse lugar de forma que desenvolveram certa confiança em relação à dona, a carismática Dona Rebeca. Lá ele expôs pro amigo toda a situação e a conversa estranha que havia tido na noite anterior. - Tem certeza disso? – perguntou Calvin - Absoluta. Ele mentiu. – disse Nilk, em resposta. - Mas, não faz nenhum sentido. - Bem, talvez ele realmente me odeie. - É inegável que vocês estão em pé de guerra intelectual desde que ele chegou. - É. Mas o que me deixou curioso foi a parte que ele não apresentou nenhuma alteração na voz. - O quê? Ele disse alguma verdade? - Disse. E não poderia ser verdade mais intrigante. - Já imagino qual parte foi. - É Calvin. Estou sendo espionado. Quem deve ter tido a paciência para observar minha vida chata e completamente monótona? - Alguém com a vida mais monótona que a sua! - Foi isso que meu pai disse.

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- Mas pelo menos essa viagemzinha promete animá-la um pouco. - Ele disse isso também. - Aí cara, não hesite em ligar se alguma coisa parecer estranha. - Já me parece estranho. E além do mais não quero que minhas ligações interrompam um de seus brilhantes cortejos a Kelly. Mentira. Eu vou interromper de propósito. - Se não, não seria você. Então se acontecer alguma coisa contigo é só ligar. Se acontecer entre as oito e às dez da noite, saiba que vou sentir sua falta. - Tenho minhas dúvidas. Eles riram muito, comeram coisas prejudiciais a saúde e após isso a conversa rolou para assuntos menos importantes como: times de futebol, garotas, colegas estranhos e desenhos animados. Depois disso, se despediram e Nilk foi em direção ao ônibus que estacionara na praça minutos antes. O ônibus estava vazio. Apenas o motorista se apresentou; sujeito baixo, usava bigode, e tinha um ar ameaçador. Perguntou o nome do jovem completo. Após a resposta positiva o ônibus se empenhou numa viagem longa de cinco horas. Nilk se impressionou com a potência do veículo, que por fora ele julgara não passar de 80 km/h. Durante a viagem, o barulho do rock alternativo proveniente dos fones de ouvido de Nilk competia bravamente com o ronco do motor, e Nilk se perdia no mundo utópico de sons que vinha sendo o seu refúgio durante sua vida não ideal. Nilk acordou com o motorista puxando bruscamente um de seus fones de ouvido e ordenando com gritos que ele saísse. Jogou uma chave com o número dezessete inscrito em alto relevo para ele. Nilk sentiu o frio de Junho em Riacho das Almas assim que saiu. O ônibus o deixara em frente a um lugar que se parecia uma mansão medieval. Ao passar pelo grande portão e entrar no Hall teve a surpresa de ver cerca de trinta jovens da sua faixa etária lá, igualmente com as faces duvidosas. Ele se sentou num dos bancos, quando então um homem alto, com roupa extremamente elegante, apareceu na copa interior da casa, exclamando: - Bom dia a todos. Meu nome é Carlo Paroccinio, e eu serei o fiscal e juiz sênior do teste de seleção para o programa. É importante que saibam que eu sou uma prova viva de que o programa funciona. Hoje

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sou capaz de tocar todo e qualquer tipo de instrumento. Mais uma coisa, vocês vão se apresentar na sala treze para fazer o teste. Traje a rigor, conforme foram providenciados para seus quartos relativos às chaves que têm em mãos. Estejam prontos ás sete. Nilk se dirigiu assim como os outros ao seu respectivo quarto, no caso, o dezessete. Ao chegar encontrou uma cama aconchegante, televisão de plasma, um telefone ao lado da cama, e o que chamou a atenção dele: Um terno preto, com uma camisa social branca, gravata, sapatos e abotoaduras. O rapaz ficou mais espantado ainda ao ver que as roupas eram exatamente do tamanho ideal para ele. Na verdade Nilk ficou cerca de 20 minutos se admirando ao espelho. Sua autoestima não poderia estar maior. Ao chegar ao salão que era um enorme auditório com capacidade para seiscentas pessoas ele saudou discretamente os trinta e dois concorrentes que já se encontravam lá e se sentou numa das cadeiras. Ao percorrer os olhos pela sala e os que estavam nela, notou os concorrentes com atitudes ridiculamente parecidas: alguns conversavam e outros liam algo. O tal Carlo estava sentado em frente ao palco com uma espécie de prancheta na mão. Mas Nilk parou de percorrer com o olhar a sala quando viu sentada como os outros uma menina do cabelo cacheado ruivo, ele desviou o olhar algumas vezes, mas quando viu que ninguém o estava observando tornou a encarar. Porém a moça não estava mais ali. O susto potencializou-se ao vê-la vindo em sua direção. - Olá! Como se chama? – saudou a alegre garota - Narf, Nicolas Narf. - Posso te fazer uma pergunta? Naquele momento Nilk teve um surto mental imperceptível quando ouviu a voz da moça. Entonação descendente médio-grave. Foi o que passou na mente dele no momento em que devia se preocupar em ser um ser social. - Pode sim, senhorita... - Não importa. Por que estava olhando pra mim? Nilk não desperdiçou a situação. - Estava olhando porque eu juro que você é uma mezzo-soprano. A garota se espantou.

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- E você descobriu isso me olhando? – disse num tom desconfiado - Precisamente srtª. Não Importa. - Ah, então você é o engraçadinho daqui. Quer me fazer rir? - Olha aqui, srtª. Não Importa, eu não sei muito sobre você, mas seu tom de voz nesse momento está bastante alternado, e agudo. O que indica que você está nervosa, ou achando essa conversa muito agradável. Então a pergunta é: O que você quer comigo? A garota olhou impressionada nos olhos dele. E após organizar as idéias falou a sentença e se retirou para o seu lugar: - Meu nome é Raquel.

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Capítulo III

LUZES

Podem chamar de ansiedade. Podem chamar de nervosismo. Podem até chamar de “frio na barriga”. Qualquer uma dessas expressões poderia explicar bem o que Nicolas sentiu quando começou a seleção. Suas mãos tremiam. Estava agitado. Na verdade ele mal prestou atenção na apresentação dos seus oponentes. O motivo de tal preocupação era simples, porém essencial. O teste se passava da seguinte forma: Alguém era chamado pelo nome completo. O musico da vez ia até o palco e expunha o instrumento que tocava. Após isso, Carlo, o fiscal, dava-o uma partitura musical de alguma peça e pedia para que eles tocassem. Simples, talvez pense. Porém, para a infelicidade de Nilk, as suas habilidades não incluíam a leitura de partituras. Para ele, isso era o abismo. Não sabia se se preocupava com o que fazer quanto àquela situação, ou se preparava mentalmente o discurso da derrota para sua iminente volta vergonhosa para casa. Até que então algo quebrou sua veloz corrente de pensamento. - Senhorita Raquel. Nilk abandonou seus profundos pensamentos por um instante, tirou a mão que estava ao queixo e começou a tamborilar com os dedos na cadeira, em nítido sinal de nervosismo. - Que instrumento você toca, Raquel? – Questionou Carlo. - Minha voz é meu instrumento. – Replicou a jovem. - Ah. Ótimo, e a srtª. Classifica-se em... A garota deu um sorriso discreto e olhou quase que imperceptivelmente para Nilk. - Mezzo-Soprano. - Excelente. A partitura está aí, Ode a alegria de Beethoven. Sou todo ouvido. Raquel colocou a partitura com a letra da melodia em cima do suporte preparado para esse fim, então inspirou fundo e começou a

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cantar a música alegre de Beethoven sem o auxílio de nenhum acompanhamento. A voz dela era linda. Talvez mais do que ela em pessoa. Nilk estava aturdido. Algo no timbre daquela moça estava-o levando a força para o ar. Em certo momento ele desistiu de lutar contra isso e se entregou as vibrações sonoras completamente. Fechou os olhos. Logo estava envolto num universo de luzes variadas que se modificavam ao passo que a menina modulava o tom da doce voz. Conforme ela chegava ao ápice da melodia, Nilk estava cada vez mais fora de si, até que ela terminou, como pede a peça, subitamente sublime, ao passo que Nilk voltava pouco a pouco ao mundo real. - Tem uma voz poderosa, Raquel. – Afirmou Carlo - Muito obrigada – disse a moça e se retirou. - Senhor Nicolas de Príamo Narf A viagem mental acabara e agora Nilk tinha uma decepção esperando para que ele a pegasse e guardasse em sua mochila. Ele hesitou um segundo. Levantou-se e caminhou em direção ao palco. - Qual é o seu instrumento, Nicolas? – Perguntou Carlo Nesse momento, Nilk pensou no único modo de sair de lá sem ser humilhado em frente aos seus outros concorrentes músicos. Nilk fez um gesto como que mostrando a classe e respondeu: - Todos, senhor Carlo. - Todos? – Indagou Carlo tirando os óculos de leitura da face e encarando Nilk. - Sim, todos. Sou “tipo” um maestro. - Meu caro – disse Carlo impaciente – Estou com um pouco de pressa. Já passa das nove. Por isso tome sua partitura e toque sua música. O piano está ali. - Desculpe-me. Mas eu só toco acompanhado. Se não for desse jeito, sem chance. - Não seja tão dramático, Sr. Narf. - Estou falando os fatos. Sem uma dupla, não toco porque não sou músico individual. Se queriam um assim, deviam ter especificado isso; talvez com um convite formal, que por acaso eu não recebi. – Nisso ele se voltou para a direção da saída e andou. - Espere! – Exclamou Carlo – se quer tocar com alguém, escolha. - Posso escolher a música e tudo mais?

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Carlo, de cabeça baixa, suspirou alto. - Pode sim. - Poderia ser a Raquel? A garota se assustou e quase deu um pulo para trás. - Á vontade. Raquel; poderia acompanhar o senhor Nicolas na apresentação dele, por favor? Raquel se levantou meio insegura, e se dirigiu ao palco e ficou ao lado de Nilk. - Vou tocar a mesma que ela cantou. Nilk agradeceu a Deus em voz baixa, e inspirou e expirou fundo como que tivesse saltado em queda livre e caído num enorme colchão de ar. - Muito bem, você começa – Disse Nilk a Raquel e se dirigiu ao Piano. A garota inspirou como era seu costume e então começou a liberar suavemente aquelas notas tão harmônicas das suas cordas vocais. Nilk aprendia as coisas facilmente. Ao piano, apenas fechou os olhos e deixou-se levar pela beleza que as luzes causavam quando o som da música chegava a sua mente. Como que automaticamente, seus dedos seguiam a jovem soprano. Em certos momentos ele até espantosamente antecipava as notas por vir e depois de dois minutos a peça dramática estava executada e os dois jovens músicos extasiados com a maravilha gerada pela fusão de seus talentos. - Impressionante – disse Carlo batendo sozinho, palmas para a dupla – Impressionante! - Obrigado senhor. – Replicou Nilk dirigindo-se ao seu assento – Ah, obrigado Raquel – disse ele ao passar pela moça. - Não há de quer. – disse Raquel - Muito bem, todos estão dispensados. Os que forem selecionados receberão um envelope com instruções nos seus quartos. Desejo a todos uma boa noite. – Despediu-se Carlo Á noite Nilk ligou para Calvin para atualizar o amigo das recentes novidades. Afinal, não seriam todos os dias que ele dormiria em um quarto com telefone gratuito. - E aí músico. Sobreviveu à viagem? – perguntou Calvin

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- Cheguei sim, pai de família. Aquele ônibus é mais rápido que uma bala. – respondeu Nilk - É mesmo? - É. Achei estranho. - Está em um hotel é? - Na verdade parece mais uma casa de família do século passado. Mas está extremamente conservada. Se houve uma restauração foi trabalho profissional. - Então o dono deve ser podre de rico. - É... Isso mesmo. Muito interessante isso que você falou. Você está mais inteligente hoje, Calvin. Comeu o quê no jantar? - Comi o cérebro dos meus antepassados. - Pelo amor de Deus, pare de ler cultura indígena latina. Quase que eu vomito em cima do frigobar. Aqui tem frigobar sabia? - Sim, sim, mas e o teste? Como foi? Nilk então passa a relatar as agonias que passou nos momentos da seleção. - Nossa. Parece que eles queriam você de qualquer jeito. Se fosse eu o avaliador te chutava daí assim que você começasse a choramingar porque é “partituranalfabeto”. - Sabe. Também não tinha pensado nisso. Estou começando a acreditar que você realmente comeu o cérebro de seus antepassados. Os dois se entregaram às gargalhadas, mas foram interrompidas pelo toque na porta do quarto de Nilk. Ele deixou Calvin na linha e foi atender ao chamado. Ao abrir a porta se deparou com um mordomo baixo que estava de cabeça baixa com um envelope na mão. Nilk recebeu e fechou a porta atrás de si. O envelope continha os dizeres: “Parabéns senhor Nicolas Narf. Suas habilidades agradaram muito ao Maestro. Você foi selecionado para receber o treinamento especializado com o maior nome em disciplina musical do mundo em Recife. O avião sai às 10 da manhã.” Sr. Carlo Paroccinio - Ah – disse Nilk retomando o telefone – primeira mentira do professor Elias revelada. - E qual é? - O curso. Não será aqui. A voz tremulou quando disse que eu ficaria aqui por oito dias.

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- Hum, já viu que esse negócio não ta certo. - É... - Você não vai, não é? - Pense em como a minha vida é chata, Calvin. Uma aventura dessas até que é boa, ás vezes. - E essa Raquel não influencia na sua escolha? - Não... Claro que não. - Mentira! Você mentiu. É isso. É ela mesma. Perdeu meu jovem. Tente enganar outro. - Eu admito que a voz dela seja linda. E musicalmente, isso chamou minha atenção. - Acho que sua definição de “musicalmente” está muito deturpada. Eu tinha que estar aí pra ver isso. - É, acho que a conversa não está sendo mais tão produtiva. Amanhã eu ligo de novo. Quando você já tiver digerido esse cérebro. Na manhã seguinte Nilk se surpreendeu com a tripulação que estava a viajar com ele no jatinho que sairia da pista existente no fundo da mansão. Havia ali apenas ele, o piloto, um garçom e Raquel esperando. - Fomos só nós? – Indagou - Parece que sim – respondeu a jovem. - É, acho que subestimei você Raquel. Não te agradeci ontem pela ajuda porque ainda estava assustado com a situação constrangedora que eu passei no palco. - Vou pensar no seu caso. Mas me diga Nicolas, você nunca quis aprender a ler partituras? Nilk se assustou com as palavras de Raquel. - Me chame de Nilk. E eu acho que sem ler é mais emocionante. – brincou ele. Durante a viagem de 45 minutos Nilk e Raquel conversaram bastante, se conheceram um pouco, riram e beberam coisas servidas na aeronave. Porém, de repente, um sono se abateu sobre eles e eles adormeceram. Ao acordar, no entanto Nilk teve uma surpresa amedrontadora.

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Capítulo IV

A UNIVERSIDADE DE PÁDUA

Nilk despertava do seu sono com uma sensação estranha, agonizante. Sua cabeça pesava como se estivesse equilibrando nela um enorme trator. Tontura. Náusea. Todas essas sensações faziam o acordar de Nilk ser bastante conturbado. Nilk ouvia muito pouco. Via pessoas passarem para lá e para cá com jalecos brancos, conversando umas com as outras, mas não conseguia distinguir o que diziam, embora estivessem a poucos metros dele. Os sintomas estranhos do jovem foram se dissipando aos poucos dando a sensação de que a situação melhoraria. Todavia, ao tentar se movimentar percebeu que a circunstância era pior do que pensava. Estava deitado em um leito. Seus braços e pernas estavam presos, mas não firmemente, na cama – afinal, não é preciso muito para segurar alguém inconsciente. Uma sensação de pânico apoderou-se dele repentinamente e ele exclamou: - O que está acontecendo? Alguém me tire daqui! Nesse momento, todos os homens e mulheres daquela grande sala voltaram suas atenções para Nilk e um comportamento de emergência passou a entrar em cena e iniciaram uma discussão entre eles. - Ele já está acordado? Quantos comprimidos você deu a ele? – Perguntou em tom impaciente uma das mulheres. - Quatro. Conforme combinado. E cinco para a menina. – Respondeu o homem que há pouco tempo estava servindo como garçom no jatinho em Raquel e Nilk viajaram. - O quê? Eu repeti milhares de vezes que eram cinco para ele e quatro para a garota. Vocês tornam o meu trabalho extremamente mais difícil. Nisso, Nilk exclamou de novo: - O que está acontecendo aqui? - Pessoal; Código cinco. – Falou em alta voz a mulher que agia como líder entre os outros no local. Após isso todos se mobilizaram numa movimentação quase sincrônica na grande sala, até que uns homens retiraram um pano

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branco de cima de um objeto estranho. Tinha menos de um metro e meio de altura, havia rodas para locomovê-lo, e possuía uma ponta com uma membrana de caixa de som. Nilk fitou no objeto interessado, quando se deu conta todos os presentes estavam se protegendo com pequenos tampões de ouvidos que a tal líder estava distribuindo. Nesse momento Nilk se deu conta que não haveria nada de bom para ele naquela sala. Mexeu a mão para um lado e para o outro para ter certeza que conseguiria se soltar. Olhou para sua frente e tinha duas portas na sala. Se ele quisesse uma boa fuga teria que escolher uma delas e esta teria que ser a que o conduziria para fora daquele local sinistro. Dois homens empurraram a máquina na direção da maca e posicionaram-na como que fosse disparar algo na cabeça de Nilk, mas especificamente nos seus ouvidos. Nilk, então começou a mexer a mão cada vez mais rapidamente, e então ela foi gradativamente se soltando; causando uma estranha sensação dupla no garoto: por um lado: ótimo, ele iria se soltar; por outro: dúvida, o que iria acontecer com ele então? Quando os dois homens voltaram e se juntaram aos outros, a mulher que tomava a liderança se virou para um teclado de computador e olhou para o “ex-piloto” que fez um sinal de positivo com a cabeça. Nesse ponto, Nilk bruscamente solta uma das mãos e então solta a outra à força e corre desesperadamente à porta que estava mais longe daquelas pessoas de jaleco branco. Causando surpresa em todos. - Não o deixem fugir! – Gritou a chefe. Nilk jogou todo o peso de seu corpo contra a tal porta e ela se escancarou. Olhou pra trás rapidamente e viu todas as 15 pessoas da sala virem atrás dele. Nilk colocou-se a correr pelos corredores do local. Estava deserto. Parecia um hospital, mas o fato de não ter ninguém não fazia sentido. Seu sangue convertera-se em pura adrenalina. A mulher que se comportara como chefe entre os outros tinha em seu jaleco o bordado nome “Drª. Débora”. Débora então, com o semblante encolerizado, após ficar um tempo pensativa, agiu pegando a estranha máquina e cobrindo-a novamente com um pano. Após isso, dirigiu-se para fora da sala com um olhar resoluto. Entrou no elevador, saiu em um corredor no qual caminhou e entrou na única sala em que as luzes estavam acesas.

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Em Salvação, Calvin estava sentado no passeio de sua casa tentando futilmente ligar para Nilk. A voz eletrônica anunciava que o número discado estava desligado ou fora da área de cobertura. Com ar de desânimo, Calvin foi surpreendido pela voz do professor Elias: - Não pega, não é? Calvin se assustou com a presença do seu professor de história em sua vizinhança. - Ah, olá professor Elias. Realmente não está tendo sinal. O senhor tentou ligar pra ele também? - Tentei sim. Não tanto quanto você, eu suponho. Mas tentei sim. - É estranho, não acha? Está assim desde ás... - Cinco da tarde, eu sei. Calvin olhou para ele com um olhar confuso. Até que afirmou. - Parece que o senhor se preocupa com ele mais do que demonstra. - Sem dúvida me preocupo com ele Calvin. Preocupo-me com você. Preocupo-me com todos os meus alunos. - Mas... Elias suspirou profundamente. - Mas eu me preocupo ainda mais com a minha filha. Calvin olhou mais surpreso ainda. - Filha, professor? Não sabia que tinha uma filha. Mora com o senhor? - Não. Mora com o tio... Elias demonstrou então uma brutal agonia interna. Então, Calvin decidiu extrair algo do imponente professor. - Onde ela está agora, professor? - Ela está – disse Elias meio ofegante – no mesmo lugar desconhecido que Nilk está! - Como assim? Lugar desconhecido? Quer dizer que o senhor não faz idéia de onde eles estão? - Não, não sei... Por isso estou vivendo essa agonia. Calvin então olhou para Elias com um tom de seriedade. - Para onde os levou, professor? - Não sei. Queria muito saber disso, mas não sei. - Como envolveu sua filha nisso? Elias nesse momento se sentou ao lado do seu aluno, e principiou a contar uma história que até então era mantida a sete chaves.

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- Vou te contar então. Acho que tudo conspira para que essa história venha à tona. “Tudo começou há muito tempo. Eu estava no auge da minha juventude. Acabara de concluir o ensino médio e estava com o mundo de portas abertas para mim. Meus amigos iam para faculdades diversas – As melhores do país. Mas só eu ia para uma das melhores faculdades do mundo. Eu sempre quis estudar história, arte, essas coisas. Eu amo a arte, cada vez que eu ensino a evolução da arte, o classicismo, a renascença, eu viajo até o tempo em questão, respiro o ar da época, sinto o espírito do artista. Pensando nisso, eu paguei um caríssimo curso de italiano quando era bem jovem. Então, quando eu me formei, estava como que com um bilhão de portas a minha frente, mas apenas uma tinha um tapete de boas vindas. Eu não tinha dúvidas do que fazer. Fui para o programa de intercâmbio na Università degli Studi di Padova – Universidade de Pádua.” - O quê? Não me diga que é a Pádua de... - Galileo Galilei. Muito bem, Calvin. Mas voltando ao assunto: “Eu fui para a Pádua e comecei a estudar. Sempre fui um aluno aplicado e logo chamei a atenção dos professores e dos alunos. Na verdade eu não entendo como um aluno se nega a fazer a sua única obrigação – que é estudar. A universidade era fabulosa, enorme, de encher os olhos de qualquer um. Mas para mim havia um motivo mais forte ainda, e o motivo tinha longos cabelos ruivos, olhos verdes, lábios macios, e um nome: Sophia Paroccinio.” Elias então forçou a garganta tentando esconder a dor que estava sentindo. - Professor, o senhor está bem? – perguntou Calvin - Estou sim... Estou sim. “Pois bem, Sophia se tornou para mim como o sol, meu dia nunca estava completo sem ela. Tínhamos algumas aulas juntos, então sempre marcávamos encontros pela manhã, pela tarde, a hora que parecesse bem aos nossos corações. Estava completamente apaixonado. Minhas notas caíram um pouco, mas eu nem sequer notei. Minha vida se resumia a Sophia. Depois de alguns anos, resolvi pedi-la em casamento. Ela contou do grau do nosso relacionamento ao pai dela, que,

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imediatamente quis me conhecer. Ah, quisera eu que eu tivesse morrido antes daquele dia que deu origem a todos os meus medos.” “Eu fui à casa dela, estava tão nervoso que derrubei o vidro de perfume e furei meu polegar do pé esquerdo. Choveu muito durante o dia, dificultando a caminhada. Era uma mansão, incrivelmente adornada, dir-se-ia que foi criação do próprio Leonardo da Vinci. Eu entrei assim, na casa, e me cheguei à sala de estar. Então havia lá, sentado numa poltrona um homem magro, bem trajado com um terno cinza de listras pretas, uma camisa meio rosada e uma bela gravata escura. Seus olhos eram azuis profundos e densos, sobranselhas grossas, lábios finos, e ao lado dele havia um rapaz da minha idade em pé também devidamente trajado." - Esse era o pai da Sophia. – intercedeu Calvin - Não apenas isso, Calvin. - Como assim? - Aquele homem seria a pessoa a quem a natureza responsabilizaria de tornar a vida de todos mais difícil. Era o pai da Sophia. O senhor Angelo Paroccinio. Elias respirou fundo. - Seja onde for que Nilk e Raquel estejam; este homem está com eles.

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Capítulo V

A RECOMPENSA DO HERÓI

Graves. Estes eram os sons provenientes da atividade cardíaca acelerada de Nilk. A experiência na qual se encontrava não era nada comum, fazendo com que a razão insistisse em fugir do seu raciocínio. Estava correndo desesperadamente até que com o cansaço que viera de forma natural, se viu numa posição em que deveria usar a cabeça para melhores resultados. Parou num corredor, olhou para os lados e havia portas em ambos. Nilk abriu várias portas, uma após a outra e então correu de volta para uma das primeiras e entrou. Lá ele viu uma luz de esperança. Um aparelho de ar-condicionado sem funcionar pendurado pelos fios da tomada. Nilk subiu em uma das mesas para retirar o aparelho dali quando um som composto invadiu a sua mente. Era o som como o de aplausos, mas era mais seco. Não, não eram aplausos, não eram nem sequer mãos que estavam produzindo tal som, e sim pés, pés calçados. Eram os personagens da estranha cena que Nilk presenciara na sala em que foi preso. A urgência berrava na cabeça dele. Tirou o aparelho engenhosamente e o colocou atrás da própria mesa em que subira. Então se esforçou para entrar pelo espaço reservado ao ar-condicionado e fugir daquele lugar. Quando pôs a face do lado de fora e olhou para baixo, arregalou os olhos e se deparou com algumas dezenas de metros o separando do chão. Já era noite. Nilk parou uns segundos, depois tomou coragem e se colocou a andar pela pequena superfície que era oferecida exteriormente ao prédio. Por algum motivo não havia janelas no edifício, o que tornava essa parte da fuga um pouco menos complicada. Ao mesmo tempo, os subordinados da doutora Débora chegavam ao corredor em que Nilk finalizara sua fuga desenfreada. Quando chegaram, todos pararam naquele estranho corredor em que as portas estavam quase todas abertas. Eles foram logo entrando na primeira e não acharam absolutamente nada. Então, o “ex-garçom” que agora se revelara um “capanga” atravessou pelo meio de todos e esbravejou contra a turba: