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A investigação histórica no museu: considerações sobre o acervo de fontes orais do
Museu Histórico de Londrina
TAIANE VANESSA DA SILVA
As modificações da definição de museu podem ser entendidas como a trajetória entre a
abertura de coleções particulares ao público e a criação dos museus como instituições a serviço
da coletividade (JULIÃO, 2006). Desse modo, de acordo com a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro
de 2009, o atual significado de museu o classifica como
[...] instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam,
interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico,
técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento. (BRASIL, 2009)
Considerando essa definição, convém discutir acerca de três campos que se
complementam e são fundamentais para o bom funcionamento dos museus. O primeiro campo
é a preservação, responsável por prolongar a vida útil dos bens culturais, garantindo o acesso
futuro às suas informações. Já o segundo, a investigação, tem a função de aumentar a
comunicação daqueles bens por meio da produção de conhecimento, que promove a visão
crítica de contextos dos quais o acervo é testemunha. O último campo é a comunicação, que
acontece quando o museu disponibiliza seu acervo ao público, estabelecendo a relação entre o
homem e o bem cultural (CHAGAS, 1996 apud JULIÃO, 2006). Letícia Julião também reflete
acerca da pesquisa voltada para o acervo, sendo fundamental aos museus “[...] a implementação
de um programa de pesquisa institucional permanente, capaz de restituir-lhes o papel de espaço
destinado à construção e disseminação do conhecimento na sociedade” (JULIÃO, 2006:94).
Logo, tendo em vista a importância da pesquisa voltada para acervos museológicos, o
presente texto tem o intuito de apresentar o caminho teórico e metodológico utilizado na
elaboração do projeto de mestrado, aprovado no Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL) – a pesquisa da dissertação está em
andamento e ainda não apresenta resultados referentes da análise de fontes. O projeto indica,
como objetivo geral da dissertação, o estabelecimento de relações entre as temáticas de
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestranda no Programa de pós-graduação em História Social da
UEL. Agência financiadora: CAPES.
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depoimentos presentes no acervo de fontes orais do Museu Histórico de Londrina (MHL),
localizado no norte do Paraná, com a historiografia produzida sobre aquela região, a fim de
perceber possíveis aproximações e/ou distanciamentos das entrevistas com as reformulações
historiográficas ocorridas ao longo do século XX.
A pesquisa também pretende compreender, por meio dos depoimentos, como o MHL
lida com a história de Londrina e do norte do Paraná e quais versões ele dissemina, uma vez
que iremos lidar com um museu denominado histórico, o qual, segundo Myrian Sepúlveda dos
Santos (2006), além de preservar, guardar, estudar e divulgar o acervo, também tem o intuito
apresentar a história. Assim, é válido observar que a produção de depoimentos pelo Museu visa,
em linhas gerais, registrar as memórias de habitantes que possam colaborar para com a história
daquela região.
O acesso aos depoimentos coletados pelo MHL ocorre no setor de imagem e som, com
o auxílio de funcionários da instituição. A comunidade londrinense pode, então, utilizá-los na
qualidade de fontes de pesquisas. Entretanto, o Museu conta, até o presente momento, com
poucas pesquisas sistematizadas, de cunho histórico, voltadas para aquelas entrevistas enquanto
acervo museal, coletado de acordo com intenções e temáticas. Desta forma, a presente pesquisa,
tem como uma de suas justificativas, colaborar com ampliação da comunicação daqueles
depoimentos, por meio da investigação histórico-crítica.
Em razão dos depoimentos comporem o acervo museológico do MHL, torna-se
necessário, primeiramente, conhecer o histórico da instituição e sua atual organização. Isto
posto, a iniciativa da construção de um museu histórico em Londrina concretizou-se na antiga
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Londrina. Em 1970, foi inaugurado o
Museu Geográfico e Histórico do Norte do Paraná, sob a coordenação do professor de história
e padre Carlos Weiss, no porão do atual Colégio Estadual Hugo Simas. Ainda na mesma década,
em 1974, o Museu se tornou órgão suplementar da UEL e em 1978 recebeu o nome de Museu
Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”. A desativação da estação ferroviária da cidade, nos
anos de 1980, trouxe o local como favorito para a realocação do MHL, de forma que em 10 de
dezembro de 1986 a transferência foi efetivada. Por conseguinte, o projeto intitulado “Memória
Viva”, ocorrido entre 1996 e 2000, foi responsável pela revitalização do prédio utilizado pelo
Museu, com o intuito de reestruturá-lo a partir da construção de alas expositivas e da
reorganização da exposição de longa duração (HILDEBRANDO, 2010).
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Atualmente o MHL conta, de acordo com o Catálogo do Museu Histórico de Londrina
(2010), com setores que desenvolvem a preservação, investigação e comunicação do acervo
museológico. Em linhas gerais: a biblioteca é responsável pelo material bibliográfico e
documentos escritos; o setor de imagem e som trata e permite o acesso, por exemplo, do acervo
de fotografias e de fontes orais e transcritas; e o setor de museologia é responsável pelo acervo
de objetos tridimensionais. O Museu também abriga o setor da ação educativa, que estabelece
a relação entre o acervo museológico e os grupos sociais.
No que diz respeito às exposições, o Museu Histórico de Londrina possui exposições de
longa duração e temporárias. A orientação museológica das primeiras visa expor os alicerces
fundadores da cidade, por intermédio do conceito de trabalho (BRUNO, 1998 apud
HILDEBRANDO, 2010). Quanto às exposições temporárias, estas apesentam recortes
diferentes dos que fundamentaram as exposições de longa duração.
Acerca das características do acervo que pretendemos analisar, de acordo com o último
levantamento do acervo de fontes orais do MHL, feito em maio de 2015, o setor de imagem e
som daquela instituição conta com cerca de 415 depoimentos orais gravados em fitas K-7, VHS
e DVDs, inseridos em uma base de dados digital. É válido lembrar que as coletas daquelas
entrevistas ocorrem desde a década de 1970 até os dias atuais. Outra questão observada diz
respeito ao vínculo da coleta de parte dos depoimentos a projetos específicos vinculados a UEL,
Prefeitura Municipal de Londrina e Secretaria da Educação.
Em face desses dados, serão escolhidas entrevistas coletadas entre a década de 1990 e o
ano de 2015, devido a maior produção, em termos quantitativos, de depoimentos a partir dos
anos de 1990. As informações e características daqueles depoimentos encontram-se registradas
em uma base de dados digital, que traz informações sobre: o número de registro de cada
entrevista, nome do entrevistador e entrevistado, local de gravação, data da coleta e da inserção
na base de dados, qualidade e suporte da gravação, duração, sinopse do conteúdo do
depoimento, entre outras características. Portanto, todos possuem números de registro que
facilitam seu acesso. Em média, aquelas entrevistas duraram uma hora e 30 minutos e os
entrevistadores variam entre colaboradores, estagiários e funcionários do MHL.
Ao observar previamente as informações dos depoimentos na base de dados, percebe-
se que estão relacionados, em sua maioria, a projetos que visaram coletar entrevistas de
pioneiros da cidade. Logo, torna-se importante problematizar se existe aproximações destes
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depoimentos com o discurso tradicional da história de Londrina, pois, de acordo com Edson
José Holtz Leme, uma das questões exaltadas na história tradicional da cidade está vinculada à
figura do pioneiro proeminente – migrantes e imigrantes que chegaram entre 1929, data do
início da colonização, e 1939 –, consolidando o mito fundador da epopeia dos “primeiros”
habitantes da cidade, que enfrentaram “[...] as adversidades dos primeiros anos de colonização
e que triunfou, social e economicamente. [...]” (LEME, 2013:91).
No que diz respeito aos mitos fundadores, de acordo com Carlo Ginzburg, estes são usos
políticos, pois a “[...] legitimação do poder remete necessariamente a uma história exemplar, a
um princípio, a um mito fundador” (GINZBURG, 2001:83). Sob este argumento podemos
compreender a utilização política de uma versão da história da cidade de Londrina voltada para
os aspectos positivos do início da colonização. O entendimento acerca desta versão da história
também é um componente importante da pesquisa, uma vez que, perceber se há reflexos no
acervo de depoimentos do MHL, nos permite identificar as possíveis negociações daquela
instituição com as concepções historiográficas que tendem a histórias tradicionais e restritas,
ou a histórias plurais, com ênfase na diversidade sociocultural.
Para um melhor entendimento, convém apontar algumas das mudanças que os escritos
históricos sofreram ao longo do século XX:
Da perda dos grandes paradigmas unificadores à explosão dos campos, dos objetos,
dos métodos; da diversificação dos enfoques ao cruzamento entre ciências sociais;
da chegada ao primeiro plano de novas gerações de historiadores às interrogações
sobre a identidade da profissão; da renovação da interrogação metodológica às
questões epistemológicas. (TETART, 2000:151 apud ARRUDA; LARA, 2013:241)
Desse modo, entende-se que as reformulações historiográficas permitiram o
desenvolvimento de novos métodos, fontes e temáticas. Em face desses argumentos os estudos
sobre Londrina e o norte do Paraná também apresentam mudanças. Sônia Maria Sperandio
Lopes Adum, por meio de um panorama geral, caracterizou parte dos escritos históricos sobre
esta região de acordo com a temporalidade da produção, considerando
[...] perspectivas cronológicas, temáticas e teórico-metodológicas, pois, sendo a
escrita da história “filha do seu tempo”, os trabalhos analisados estão marcados pela
temporalidade da sua produção, quer dizer, a variação das temáticas bem como a
das posturas teórico metodológicas acompanham, com maior ou menor rapidez, as
diferentes perspectivas historiográficas colocadas à disposição. (ADUM, 2013:04)
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A autora analisa, inicialmente, estudos históricos que, mesmo não sendo de base
historiográfica, possuem características da historiografia consagrada, pois disseminam um
“discurso de felicidade”, entre as décadas de 1930 e 1970. Aquele discurso tinha como
particularidade a “exaltação” de Londrina ou do norte do Paraná, tratando-os enquanto paraíso
prometido, colonizado de forma pacífica e próspera. Adum também diz sobre “Novas
Histórias”, as quais emergiram nos últimos trinta anos com questões socioeconômicas e
culturais. Estas novas produções dialogam com as reformulações historiográficas,
principalmente no que diz respeito à diversificação de enfoques temáticos, gerando uma
reflexão mais crítica sobre o processo de colonização. Acerca da década de 1990, a autora fala
sobre a inserção de novos personagens na produção historiográfica, caracterizada como
“História em migalhas”, pois abandona a perspectiva globalizante e a vocação de síntese. Novos
personagens entram em cena histórica substituindo o centro pelas margens (ADUM, 2013).
Em adição, assim como a historiografia, aqueles depoimentos também serão analisados
de acordo com a temporalidade da produção, visando perceber as influências de gestões e
projetos no processo de coleta. Sob esta perspectiva, José Miguel Arias Neto sugere que na
análise de entrevistas é necessário verificar as intenções do pesquisador e “[...] da Histórias
dentro da História instituição, a própria condução da entrevista, os conflitos e as superposições
que ela registra, e os resultados obtidos com a sua realização” (ARIAS NETO, 2003 apud
ALBERTI 2008:184).
Assim, ao levar em consideração o intuito do pesquisador e da instituição museal na
coleta dos depoimentos, de acordo com Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses (2005), a ideologia
de um museu histórico pode ser trabalhada como objeto da história, desde que se observe as
condições em que as matrizes ideológicas se constituíram, a maneira como operaram, os efeitos
que refletiram e por quais rupturas ou modificações passaram até os dias atuais. Desta forma,
não se trata de incorporar ou exaltar trabalhos ideológicos anteriores, mas sim transformá-los
em documentos pertinentes ao trabalho do historiador.
Outra questão que será abordada, diz respeito às influências do movimento de
renovação dos museus no Brasil (JULIÃO, 2006). Em um breve histórico, a partir da década de
1920, emergiu no Brasil uma consciência acerca da preservação do patrimônio cultural, a qual
adotou uma noção de patrimônio e história vinculada ao culto da tradição, ao priorizar uma
nação e um passado otimista. Esta questão culminou na criação, em 1937, do Serviço do
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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Contudo, Julião observa que a partir das
décadas de 1970 e 1980 os museus passaram por uma crise, devido às críticas e protestos em
prol da democratização das instituições culturais, educativas e políticas. Os motivos que
intensificaram as críticas estavam relacionados à luta pela afirmação dos direitos das minorias,
ligados a descolonização africana, os movimentos negros pelos direitos civis nos Estados
Unidos, entre outras questões.
No Brasil, a partir da década de 1980, de acordo com Maria Cecília Londres Fonseca
(2005), negros, indígenas e outros segmentos populares passaram a integrar o discurso e a
prática preservacionista como produtores de cultura e sujeitos históricos, rompendo com a
perspectiva folclorizante. Isto posto, diferentes grupos sociais conquistaram o direito à
memória, gerando assim a ampliação da noção de patrimônio.
Logo, práticas e teorias sobre a função social do museu foram reformuladas tendo como
intuito principal a participação do público visitante, de forma a contestar a museologia
tradicional que nomeava o acervo como um valor em si mesmo. Sob as mudanças apontadas,
os museus buscaram o compasso com as novas demandas da sociedade e passaram a
representar, por exemplo, a vida cotidiana das comunidades e grupos sociais específicos
(JULIÃO, 2006).
A criação do MHL, segundo Gilberto Hildebrando (2010), acontece no contexto da
passagem da museologia tradicional para a nova museologia. Desse modo, também podemos
problematizar se o Museu e os discursos de seu acervo de depoimentos dialogam com as
reconfigurações museológicas – as quais sofreram influencias das reconfigurações
historiográficas –, no que concerne a inserção de seguimentos populares diversos no processo
histórico da cidade. Por conseguinte, ao investigar o acervo de depoimentos do MHL, serão
problematizadas memórias selecionadas que dizem acerca da representação da história da
cidade construída por aquela instituição museal.
À vista disso, a presente pesquisa terá como base o conceito de história, de acordo com
o Jacques Le Goff (2003), vista como a forma científica da memória coletiva, pois o que
sobrevive com o passar do tempo não é o conjunto daquilo que viveu no passado, mas sim
escolhas feitas pelas forças que operam no desenvolvimento do mundo e da humanidade e pelos
historiadores. Para harmonizar a discussão, é necessário levar em consideração que “[...] o
passado depende parcialmente do presente [...] a história é bem contemporânea, na medida em
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que o passado é apreendido no presente e responde, portanto, aos seus interesses, o que não é
só inevitável, como legítimo” (LE GOFF, 2003:52). Logo, a história é objeto de disputa e
seleciona o que deve ser lembrado por uma nação ou, no caso, por uma cidade.
Aproximando a característica consciente da história em selecionar acontecimentos,
Michael Pollak discute sobre a impossibilidade de se registrar tudo, uma vez que a memória
coletiva não está relacionada apenas à vida física do indivíduo, pois ela sofre “[...] flutuações
que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa. [...]”
(POLLAK, 1992:04). Portanto, a memória organizadíssima também tem como base conflitos
que estipulam os acontecimentos e as datas que devem ser rememorados por um povo.
A memória e a história são diferentes “no modo como o conhecimento do passado é
adquirido e corroborado [...] também no modo como é transmitido, preservado e alterado”
(LOWENTHAL, 1998:107). Entretanto, ambas possuem capacidade de seleção. A seletividade
da memória está na necessidade de utilizar ou reutilizar o conhecimento advindo das
lembranças, assim como esquecer e lembrar, fatores que forçam os indivíduos ou sociedades –
quando partilham a memória, tornando-a coletiva – a filtrar, distorcer ou transformar o passado,
de acordo com as lembranças do presente (LOWENTHAL, 1998).
No que diz respeito a memória coletiva, de acordo com Maurice Halbwachs (1990), ela
contribui para o sentimento de pertença a um grupo de passado comum que, consequentemente,
compartilham memórias. Entretanto, segundo Zilda Kessel, a memória é um objeto de luta pelo
poder travada entre classes, grupos e indivíduos. Logo escolher o que deve ser lembrando e
também sobre o que deve ser esquecido integra os mecanismos de controle de um grupo sobre
o outro (KESSEL, s/d). Desse modo, torna-se importante tomar conhecimento de quais
memórias estão presentes nos depoimentos do MHL para, então, perceber se há o silenciamento
de grupos e indivíduos.
Soma-se a isto os argumentos de Pierre Nora. Segundo o autor, a memória em sua
condição mais essencial é aquela vivida, atual, presente no cotidiano, espontânea, afetiva e
mágica, que não se acomoda a detalhes que a confortam, portanto, não necessita de lugares de
memória ou da história para ser perpetuada. Desta forma
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários,
organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas
operações não são naturais. (NORA, 1993:13)
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Contudo, como já foi visto, não podemos desconsiderar que os museus buscam, de
forma mais intensa desde a década de 1980, abordar as referências culturais dos diversos grupos
sociais, de forma a se tornarem mais plurais. Além disso, de acordo com Meneses (2003), no
que diz respeito ao museu de cidade, como é o caso do MHL, o imaginário dos habitantes, uma
modalidade específica das representações sociais, é de difícil obtenção histórica, mas pode ser
alcançado por meio de levantamento de campo, como é o caso da coleta de depoimentos,
gerando a produção de documentação primária. Este tipo de atitude pode auxiliar os museus a
dar conta da complexidade de memórias que existe em uma cidade, sendo o combustível que
dá sentido àquela memória vivida, defendida por Pierre Nora (1993).
No que diz respeito aos depoimentos orais enquanto fontes de pesquisa, é necessário
entender as particularidades desse tipo de documento histórico, por meio da metodologia da
História Oral. Segundo Sônia de Freitas (2002) a História Oral produz conhecimento e é um
método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista, e outros procedimentos articulados entre
si, no registro de narrativas da experiência humana. De acordo com Alessandro Portelli (1997),
sob a técnica da coleta de depoimentos, o conteúdo das fontes orais depende do que o
entrevistador, ao entrevistar um ou vários depoentes, põe em termos – no caso desta pesquisa,
a atuação do entrevistador está ligada às intenções que o MHL tem ao selecionar os
entrevistados e as perguntas –, enquanto o conteúdo de uma fonte escrita é independente da
hipótese do pesquisador.
Entretanto, as particularidades das fontes orais não desclassificam sua utilidade para as
pesquisas, uma vez que as atuais correntes historiográficas – sob as influências da Nova
História, constituída ao longo do século XX – ressaltam que na produção de conhecimento a
subjetividade e a seletividade são inevitáveis, de forma que nenhuma fonte histórica, incluindo
a escrita, seja neutra. Além disso, segundo Lucília de Almeida Neves (2000), a História Oral
pode proporcionar a pluralidade de visões acerca da vida coletiva.
Soma-se aos argumentos apresentados as perspectivas de Verena Alberti. De acordo
com a autora, “[...] a História Oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes
para o estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX após a invenção do
gravador a fita” (ALBERTI, 2008:156). Em linhas gerais, ela se constitui na realização de
entrevistas com depoentes que testemunharam ou participaram de acontecimentos vinculados
ao passado ou ao presente. No que diz respeito a técnica da coleta e ao tratamento das
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entrevistas, de acordo com a mesma autora, estes dependem de projetos de pesquisa, que
determinam a quantidade e quem serão os entrevistados, as perguntas, as condutas e o destino
do material produzido; questões que serão levadas em consideração na análise dos depoimentos
produzidos pelo MHL.
De acordo com Portelli (1997), o pesquisador, quando produz a fonte oral, pode ser o
mediador da voz do entrevistado ou, então, ter seu próprio discurso validado pelo narrador.
Deste modo, as entrevistas que serão analisadas podem dizer sobre as intenções do Museu na
produção da fonte oral, mostrando que os depoimentos são produto do narrador e do
entrevistador. Portanto, de acordo com o mesmo autor, é necessário, durante a pesquisa de
fontes orais, não omitir a voz do entrevistador, pois pode dar a “impressão que determinado
narrador dirá as mesmas coisas, não importa as circunstâncias, [...] quando a voz do pesquisador
é cortada, a voz do narrador é distorcida” (PORTELLI, 1997:35).
As fontes orais que serão selecionadas para a pesquisa, também serão abordadas
enquanto documento/monumento. Para ser mais claro, sob as ideais de Le Goff (1984), os
monumentos e documentos são materiais da memória. Os primeiros estão relacionados ao poder
e à perpetuação de lembranças para o futuro, simultaneamente, podem evocar o passado, pois
são heranças do mesmo. Já os documentos são selecionados pelos historiadores que os
caracterizam enquanto provas. Porém, Le Goff alerta sobre a inexistência de documentos
inócuos, de forma que todo documento deve ser considerado monumento, pois é produto da
sociedade, das relações de poder, de seleções e intencionalidades. Portanto, os
documentos/monumentos são resultados do empenho das sociedades históricas para deixar às
gerações futuras certa imagem de si própria.
De acordo com Letícia Julião o conceito de documento/monumento
[...] assinala alternativas particularmente produtivas para a pesquisa histórica nos
museus. Vistos como conjuntos de artefatos, os acervos museológicos constituem um
campo de excelência documental para o estudo das sociedades históricas na
perspectiva de sua cultura material. (JULIÃO, 2006:98)
Sob esta perspectiva, os depoimentos coletados pelo MHL, os quais também são acervos
museológicos, fazem parte da excelência documental abordada pela autora, pois podem dizer
acerca das sociedades históricas.
No que concerne à escolha das entrevistas, serão utilizadas amostras selecionadas de
acordo com a tipologia dos entrevistados, considerando suas profissões, gêneros, idades, a
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relação do depoente com o MHL, entre outras características, em busca de grupos hegemônicos.
Tal classificação poderá ajudar a identificar as temáticas presentes nas entrevistas, as intenções
na seleção dos entrevistados e perguntas e, por conseguinte, se os temas presentes nos
depoimentos, assim como os grupos sociais que os depoentes pertencem, se aproximam das
propostas das reformulações historiográficas e museológicas ocorridas ao longo do século XX.
Pretende-se também, após a identificação de grupos homogêneos no acervo, perceber se estes
possuem memórias representadas ou silenciadas e as razões políticas e sociais que envolvem o
direito à memória.
Outra questão que merece ser lembrada, diz respeito àquele acervo de fontes orais
dispor cerca de 415 depoimentos. Sob esta informação, a escolha dos depoimentos se pauta no
critério de saturação. Assim,
[...] a amostra pode ser selecionada de diversas formas, destacando-se a amostra
intencional, com definição do tamanho da amostra pelo critério de saturação.
Entende-se que a saturação é atingida quando a introdução de novas informações
nos produtos da análise já não produz modificações nos resultados anteriormente
atingidos. Isso, naturalmente, implica um processo de coleta e de análise paralelos.
(MORAES, 2003, p.94)
Para a análise das fontes serão utilizadas as transcrições daqueles depoimentos orais.
Entretanto, ao observar a base de dados na qual estão inseridos, percebe-se que nem todos os
depoimentos possuem transcrições. Desta forma, caso sejam selecionadas entrevistas sem sua
forma escrita, serão transcritas sob os procedimentos indicados por Sônia Maria de Freitas: “[...]
ser o mais fiel possível ao que foi gravado, dando mais importância ao conteúdo e menos à
forma, entendida como estilo.” (FREITAS, 2002:45).
A análise do conteúdo das fontes será embasada na metodologia de análise textual
discursiva, a qual
[...] pode ser compreendida como um processo auto-organizado de construção de
compreensão em que novos entendimentos emergem de uma sequência recursiva de
três componentes: desconstrução dos textos do corpus, a unitarização;
estabelecimento de relações entre os elementos unitários, a categorização; o captar
do novo emergente em que a nova compreensão é comunicada e validada. (MORAES,
2003:192)
O Roque Moraes propõe, inicialmente, a desmontagem dos textos – conjunto de
documentos –, denominada unitarização, na qual os materiais são analisados de forma detalhada
e, portanto, fragmentados com o intuito de atingir as unidades constituintes dos fenômenos
11
estudados. Em um segundo momento é feito o estabelecimento de relações, intitulado de
categorização, possibilitando a construção de relações entre as unidades de base, a fim de
combiná-las e classificá-las. Resultado das etapas anteriores, o terceiro estágio permite a
emergência de uma nova compreensão do todo e a comunicação deste entendimento por meio
de um metatexto, que elabora uma combinação renovada dos elementos desenvolvidos nas
etapas precedentes. A desmontagem dos textos visa o estabelecimento de relações por meio do
processo da formação de categorias e, se necessário, subcategorias – as quais podem dar títulos
aos capítulos e subcapítulos. A análise, então, se pautará em investigar o todo em partes. De
acordo com o autor, o estabelecimento de novas relações entre os elementos unitários possibilita
a construção de uma nova ordem das fontes, representando uma nova compreensão.
A partir disso criam-se as condições para a emergência de interpretações criativas e
originais, produzidas pela capacidade do pesquisador estabelecer e identificar
relações entre as partes e o todo [...]. A desordem é condição para a formação de
novas ordens. Novas compreensões dos fenômenos investigados são possibilitadas
por uma desorganização dos materiais de análise, possibilitando ao mesmo tempo
uma impregnação intensa com os fenômenos investigados. (MORAES, 2003:196)
Segundo Moraes, todo texto possibilita uma multiplicidade de leituras que dependem
das intenções dos autores e dos referenciais teóricos dos leitores. Toda leitura é, então, uma
interpretação, de forma que não existem leituras únicas e objetivas, pois diferentes sentidos
podem ser lidos em um mesmo texto. Conforme o autor, a análise textual qualitativa caracteriza-
se a partir de um conjunto de documentos, denominado enquanto corpus, que representa as
informações da pesquisa. Deve-se levar em consideração que o corpus é formado por produções
textuais que se referem a determinado fenômeno e são originadas em determinados contextos.
É válido ressaltar que o corpus pode ter sido produzido para a pesquisa ou ser composto por
documentos já existentes. Os documentos não carregam significados que serão apenas
identificados. Desta forma, eles exigem que o pesquisador construa significados com base em
suas teorias e pontos de vista.
Em linhas gerais, com a análise das fontes orais, embasada nas discussões apresentadas,
pretende-se, além da busca por relações entre as temáticas dos depoimentos e as reformulações
historiográficas, identificar os grupos e indivíduos selecionados pelo MHL, a fim de perceber
como aquela instituição lida com a pluralidade sociocultural presente na cidade de Londrina e,
consequentemente, quais as relações de poder envolvidas. Tais questões podem ajudar a refletir
12
sobre as versões da história da cidade e do norte do Paraná que o MHL visa transmitir e ampliar
a comunicação daquele acervo ao acesso futuro, justificando assim a sua preservação.
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