24
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 1 A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE REVISTAS BRASILEIRAS: 12/07/2017 a 31/01/2018 1 JUSTICE, DEFENDANT AND CANDIDATE LULA IN COVERS OF BRAZILIAN MAGAZINES:12/07/2017 to 31/01/2018 Camila Moreira Cesar 2 Maria Helena Weber 3 Resumo: Esse artigo tem por objetivo contribuir com o debate sobre as interferências entre os discursos jornalístico e jurídico sobre um acontecimento público definido pela corrupção política, ações da Operação Lava Jato e o protagonismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois últimos julgamentos (12/07/2017 e 24/01/208). O eixo teórico contempla questões relacionadas à inserção e o poder da imprensa como protagonista do debate público; o domínio sobre a verdade própria dos discursos jurídicos e jornalísticos e, por último, a visibilidade dada ao acontecimento público proposta pela síntese das capas de revistas. O corpus é de 29 capas de Veja, IstoÉ e Época. A metodologia abrange a leitura das capas a partir da perspectiva dos enquadramentos textuais e semióticos capazes de propor esquemas interpretativos. Os resultados mostram a criminalização de Lula, alertam para o perigo de sua candidatura e, simultaneamente, questionam o sistema judiciário. Palavras-chave: Comunicação política. Jornalismo de revistas. Lula e a Lava Jato. Abstract: This article aims to contribute to the debate about the interference between the journalistic discourse and the legal discourse about a public event defined by political corruption, Lava Jato actions and the role of former president Luiz Inácio Lula da Silva in his last two judgments (12/07/2017 and 01/24/208). The theoretical axis contemplates questions related to the insertion and the power of the press as a protagonist of the public debate; the influence over the truth of legal and journalistic discourses and, finally, the visibility given to the public event proposed by the synthesis of magazine covers. The corpus is 29 covers of magazines Veja, IstoÉ and Época during this period. The methodology covers the reading of the covers from the perspective of the textual and semiotic frameworks, capable of proposing interpretive schemes. The results show Lula's criminalization, warn of the danger of his candidacy and simultaneously question the judicial system. Key-words: Political communication. Magazine journalism. Lula and Car Wash Operation 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019. 2 Professora substituta na Université de Lorraine-Metz, doutoranda em Comunicação na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3 em cotutela com a UFRGS. Mestre em Comunicação pela Université Sorbonne Nouvelle Paris 3. Professora Titular no Departamento de Comunicação da UFRGS. Doutora em Comunicação (UFRJ). Mestre em Sociologia (UFRGS). Pesquisadora bolsista CNPq.

A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

1

A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE

REVISTAS BRASILEIRAS: 12/07/2017 a 31/01/20181

JUSTICE, DEFENDANT AND CANDIDATE LULA IN

COVERS OF BRAZILIAN MAGAZINES:12/07/2017 to

31/01/2018

Camila Moreira Cesar2

Maria Helena Weber 3

Resumo: Esse artigo tem por objetivo contribuir com o debate sobre as interferências entre os discursos

jornalístico e jurídico sobre um acontecimento público definido pela corrupção política, ações da Operação

Lava Jato e o protagonismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois últimos julgamentos

(12/07/2017 e 24/01/208). O eixo teórico contempla questões relacionadas à inserção e o poder da imprensa

como protagonista do debate público; o domínio sobre a verdade própria dos discursos jurídicos e jornalísticos

e, por último, a visibilidade dada ao acontecimento público proposta pela síntese das capas de revistas. O

corpus é de 29 capas de Veja, IstoÉ e Época. A metodologia abrange a leitura das capas a partir da

perspectiva dos enquadramentos textuais e semióticos capazes de propor esquemas interpretativos. Os

resultados mostram a criminalização de Lula, alertam para o perigo de sua candidatura e, simultaneamente,

questionam o sistema judiciário.

Palavras-chave: Comunicação política. Jornalismo de revistas. Lula e a Lava Jato.

Abstract: This article aims to contribute to the debate about the interference between the journalistic discourse

and the legal discourse about a public event defined by political corruption, Lava Jato actions and the role of

former president Luiz Inácio Lula da Silva in his last two judgments (12/07/2017 and 01/24/208). The

theoretical axis contemplates questions related to the insertion and the power of the press as a protagonist of

the public debate; the influence over the truth of legal and journalistic discourses and, finally, the visibility

given to the public event proposed by the synthesis of magazine covers. The corpus is 29 covers of magazines

Veja, IstoÉ and Época during this period. The methodology covers the reading of the covers from the

perspective of the textual and semiotic frameworks, capable of proposing interpretive schemes. The results show

Lula's criminalization, warn of the danger of his candidacy and simultaneously question the judicial system. Key-words: Political communication. Magazine journalism. Lula and Car Wash Operation

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Política do XXVIII Encontro Anual da Compós,

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019. 2 Professora substituta na Université de Lorraine-Metz, doutoranda em Comunicação na Université Sorbonne

Nouvelle Paris 3 em cotutela com a UFRGS. Mestre em Comunicação pela Université Sorbonne Nouvelle Paris 3. Professora Titular no Departamento de Comunicação da UFRGS. Doutora em Comunicação (UFRJ). Mestre em Sociologia (UFRGS). Pesquisadora bolsista CNPq.

Page 2: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

2

O perigo das novas democracias é a dificuldade

crescente, para os homens de pensamento, de escapar à

obsessão da agitação sedutora.

(Gabriel Tarde – A opinião e as Massas, 1903)

1.Introdução

A recente história do Brasil está marcada por mudanças profundas em relação aos

poderes republicanos tocados pela corrupção. Instituições, políticos, governantes estão sob

suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto

da visibilidade midiática. A Operação Lava Jato (2014) é emblemática para demonstrar esses

movimentos. A corrupção é um problema para qualquer governo cujas punições são

previstas pela constituição dos países. A visibilidade dos atos de descoberta, julgamento e

punição é definida, numa primeira instância, pelos discursos e ritos jurídicos. Entretanto, é na

impresa que traduz e causa impacto com recortes de atores e crimes orientados por interesses

editoriais, políticos e mercadológicos. A corrupção é um dos fenômenos mais importantes

para avaliar as democracias, porquanto é estratégica na visibilidade dada aos fatos, acusados

e acusadores, instituições e atores políticos. As dinâmicas próprias da midiatização

concorrem, assim, com as dinâmicas da esfera jurídica.

Para este artigo, interessa o período entre os dois julgamentos e condenação do ex-

presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula): de 12 julho de 2017 a 24 de janeiro de 2018. Em

julho, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, condena Lula, em primeira instância, a

9 anos e seis meses pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do

Guarujá. No dia 24 de janeiro de 2018, o recurso de Lula é indeferido, em segunda instância

e é condenado pela 8ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, em Porto Alegre, que

aumenta a pena para 12 anos e um mês, em meio a grandes manifestações nacionais. A prisão

foi decretada em 5/4/2018 pelo juiz Moro e Lula se entrega em 7/4/2018. Nestes dois dias,

milhares de pessoas fazem vigilia e resistência em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos no

ABC paulista, que reúne, também, expoentes da política e da esquerda nacional. Nesta data, a

Lula ainda está preso em Curitiba e esta situação foi transformada numa controvérsia

internacional no âmbito político, jurídico e dos direitos humanso.

Estudar este período permite refletir sobre os efeitos da conjugação dos campos

jornalístico e jurídico a partir de um acontecimento público que expõe os poderes da

República e da mídia, em diferentes níveis de submissão. A potência desse acontecimento

leva a imprensa a tomar lado e, assim, a influenciar a construção das percepções públicas da

Page 3: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

3

corrupção política, como se exige da democracia, mas, paradoxalmente, seu posicionamento

alimenta a desconfiança em relação à política e à democracia.

A instância jornalística é a instituição essencial na formação das representações da

realidade e no debate público da visibilidade pública (Gomes, 2008), esclarece ou impõe sua

visão incidindo na construção da percepção das questões de interesse público. Este artigo

pretende abordar esses aspectos relacionados à força de verdade do discurso jornalístico que

se apropria do discurso jurídico no que tange ao julgamento e à atribuição de sentenças,

especificamente, na condenação do ex-presidente (Lula), criando uma situação política tensa

para a democracia brasileira.

Este trabalho se inscreve na abordagem sociológica das mídias, na trilha dos estudos

jornalísticos sobre a midiatização da corrupção política. Parte, principalmente, dos trabalhos

sobre o jornalismo e as mídias (Charron e de Bonville, 2004 ; Cunha, 2017), visibilidade e

imagem publica (Weber, 2008), o papel das mídias na construção dos problemas públicos

(Macé, 2005) e a sociologia política (Benoît e Pujas, 2003) e do direito (ENGELMANN,

2002; 2006). A fundamentação teórica sustenta a análise do material empírico constituído

por capas de revista, entendidas como síntese de acontecimentos de um período e cuja

estética e linguagem próprias traduzem o viés editorial. Portanto, foram escolhidas revistas

que historicamente se posicionam de modo conservador e, neste sentido, realizam críticas

permanentes, especialmente, em relação a governos e ações do Partido dos Trabalhadores

(PT). A metodologia restringe-se à descrição das operações realizadas em 29 edições das

revistas IstoÉ, Veja e Época no período correspondente à condenação em primeira (12/07/17)

e segunda instância (24/01/18) do ex-presidente. As ferramentas da Frame analysis permitem

a classificação de temas, abordagens, atores em torno do julgamento e condenação, em

enquadramentos de textos e imagens das capas.

2. Operação Lava Jato

Os escândalos de corrupção político-financeiros tem sido transformados em

espetáculos dada a sua potencialidade em ativar questões políticas e morais e mobilizar os

meios de comunicação. Especificamente, Fernando Collor de Mello - PRN (1989-1992),

primeiro presidente eleito após o regime militar que renunciou; o sucessor Itamar Franco -

PMDB (1992-1993); Fernando Henrique Cardoso - PSDB (1993-2009) que sofreram

acusações de corrupção, mas sem condenações. Durante os governos Lula (2003-2010), a

Page 4: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

4

Polícia Federal adquire autonomia e coordenda inúmeras operações vinculadas à corrupção

com grande repercussão. De todas, o alvo principal, parece ser o governo e seu partido (PT).

Estes movimentos incluíram Dilma Rousseff (2010-2016), destituída do cargo em 2016, em

Golpe jurídico legislativo, com acusações sem comprovação.

A Operação Lava Jato, coordenada pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, iniciou em

17/03/2014 e abrange as investigações Dolce Vita, Bidone, Casablanca e Lava Jat sobre

crimes financeiros e desvio de recursos públicos, associados a redes empresariais. Uma das

etapas da investigação chegou até Lula, acusado, especialmente, de comandar um esquema

milionário na Petrobrás; de ganhar um apartamento triplex em Guarujá (SP) e um sítio em

Atibaia (SP). Desde o início, as ações da Lava Jato são inauguram um novo modo de dar

visibilidade aos seus atos justificando quaisquer decisões em nome da luta contra a

corrupção. A imprensa passa a ter material riquíssimo sobre os crimes e os possíveis

“criminosos”. Consequentemente, a sociedade passa a se inteirar e opinar sobre o processo

que, aos poucos, se mostra seletivo, visto que a incriminação recai, principalmente, sobre os

empresários, os políticos do PT e, sobretudo, Lula, que passa a ser o centro de controvérsias

jurídicas, morais e políticas, compasso que é seguido pela imprensa.

A partir de 2016, a proximidade das eleições intervém nesse julgamento, já que Lula

também despontava como favorito para a presidência em 2018, de acordo com as pesquisas.

De um ponto de vista político-institucional, o poder da Lava Jato também pode ser

avaliado a partir da supervalorização da Justiça como uma conquista da democracia brasileira

na Constituição de 1988. O retorno dos juristas ao cenário político reforçou a função das

instituições jurídicas e consolidou a proteção aos direitos e à cidadania, a exemplo da criação

do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor. A atuação

“em nome da sociedade” fortaleceu o Ministério Público Federal como instância

independente cuja missão é representar o interesse público judicialmente (ENGELMANN,

2002; 2006).

2. Sistema jurídico e sistema mediático

Os crimes de corrupção acionam a disputa de diferentes perspectivas de verdade

(acusação e defesa) e de realidades (visibilidade e apagamentos) adotadas pelos sistemas

jurídicos e midiáticos e, especificamente, pela imprensa. A compreensão sobre as decisões

jurídicas e os limites do poder político é possível pelo discurso jornalístico, pela tradução

Page 5: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

5

editorial de processos e da visibilidade dos atores. A corrupção é a degradação privada do

interesse público nas democracias, capaz de convulsionar as repúblicas, especialmente

porque a efervescência midiática acompanha a evolução dos mecanismos de imputação aos

atores políticos, nos quais “a regra assimila o questionamento jurídico da presunção de culpa”

(Benoît e Pujas, 2003, p. 91). Dessa forma, as mídias participam, com os juízes, na

designação dos culpados (Sfez, 1992), apesar da complexidade e imprevisibilidade das

situações em questão. A imprensa transforma, reduz e amplia informações, versões e

vereditos (mesmo que provisórios) fornecidos pelos porta-vozes jurídicos segundo seus

interesses editoriais e políticos.

Neste sentido, a influência do julgamento na vida pública contemporânea não pode

ser explicada apenas na profissionalização e autonomização do poder judiciário. Contudo, ela

pode ser vista como um processo mais amplo, produto das transformações do papel da

instituição judiciária e das interações “entre três ‘setores’ de atividades especializadas e seus

agentes, detentores, por um lado, de posições específicas no espaço social e, por outro, de

recursos ou (e) de um savoir-faire específicos: os homens políticos, os magistrados e os

jornalistas” como afirma Garraud (2002, p. 355).

Com efeito, os poderes da imprensa e da Justiça historicamente tem se mostrado

como essenciais à sustentação da democracia e dos direitos humanos. A verdade é o elo

epistemológico que une essas duas instâncias, mesmo que possam driblá-la em defesa de

interesses espúrios. No entanto, a variável política amplia a complexidade dessa

compreensão. Na linha dos paradoxos da visibilidade (WEBER, 2008), os campos jurídicos e

midiáticos oferecem uma perspectiva interessante. Ao mesmo tempo em que é imperioso

tornar visíveis suas as ações, dada à natureza do seu trabalho, os agentes jurídicos se

beneficiam desta visibilidade e passam a responder à pauta da política e da mídia. Para isso,

dramatizam seus atos para que seus discursos e vaidades ocupem espaço privilegiado em

outro espaço de verdade, a imprensa. Assim, a verdade jurídica fortalece a verdade

jornalística e amplia estes poderes sobre quaisquer outros, estabelecendo-se ai o paradoxo

que, ao mesmo tempo em que beneficia a sociedade, limita e confunde sua compreensão

sobre os atos jurídicos.

No Brasil, as instituições jurídicas parecem suspeitas devido a sua associação à

política e ao desejo de visibilidade. Contribuem, portanto, para a disseminação do medo, da

insegurança diante da possibilidade de perder a democracia, na medida em que contrariam

Page 6: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

6

seus princípios, seu ethos, baseados na verdade. No sistema judiciário, os julgamentos em

segredo são cada vez mais raros. Estes têm sido dramatizados e os argumentos expõem

códigos incompreensíveis e a certeza da casta de homens sábios, poderosos e vaidosos.

Assim, a discrição se adapta à mise en scène dos rituais de togas, dos debates e do

vocabulário cifrado característico do campo (Bourdieu, 1986). O poder da visibilidade

permite formular a premissa de que o julgamento e o veredito sobre crimes políticos e

instituições ocorrem em duas instâncias: no sistema judicial e na imprensa. Enquanto no

sistema judicial o segredo e a argumentação são da essência do processo, na imprensa não

existem confidências mas sim julgamentos a partir dos argumentos ou da edição dos

comentários adequados a interesses dito editoriais. Tal posicionamento tem feito com que a

crítica e as perguntas sobre os fatos sejam relegados ou submetidos à espetacularidade destes.

A democracia exige a comunicação, debate público e transparência que fortalecem as

relações entre Estado e sociedade. Porém, o poder insidioso dos meios de comunicação

ocorre na tensão com outros poderes, ora na perspectiva empresarial, ora na perspectiva

simbólica, ora na jornalística. É neste processo que ocorrem os fenômenos culturais e os

processos de transformação das relações sociais e políticas sustentadas pela tecnologia, aos

quais o acontecimento jurídico não foge à regra. Os meios de comunicação massivos e as

redes sociais digitais consolidam um irreversível fenômeno traduzido por um conceito

funcional não normativo que é a midiatização, que abrange, simultaneamente, tecnologia,

processo, conteúdo, sistema, linguagem, instituição e produto. Fala-se, portanto, da

capacidade dos diferentes meios e espaços em disputar versões e nacos de realidade. E isto,

devido à institucionalidade que legitima sua existência e à ubiquidade que define a circulação

de seus conteúdos confundindo verdades e realidades.

Nos campos da política, da justiça e das mídias, visibilidade e credibilidade (WEBER,

2005) se confundem apesar dos limites inerentes a sua natureza. A credibilidade da política

pode ser aferida pelos votos e pela opinião pública. Quanto à justiça, esta se mede pelos pares

e resultados das sentenças. Já a credibilidade da mídia está no questionamento e na

demonstração de provas provenientes dos dois outros sistemas. Nesta visibilidade residem os

indicadores de construção da imagem pública necessária à busca de votos e opiniões.

Dimensão constituinte da arte de governar, a preocupação com a imagem pública obriga

Page 7: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

7

políticos e instituições a investir na sua reputação. A realidade vivenciada compete, assim,

com a realidade dramatizada.

4. Jornalismo, opinião pública e realidade

À intimidade entre os sistemas político, midiático e jurídico acrescentamos o

elemento balizador: a opinião pública que aguarda sentenças, acompanha as notícias e julga

os políticos. O entrelaçamento entre opinião pública, noção essencial à teoria democrática, e

o sistema midiático adquire cada vez mais força. Já em 1903, Gabriel Tarde afirmava que:

Não se saberá, não se imaginará jamais até que ponto o jornal

transformou, enriqueceu e nivelou ao mesmo tempo, unificou e

diversificou no tempo as conversações dos indivíduos, mesmo dos

que não leem jornais, mas que, conversando com leitores de jornais,

são forçados a seguir a trilha de seus pensamentos de empréstimo.

(TARDE, 1992, p.89).

Lippmann, em 1922, também alertava para as distorções no conteúdo de comunicação de

massa quanto à representação da realidade e ao tratamento da informação política. O

ambiente real seria muito amplo, complexo e efêmero, logo era preciso simplificar a

realidade, tornando-a passível de compreensão. A imprensa adquire cada vez mais poder já

que as práticas jornalísticas, segundo Charron e de Bonville (2004) designam o trabalho de

tipificação da realidade como sendo a propriedade mais importante do discurso jornalístico.

Para os autores, a particularidade do jornalismo repousa no imperativo de “representar o real

de uma maneira que dê a todos os atores sociais engajados na sua produção, jornalistas,

fontes de informação, anunciantes – e leitores – a convicção do real” (CHARRON e DE

BONVILLE, 2004, p. 144).

A corrupção como tema de interesse público aciona o debate público em torno de

verdades e princípios que se tornam visíveis pela imprensa (realidade), política (poder) e

justiça (verdade). É neste sentido que importa discutir os efeitos da “midiatização da

corrupção”, conforme Cunha (2017), que analisa os riscos que a influência da lógica

midiática para a democracia. Outra abordagem possível dos impactos da midiatização da

corrupção e da Operação Lava Jato é a das controvérsias em torno da construção dos

problemas públicos, de acordo com Cefaï (1996), perspectiva que permite contemplar as

dinâmicas que orientam a atenção pública para certas questões incluídas em matrizes

explicativas e da atribuição de poderes legítimos de decisão e penalização.

Page 8: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

8

Vê-se, assim, a importância da mediação jornalística e da visibilidade midiática na

distribuição dos focos de atenção a temas, atores e controvérsias, permitindo que uma

“questão” se torne uma “questão pública” e atribuindo a esta última suas causas e soluções

(Macé, 2005).

5. O júri condenatório de Veja, IstoÉ e Época

O referencial teórico permite abordar nosso objeto de estudo a partir de duas

premissas que entendem as mídias, especificamente a imprensa, como o locus privilegiado

para a construção de sentidos e esquemas interpretativos em torno do andamento da Lava

Jato e da condenação do ex-presidente Lula. A segunda premissa é de que as operações de

seleção, enquadramento, argumentação e dramatização do processo privilegiam o

apagamento das particularidades e dos detalhes concretos da situação, significando-a

independentemente das controvérsias que a acompanham. A carga simbólica de sua

condenação fornece em grande parte a matéria-prima necessária à “novelização” dos

conflitos, delimitando – ou transferindo – os papéis e as responsabilidades dos atores do

sistema político e do sistema judiciário implicados (Cunha, 2017).

Justificamos a escolha das revistas Veja, Isto É e Época pelos fatores tempo

(periodicidade) e segmentação de público. Diferente dos jornais, sua elaboração privilegia a

síntese dos acontecimento e atinge assinantes e leitores específicos. Menos vulneráveis ao

descarte são mantidas e circulam por mais tempo. Do ponto de vista visual, funcionam como

atratores cartazes em bancas. Ressaltamos, com base em Benetti (2013, p.45), as

características de “reiteração de grandes temáticas”; a contribuição “para formar a opinião e o

gosto”; “compreende a leitura como um processo de fruição estética” e “estabelece uma

relação direta e emocional com o leitor”. Em outro texto, Benetti; Hagen (2010) afirmam

que, “institucionalmente, as revistas buscam criar, para o outros, uma imagem de

independência, defesa da democracia, competência profissional e compromisso com o leitor.

Esta imagem é uma representação, não a realidade, de seu fazer jornalístico”.

Entndemos que a produção da informação é limitada por três razões principais que

influenciam na mediação da realidade pelo jornalismo, segundo Macé (2005): o formato

(linha editorial, suporte, grande público ou público-alvo), o programa (proximidade com a

agenda política do momento) e o enquadramento (forma como um assunto é tratado, a partir

Page 9: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

9

de um viés interpretativo e não de outro). Esse enquadramento gera inúmeras possibilidades

para a construção de uma verdadeira “encenação” dos assuntos abordados.

Concernente ao objeto deste trabalho, a leitura e análise das revistas é orientada pela

perspectiva teórico-metodológica dos enquadramentos com origem no conceito de frames, os

“quadros da experiência social” de Goffman (2012 [1974]), acionados na análise dos

fenômenos sociais e dos atores implicados. Os enquadramentos funcionam como esquemas

interpretativos em torno de uma ideia que organiza e dá sentido aos acontecimentos

(Traquina, 2013). Sobre os efeitos de sentido Scheufele (2000) ressalta as diferenças entre os

conceitos de agenda-setting, priming e de framing nas mídias, que repousam sobre a

“acessibilidade”, apelando à memória da audiência e apoiando-se sobre os recursos

informacionais disponíveis sobre dado assunto. Essa dimensão indica como as mídias afetam

padrões de avaliação e julgamento do público sobre os governantes e os atores políticos,

como indicam Iyengar e Kinder (1987).

Os efeitos do enquadramento estão assim relacionados a procedimentos de

simplificação dos acontecimentos, a fim de torná-los inteligíveis para o público e responder a

interesses da empresa. Sob essa ótica, as mídias têm a capacidade de organizar a experiência

da vida cotidiana, transformando “[...] em atos aquilo que poderia ter sido apenas palavras ao

vento, elas dão ao discurso, à declaração e à comitiva de imprensa a solene eficácia do gesto

irreversível” (Nora, 1972, p. 163).

Nesse artigo, usa-se o conceito de framing para pensar os esquemas interpretativos

propostos pelas capas de revistas relativas à responsabilidade política no enquadramento do

julgamento e da condenação do ex-presidente Lula e a sua candidatura às eleições de 2018.

Trata-se, sobretudo, de compreender como as revistas participam e traduzem esse

acontecimento para o debate público. A analise textual e visual visa identificar os elementos

estruturantes da ideia organizadora que orienta o tratamento da corrupção e dos atores

implicados (palavras, metáforas, referências, imagens) nas capas e que constroem, assim,

enquadramentos interpretativos que visam significar o acontecimento junto ao público.

Quatro revistas dominam o mercado editorial brasileiro: Veja, IstoÉ, Época e Carta

Capital. Destas, as 3 primeiras têm em comum o viés mais conservador e suas tiragens

totalizam 1.845.420 mil exemplares, seguida por CartaCapital, com cerca de 30 mil. O

debate público em torno da corrupção, do governo brasileiro, do PT e de Lula teria sido, em

Page 10: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

10

grande parte, alimentado pelos quadros de referência veiculados pela imprensa dita

conservadora. Diante dos temas corrosivos, Lula é aquele que mobiliza a imprensa e a

opinião pública. Assim, escolhemos as 3 revistas com base na hipótese de que são as que

melhor respondem à produção de sentidos dirigidos à desqualificação dos atores principais

(PT e Lula), tendo suas capas como vitrines que orientam o debate, assim como em relação

ao sistema jurídico.

O corpus é formado pelas capas editadas no período da condenação do ex-presidente

em primeira e segunda instância, isto é, entre 12 de julho de 2017 e 29 de janeiro de 2018.

Neste intervalo, foram editadas 87 capas de revistas de Veja, IstoÉ e Época, onde 37

apresentavam temáticas ligadas ao escândalo político-financeiro, ao PT, ao ex-presidente

Lula e ao sistema judicial. Utilizaremos 29 capas que expõem Lula e o sistema judiciário ou a

Lava Jato, conforme o Quadro 1. Entendemos que nesse período convergem decisões

judiciais, debates, manifestações públicas e o posicionamento da imprensa se torna mais

explícito. É o momento em que a complexidade do processo e das decisões acionam a função

de mediação e de posicionamento da mídia.

Revistas Semanais

Fundação Empresa Tiragem Capas Lula na

Capa

Justiça na

capa TOTAL

VEJA 1968 Editora Abril 1.206.173 13 7 3 10

ÉPOCA 1998 Editora Globo 385.354 12 6 3 9

ISTOÉ 1976 Editora Três 253.893 12 6 4 10

TOTAL 1.845.420 37 19 10 29

QUADRO 1 : Corpus de Pesquisa de 12/7/2017 a 29/01/2018 FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)

O objetivo dessa análise é identificar os quadros interpretativos orientados à

qualificação e à desqualificação de temas, atores, instituições relacionados a Lula e ao

sistema judicial. Essas duas categorias de análise respondem à combinação de diferentes

elementos textuais e visuais. A análise textual é decorrente da compreensão sobre temas,

metáforas, fontes, autores, títulos e manchetes e a análise visual realiza a combinação entre as

imagens utilizadas e os elementos de apoio.

Os temas na análise textual abrangem assuntos e problemáticas principais presentes

nas capas relacionadas (a) ao julgamento e condenação de Lula na Operação Lava Jato e (b)

Page 11: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

11

a sua candidatura. Verifica-se o uso de metáforas, figuras de linguagem e recursos de

retórica como a ironia, analogias e outras estratégias discursivas capazes de capturar e

acionar a memória afetiva do leitor. A identificação de instituições e atores citados é

elemento importante para a valoração dos temas em questão. Por último, a descrição de

manchetes e títulos, próprios das capas de revista, oferecem a síntese de posicionamento

editorial.

Os elementos de análise visual estão relacionados ao design da capa ancorado na

combinação atratora de imagens (fotografia, gráficos, montagens, bricolagens, desenho, etc.)

e de suportes como cores, iluminação, linhas, objetos, símbolos e outros.

Considerando que o material analisado atribui protagonismo a Lula, adotamos 2 tipos

de classificação em relação ao ex-presidente: réu e réu candidato. Eles são resultantes da

decodificação das capas e da interpretação dos enquadramentos.

5.1 Lula réu

As 11 capas analisadas indicam as diferentes perspectivas do julgamento, condenação

e culpabilidade do ex-presidente. Assim, entende-se que a capa das revistas funcionam como

cartazes e disseminaram esta imagem como propomos no Quadro 2.

5.1.1 Revista Veja

A capa VJ1 (13/09/17) mostra 3 alvos (desenhados) importantes para a Operação

Lava Jato. Mesmo que as delações da JBS e Funaro (que cita o presidente Temer) tenham

sido maiores em montantes de dinheiro e rol de acusados, é Lula que aparece em destaque. A

manchete principal ENFIM, O SILÊNCIO PETISTA CAI cita Palocci como o “primeiro

membro do PT abrir a boca” ao realizar um “depoimento devastador para Lula”. A manchete

é associada visualmente a outras duas que indicam mais delações: OS SEGREDOS DA JBS e a

DELAÇÃO DE FUNARO. A capa nos diz que há muita corrupção, mas enfatiza as delações

que atiram no alvo, graficamente identificado.

Novamente, a capa VJ2 (13/12/17) é sobre outra delação de Palloci, agora sobre as

vinculações internacionais de Lula ao ditador Muamar Kadafi, que teria feito doação para a

campanha de 2002. Veja opina e intervém visualmente na sua própria manchete, com um

bloco de apoio: “Ponto Crítico: partido que ganha dinheiro de procedência estrangeira está

Page 12: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

12

sujeito à cassação”. A foto de Palloci é indicativa de seu poder pois sustenta a imagem de

Lula e Kadafi, em momento de proximidade.

REVISTA VJ1 - 13/09/2017 VJ2 - 13/12/2017 VJ3 - 31/01/2018

VEJA

(VJ)

ÉPOCA

(EP)

EP1 – 15/07/2017 EP2 – 29/07/2017 EP3 – 09/09/2017 EP4 – 22/01/2018

ISTOÉ

(IE)

IE1- 25/08/2017 IE2- 15/09/2017 IE3 - 19/01/2018 IE4 - 31/01/2018

QUADRO 2 : Indicação de Lula réu (criminalizado) FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)

De todas as capas do período, é na VJ3 (31/01/18) que Veja explícita seu

posicionamento e oferece ao leitor elementos que mostram o ex-presidente como criminoso

reincidente na imagem principal, uma montagem de 2 fotos de Lula com décadas de

diferença. Na foto atual, ele expressa brabeza e carrega uma inverossímil placa de

“condenado”. Na mesma proporção, ao lado, está a foto de Lula como líder sindicalista preso

pelo regime militar (DOPS). A manchete O QUE FALTA PARA LULA SER PRESO tem como

texto de apoio a síntese do ocorrido e a previsão de que em “40 dias” Lula deverá ser preso.

Page 13: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

13

A falta de um ponto de interrogação não elimina ambiguidade da manchete que pode ser

também a pergunta “por que a Justiça não o prende de uma vez?”. Toda a aparente

objetividade nas capas VJ1 e VJ2 é excluída na edição da capa VJ3.

5.1.2. Capas da Revista Época

As capas de Época valorizam o lettering na sua configuração visual que se sobrepõe

às imagens, ao contrário de Veja. A capa EP1 (15/07/17) faz uma afirmação definitiva: O

PRIMEIRO EX-PRESIDENTE CONDENADO POR CORRUPÇÃO. O rosto assustado e

preocupado de Lula está adequado à ironia do bloco de texto, na continuidade do título “e

ainda faltam, no mínimo, mais cinco processos. O enredo jurídico envolvendo Lula está

apenas no começo”. Nesta capa é possível identificar o uso da objetividade jornalística

incluindo manchete e o rosto preocupado de Lula, olhando à frente (o futuro?), mas a

conjunção ‘e’ indica a ironia editorial.

Semelhante a um folheto de publicidade comercial, a capa EP2 (29/07/17) traz um

lettering esfuziante para chamar atenção do leitor. Embora a manchete seja AS PROVAS DA

JBS, Lula é citado em duas manchetes menores mas de grave acusação: “Os extratos nos

EUA da propina de Lula e Dilma no BNDES”, além da suposta relação existente com os

títulos referentes a depósitos secretos indicados por Palocci. A autoridade da revista aparece

quando afirma que teve acesso a “documentos que expõem a corrupção de centenas de

políticos brasileiros”. A aparente objetividade se apoia na afirmação de que as acusações têm

comprovação.

De um vermelho agressivo, a capa EP3 (09/09/17) anuncia que o tema tem a ver com o

PT. O vermelho é historicamente símbolo das revoluções socialistas, da esquerda e, no Brasil,

do PC e PT. O pano de fundo funciona como registro sarcástico da amizade entre Lula e

Palocci e da traição deste. Com a manchete A PALAVRA DO COMPANHEIRO, a revista

propõe a autoridade, a cumplicidade no conceito de “palavra” como juramento ou promessa

associado à denominação “companheiro” disseminada pelo PT e por Lula para designar

especialmente filiados e simpatizantes. O bloco de texto anuncia que o Palocci “desvenda as

entranhas da corrupção na era petista e pode ferir de morte a candidatura de Lula”.

Há, porém, uma capa que desequilibra visualmente a proposta incriminatória da

revista contra Lula : a EP4 (22/01/18). A manchete “EM NOME DO PAI” mostra uma foto

familiar dos anos 80 de Lula com a esposa Marisa e os filhos. Diante da foto, anuncia a

Page 14: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

14

reportagem assinada com a pergunta “O que a Lava Jato tem – e vai usar em breve — contra

os Lula da Silva”. O desequilíbrio visual ocorre porque a singela cena familiar é oposta à

apresentação de uma família criminosa sugerida no texto. Pode-se inferir que existe algo

grande quando uma família simples chega a ter tanto poder e que as aparências enganam. O

toque de perversidade está dado.

5.1.3. Capas da Revista IstoÉ

A capa IE1 (25/08/17) se apresenta um duplo design para ressaltar uma espécie de

edição especial sob o título “Exclusivo: a delação de Jorge Luz”, que seria o “maior operador

de propinas da Petrobrás”. A criminalização de Lula é explicitada pela síntese da referida

entrevista, na manchete AS NOVAS DIGITAIS DE LULA E DE SEUS COMPARSAS NO

PETROLÃO. Lula é o chefe e todos que com ele trabalhavam e “comparsas” é o termo

empregado como desqualificador de companheiros. Lula olha, do canto da página com ar de

que duvida da afirmação da revista, mas também demonstra preocupação. Feições ambíguas

para um ex-presidente apresentado de modo elegante, próprio de quem “acompanhou de

perto e deu aval a contratos superfaturados de U$ 8 bilhões da ‘Brasil Trade’”.

Aprisionados pelo design da revista, oito políticos são classificados pela capa IE2

(15/09/17) como facínoras e delinquentes. Os crimes de corrupção e desvio de verbas são

transformados em crimes perversos e hediondos, como os termos definem. As fotografias

escolhidas e sua sequência colocam Lula em primeiro lugar (como chefe da quadrilha?) e

chamam atenção pelo sorriso irônico de Dilma Rousseff (nunca condenada por corrupção). A

manchete A ERA DOS FACÍNORAS e o subtítulo “Como o Brasil foi parar nas mãos dessa

turma de delinquentes“ associado à grade dos criminosos escolhidos extrapolam o limite de

opinião editorial

A capa IE3 (19/01/18) é construída a partir de montagem de Lula atrás das grades,

aprisionado pela revista. A foto sugere que o Lula está em desequilíbrio, embriagado, louco,

desnorteado ou como o leitor desejar. A pretensão da capa está no questionamento sobre o

sistema jurídico: POR QUE NINGUÉM CONSEGUE PRENDÊ-LO? A revista pede sua prisão e

entende que todos os crimes que lhe foram imputados já foram devidamente comprovados.

Assim, sobrepõe-se ao Poder Judiciário e o desqualifica, sugerindo sua ineficiência.

Totalmente vermelha com a imagem de Lula diluída é a proposta da capa IE4

(31/01/18). A cor é o pano de fundo às referencias à esquerda, ao socialismo, comunismo, ao

Page 15: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

15

PT. Cenário para a manchete agressiva O “CARA” ACABOU, sob a pequena linha de apoio

“Lula Condenado”. O “cara” é a denominação que desqualifica o ex-presidente Lula e toda a

sua história política colocando-o, mesmo entre aspas, junto a qualquer bandido. O “acabou”

pode também sugerir o fim do PT se associado ao box onde a revista pergunta “O que será do

PT daqui para frente”. Os demais blocos de texto são objetivos, conforme a gramática

profissional, e se referem a prazos de prisão e condenação.

As capas ratificam a condenação de Lula e oferecem argumentos visuais e

simplificados para a defesa desta opinião. Nenhuma das capas questiona ou oferece espaço

para a defesa. O protagonismo é da acusação.

5.2 Lula réu, criminoso e candidato

O segundo bloco de análise inclui a vinculação entre o Lula criminoso e o Lula

candidato, no período dos dois julgamentos, conforme apontam as capas no Quadro 3.

5.2 Lula réu, criminoso e candidato

O segundo bloco de análise inclui a vinculação entre o Lula criminoso e o Lula

candidato, no período dos dois julgamentos, conforme apontam as capas no Quadro 3.

5.2.1 Revista Veja

A capa VJ4 (19/7/17) valoriza a condenação de Lula como acontecimento, como

sugere a “edição especial” com a linha de apoio “12 de julho de 2017 ”. A manchete

CULPADO é sustentada pela afirmação de que “Lula torna-se o primeiro presidente da

história do Brasil condenado por corrupção e lavagem de dinheiro”. Por trás da afirmação

objetiva, mas que exclui as possibilidades de recurso, a capa salienta em cor e negrito a

relação com as eleições e afirma que responderá “a todas as dúvidas sobre o petista”: “Mais:

Ele vai para a prisão ? Ele pode ser candidato a presidente ?”. A imagem que sustenta a

capa é escura e mostra um Lula inconformado, cansado, envelhecido, mas com um esboçado

sorriso irônico, como se ainda duvidasse das condenações. Em primeiro plano, a mão

disforme completando o cenário escuro e macabro.

A capa VJ5 (02/08/17) mostra os 3 potenciais candidatos (Lula, Doria e Bolsonaro)

como bonecos recortados e espetados por ícones das redes sociais. A manchete GANGUES

DIGITAIS anuncia o tom das eleições, em que “candidatos de direita e esquerda se

Page 16: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

16

organizam para hostilizar e intimidar seus críticos nas redes sociais – e o impacto que eles

podem ter em 2018”. A imagem propõe Doria como candidato de centro que sorri de modo

agressivo enquanto Lula é apresentado em uma posição confortável, contrariamente a

Bolsonaro, cuja expressão é de preocupação.

REVISTA VJ4 – 19/07/2017 VJ5 – 02/08/2017 VJ6 – 08/11/2017 VJ7 – 24/01/2018

VEJA

(VJ)

ÉPOCA

(EP)

EP5 - 23/12/2017 EP6 – 27/01/2018

ISTOÉ

(IE)

IE5- 14/07/2017 IE6 – 04/08/2017

QUADRO 3 - Indicação de “Lula criminoso e candidato” nas capas

FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)

Page 17: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

17

Na capa VJ6 (08/11/17) a revista demonstra apreensão com as duas candidaturas que

poderiam disputar a presidencial de 2018 : Lula e Bolsonaro. Cuidadosamente colocados à

esquerda e à direita da capa, são apresentados como as opções da “POLÍTICA QUE

ASSUSTA”. O design propõe uma silhueta pontilhada em meio aos dois e afirma que “ganha

fôlego a busca por nomes de centro como Luciano Huck e Fernando Meirelles”. A receita de

sucesso está na sugestão da revista com um “mais” vermelho e em negrito sobre a entrevista

com o estrategista do presidente francês Macron “que venceu os extremos na França”. Ao

mesmo tempo, a capa lembra outro momento em que alertou sobre os perigos da esquerda e

de polarização. Às vésperas da eleição de 2014 (29/10/14) que reelegeu Dilma Rousseff

contra Aécio Neves, Veja veiculou a histórica capa transformada em cartazes de rua e

material publicitário, e que afirmava que Lula e Dilma estavam implicados no “Petrolão”,

com a tenebrosa manchete da delação do doleiro Alberto Youssef : ELES SABIAM DE TUDO.

A capa VJ7 (24/01/18) propõe um Lula irritado, mas com o irônico sorriso esboçado e

vestuário sugerindo poder, sustentado pelos 3 juízes que o julgarão. Embora pequenos, estes

são mais fortes do que ele, como antecipa Veja com o veredicto LULA A UM PASSO DO

ABISMO. A capa indica que o leitor poderá saber o perfil dos juízes que o levarão ao

“abismo”, metáfora que associa a decisão destes sobre o futuro do ex-presidente, já que “que

poderá perder o direito de ser candidato ao Palácio do Planalto”. O julgamento, o perfil e o

abismo de Lula parece residir nesta impossibilidade.

5.2.2 Revista Época

A capa EP5 (23/12/17) é de uma edição Especial “Retrospectiva” onde expõe a

imagem do QUINTETO QUE SACUDIU O ANO. Com tratamento gráfico em desenho, coloca nas

mesmas dimensões a Joesley Batista (empresário JBS) que “quase derrubou o governo”; Tite

(treinador da seleção brasileira) “que devolveu o Brasil ao topo do futebol mundial”; Donald

Trum (presidente dos EUA) “que bagunçou o equilíbrio global”; Jair Bolsonaro (deputado

federal) “que comandou o lado mais barulhento da guerra cultural que mobilizou o Brasil”, e

Lula (ex-presidente) “que resistiu até agora à Lava Jato para se tornar o principal cabo

eleitoral da próxima campanha”. Mesmo com o grafismo que o torna o mais abatido dos

cinco, Lula recebe a indicação e suscita o medo quanto a sua candidatura.

O impacto da capa EP6 (27/01/18) é a tradução literal de um homem sem rosto, sem

Page 18: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

18

identidade, portanto incapaz. A imagem mostra apenas uma parte do corpo de Lula com a

manchete LULA NÃO ACABOU e o texto de apoio “o papel nas eleições do ex-presidente

condenado”. O fundo preto da capa permite estabelecer uma relação de luto que se estende às

manchetes “Os companheiros” que anuncia a crônica assinada sobre o “acampamento pró-

PT”, e ao “Fugitivo”, “o homem que conseguiu escapar de Moro. Se as manchetes respondem

à objetividade jornalística, o rosto interrompido, cortado, mutilado desequilibra e mostra que

Lula está pela metade nas eleições.

5.2.3 Revista IstoÉ

A imagem da capa IE5 (14/07/17) é lúgubre onde, mesmo sem rosto, Lula pode ser

identificado por suas orelhas, mas sua pele lembra a cor de um cadáver. As mãos no rosto

mostram tristeza e vergonha. Este é o posicionamento explícito da revista que o condena e

incita o leitor a decidir pela manchete VOTARIA EM UM CONDENADO PARA PRESIDENTE?

A linha de apoio “Lula quase lá” faz uma referência direta à campanha de 2002 que o elegeu

com slogan “Lula Lá”, mas perversamente associado ao selo “9 anos de prisão”. Lula, enfim,

chegou lá, à prisão.

A capa IE6 (04/08/17) é alusiva às eleições 2018 e traz João Doria como um líder,

com aparência de alguém de sucesso, confiante e bem vestido, em oposição a Lula. Apesar da

tentativa de expurgar o ex-presidente da disputa, a manchete reitera sua força: NASCE O

ANTI-LULA. Em box, a revista diz que Doria é “a maior novidade da política brasileira e se

consagra como adversário direto do líder petista Lula”. É a primeira vez que a revista se

refere a Lula sem desqualificá-lo, mas aproveita para associá-lo às “velhas práticas do poder,

corrupção e os desvios condenáveis que dominam Brasília”.

5.3 O Judiciário em pauta, nas capas

A indicação da imprensa — representada nas capas das revistas Veja, Época e IstoÉ

— sugere o modo de pensar sobre o criminoso Lula e o perigo de sua candidatura. Ao mesmo

tempo, as revistas também julgam e expõem o Judiciário. Uma passagem rápida pelos títulos

permite apreender estratégias que ora colocam em dúvida a capacidade da Justiça de julgar ,

ora a valorizam, conforme mostra o Quadro 4.

Page 19: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

19

As capas que são difamatórias atacam pessoas fundamentais ao funcionamento do

sistema judiciário, como Gilmar Mendes (VJ8 e IE10) e Rodrigo Janot (IE8). Veja critica

decisões de Gilmar sob o título “O juiz que discorda do Brasil”, ou seja, o país inteiro

concordaria com as decisões da Lava Jato. Istoé aborda outro aspecto da idoneidade de

Gilmar que seriam duvidosas transações econômicas associadas a uma universidade. Já

Rodrigo Janot (capa IE8, sacrificado como São Sebastião) é acusado de envolvimento com a

empresa JBS delatora na Lava Jato.

Revistas VJ8 - 30/08/2017 VJ9 - 25/10/2017 VJ10 - 29/11/2017

Capas de

VEJA

CAPAS

DE

ÉPOCA

EP7 - 05/08/2017 EP8 - 30/09/2017 EP 9 - 21/10/2017

Capas de

ISTOÉ IE7-18/08/2017 IE8-07/09/2017 IE9 -01/09/ 2017 IE10 -15/12/2017

QUADRO 4 – Sistema Judiciário na capa FONTE : Autoras e site das publicações (maio de 2018)

O poder das instituições da justiça é colocado em dúvida. A seriedade dos julgamentos

do STF é questionado por Época pelas manchetes “Supremo Fraturado” (EP9) e “A Justiça

Piscou” (EP8), alusivas às tentativas de controlar, de cercear as ações da Lava Jato. Na Istoé

Page 20: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

20

(IE7), a instituição Ministério Público é colocada sob suspeita, com a denuncia de “O

esquema do PT no Ministério Público”.

A valorização da duvida proposta nas capas quanto às decisões da Justiça em

desacordo com a Lava Jato é fortalecida pelas imagens do senador Aécio Neves na Veja

(VJ9). O tucano é apresentado com gesto de deboche, já que conseguiu ser absolvido de

inúmeras acusações no Legislativo e Judiciário, e assim “Avança o acordão da vergonha”.

Em sintonia, a capa (EP7) do ex-deputado federal Eduardo Cunha, preso pela Lava Jato,

atribui ao juiz Moro um poder desmesurado: “Moro queria destruir a elite política.

Conseguiu”.

Sobre as mudanças que a Lava Jato provocou no Brasil, duas capas são indicativas. A

primeira é a Veja (VJ10), cuja capa apresenta o estereótipo do homem de sucesso para se

referir aos “Novos ricos da Lava Jato”, profissionais e advogados dos acusados pela

Operação.

Por último, a capa da Istoé (IE9) que promove um filme sobre a Lava Jato, mas

recupera sua importância histórica ao afirmar “Lava Jato, o filme — A realidade supera a

ficção” e uma linha de apoio “ A investigação que mudou o país”.

Embora outras personalidades políticas estejam ainda mais implicadas e sejam

potencialmente culpadas, as práticas ilícitas denunciadas estão vinculadas a Lula por todas as

revistas, que antecipam a condenação sem questionamentos. A análise específica de cada

capa expôs diferentes universos semânticos mobilizados pelas publicações, a fim de oferecer

aos leitores horizontes de interpretação quanto ao Lula (réu e candidato, mas criminoso) e à

Operação Lava Jato em sua jornada moralizadora.

5.4 O júri das capas

Veja - De maneira geral, o agenciamento dos elementos textuais e visuais nas capas

de Veja sugere a existência de uma classe política criminosa, sendo Lula o maior exemplo. A

desconfiança e o cinismo em relação ao conjunto do aparato institucional político e

democrático são reforçados pelas palavras escolhidas para designar os representantes

políticos. “Quadrilha”, “ladrão” e “vergonha” são alguns dos termos usados para falar dos

Page 21: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

21

desvios de comportamento dos políticos, indicando uma imagem negativa da classe política

em geral, que se torna alvo potencial dos porta-vozes da justiça

Nesta direção, salientamos as controvérsias em torno das decisões e posicionamentos

dos diferentes atores implicados nas investigações. Duas questões chamam particularmente a

atenção: as críticas em relação ao juiz e ministro do STF, Gilmar Mendes, por um lado, e, por

outro, a espetacularização das “delações” das personalidades condenadas no quadro das

investigações, em vistas de uma diminuição da pena. Do mesmo modo, a utilização da

palavra “bomba” para designar o testemunho de Antônio Palocci, sobre o suposto

financiamento estrangeiro de Muamar Kadafi na campanha em 2002, tornam visíveis os

esforços em apagar a natureza contestável das delações premiadas. Em meio às acusações, os

enquadramentos apontam para um cenário no qual Lula é protagonista da disputa presidencial

em 2018, em oposição a Jair Bolsonaro e ambos (radicais) teriam Dória como opção

equilibrada.

IstoÉ - A condenação do ex-presidente e o desgaste da sua imagem pública são

sistematicamente utilizados pela revista nos meses subsequentes à sentença em primeira

instância, apostando na carga simbólica do termo "condenado". A publicação contrapõe a

credibilidade do juiz (portador da verdade) à legitimidade democrática, interpelando o leitor

quando pergunta “Você votaria em um condenado à prisão para presidente?”. Com um tom

inquisidor, IstoÉ tenta responsabilizar, o leitor-cidadão em relação a essa perigosa e possível

candidatura.

A força mobilizadora da Lava Jato traduz-se também por seu caráter espetacular e

pelo tratamento sensacionalista das ações reveladas, cada denúncia, investigação ou decisão

parecendo um novo episódio de uma série policial. Através da metáfora do cinema e a

distribuição de papéis entre mocinhos e vilões, fornece a matriz necessária à compreensão da

intriga. A imagem de um homem vestindo um terno que segura notas de cem reais com as

mãos algemadas representa a Lava Jato como “a investigação que mudou o país” e representa

a esperança de um final feliz para os brasileiros.

Época - O anúncio da condenação de Lula é compreendido como o inicio de algo

novo, visto que é o “primeiro ex-presidente condenado por corrupção” é apresentado em sua

Page 22: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

22

fragilidade e periculosidade para a classe política e isso contriobui para a deterioração da vida

pública.

A condenação do líder político (reconhecido internacionalmente) é mobilizada como

símbolo de uma primeira grande vitória da cruzada moral. Sob esse prisma, a midiatização

das delações premiadas, apesar da efemeridade e controvérsias movimentam as mídias e

redes sociais, interpelando e oferecendo argumentos ao leitor-cidadão.

A isso, acrescenta-se o não-consenso entre os magistrados do STF encarregados de

julgar em última instância os acusados com foro privilegiado como ressalta Época onde

“decisões individuais” e “interesses privados” pioram o caos político. São colocadas em

questão, as relações de força entre agentes em diferentes posições no campo jurídico.

A exemplo das demais revistas, os impactos da condenação de Lula nas eleições

presidenciais de 2018 são destacados e problematizados. Época insiste na ideia de uma

possível “morte política” do ex-chefe de Estado após a decisão de 12 de julho de 2017 e após

outras contravenções que poderão ser a ele atribuídas por seus antigos “comparsas” amigos.

Considerações Finais

Este artigo ousou apresnetar uma análise dos enquadramentos midiáticos propostos

por três revistas brasileiras da operação Lava Jato,dando-lhes à luz das discussões sobre o

fenômeno da judicialização da política nas democracias contemporâneas e do papel do

jornalismo e das mídias na formação de esquemas interpretativos da realidade. A análise

dessas capas contribui para a reflexão sobre a construção de um imaginário político de

desqulaificação da política, de partidos que constrói um terreno fértil ao discurso moralista .

Analisamos um período limitado, mas o acompanhamento sobre o oferecimento de

interpretações ao leitor das prinicpais referências jornalísticas pode ser entendido

hipoteticamente como como pedagógico para os resultados das eleições de 2018.

Ressaltamos, também, a questão do paradoxo da visibilidade quando os benefícios do

sistema jurídico esatão também dependentes da vibilidade desejada no âmbito privado por

seus atores. A influência da lógica midiática e seus efeitos sobre as instituições jurídicas é

inegável. A queda da legitimidade da política contrapõe-se, assim, à valorização do juiz, cada

vez mais “investido de um papel social sem precedentes, que ameaça sua imparcialidade e

capacidade de produzir regulação social” (BENOÎT E PUJAS : 2003, p.98).

Page 23: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

23

Sob este prisma, o fenômeno da judicialização da política encontraria no tratamento

jornalístico da justiça uma das suas explicações, visto que as decisões judiciárias se tornam

vereditos gerais sobre instituições e atores do espaço público. Essa conclusão deve-se a duas

questões principais, ambas ligadas aos pontos de contato entre esses dois campos de atuação

na construção dos discursos e percepções públicas sobre a política. O tratamento da

condenação de Lula e o desenrolar dos processos jurídicos sob o prisma do escândalo se

inscreve na dimensão na qual argumentos políticos, jurídicos e jornalísticos disputam as

definições de sentido dado à Lava Jato e à condenação de Lula. Tendo o jornalismo como

álibi, esta ultima acaba por impor suas próprias definições de justiça.

O estudo de caso proposto nesse artigo faz parte do programa de pesquisa sobre a

autonomia das mídias como espaço de construção de representações da realidade social a

partir da proposição de esquemas interpretativos quanto a temas, instituições, atores e

acontecimentos públicos. A crescente potência do poder judiciário nas últimas décadas no

espaço público brasileiro e suas relações com os jornalistas de grandes mídias nacionais

fornecem elementos interessantes para pensar a renovação do corpo jurídico e às estratégias

de legitimação de seus atores. Em disputa, a verdade.

ta

Referências

BENETTI, Marcia. A revista e seu jornalismo In: Revista e jornalismo: conceitos e

particularidades. TAVARES, Frederico; SCHWAAB, Reges (org.).. Porto Alegre: Penso,

2013 (p. 44‐57).

BENETTI, Márcia; HAGEN, Sean . Jornalismo e imagem de si: o discurso institucional das

revistas semanais. Florianópolis: Revista Estudos em Jornalismo e Mídia • Ano VII Nº 1 •

Janeiro a Junho de 2010 (p.123- 135 ).

BENOIT, Anne-Marie et PUJAS, Véronique (2003). « Les nouvelles exigences de la

responsabilité politique », dans PERRINEAU, Pascal (dir.), Le désenchantement

démocratique, La Tour-d'Aigues: Editions de l’Aube, p. 89-102.

BOURDIEU, Pierre. La force du droit. In: Actes de la recherche en sciences sociales. Vol.

64, septembre 1986. De quel droit ? pp. 3-19.

Cefaï Daniel. La construction des problèmes publics. Définitions de situations dans des

arènes publiques. In: Réseaux, volume 14, n°75, 1996. Le temps de l'événement I. pp. 43-66.

Page 24: A JUSTIÇA, O RÉU E CANDIDATO LULA EM CAPAS DE ......suspeição na medida em que os porões dos poderes vão sendo abertos e recebem o impacto da visibilidade midiática. A Operação

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

24

CHARRON, Jean; DE BONVILLE Jean (2004). « Typologie historique des pratiques

journalistiques ». In. Brin, C., Charron, J., de Bonville, J. (dirs.), Nature et Transformations

du journalisme : Théorie et recherches empiriques, Québec : Les Presses de Laval.

COMMAILLE, Jacques (1994). « L'exercice de la fonction de justice comme enjeu de

pouvoir entre Justice et médias ». In: Droit et société, n°26, 1994. Justice et médias. pp. 11-

18.

CUNHA, Isabel Ferin (2017). « Democracia e corrupção política mediatizadas ». ARAÚJO,

E.; SOUSA, H.; MOREIRA, A. (dirs.). Comunicação e Política: tempos, contextos e

desafios, Braga : CECS-Publicações/eBooks.

ENGELMANN, Fabiano (2002). « A ‘A Judicialização da Política’ e a ‘Politização do

Judiciário’ no Brasil: notas para uma abordagem sociológica ». Revista da Faculdade de

Direito, v. 1, n. 22.

ENGELMANN, Fabiano (2006). Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris.

FONSECA, Francisco. Mídia, poder e democracia: teoria e práxis dos meios de

comunicação. Revista Brasileira de Ciência Política, 2011, no 6, p. 41-69.

GARRAUD, Philippe (2002). « La politique à l’épreuve du jugement judiciaire : la

pénalisation croissante du politique comme ‘effet induit’ du processus d’autonomisation de

l’institution judiciaire », dans GARRAUD, P., & BRIQUET, J. (Eds.), Juger la politique :

entreprises et entrepreneurs critiques de la politique. Presses universitaires de Rennes.

GOFFMAN, Erving (2012). Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise.

Petrópolis: RJ: Vozes.

GOMES, Wilson (2008). « Da discussão à visibilidade », in GOMES, W.; MAIA, R.C.M..

(dirs.). Comunicação e Democracia: Problemas & Perspectivas, São Paulo: Paulus.

IYENGAR, Shanto et KINDER, Donald R. (1987). News that matters: Television and

American opinion. Chicago: University of Chicago Press.

LIPPMANN, Walter (2010). Opinião Pública. Petrópolis, RJ: Vozes.

NORA, Pierre (1972). « L'événement monstre », Communications, 18 : p. 162-172.

SCHEUFELE, Dietram A. (2000). « Agenda-setting, priming, and framing revisited: Another

look at cognitive effects of political communication ». Mass Communication & Society, 3 : p.

297–316.

TRAQUINA, Nelson (2013). Teorias do jornalismo: A tribo jornalística - uma comunidade

interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular.