115
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPESP INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHI PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH MESTRADO PROFISSIONAL EM HISTÓRIA, PESQUISA E VIVÊNCIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO PÚBLICO EM UMA ÓTICA FREIREANA DÉBORA LAÍS FREITAS RIO GRANDE 2019

A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPESP

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHI PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH

MESTRADO PROFISSIONAL EM HISTÓRIA, PESQUISA E VIVÊNCIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM

A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES DO ENSINO

MÉDIO PÚBLICO EM UMA ÓTICA FREIREANA

DÉBORA LAÍS FREITAS

RIO GRANDE 2019

Page 2: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

DÉBORA LAÍS FREITAS

A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES DO ENSINO

MÉDIO PÚBLICO EM UMA ÓTICA FREIREANA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, como requisito final para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dra. Rita de Cássia Greco dos Santos.

Linha de Pesquisa: Prática e pesquisa no ensino de História.

RIO GRANDE 2019

Page 3: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …
Page 4: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

DÉBORA LAÍS FREITAS

A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES DO ENSINO

MÉDIO PÚBLICO EM UMA ÓTICA FREIREANA Trabalho apresentado como requisito final para aprovação na prova de Defesa de Trabalho de Conclusão de Mestrado do Programa de Pós-graduação em História, Mestrado Profissional em História, pesquisa e vivências de ensino-aprendizagem, da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, sob a orientação da Professora Dra. Rita de Cássia Grecco dos Santos.

MEMBROS DA BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________ Presidente e Orientadora: Profª Dra. Rita de Cássia Grecco dos Santos

Universidade Federal do Rio Grande – FURG

__________________________________________________________ 1ª Avaliadora: Profª Dra. Renata Braz Gonçalves

Universidade Federal do Rio Grande – FURG

__________________________________________________________ 2ª Avaliadora: Profª Dra. Maria Augusta Martiarena de Oliveira

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Osório

__________________________________________________________ Suplente: Profª Dra. Adriana Kivanski de Senna Universidade Federal do Rio Grande – FURG

RIO GRANDE 2019

Page 5: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

AGRADECIMENTOS

Eu pensei em escrever, neste texto, apenas a seguinte frase: “Não deu tempo”,

porque estou finalizando minha escrita no último dos últimos prazos. Esse fato nada tem a ver

com a potencialidade da pesquisa, com os resultados analisados, com limitações

metodológicas ou teóricas. A principal barreira para desenvolver e concluir a pesquisa fui eu

mesma.

Primeiramente, aquele sentimento clássico de todo mestrando de querer abarcar todas

as problemáticas de pesquisa do seu tema, que não cabe desenvolver com qualidade no prazo

do Mestrado, e sempre achava que o problema não seria plenamente esclarecido sem uma

série de “penduricalhos” extensos que dariam uma dissertação cada um.

Então, a segunda questão é a terrível “síndrome do impostor”, quando, mesmo

escrevendo e produzindo, sentimos que no fundo não entendemos nada e estamos escrevendo

a esmo, sem sentido, enganando a todos de que “nossa, ela faz mestrado, é inteligente”, e no

fundo, se sentir uma farsa. E, nesse processo de se sentir uma farsa, fiquei presa por vários

meses num limbo, numa inércia. Junto a tal síndrome clássica, pelo que li entre pesquisadores,

nesses dois anos e meio, tive várias crises de ansiedade, pois a vida não é só pesquisa, envolve

meu trabalho enquanto professora da Rede Estadual de Ensino e as pendências da vida

pessoal.

Tendo em vista todos esses fatores, só não abri mão do mestrado em função do apoio

de várias pessoas, e seria injusto com elas e comigo mesma não mencioná-las neste espaço

mais informal e humanizado do texto de pesquisa.

Antes de qualquer coisa, preciso agradecer minha orientadora, a professora Rita de

Cássia Grecco dos Santos. Ela acreditou no meu potencial de professora pesquisadora e, em

uma viagem do curso de Especialização em Ensino de Sociologia no Ensino Médio, me

alertou do processo seletivo do Mestrado em História e, se não fosse por ela, eu estaria até

hoje protelando em busca de um “momento ideal”, que tenho certeza que não viria.

Ao longo do processo, nesses baixos e médios (porque altos, uma pessoa ansiosa não

tem), tive a felicidade de ter o apoio de pessoas que são mais irmãs e irmãos do que amigos e

amigas. Minha cunhada e meu cunhado, Priscila e Guilherme, que compartilharam comigo

alguns anseios, e estavam mais preocupados do que eu com o passar do tempo, me davam

apoio, comida e conselhos em todos os momentos. Minha amiga Ana Paula, doutora em

Sociologia, que mesmo depois de muita coisa na vida, esteve ao meu lado virtualmente para

Page 6: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

me dar conselhos, sejam psicológicos, sejam acadêmicos. Os amigos que ganhei na escola, o

Júlio, o Grégory e a Évelyn, essa última me dando um dos conselhos mais sábios, quando eu

transformei o texto da minha qualificação em duzentas coisas que eu não conseguiria abarcar

com o tempo, e então ela disse: “Guria, a banca elogiou tua proposta de pesquisa e fez

sugestões, não? ENTÃO, FAZ O QUE A BANCA MANDOU E NÃO SURTA”. E, então,

revi minha megalomania, e me detive na investigação da hipótese central.

Agradeço à minha família: mãe e pai, que não entendiam muito bem a relevância da

etapa acadêmica do mestrado, mas sempre estavam atentos em me ouvir e confortar quando

eu entrava em crise. Meu irmão, Celso, o guru da racionalidade, colocava minha cabeça no

lugar, cujos chimarrões pela manhã, mesmo que me ajudassem a matar tempo e protelar,

também eram fundamentais para a minha sanidade, porque ele sempre me aconselhava com as

suas palavras sensatas. Meu sogro e minha sogra também me aguentaram muitos dias na casa

deles, em função de projetos pessoais e da proximidade com a Universidade, por vezes

estudando, por vezes olhando para o nada, mas sempre muito orgulhosos da continuidade da

minha carreira profissional e acadêmica.

Bruno, meu namorado, meu quase marido. Não pude compartilhar com ele vários

momentos do processo de construção da nossa casa, e sinto um pouco de remorso por isso,

por não ter espaço emocional de me preocupar, sonhar e projetar várias coisas referentes à

nossa iminente vida a dois. Mas ele nunca me cobrou isso, sempre me ofereceu o peito para

descansar, chorar, respirar fundo e continuar.

Agradeço aos estudantes das turmas que leciono por, pacientemente, participarem

das aulas-oficinas, minha colega Érica, que compartilhou comigo o processo de ansiedade,

procrastinação e escrita, ao Júlio, novamente, por me auxiliar no processo de aplicação das

atividades. Agradeço à banca de Qualificação, que se repete agora na defesa, por confiarem na

potencialidade da pesquisa e instigarem novos questionamentos, alguns trabalhados no

desenvolvimento da pesquisa, e outros como possibilidade de extensão.

E sempre preciso lembrar-me da banda que abriu minha mente no âmbito social,

político e musical (porque nenhum dos meus amigos gosta de ska-core), o Ska-P. Suas

músicas são, desde a graduação, a fagulha para parar e pensar sobre temas e contextos

diversos, me estimulando a ler e aprender mais sobre cada tema sociológico, histórico e

político levantado em suas letras. Quando eu já estava quase desistindo de concluir o

mestrado, eles lançaram um novo álbum, com uma música tão, mas tão profunda, que parece

que alguém foi lá e disse: “Olha, escreve aí sobre a América Latina pra uma menina lá,

Page 7: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

desiludida com a sua pesquisa sobre a invisibilidade da América Latina no currículo escolar”.

E, então, eles escreveram “Cruz, Oro y Sangre”:

Cada 12 de octubre mi desprecio y asco a la invasión Me niego a festejar, sí, la colonización Ningún libro em la escuela cuenta su versión Matanza de nativos, crimen colonial Por la tierra, Marichiweu Por los mares, Marichiweu Por los muertos, Marichiweu Por la vida, Marichiweu Ska-P – Cruz, Oro y Sangre, Game Over, 2018

Meu muito obrigada a todas e a todos!

Page 8: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

RESUMO

FREITAS, Débora Laís. A (in) visibilidade da América Latina no Ensino de História: uma perspectiva dos Estudantes do Ensino Médio Público em uma ótica freireana. 2019. Dissertação (Mestrado Profissional em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande.

A pesquisa aqui apresentada parte de uma hipótese central que se originou a partir de constatações empíricas, no ambiente de escola pública do Magistério Estadual do Rio Grande do Sul, reforçada através da aplicação de questionários, de que os estudantes da Educação Básica não identificam afinidade ou pertencimento à América Latina. Em busca de averiguar tal hipótese, realizou-se pesquisa bibliográfica sobre a constituição do currículo escolar de História, analisando a presença ou a ausência de temáticas, referentes ao subcontinente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História e efetivou-se a coleta de dados através de aulas-oficinas (BARCA, 2004) com os estudantes de Ensino Médio, com o objetivo de averiguar como esses percebem a América Latina. Para realizar a discussão das causas e desdobramentos dos resultados da pesquisa, utilizou-se a teoria de Paulo Freire, especialmente expressa em Pedagogia do Oprimido (1981), buscando relacionar a condição de invisibilidade expressa nos documentos orientadores e a percepção dos estudantes com os conceitos de consciência hospedeira e invasão cultural. Percebeu-se, na análise dos PCNs, a falta de menções à América Latina nas orientações sobre o desenvolvimento da disciplina escolar de História. Dessa forma, a partir da identificação dos elementos que evidenciam o afastamento dos estudantes dos temas relacionados ao subcontinente, nesta dissertação propõe-se à discussão da América Latina como tema gerador no ensino de História e por meio de uma proposta de sequência didática baseada nas aulas-oficinas. Palavras-chave: Ensino de História. América Latina. Ensino Médio. Invasão Cultural. Consciência Hospedeira.

Page 9: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

RESUMEN

FREITAS, Débora Laís. A (in) visibilidade da América Latina no Ensino de História: uma perspectiva dos Estudantes do Ensino Médio Público em uma ótica freireana. 2019.Dissertação (Mestrado Profissional em História) – Programa de Pós-Graduação emHistória, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande.

La investigación presentada aquí parte de una hipótesis central que se originó a partir de hallazgos empíricos en el entorno escolar público del Magisterio Estatal de Rio Grande do Sul, reforzada a través de la aplicación de cuestionarios, que los estudiantes de Educación Básica no identifican la afinidad o pertenencia a América Latina. En busca de analizar esta hipótesis, llevamos a cabo una investigación bibliográfica acerca de elcostitución del currículo escolar de Historia, analizando la presencia o ausencia de temas relacionados al subcontinente en el currículo nacional de Historia, y llevamos a cabo la colección de datos a través de “aulas oficinas” (BARCA, 2004) con estudiantes de EnsinoMédio (escuela secundaria), con el objetivo de examinar cómo perciben América Latina. Para debatir las causas y consecuencias de los resultados de la investigación, se utilizó la teoría de Paulo Freire, especialmente expresada en la “Pedagogia do Oprimido” (1981), tratando de relacionar la condición de invisibilidad expresada en los documentos Mentores y en la percepción de los estudiantes con los conceptos de la “consciênciahospedeira” (conciencia intransitiva) y la “invasão cultural” (invasión cultural). Se percibió, en el análisis de los números de vista de la falta de menciones a América Latina en las directrices sobre el desarrollo de la disciplina escolar de la historia. Además, los elementos identificados que evidencian la eliminación de los estudiantes de temas relacionados con el subcontinente, proponemos la discusión de América Latina como un “tema gerador” (tema generador) en la enseñanza de Historia y se presenta una propuesta de secuencia didáctica basada en las clases de “aulas oficina”. Palabras-clave: Enseñanza de Historia. América Latina. Enseñanza Media. Invasión Cultural. Consciência Intransitiva.

Page 10: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

LISTA DE SIGLAS

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

ONU – Organização das Nações Unidas

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

SEDUC-RS – Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul

SEM – Setor Educacional do Mercosul

Page 11: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Percepção das figuras no Primeiro Ano 72

Gráfico 2 - Percepção das figuras no Terceiro Ano 72

Gráfico 3 –Percepção geral sobre a Figura 5 - Representação Tenochtithan, México 73

Gráfico 4 - Percepção geral sobre a Figura 6 – Rio de Janeiro, Brasil 74

Gráfico 5 - Países com aspectos culturais considerados interessantes e capazes de

acrescentar no desenvolvimento intelectual dos estudantes 80

Gráfico 6 - Países que os estudantes consideram estar entre o grupo de Muito Alto

Desenvolvimento Humano 81

Page 12: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 -Cuzco, Peru 64

Figura 2 - Berlim, Alemanha 65

Figura 3 - Paris, França 65

Figura 4 - Representação de Tenochtitlán, México 65

Figura 5 - Teotihuacán, antiga capital do Império Asteca 66

Figura 6 - Rio de Janeiro, Brasil 66

Figura 7 - Representação de organização produtiva no Império Inca (Peru) 66

Figura 8 - Obra de Debret, representando o centro do Rio de Janeiro no século XIX 67

Figura 9 - Representação de Lisboa, Portugal, no período de expansão colonial 67

Figura 10 - Bairro Clacton, Londres 67

Page 13: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Eixos temáticos 58

Page 14: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Índice de Desenvolvimento Humano – 2015 16

Tabela 2 – Frequência das menções dos estudantes sobre a América Latina 70

Page 15: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

SUMÁRIO

SUMÁRIO 12

INTRODUÇÃO 14

1 QUADRO METODOLÓGICO 25

2 ESTADO DO CONHECIMENTO: AMÉRICA LATINA NO CURRÍCULO

BRASILEIRO 33

3 UMA ANÁLISE DA AMÉRICA LATINA NOS PCNs de HISTÓRIA 40

3.1 Aspectos introdutórios dos PCNs de História e o primeiro e segundo ciclos do

Ensino Fundamental 41

3.2 Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental 48

3.3 Ensino Médio e as Orientações Educacionais Complementares aos PCNs 53

4 AMÉRICA LATINA PELOS ESTUDANTES: UMA ANÁLISE DOS REFLEXOSDA

INVASÃO CULTURAL 61

4.1 Análise da compreensão dos estudantes sobre América Latina 67

4.2 Uma perspectiva sob a ótica de Freire 76

5 TEMAS GERADORES E PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DO PARADIGMA

OPRESSOR 86

5.1 Temas geradores 88

5.2 Sequência didática 91

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 99

REFERÊNCIAS 105

Page 16: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

APÊNDICE 110

Page 17: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

INTRODUÇÃO

A pesquisa aqui apresentada tem em seu tema uma construção longa e inusitada, que

parte desde o Trabalho de Conclusão de Curso de Geografia Licenciatura, no ano de 2011,

quando a música passou a ter importância na minha vida a partir dos discursos que dela

podiam ser refletidos e problematizados. No referido período, fui apresentada ao repertório de

uma banda espanhola de ska-core1chamada Ska-P, que chamava a atenção pelos temas das

letras que, quase que em sua totalidade, envolviam assuntos latentes sobre o mundo e sobre a

humanidade de forma geral, com a apresentação de contextos sócio-históricos em seu

conteúdo.

A pesquisa de conclusão da graduação foi realizada a partir da análise de alguns

temas identificados na obra da banda, especialmente no que concerne às discussões sobre

Geopolítica. Na ocasião, realizei a discussão dos temas Imperialismo, Globalização e

Movimentos Sociais partindo do ponto de vista trazido pelas músicas da banda Ska-P,

ampliando as discussões sobre o assunto, a fim de apresentar a obra musical como fonte de

análise e de produção acadêmica e, posteriormente, desenvolver uma aplicação pedagógica na

Educação Básica.

Quando ingressei no Programa de Pós-graduação em História da Universidade

Federal do Rio Grande, meu projeto tinha como problemática o uso das músicas do Ska-P

como possibilidade de construção de uma Educação Libertária, a partir dos temas que se

vinculam ao Ensino de História. Alguns desafios estavam postos para estabelecer a

justificativa da pesquisa: Por que a banda Ska-P em especial? O que é Pedagogia Libertária?

Qual a aplicabilidade de tais práticas pedagógicas na Educação Básica e pública no Brasil?

Quais temas da História podem ser abordados? Qual o diferencial da pesquisa, a partir do uso

da música como metodologia de ensino? Todos esses questionamentos geraram muita

angústia sobre os caminhos a serem trilhados na pesquisa.

Durante a caminhada enquanto professora do Magistério Público Estadual no Rio

Grande do Sul, procurei colocar em prática algumas propostas de discussão de temas a partir

das músicas da banda Ska-P em turmas do Ensino Médio na escola onde leciono há mais de

seis anos, Escola Estadual de Ensino Médio Lília Neves. Numa das possibilidades, discuti a

1Ska-core, ou Ska Punk é a mistura de dois ritmos musicais: o Ska, de origem jamaicana e que mistura diversas referências musicais da América Latina, utilizando especialmente instrumentos de sopro e guitarra, e o Punk Rock, que tem sua origem na década de 1970 em várias partes do mundo, concomitantemente, tendo como característica principal músicas de acordes rápidos e instrumentos básicos de guitarra, baixo e bateria. O “Hardcore” é uma derivação do Punk Rock, com batidas mais intensas e geralmente com discurso forte de contestação política nas letras.

Page 18: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

15

temática da imigração com os estudantes do segundo ano, utilizando a música “Lucrecia”, que

relata o caso de uma imigrante da República Dominicana que foi assassinada em Madri, na

Espanha, vítima de xenofobia, em 1992. Em outras turmas de terceiro ano, trabalhei a música

“Los Hijos Bastardos de la Globalización” que discute a divisão internacional do trabalho e as

condições de trabalho infantil análogas à escravidão em países periféricos.

Para além da discussão dos temas, o que chamou a atenção em todas as turmas foi

que os estudantes não se sentiam confortáveis ouvindo a música na língua espanhola, o que

causou estranheza, tendo em vista que, especialmente no Rio Grande do Sul, estamos

permeados por traços do idioma em questão. Em meio ao estranhamento, eles alegaram que

não estavam acostumados com música cantada em espanhol, e que não tinham interesse,

inclusive, pela disciplina Língua Espanhola na escola, mesmo esclarecendo que gostavam da

professora e da sua metodologia.

Esses episódios levantaram um questionamento que me incomodou enquanto

professora das Ciências Humanas: por que os estudantes, estando tão próximos de países que

têm o Espanhol como idioma oficial, não se sentem à vontade com uma expressão cultural tão

marcante na América Latina como a língua espanhola? Dessa forma, passei a questionar o que

poderia gerar esse sentimento de distanciamento e a falta de reconhecimento com a língua e

com as culturas dos países do subcontinente, já que eles passaram por processos históricos e

sociais mais semelhantes ao Brasil do que a cultura e hábitos europeus e anglo-americanos.

Ademais, considero de profunda pertinência, no âmbito pedagógico e de constituição

de cidadania e identidade, o reconhecimento da história dos países vizinhos, que passaram por

processos e eventos semelhantes ao do Brasil, e a discussão dessas semelhanças que

contribuem para o entendimento do próprio contexto sócio-histórico do país, relacionando-se

com o mundo a partir da América Latina.

A partir das investigações prévias, foi realizada, de forma metodológica, a aplicação

de um questionário aos estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual Lilia Neves, situada

no limite entre a zona urbana e a zona rural da cidade do Rio Grande, que tinha como objetivo

analisar qual o nível de apropriação cultural e de conhecimento os estudantes possuem,

através de um comparativo de interesses entre países do continente Europeu e os Estados

Unidos da América, e países do subcontinente América Latina. Percebi, enquanto professora

pesquisadora em conjunto com a orientadora desta pesquisa, algumas pistas que permitiram

desenvolver uma hipótese de interpretação e investigação a partir das teorias pedagógicas em

Paulo Freire.

Page 19: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

16

Alguns resultados do questionário serão esmiuçados no decorrer desta dissertação,

mas é importante trazer uma leitura geral que contribui para a apresentação da pesquisa. O

primeiro aspecto abordado é em relação ao conhecimento social sobre os países, através da

questão: “Marca os países que tu acreditas fazerem parte do grupo de Muito Alto

Desenvolvimento Humano, segundo a ONU”, dentre as opções estava Estados Unidos da

América, Argentina, África do Sul, China, Espanha, Reino Unido, Chile e Brasil. Desses

países, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015, Estados Unidos da

América (EUA), Reino Unido, Espanha, Argentina e Chile fazem parte do bloco em questão.

De um universo de quarenta e um questionários, trinta e quatro estudantes não

marcaram Chile ou Argentina como países que pudessem fazer parte do bloco de nações com

Muito Alto Desenvolvimento Humano. Todos marcaram os Estados Unidos da América como

parte do grupo, e vinte e quatro estudantes destacaram o Reino Unido e/ou a Espanha.

Diante do exposto, é possível traçar uma linha de raciocínio que permite chegar ao

tema a ser desenvolvido pela pesquisa aqui proposta: Qual a importância da História da

América Latina no currículo da Educação Básica? De que forma os conteúdos sobre América

Latina são inseridos nele e como os estudantes se apropriam ou não dos referentes ao

subcontinente?

Considerando que a construção de identidade e da cidadania são postulados

importantes no debate da Educação Progressista, surge como fundamental para tal, a

discussão das origens pré-colombianas e da colonização europeia no continente Latino-

Americano, já que a miscigenação é uma característica marcante na constituição étnica, social

e histórica no Brasil. Além disso, uma educação histórica que preconize a valorização do

protagonismo dos sujeitos demanda teorias e metodologias que apresentem as diferentes

histórias e relacionem-nas ao presente.

O objetivo fundamental da pesquisa é analisar como a América Latina vem sendo

abordada no currículo escolar e como os estudantes apreendem e reproduzem os

conhecimentos sobre o subcontinente. Acredito que o aprofundamento dessa temática pode

colaborar para o desenvolvimento de uma identidade sociocultural, que promova a cidadania e

o reconhecimento do subcontinente como parte relevante da História.

Outrossim, também procuro entender, através de conjecturas teóricas, como se dá,

social e historicamente, a construção do entendimento de América Latina expressado pelos

estudantes através das ferramentas de estudo. Dessa forma, cabe apresentar os sujeitos da

pesquisa, a construção do tema e seus objetivos.

Page 20: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

17

1. Sujeitos

A Educação, de forma geral no Brasil e no Rio Grande do Sul, assim como o sistema

de ensino atual, vem, nos últimos anos, inserindo uma proposta de reestruturação do Ensino

Médio, que enfatiza a inserção social e o exercício da cidadania através do trabalho. Karl

Marx (1989) afirmava, em seu materialismo histórico, que o trabalho é a base da existência

humana, como meio de desenvolvimento da consciência humana, material e de classes: o

trabalho como meio, e não como finalidade.

Entretanto, os postulados nos documentos relativos à reestruturação do Ensino Médio

no Rio Grande do Sul, como, por exemplo, a transição da “Proposta Pedagógica para o Ensino

Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio”, apresentada em

2011, para o “Documento Orientador da Reestruturação Curricular do Ensino Fundamental e

Médio”, elaborado pelo Departamento Pedagógico da SEDUC-RS, em 2016, e as “Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Básica”, alterada em 2013, até o presente momento,

apresentam o trabalho e a pesquisa como métodos eficientes de ensino, mas a justificativa

para tal reestruturação se baseia na necessidade inserção no mercado de trabalho.

Outro aspecto relevante que pode se observar através da Medida Provisória Nº 746,

no ano de 2016, foi que o Governo Federal instituiu a implantação da chamada “Reforma do

Ensino Médio” ou “Novo Ensino Médio”, que assumiu a forma da Lei Federal Nº

13.415/2017, que altera alguns postulados sobre a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional” – LDBEN, sob o Nº 9.394, de 1996, que já havia sofrido alterações em outras

ocasiões, mas não com a proporção dada pela Lei Nº 13.415, que incide de forma estrutural

em todo o Ensino Médio.

Cito algumas das alterações que são importantes para a reflexão a que esta pesquisa

se propõe: a obrigatoriedade do ensino de Língua Inglesa a partir do sexto ano do Ensino

Fundamental (parágrafo 5º, do artigo 26) e no Ensino Médio (parágrafo 4º, do artigo 35A),

sendo que, anteriormente era obrigatória uma Língua Estrangeira Moderna, a cargo da

comunidade escolar; a instituição de “Base Nacional Comum Curricular”, que definirá os

direitos e os objetivos de aprendizagem no Ensino Médio (artigo 35A); a retirada da

obrigatoriedade das disciplinas de Sociologia e Filosofia; a organização do currículo escolar

em itinerários formativos (artigo 36); a possibilidade de convênios com instituições de

educação a distância (parágrafo 10º, inciso I, artigo 36); a revogação de caputs que tratam de

valorização da formação social, tais como:

Page 21: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

18

I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção

moderna;

II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao

exercício da cidadania.

Diante do exposto, o sistema de ensino vigente na nossa unidade federativa, e,

preponderantemente, no Brasil, vê o mercado de trabalho como veículo de inserção social e

desenvolvimento cidadão. Nesse sentido, através de grupos de discussão proporcionados pela

disciplina de Sociologia e por iniciativa da gestão escolar da Escola Estadual Lilia Neves, em

Rio Grande, foram discutidos os sentidos da escola e da educação para os estudantes de

Ensino Médio.

As falas dos estudantes convergiram para a concepção de que a escola e o Ensino

Médio é uma etapa a ser vencida para entrar no mercado de trabalho, reforçando o

entendimento, por parte deles, de que o diploma é apenas um meio de agregar currículo, pois

é exigência para assumir qualquer posto de trabalho. Dessa forma, percebe-se que eles não o

compreendem como capital cultural (BOURDIEU, 1998), capaz de promover mobilidade

social.

Considerando o quadro político, social e econômico vivenciado no Rio Grande do

Sul e no país, a consciência cidadã necessita ir além da “formação para o trabalho”. Em artigo

publicado no livro “Cidades Rebeldes”, Venício de Lima aponta que uma das principais

características das lideranças das manifestações do tipo ocupações nas cidades pelo mundo é a

idade (2013, p. 90). Percebe-se que os movimentos sociais e protestos que promovem o

questionamento e a crítica social possuem parcela muito maior de jovens do que de adultos

com mais de 25 anos, o que nos destaca também a questão da crise de representatividade que

essa parcela da população vem sentindo nos espaços públicos.

Ademais, muitas das manifestações que surgiram a partir de 2008 pelo mundo são

reivindicações de soluções para problemas que a parcela jovem da população precisa lidar, a

exemplo o desemprego nas manifestações na Espanha, e até mesmo os movimentos da

Primavera Árabe (HARVEY, 2012, p. 11-13). Essas constatações remetem à importância do

desenvolvimento pleno dos jovens estudantes de Ensino Médio, que serão diretamente

afetados pelas relações sociais e econômicas traçadas agora.

Tendo em vista a condição sistêmica da Educação Básica brasileira e no Rio Grande

do Sul, a potencialidade da formação dos jovens para o desenvolvimento crítico de

Page 22: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

19

proposições e transformação diante dos problemas estruturais da nossa sociedade, justifica-se

o foco da análise das hipóteses, adiante apresentadas, nos estudantes de Ensino Médio de 15 a

18 anos, e ainda pela estruturação da Educação Básica no Brasil, de acordo com as diretrizes

estabelecidas pela LDBEN, de 1996, que agrega ao Ensino Médio a tarefa de consolidar e

aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental e o aprimoramento do

educando como pessoa humana, entre outros.

Sendo o Ensino Médio a etapa de aprofundamento das discussões sobre os conceitos

básicos abordados no Ensino Fundamental, cabe a esse ser o cenário de análise no que se

refere à reflexividade crítica acerca de temas, nos limites desta pesquisa, na área das Ciências

Humanas, e em especial da História, que possam contribuir para o desenvolvimento mais

profundo e pleno dos cidadãos, dando enfoque às questões que dizem respeito à América

Latina.

Dessa forma, as análises, que compõem esta pesquisa, foram realizadas em quatro

turmas de Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Médio Lília Neves, num bairro

periurbano na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que recebe estudantes de várias

áreas rurais e urbanas. O projeto foi desenvolvido nas seguintes turmas: duas do primeiro ano,

com aproximadamente 25 estudantes cada, e duas do terceiro ano, com aproximadamente 15

estudantes cada. Essa escolha permite observar possíveis diferenças de perspectiva sobre os

temas entre os estudantes que ingressaram e os que estão saindo do Ensino Médio.

2. Educação e América Latina

Considerando as características do ensino público no âmbito federal e estadual no

Rio Grande do Sul e, ainda, a conjectura atual social, política e econômica que vivenciamos,

verifica-se a importância de rememorar percepções pedagógicas que favoreçam a

conscientização social e contribuam para o desenvolvimento pleno dos jovens estudantes,

percebendo-se capazes de compreender e transformar a realidade social na qual estão

inseridos.

Morin (2002) discute a relevância de se estudar a condição humana multifacetada: a

esfera individual e a esfera social, de forma que se evidencie a essência de cada indivíduo e da

comunidade através do entendimento da pluralidade, e nela a cultura, ou as culturas, são

importantes objetos de investigação que permitem a compreensão do sujeito e da comunidade

Page 23: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

20

e, a partir desse entendimento, favorecer um dos saberes essenciais para a educação do futuro:

ensinar a condição humana, tornar a educação mais formadora de consciência e identidade.

Nesse sentido, a profundidade com que o tema América Latina vem sendo abordado

no ensino de História é relevante em virtude de se buscar as origens culturais ignoradas pela

cultura ocidentalizadora e eurocêntrica a qual estamos familiarizados. Entretanto, isso não

significa menosprezar a importância de culturas exóticas na formação da sociedade humana

latino-americana, mas sim de atentar para um fato que Morin aponta como “desintegração

cultural”:

As assimilações de uma cultura a outra são enriquecedoras. Verificam-se também mestiçagens culturais bem-sucedidas, como as que produziram o flamenco, a música da América Latina, o rai. Ao contrário, a desintegração de uma cultura sob o efeito destruidor da dominação técnico-civilizacional é uma perda para toda a humanidade, cuja diversidade cultural constitui um dos mais preciosos tesouros (2002, p. 57).

Isso quer dizer que, para se ensinar de forma humanizadora e conscientizadora, é

necessário que se enxergue além do espaço social ao qual se está inserido no século XXI,

contextualizar os costumes que, muitas vezes, não são entendidos como uma globalização que

homogeneíza hábitos.

Paulo Freire (1981) é uma das referências sobre a educação conscientizadora, que

deve instigar a crítica e a curiosidade do educando e apresentá-la como ferramenta para a

emancipação. Na leitura do livro Pedagogia do Oprimido, é possível identificar algumas das

razões que podem ajudar a discutir a questão da falta de identificação dos estudantes com a

América Latina.

Freire argumenta que nossa sociedade é pautada em uma relação entre oprimidos e

opressores, na qual o oprimido possui uma consciência ambígua, ou “hospedeira”, já que os

homens, tanto oprimidos quanto opressores, estão imersos em uma realidade opressora, e,

então, tendem a pensar com naturalidade, normalidade a sua condição e ter como objetivo

chegar ao patamar de opressor ou manter essa condição, posto que:

A estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se ‘formam’. O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estivera e cuja superação não lhes está clara, é ser opressores (1981,p. 33).

Page 24: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

21

Como parte da cultura opressora, a ideia de “progresso” ligada ao desenvolvimento

econômico e tecnológico, a “cultura globalizada” que permite a penetração cada vez maior do

mundo do opressor como ideal, a questão do mérito e da conquista, entre outros, são

exemplos dos elementos que são tidos como características que proporcionam o sucesso e o

objetivo de sua vida material.

Nessa perspectiva, o conceito de “invasão cultural” apresentado por Freire como uma

instância do processo de dominação das massas, pode ser pertinente para entender a

importância da questão e constatar sua aplicabilidade, uma vez que:

Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão (FREIRE, 1981, p. 86).

Essa discussão pode ser endossada por uma análise de outro questionamento

apresentado no questionário prévio, quanto à relevância social e cultural dos Estados Unidos

da América: “Relate, em uma breve frase, qual a relevância das características sociais e

culturais dos Estados Unidos da América na tua vida social”. Por ser uma questão aberta,

quatorze questionários não apresentaram resposta.

Dos vinte e sete questionários respondidos, onze respostas convergiam para um

interesse e proximidade com a cultura do país em questão, e treze destacaram aspectos quanto

ao desenvolvimento (social, econômico e tecnológico). Apenas três respostas consideraram o

país como irrelevante cultural e socialmente para suas vidas, ou seja, os estudantes

apresentam uma relação de proximidade maior com o país norte-americano do que com a

cultura e sociedade de países latino-americanos.

Em quais momentos os estudantes brasileiros da educação básica e pública têm

acesso a imagens, a produções e a conteúdos de origem latino-americana? Quando têm a

oportunidade de se aproximar da língua espanhola (geograficamente muito mais próxima do

que a inglesa, por exemplo)? Em que espaços a discussão e a apresentação de temas e

aspectos referentes às diversas culturas latino-americanas são promovidas? Tendo em vista a

globalização econômica e sustentando o conceito de invasão cultural, os estudantes pouco

terão contato com a América Latina em outros espaços de socialização que não sejam os

escolares.

Page 25: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

22

A pesquisa aqui desenvolvida parte, basicamente, da seguinte hipótese: o conteúdo

de História da América Latina não é trabalhado no ensino básico de forma que proporcione ao

estudante a compreensão do conceito de América Latina, sem promover o aprofundamento de

temáticas referentes ao subcontinente, desconsiderando a potencialidade do seu estudo para a

constituição de uma identidade latino-americana e para a formação cidadã e cultural. Tal

constatação é oriunda da experiência empírica enquanto professora na escola de Ensino

Fundamental e Médio na qual desenvolvi esta análise.

Através de diálogos prévios e durante as atividades de coleta de dados, observei que

grande parcela dos estudantes, especialmente do Ensino Médio, não se reconhecem e não

percebem afinidades com características histórico-culturais pertinentes ao subcontinente

latino-americano. Muitos assumem certa antipatia com, por exemplo, a língua espanhola. Ou,

então, reconhecem maior aproximação cultural com países europeus ou com os Estados

Unidos do que com os países latino-americanos.

Parte dessa falta de aproximação pode ser derivada do processo de industrialização

desenvolvido especialmente no Brasil, na Argentina e no México, que tiveram atenção e

investimento muito maiores dos Estados Unidos do que os demais países, que foram

massacrados em suas tentativas de desenvolvimento autônomo.

Eduardo Galeano, no seu clássico As veias abertas da América Latina, mostra uma

história de dominação pela força e pelo capital por parte dos países europeus e,

posteriormente, dos EUA, que permite compreender a relação histórica e ao mesmo tempo os

símbolos que circulam na “abençoada” invasão norte-americana nos mercados: “[...] o

imperialismo atual irradiaria tecnologia e progresso, e até seria de mau gosto a utilização

desta velha e odiosa palavra para defini-lo” (2010, p. 292).

A aproximação com os países do “Primeiro Mundo” ocorre através dessa massiva

investida na dominação do mercado brasileiro, e a análise rasa do contexto histórico não

favorece o desenvolvimento da identificação com os demais países latino-americanos que

possuem características sócio-históricas semelhantes, que, no entanto, tiveram processos de

“desnacionalização” mais violentos, menos “naturalizados”.

A partir dessa observação, é necessário desenvolver e organizar técnicas que

permitam auferir se tal constatação se mostra verdadeira, tanto no âmbito escolar, como forma

de analisar como os estudantes enxergam o tema da América Latina, quanto nos processos de

estruturação curricular da disciplina de História ao longo dos anos e, ainda, no processo de

construção do pensamento e linguagem (FREIRE, 1981, p. 103) dos estudantes sobre o

Page 26: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

23

subcontinente. O que motiva a investigação aqui proposta é a hipótese, a ser averiguada, de

que a América Latina não tem o espaço e/ou não é abordada na Educação Básica de forma

que proporcione aos estudantes aproximação e identificação sócio-histórica com os países que

fazem parte do subcontinente.

Cabe, assim, discutir as causas históricas e estruturais que promovem esse

afastamento, analisar documentos oficiais para delimitar as intencionalidades institucionais

acerca do papel da História escolar e da abordagem sobre a América Latina. Com isso,

pretende-se promover o entrelaçamento entre o contexto histórico e o entendimento de Paulo

Freire sobre a Pedagogia do Oprimido, identificando aspectos que possam desvelar a relação

entre os postulados teóricos de Freire, na sua interpretação da realidade social, e a forma

como os estudantes concebem o subcontinente. Além disso, apresento uma discussão

pedagógica acerca dos temas geradores como forma de superação da invisibilidade latino-

americana no currículo e no dia a dia escolar, avaliando a relevância da metodologia e

possíveis aplicações.

Pensando nos objetivos da pesquisa, estruturei o texto de forma a apresentar, no

primeiro capítulo, o quadro metodológico pensado para atender as demandas de dados em

todas as etapas da pesquisa. Em seguida, no segundo capítulo, realizo uma análise do estado

do conhecimento acerca dos estudos sobre América Latina no currículo, apontando quais

problemáticas são discutidas sobre o tema e as pesquisas relevantes para a construção da

problemática discutida nesta dissertação.

O terceiro capítulo traz a primeira análise sobre os dados investigados em relação aos

PCNs de História, por meio da interpretação do seu conteúdo, dividido nos subcapítulos:

“Aspectos introdutórios dos PCNs de História e o primeiro e segundo ciclos do Ensino

Fundamental”, já que os três documentos disponibilizados pelo Ministério da Educação

apresentam estrutura e discussões muito semelhantes na sua introdução da disciplina de

História; “Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental”, que enfoca as especificidades da

disciplina de História nos Anos Finais e traz algumas especificidades sobre os conteúdos

sugeridos para serem trabalhados nesses ciclos; e “Ensino Médio e as Orientações

Educacionais Complementares aos PCNs”, tratando as particularidades do Ensino Médio e

analisando o documento chamado “PCN+” referente à disciplina de História, que se propõe a

ser como um guia para as escolas, para as gestões e para os professores, propondo conteúdos e

objetivos e discutindo conceitos a serem desenvolvidos no Ensino Básico.

Page 27: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

24

No quarto capítulo, discuto as experiências com os estudantes do Ensino Médio

orientadas pela aula-oficina sobre América Latina, dividido em dois subtítulos: “Análise da

compreensão dos estudantes sobre América Latina”, no qual apresento alguns dados

quantitativos sobre a percepção dos estudantes identificada nas aulas-oficinas; e “Uma

perspectiva sob a ótica de Freire”, em que analiso os dados obtidos considerando a teoria de

Paulo Freire sobre o paradigma da realidade opressora, conceituando acerca dessa influência

na percepção dos estudantes sobre o subcontinente, e tratando, especialmente, dos conceitos

de “invasão cultural” e “consciência hospedeira”.

O quinto capítulo trata de discussões a respeito da metodologia de Paulo Freire sobre

os temas geradores (primeiro subtítulo: “Temas geradores”) e uma proposta de sequência

didática apresentada como produto das análises da pesquisa, constatando a necessidade do

enfoque na temática América Latina na disciplina de História (segundo subtítulo: “Sequência

didática”).

Por fim, o último capítulo refere-se às considerações finais, examinando a

pertinência do tema América Latina na construção histórica dos estudantes do Ensino Médio,

considerando a realidade opressora evidenciada nas colocações dos estudantes acerca do

subcontinente e a relevância de aprofundar as pesquisas e as propostas práticas de superação

das barreiras institucionais e culturais.

Page 28: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

1 QUADRO METODOLÓGICO

Neste capítulo, apresento os instrumentos metodológicos aplicados durante o

processo de pesquisa que buscam contemplar os seus objetivos, justificando teórica e

metodologicamente a sua utilização. Trabalhei, num primeiro momento, a aplicação de

questionário prévio (Richardson, 2008) para consolidar a hipótese de pesquisa de que os

estudantes de Ensino Médio não apresentam interesse sobre aspectos sócio-históricos e

culturais da América Latina.

Ao longo da pesquisa, utilizei a análise de conteúdo (Kaplan, 2008; Bardin, 2006)

para identificar a intencionalidade do ensino de História, e a dimensão dada à América Latina

nos PCNs de História, elencando como categorias de análise os conceitos de identidade, de

cidadania e de América Latina. Com os estudantes, elaborei uma aula-oficina (Barca, 2004)

com o propósito de analisar o entendimento e o conhecimento dos estudantes de Ensino

Médio sobre o subcontinente e desenvolver a consciência histórica a partir da percepção dos

educandos.

Na análise dos dados obtidos através de escritas e observações, empreguei

novamente a análise de conteúdo para identificar categorias de análise sobre América Latina

(características culturais; características históricas; características geográficas; características

sociais; papel da escola na constituição do saber; papel das mídias na constituição do saber;

desconhecimento) que permitiram a construção teórica, com base nos postulados de Freire

(1981) sobre “consciência hospedeira” e “invasão cultural”.

Considerando a condição de professora pesquisadora nas turmas nas quais apliquei

os instrumentos metodológicos, é preciso ter como base uma metodologia de pesquisa que

considere essa peculiaridade. Assim, a pesquisa participante, discutida em Brandão (1990),

proporciona uma estruturação que considere os sujeitos da pesquisa como agentes e

possibilita uma ação dialógica que vise à análise do problema em questão e à transformação

da prática:

Para o quê serve o conhecimento social que a minha ciência acumula com a participação do meu trabalho? Para quem, afinal? Para que usos e em nome de quem, de que poderes sobre mim e sobre aqueles a respeito de quem, o que eu conheço, diz alguma coisa? (BRANDÃO, 1990, p. 10).

Pensando nesses questionamentos, este estudo busca encaixar-se nos objetivos de

uma pesquisa significante para os sujeitos participantes, incluindo a minha parte enquanto

Page 29: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

26

pesquisadora e professora. Dessa forma, trago novamente a indagação, que pauta esta

dissertação, a fim de abordá-la mais detalhadamente: Qual a utilidade social de se discutir o

tema da América Latina no currículo e no Ensino de História?

O objeto da investigação está no “pensamento-linguagem referido à realidade”

(OLIVEIRA; OLIVEIRA in BRANDÃO, 1990, p.20), ou seja, a forma como estão colocados

os conteúdos referentes à América Latina incide na maneira de pensar dos estudantes e como

se relacionam com o conhecimento sobre o tema. Este é o enfoque da pesquisa: Como os

estudantes se apropriam ou não dos conteúdos referentes ao subcontinente? Para tanto, é

preciso compreender como o conteúdo de História da América Latina é abordado

institucionalmente e como os estudantes se apropriam desse conhecimento, que culmina no

reconhecimento ou afastamento social e cultural.

A função do pesquisador/educador é entendida por Oliveira e Oliveira (in

BRANDÃO, 1990, p. 32) como a de facilitador de um distanciamento do grupo em relação à

sua realidade vivida, para que o tema possa ser percebido como objeto de estudo e ação:

O papel do pesquisador/educador será o de criar as condições para este recuo crítico e o de organizar a temática geradora de tal forma que os protagonistas possam, discutindo-a, decifrá-la e agir sobre ela.

Tal objetivo deve ser transformado em metodologia didático-pedagógica que permita

que os estudantes observem suas próprias práticas e preferências como reflexo de uma

“infraestrutura de dominação” (OLIVEIRA; OLIVEIRA in BRANDÃO, 1990, p. 30) que

limita as possibilidades e a compreensão da realidade em que estão inseridos, não permitindo

que os indivíduos visualizem novas perspectivas.

Cito, abaixo, um trecho interessante de um artigo do geógrafo David Harvey sobre os

problemas urbanos, que permite que reflitamos sobre a analogia:

Mas, ao contrário – e é aqui que a dialética retorna para nos assombrar –, a cidade nos faz sob circunstâncias urbanas que não escolhemos. Como poderia desejar um mundo alternativo possível, ou mesmo imaginar seus contornos, seus enigmas e charmes, quando estou profundamente imerso na experiência que já existe? Como posso viver em Los Angeles sem me tornar um motorista de tal maneira frustrado que voto sempre pela construção de mais e mais super-rodovias? (2013, p. 31-32).

Como é possível entender o mundo de outra maneira, se a visão que nos é dada é

limitada pelo entendimento das classes dominantes? A afirmação da percepção marxista de

mundo e de educação é a de que não aceitamos ou não reconhecemos, quiçá buscamos

Page 30: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

27

soluções aos problemas cotidianos, pois esses não são problemas para o sistema de produção

capitalista em que vivemos. E o papel do pesquisador/educador seria de evidenciar tais

contradições como relevantes para a compreensão do nosso cotidiano e de nossas ações.

Dessa forma, discutir e demonstrar com e para os estudantes que a forma como eles percebem

a América Latina é importante para que reconheçamos nossas próprias adversidades, torna-se

o motor para a elaboração de métodos didáticos e pedagógicos que promovam tal reflexão.

A percepção empírica, através da pesquisa sobre o estado do conhecimento referente

à América Latina no currículo escolar, revela que o ensino de História está centrado na

compreensão da perspectiva europeia, a partir da colonização do subcontinente, ou seja, a

história latino-americana narrada pela conquista e não pela derrota.

Através da dicotomia opressor e oprimido presente em Freire (1981), podemos

considerar que mesmo os oprimidos, em uma sociedade opressora, acabam vendo no opressor

o sucesso, o caminho a ser seguido, e pouco há contestação sobre esse status quo, apenas os

oprimidos são os “derrotados”, sem as qualidades requeridas para ter sucesso, que é traduzido

no modo de vida do opressor. Os autores Oliveira e Oliveira (in BRANDÃO, 1990, p. 20-21),

exemplificam sua ação educativa a partir de algumas estratégias apresentadas por

Stavenhagen (1972), na busca de uma sociedade mais justa e democrática. Dentre elas,

destaco “privilegiar, como objeto de estudo, o outro pólo da relação de dominação”.

Ao considerar relevante a compreensão da história da América Latina a partir “de

dentro”, penso que a pesquisa participante aqui proposta se encaixa na busca de uma

percepção maior por parte dos estudantes acerca da realidade em que estão inseridos de fato.

A fim de colocar em evidência os discursos dos dominados, colonizados, oprimidos,

derrotados, que seriam as experiências sociais e históricas dos países latino-americanos e suas

perdas e problemas, em contraponto ao ponto de vista europeu, colonizador, no qual a

percepção parte de um entendimento de que eles trouxeram a civilização e o progresso e que

isso não pode ser negativo.

Todas as construções e análises, realizadas nesta pesquisa sobre o tema América

Latina no ensino escolar de História, têm por objetivo a busca por novas formas de se

perceber o mundo no qual os estudantes da Educação Básica e pública brasileira estão

inseridos. Ao encaminhar o diagnóstico do problema, a proposição última é discutir a

importância e a aplicabilidade de fontes e metodologias didáticas que capacitem os estudantes

a compreender a complexidade dos processos sócio-históricos em que estão inseridos e

desenvolver neles o “poder de pensarem, produzirem e dirigirem os usos de seu saber a

respeito de si próprios” (BRANDÃO, 1990, p.10).

Page 31: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

28

É nesse objetivo último que se funda, de acordo com Oliveira e Oliveira (in

BRANDÃO, 1990, p. 27), a metodologia da pesquisa se classifica como pesquisa-ação ou

pesquisa participante, uma vez que o mais importante na análise sobre como a América Latina

é abordada. Os impactos dessa abordagem na percepção dos estudantes trabalham para:

[...] favorecer a aquisição de um conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transformação pelo grupo que está vivendo este processo, para que ele possa assumir, de forma cada vez mais lúcida e autônoma, seu papel de protagonista e ator social.

Delimitando os caminhos a serem trilhados, sintetizo o entendimento da pesquisa

como pesquisa-ação, a partir das etapas propostas por Oliveira e Oliveira (in BRANDÃO,

1990, p. 27), com o intuito de delinear as bases da estrutura metodológica da pesquisa. As

etapas a serem consideradas são: 1 inserção do pesquisador; 2 coleta da temática geradora do

grupo com quem se trabalha; 3 organização do material recolhido junto ao povo; 4 devolução

sistemática para discussão e ação.

Sobre a inserção do pesquisador, Oliveira e Oliveira atentam para que ele não force

uma aproximação ou uma imbricação com o grupo no qual será realizada a pesquisa, pois a

mesma parte de um ponto social diferente do grupo ao qual pretende investigar e atuar de

forma diversa. Enquanto professora, é fato que os grupos, dos quais as constatações partem,

são grupos dos quais faço parte ativamente, o que poderia dificultar o distanciamento crítico

da experiência de pesquisa.

Contudo, o ponto de partida é diferente e a relação estabelecida, ainda no cotidiano

escolar, posiciona o professor como apartado da realidade dos estudantes; ou seja, mesmo que

eu seja parte da realidade e do processo que pretendo analisar, o grupo está naturalmente

colocado em posição diferente. Além disso, o grupo social que utilizo para as análises – os

estudantes de Ensino Médio de uma escola pública – não é, necessariamente, o objeto ou o

problema de pesquisa. De fato, eles são a ponta para a qual se pretende incidir a partir da

discussão do problema: a abordagem dada à história da América Latina no currículo escolar e

sua relação com a identificação ou não dos educandos com o contexto em questão.

Já apresentei a observação que motivou a pesquisa na Introdução, de que os

estudantes não têm conhecimento sobre a América Latina, articulando, assim, a hipótese de

que ela não é trabalhada na Educação Básica pública de forma que possibilite a identificação e

colabore com a construção de uma percepção solidária dos estudantes brasileiros para com a

realidade latino-americana. Para atestar essa constatação, vinda, a priori, de atividades em

Page 32: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

29

sala de aula e grupos de discussão com os estudantes de Ensino Médio sobre temas referentes

à América Latina – como cultura, história, política, riquezas –, utilizei, como instrumento de

averiguação inicial, a aplicação de um questionário em algumas turmas dos três anos

referentes ao nível de ensino.

O questionário foi elaborado e organizado seguindo algumas considerações de Gil

(1999, p. 127-128), referentes ao que deve ser levado em consideração na construção da

ferramenta, como a objetividade dos questionamentos e a organização das perguntas de

acordo com o que se pretende abordar. Assim, o questionário foi dividido em três blocos que

pretendem conhecer os sujeitos e compreender suas respostas: informações pessoais, como

idade e escolaridade dos pais, acesso à informação e artefatos culturais, referente aos meios de

comunicação aos quais têm acesso, e conhecimentos e interesses, que fazem indagações

acerca do interesse sobre o mundo e a relação dos sujeitos com o conhecimento que têm sobre

o mesmo.

Como o objetivo do questionário foi de reforçar ou enfraquecer a hipótese, e não

necessariamente comprová-la, e tendo em vista a faixa etária dos estudantes, foram propostas

dezessete questões, em sua maioria fechadas. Gil (1999, p. 123) atenta para o fato de que a

construção de respostas fechadas deve preceder de entrevistas ou procedimentos que

forneçam ao pesquisador pistas do que é ou não relevante no universo discursivo dos

pesquisados. Neste caso, a própria hipótese deriva de um intenso contato com os sujeitos

pesquisados, estudantes da escola na qual leciono. Assim, o desafio foi elaborar respostas que

não fossem distantes da realidade e da compreensão deles, sem apresentar termos e

expressões que indicassem o posicionamento enquanto pesquisadora e professora.

A fim de investigar algumas pistas que dão indícios sobre a hipótese de pesquisa,

outra etapa discute a legislação da educação brasileira, especificamente os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) da disciplina ou o componente curricular História, buscando

em que momentos sócio-históricos a América Latina entra nas discussões acerca do currículo

de História. Dessa forma, almejo analisar as intencionalidades e as abordagens sugeridas

institucionalmente na esfera federal que contribuem para o direcionamento da aprendizagem

dos estudantes.

A partir desses objetivos, realizei a análise de conteúdo, que proporciona a

interpretação de documentos de origens variadas através de instrumentalização, procurando

destacar significados presentes ou ausentes nas mensagens, aspecto pertinente para esta etapa

da pesquisa.

Page 33: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

30

Para Kaplan (apud RICHARDSON, 2008, p. 222), a “[...] análise de conteúdo é a

análise estatística do discurso político”, o que pressupõe um trabalho quantitativo de

categorização e codificação dos elementos presentes em um documento. Por outro lado, a

análise de conteúdo é utilizada principalmente em pesquisas qualitativas, destacando-se como

sua função metodológica de “[...] compreender melhor um discurso, de aprofundar suas

características (gramaticais, fonológicas, cognitivas, ideológicas, etc.) e extrair os momentos

mais importantes” (RICHARDSON, 2008, p. 224).

Bardin (2006) afirma que a análise de conteúdo pode ter uma função exploratória (as

descobertas enriquecem a pesquisa) ou de administração de provas (parte-se de uma hipótese,

em forma de pergunta ou afirmação, e se procura confirmá-la a partir de uma prova obtida

através da análise de conteúdo). Desse modo, a técnica é relevante para se analisar quais os

postulados ideológicos estão presentes na construção dos PCNs, considerando que eles

impactam no trabalho pedagógico, e, consequentemente, na construção dos sentidos por parte

dos alunos sobre o tema América Latina.

Ainda segundo Bardin (2006), a aplicação da técnica, no presente caso, possui

função de administração de provas, ou seja, parte-se de uma hipótese para, em seguida,

procurar sua confirmação, que se dá a partir de uma prova obtida pela análise de conteúdo. De

acordo com pesquisas que serão explicitadas no capítulo seguinte, é possível afirmar que a

sistematização da Educação no Brasil sempre esteve envolvida com a situação social e

política na qual o país estava submetido.

A pré-análise envolve leitura superficial do material ou flutuante e escolha dos

documentos, atendendo-se à sugestão de Richardson (2008), suscetíveis a oferecer as

informações necessárias ao problema e aos objetivos previamente delineados, neste caso,

concentrando a análise nos PCNS referentes ao componente curricular História. Por

conseguinte, cabe realizar um tratamento descritivo em busca da temática em questão e

classificar as expressões associadas em categorias que permitam auferir a intencionalidade

política, social e ideológica dada ao tema América Latina.

Por fim, o principal objetivo desta pesquisa é entender e analisar de que forma os

estudantes têm acesso ao tema América Latina, qual o significado atribuído a ele, e confirmar

a hipótese central de que os estudantes não possuem relação de pertencimento com o

subcontinente por conta da abordagem institucionalmente dada ao assunto e discutir como

isso impacta na construção de consciência dos educandos sobre a realidade apresentada.

Moreira (2011) elucida que a pesquisa qualitativa em Educação, mais do que buscar

auferir hipóteses, deve ser interpretativa, de acordo com a perspectiva de Erickson (apud

Page 34: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

31

MOREIRA, 2011, p. 47). A forma como e o que os estudantes entendem por América Latina

são permeados pelas interações simbólicas de um contexto social característico, e o espaço

escolar faz parte de uma construção social e cultural que influencia os significados atribuídos

aos temas discutidos em sala de aula.

Metodologicamente, significa que os procedimentos devem se concentrar nos

resultados, buscando interpretar os caminhos que condicionaram a perspectiva dos estudantes

sobre o tema. É essencial, ainda, justificar que a pesquisa interpretativa se orienta a partir de

uma bagagem teórica que irá perpassar toda a construção do quadro metodológico e da análise

dos registros:

[...] qualquer investigação é conduzida a partir de determinados paradigmas e bagagens teórico-conceituais, fazendo uso de certas metodologias para estudar certos fenômenos de interesse, os quais, obviamente, são selecionados em função de tais paradigmas e referenciais teórico-conceituais (MOREIRA, 2011, p. 14).

Tendo em vista que a própria temática de investigação foi pensada a partir de uma

observação empírica de sala de aula, e que a relevância da mesma se justifica a partir do

postulado teórico de Paulo Freire sobre a realidade opressora e o conceito de “consciência

hospedeira” que influencia nas construções sociais e simbólicas dos indivíduos, os

procedimentos metodológicos também visam compreender o que e a partir de que os

estudantes concebem o entendimento e opiniões acerca do subcontinente.

Oliveira e Oliveira (in BRANDÃO, 1990, p. 28) identificam as etapas a se considerar

na pesquisa-ação de viés participante, já abordadas nesta dissertação. Aqui, o mais importante

é a elaboração de procedimentos que qualifiquem a etapa dois, referente à coleta da temática

geradora do grupo com quem se trabalha.

Enquanto professora pesquisadora, que investiga a partir de constatações empíricas

da prática escolar, é necessário instrumentalizar uma prática didática que permita a análise do

conhecimento construído pelos estudantes até o momento. Na verdade, essa etapa é chave

para o desenvolvimento da pesquisa, já que a hipótese basilar, já endossada em questionário, é

a de que os estudantes possuem determinado entendimento sobre os temas sociais e históricos

que concernem à América Latina, que os distanciam e promovem a rejeição aos aspectos

sociais e culturais dos países vizinhos.

Na etapa da coleta de dados, optei, então, pela elaboração de um roteiro de aulas-

oficina, conceito trabalhado por Isabel Barca (2004), discutido e apontado por muitos

pesquisadores em Ensino de História como proposta inovadora que visa compreender, por

Page 35: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

32

parte do professor, os elementos que contribuem para a construção da consciência histórica

expressa pelos estudantes nas atividades no âmbito escolar. É importante considerar sempre

os educandos enquanto sujeitos integrantes de uma realidade social e historicamente

construída, e que a sala de aula não é, de longe, o único espaço onde eles constroem seu

entendimento sobre o mundo.

Sobre a análise dos dados, a metodologia já apresentada da interpretação de conteúdo

serve como base na compreensão das informações obtidas nas sessões de discussão. Morgan

(apud Gondim, 2002) destaca como uma das modalidades de análise dos grupos focais a de

“multi-métodos qualitativos”, ou seja, a complementaridade de metodologias. E, nesse

sentido, é relevante considerar as orientações de Bardin (1988) sobre a aplicabilidade de

análise de conteúdo nesse momento, pois o autor sugere a categorização ou a busca por

menções sobre o tema em questão, a partir do problema da pesquisa e dos objetivos traçados.

Dessa maneira, a etapa final da pesquisa propõe um encaminhamento, a através do

diagnóstico de como, por que e quais as interpretações que o tema América Latina incide

sobre os estudantes, da “devolução sistemática para a discussão e ação” sugerida como etapa

final da pesquisa participante por Oliveira e Oliveira (in BRANDÃO, 1990, p. 27). E, em

meio a isso, construir uma proposta de reflexão sobre a realidade identificada acerca da

interpretação da América Latina pelos estudantes, sob a perspectiva de outros olhares, sempre

colocando os postulados teóricos de Paulo Freire em busca da consciência crítica e

libertadora, através de uma educação problematizadora que entende na consciência a

metodologia para se alcançar a liberdade (FREIRE, 1981, p. 60).

Page 36: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

2 ESTADO DO CONHECIMENTO: AMÉRICA LATINA NO CURRÍCULO

BRASILEIRO

Tendo em vista que as categorias iniciais que suscitam a hipótese de que o ensino da

América Latina não é trabalhado na Educação Básica de forma que proporcione a construção de

uma identidade latino-americana nos estudantes, cabe analisar algumas pesquisas que abordam a

construção da disciplina de História e o ensino de América Latina.

Os debates que cercam a Educação estão sempre articulados com os contextos sociais e

históricos vivenciados no decorrer das transformações promovidas no espaço geográfico. No Brasil,

o ensino passa a ser organizado a partir da República, em meados do século XIX, e o Colégio Dom

Pedro II, especialmente depois da Reforma Rocha Vaz (1925), passa a ser visto como espelho das

propostas curriculares que balizavam as decisões de âmbito nacional. E é já nessa fase que se

evidencia a necessidade de incluir como objetivos da Educação Básica a formação da nacionalidade

e da identidade brasileira, tendo em vista a premência de afirmação nacional e o teor das políticas

públicas do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945).

Sobre a construção dos currículos em comum, que se desenvolvem desde a época citada,

Katia Abud (2010, p. 35) salienta a importância da disciplina de História apresentada como

colaborativa à disciplina de Geografia na função de instigar o desenvolvimento da identidade e da

“educação política”. Tal preocupação se verifica, também, nos programas de 1942, tendo na

História a base para o entendimento das características que demarcam o “nacional” e contribuem

para a construção da identidade brasileira, seja pelo intento de fortalecimento do Estado nacional,

seja pela via do distanciamento da colônia portuguesa e seus ideais liberais, seja para a defesa de

projetos de governos elitistas, pois:

Os programas de ensino de História continham elementos fundamentais para a formação que se pretendia dar ao educando, no sentido de levá-lo à compreensão da continuidade histórica do povo brasileiro, base do patriotismo. Nessa perspectiva, o ensino de Histórica seria um instrumento importante na construção do Estado Nacional, pois traria a luz o passado de todos os brasileiros, e teria “... o alto intuito de fortalecer cada vez mais o espírito de brasilidade, isto é, a formação da alma e do caráter nacional” (ABUD, apud BITTENCOURT, 2010, p. 34).

A organização curricular da disciplina de História nas escolas, de acordo com Bittencourt

(2010), reflete uma valorização dos sistemas de produção e toma o desenvolvimento da história

como linear em direção ao progresso. Isso é facilmente percebido, segundo Bittencourt, através da

análise curricular dos anos finais do Ensino Fundamental, na qual a história do Brasil continua

sendo separada pelos ciclos econômicos (BITTENCOURT, 2010, p. 15-16), o que pode contribuir

Page 37: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

34

para o entendimento, por parte dos alunos, de que os países que não acompanharam essa linearidade

em direção ao progresso, não fazem parte do mesmo contexto sócio-histórico do Brasil.

Quando o enfoque da pesquisa incide nos escritos sobre identidade, currículo e cultura

referentes à História da América Latina, comumente os trabalhos encontrados fazem referência à

construção da identidade nacional e alguns estudos sobre as representações da América Latina, mas

nada que discuta a profundidade e pertinência do tema na Educação Básica.

A dissertação de Candida Beatriz Alves (2013), da Universidade de Brasília, intitulada

“Integração, identidade e universidade na América Latina” pode se aproximar à discussão proposta,

tendo em vista que analisa a integração latino-americana através dos programas universitários e

discute o conceito de identidade, analisando quais aspectos da esfera universitária podem

proporcionar a sua construção, quais aspectos os estudantes consideram que aproximam e quais os

afastam dela.

Outro trabalho que se assemelha aos objetivos da nossa pesquisa é “O olhar do ‘outro’

sobre si mesmo: as representações de América nos manuais de formação de professores no Brasil e

na Argentina” (1900/1913), de autoria de Anelice Alves Marninho Santos (2013), que realiza uma

análise comparativa entre as representações feitas da América em manuais voltados para a formação

de professores no Brasil e na Argentina, evidenciando diferenças importantes no que concerne à

interpretação da América, que acaba refletindo na forma como o continente é trabalhado na

Educação Básica. Em resumo, o autor argentino analisado, Carlos Navarro y Lamarca, dá ênfase

aos processos de independência nas Américas Latina e Anglo-saxônica, diferenciando-as

especialmente sob esse aspecto. Já o autor brasileiro, José Francisco da Rocha Pombo centraliza sua

representação no processo de colonização: ibérico e inglês.

Ainda sobre a obra de Rocha Pombo, e indo além na temática sobre América Latina, em

sua tese, a professora Maria de Fátima Sabino Dias (1997) faz uma análise sobre a instituição da

América no currículo escolar, discutindo sobre fatores externos que contribuíram para o

posicionamento dado ao conteúdo no currículo de História. Nessa perspectiva, a autora também cita

a obra didática de Rocha Pombo a partir do parecer de Manoel Bonfim (1903), que observa que o

autor apresenta uma visão nacionalista dos heróis que contribui para o afastamento local entre

países com os quais o Brasil teve como rivais em alguns embates durante sua história ainda como

Império.

Nesse ponto, trago, brevemente, a contribuição de Mario Carretero (2010) sobre essa

relação entre o papel da escola em uma sociedade e na constituição de identidade. No que cabe a

essa discussão, o autor avalia que a função que cada sociedade atribui à escola é determinante para

dimensionar o espaço que a História ocupa e o direcionamento dado ao conceito de identidade e

identidade nacional. Afinal:

Page 38: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

35

[...] nos deparamos com o fato de que muitos dos fios com os quais tais pensamentos [a construção de identidade nacional pela história escolar] estavam tecidos tinham sua origem em um lugar para além da escola. Em outras palavras, na própria função que a sociedade atribuía a tal instituição e no sentido que, por sua vez, esta última lhe outorgava (CARRETERO, 2010, p. 24).

Assim, o sentido de identidade nacional é permeado por simbologias além da escola, mas a

posição desta é de fundamental importância para o desenvolvimento de um Estado nacional. Quer

dizer que se à escola é atribuída à função de construção dessa identidade nacional, ela será

aparelhada ideologicamente para cumpri-la. Se a escola é apenas um espaço de transição de

crianças e jovens antes de ingressarem ao mercado de trabalho, será aparelhada ideologicamente

para cumprir tal intento, etc.

Os autores Thamar Kalil-Alves e Wellington Oliveira, no artigo intitulado “O ensino de

história da América Latina no Brasil: sobre currículos e programas”, apresentam um apanhado

sobre os contextos históricos e políticos em que o currículo de História é revisado e discutem a sua

implantação no estado de Minas Gerais. A partir da análise curricular desde a Primeira República

até o início do século XX, podemos averiguar que, quando enfatizado, o ensino da América no

Brasil visa fortalecer o pertencimento econômico à Europa.

Na segunda metade do século XX, a apresentação do conteúdo sobre a América Latina visa

fortalecer laços políticos e econômicos com o tipo de governo ditatorial presente em vários países

do continente, e a consolidação da hegemonia norte-americana sobre os países considerados

subdesenvolvidos. No início do século XXI, o que o estudo destaca é a implantação da história afro-

brasileira e indígena nos currículos como uma aproximação às raízes pré-colombianas.

Elza Nadai (1993) também aponta a aproximação institucionalizada pelos mecanismos

estatais com a Europa, já em 1892, em um projeto de reforma que insere as características do

progresso europeu como forma de valorizar a identificação com o continente em questão, colocando

em primeiro plano o colonizador português e os imigrantes europeus, enfatizando o caráter

civilizador e linear em direção ao progresso na História. “[...] o explicitado e os silêncios’ (FERRO,

34), em seu conteúdo foram determinados pelas ideias de nação, de cidadão e de pátria que se

pretendiam legitimar pela escola” (1993, p. 149). A autora destaca, também, a construção de um

ideário irreal de nação brasileira, distinta dos processos colonizadores experienciados pelo país.

A identidade sempre foi importante na definição da inserção ou não, e das abordagens

dadas aos conteúdos referentes à América Latina no currículo de História no Brasil, seja pela

aproximação com as civilizações europeias, enfatizando aspectos ocidentais de “sucesso” europeu

referentes à dominação e à administração, seja a partir da segunda metade do século XX,

aproximando política e administrativamente o Brasil aos demais países latino-americanos alinhados

Page 39: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

36

às ditaduras e ao liberalismo econômico. A identidade nacional serve como controle político e

econômico, dado por uma unidade de características socioculturais, muitas vezes, favorecidas pela

própria conjuntura institucional e pelo papel dado à escola na sociedade em questão.

No texto de Oliveira e Gabriel (2013), as autoras apresentam a análise do discurso presente

em uma pretensa reorganização curricular alinhada ao MERCOSUL, discutida desde 1991 pelo

Setor Educacional do MERCOSUL – SEM. O principal tema discutido é a questão da identidade:

sua definição e através de que ela se constitui nos países integrantes do bloco econômico. Como se

trata de análise de discurso, as autoras valem-se dos pressupostos do sociólogo Ernest Laclau para

justificar que a identidade é construída pela interface conhecimento, cultura e poder, e pode

caracterizar-se por duas lógicas distintas: a lógica da equivalência e a lógica da diferença. Segundo

as autoras, "[...] são essas lógicas que garantem a produção dos diferentes sentidos sempre em

disputa em determinada formação discursiva" (2013, p. 477). De acordo com a análise do estudo em

questão, a estratégia do SEM dá-se a partir da lógica da equivalência, em busca de um

fortalecimento econômico diante da globalização.

Sobre currículo, traz-se à discussão especialmente duas pesquisas de estudo comparado. A

primeira, de Conceição e Zamboni (2012), diz respeito ao currículo da disciplina de História na

Argentina e no Brasil, buscando elementos que diagnostiquem a abordagem dada aos estudos da

América Latina. Assim, discute a forma como o conceito de História é abordado nos currículos

desses países e propõe o conceito de "histórias conectadas", que valoriza as similitudes dos

múltiplos processos históricos, ao mesmo tempo em que rompe com o conceito de História única,

alegando que um ensino que valorize as semelhanças é mais significativo do que aqueles currículos

que abordam de forma isolada os processos de construção nacional dos países desse subcontinente.

Traçando um paralelo, trago a pesquisa de Regina Célia do Couto (2012), na qual realiza

uma pesquisa em escolas de Jaguarão (Brasil) e Rio Branco (Uruguai), que analisa o currículo e a

forma como ele contribui para a formação de identidade nacional e cultural. A autora evidencia que

o desenvolvimento de identidade nacional nos países em questão (Brasil, Uruguai e Argentina) é

realizado de maneira que a sectariza, enfatizando as peculiaridades e diferenças entre as nações, o

que dificulta um reconhecimento de proximidade com os países ao redor.

O autor argentino Gonzalo de Amézola (2008) dedica-se a estudar a relação de teoria e

prática nas salas de aula argentinas, denominando o que observa como "esquizohistoria", tendo em

vista que a história aplicada nas escolas se distancia dos métodos do conhecimento acadêmico, em

um ciclo em que os estudantes ingressam e voltam às escolas como professores, sem romper com

esse distanciamento. A justificativa para essa "distorção" estaria na compartimentação e

especialização do seu conteúdo no currículo escolar e pelas limitações institucionais para se inovar

na educação em nível escolar básico (DE AMÉZOLA, 2008).

Page 40: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

37

Nos estudos de Amézola, é indicado que os currículos de História estiveram sempre

impregnados de uma valorização do nacionalismo que, com o tempo, contribuiu para o

estabelecimento da ditadura no país. Além disso, as reformas propostas foram verticalizadas, o que

não colaborou com o esforço dos professores em aplicá-las. Essas são algumas constatações que se

assemelham ao contexto brasileiro.

Outros trabalhos de Conceição (2010) convergem para a discussão da consciência histórica

e da construção da identidade latino-americana, inclusive acerca da discussão sobre a implantação

da disciplina “Estudos Latino-americanos”, em 2003, no Colégio de Aplicação da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC). O texto em questão ainda realiza uma análise dos efeitos dessa

proposta na percepção dos estudantes acerca dos processos históricos, sociais e políticos da

América Latina. Observação importante constatada é o fato de que alguns apontamentos dos

estudantes confluam para a percepção de que a América Latina é um espaço subjugado que, apesar

disso, o progresso, tido como linear, conseguiu alcançar e prosperar.

Dos textos analisados, todos contribuem para algumas constatações chave para o

entendimento sobre a construção do conceito de identidade no currículo escolar e, especificamente,

na disciplina de História no Brasil. Primeiramente, a noção de linearidade histórica observada na

organização curricular de forma geral, mas especialmente na história das Américas e do Brasil, que

contribui para uma exacerbada valorização de características europeias, destacadas em Abud (2010)

e Nadai (1993), e abordadas secundariamente em outros estudos analisados.

Essa linearidade leva a um segundo ponto de interferência sobre o currículo escolar de

História e sua relação com a identidade: a profunda relação econômica e política nas definições

conceituais na Educação. Bittencourt (2010) destaca, em relação à História do Brasil, a estrutura

curricular voltada para os ciclos econômicos como ativadores das transformações históricas

lineares, por favorecer o sentido civilizatório do domínio europeu e, posteriormente, estadunidense,

sobre a construção social e econômica dos países latino-americanos. Kalil-Alves e Oliveira (2011)

também salientam a função política e econômica da organização dos currículos escolares.

Ponto central da análise que se desenvolve nesta pesquisa, vem da terceira constatação: a

noção de identidade que prevalece nos trabalhos analisados provém de uma valorização das

diferenças e rivalidades entre os países, ou seja, a identidade nacional prevalece, e ela é construída

através da diferenciação e aproximação com países bem-sucedidos economicamente, o que dificulta

a aproximação entre países latino-americanos. Isso se observa, especialmente, nos trabalhos

comparativos aqui discutidos, como o de Maria Sabino Dias (1997) que destaca os aspectos de

rivalidade entre países observados nas primeiras obras didáticas do início do século XX, e os

trabalhos de Conceição e Zamboni (2013) e Couto (2012), que evidenciam os currículos entre

Page 41: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

38

Uruguai, Argentina e Brasil, marcados por uma identidade nacional apartada dos vizinhos, por

questões políticas, econômicas e/ou culturais.

Postas essas características do ensino de História escolar, justifica-se a análise e a

discussão propostas nesta dissertação a partir do entendimento de Paulo Freire. Na leitura do livro

Pedagogia do Oprimido (1981), é possível identificar algumas das razões que ajudam a discutir a

questão que proponho sobre a falta de identificação dos estudantes com a América Latina.

Freire argumenta que nossa sociedade é pautada em uma relação entre oprimidos e

opressores. Essa relação, reforçada no modo de produção capitalista e associada a processos

históricos do imperialismo ocidental, constrói sociedades que não se sentem merecedoras porque

não possuem determinados hábitos e produtos. A reprodução desse modo de vida é resumida em

uma citação de Freire (1981, p. 24): “Opressores geram opressores, e muitos que são oprimidos

almejam ser opressores por causa do ‘poder’ de opressão, que por muitos oprimidos é tido como

objetivo”. Isso ajuda a entender porque os estudantes não se identificam com a cultura latino-

americana, tida como menor, visto que o modo de vida ocidental europeu e norte-americano é o

objetivo, é o melhor, e a cultura latina representa os que perderam.

Nessa perspectiva, o conceito de invasão cultural apresentado por Freire como uma

instância do processo de dominação das massas pode ser pertinente para o entendimento da

importância da questão e para constatar sua aplicabilidade, pois:

Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão (FREIRE, 1981, p. 86).

Além disso, percebemos que os dispositivos institucionais abordados nas pesquisas aqui

trazidas, mantêm, de uma forma ou outra, o sentido de sectarização (FREIRE, 1981, p. 20). A

sectarização do mundo, em países pobres e ricos economicamente, produz uma generalização em

que os próprios oprimidos, pertencentes aos países suprimidos pela economia hegemônica e

opressora, idealizam a realidade opressora como objetivo, e se distanciam da própria história e

cultura em prol de uma “homogeneização” que é idealizada, mas não realizada. A condição

ambígua dos oprimidos como “hospedeiros” do ideal opressor, já divide na essência a massa

oprimida.

A partir desses conceitos reconhecidos em Freire, as leituras sobre o tema ensino de

América Latina parecem permeadas pela relação oprimido e opressor e reflexo do processo de

sectarização, que serão entrecruzados na pesquisa. Para analisar como o tema de América Latina é

apresentado aos estudantes brasileiros, analiso os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) da

disciplina de História, na busca por menções à temática e à relação estabelecida ou não dela com o

Page 42: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

39

desenvolvimento dos conceitos de identidade e cidadania.

Page 43: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

3 UMA ANÁLISE DA AMÉRICA LATINA NOS PCNs DE HISTÓRIA

Tendo em vista a realização de uma breve revisão bibliográfica sobre o ensino escolar de

História no Brasil e as constatações acerca da intencionalidade de uso institucional da disciplina

estar direcionado à formação de identidade nacional – especialmente para reforçar a distinção e

sustentar modelos econômicos e políticos de interesse governamental – busquei, na análise dos

documentos reguladores do currículo escolar da Educação Básica, reconhecer termos e expressões

que apontam as intencionalidades e as respectivas abordagens sugeridas em relação ao conteúdo

América Latina. Acredito que tal temática contribui, de maneira contundente, para o

desenvolvimento do conceito de identidade e o aumento da relevância dada ao subcontinente na sua

construção.

Considerando que as principais fontes de pesquisa constituem-se em documentos oficiais

legislativos, é relevante diferenciar e justificar a escolha pelo uso da análise de conteúdo ao invés da

análise documental. Nesse sentido, segundo Bardin (2011, p. 44), uma das principais características

da análise de conteúdo é a inferência sobre as condições de produção e as consequências

interpretativas do documento (ou outra expressão linguística), ou seja, o objetivo da análise

determina ser sobre o conteúdo da mensagem e não de categorização e representação documental.

Moraes (1999) direciona a utilização da análise de conteúdo em pesquisas qualitativas e

atenta para a importância fundamental de objetivos claros para delimitar os dados relevantes a

serem observados no uso da metodologia. Para facilitar a sua construção e interpretação, o autor

apresenta uma classificação a partir do ponto de análise:

Esta classificação se baseia numa definição original de Laswell, em que este caracteriza a comunicação a partir de seis questões: 1) Quem fala? 2) Para dizer o que? 3) A quem? 4) De que modo? 5) Com que finalidade? 6) Com que resultados? Utilizando esta definição podemos categorizar os objetivos da análise de conteúdo de acordo com a orientação que toma em relação a estas seis questões (1999, p. 3).

Como a intenção, nesta etapa da pesquisa, é analisar o discurso institucional sobre o tema

América Latina no conteúdo de História, os objetivos da análise são balizados a partir dos seguintes

questionamentos: “para dizer o que?”, isto é, na legislação orientadora da Educação Básica no

Brasil, qual a intencionalidade do ensino de História? Quais os princípios/objetivos estabelecidos

para a disciplina? Eles agregam importância ao conteúdo de América Latina? A partir de que

perspectiva?

Esses questionamentos auxiliam na emergência de categorias de análise, pois as unidades

de registro, identificadas na leitura dos documentos, visam identificar e discutir o conteúdo

ideológico que responde a tais perguntas. Ademais, considerar o “com que finalidade?”, colabora

Page 44: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

41

para que a análise se direcione também para os discursos teóricos que se pretendem confirmar a

partir da hipótese de pesquisa. Depois de posicionar a relevância da América Latina no currículo de

História, quais aspectos a concepção dada reforça? Ela favorece a ampliação ou redução da

importância da história latino-americana na construção cidadã e de identidade? Enfatiza ou

distancia a relação sócio-histórica entre os países do subcontinente?

Partindo da pré-análise descrita por Bardin (2011, p. 125), a partir da premissa da hipótese

já apresentada sobre o enfoque e a dimensão sobre a América Latina no Ensino de História, foram

selecionados os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, do componente História, dos ciclos do

Ensino Fundamental e Ensino Médio, uma vez que o embasamento que os estudantes apresentam

no Ensino Médio é reflexo do direcionamento do aprendizado no Ensino Fundamental. Tendo em

vista a efemeridade das reformas propostas a partir de 2017 em esfera federal, como a discussão da

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) corrente, optou-se por discutir tais modificações em

outro momento.

3.1 Aspectos introdutórios dos PCNs de História e os Primeiro e Segundo Ciclos do

Ensino Fundamental

Na seção “Apresentação Geral do PCN de História” referente ao primeiro e segundo ciclos

do Ensino Fundamental, o documento apresenta uma contextualização do histórico da construção

das disciplinas escolares, relatando os objetivos das legislações desde o “Decreto das Escolas de

Primeiras Letras”, em 1827. Enfatizando, no que concerne à História aos marcos civis e à história

sagrada, a inauguração do Colégio Dom Pedro II, em 1837, e apontando que até o final do século

XIX, mesmo com o crescimento do espectro de abrangência da história escolar, o civismo ainda era

tido como objetivo principal da disciplina, estendido ao patriotismo a partir da Proclamação da

República em 1889, e o distanciamento da história sagrada, considerando a civilização – a ação

humana – como principal agente histórico.

As reformas no século XX, de acordo com o documento, foram direcionadas ao controle

centralizado da Educação. Nesse momento, surge a única menção ao continente americano, e se

percebe de pronto a posição da História Americana nos currículos institucionalizados nesse período:

A partir de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a Reforma Francisco Campos, acentuou-se o fortalecimento do poder central do Estado e do controle sobre o ensino. O ensino de História era idêntico em todo o País, dando ênfase ao estudo de História Geral, sendo o Brasil e a América apêndices da civilização ocidental. Ao mesmo tempo refletia-se na educação a influência das propostas do movimento escolanovista, inspirado na pedagogia norte-americana, que propunha a introdução dos chamados Estudos Sociais, no

Page 45: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

42

currículo escolar, em substituição a História e Geografia, especialmente para o ensino elementar (BRASIL, 1997, p. 21).

A abordagem dada à América, a partir da sua ocidentalização, omite a construção histórica

autóctone, e os conflitos gerados pelo encontro de dois entendimentos de mundo e sociedade que se

reconhecem no continente a partir da colonização europeia. Além disso, nesse momento da

historiografia do ensino escolar, principalmente de História, se identifica também a aproximação

com as concepções teóricas e metodológicas dos Estados Unidos, concomitante com a inserção do

poder econômico desse país de forma incisiva na industrialização brasileira (GALEANO, 2010, p.

294-295). Assim, o entendimento de civilização e modernidade passa lentamente a ser transferido

do europeu colonizador para o norte-americano (estadunidense) economicamente bem sucedido.

Seguindo a historiografia apresentada pelo documento, a fim de destacar passagens que

indiquem caráter ideológico da construção da disciplina escolar de História, a partir da metade do

século XX, o seu currículo passa a se concentrar ainda mais nos aspectos econômicos, tecnológicos

e científicos do desenvolvimento das civilizações com o intuito de reduzir diferenças sociais e

raciais provenientes da ênfase da história escolar nas guerras. De fato, Bittencourt (2010, p. 14)

sinaliza que até a década de 1990 ainda se percebe nos currículos uma periodização voltada aos

ciclos econômicos do Brasil.

A substituição gradual das disciplinas de História e Geografia pelos Estudos Sociais, na

segunda metade do século XX, reforça o que já foi apresentado anteriormente nesta pesquisa em

relação à busca por identidade nacional, uma vez que condensa as duas disciplinas escolares com o

enfoque nos marcos históricos que evocam o sentimento de orgulho nacional, muitas vezes

distanciando a história do Brasil da história latino-americana, com a justificativa da soberania

nacional.

Ademais, destaca-se a inserção da concepção de pré-requisitos, que passam a organizar o

currículo da Educação Básica a partir de então. O documento afirma que essa mudança na estrutura

curricular da Educação contribuiu para a desqualificação docente e afastamento entre a pesquisa e o

ensino, pois o aperfeiçoamento para a disciplina de Estudos Sociais não aprofundava as discussões

no âmbito da produção do conhecimento científico.

A partir do período de redemocratização na década de 1980, as disciplinas de História e

Geografia são retomadas em meio à demanda diversificada de estudantes de diversas classes

sociais, que passaram a acessar a escola. A realidade escolar vivida começa a pautar as mudanças

curriculares e metodológicas para compreender e ajustar as necessidades da sociedade que se

reconstituía. Nesse momento histórico, a análise apresentada no documento cita a crítica ao

“eurocentrismo”, na qual os historiadores e os professores reivindicaram que essa posição histórica

restringia a capacidade interpretativa e crítica dos estudantes:

Page 46: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

43

Reafirmar sua importância no currículo não se prende somente a uma preocupação com a identidade nacional, mas sobretudo no que a disciplina pode dar como contribuição específica ao desenvolvimento dos alunos como sujeitos conscientes, capazes de entender a História como conhecimento, como experiência e prática de cidadania. (BRASIL, 1997, p. 25).

O que se constata nesta análise historiográfica do ensino escolar de História é que o

enfoque no reconhecimento dos processos históricos como constituintes da sociedade é muito

recente na Educação brasileira. Desde o início da organização da mesma, o ensino de uma forma

geral, e especialmente o ensino da disciplina em questão, vem construindo uma cultura de

afastamento dos eventos estudados e do contexto social no qual os estudantes e professores estão

imersos.

Do reforço ao civismo e ao nacionalismo, do “eurocentrismo” até o Ensino de História ser

visto como importante na construção da consciência histórica e social e como meio de proporcionar

ferramentas para a análise crítica da sociedade, se passa mais de um século pavimentando as bases

de uma História escolar excludente.

Após a seção Apresentação, o documento apresenta uma síntese da relação entre o

conhecimento histórico científico e o conhecimento histórico escolar, em que se afirmam as

transformações no entendimento histórico de tempo, das civilizações e do progresso, admitindo uma

compreensão da ciência histórica a partir das rupturas e descontinuidades. Entretanto, permanece

como objetivo específico da História escolar a construção da identidade.

A definição teórica da apreensão desse conceito não é explicitada no documento, mas a

origem da preocupação com a identidade pode fornecer pistas sobre a orientação do preceito

utilizado:

Para a sociedade brasileira atual, a questão da identidade tem se tornado um tema de dimensões abrangentes, uma vez que se vive um extenso processo migratório que tem desarticulado formas tradicionais de relações sociais e culturais. Nesse processo migratório, a perda da identidade tem apresentado situações alarmantes, desestruturando relações historicamente estabelecidas, desagregando valores cujo alcance ainda não se pode avaliar. Dentro dessa perspectiva, o ensino de História tende a desempenhar um papel mais relevante na formação da cidadania, envolvendo a reflexão sobre a atuação do indivíduo em suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades e sua participação no coletivo (BRASIL, 1997, p. 26).

Carreter desenvolve uma discussão sobre identidade e consciência histórica a partir de

experiências de países diversos sobre a História na perspectiva dos marcos históricos, o que Novais

(2011, p. 31) caracteriza como historiografia tradicional, que prioriza os fatos históricos como

narrativas em si mesmas, de forma distinta da historiografia moderna, que vai analisar as narrativas

Page 47: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

44

históricas em uma aproximação maior com as Ciências Sociais, dando maior contextualização aos

processos históricos.

Dentre as problemáticas identificadas, Carretero aponta a globalização como basilar na

inserção de um novo paradigma no entendimento dessas questões, pois o intercâmbio econômico,

cultural e de pessoas, intensificado por esse processo, torna evidente a importância do “outro” na

construção de consciência histórica, posto que:

As situações analisadas têm em comum o fato de que expõem mais uma vez como deveria ser reescrita e ensinada a história na atualidade diante da presença constitutiva e também dissolvente de “outros” fora e dentro do espaço nacional territorial. “Fora desse espaço” quer dizer além, mas também “no interior do outro”, que pode ser o de novas identidades supranacionais, como Europa, e de modo mais geral remete ao enfoque comparativo intercultural, o qual define um campo comum de competência (CARRETERO, 2010, p. 141).

Os PCNs acompanham a proposição de um movimento de revisão da História escolar em

consonância com as mudanças sociais. No caso do Brasil, a concomitância de diversas vertentes

culturais existe desde as comunidades indígenas, ao europeu colonizador e aos africanos

escravizados. Essa tríade, por muito tempo, foi ensinada como exótica e pacífica.

Situação evidenciada pelo fato de darmos atenção às demandas indígenas e

afrodescendentes no currículo escolar apenas no século XXI, indicando que essa diversidade era

excluída da discussão histórica escolar. Os “outros” sempre estiveram no Brasil, a globalização

econômica e o intercâmbio cultural facilitado escancaram essas diferenças e a legislação

educacional brasileira tem assumido lentamente tais demandas.

Na seção seguinte, o documento enfoca as especificidades do saber histórico escolar e

elenca os conceitos de fato histórico, sujeito histórico e tempo histórico como fundamentais na

consideração da transposição do saber científico ao escolar, a partir dos “conjuntos de

representações sociais do mundo” (BRASIL, 1997, p. 29) do grupo escolar. Essa parte do texto

busca elucidar, didaticamente, as diferentes concepções que podem ser adotadas dos conceitos

citados, que levam a construções metodológicas diversas.

Por meio das seções que abordam os objetivos gerais e a seleção de conteúdos da História

para o Ensino Fundamental, ainda não é possível mensurar a relevância dada aos temas referentes à

América Latina especificamente. Entretanto, através de algumas expressões utilizadas no texto, é

possível reconhecer alguma significância relativa à questão do outro na construção da identidade,

como é demonstrado em tópicos relativos aos objetivos do ensino de História: “reconhecer

semelhanças e diferenças” e “respeito à diversidade de povos e indivíduos” (BRASIL, 1997, p. 33).

Por se tratar ainda do PCN referente ao primeiro e ao segundo ciclos do Ensino

Fundamental (do 1º ao 5º ano), percebe-se um direcionamento maior às discussões locais

Page 48: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

45

perceptíveis no dia a dia dos estudantes da faixa etária, como a questão entre o rural e urbano, uma

vez que:

A proposta privilegia, assim, no primeiro ciclo, a leitura de tempos diferentes no tempo presente, em um determinado espaço, e a leitura desse mesmo espaço em tempos passados. No segundo ciclo, sugere estudos sobre histórias de outros espaços em tempos diferentes. A predominância está voltada para as histórias sociais e culturais, sem excluir as questões políticas e econômicas (BRASIL, 1997, p. 35).

Assim, a segunda parte do documento sobre o Ensino de História reforça a importância da

percepção e análise dos contextos locais para a construção dos conceitos históricos relevantes à

História escolar. Desta forma, encontram-se no texto trechos que se utilizam das dicotomias entre

“semelhanças e diferenças” e “permanências e transformações”. O contexto local é o ponto de

partida, o pré-requisito para construções mais amplas nas demais etapas da educação, e, para isso,

são usadas fontes orais e iconográficas próprias à faixa etária dos estudantes do primeiro ciclo.

Isto posto, é possível reconhecer um entendimento piagetiano sobre o desenvolvimento

social e cognitivo do ser humano (1975), considerando que no primeiro ciclo (dos 6º aos 8º anos) as

crianças entram na fase das operações concretas e já conseguem buscar interlocuções a partir do

contexto vivido que, na teoria de Piaget, é considerado como o "pensamento lógico", o

entendimento das relações pessoais e diretas, com contextos mais amplos, aplicado a problemas

reais, apresentados de modo concreto. Entre os objetivos do primeiro ciclo, que podem valorizar a

construção de um entendimento coletivo de identidade, retoma-se a relação comparativa: identificar

diferenças culturais, permanências e transformações no contexto local.

Entre as páginas 40 e 43 do PCN, que apresentam a proposta de eixo temático da História

local e cotidiano, algumas expressões aparecem com uma frequência significativa na narrativa do

documento, como codificado a seguir:

o “diversidade” – 2 (dois) referências;

o “diferenças” / “diferentes histórias” / “diferentes modos de viver” – 7 (sete)

referências;

o “semelhanças e diferenças” – 6 (seis) referências;

o “permanências e transformações” (ou “mudanças”) – 6 (seis) referências.

Ademais, é importante destacar que nessa proposta se discute amplamente a questão

indígena e é proposta a discussão da temática sem homogeneização de hábitos e culturas dos povos,

Page 49: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

46

enfatizando a diversidade cultural. O reconhecimento de semelhanças e diferenças visa, até então,

destacar a diversidade sem incentivar a exclusão social e cultural, visto que o documento destaca:

Nesse sentido, a proposta para os estudos históricos é de favorecer o desenvolvimento das capacidades de diferenciação e identificação, com a intenção de expor as permanências de costumes e relações sociais, as mudanças, as diferenças e as semelhanças das vivências coletivas, sem julgar grupos sociais, classificando-os como mais “evoluídos” ou “atrasados (BRASIL, 1997, p. 40).

Percebem-se, até esta etapa do documento, perspectivas mais modernas da concepção

histórica e social por meio da valorização da história multifacetada. Novais (2011) descreve como

uma Nova História influenciada pela emergência das Ciências Sociais no século XIX e marcada

sócio-historicamente pela nova fase da Escola dos Analles, a partir da segunda metade do século

XX, tendo como nomes centrais teóricos como Le Goff e Nora:

Não se trata das grandes visões de conjunto, de uma abordagem que procura a inteligibilidade do singular dentro de um contexto que articule as esferas de existência. Trata-se agora de, uma vez eleito o objeto de investigação, recortado de um real multifacetado, considerá-lo em si como uma totalidade (NOVAIS, 2011, p. 64).

Essa perspectiva delimita o foco da História na narrativa do conhecimento, enfatizando a

construção da memória social, de identidades capazes de reconhecer a diversidade como natural e

como parte integrante da vida social e da construção da História, assim como abandona a concepção

diacrônica em prol de um reforço à sincronia, comparando as temporalidades de um objeto. Esse

prisma fica claro no documento analisado, pois na descrição de seus objetivos, tanto nos gerais para

o Ensino Fundamental (p. 32), quanto nos específicos para o primeiro ciclo dos anos iniciais (p. 39

e 40), vejo, além dos critérios de avaliação (p. 44), o uso expressões que consideram a valorização

de “outros tempos e espaços” e “multiplicidade de tempos” (onze referências).

Em relação ao segundo ciclo dos anos iniciais (4º e 5º anos), o enfoque ainda se mantém no

reconhecimento da história local, mas buscando aperfeiçoar a apropriação de novas fontes e

desenvolvimento de competências. Nos objetivos específicos, já se observa o estímulo à relação do

local com espaços com contextos sociais e históricos diferentes, e a vinculação dessas realidades

aos conteúdos históricos e às relações de poder.

Prevalecem, como no primeiro ciclo, os estudos comparativos para a percepção das semelhanças e das diferenças, das permanências e das transformações das vivências humanas no tempo, em um mesmo espaço, acrescentando as caracterizações e distinções entre coletividades diferentes, pertencentes a outros espaços (BRASIL, 1997, p. 46).

Page 50: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

47

Assim, o eixo temático de trabalho proposto se concentra na História das organizações

populacionais. Percebe-se, nessa proposição, uma preocupação contemporânea em relação à

diversidade cultural proveniente das migrações mais frequentes nas últimas décadas, e uma atenção

em relacionar a preservação da memória social, sem segregar ou desprestigiar demais hábitos e

culturas, evidenciando a própria origem diversa da história dos próprios estudantes e valorizar as

semelhanças em busca de uma identidade social e cultural mais ampla, condizente com o processo

de globalização iminente (BRASIL, 1997, p. 47).

Nos critérios de avaliação delimitados para o segundo ciclo, novamente a expressão

“semelhanças e diferenças” está presente nos três critérios elencados, acrescentando a essa análise a

identificação da história local com a de outras coletividades, classes, indivíduos e populações em

espaços sociais distintos. O documento segue com algumas orientações de objetivos didáticos ao

professor que reforçam a importância de trabalhar com os estudantes a capacidade interpretativa e

crítica da sua condição sócio-histórica e a dos demais grupos sociais, enfatizando a história como

multifacetada, e não fragmentada, além de propostas de usos de fontes e possíveis problematizações

cultivadas pelo professor constantemente em sala de aula.

A partir da intenção inicial de se realizar breve análise de conteúdo dos Parâmetros

Curriculares Nacionais de História para os anos iniciais da Educação Básica (1º ao 5º ano), que

consiste em verificar a presença ou ausência da temática da América Latina e das questões de

identidade nas orientações escolares institucionalizadas, é possível perceber que o subcontinente

não é diretamente citado em nenhuma passagem do documento, tendo apenas uma referência ao

continente americano na análise historiográfica sobre o ensino escolar de História no início do

século XX.

Todavia, é possível reconhecer que o documento dá significativa importância à construção

de identidade a partir do Ensino de História, a fim de que não se exclua a compreensão da

diversidade social e cultural que os estudantes pouco a pouco vão encontrando no seu processo de

formação e inserção social. Esse direcionamento demonstra um esforço em romper com o histórico

da educação de História escolar no Brasil que pode ser referenciado a partir dos trabalhos de Dias

(1997), Conceição e Zamboni (2013) e Couto (2012), que identificam, em suas análises

comparativas dos currículos escolares e manuais de História, um viés de distinção/diferenciação na

construção da identidade em detrimento da que reforçava as rivalidades e que era voltada para o

nacionalismo isolacionista do contexto latino-americano.

Fica a cargo do professor ou professora estabelecer relações no seu cotidiano escolar que

contemplem as discussões propostas nos PCNs acerca das “diferenças e semelhanças”,

“permanências e mudanças”, a partir de uma análise voltada para os países da América Latina,

Page 51: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

48

especialmente no segundo ciclo dos anos iniciais, em que o documento dá ênfase à comparação e

reconhecimento da realidade sócio-histórica local com as de outras populações.

3.2 Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental

O documento seguinte, que se refere aos Parâmetros Curriculares Nacionais de História

referentes aos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, publicado em 1998 (quando a

estrutura dessa etapa de ensino ainda era de quinta a oitava série), mantém a mesma estrutura,

apresentando os objetivos gerais do Ensino Fundamental, já mencionados anteriormente, a partir do

documento sobre os primeiro e segundo ciclos e contextualização histórica do ensino de História no

Brasil.

Sobre a posição sociocultural do Brasil na História, o documento reconhece-a como:

[...] unicamente uma continuidade da História da Europa ocidental. Permanece a identidade do Brasil com a civilização europeia e enfatiza-se, contraditoriamente, a população brasileira como mestiça (BRASIL, 1998, p. 22).

Alguns apontamentos podem ser destacados do texto pela relação que estabelece com a

construção da identidade e da posição sócio, histórica e cultural do Brasil no mundo. A partir da

década de 30, do século passado, observa-se, nas pesquisas históricas, uma divisão de perspectivas

que abordavam ou o atraso econômico como consequência da mestiçagem do povo brasileiro, ou a

busca de identidade e igualdade através da valorização dos aspectos culturais diversos. De qualquer

forma, constata-se, na escrita do documento, que a tese da “democracia racial” (FREYRE, 1958)

prevalece nos estudos históricos escolares, mantendo o Estado como agente de mudanças, e a

diversidade do povo como aspecto de união em uma tríade (negros, índios e brancos) pacífica e sem

conflitos.

Destaca-se também que, a partir da década de 50, a História escolar baseia-se nas temáticas

econômicas, e a História da América recebe ênfase justamente no momento em que os Estados

Unidos da América (EUA) entram definitivamente no contexto global de hegemonia econômica

capitalista, no qual o Brasil se alinha.

Nessa tendência, apesar da ênfase atribuída às classes sociais como agentes de transformação histórica, predominou no ensino uma abordagem estruturalista na qual a História era estudada como conseqüência de estágios sucessivos e evolutivos (BRASIL, 1998, p. 24).

Aliada a essa perspectiva econômica do desenvolvimento histórico, a educação brasileira

ainda absorve o tecnicismo norte-americano na busca de progredir historicamente à industrialização

Page 52: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

49

e à modernização. A substituição das disciplinas das Ciências Humanas por uma unidade nos

“Estudos Sociais” provoca o esvaziamento da dimensão histórica dos acontecimentos, como já

mencionado anteriormente nesta dissertação.

Em decorrência do processo de democratização dos anos 80 e da mudança no quadro social

brasileiro, o documento afirma que várias perspectivas históricas foram adotadas pelos professores

da disciplina, tomando como referência a evidência de que:

A apresentação do processo histórico num eixo espaço-temporal eurocêntrico, seguindo um processo evolutivo, sequencial e homogêneo, foi denunciada como produto pronto e acabado, redutor da capacidade de o aluno se sentir na condição de sujeito comum, parte integrante e agente da História, e restritivo ao discernimento da diferença entre o conhecimento histórico produzido por estudiosos e as ações dos homens realizadas no passado (BRASIL, 1998, p. 27).

Desse modo, o que se percebe é que mesmo com as orientações institucionais vindas da

“Lei de Diretrizes e Bases da Educação”, implantada desde 1961, o ensino da disciplina ainda

transcorre de acordo com a perspectiva do professor, o que refletia numa História escolar

heterogênea a partir da formação do professor, ou seja, referente à sua posição social e do currículo

dos cursos de graduação.

Especialmente a partir da década de 90, o discurso e a prática mudam com a ampliação do

debate pedagógico, da percepção do processo de formação na educação escolar, com uma

preocupação em aproximar o saber escolar ao saber acadêmico e, em decorrência disso, a

apropriação do processo histórico pelos estudantes. De fato, as discussões sobre os processos

pedagógicos influenciaram a mudança mais significativa no ensino escolar e no ensino de História

nas escolas, mais do que os debates da ciência histórica em si. Justamente, nesse contexto que o

Governo Federal lança a discussão e a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais em

questão.

A organização do documento, tal como o anteriormente analisado, avança na discussão do

conhecimento histórico no contexto social escolar e na relação entre o saber histórico escolar e o

saber histórico científico. Contudo, a seção realiza uma avaliação muito mais sobre a pesquisa

histórica nas últimas décadas do que apresenta horizontes ou análises sobre a prática didático-

pedagógica no ensino de História. A dimensão abordada é a questão da construção da identidade e

suas variações ao longo dos contextos históricos.

Igualmente, a nova concepção da construção de identidade baseia-se na relação entre

“diferenças e semelhanças” e “transformações e permanências” (BRASIL, 1998, p. 34) e várias

relações de dualidade (consenso/conflito, continuidades/descontinuidades de tempos históricos,

Page 53: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

50

diversidade/aproximação, outro/eu) que devem ser utilizadas como ferramenta para a formação de

identidade e cidadania.

Na página 35, na qual se desenrola o entendimento da importância desse reconhecimento

do outro como forma de desenvolver a alteridade, destaco algumas frases como unidades de análise,

que dão pistas sobre o direcionamento do ensino de História:

o “ela demanda que o reconhecimento das diferenças não fundamente relações de

dominação, submissão, preconceito ou desigualdade” – neste registro, a ênfase é dada ao fato de

que as diferenças não devem segregar, mas sim reconhecer os diferentes processos históricos

vividos.

o “mediações construídas por experiências sociais e culturais na organização de

valores, que sugerem, mas não impõem... que orientam, mas não restringem... que possibilitam o

conhecimento ou o desconhecimento” – neste caso, o relativismo dos verbos que admitem a

importância do espaço social evidenciando as possibilidades de generalizações do contexto social

sobre o individual.

o “A percepção de alteridade [...] está relacionada à construção de uma sensibilidade

ou à consolidação de uma vontade de acolher a produção interna das diferenças e de moldar valores

de respeito por elas” – nesta sentença, a alteridade é valorizada, o que percebo pelo enfoque dado à

“diferença”. Além disso, percebe-se que o texto admite que exista uma cultura social e hegemônica

que deve aprender a conviver com as demais, diferentes.

Esse discurso relacional vai ao encontro de uma tendência curricular multiculturalista, que

surge num período pós-crítico às teorias curriculares tradicionais que concebiam a escola e o

currículo como um processo tecnicista de resultados. Segundo Silva, para Bobbitt seus objetivos

“[...] deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência

as ocupações profissionais da vida adulta” (2016, p. 23), ou seja, com um currículo que prepare o

indivíduo para o mundo do trabalho.

O rompimento com esse paradigma acontece de forma progressiva nas discussões teóricas

e acadêmicas a partir da segunda metade do século XX, advindas dos novos contextos sociais e

culturais que vão se desenhando na realidade histórica. É, especialmente, com o processo de

globalização presenciado mais horizontalmente a partir do final do século, que as questões sobre

diversidade (social, cultural, étnica) se tornam latentes na Educação Básica. Em passagens dos

próprios PCNs destacam-se o impacto do processo migratório na constituição desses novos

parâmetros a serem adotados na educação brasileira.

Sobre essa perspectiva de currículo identificada nos documentos analisados, Silva

apresenta algumas críticas em relação à forma como o multiculturalismo é tratado nas correntes

teóricas sobre currículo, pois:

Page 54: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

51

De uma forma ou de outra, o multiculturalismo não pode ser separado das relações de poder que, antes de tudo, obrigaram essas diferentes culturas raciais, étnicas e nacionais a viverem no mesmo espaço. Afinal, a atração que movimenta os enormes fluxos migratórios em direção aos países ricos não pode ser separada das relações de exploração que são responsáveis pelos profundos desníveis entre as nações do mundo (2016, p. 85-86).

O documento dá destaque às questões de alteridade e cidadania, colocando que a História

pode proporcionar o desenvolvimento de sujeitos conscientes das dimensões da vida social e

cultural, assim como a disciplina é capaz de “favorecer a formação do estudante como cidadão, para

que assuma formas de participação social, política e atitudes críticas diante da realidade atual,

aprendendo a discernir os limites e as possibilidades de sua atuação, na permanência ou na

transformação da realidade histórica na qual se insere” (BRASIL, 1998, p. 36), além de enfatizar a

importância da contextualização histórica no entendimento de temas promotores da cidadania.

Os objetivos definidos para o terceiro e quarto ciclos desta etapa da Educação Básica dão

ênfase à questão da alteridade e à preocupação com a perspectiva do outro, sendo utilizados termos

como diversidade, cidadania, multiplicidade de tempos, respeito e luta contra as desigualdades

(BRASIL, 1998, p. 43). Em relação ao terceiro ciclo, o documento destaca um eixo temático a ser

considerado, intitulado de “História das relações sociais, da cultura e do trabalho” e sugere

conteúdos a serem trabalhados a partir dessa discussão.

Nessa parte, podemos realizar algumas análises sobre a posição da América Latina na

proposta de construção de alteridade e cidadania. No que diz respeito ao subtema “As relações

sociais, a natureza e a terra”, no que concerne à história brasileira, o documento dá ênfase à

perspectiva do colonizador europeu e, dos sete tópicos de conteúdos sugeridos, apenas o primeiro

remete à cultura autóctone, colocando os indígenas brasileiros apenas como “caçadores e coletores”,

esvaziando a sua diversidade sociocultural. Além disso, utiliza-se de termos como “conquista” e

“ocupação” quando se refere à experiência europeia no Brasil.

Em relação aos povos americanos, os tópicos já dão um destaque maior aos aspectos

sociais e estruturais encontrados e consolidados na América antes da colonização europeia, como a

organização do tempo em calendários, os métodos de irrigação e organização das cidades. No que

diz respeito ao subtema “As relações de trabalho”, tanto no que se refere ao Brasil, quanto no que se

refere à América, os conteúdos destacados contemplam as relações produtivas no período pré-

colombiano e a implantação dos sistemas econômicos, desde o escravagista até o industrial pelos

colonizadores europeus. Os critérios de avaliação apresentados dão conta de analisar a compreensão

dos estudantes quanto à variação temporal das relações entre natureza e sociedade.

Page 55: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

52

No quarto ciclo, a prioridade está na compreensão de conceitos capazes de favorecer a

compreensão de processos sociais e históricos e as relações de poder estabelecidas ao longo da

história. O principal eixo temático é “História das representações e das relações de poder”. No

subtema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”, são destacados alguns conflitos que

influenciaram na atual configuração do território brasileiro, e aqui são citados vários episódios

relacionados à América Latina, como a Guerra Cisplatina, a Guerra do Paraguai, e algumas revoltas

que indicam que o processo de colonização não foi pacífico e nem passivo. Propõe, ainda, a

desconstrução de mitos em relação à história, à cultura e à população brasileira, o que denota uma

intencionalidade positiva em romper com a visão eurocêntrica do Brasil.

Sobre a América, os conteúdos sugeridos estão de acordo com a proposta teórica

apresentada pelo documento de abordar a perspectiva do outro na análise dos processos históricos.

Destaco que em um dos tópicos recomenda a discussão da Guerra do Paraguai sob a perspectiva do

país em questão, buscando, assim, apresentar as variadas dimensões dos processos históricos

estudados. Dos seis tópicos, quatro apresentam expressões que evidenciam o papel dos povos

nativos na constituição do espaço e do território latino-americano, como a expansão dos impérios

Inca e Asteca, confrontos e escravização dos povos indígenas, os processos de independência, e a

intervenção norte-americana nos países da região.

Porém, no subtema referente à “Cidadania e cultura no mundo contemporâneo” nenhuma

menção é feita à América ou à América Latina nos sete tópicos de conteúdo sugeridos, como se o

subcontinente ficasse à margem dos processos e discussões contemporâneas de mundo do trabalho,

globalização e lutas sociais. Por fim, o documento apresenta “Orientações e métodos didáticos”

indicando algumas ações pedagógicas que devem ser estimuladas na disciplina de História no

terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental.

Em síntese, o que é possível apreender em relação à posição da América Latina no

currículo de História no Ensino Fundamental é contraditório em alguns aspectos. Ao mesmo tempo

em que as diretrizes sugerem frequentemente a importância da análise da diversidade, da

perspectiva espaço-temporal variável, e a construção de uma cidadania que leva em conta a

compreensão das questões do tempo presente, em relação aos processos históricos do passado,

justamente quando se aborda o contemporâneo, no quarto e último ciclo do Ensino Fundamental, a

proposta não considera os problemas socioculturais latentes hoje na América Latina para discutir a

questão da alteridade e da identidade.

Mesmo que promova esse exercício de alteridade e da perspectiva do outro quando sugere,

por exemplo, a análise da Guerra do Paraguai a partir de ambos os lados do conflito, no que

concerne aos temas contemporâneos há um distanciamento entre os processos sociais e históricos

brasileiros dos demais países latino-americanos. É evidente, no documento, que os conteúdos são

Page 56: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

53

apenas sugestões que não contemplam e não se esgotam em si mesmas. Entretanto, a ausência de

proposição de interlocução no mundo contemporâneo entre o Brasil e os demais países da América

Latina pode transparecer que o esforço de tratar do subcontinente desaparece quando se pode

desenvolver uma identidade social regional, no quarto ciclo do Ensino Fundamental.

Em relação ao afastamento brasileiro em relação à América Latina, também é possível

interpretar, tendo em vista a forma como a população indígena brasileira é abordada, que o ponto de

vista histórico preconizado institucionalmente é o da colonização portuguesa, com pouca ênfase no

passado das civilizações brasileiras nativas. O oposto acontece quando o documento se refere à

América Latina em geral, discutindo com mais detalhes as sociedades e culturas indígenas dos

demais territórios, e o esforço de independência dos futuros Estados-Nações em relação ao

colonizador europeu.

3.3 Ensino Médio e as Orientações Educacionais Complementares aos PCNs

No que se refere aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, existem dois

documentos, o PCN em si, e o PCN+, que se referem às “Orientações Educacionais

Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais”. Os textos estão divididos em áreas do

conhecimento, a saber: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática

e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias, subdividindo-se nas disciplinas (ou

“componentes curriculares”), e dão enfoque às competências que os estudantes devem desenvolver

ao longo da etapa do Ensino.

Busquei, na análise desses documentos, observar a relevância dada aos temas de

“identidade”, “cidadania”, “formação cultural” e expressões que remetam ao estudo de temas

referentes à América Latina (considerando-as como categorias de análise), utilizando como unidade

de registro frases ou parágrafos, examinando primeiramente a presença ou a ausência com que esses

conceitos aparecem e o sentido/significado atribuído a eles no desenvolvimento dos Parâmetros

Curriculares Nacionais em História.

Antes de objetivamente analisar o conteúdo da disciplina, na introdução do documento do

PCN de Ciências Humanas e suas Tecnologias, algumas considerações são feitas quanto aos

conhecimentos e competências que os conteúdos de História podem contribuir na Educação, das

quais se destacam: o potencial formativo de “identidade coletiva”, a “memória socialmente

construída”, o ato de “situar-se no coletivo”, dando ênfase à História do Brasil e à contextualização

entre “figura e fundo” (BRASIL, 1999, p. 12).

Em relação ao subtítulo do documento intitulado “O que e como ensinar História”, retiro

alguns trechos divididos de acordo com as categorias 1 identidade e 2 cidadania:

Page 57: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

54

1 Identidade:

O ensino de História pode desempenhar um papel importante na configuração da identidade, ao incorporar a reflexão sobre a atuação do indivíduo nas suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades, sua participação no coletivo e suas atitudes de compromisso com classes, grupos sociais, culturas, valores e com gerações do passado e do futuro (BRASIL, 1999, p 22).

Nessa unidade de registro, é possível inferir que a identidade concebida institucionalmente

se refere ao ato situar-se em um grupo social, destacando a importância da afetividade, que aparece

em outras partes do documento e nos PCNs do Ensino Fundamental.

Além de consubstanciar algumas das noções básicas introduzidas nas séries anteriores, que contribuem e fornecem os fundamentos para a construção da identidade, tais como a de diferença e a de semelhança, o ensino de História para as séries do nível médio amplia e consolida as noções de tempo histórico (BRASIL, 1999, p. 23).

Aqui se retoma um entendimento amplamente apresentado nos PCNs do Ensino

Fundamental, que dá ênfase à construção da identidade a partir da relação entre semelhanças e

diferenças. Esse entendimento é bastante delicado, pois, ao mesmo tempo em que é importante

valorizar a multiculturalidade e as diferentes relações com o tempo histórico, a noção da construção

de identidade a partir de semelhanças pode acabar distanciando o estudante da realidade social e

histórica dos demais países da América Latina.

Ao sintetizar as relações entre as durações e a constituição da memória e da identidade sociais, o ensino de História, desenvolvido por meio de atividades específicas com as diferentes temporalidades, especialmente da conjuntura e da longa duração, pode favorecer a reavaliação dos valores do mundo de hoje, a distinção de diferentes ritmos de transformações históricas, o redimensionamento do presente na continuidade com os processos que o formaram e a construção de identidades com as gerações passadas (BRASIL, 1999, p. 27).

Percebe-se, então, que o enfoque na identidade, que o documento indica, se refere à relação

entre o passado e o presente. Dependendo da dimensão dada ao tempo e espaço pelo professor, o

estudante pode condicionar-se a buscar a identidade em determinados elementos sociais, históricos

e culturais, e em outros não.

Page 58: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

55

2 Cidadania:

A apreensão das noções de tempo histórico em suas diversidades e complexidades pode favorecer a formação do estudante como cidadão, aprendendo a discernir os limites e possibilidades de sua atuação, na permanência ou na transformação da realidade histórica em que vive (BRASIL, 1999, p. 25).

Nessa unidade de registro, o documento aponta a relevância do conhecimento histórico na

potencialidade de transformação social dos indivíduos enquanto cidadãos. A cidadania aqui aparece

como a compreensão dos estudantes em inserir seu contexto social nos processos históricos que

condicionam os problemas a serem discutidos e superados na atualidade.

A formação de “cidadãos”, é importante ressaltar, não ocorre sem reflexões sobre seu significado. Do ponto de vista da formação histórica do estudante, a questão da cidadania envolve escolhas pedagógicas específicas para que ele possa conhecer e distinguir diferentes concepções históricas acerca dela, delineadas em diferentes épocas. O significado, por exemplo, que a sociedade brasileira atual tem de cidadania não é o mesmo que tinham os atenienses da época de Péricles, assim como não é o mesmo que possuíam os revolucionários franceses de 1789. O sentido que a palavra assume para os brasileiros atualmente, de certa maneira, inclui os demais sentidos historicamente localizados, mas ultrapassa os seus contornos, incorporando problemáticas e anseios individuais, de classes, de gêneros, de grupos sociais, locais, regionais, nacionais e mundiais, que projetam a cidadania enquanto prática e enquanto realidade histórica (BRASIL, 1999, p. 25).

Como abordado também nos PCNs referentes ao terceiro e quarto ciclos do Ensino

Fundamental, destaca-se a importância de se compreender a cidadania através de uma

contextualização histórica, que contribua para que o estudante perceba que os seus direitos e

deveres como cidadão são permeados pelos processos históricos que dão conta da constituição da

realidade social atual.

A partir de problemáticas contemporâneas, que envolvem a constituição da cidadania, pode-se selecionar conteúdos significativos para a atual geração. Identificar e selecionar conteúdos significativos são tarefas fundamentais dos professores, uma vez que se constata a evidência de que é impossível ensinar “toda a história da humanidade”, exigindo a escolha de temas que possam responder às problemáticas contundentes vividas pela nossa sociedade, tais como as discriminações étnicas e culturais, a pobreza e o analfabetismo (BRASIL, 1999, p. 26).

Nesse trecho, o documento cita alguns problemas contemporâneos importantes a serem

considerados na delimitação dos conteúdos de História a serem trabalhados no Ensino Médio. Tais

temas são potencialmente positivos para se trabalhar a partir da reflexão conjunta do subcontinente

América Latina, já que todos os países do subcontinente possuem semelhanças históricas que

contribuem para a realidade social da discriminação étnica e cultural, pobreza e analfabetismo.

Page 59: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

56

Das dez competências e habilidades a serem desenvolvidas em história, apenas uma

contempla as categorias de análises as quais esta pesquisa pretende compreender, que se referem à

identidade, à cidadania e à América Latina, e que consiste em “construir a identidade pessoal e

social na dimensão histórica, a partir do reconhecimento do papel do indivíduo nos processos

históricos simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos” (BRASIL, 1999, p, 28).

O documento PCN+ “Orientações educacionais complementares aos Parâmetros

Curriculares Nacionais” aponta como objetivo promover a articulação entre as competências e

habilidades apresentadas no primeiro documento, e apresenta sugestões de temas a serem

desenvolvidos no Ensino Médio. Em sua estrutura, ele realmente se coloca como um guia para as

escolas, gestões e professores adequarem-se aos Parâmetros Curriculares Nacionais, deixando mais

objetivos os propósitos do desenvolvimento do conhecimento no Ensino Médio e esclarecendo

conceitos. A presente análise de conteúdo atém-se ao capítulo do documento que trata da disciplina

de História (BRASIL, 2006, p. 69-86).

No subtítulo “Os conceitos estruturadores da História”, o texto traz um enfoque especial ao

conceito de cultura e como ele influencia nas maneiras de conceber o tempo e a História, além de

contribuir para a construção da identidade:

A ampliação do conceito de cultura abre novas perspectivas para o conceito de identidade, à medida que passamos a considerar que as representações culturais e os modos de comunicação, as formas de organização do cotidiano nas esferas privadas ou os hábitos, valores e ideias incorporados no contato entre gerações fundam a identidade pessoal e social do indivíduo (BRASIL, 2006, p. 71).

A visão de História apresentada indica a busca por um protagonismo dos sujeitos, dando

destaque, como nos demais documentos analisados, à importância do sentido de rupturas e

permanências, “mudança ou resistência” (BRASIL, 2006, p. 70), “continuidades e

descontinuidades” (op. cit. p. 73). Em “O significado das competências específicas da História”, o

documento divide as competências em grandes habilidades a serem desenvolvidas, são elas:

o Representação e comunicação: neste subitem, não há menções sobre a questão da

identidade, cidadania ou cultura;

o Investigação e compreensão: nesta parte, as competências analisadas citam a

construção da identidade, mantendo a perspectiva de todos os PCNs de História analisados até aqui,

que a concebe através de “diferenças e semelhanças, e mudanças e permanências” (BRASIL, 2006,

p. 75). Fala-se, ainda, sobre “continuidade/permanência e ruptura/transformação” (p. 75) como

elementos próprios dos processos históricos, e utilizam-se verbos como “comparar” e “hierarquizar”

valores, ideias e acontecimentos ao longo do tempo histórico.

Page 60: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

57

o Contextualização sociocultural: as competências dizem respeito a relacionar os temas

tratados aos contextos em que foram sendo produzidos e modificados. Utiliza-se, novamente, a

concepção de “mudanças e permanências”, “diferenças e semelhanças” para caracterizar as

competências que dizem respeito à compreensão dos processos históricos e culturais.

O documento destaca o objetivo do ensino de História, no subtítulo “A articulação dos

conceitos estruturadores com as competências específicas da História”, como favorecer o

entendimento e interpretação dos estudantes da sua realidade a partir da análise dos processos

históricos relevantes para a sua constituição social (BRASIL, 2006, p. 77). Também apresenta uma

crítica importante em relação ao currículo linear do ensino de História comumente empregado nas

escolas, quando destaca que:

Os conceitos, em geral, contêm um potencial explicativo e problematizador, funcionando também como balizadores na seleção de conteúdos significativos. Em outras palavras, não é preciso partir da diversidade fenomênica que configura o campo factual da História para constituir um currículo. Pode-se fazer o inverso, isto é, partir da problematização de aspectos da existência social contemporânea que envolvem vários conceitos e daí prosseguir para o campo factual, buscando temas que colaborem com a construção de uma compreensão mais abrangente e com a tomada de posição frente as problemáticas levantadas (BRASIL, 2006, p. 78).

E, como exemplo de problematização possível acerca dos conteúdos em História, o

documento trata do conceito de cidadania e de como essa contextualização histórica com os

processos sócio-históricos pode dar uma dimensão mais completa e significativa do conceito. Outro

exemplo parte da conceitualização de tempo e da importância da cultura na sua estruturação.

Por fim, no capítulo que orienta os parâmetros curriculares para a História, o subtítulo

“Sugestões de organização de eixos temáticos em História” apresenta quatro eixos: Cidadania:

diferenças e desigualdades; Cultura e trabalho; Transporte e comunicação no caminho da

globalização; Nações e nacionalismos. Primeiramente, vou apresentar os conteúdos (intitulados

como “subtemas”) que fazem parte dos temas que envolvam o conceito de cidadania (os conceitos

de identidade e cultura não aparecem como parte dos temas sugeridos) para que seja possível

verificar quais são considerados relevantes institucionalmente para o desenvolvimento.

No tema “O cidadão e o Estado” os conteúdos sugeridos focam na construção histórica do

termo “cidadania”, a partir da cidadania ateniense e da Revolução Francesa, e indica o Brasil

República para a discussão da participação política. No tema “Cidadania e liberdade”, o destaque é

dado às rebeliões escravas na Roma antiga, no Brasil, e o movimento negro nos Estados Unidos da

América. Em “Cidadania e etnia”, os conteúdos sugeridos dizem respeito aos movimentos bascos

(Espanha) e na Irlanda, além da Guerra da Iugoslávia e guerras étnicas no continente africano

(BRASIL, 2006, p. 83).

Page 61: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

58

Quadro 1 – Eixos Temáticos

Fonte: BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientações Educacionais Complementares aos

Parâmetros Curriculares Nacionais, 2006.

Page 62: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

59

Diante da observação do quadro de eixos temáticos e conteúdos sugeridos na disciplina de

História no Ensino Médio, é possível observar que, dos conteúdos globalizantes propostos, ou seja,

aqueles que tratam de processos gerais – como movimentos de resistência e libertários, eventos da

História Antiga (como as estruturas sociais dos povos primitivos), conceito de Estado, formação dos

Estados Nacionais, o nacionalismo da primeira metade do século XX –, de trinta e dois subtemas,

ainda divididos em tópicos, apenas um deles propõe o enfoque na América Latina no que tange às

relações de produção no Império Inca.

Sobre o Brasil, destacam-se subtemas específicos, que não evidenciam a correlação com os

processos históricos da América Latina. Porém, dos oito que tratam dele, em algum aspecto, apenas

um não possui vínculo direto com os processos civilizatórios europeus, que trata em tópico, da

“Vida e trabalho nas sociedades indígenas brasileiras”.

Destarte, apenas nesse quadro, retirado integralmente do PCN+ das Ciências Humanas no

componente curricular da História, fica clara a ausência dos processos históricos da e na América

Latina no currículo de Ensino Médio, o que corrobora com toda a análise deste capítulo e com a

hipótese desta pesquisa de que o subcontinente não é considerado nos Parâmetros Curriculares

Nacionais, e, consequentemente, em boa parte da Educação brasileira, como relevante na

construção do conhecimento histórico dos estudantes, e nem como potencial constituinte de

identidade e de formação cidadã crítica.

Quase a totalidade dos temas e subtemas apresentados no quadro podem trazer um enfoque

à América Latina com a função de situar o subcontinente nos processos históricos, narrados a partir

do desenvolvimento europeu e da repercussão tardia no Brasil (destacado em alguns subtemas),

para aproximar os estudantes do contexto sócio-histórico e cultural a que fazem parte.

Ademais, é possível citar alguns temas nos quais as experiências sócio-históricas pré-

colombianas ou de independência da região latino-americana podem ser o enfoque das análises

propostas, como em “Cidadania e liberdade” e “Cidadania e etnia”, em que os povos originários

podem ser destaque na luta por liberdade e distinções étnicas e culturais. Dessa forma, eles podem

fornecer maior conhecimento aos educandos sobre os conflitos locais na busca de emancipação e

aspectos culturais como a música e arte.

Nos temas “Conceito de Estado”, “A formação dos Estados Nacionais” e “Os discursos

nacionalistas”, também há exemplos possíveis, nos quais pode ser desenvolvida, através dos

processos latino-americanos de constituição dos Estados Nacionais, a estrutura social dos povos

originários antes ou durante a colonização europeia, entre outros temas.

É possível perceber, então, que mesmo que todos os PCNs de História apresentem a

importância dos conceitos de identidade e cidadania no desenvolvimento de seus postulados e

orientações curriculares, eles não dão ênfase aos processos latino-americanos de construção

Page 63: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

60

histórica. Dessa forma, a orientação institucional brasileira não coloca a América Latina como

essencial na construção da identidade e da consciência histórica dos estudantes. Certamente, é

possível que os currículos escolares e as decisões individuais dos professores podem ir de encontro

a essas orientações. Entretanto, é possível diagnosticar que tal direcionamento não é priorizado nas

definições nacionais sobre o currículo da disciplina de História no Ensino Básico.

Alguns dos efeitos desse silenciamento da América Latina nos documentos orientadores da

disciplina de História no Ensino Básico são analisados no capítulo a seguir, quando discutirei a

aplicação das aulas-oficinas em turmas do Ensino Médio de uma escola pública sobre a percepção

dos estudantes sobre o subcontinente.

Page 64: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

4 AMÉRICA LATINA PELOS ESTUDANTES: UMA ANÁLISE DOS

REFLEXOS DA INVASÃO CULTURAL

Neste capítulo, relato o desenvolvimento de uma atividade prática com os estudantes de

Ensino Médio para a análise do pensamento-linguagem dos mesmos acerca da América Latina,

realizando interlocuções, no segundo momento, com a perspectiva freireana sobre os conceitos de

invasão cultural e consciência hospedeira que podem explicar algumas evidências identificadas na

análise dos dados obtidos.

Seguindo os pressupostos que Barca (2004) considera relevantes para desenvolver uma

aula-oficina diretiva e significativa, elaborei duas inserções que pretendiam investigar, desenvolver

e avaliar as concepções sobre a América Latina de estudantes que estão iniciando e saindo do

Ensino Médio, a fim de reconhecer possíveis diferenças conceituais nas duas etapas.

É importante salientar que a análise detém-se, mais profundamente, neste capítulo, nas

informações da primeira inserção, que visa, especialmente, avaliar o conhecimento e a sua origem a

respeito da América Latina por parte dos estudantes, e quais processos contribuem para a

constituição do pensamento-linguagem identificado na investigação. A segunda inserção configura-

se como uma proposta de sequência didática detalhada no capítulo seguinte.

Barca (2012, p. 46) argumenta que o professor investigador deve se utilizar da informação

interiorizada nos estudantes como ferramenta de investigação e promoção do desenvolvimento

progressivo da construção conceitual, ou da consciência histórica. Nesse caminho, é crucial

conceber o educando como agente investigador de suas próprias percepções, tentando desvelar que

elementos sociais e históricos contribuem para o entendimento de mundo, ou do tema, que ele

apresenta.

De antemão, através da experiência docente, outro desafio se revela nesse processo de

autoconhecimento por parte dos discentes: é necessário, antes de tudo, um trabalho dialógico para

que eles admitam ser socialmente construídos. É fundamental, também, a aquisição da percepção de

que não são apenas indivíduos particulares e sim seres permeados pelo contexto sócio-histórico no

qual estão inseridos.

Essa dificuldade é um reflexo da realidade opressora teorizada por Freire (1989), na qual

os indivíduos oprimidos se vêem como membros do processo social, de forma que a

conscientização de que não possuem sua liberdade é dolorosa:

Quando, porém, por um motivo qualquer, os homens se sentem proibidos de atuar, quando se descobrem incapazes de usar suas faculdades, sofrem. Este sofrimento

Page 65: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

62

provém “do fato de se haver perturbado o equilíbrio humano” (From). Mas, o não poder atuar, que provoca o sofrimento, provoca também nos homens o sentimento de recusa à sua impotência (FREIRE, 1989, p. 75).

Isso é ainda mais observável nos adolescentes, que idealizam uma condição de

independência e liberdade próximas, visto que a admissão de que sua realidade é opressora e

limitadora encontra maior resistência. Essa situação não possui outro caminho de superação que não

seja a ação dialógica.

A ação e a reflexão sobre o mundo é apontada por Freire (1989, p. 77) como base para a

promoção da libertação autêntica. Desta forma, ao mesmo tempo em que os estudantes se percebem

enquanto oprimidos, o professor deve promover o espaço para que eles se entendam potentes no que

diz respeito à compreensão do mundo e de si mesmos:

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com os outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienante (FREIRE, 1989, p. 80).

Dessa forma, retorno ao propósito da elaboração das aulas-oficinas, como uma proposta de

romper com a estrutura educacional padronizada em aulas-conferência, ou aulas-colóquio, nas quais

o professor é o centro da atividade, e a agência do estudante é desconsiderada no processo de

progressão conceitual (BARCA, 2004, p. 132).

A proposta de aula-oficina acaba por ser um agente promotor do diálogo, pois se dá do

ponto de partida da conceituação dos estudantes, e propõe análises que os colocam como críticos

dos temas discutidos: “Propor questões orientadoras problematizadoras, que constituam um desafio

cognitivo adequando aos alunos em presença e não apenas um simples percorrer de conteúdos sem

significado para os jovens” (op. cit., p. 135).

Com esses postulados em mente, elaborei a aula-oficina, elemento introdutório de uma

sequência didática que apresentarei no quinto capítulo, buscando trazer elementos que nos

possibilitem obter as impressões prévias dos estudantes sobre a América Latina, a fim de

proporcionar um espaço de diálogo e questionamentos sobre as evidências observadas.

Page 66: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

63

Inserção inicial:

Tempo da atividade: duas aulas de cinquenta minutos.

Objetivo geral: Compreender as concepções desenvolvidas pelos estudantes sobre as

características que definem um país latino-americano.

Objetivos específicos:

o Através da análise de paisagens de diferentes lugares, observar quais os estudantes

identificam como latino-americanas;

o Discutir os elementos que os estudantes elencam como característicos de um lugar da

América Latina;

o Discutir coletivamente o conceito de latino-americano, através de roda de diálogo

que permita aos estudantes questionar e exprimir suas concepções e opiniões sobre o tema.

Questões-orientadoras e desenvolvimento:

o Diálogo inicial sobre o que eles entendem como América Latina: o que é, como é

definida, como se constitui social e historicamente, culturalmente, se o Brasil faz parte do que

define esse conceito. É importante, antes do diálogo oral, que os estudantes registrem suas

percepções prévias sobre o tema;

o Colar no quadro imagens de paisagens variadas, sejam gravuras antigas, sejam fotos

contemporâneas, que misturem regiões da América Latina e da Europa, para que os estudantes

apontem quais delas reconhecem como paisagens latino-americanas;

o Solicitar o registro dos elementos que fazem com que eles reconheçam as imagens

como latino-americanas ou não;

o Dialogar em roda sobre os elementos levantados, buscando identificar com os

estudantes a partir de quais espaços e quais os mecanismos possibilitaram a construção dos

significados dados aos elementos latino-americanos. Nesse momento, por meio da hipótese central

da pesquisa, projeta-se que os estudantes apresentem como marcantes elementos típicos da

latinidade comumente propagados no cotidiano social, como cores, pessoas, paisagens pouco

desenvolvidas economicamente e que questionem as informações prévias que permitiram tal

construção conceitual.

Síntese: breve texto reflexivo que aponte o entendimento prévio sobre o tema América

Latina.

Page 67: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

64

Materiais:

Figura 1: Cuzco, Peru

Fonte: Disponível em <http://travelstorecostarica.com/wp-content/uploads/2018/08/Peru-a-tu-Alcance.pdf>

Figura 2: Berlim, Alemanha

Fonte: Disponível em <https://es.123rf.com/photo_29636642_aeria-vista-de-la-ciudad-de-berl%C3%ADn-

en-alemania.html>

Figura 3: Paris, França

Fonte: Disponível em <https://caosplanejado.com/como-o-zoneamento-e-os-conjuntos-habitacionais-

favoreceram-o-estado-islamico/>

Page 68: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

65

Figura 4: Representação de Tenochtitlan, México

Fonte: Disponível em <http://sobrehistoria.com/la-gran-ciudad-azteca-de-tenochtilan>

Figura 5: Teotihuacán, antiga capital do Império Asteca

Fonte: Disponível em <http://inexperiencia.com.br/2017/02/06/os-misterios-da-piramide-do-sol-e-da-lua-

em-teotiguacan-no-mexico-patrimonio-mundial-da-unesco/>

Figura 6: Rio de Janeiro, Brasil

Fonte: Disponível em <https://diariodorio.com/historia-do-bairro-da-lagoa/>

Page 69: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

66

Figura 7: Representação de organização produtiva no Império Inca (Peru)

Fonte: Disponível em <https://ancientamerindia.wordpress.com/2015/12/14/cuzco-1438-1533/>

Figura 8: Obra de Debret, representando o centro do Rio de Janeiro no século XIX

Fonte: Disponível em <https://cultura.culturamix.com/arte/obras-de-arte-de-debret>

Figura 9: Representação de Lisboa, Portugal, no período de expansão colonial

Fonte: Disponível em <https://guardianlv.com/2014/06/global-city-on-the-streets-of-renaissance-lisbon-

heading-to-london/>

Page 70: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

67

Figura 10: Bairro Clacton, Londres, Inglaterra

Fonte: Disponível em <https://www.standard.co.uk/news/uk/seaside-village-evacuated-as-stormy-weather-

brings-flood-alert-a3439261.html>

4.1 Análise da compreensão dos estudantes sobre América Latina

Com a participação do professor de História, que auxilia de forma voluntária na aplicação

e discussão das aulas, apliquei a primeira inserção sobre América Latina nas turmas de terceiro ano

do Ensino Médio (310 e 311) nos dias 17 e 18 de outubro de 2018, com a presença de onze

estudantes em cada turma.

Primeiramente, discutimos com os estudantes o que eles entendiam por América Latina, e

o principal elemento de definição que apareceu foi o da Língua Espanhola, associando o termo aos

países colonizados pela Espanha (ou a América Espanhola). Então, surgiu o questionamento se o

Brasil era latino-americano, a principal conclusão trazida pelos estudantes no diálogo é que

geograficamente o Brasil faz parte do subcontinente, mas que não reconhecem identificação com os

países em questão, destacando diferenças culturais e pouco conhecimento sobre eles.

Os países que foram citados no diálogo foram, nessa ordem, Argentina, Uruguai e

Paraguai, e os educandos reconhecem que esses países são mais presentes no cotidiano da Região

Sul do Brasil e, provavelmente, por isso estabelecem comparativos com eles e não com outros. Com

os países citados, os discentes apontaram que a identificação se dá a partir dos costumes e hábitos,

como vestimenta, culinária, futebol, com relação ao Paraguai o destaque dado foi à ligação

comercial.

Questionados sobre o que os afastam dos demais países não citados no diálogo, os

estudantes destacaram a “falta de conhecimento”, tanto por parte do que aprendem ou deixam de

aprender na escola, quanto pela citada “falta de popularidade”, fazendo paralelo com o consumo e

Page 71: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

68

influência midiática voltados para países que não fazem parte do subcontinente. As principais frases

utilizadas e discutidas pelos estudantes foram:

o “Tudo vem de fora”;

o “O que torna um lugar interessante é o quão diferente é de nós”;

o “Estar no RS dá uma visão diferente dos países latino-americanos”.

Depois do diálogo coletivo, os estudantes realizaram registros sobre os questionamentos

discutidos: 1. O que entendo da América Latina e o que a define; 2. Alguma relação histórica entre

a América Latina e o Brasil; 3. De onde vem o conhecimento sobre esse tema.

Nos primeiros anos do Ensino Médio, nas turmas 110 e 112, com um total de quarenta

estudantes, eles apresentaram pouco conhecimento sobre América Latina além de um entendimento

confuso quanto à localização – alguns apontaram apenas a América do Sul, enquanto outros

argumentaram que são os mexicanos que são chamados de “latinos” nos Estados Unidos. Tal

percepção dá-se nitidamente através dos meios de comunicação, como filmes e televisão.

Quanto ao Brasil, na discussão em grupo, mais abrangente, percebeu-se que era estranho à

maioria a ideia do país fazer parte de um grupo social “latino”, apontando, inclusive, traços físicos e

culturais que diferenciariam os brasileiros do conceito de “latino-americano”, mas geograficamente

reconhecem o Brasil como integrante da América Latina. Os elementos citados como característicos

da América Latina foram a língua espanhola e a economia, apresentando uma visão dos latino-

americanos como “imigrantes no mundo”, sem uma nação que os ampare econômica e socialmente.

Em uma das turmas (112), alguns alunos levantaram e colaboraram com as discussões a

respeito da colonização, apontando tanto os aspectos culturais quanto os econômicos, que dariam

unidade à América Latina. Ainda assim, as falas sobre o subcontinente são colocadas como “de

fora”, eles se posicionaram como se estivessem realizando a análise de algo alheio à realidade deles.

Durante a incitação ao diálogo, questionei o porquê se colocavam tão à parte da realidade

concebida como América Latina, e alguns estudantes, em especial, expressaram que o interesse não

acontece porque o cotidiano deles é “estrangeiro”. Parafraseando a fala de uma estudante, “nossa

história é estrangeira, é colocada e reproduzida externamente e apenas a consumimos”. Dessa

forma, não somos atores/autores da história mundial, somente um espaço que surgiu depois e

atrasado.

A análise desta primeira parte da aula-oficina vai ao encontro das observações que

permitiram chegar à hipótese da pesquisa. Em todas as turmas, antes mesmo de iniciar a atividade,

na introdução da fala ao tema da atividade, os estudantes já se mostravam apreensivos. Acredito que

muito, é claro, em função da minha posição de professora e o receio de uma avaliação sobre o tema.

Isso transparece, em parte, o desconhecimento dos estudantes sobre o assunto.

Page 72: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

69

Em um universo de turmas de 10 a 25 estudantes, o número de estudantes que se desafiou a

falar algo sobre América Latina foi muito restrito, mesmo depois que esclareci que a atividade não

seria avaliada, e que fazia parte de uma pesquisa que tinha o objetivo de saber o que eles entendiam

sobre o tema.

Alguns estudantes (e quando falo “alguns” falo de, no máximo, quatro estudantes por

turma, em média) diziam lembrar apenas de alguns temas referentes à Geografia aprendidos na

escola. No terceiro ano do Ensino Médio, boa parte dos estudantes admitia não conhecer a América

Latina, mas reconheciam que ouviram falar algumas vezes. No entanto, relataram que não tinham

interesse, porque sempre estudaram os processos históricos que aconteceram na Europa ou partiram

dela (Revoluções, guerras, etc.).

O que se observa, a partir do diálogo inicial com as quatro turmas, é que as temáticas sobre

América Latina são desconhecidas pelos estudantes, e não necessariamente negadas por eles, o que

demonstra uma condição igualmente problemática em relação à relevância dada ao subcontinente

nas Ciências Humanas, especialmente na área História.

Tal constatação não impede a análise a partir da teoria de Freire (1981), porque, como já

explanei, a construção curricular da disciplina de História é reflexo dos contextos sociais, históricos

e políticos de invasão cultural e a construção da consciência hospedeira do opressor. A preocupação

contínua sobre o impacto dessa posição sóciocurricular na construção da consciência crítica e

identitária dos estudantes. A seguir, os estudantes realizaram breve registro sobre os

questionamentos, que foram discutidos na aula, especialmente: 1 O que entendo por América Latina

e o que a define; 2 Qual a relação do Brasil com a América Latina e 3 De onde vem esse

conhecimento.

Nem todos os registros são passíveis de análise quantitativa em relação às expressões

usadas, pois os estudantes responderam às indagações, em sua maioria, de forma muito sucinta e

vaga. O que apresento aqui é uma avaliação das respostas em conjunto, considerando algumas

categorias de análise que pretendem identificar as percepções gerais deles sobre o tema. Dessa

forma, elenquei, a partir da pré-análise, as seguintes categorias para incluir as suas respostas (que

não são excludentes, portanto, o número total de menções poderá ser maior que o número de

registros analisados):

a. Características culturais que determinam a América Latina: em especial, a língua,

mas também aparecem nas respostas, com menor frequência, costumes e religião.

b. Características históricas que determinam a América Latina: em especial, o tipo de

colonização dos países que fazem parte do subcontinente;

Page 73: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

70

c. Características geográficas que determinam a América Latina: aqui, não farei juízo

de valor quanto à localização estar certa ou errada, pois o objetivo é avaliar elementos que

caracterizam o subcontinente;

d. Características sociais que determinam a América Latina: respostas que relacionam a

América Latina e o Brasil a aspectos como pobreza e subdesenvolvimento;

e. Papel da escola na constituição do saber: quando os estudantes apontam que a

principal referência para o entendimento que eles têm por América Latina se deu especialmente a

partir da escola, e aqui podemos subdividir a categoria como: I positivo (quando a resposta tem um

embasamento relativo); II negativo (quando se utilizaram na resposta expressões como “pouco

conhecimento”, “pouco trabalhado”, entre outros) e; III neutra (quando a resposta não classifica a

qualidade do conhecimento escolar);

f. Papel das mídias na constituição do saber: quando os estudantes apontam que a

principal referência para o entendimento que eles têm por América Latina é originária dos meios de

comunicação, subdivididos em I Internet e; II Televisão;

g. Desconhecimento quase que total do tema América Latina: quando as respostas não

apresentam nenhuma referência quanto ao solicitado na atividade e os estudantes identificam

desconhecimento sobre a temática.

Tabela 2 – Frequência das menções dos estudantes sobre a América Latina

Categoria Menções nas turmas de 1º ano do Ensino Médio

(40 registros)

Menções nas turmas de 3º ano do Ensino Médio

(22 registros) A – Culturais 27 20 B – Históricas 10 10 C – Geográficas 13 5 D – Sociais 13 7 E. I – Escola – positiva 3 2 E. II – Escola – negativa 11 4 E. III – Escola – neutra 8 4 F. I – Mídias – Internet 2 4 F. II – Mídias – Televisão 9 11 G – Desconhecimento 16 5

Fonte: Elaborado pela própria Pesquisadora.

Em meio aos dados quantitativos, é possível deduzir que, em relação às turmas do primeiro

ano do Ensino Médio, os estudantes definem como América Latina especialmente características

culturais, e em segundo plano, destacam a localização geográfica como determinante para essa

definição, além de características sociais, citando problemas sociais e econômicos semelhantes

Page 74: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

71

entre os países. Em relação à origem do conhecimento, a maioria associa à escola e à televisão.

Importante destacar que o desconhecimento sobre o tema é relevante nas respostas analisadas.

No que diz respeito ao terceiro ano do Ensino Médio, os estudantes também deram maior

destaque à questão cultural, mas, proporcionalmente, citaram bastante, também, o contexto histórico

de colonização, relacionando, em algumas respostas, às questões sociais, como o

subdesenvolvimento e as relações comerciais estabelecidas. Quanto à origem do conhecimento, a

maioria admite ter construído a partir das mídias, especialmente a televisão e filmes (citados em

algumas respostas). Importante destacar que, ao final do Ensino Médio, cinco de vinte e dois

estudantes admitem desconhecer aspectos relacionados ao subcontinente.

De uma forma geral, os educandos admitem uma relação cultural entre os países que

configuram a América Latina, dando pouca ênfase a questões históricas e sociais. A escola não atua

de forma positiva no desenvolvimento do seu conhecimento acerca do subcontinente, já que a

maioria das menções diretas ao papel da escola é negativa ou neutra. Também é perceptível, ainda,

o papel da televisão na constituição do pensamento e opinião dos estudantes.

Na segunda etapa da atividade, os discentes analisaram as imagens anteriormente

apresentadas nesta dissertação e dispostas no quadro, foi solicitado o registro sobre qual a origem de

cada uma das imagens, e selecionando duas ou três delas para descrever quais elementos os

ajudaram a definir se o espaço retratado é da América Latina ou de outro continente ou

subcontinente, dispostas na seguinte ordem:

1 – Cuzco, Peru

2- Berlim, Alemanha

3- Paris, França

4- Representação de Tenochtithan, do Império Asteca (México)

5- Representação de Teotihuacán, do Império Asteca (México)

6- Rio de Janeiro, Brasil

7- Representação da organização produtiva no Império Inca (Peru)

8- Representação do Rio de Janeiro, Brasil, no período colonial

9- Representação de Lisboa, Portugal, no período colonial

10- Bairro de Clacton, Londres, na Inglaterra

Todas as turmas, em geral, tiveram a mesma tendência de teor nas respostas. No entanto, é

preciso destacar algumas que apresentaram diferenças quanto às definições das turmas de primeiro

ano e as de terceiro ano do Ensino Médio.

Sobre a imagem 3, que consiste na fotografia de um bairro periférico da cidade de Paris, na

França, entre os quarenta estudantes dos primeiros anos, trinta apontaram como sendo uma imagem

Page 75: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

72

referente à América Latina. Nos terceiros anos, a classificação foi equilibrada entre sim e não (doze

apontaram como América Latina, dez apontaram como não sendo). É possível interpretar que, ao

final do Ensino Médio, a tendência é de que os estudantes avaliem mais criticamente as informações

colocadas a eles.

As representações de Tenochtithan (4), antiga cidade asteca do México, e da organização

produtiva Inca, no Peru (7), também apresentaram uma diferença relevante no padrão entre as

respostas dos primeiros e dos terceiros anos. Novamente, uma parcela relevante dos estudantes dos

primeiros anos (vinte e seis de quarenta) apontou que as imagens não faziam parte da América

Latina, e nos terceiros anos, novamente uma classificação um pouco mais equilibrada, como é

possível observar nos gráficos a seguir.

Gráfico1:Percepção das figuras no Primeiro Ano

Fonte: Produzido pela pesquisadora.

Gráfico 2: Percepção das figuras no Terceiro Ano

Fonte: Produzido pela pesquisadora

A imagem de Tenochtithan, em especial, foi discutida durante as inserções, pois no

decorrer das análises questionei quais imagens estavam sendo mais difíceis de classificar, e ela foi

Page 76: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

73

apontada em três das turmas. Eles alegaram que a imagem representava uma cidade/sociedade

muito bem organizada e com infraestruturas como construções e tecnologias de produção agrícola.

Porém, as montanhas ao fundo e, em algumas falas, a aparência de “índios” das pessoas

representadas, davam sinais de que a imagem fosse referente à América Latina. Em outras palavras,

uma sociedade organizada, com infraestrutura e tecnologias não davam sinais de que o lugar

pudesse ser latino-americano, os educandos ainda relacionaram a natureza exuberante à América

Latina e as cidades e a urbanização à Europa, como se observa no seguinte gráfico:

Gráfico 3: Percepção geral sobre a Figura 5 - Representação Tenochtithan, México

Fonte: Produzido pela pesquisadora

Por fim, a imagem 8, representando o Rio de Janeiro no século XIX, também apresentou

diferenças em relação às percepções gerais dos primeiros e dos terceiros anos. Nos primeiros anos,

vinte e seis, de quarenta estudantes, apontaram a imagem como não fazendo parte da América

Latina. Nos terceiros anos, treze, de vinte e dois estudantes indicaram-na como sendo da América

Latina e, inclusive, do Brasil. Essa análise também foi discutida, especialmente, nos terceiros anos,

no qual os estudantes argumentavam entre si, durante a atividade, que na imagem havia negros

servindo soldados brancos, cena comum no Brasil colonial.

Dessas observações em relação aos padrões de respostas diversos entre os primeiros anos

do Ensino Médio e os terceiros anos, observa-se que, mesmo que a discussão sobre as temáticas que

envolvem América Latina possa não ser evidente, ao longo do Ensino Médio os estudantes tendem

a construir uma análise mais crítica e reflexiva sobre as representações, sejam gráficas ou sociais,

apresentadas a eles.

Nesse sentido, realizei a análise de conteúdo das descrições feitas pelos estudantes acerca

de algumas das imagens selecionadas. Destarte, com base em Bardin (2006), é possível afirmar que

a aplicação da técnica, no presente caso, possui a função de administração de provas, ou seja, parte-

se de uma hipótese para, em seguida, procurar sua confirmação que se dá através de uma prova

obtida pela análise de conteúdo.

Page 77: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

74

Assim, busco analisar nos registros dos estudantes, selecionando, nas imagens mais

citadas, a intensidade das expressões utilizadas ao longo dos textos, o que Richardson (p. 239) trata

como “a direção da informação”. Nesse caminho, operacionalizei as expressões que se referem ou

não à América Latina, a fim de observar o direcionamento dado por eles aos elementos que a

definem.

A primeira análise que apresento é breve, pois se refere à fotografia do Rio de Janeiro e

boa parte dos estudantes, imediatamente, reconheceu-a e, no ímpeto de fornecer “respostas certas”,

selecionou-a para a descrição. Dos que a citaram na análise mais específica solicitada, vinte e um

estudantes, dos sessenta e dois do total das turmas, apontaram-na como referente à América Latina.

Ainda, dois estudantes argumentaram não fazer parte da América Latina, por 1 ser da América do

Sul e 2 em função da língua (que não estava representada na imagem).

A grande maioria apenas argumentou que entendiam por América Latina porque era uma

imagem do Brasil, dois estudantes destacaram a relação entre a urbanização e a natureza, um

apontou que aparentava ser uma cidade populosa, e outro que já tinha visto a imagem na televisão, e

sabia que se referia ao Brasil. Grande parte dos estudantes (ver Gráfico 4) indicou a imagem como

fazendo parte da América Latina, e pelas descrições, eles entendem, de forma geral, que o Brasil é

um país que faz parte da América Latina, mesmo que não reconheçam característica em comum

com o subcontinente (como observado no diálogo inicial da aula-oficina).

Gráfico 4: Percepção geral sobre a Figura 6 – Rio de Janeiro, Brasil

Fonte: Produzido pela pesquisadora

De todos os registros coletados, selecionei quarenta e cinco para realizar a análise das

classificações das imagens em relação à intensidade das expressões. Para essa seleção, justifico que

os demais registros entregues carecem de informações passíveis de análise, com respostas abstratas,

ou porque não agregam adjetivos que descrevam as imagens, mas sim identificação, como “é

Page 78: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

75

América Latina porque é Brasil”, ou “parece uma foto do México que já vi”, ou seja, não descrevem

os elementos que fazem os estudantes associarem as imagens à América Latina, ou a não

associação.

Expressões usadas para definir outras regiões (entre parênteses, o número da figura

relacionada):

- desenvolvido (1, 5)

- rico (1)

- estrutura organizada (5, 4)

- padrão da arquitetura (10, 10 3, 10, 10, 10, 10, 10)

Expressões usadas para definir a América Latina:

- subdesenvolvida (3, 3)

- pobreza (3, 10, 10, 3)

- arquitetura desorganizada (2)

- precisa de recursos (10)

- poluição, lixo (2, 3, 2, 3, 3, 3, 2, 2)

- povos diversos (8, 8, 8)

- escravidão (8, 8, 7)

- colonização (8, 8, 8, 7, 7, 8. 8)

- natureza (6, 6, 6)

Creio que a maioria dos estudantes tenha optado por descrever as imagens que os

remetessem à América Latina, por conta do direcionamento temático da aula-oficina. Assim, se

apresentaram mais expressões referentes ao que define o subcontinente do que as outras regiões

teriam de diferente. De qualquer forma, é possível observar o que compreendem como pertencente

ao contexto latino-americano, através de algumas expressões recorrentes e representativas: poluição

e lixo, pobreza, colonização.

Das imagens 2 e 3, que são fotografias aéreas de Berlim, Alemanha, e um bairro periférico

de Paris, respectivamente, os estudantes identificaram o aspecto cinza de Berlim e a rua sem

manutenção de limpeza de Paris como características que definiriam uma região da América Latina,

usando as expressões “poluição” e “lixo” de forma frequente.

A imagem 10, de um bairro periférico de Londres, Inglaterra, gerou muitas dúvidas,

observadas durante a atividade. Os estudantes tendiam a classificar a fotografia como pertencente à

América Latina, mas uma pequena placa escrita “Sold” (“vendido”, em inglês), e o padrão das casas

do bairro, mesmo que aparentemente negligenciado pela manutenção pública, influenciaram que

Page 79: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

76

muitos classificassem como de outra região. Assim, a expressão que mais apareceu nessa imagem,

para defini-la como não sendo do subcontinente, foi “arquitetura padrão”. Os educandos, que a

classificaram como da América Latina, utilizaram como adjetivos “pobreza” e “poucos recursos”

para descrevê-la.

Sobre as imagens que são representações de períodos passados, as expressões empenhadas

para indicá-las como latino-americanas dizem respeito à representação do Brasil Colonial e da

estrutura produtiva agrícola inca, aspecto que demonstrou entendimento em relação a alguns

processos históricos, como a colonização e a escravidão.

Em relação à representação de Tenochtithan, cidade do Império Asteca, a grande maioria

dos estudantes classificaram-na como não pertencente à América Latina (ver Gráfico 3), os que a

selecionaram para descrição, apontaram características como desenvolvimento e organização como

marcantes na imagem e informaram que a classificariam como sendo de outra região que não fosse

a América Latina.

A proposição da aula oficina possibilitou uma série de diálogos que contribuíram para o

entendimento tanto no que diz respeito à origem do conhecimento e à interpretação dos estudantes

sobre como eles percebem as paisagens e as relações que estabelecem entre os elementos das

mesmas e a região a que pertencem, quanto ao desenvolvimento do seu pensamento crítico, uma

vez que eles passaram a questionar como se constituíram suas opiniões e percepções a respeito da

América Latina e do mundo, o que será discutido no subcapítulo a seguir.

4.2 Uma perspectiva sob a ótica de Paulo Freire

Depois dos procedimentos metodológicos apresentados e aplicados durante a pesquisa, é

possível constatar que existe pouca preocupação com as temáticas relacionadas à América Latina no

currículo escolar brasileiro, especialmente na disciplina de História – foco desta pesquisa – desde os

primórdios da organização curricular no Brasil, a partir do final do século XIX e início do século

XX, modelo de educação que usou como referência as experiências no Colégio Dom Pedro II.

Retomando as análises do capítulo 2, é importante salientar que o ensino tradicional de

História dá-se sob uma perspectiva linear que destaca os ciclos econômicos (BITTENCOURT,

2010) e, além disso, cabe salientar que a América Latina sempre foi abordada tendo em vista essa

relação econômica e social, de acordo com os contextos políticos do Brasil. A conexão estabelecida

com o subcontinente ocorria a partir das diferenças, dos momentos em que o país buscava, através

da Educação, a construção de uma identidade nacional, e por meio das semelhanças, quando a

instituição governamental visava o alinhamento político e ideológico com os demais países latino-

americanos (DIAS, 1997; KALIL-ALVES & OLIVEIRA, 2011).

Page 80: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

77

Já na análise dos “Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica” é

significativo o fato de que, nas quase duzentas páginas dedicadas à disciplina (ou componente

curricular) de História, as menções à América Latina sejam ínfimas. Mesmo quando o enfoque dos

documentos centra-se na construção da identidade e na valorização da diversidade cultural, são

apresentadas as diferenças e as semelhanças entre os processos históricos e sociais, sem propor

maiores interlocuções identitárias, políticas ou sociológicas, entre a construção histórica do Brasil e

do subcontinente.

Quanto ao que os estudantes do Ensino Médio entendem ou conhecem sobre a América

Latina, percebe-se uma tendência a não se apropriarem das temáticas referentes ao subcontinente, e

suas interpretações são notadamente marcadas por impressões desenvolvidas a partir de outras

fontes de informação que não a escola.

Ademais, tanto algumas falas dos estudantes, que serão analisadas neste subcapítulo,

quanto os resultados de análises de outros pesquisadores, como Nadai (1993) e Abud (2010) – que

percebem o enfoque na construção da História institucionalizada no Brasil sobre o colonizador

europeu como um processo natural e necessário, tendo em vista a linearidade civilizacional da

História tradicional – evidenciam que a disciplina de História no Brasil, mesmo que sua essência de

consolidação tenha sido a construção de uma identidade nacional, acaba sempre por vincular os

processos históricos através do viés europeu, dando pouca relevância aos conflitos e processos

históricos e sociais internos no subcontinente, seja para a constituição da sociedade brasileira, seja

para discutir uma parte do mundo que tem suas peculiaridades e relevância.

A consequência desta estruturação da disciplina de História, ao longo do tempo no Brasil, é

evidenciada também nas análises realizadas em sala de aula: pouco conhecimento sobre a expressão

ou o conceito de “América Latina”, reconhecimento de características negativas em relação à

sociedade, cultura e economia dos demais países que compõem o subcontinente, e a falta de

interesse na aprendizagem de temas referentes a eles. Além dessas condições institucionais

percebidas, o que contribui para que os estudantes não a reconheçam e não se vejam como parte

dessa região que possui aspectos históricos, culturais e sociais tão semelhantes? Proponho-me a

interpretar esse problema a partir dos conceitos de “consciência hospedeira” e “invasão cultural”,

discutidos na obra Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1981).

Esta análise trata-se de uma ótica sobre a questão, que não intenta ser única e definitiva,

mas visa entender a realidade identificada na pesquisa a partir desses conceitos construídos por

Freire para descrever a realidade opressora, como ela atua na nossa consciência e no entendimento

que desenvolvemos sobre determinados temas, neste caso, a América Latina. O autor discute, na

obra em questão, alguns mecanismos utilizados para sustentar a estrutura social ao nível local e

global; nesses mecanismos ele trata da educação bancária, que consiste no entendimento e

Page 81: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

78

organização da educação como meio de socialização e depósito de conhecimentos preexistentes,

que acaba por perpetuar as estruturas sociais, políticas e produtivas, posto que, a

[...] educação como prática da dominação que vem sendo objeto desta crítica, mantendo a ingenuidade dos educandos, o que pretende, em seu marco ideológico (nem sempre percebido por muitos dos que a realizam), é indoutriná-los no sentido de sua acomodação ao mundo da opressão (FREIRE, 1981, p. 76).

Tendo em vista o histórico do desenvolvimento da Educação no Brasil, percebe-se que o

objetivo de construção de uma identidade nacional sempre acabava por vincular a história e a

cultura do Brasil ao processo de colonização europeu. Obviamente esse é um marco que constituiu

o território brasileiro, mas se vê na análise dos PCNs da disciplina de História muito pouca, ou

quase nula, ênfase aos processos sociais e históricos internos no subcontinente latino-americano,

naturalizando o processo de colonização naquela perspectiva histórica de linearidade em direção ao

progresso (BITTENCOURT, 2010), que é colocado como o modelo de sociedade com as

manifestações culturais tipicamente europeias.

Os conceitos mais relevantes para o desenvolvimento desta análise são os da “consciência

hospedeira” e o da “invasão cultural”, que dificilmente são dissociados numa definição, porque eles

se retroalimentam no processo de educação dos indivíduos, nesse caso, dando enfoque ao espaço

institucionalizado da escola. Na concepção de educação bancária, em que o estudante é um

receptáculo de ideias, conceitos e posturas consolidados anteriormente a eles, o enquadramento está

na estrutura social e econômica na qual estamos inseridos, dividida, essencialmente, entre aqueles

que detêm os meios de produção e os que vendem sua força de trabalho.

Dada essa realidade, sem questionamentos, os estudantes, em sua essência, não chegam a

questionar a origem dessa estrutura ou se ela é a única possibilidade. Dessa inércia se mantém o

entendimento de que alguns têm mais poderes econômicos, políticos e sociais, simplesmente porque

os têm, ou porque tiveram sucesso em conquistá-los.

Quando a educação não se propõe a ser dialógica (FREIRE, 1981, p. 78), e a concepção da

sociedade, tal como é, é colocada de forma naturalizada, o estudante passa a associar os processos

históricos e sociais entre sucesso e fracasso e, nessa perspectiva linear, seu objetivo é alcançar o

sucesso. Dessa forma, os educandos desenvolvem a “consciência hospedeira”, uma vez que:

Todo ato de conquista implica num sujeito que conquista e num objeto conquistado, que passa, por isto mesmo, a ser algo possuído conquistador. Este, por sua vez, imprime sua forma ao conquistado que, introjetando-o, se faz um ser ambíguo. Um ser, como dissemos já, “hospedeiro” do outro (FREIRE, 1981, p. 162).

Page 82: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

79

A partir do processo de invasão e conquista das nações europeias sobre as sociedades

americanas, iniciado no século XV, fica claro o processo de dominação promovido pelos

conquistadores, e esta passagem de Freire traduz perfeitamente o processo de aculturação a que

nossos povos foram submetidos e o são até hoje, através de mecanismos mais abrangentes e

globalizantes: “O antidialógico se impõe ao opressor, na situação objetiva da opressão, para, pela

conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas culturalmente, roubando ao oprimido

conquistado sua palavra também, sua expressividade, sua cultura” (op. cit.).

O resultado desse processo sócio-histórico, teorizado por Freire, é percebido através da

análise dos dados emanados dos questionários iniciais aplicados aos estudantes de Ensino Médio,

que tratavam de questões sobre o interesse, o conhecimento e a aproximação cultural deles em

relação a países selecionados da Europa e da América Latina, assim como o Japão, escolhido em

função da relação com a tecnologia, que é alvo do interesse latente da juventude do século XXI.

Na aplicação dos questionários, Marconi e Lakatos (1999, p. 100) sugerem que o

pesquisador deve situar os sujeitos sobre a natureza da pesquisa, informando-os os objetivos

principais e a relevância do tema. Os questionários foram aplicados em sala de aula, e quando

apresentei a temática e relevância da pesquisa, indicando o tema América Latina como central na

análise, grande parte dos estudantes pediram explicações sobre o que consistia “América Latina”, o

que já demonstra o distanciamento em relação ao tema, o que constitui parte da hipótese inicial.

Para não induzir respostas, apenas situei geograficamente o subcontinente, para que eles pudessem

responder a algumas das questões.

Buscando aqui reforçar a hipótese, apresento a análise de uma questão fechada com

desdobramento referente ao interesse por parte dos estudantes em conhecer e se apropriar dos

aspectos culturais e intelectuais, que visaram diagnosticar qual a sua percepção geral sobre alguns

países do continente Europeu e do subcontinente latino-americano: “Indica de 1 a 5 quais dos países

possuem aspectos culturais que tu consideras como interessantes e capazes de acrescentar no teu

desenvolvimento intelectual, sendo 1 “não possui aspectos que me chamem a atenção e 5 “possui

aspectos importantes para meu desenvolvimento intelectual. Por quê?”.

Das trinta e seis respostas obtidas, da tabulação dos países apresentados (Inglaterra,

Portugal, Estados Unidos da América, Argentina, México, Japão, França, Peru, Alemanha, Espanha

e Chile), os países que foram mais elencados em relação ao interesse em se conhecer são do

continente europeu, com destaque para os Estados Unidos da América, que é do subcontinente

Anglo-Americano, mas que, historicamente, também será válido e discutido na pesquisa, por, nos

últimos séculos, possuir importante influência política, econômica e cultural mundialmente. Ainda,

se percebe muito pouco interesse em relação aos países latino-americanos citados no questionário

(Gráfico 5).

Page 83: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

80

Gráfico 5: Países com aspectos culturais considerados interessantes e capazes de acrescentar no desenvolvimento intelectual dos estudantes

Fonte: Produzido pela Pesquisadora.

A parte aberta da questão busca justificar o interesse elencado pelos países e divide as

respostas obtidas em: “Interesses”, “Desenvolvimento e investimentos”, “Cultura”, “Outros” e

“Sem resposta”, e o que se constata é que as escolhas estão relacionadas, especialmente, a

“desenvolvimento e investimentos”, ou seja, os países mais bem numerados seriam mais econômica

e socialmente desenvolvidos, outro aspecto relacionado é a “cultura”. De dez respostas voltadas à

cultura, apenas uma destaca países latino-americanos como interessantes, algumas respostas

denotam identificação maior com os países melhor classificados, isto é, do continente europeu.

O que se pode apreender desta análise é que os jovens de fato desenvolvem um

conhecimento, e, consequentemente, uma aproximação cultural muito maior com as referências

europeias e pouco conhecem sobre os processos históricos e culturais do subcontinente que

integram. Seguindo a perspectiva de Freire, fica clara aqui a constituição da “consciência

hospedeira” que identifica os países colonizadores e, por consequência os opressores, como

referência de sociedade.

Certamente essa condição não é consequência exclusiva da educação institucional. Os

meios de comunicação, especialmente a televisão e a internet, influenciam muito no tipo de produto

cultural que os jovens e os estudantes têm ou não acesso e o consolidam como padrão. Esta é uma

discussão interessante que pode ser feita sobre a contradição do processo de globalização que, ao

mesmo tempo em que proporciona acesso mais facilitado ao conhecimento e a produções culturais

exóticas, acaba por homogeneizar, através do poder econômico, a massificação de artistas e

produções culturais específicas dos países que detêm o maior controle econômico.

Page 84: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

81

Entretanto, o objetivo desta pesquisa, em especial, é analisar o papel da estrutura

educacional brasileira, com enfoque na disciplina de História, e no afastamento do educando de

Ensino Médio brasileiro em relação aos temas e aspectos referentes à América Latina

(consequentemente, suas origens) a partir do entendimento da produção da consciência hospedeira.

Uma questão do questionário mais relacionada aos conhecimentos que podem ser

construídos a partir dos conteúdos curriculares é a seguinte: “Marca os países que tu acreditas

fazerem parte do grupo de Muito Alto Desenvolvimento Humano, segundo a ONU”. Dentre os

países que selecionei para as opções, três são latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile), dois da

Europa (Espanha e Reino Unido), um da África (África do Sul), um da Ásia (China) e um da

América Anglo-Saxônica (Estados Unidos da América). Desses, exceto a África do Sul, o Brasil e a

China, todos fazem parte do grupo dos melhores classificados no Índice de Desenvolvimento

Humano no Ranking Global de 2014.

Gráfico 6: Países que os estudantes consideram estar entre o grupo de Muito Alto Desenvolvimento Humano

Fonte: Produzido pela Pesquisadora.

O dado mais perceptível no gráfico relaciona-se ao fato de que os EUA é unanimidade ao

pensar em desenvolvimento humano. A China é o segundo país mais apontado, talvez pela sua

penetração econômica nas últimas décadas no mercado, o que demonstra associação direta dos

estudantes entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento humano (ressaltando que a China

não integra o grupo de Muito Alto Desenvolvimento Humano). Reino Unido ainda possui uma

classificação significativa, enquanto a Espanha já é indicada menos vezes (número inferior à

metade). Uma hipótese para esse fato pode ser a relação estabelecida entre a Espanha e os países

latino-americanos. Em outras palavras, considerando que os países menos apontados como bem

Page 85: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

82

desenvolvidos pelos estudantes são de colonização espanhola e portuguesa, pode indicar que esses

países não foram eficientes no seu processo de conquista.

Porém, o que é mais significativo para esta interpretação é o fato de que Argentina e Chile,

que fazem parte do grupo de Muito Alto Desenvolvimento Humano no IDH, comparado com os

demais países (exceto Brasil e África do Sul), têm indicação quase nula nos questionários. Tais

países estão, então, invisibilizados pelos estudantes.

Após algumas das análises desenvolvidas nesta dissertação, é possível delimitar algumas

razões para tal. Considerando a análise dos PCNs e constatando a pouca ou quase nula indicação de

temáticas que abordem a América Latina ou relacionem-na a conteúdos estruturantes da História, e

realizando a triangulação com as evidências obtidas através das aulas-oficinas, é evidente que os

estudantes não percebem o subcontinente como uma região que possa abarcar desenvolvimento

econômico, social e cultural.

Trago essa frase retirada dos registros dos estudantes durante as aulas-oficinas para

expressar esse entendimento sobre o subcontinente, discutir a representação social que existe e o

papel da escola: “Na escola, não me lembro de muito sobre América Latina, porém, através da

mídia é passada a imagem da America Latina, no geral, mais marginalizada, mais

‘subdesenvolvida”

Quando a escola deixa de realizar a análise e a reflexão de qualquer tema ou fenômeno

relevante na História, ela abre mão de desenvolver consciência crítica nos jovens educandos. A

mídia, por sua vez, seja tradicional ou alternativa, assume o papel de fornecer as informações e

influenciar na construção das opiniões e das compreensões sobre aspectos sociais e políticos.

Em relação à América Latina, quando os temas históricos, políticos e sociais do

subcontinente não são discutidos no espaço escolar, a questão da construção da identidade e a

relação entre as diferenças e semelhanças, tão citadas nos PCNs de História como objetivos da

disciplina, perdem-se e ficam a cargo das experiências além da escola nas quais os estudantes estão

imersos.

Freire aponta que um mecanismo da invasão cultural “coerente com sua matriz

antidialógica e ideológica, jamais possa ser feita através da problematização da realidade e dos

próprios conteúdos programáticos dos invadidos” (1981, p. 179). Dessa maneira, diante da realidade

pesquisada, é possível afirmar que os marcos regulatórios e legislativos da Educação Básica no

Brasil não preconizam o estudo de temas referentes à América Latina, e essa condição acaba por

reforçar o mecanismo da invasão cultural.

Ainda segundo a perspectiva de Freire (1981, p. 184), estamos condicionados a uma

cultura do êxito e do sucesso pessoal que influencia diretamente nossas concepções acerca de

temáticas sociais e, nesse sentido, a tendência é negar uma realidade que seja desfavorável ao êxito

Page 86: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

83

pessoal. Quando os estudantes afirmam que a América Latina é colocada numa perspectiva negativa

(quando é colocada), relacionando os países especialmente à pobreza e ao subdesenvolvimento, a

reação é o afastamento da sua cultura e da sua realidade social do que é concebido como “fracasso”.

Além disso, Paulo Freire (op. cit.) relata uma experiência realizada em Nova York, que se

assemelha à que pratiquei com os estudantes de Ensino Médio, na qual uma educadora apresentou a

imagem de uma esquina da rua, onde se realizava uma atividade com grupos de áreas pobres da

cidade, e os participantes não reconheciam a paisagem como parte da sua realidade, apontando-a

como sendo da África ou da América Latina.

O autor analisa tal reação aos conceitos de consciência dual ou hospedeira e de invasão

cultural que são as bases da realidade opressora em que estamos inseridos:

Submetidos ao condicionamento de uma cultura do êxito e do sucesso pessoal, reconhecer-se numa situação objetiva desfavorável, para uma consciência alienada, é frear a própria possibilidade do êxito. Quer neste, quer no caso dos profissionais, se encontra patente a força “sobredeterminante” da cultura em que se desenvolvem os mitos que os homens introjetam. Em ambos os casos, é a cultura da classe dominante obstaculizando a afirmação dos homens como seres da decisão (FREIRE, 1981, p. 184).

A invasão cultural atua de forma a suprimir a capacidade criativa e de autoria dos sujeitos

que são submetidos à dominação e à conquista: “Daí que, na ação da conquista, não seja possível

apresentar o mundo como problema, mas, pelo contrário, como algo dado, como algo estático, a que

os homens se devem ajustar” (FREIRE, 1981, p. 163). A imposição de um entendimento de

civilização trazida pelos colonizadores europeus e o “pacote” que deve vir com ela (religião,

padrões de vida e de consumo, produção artística, etc.) produz neles a consciência de que o seu

modo de vida, seus hábitos e sua cultura estão superados pelo progresso ocidental. Mais adiante, os

Estados Unidos da América assumem esse papel de conduzir os padrões econômicos e culturais da

América Latina, subjugando cada vez mais a autonomia social, cultural e econômica dos povos

nativos.

Trazendo novamente para a experiência da aula-oficina, apresento outras duas afirmativas

que evidenciam a relação entre a forma como os estudantes enxergam a América Latina:

Os meios onde são reproduzidos, em geral, são as mídias sociais, que nos passam a imagem de uma América Latina “quebrada”, sem muitos pontos turísticos e eventos interessantes, enquanto fortalecem a Europa, os Estados Unidos. Assim, nos fazem perder o interesse em nosso próprio continente, através de mercadorias, filmes, músicas, livros, história, etc.; Algumas partes da América serviram como colônia de exploração para e Europa e isso reflete nas nossas vidas até hoje, pois nosso continente se tornou ‘pobre’ e

Page 87: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

84

relativamente atrasado comparado a outros. E sim, o Brasil pertence à América Latina, mas geralmente esquecemos isso, tentando constantemente se adaptar aos costumes europeus e norte-americanos.

Esses registros partiram de estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, que percebem que

a forma como eles mesmos entendem a América latina é influenciada pelas mensagens e

significados passados pela mídia, quando a escola aparentemente desconsidera a potencialidade dos

temas referentes ao subcontinente. Freire (1981, p. 179) alerta que o princípio básico da invasão

cultural é o reconhecimento por parte dos invadidos como seres inferiores, e, consequentemente,

eles passam a ver os invasores como superiores e adotam seus valores e conquistas como objetivos.

Assim, seu entendimento de sociedade constitui-se através das relações socioculturais em que, se a

escola se omite de exercer sua vocação crítica e analítica, outras instituições assumem o papel de

construir.

Naturalmente, por mais que o discurso identificado nos PCNs de História seja voltado para

o reconhecimento de diferenças e semelhanças, permanências e transformações, e destaque o papel

da História na construção da identidade, mesmo na teoria falta uma maior ênfase à potencialidade

dos temas relativos à América Latina. Na prática, essa abordagem depende de indivíduos e de

instituições permeadas pela condição dual e hospedeira da realidade na qual estamos inseridos. De

acordo com Freire:

Com efeito, na medida em que uma estrutura social se denota como estrutura rígida, de feição dominadora, as instituições formadoras que nela se constituem estarão, necessariamente, marcadas por seu clima, veiculando seus mitos e orientando sua ação no estilo próprio da estrutura. Os lares e as escolas, primárias, médias e universitárias, que não existem no ar, mas no tempo e no espaço, não podem escapar às influências das condições objetivas estruturais dominadoras, como agências formadoras de futuros “invasores”. As relações pais-filhos, nos lares, refletem, de modo geral, as condições objetivo-culturais da totalidade de que participam. E, se estas são condições autoritárias, dominadoras, penetram nos lares que incrementam o clima da opressão (FREIRE, 1981, p. 180-181).

Consequentemente, considerando as comunidades escolares de forma geral, também é

possível deduzir que a inserção da América Latina no currículo de História na Educação Básica

também está condicionada às tendências de todos os sujeitos do processo de ensino e de

aprendizagem. Dependendo, também, do interesse do professor, da elaboração do plano de ensino

da escola no que tange à dedicação maior ou menor aos temas referentes ao subcontinente e, ainda,

do nível de conscientização desses sujeitos acerca da importância de se discutir os processos

históricos e as questões sociais através da perspectiva própria latino-americana.

Page 88: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

85

Se institucionalmente não temos uma orientação mais objetiva quanto à relevância das

temáticas, ainda mais quando elas estão permeadas de sentidos e de significados que se propõem à

análise crítica das questões, sejam históricas ou sociais, dificilmente teremos uma prática de ensino

que, espontânea e organicamente, se proponha a superar a realidade construída através da

consciência hospedeira do opressor pelo oprimido e da invasão cultural que limita as

potencialidades dos sujeitos.

Page 89: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

5 TEMAS GERADORES E PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DO PARADIGMA

OPRESSOR

O que é possível evidenciar, a partir das análises dos dados obtidos através de análise de

conteúdo e aulas-oficinas com estudantes do Ensino Médio público, é que, via de regra, a América

Latina e seus temas pertinentes estão à margem da importância em relação aos objetivos da

Educação Brasileira de forma institucional, mantendo os educandos afastados do subcontinente do

qual fazem parte. Mesmo que nos PCNs da disciplina/componente curricular de História as questões

da cidadania e, especialmente, da identidade, sejam colocadas como basilares na construção do

conhecimento histórico, o subcontinente quase não é mencionado e não é relacionado com o

desenvolvimento desses conceitos.

Em relação ao pensamento-linguagem dos estudantes participantes da pesquisa, observam-

se na prática (e na práxis2) as consequências da pouca relevância dada ao subcontinente na

constituição da disciplina escolar de História no Brasil. Constatei, através dos questionários, que

existe pouco interesse dos discentes em conhecer e se apropriar de aspectos culturais de países

latino-americanos, dando preferência e se reconhecendo em relação aos países do continente

europeu e aos Estados Unidos da América.

Tanto nos questionários, quanto nos dados obtidos nas aulas-oficinas, também é possível

constatar que a América Latina está relacionada, para os estudantes, com a pobreza e

subdesenvolvimento, e essas características contribuem para o pouco interesse em relação a

conhecer seus países. Os educandos também apontam a falta de acesso aos conteúdos referentes ao

subcontinente na escola, uma vez que há poucas referências prévias, já que a História contada nas

escolas foca em eventos e processos da Europa, segundo as críticas dos próprios alunos. Sendo

assim, essa falta de referências históricas e econômicas influencia para que eles pouco se

interessem, se reconheçam e se identifiquem com o subcontinente latino-americano, seja pelos

aspectos culturais e históricos, seja pelos sociais e econômicos.

Dadas essas constatações, analisei a partir da teoria de Paulo Freire em Pedagogia do

Oprimido (1981), como se deu e como se dá esse processo de afastamento social e cultural dos

estudantes em relação à América Latina, e é possível relacionar tal evidência aos conceitos de

consciência hospedeira e de invasão cultural.

2 De acordo com Freire (1981), práxis significa que, ao mesmo tempo, o sujeito age/reflete e ao refletir age, ou se desejarmos, o sujeito da teoria vai para a prática e da sua prática chega à nova teoria, sendo assim, teoria e prática se fazem juntas, perpetuam-se na práxis.

Page 90: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

87

Pensando nas etapas da pesquisa-ação discutidas no quadro metodológico (OLIVEIRA E

OLIVEIRA in BRANDÃO, 1990, p. 27), e mantendo alinhamento com os postulados teóricos

utilizados para a análise desta pesquisa, torna-se necessário sistematizar uma proposta de ação

voltada para os problemas evidenciados, a fim de superá-los a partir da prática educativa.

Nesse sentido, optei por discutir a relevância metodológica dos temas geradores, proposta

de Freire ainda em Pedagogia do Oprimido, como prática dialógica que contrapõe a educação

bancária que reforçam os mecanismos de conquista como o da invasão cultural e da consciência

hospedeira. A obra Pedagogia do Oprimido foi escrita a partir de experiências e proposições

referentes à alfabetização de jovens e adultos, e assim Paulo Freire descreve a inserção do

investigador e educador na realidade em que irá trabalhar, e propõe estratégias de busca por

palavras e temáticas que sejam parte do cotidiano dos educandos para estimular a aprendizagem dos

mesmos (1981, p. 121-122).

Nesta pesquisa, entretanto, a realidade de atuação é um pouco diferente da que Freire

constroi sua teoria e sua metodologia. Analiso o contexto educacional brasileiro no início do século

XXI, em específico na disciplina de História, e o enfoque são estudantes regulares do Ensino

Médio, entre 14 e 20 anos de idade. A pesquisa é realizada com educandos matriculados no Ensino

Básico regular em escola pública no Rio Grande do Sul, fora da região metropolitana.

Dessa forma, são necessárias algumas adaptações, considerando que eles estão numa etapa

de escolarização regular – Ensino Médio – que, de acordo com a “Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Brasileira”, de 1996 e os “próprios Parâmetros Curriculares Nacionais”, tem como

finalidade, dentre outras, a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no

Ensino Fundamental, e desenvolver a formação ética, a autonomia intelectual e o pensamento

crítico. Assim, entendo que, nessa etapa, as práticas pedagógicas devem focalizar a discussão e a

análise crítica de temas que favoreçam a constituição do cidadão crítico e consciente de sua

condição ética, social e cultural.

Através desta pesquisa, é possível constatar uma demanda relevante em relação ao

reconhecimento de temas e processos históricos referentes à América Latina, muitas vezes

negligenciados aos estudantes nas etapas do processo de constituição da Educação Básica, em

específico da disciplina de História. Esta proposta refere-se a trabalhar o subcontinente como tema

gerador no ensino de História no Ensino Médio, com o objetivo de contribuir para a formação

cidadã e de identidade dos estudantes e realizar análises críticas sobre os contextos sociais,

históricos, econômicos globais, a partir das experiências no subcontinente.

Page 91: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

88

5.1 Temas Geradores

Para apresentar brevemente no que consistem os temas geradores como proposta

metodológica, discutirei a relação entre os mecanismos de conquista como os da invasão cultural e

consciência hospedeira, além da construção da concepção histórica, demonstrando a pertinência de

uma abordagem dialógica para o desenvolvimento do pensamento crítico, pois:

Opõe-se ao pensar ingênuo, que vê o “tempo histórico como um peso, como estratificação das aquisições e experiências do passado”, de que resulta dever ser o presente algo normalizado e bem comportado. [...] Para o pensar ingênuo, a meta é agarrar-se a este espaço garantido, ajustando-se a ele e, negando a temporalidade, negar-se a si mesmo. Somente o diálogo, que implica num pensar crítico, é capaz também de gerá-lo. [...] A educação autêntica, repitamos, não se faz de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”, mas de “A” com “B”, midiatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que explicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação (FREIRE, 1981, p. 97-99).

Nesse excerto, é possível avaliar o impacto das condições de conquista e da realidade

opressora analisadas por Freire no entendimento do que é História e da nossa posição nela,

enquanto objetos ou sujeitos. Em relação ao pensar ingênuo favorecido pela educação bancária, a

História tem um papel condicionante dos indivíduos, pois os estudantes adquirem determinadas

informações sobre fatos históricos e adaptam a sua consciência ao que já está dado, aspecto que

anula a possibilidade dos sujeitos serem atores dos processos em que estão inseridos.

Já o pensar crítico defendido por Freire considera que nossas percepções estão

condicionadas aos elementos que temos acesso, seja via escola, seja através de outros espaços de

socialização, mas que o diálogo e o questionamento dessa realidade e percepções são importantes

para ampliar essas perspectivas. E o papel do educador-educando é reconhecer essas realidades e

problematizá-las com os educandos-educadores. E, neste processo, o conteúdo programático se

constrói a partir dessas demandas por temáticas.

O que se percebe, no dia a dia do contexto escolar e na prática educativa, é a situação

presente, concreta e existencial da invisibilidade da América Latina. Especialmente através das

aulas-oficinas, tornaram-se claras algumas questões que estão postas como realidade objetiva dos

estudantes, como a interpretação de que o subcontinente é pobre, pouco desenvolvido, com pouca

influência cultural e histórica na sociedade ou realidade brasileira.

Concordo com Freire quando aponta que: “Neste caso, os temas se encontram encobertos

pelas ‘situações-limites’ que se apresentam aos homens como se fossem determinantes históricas,

esmagadoras, em face das quais não lhes cabe outra alternativa, senão adaptar-se” (1981, p.110).

Page 92: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

89

Institucionalmente, além de se priorizar conteúdos e processos sociais e históricos do continente

europeu, quando se trata o Brasil nos PCNs, ele vem descolado do contexto latino-americano, o que

também parece contribuir para o afastamento que os estudantes brasileiros expressam em relação ao

subcontinente ao qual fazem parte.

Nos PCNs, o conceito apresentado para tentar contribuir para a formação cidadã dos

educandos na estrutura atual de ensino, é o de tema transversal. Essas proposições buscam

contemplar dimensões da formação escolar que não são enfoque das disciplinas escolares, mas que

englobam temas pertinentes à realidade e ao convívio social.

Em relação aos temas transversais, Macedo (in MOREIRA, 1999, p. 45) destaca que o

próprio MEC, na elaboração dos PCNs e dos temas transversais, admite a dificuldade que a

estruturação da Educação brasileira impõe à formação do cidadão crítico e do conhecimento

integral. Porém, mesmo confirmando tais limitações, não se discute no Brasil, de forma séria,

conceitual e prática, uma organização escolar que possibilite a elaboração e a prática de ensino que

supere a multidisciplinaridade em direção à interdisciplinaridade.

O autor evidencia, ainda, que a necessidade dos temas transversais propostos nos PCNs

indica que os mesmos não contemplam na sua estruturação curricular as temáticas consideradas

necessárias para a formação cidadã e do pensamento crítico, o que diz respeito ao caráter seletivo

dos currículos escolares, que elencam assuntos mais ou menos relevantes a serem apreendidos pelos

estudantes e cabe, neste caso, aos temas transversais, cumprir essa função de dar sentido social ao

conhecimento disciplinar.

Parece-nos incontestável a opção dos PCN por uma abordagem disciplinar do conhecimento escolar. Essa é sua estrutura fundamental, o eixo em torno do qual se desenvolve o desenho curricular. Esse núcleo é, então, atravessado pelos temas transversais. Esses temas não são disciplinas, eles devem perpassar l todas as disciplinas em razão de sua importância social. Os PCN estão propondo a manutenção da lógica das disciplinas e a introdução de temas transversais de relevância social. A despeito dessa relevância, os temas transversais serão introduzidos sempre que a lógica disciplinar permitir (MACEDO in MOREIRA, 1999, p. 56)

A estrutura do ensino básico, em geral, se apresenta distribuída em disciplinas ou

componentes curriculares que, na prática, não dialogam, gerando um processo educacional

desarticulado, não permitindo ao educando seu desenvolvimento pleno e a construção da sua

concepção de mundo como unidade. A interdisciplinaridade tende a possibilitar a superação da

fragmentação das ciências e do conhecimento produzido, em detrimento de saberes integrais e

totalizantes.

Page 93: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

90

Essa realidade da educação distancia os estudantes do conhecimento e dificulta a

percepção do mundo enquanto unidade, bem como não contribui para a construção de significado

do objeto aprendido. O diálogo entre as disciplinas, especialmente entre os sujeitos educadores e

educandos, para além da divisão institucional de turmas, propõe a reciprocidade entre as várias

áreas de ensino, objetivando promover a unidade entre os sujeitos partícipes do processo de ensino-

aprendizagem.

Quando se discute a aplicabilidade da metodologia dos temas geradores, e mesmo dos

transversais, esbarra-se num impasse estrutural e administrativo: os recursos humanos e materiais

para a interdisciplinaridade. A estrutura adequada constitui-se como uma das prerrogativas para o

sucesso de se trabalhar com temáticas de interesse coletivo e social que perpassem todas as

disciplinas do currículo escolar.

Em muitas escolas públicas brasileiras existe a tentativa de se trabalhar os temas

transversais. Porém, mesmo a legislação brasileira reservando um terço da carga horária dos

professores e professoras à elaboração de aulas e de reuniões, na prática, não é o que acontece, seja

por inflexibilidade de horários, seja por contenção de gastos públicos. Ademais, quando efetiva, a

lei contempla apenas professores e professoras nomeadas em cargos públicos, no caso do Rio

Grande do Sul, em específico, os contratados emergencialmente não possuem essa flexibilidade de

carga horária.

Acredito que para contribuir com a formação da identidade, a partir do reconhecimento de

semelhanças e diferenças (BRASIL, 2006, p. 75) e desenvolver o respeito à diversidade, que

aparece nos PCNs como uma condição relevante para o ensino de História (BRASIL, 1997, p. 40;

46), o enfoque nos processos sociais, históricos e culturais da América Latina é profundamente

relevante, tanto para o entendimento em escala global dos eventos históricos, quanto para a

constituição de identidade regional e construção do pensamento crítico, uma vez que: “Através de

sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a

história e se fazem seres histórico-sociais” (FREIRE, 1981, p. 108).

Ao lançar a reflexão da perspectiva do dominado, ou do oprimido, como Stavenhagen

(1972) sugere, seguindo os conceitos teóricos de Freire, proporciona-se que os estudantes

questionem o porquê de não terem pensado a partir dessa perspectiva e, assim, estimule-se o

diálogo. Mesmo nas aulas-oficinas utilizadas para auferir a hipótese de pesquisa, acabou-se,

também, por codificar a situação existencial concreta de que muitos estudantes mal tinham

conhecimentos sobre a América Latina, e que nunca haviam parado para pensar sobre essa

perspectiva.

Page 94: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

91

Ainda quando um grupo de indivíduos não chegue a expressar concretamente uma temática geradora, o que pode parecer inexistência de temas, sugere, pelo contrário, a existência de um tema dramático: o tema do silêncio. Sugere uma estrutura constituinte do mutismo ante a força esmagadora de “situações-limites” em face das quais o óbvio é a adaptação (FREIRE, 1981, p. 115).

Por isso, para se pensar a metodologia dos temas transversais, e mais ainda quando se trata

dos temas geradores, que emanam de pesquisas e discussões de cada realidade de turma e escola,

que devem ser codificadas e descodificadas, reforça-se a ideia de que a estrutura do sistema de

ensino precisa ser repensada. Entretanto, a proposta de devolução sistemática a partir das reflexões

desta pesquisa pretende apresentar ao mesmo tempo uma possibilidade concreta de ação pedagógica

nos padrões atuais da estruturação curricular, sem excluir e objetivando superar as limitações

teóricas e estruturais do currículo e da Educação brasileira.

5.2 Sequência didática

Nos anos de 2017 e 2018, na Escola Estadual Lília Neves, ambiente desta pesquisa,

esbocei, juntamente com dois professores, um projeto além do multidisciplinar, embasados na

perspectiva de Freire. Entre um grupo de professores lecionando História, Sociologia, Geografia e

Filosofia e, em alguns momentos, Educação Física, organizaram-se aulas interdisciplinares nas

quais os professores das disciplinas mediavam juntos, em sala de aula, o desenvolvimento dos

conteúdos a partir de temas geradores. Cabe salientar que essa prática exigia uma carga de trabalho

extra não remunerada, visto que os professores participavam das aulas uns dos outros fora da sua

carga horária regular.

A primeira experiência foi a partir do tema gerador “racismo”, na qual foi abordado o filme

“Invictus”, que retrata a ascensão de Nelson Mandela na presidência da África do Sul e sua

estratégia de união a partir do esporte, o Rúgbi. Em Educação Física, discutiram-se os diversos

casos de racismo e invisibilidades no esporte. Na Sociologia, abordou-se a teoria de Freire sobre o

conceito de “ser mais”, identificando na figura de Nelson Mandela uma atitude direcionada em

romper o ciclo opressor. Em História e Geografia, debateu-se, com os estudantes, acerca dos

diversos tipos de repressão étnica e racial ao longo do tempo e suas consequências no espaço

geográfico.

Considerando a origem dos temas geradores, partindo do interesse dos estudantes, foram

abordadas temáticas latentes na realidade dos jovens estudantes de Ensino Médio, como o

feminismo e relacionamentos abusivos, o debate sobre aborto, a suposta relação entre pobreza e

taxa de fecundidade apresentadas por eles, por meio das quais pudemos dialogar e

desconstruir/descodificar a impressão distorcida da realidade sobre a causalidade, dentre outros

Page 95: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

92

temas surgidos das demandas dos educandos e que faziam parte da análise das disciplinas,

especialmente as das Ciências Humanas. A presença dos professores juntos no mesmo espaço e

tempo de sala de aula permite uma dimensão mais real da interdisciplinaridade, favorecendo a

compreensão dos estudantes acerca da dimensão do conhecimento do mundo e de seu contexto

sócio histórico.

Partindo desta análise, considero que a metodologia de temas geradores apresentada por

Freire, demanda uma ressignificação da estrutura institucional e curricular da Educação brasileira,

que se encaminhe de fato para os objetivos apontados como basilares nos PCNs e na LDBEN de

1996. Em meio a esse caminho, é necessário que se pense em propostas que ao mesmo tempo em

que se tornem adequadas à realidade escolar brasileira, busquem superar as barreiras estruturais que

dificultam a evolução de uma educação libertadora e crítica, que possibilite ao estudante

compreender, refletir, codificar e descodificar sua percepção sobre a realidade e sobre os processos

sociais e históricos que delimitam seu pensamento e linguagem.

E, reconhecendo através do caminhar desta pesquisa o silenciamento/invisibilidade da

América Latina no currículo escolar e no conhecimento dos estudantes, e considerando a

potencialidade da sua visibilidade e de sua descodificação para o desenvolvimento de identidade e

cidadania crítica por parte dos estudantes, proponho o estudo, a análise e o diálogo sobre o

subcontinente latino-americano como tema transversal, como adaptação e como tema gerador,

visando à superação das limitações teóricas e práticas na Educação brasileira.

Tratar a América Latina como tema gerador significa considerar que o subcontinente tem

papel nos processos históricos de dimensões globais, e suas realidades são permeadas pela interação

entre as partes. E assim, colocando-o como centro, ou ponto inicial da ação dialógica e

conscientizadora, parte dele a inserção dos indivíduos no mundo, permitindo que os estudantes

reflitam com maior propriedade os processos históricos, o que Freire aponta como “encadeamento

de temas significativos” (1981, p. 117). Por exemplo, quando se discute a Primeira Revolução

Industrial, protagonizada pela Inglaterra no século XVIII, como eram caracterizados os países

latino-americanos (que, na época, eram territórios e colônias de exploração)? Qual o papel do

território latino-americano nos eventos e processos históricos globais, e como é influenciado por

eles?

Dessa forma, juntamente com a elaboração das aulas-oficina, que serviram como fonte de

dados desta pesquisa, desenvolvi algumas estratégias de intervenção didático-pedagógica a fim de

proporcionar a ação dialógica e a reflexão sobre os temas referentes à história da América Latina.

Apresento, assim, uma sequência didática que segue do processo de codificação descrito no

subcapítulo “Análise da compreensão dos estudantes sobre América Latina”, aprofundando as

Page 96: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

93

discussões sobre as percepções dos estudantes, destacando o processo de descobrimento-invasão da

América por parte dos colonizadores europeus.

Zabala (1998, p. 55) indica que a sequência didática é uma série de atividades organizadas

que deve estar relacionada a uma questão conflitante da realidade experiencial dos alunos, com o

intuito de desenvolver a curiosidade e o senso crítico, a partir de atividades diferenciadas sobre um

mesmo tema. Nesse sentido, a principal ferramenta didática utilizada, após a discussão sobre as

imagens, etapa já apresentada, é a proposta da audição e discussão de músicas da banda espanhola

Ska-P, que, apesar de não ser original do continente latino-americano, trata de temáticas políticas e

culturais por meio de uma perspectiva libertária, entendendo os processos como legítimos na busca

de um rompimento com o status quo de subdesenvolvimento e aculturamento da região.

Sempre objetivando manter a coerência com a perspectiva teórica e social de Freire, pode-

se questionar o porquê de não se utilizar de artefatos culturais naturais do subcontinente latino-

americano, ao invés de dar preferência, mais uma vez, ao ponto de vista do “opressor”. Freire

(1981, p. 45) afirma que ambos, opressores e oprimidos, estão imersos numa única realidade, a de

opressão, colocados na mesma de privação de consciência libertadora. A unidade, a solidariedade

são as propulsoras da libertação. Afinal, nas palavras do autor:

O opressor só se solidariza com os oprimidos quando o seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor aqueles. Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isso no seu trabalho comprado, que significa sua pessoa vendida. Só na plenitude deste ato de amar, na sua existência, na sua práxis, se constitui a solidariedade verdadeira (FREIRE, 1981, p. 38).

Entende-se que quando um grupo de indivíduos apresenta uma perspectiva libertadora,

mesmo fazendo parte de um contexto histórico e social que os coloca como opressores, demonstra-

se a afirmativa de Freire de que tanto oprimidos quanto opressores fazem parte da mesma realidade

opressora que limita sua liberdade. Assim, o discurso da banda europeia também rompe com a

realidade opressora, a partir do momento em que se assume essa condição e busca, através da

música, conscientizar sendo conscientizadora. Reconhecermo-nos enquanto opressores também faz

parte do processo de libertação.

As narrativas, que a banda desenvolve desde o início de sua carreira, partem das

experiências dos integrantes inseridos no contexto da periferia madrilenha, principalmente no bairro

de Vallecas, e em 1995 a banda lança seu primeiro disco compacto intitulado apenas de Ska-P. No

ano seguinte, com o lançamento de “El Vals de Obrero” e letras com um apelo social variado, a

banda adquire mais visibilidade na cena musical da Espanha e da Europa, e com a obra “Eurosis”

Page 97: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

94

em 1998, o trabalho da banda alcança com peculiaridade o público francês e a primeira turnê na

América Latina, tocando na Argentina.

O discurso da banda aborda temas recorrentes, como a defesa dos direitos humanos, as

contradições do sistema capitalista e a cena de resistência ao mesmo. Outrossim, temas de

conjectura são identificados com questões religiosas contemporâneas, com denúncias da história da

Igreja Católica, por meio de discussões culturais, debates sociais e políticos iminentes, etc., que

podem ser usados como ferramenta interdisciplinar. Nas obras da banda é possível reconhecer

também uma quantidade significativa de canções que abordam as questões histórico-sociais da

América Latina, e muitas delas fazem referência a figuras importantes como Emilliano Zapatta3 e

Victor Jara4, marcados pela resistência à repressão dos agentes dos estados capitalistas sobre as

terras e o povo latino-americano.

Nesse sentido, a discussão de canções da banda Ska-P pode ser um instrumento alternativo

para fazer a interlocução entre a música de protesto e os temas das disciplinas de Ciências

Humanas, especialmente História, tendo em vista a construção de metodologias que orientem a

análise e a discussão bibliográfica de temas pertinentes expostos nas letras das músicas. Mais

interessante ainda, é que, por ser de origem europeia, apresentar e discutir a perspectiva da banda

sobre os processos latino-americanos demonstra que a ideia de progresso, que justifica a

colonização europeia pelo mundo, não é consenso nem entre os europeus, e abre um espectro maior

de questionamentos acerca do entendimento que os estudantes têm sobre os temas referentes à

América Latina.

Direcionando nossa elaboração da sequência didática, cito algumas músicas que tratam da

América Latina, como “America Latina Libre”, que faz uma reverência e um chamamento às

nações latino-americanas quanto ao seu contexto sócio-histórico de exploração e dominação por

ditaduras oligárquicas, “Paramilitar”, destacando o protagonismo revolucionário no México, dentre

outras.

Coincidentemente, durante a elaboração desta pesquisa, a banda lançou um novo álbum,

em 2018, intitulado “Game Over”, e uma das canções chama-se “Cruz, Oro y Sangre”, cuja letra

traz a perspectiva do processo de colonização como invasão violenta e genocida por parte dos

europeus, bem como o massacre das culturas indígenas originárias. No último verso, é assumida a

responsabilidade pelas consequências nocivas do processo histórico em questão, e faz um

chamamento à resistência:

3Emilliano Zapatta (1879 – 1919), foi o organizador de um grupo de indígenas guerrilheiros no México, que tinha o intuito de ocupar e repartir as terras dos latifundiários que dominavam as terras apoiados pela política econômica do governo de sistema ditatorial de Porfírio Diaz (1830-1915). 4 Na ditadura chilena liderada por Augusto Pinochet (1915-2006), vivenciada entre 1973 e 1988, em meio a milhares ativistas políticos, um dos muitos artistas revolucionários mortos foi o músico e compositor chileno Victor Jara (1932-1973), após ser barbaramente torturado no Estádio do Chile.

Page 98: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

95

A los pueblos originários Víctimas de la avaricia de nuestros antepasados Víctimas de la cruz que lês hizo esclavos Resistencia, vuestra lucha no ha acabado (Ska-P, Cruz, Oro y Sangre – Game Over, 2018).

Diante da pertinente análise crítica apresentada na música em questão, optei por indicá-la

como contraponto à ação dialógica promovida com os estudantes de Ensino Médio, sujeitos da

pesquisa. Dessa forma, apresento-a como proposta didática que centraliza a América Latina como

tema gerador, além da atividade da aula-oficina da inserção inicial, analisada no capítulo anterior,

propondo estender a discussão sobre temas centrais ao subcontinente de forma que se promova cada

vez mais a decodificação dos conhecimentos limitantes reconhecidos com e pelos estudantes.

Inserções conceituais:

Tempo da atividade: entre duas e quatro aulas de cinquenta minutos.

Objetivo geral: Apresentar e problematizar aspectos históricos da América Latina a partir

de uma perspectiva que coloca o subcontinente como central no processo de constituição social e

cultural.

Objetivos específicos:

o Discutir trecho da obra “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano

sobre os processos de colonialismo e neocolonialismo e seus reflexos na estrutura social do

subcontinente;

o Analisar a letra da música “Cruz, Oro y Sangre”, da banda espanhola Ska-P,

discutindo com os estudantes sobre a seleção da banda e da música, e apresentar informações sobre

os episódios e elementos citados na música, como a expansão colonialista europeia sobre as terras

americanas e problematizar o processo de descobrimento das Américas e seus desdobramentos;

o Desenvolver o conhecimento acerca da história da América Latina;

o Questionar os padrões e estereótipos reproduzidos social, cultural e historicamente

sobre o subcontinente.

Questões orientadoras e desenvolvimento:

o Anotar no quadro elementos que constituem a América Latina, na percepção dos

estudantes a partir de questionamentos como: Qual ou quais as línguas faladas na América Latina?

Que aspectos culturais são mais evidentes? Que eventos históricos importantes aconteceram no

subcontinente? Quais as etnias que compõem a população e de que forma se constituíram? Em

Page 99: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

96

geral, quais as condições econômicas e sociais dos países latino-americanos? Que elementos te

estimulam ou não colaboram para que queiras visitar os países?

o Realizar leitura orientada dos seguintes trechos da obra “As veias abertas da América

Latina”, Eduardo Galeano:

“A nostalgia belicosa de Túpac Amaru” (p. 70-74);

“A Semana Santa dos índios termina sem ressurreição” (p. 75-80);

“Um talismã vazio de poderes” (p. 289-293);

“São sentinelas que abrem as portas: a esterilidade culpável da burguesia nacional” (p.

293-302).

o Solicitar que os estudantes destaquem trechos relevantes na leitura, para a discussão

de elementos desconhecidos sobre a História da América Latina, e identificar similaridades sócio-

históricas entre os países pertencentes ao subcontinente;

o Realizar releitura e reescrita dos versos da música (possivelmente, em um segundo

encontro de duas aulas de cinquenta minutos), buscando compreender o ponto de vista apresentado

e relacioná-lo com os conhecimentos prévios.

Síntese: os estudantes irão elaborar narrativas que apresentem percepções iniciais sobre o

tema e o desenvolvimento dos conceitos que definem a América Latina através das ferramentas

trabalhadas e, ainda, de que forma as atividades contribuíram para reforçar ou transformar o

entendimento inicial que apresentavam.

Material:

o Fotocópias dos textos selecionados da obra “As veias abertas da América Latina”;

o Fotocópias das letras das músicas trabalhadas;

o Caixa de som para audição.

Proponho o planejamento da inserção acima considerando como continuidade de um

trabalho de codificação e decodificação (FREIRE, 1981, p.122), tendo como inserção inicial a

proposta de aula-oficina que foi trabalhada com os estudantes das turmas, analisadas no capítulo

anterior. Optei pela elaboração de uma sequência didática, pois, segundo Zabala (1998, p. 18), ela

consiste em “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de

certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores

como pelos alunos”.

Mesmo que não seja concreta a viabilidade de uma prática pedagógica interdisciplinar de

fato, acredito que partir dessas percepções iniciais dos estudantes acerca da América Latina, a fim

Page 100: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

97

de estimulá-los a conceber outras formas de interpretar os fatos históricos, é um potencial ponto de

partida para colocar o subcontinente latino-americano como protagonista nos processos históricos

que devem ser trabalhados no currículo da disciplina escolar de História, pois a:

[...] investigação temática, que se dá no domínio do humano e não no das coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico. Sendo processo de busca, de conhecimento, por isto tudo, de criação, exige de seus sujeitos que vão descobrindo, no encadeamento dos temas significativos, a interpretação dos problemas (FREIRE, 1981, p. 117).

Destarte, a partir da hipótese inicial, investiguei as possibilidades de visibilidade ou

invisibilidade que os temas e conteúdos referentes à América Latina têm na Educação Básica no

Brasil, identifiquei, também, poucas referências ao subcontinente nos Parâmetros Curriculares

Nacionais de História, e analisei, a partir de uma aula-oficina, o impacto da ausência da temática

nas orientações educacionais sobre a construção do pensamento e linguagem dos estudantes de

Ensino Médio. Isso significa assumir que existe uma demanda pela visibilidade do subcontinente,

que pode ser desenvolvida a partir da sua proposição como tema gerador.

Carretero (2010, p. 214) destaca que a questão do descobrimento da América, registrado

em 12 de outubro de 1492 é emblemática na forma como se irá constituir a identidade dos cidadãos

latino-americanos. Ele argumenta que existem três perspectivas – a eurocêntrica, que coloca

Colombo como protagonista de um processo civilizatório; a de “encontro entre dois mundos”, que

de certa forma também naturaliza os desdobramentos da chegada do europeu na América; e o que

evidencia o processo de espoliação e genocídio promovido pelos colonizadores europeus sobre os

povos originários – e que dependendo da abordagem dada ao tema, é possível desenvolver análises

críticas sobre outros processos históricos, “[...] bem como a questão da sua incidência no

desenvolvimento dos Estados Nacionais na Europa” (op. cit.).

Considerando que a construção de identidade e da cidadania são postulados importantes no

debate da Educação Progressista e Libertária, além de serem mencionadas com frequência nos

PCNs, surge como fundamental para tal a discussão das origens pré-colombianas e da colonização

europeia no continente latino-americano, já que a miscigenação é uma característica marcante na

constituição étnica, social e histórica no Brasil. Além disso, uma educação histórica que preconize a

valorização do protagonismo dos sujeitos demanda teorias e metodologias que apresentem as

diferentes histórias e relacionem-nas com o presente.

Nessa perspectiva, a discussão sobre o uso de novas linguagens no Ensino de História se

faz pertinente, pois a intenção é se apropriar da música como fonte histórica, ou seja, “[...] trazer

linguagens para incentivar o desenvolvimento da aula de história e utilizar tais expressões da

linguagem como fontes, em que o aluno se torna o intérprete da historicidade de tais fontes”

Page 101: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

98

(ROCHA, 2015, p. 108). Isso quer dizer que a música não está posta como evidência, mas sim

sujeita à análise de seu conteúdo e contexto: o tema ou os sujeitos citados na música são familiares?

Já foram abordados em sala de aula ou em outro espaço de discussão? Por quê? Qual importância

que têm para serem citados na música?

A partir da análise reflexiva de uma música que aborda o processo de colonização

considerando a perspectiva dos povos colonizados, acredito ser uma proposta que possui um

potencial gerador de diálogo sobre os mais diversos temas dos processos históricos, seja na

perspectiva sócio-histórica da América Latina, seja colocando-a nas discussões dos processos

históricos globais, buscando, assim, minimizar e/ou romper o mecanismo da invasão cultural que

influencia na constituição da identidade desses jovens e a percepção que têm sobre sua própria

história.

Page 102: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo central da pesquisa foi de realizar um diagnóstico sobre a posição ou papel dos

temas e conteúdos sobre América Latina nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),

especificamente de História, e avaliar como os estudantes, jovens do Ensino Médio, estão

construindo a percepção acerca do subcontinente latino-americano do qual fazem parte.

Para isso, analisei os Parâmetros Curriculares Nacionais de História, que indicam o que e

como o conteúdo histórico deve ser trabalhado no ensino escolar, e realizei atividades dialógicas de

reflexão para auferir o reflexo do Ensino de História no entendimento e reconhecimento da América

Latina como parte de processos sócio-históricos em comum e, assim, promover o potencial

desenvolvimento de identidade com o subcontinente.

Durante a pesquisa, percebeu-se que existem outros espaços de socialização que impactam

diretamente a forma como os estudantes constituem seu pensamento e linguagem acerca de variados

temas, dentre eles, os que concernem à América Latina. Certamente, a influência da mídia global, a

partir da última década do século XX, é causa direta da falta de reconhecimento desses jovens como

latino-americanos e da identificação maior com expressões culturais e temáticas sociais de países

desenvolvidos da Europa e dos Estados Unidos da América, e essa é uma problemática de pesquisa

relevante.

Entretanto, ao mesmo tempo em que reconheço a influência de outros atores sociais no

desenvolvimento social e cognitivo dos estudantes, acredito que a escola precisa assumir um papel

de maior relevância sobre questões referentes às invisibilidades na sociedade de forma geral. Se não

no espaço escolar, em que outros espaços os estudantes terão acesso fácil e espontâneo a temas que

não são de interesse da hegemonia econômica e política?

Para desenvolver a hipótese da pesquisa, de que América Latina não tem o espaço e/ou não

é abordada na Educação Básica de forma que proporcione aos estudantes aproximação e

identificação sócio-histórica com os países que fazem parte do subcontinente, apliquei um

questionário de investigação sobre o conhecimento e o interesse dos estudantes acerca de alguns

países do mundo. Na aplicação dos questionários, em seis turmas do Ensino Médio, pude observar a

falta de conhecimento do conceito de América Latina e o pouco interesse cultural, social e/ou

econômico pelos países do subcontinente apresentados nos questionamentos.

Optei por desenvolver uma pesquisa participante, de acordo com Brandão (1990) e

Oliveira e Oliveira (1990), que possibilitasse perceber, promover, uma ação dialógica e analisar o

pensamento e a linguagem dos estudantes partindo da temática geradora da América Latina. Os

autores também prevêem, como etapas da pesquisa, a devolução sistemática para a discussão e ação

das problemáticas codificadas.

Page 103: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

100

Discuti, a partir do segundo capítulo, que a constituição da disciplina escolar de História no

Brasil sempre foi marcada por interesses econômicos e políticos, apontando para uma linearidade

histórica que favorece a ideia de “progresso” advindo do processo de colonização e, por isso, a

construção da nossa identidade passa pelo reconhecimento desta “conquista” europeia, o enfoque na

História do Brasil voltada aos ciclos econômicos – o que transparece o pensamento histórico

capitalista – e fortalecendo essa identidade por meio da diferenciação e das rivalidades em relação

aos países vizinhos.

Quando convergi para a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais, estruturados entre

1997 e 2006, com vistas a orientar a elaboração dos currículos escolares de História, reconheceram-

se algumas questões que são contraditórias, no meu ponto de vista, pois os textos dos PCNs

remetem com frequência à importância da constituição da identidade e da cidadania, evidenciam

várias vezes a questão da diversidade cultural (especialmente no primeiro e segundo ciclos do

Ensino Fundamental), mas não colocam como fundamentais nessas discussões a América Latina,

subcontinente de que fazemos parte e com o qual possuímos similaridades sociais e históricas e, ao

mesmo tempo, uma diversidade cultural essencial para se desenvolver tais conceitos.

No terceiro ciclo do Ensino Fundamental, destaquei algumas expressões utilizadas para

descrever a América Latina que, mais uma vez, deixam claro o processo de aproximação com a

Europa – que desenvolvi adiante através dos conceitos de consciência hospedeira e invasão cultural

– como “conquista” (enfatizando uma relação entre sucesso e fracasso), “ocupação” (como se o

território não fosse ocupado) e generalizando os indígenas como “caçadores e coletores”. No quarto

ciclo do Ensino Fundamental, alguns temas que se referem ao subcontinente são apontados nos

PCNs, todavia com o intuito de discutir episódios que influenciaram na configuração do território

brasileiro.

As orientações para o Ensino Médio pouco se diferem dos padrões apresentados para os

demais ciclos, novamente destacam-se a importância da História na construção da identidade e de

cidadania, mas não se estabelece relação entre essa construção e o reconhecimento latino-

americano. Além disso, na sugestão de eixos temáticos propostos, fica clara a pouca ou quase nula

importância dos processos sócio-históricos da América Latina na composição curricular.

O que se percebe é que a intencionalidade da relação entre passado e presente e o

conhecimento histórico depende muito do arcabouço teórico e metodológico de cada professor – e

aqui, surge outro potencial tema de pesquisa, em relação à formação de professores –, o que não é

um problema, tendo em vista a importância do ato democrático de ensinar. No entanto, a falta de

importância dada aos temas e conteúdos referentes à América Latina invisibiliza-a no meio de uma

série de outros conteúdos (por vezes, eurocêntricos) na seleção didática de cada instituição ou

professor.

Page 104: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

101

No quarto capítulo, então, parto para a análise do impacto dessa estruturação curricular da

disciplina de História na constituição do pensamento e linguagem dos estudantes. Desenvolvi uma

proposta de ação, e apliquei, essencialmente, aquela que permitiria a coleta do material para análise

da percepção dos estudantes sobre a América Latina.

Foi evidente, nesta etapa da pesquisa, o pouco reconhecimento que os estudantes do

Ensino Médio tinham do subcontinente latino-americano. No diálogo inicial, eles se mostraram

confusos quanto ao objeto da discussão, e as referências que demonstraram eram bastante

generalizantes, como a “língua derivada do latim”, a localização geográfica e, em alguns casos,

citavam o processo de colonização como elementos integradores do subcontinente.

De modo geral, na segunda parte da investigação com os estudantes, eles elencaram que

imagens consideravam ser da América Latina, e que imagens eram de outras regiões. Tendo em

vista o pouco conhecimento apresentado no diálogo inicial, esta etapa diz muito sobre a construção

do pensamento e da linguagem dos estudantes acerca do subcontinente, pois eles tinham que

classificar as imagens e apresentar elementos que as justificassem. Sem o domínio mais profundo

das temáticas da América Latina, os resultados observados são puramente as expressões do que eles

associam ao subcontinente.

Entre imagens atuais e representações do passado, procurei trazer imagens exuberantes da

América Latina e de áreas não tão nobres de países da Europa. Em resumo, o que se observa são

classificações de aspectos negativos quando as imagens eram classificadas como América Latina

(pobreza, subdesenvolvimento, poluição), e as imagens que eram classificadas como de outras

regiões, assim eram devido à organização, à beleza, ao desenvolvimento.

Uma das imagens mais emblemáticas, considero ser a representação de Tenochtitlán,

México, no período pré-colombiano. Os estudantes que classificaram a mesma como de outras

regiões, assim o fizeram pela organização das ruas e cidades; já os que a classificaram como latino-

americana, destacaram os traços indígenas da representação de algumas pessoas, e também a

natureza, as montanhas ao fundo e a água em abundância. Na imagem do Rio de Janeiro moderno,

os que não reconheceram de pronto a cidade em si, também destacaram a natureza como

característica da América Latina. Em outras palavras, quando os elementos se referem à natureza ou

à pobreza, a classificação era América Latina, quando os elementos em destaque eram civilização e

organização, eles reconheciam a imagem como não pertencente ao subcontinente.

Além dessa relação entre aspectos “negativos” e positivos”, elencados para discernir a

América Latina de outras regiões, os estudantes também demonstraram, durante as aulas-oficinas,

que não se reconhecem, no aspecto sociocultural, como latino-americanos. Dentre os elementos

destacados que não os faziam pertencentes à América Latina, traços físicos e a aproximação cultural

com a Europa (parafraseando um estudante, o cotidiano deles é “estrangeiro”) foram mais

Page 105: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

102

pertinentes para se desenvolver a discussão sobre os conceitos de consciência hospedeira e invasão

cultural de Freire.

Freire argumenta que nossa sociedade é pautada em uma relação entre oprimidos e

opressores. Essa relação, reforçada no modo de produção capitalista e associada a processos

históricos do imperialismo ocidental, constroi sociedades que não se sentem merecedoras porque

não possuem determinados hábitos e produtos. Isso ajuda a entender porque os estudantes não se

identificam com a cultura latino-americana, tida como menor, na qual o modo de vida ocidental

europeu e norte-americano é o objetivo, é melhor, e a cultura latina representa os que perderam.

Nessa perspectiva, o conceito de invasão cultural apresentado por Freire como uma

instância do processo de dominação das massas é pertinente para entender a importância da questão

e constatar sua aplicabilidade. Além disso, percebe-se que os dispositivos institucionais abordados

nas pesquisas aqui trazidas mantêm, de uma forma ou de outra, o sentido de sectarização (Freire,

1981, p. 20). Dessa maneira, a sectarização do mundo em países pobres e ricos economicamente,

produz uma generalização em que os próprios oprimidos, pertencentes aos países suprimidos pela

economia hegemônica e opressora, idealizam a realidade opressora como objetivo, e se distanciam

da própria história e cultura em prol de uma “homogeneização” que é idealizada, mas não realizada.

Nessa perspectiva de opressor e oprimido, é possível admitir que o direcionamento

imposto institucionalmente no Brasil, em relação ao ensino de História, corrobora com um processo

de afastamento sociocultural dos brasileiros em relação às demais nacionalidades latino-americanas.

Esse distanciamento é influenciado e influencia no fortalecimento de uma História vencedora, que

busca aproximar o Brasil das experiências ocidentais bem sucedidas e não promove o

reconhecimento de que os processos sócio-históricos do país assemelham-se a países que, no

cenário social e econômico mundial, não são protagonistas.

A partir das mudanças estabelecidas a partir do final do século XX e início do século XXI,

é possível perceber algumas mudanças de paradigmas sobre o currículo escolar, especialmente,

acerca do Ensino de História. Entretanto, superar mais de um século de uma construção social,

cultural e histórica que segrega, é um desafio constante que precisa ser encarado pelos professores,

não somente a partir da temática da América Latina, mas sim por todos os processos sociais,

culturais, históricos e espaciais que são relegados à invisibilidade pela História escolar tradicional.

Diante dessa realidade, destaco a relevância de se aplicar a metodologia dos temas

geradores, especialmente no Ensino Médio, etapa da Educação Básica que visa o aprofundamento

dos conceitos do Ensino Fundamental e o desenvolvimento do pensamento e do cidadão crítico. A

interdisciplinaridade é outro escopo que se desdobra das reflexões desenvolvidas e de pesquisas se

dedicam a esse tema. Apresentei uma prática pedagógica interdisciplinar já executada a partir de

temas geradores, mas que para ser implantada demanda um esforço além do institucional, já que as

Page 106: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

103

estruturas dos sistemas de ensino no Brasil e de suas gestões administrativas não possibilitam a

legitimação prática da proposta de trabalhar disciplinas concomitantemente com a presença dos

professores em uma mesma carga horária.

Entretanto, tais impasses não impedem o esforço na elaboração de estratégias que visem

superar a estrutura ideológica dos sistemas de ensino que contribui, na concepção baseada na teoria

de Freire, para a manutenção da invasão cultural e consciência hospedeira, em direção a uma

educação que desenvolva o pensamento crítico e autocrítico, que promova a reflexão e

decodificação das situações-limites postas na nossa realidade.

Assim, além de propor a América Latina como tema gerador no Ensino Médio na

disciplina de História, também apresentei uma proposta de continuidade da aula-oficina aplicada

nas turmas que, na pesquisa, visou reconhecer a demanda pela visibilidade do subcontinente na

Educação Básica, mas que é geradora de diálogos que nos levaram a propor uma sequência didática

a partir da análise de música.

Na ocasião, apresentei a banda espanhola Ska-P, seu contexto e justifiquei sua pertinência

no debate entre opressores e oprimidos. Na sequência didática, sugeri a audiência da música “Cruz,

Oro y Sangre” para aprofundar as discussões sobre o processo de colonização, apresentando uma

visão que coloca os povos originários como centrais no processo, além da análise e da discussão de

textos do clássico As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Na elaboração da

proposta, se considera a emergência de novas linguagens no ensino de História e a importância do

protagonismo dos estudantes na construção do conhecimento histórico.

Sem pensar em findar a pesquisa ou a prática constante de ressignificação do ato de educar,

minhas considerações finais são voltadas para resgatar um apanhado geral da caminhada da

pesquisa, tendo como princípio as observações empíricas sobre a invisibilidade da América Latina

por parte dos estudantes, buscando, através de fontes e metodologias, diagnosticar a relevância dada

ao subcontinente na Educação Brasileira e seus reflexos na constituição do pensamento e linguagem

desses, reconhecendo, no processo a análise da realidade a partir da visão opressora descrita por

Freire em Pedagogia do Oprimido.

O que é possível constar, enfim, é que os dados obtidos nesta pesquisa podem ser

interpretados a partir de outras teorias sociológicas e educacionais. Entretanto, a relação entre

oprimido e opressores descrita em Freire, e a consciência ambígua e hospedeira é perceptível na

forma como os estudantes de Ensino Médio pesquisados percebem o subcontinente o qual fazem

parte, negando-o, por vezes, e por outras o colocando numa posição de fracasso e derrota que não

deixa outra opção, na realidade opressora e dual em que vivem, se não se identificarem com os

opressores que tiveram sucesso.

Page 107: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

104

Enquanto professores e pesquisadores, devemos sempre nos preocupar com a utopia e não

nos contentarmos com o mundo que temos. Dessa forma, como manifesto de resistência, deixo a

contribuição na reflexão e na proposição de formas diferentes de se pensar a Educação e de

formarmos de fato cidadãos críticos, que sabem de onde falam.

Neste espaço de conclusão da escrita, saliento que muitos dos questionamentos e

possibilidades não se encerram aqui. A discussão sobre a América Latina no currículo escolar é um

tema de interesse de muitos pesquisadores e eles devem sempre ampliar seus horizontes em busca

das problemáticas identificadas estruturalmente e no cotidiano escolar. A Educação, enquanto um

processo que não pode ser estanque, sempre deve ser terreno fértil de investigações.

Page 108: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

105

REFERÊNCIAS

ABUD. Kátia. Currículos de História e políticas públicas: os programas de História do Brasil na

escola secundária. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 11ed. São

Paulo: Contexto, 2010.

ALVES. Cândida Beatriz. Integração, identidade e universidade na América Latina. Dissertação

(Mestrado em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde) – Instituto de Psicologia,

Universidade de Brasília, Brasília, 2013.

BARCA, Isabel. Aula oficina do projecto à avaliação. In: PARA UMA EDUCAÇÃO HISTÓRICA

DE QUALIDADE, 4., 2004, Braga. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação Histórica.

Braga: Uminho, 2004. p. 131-144.

_______Ideias chave para a educação histórica: uma busca de (inter)identidades. In: História.

Goiânia, v. 17, n. 1, p. 37-51, jan./jun. 2012

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70: 2006.

BARBOUR, Rosaline. Grupos focais. Trad. Marcelo Figueiredo Duarte. Porto Alegre: Artmed:

2009.

BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In:

BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 11ed. São Paulo: Contexto,

2010.

BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI,

Afrânio (Org.). Escritos de educação. 2ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.) Pesquisa Participante. 8ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). História. Ensino Fundamental. Primeiro e

segundo ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1997.

Page 109: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

106

_______Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). História. Ensino Fundamental. Terceiro e

quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

_______ Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). História. Ensino Médio. Brasília:

MEC/SEF, 1999.

________ Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN+). Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2006

CAIMI, Flavia Eloisa; TEIXEIRA, Fabiano Barcellos. O passado é imprevisível! Controvérsias historiográficas acerca da Guerra do Paraguai no livro didático de História (1910-2010). In: Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 6, n. 3, dez., 2013.

CARRETERO, Mario. Documentos de identidade: a construção da memória histórica em um

mundo globalizado. Trad. de Carlos Henrique Lucas Lima. Porto Alegre: Artmed, 2010.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. de Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1982.

CONCEIÇÃO. Juliana Pirola da. Ensino de História e consciência histórica latino-americana no

Colégio de Aplicação da UFSC. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências da

Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

CONCEIÇÃO. Juliana Pirola da; ZAMBONI, Ernesta. A educação pública e o ensino de História

da América Latina no Brasil e na Argentina. In: Práxis Educativa, Ponta Grossa, v.8, n.2, p. 419-

441, jul/dez. 2013.

COUTO, Regina Célia do. O currículo como produtor de identidade e de diferença: efeitos na

fronteira Brasil – Uruguai. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade

Federal de Pelotas. Pelotas, 2012.

DE AMÉZOLA, Gonzalo. Esquizohistoria: La Historia que se enseñaenlaescuela, la que preocupa

a los historiadores y una renovaciónposible de lahistoria escolar. Buenos Aires: LibrosdelZorzal,

2008.

Page 110: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

107

DIAS, Maria de Fatima Sabino. A “invenção da América” na cultura escolar. Tese (Doutorado em

Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 9ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

FREYRE, Gilberto. Integração portuguesa nos trópicos. Lisboa: Ministério do Ultramar, 1958.

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8ed. São Paulo: Ática. 2008.

GADOTTI, Moacir. Pensamento pedagógico brasileiro. 4ed. São Paulo: Ática, 1991.

GALEANO, E. As Veias Abertas da América Latina. Trad. de Sérgio Faraco. Porto Alegre:

L&PM POCKET, 2010.

GATTI, Bernardete Angelina. Grupo focal na pesquisa em Ciências sociais e humanas. Brasília:

Líber Livro 2005.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GONDIM. Sônia Maria Guedes. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa: desafios

metodológicos. In: Paidéia, 2003, 12(24), p. 149-161.

HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: MARICATO, Erminia [et al]. Cidades rebeldes:

Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo: Carta Maior,

2013, p. 27-24.

HARVEY, David [et al.]. Ocuppy: movimentos de protesto que tomam as ruas. São Paulo:

Boitempo: Carta Maior, 2012.

KALIL-ALVES, Thamar; DE OLIVEIRA, Wellington. O ensino de história da América Latina no

Brasil: sobre currículos e programas. In: Magis. Revista Internacional de

InvestigaciónenEducación, v. 3, n. 6, enero-junio, 2011, p. 283- 298.

Page 111: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

108

LIMA, Venício A. de. Mídia, rebeldia urbana e crise de representação. In: MARICATO, Erminia

[et al]. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo:

Boitempo: Carta Maior, 2013, p, 89-96.

MACEDO, Elisabeth Fernandes de. Parâmetros Curriculares Nacionais: a falácia de seus temas

transversais. In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa (org). Currículo: políticas e práticas.

Campinas, SP: Papirus, 1999.

MARCONI, M. de A.; LAKATOS E.M. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo:

Atlas, 2010 (p. 148-164).

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes,1989.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília:

DF: UNESCO, 2002.

NADAI, Elza. O Ensino de História no Brasil: trajetória e perspectiva. In: Revista Brasileira de

História, v. 13, n. 25/26, São Paulo, 1993.

NOVAIS, Fernando; SILVA, Rogério (orgs). Nova História em perspectiva. São Paulo: Cosac

Naify, 2011.

OLIVEIRA, R. D.; OLIVEIRA, M. D. Pesquisa social e ação educativa: Conhecer a realidade para

poder transformá-la. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Pesquisa Participante. 8ed. São Paulo:

Brasiliense, 1990.

OLIVEIRA, Thalita Maria Cristina Rosa; GABRIEL, Carmen Teresa. Ensino de História e a

invenção do comum: tensões identitárias em diferentes escalas na política curricular do Mercosul

Educacional. In: Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 8, n. 2, p. 465-487, jul./dez. 2013.

RICHARDSON, R.J. Pesquisa social. Métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 2008 (p. 220-244).

ROCHA, Helenice. Linguagem e novas linguagens: pesquisa e práticas no ensino de História. In:

ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca (org). O ensino de História em

questão: cultura histórica, usos do passado. Rio de Janeiro: FGV, 2015, p. 97-119.

Page 112: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

109

SANTOS, Analice Alves Marinho. O olhar do “outro” sobre si mesmo: as representações de

América nos manuais de formação de professores no Brasil e na Argentina (1900-1913).

Dissertação (Mestrado em Educação) – Núcleo de Pós-Graduação em Educação, Universidade

Federal de Sergipe, 2013.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.

Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

TODOROV. Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. Trad. de Beatriz Perrone

Moisés. 4ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Page 113: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

110

APÊNDICE

Cruz, Oro y Sangre – Ska-P, Game Over, 2018

Um día de otoño gris se consumo la maldición

tres carabelas eclipsaron al sol

llegaron diablos blancos recubierto sen metal

clavando espadas a la fraternidad oh no!

Cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre

Les masacraron y violaron em nombre de um dios

cuasi verdugo la santa inquisición

era herejía adorar a la luna o al sol

en la hoguera la purificación

Cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre... cruz, oro y sangre

Cada 12 de octubre mi desprecio y asco a la invasión

me niego a festejar ¿sinla? colonización

ningún libro de escuela cuenta su versión

matanza de nativos, crimen colonial

Por la tierra MARICHIWEU

por los padres MARICHIWEU

por los muertos MARICHIWEU

por la vida MARICHIWEU

Nunca se fueron continúan com la exfoliación

Page 114: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …

111

adía de hoy se llama corporación

500 años de saqueos y de explotación

bajola cruz de la esclavitud oh no!

Cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre... la gran invasión

cruz, oro y sangre... cruz, oro y sangre

Cada 12 de octubre mi desprecio y asco a la invasión

meniego a festejar ¿sinla? colonización

ningún libro de escuela cuenta su versión

matanza de nativos, crimen colonial

Por la tierra MARICHIWEU

por los padres MARICHIWEU

por los muertos MARICHIWEU

por la vida MARICHIWEU

por la tierra MARICHIWEU [Crimen colonial]

por los padres MARICHIWEU [crimen colonial]

por los muertos MARICHIWEU [crimen colonial]

por la vida MARICHIWEU [crimen colonial]

A lospueblosoriginarios

víctimas de la avaricia de nuestros antepasados

víctimas de la cruz que les hizo esclavos

RESISTENCIA... vuestra lucha no ha acabado.

Page 115: A (IN)VISIBILIDADE DA AMÉRICA LATINA NO ENSINO DE …