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A JUSTIÇA EM ARISTÓTELES A principal teoria sobre a Justiça proposta por Aristóteles encontra-se no livro Ética à Nicômaco. O livro V da Ética a Nicômaco é dirigido a questão da justiça. Para Aristóteles, a justiça é o principal fundamento da ordem do mundo. Todas as virtudes estão subordinadas à justiça. A justiça, para Aristóteles, é indissociável da polis, ou seja, da vida em comunidade. A justiça se realiza na prática constante da relação com o outro. Segundo Aristóteles, a Ética e a Justiça não são adquiridas nos livros ou através do pensamento, mas sim, através da vida prática. A justiça considerada como virtude moral consiste essencialmente em dois fatores: a obediência às leis da polis e o bom relacionamento com os cidadãos. A teoria aristotélica no livro V permite fundamentar a existência de juristas e do direito como uma entidade autônoma. Aristóteles destaca dois sentidos de justiça e injustiça: o justo pelo respeito à lei, e o justo por respeito à igualdade. Aristóteles formulou a teoria da justiça da “equidade”. A noção de equidade foi exposta como uma correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade, ou seja, um complemento da justiça que permite adaptá-la aos casos particulares. A justiça eqüitativa permite dar a cada um o que lhe é devido, levando-se em consideração: seus dotes naturais, sua dignidade, as funções que desempenha e o grau hierárquico que ocupa na sociedade. Ao estudar a questão da justiça, Aristóteles identifica vários tipos. A justiça enquanto virtude denomina-se justiça geral, enquanto a justiça mais específica chamamos de justiça particular. Essa é o objeto próprio do Direito, da ciência jurídica. Com essa distinção, Aristóteles estabelece já aí a divisão entre a justiça natural e positiva. "Da justiça política, uma parte é natural, a outra é legal. A natural tem em qualquer lugar a mesma eficácia, e não depende das nossas opiniões; a legal é, em sua origem, indiferente que se faça assim ou de outro modo; mas, uma vez estabelecida, deixa de ser indiferente” (Cap. 7, Livro V, Ética a Nicômaco). A lei

A JUSTIÇA EM ARISTÓTELES A principal teoria sobre a Justiça proposta por Aristóteles encontra

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A JUSTIÇA EM ARISTÓTELES A principal teoria sobre a Justiça proposta por Aristóteles encontra-se no livro Ética à Nicômaco. O livro V da Ética a Nicômaco é dirigido a questão da justiça. Para Aristóteles, a justiça é o principal fundamento da ordem do mundo. Todas as virtudes estão subordinadas à justiça. A justiça, para Aristóteles, é indissociável da polis, ou seja, da vida em comunidade. A justiça se realiza na prática constante da relação com o outro. Segundo Aristóteles, a Ética e a Justiça não são adquiridas nos livros ou através do pensamento, mas sim, através da vida prática. A justiça considerada como virtude moral consiste essencialmente em dois fatores: a obediência às leis da polis e o bom relacionamento com os cidadãos. A teoria aristotélica no livro V permite fundamentar a existência de juristas e do direito como uma entidade autônoma. Aristóteles destaca dois sentidos de justiça e injustiça: o justo pelo respeito à lei, e o justo por respeito à igualdade. Aristóteles formulou a teoria da justiça da “equidade”. A noção de equidade foi exposta como uma correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade, ou seja, um complemento da justiça que permite adaptá-la aos casos particulares. A justiça eqüitativa permite dar a cada um o que lhe é devido, levando-se em consideração: seus dotes naturais, sua dignidade, as funções que desempenha e o grau hierárquico que ocupa na sociedade. Ao estudar a questão da justiça, Aristóteles identifica vários tipos. A justiça enquanto virtude denomina-se justiça geral, enquanto a justiça mais específica chamamos de justiça particular. Essa é o objeto próprio do Direito, da ciência jurídica. Com essa distinção, Aristóteles estabelece já aí a divisão entre a justiça natural e positiva. "Da justiça política, uma parte é natural, a outra é legal. A natural tem em qualquer lugar a mesma eficácia, e não depende das nossas opiniões; a legal é, em sua origem, indiferente que se faça assim ou de outro modo; mas, uma vez estabelecida, deixa de ser indiferente” (Cap. 7, Livro V, Ética a Nicômaco). A lei suprema da moralidade consiste em realizar a essência, a natureza. O que é natural é moral, de acordo com a essência imutável. A lei natural tem sua essência no justo de acordo com a natureza. Mas, os indivíduos devem viver também na lei positiva que varia sempre, deve realizar-se na lei positiva que é meramente convencional, produto de situações particulares, meros pronunciamentos de um corpo de legisladores. A classificação aristotélica da justiça segue o princípio lógico de estabelecer as características ou propriedades do geral, para depois analisar os casos particulares. Há, desse modo, segundo Aristóteles, uma justiça geral e uma justiça particular. A justiça geral é a observância da lei, o respeito à legislação ou as normas convencionais instituídas pela polis.

Fonte: http://pt.shvoong.com/law-and-politics/1711955-justi%C3%A7a-em-arist%C3%B3teles/#ixzz2LCUzsMjM

Tem como objetivo o bem comum, a felicidade individual e coletiva. A justiça geral é também chamada de justiça legal. Para os gregos, a justiça legal compreendia não somente a justiça sob a forma do ordenamento jurídico positivo, mas principalmente

as leis não escritas, universais e não derrogáveis do Direito Natural. Para Aristóteles, a lei positiva tem seu fundamento nos costumes. Disso decorre que a lei não tem nenhuma força para ser obedecida a não ser pelo costume. As leis civis são uma garantia contra a injustiça, mas elas não tem poder para fazer os indivíduos justos e bons. Justiça particular – tem por objetivo realizar a igualdade entre o sujeito que age o sujeito que sofre a ação. Esta divide-se em justiça distributiva e justiça corretiva. A justiça distributiva consiste na distribuição ou repartição de bens e honraria segundo os méritos de cada um. A justiça corretiva visa a correção das transações entre os indivíduos, que pode ocorrer de modo voluntário, como nos delitos em geral. Nesta forma de justiça, surge a necessidade da intervenção de uma terceira pessoa que deve decidir sobre as relações mútuas e o eventual descumprimento de acordos ou cláusulas contratuais. Surge a necessidade do juiz que, segundo Aristóteles, passa a personificar a noção do justo. A justiça corretiva é também denominada equiparadora ou sinalagmática: (As partes estabelecem obrigações recíprocas). *Subdividem-se em: - Justiça comutativa – que preside os contratos em geral: compra e venda, locação, empréstimo, etc. Esse tipo de justiça é essencialmente preventiva, uma vez que a justiça prévia iguala as prestações recíprocas antes mesmo de uma eventual transação. - Justiça reparativa – visa reprimir a injustiça, a reparar ou indenizar o dano, estabelecendo, se for o caso, a punição. Aristóteles argumenta que; num mundo onde a maioria dos indivíduos se encontra submetida às paixões, é preciso conceber uma polis dotada de leis justas. Para isso, é necessário estudar a ciência da legislação a qual é uma parte da Política. É melhor ser governado por leis do que por excelentes governantes, porque as leis não estão sujeitas as paixões, enquanto que os homens, por mais excelentes que sejam não estão livres delas.

Fonte: http://pt.shvoong.com/law-and-politics/1711955-justi%C3%A7a-em-arist%C3%B3teles/#ixzz2LCVDpgZN

O PRINCÍPIO DA EQÜIDADE

Ivo Zanoni

Mestre em Ciência Jurídica

CMCJ/UNIVALI Itajaí-SC

INTRODUÇÃO

Este trabalho é a produção final para a obtenção de crédito da disciplina Teoria Geral do Processo, do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do

Itajaí, UNIVALI, e tem por objeto (referente) um breve estudo a respeito Princípio da Eqüidade no âmbito da aplicação da Justiça.

Será adotado o método indutivo, com a visualização de posicionamentos teóricos a respeito das categorias, mormente a partir dos autores estudados na disciplina Teoria Geral do Processo.

Como apoio foram adotadas as técnicas de pesquisa bibliográfica, pesquisa jurisprudencial, pesquisa legal, técnica do referente, técnica das categorias e técnica do 'COP' (conceito operacional). 1

De início é mister que se definam os conceitos adotados para algumas categorias importantes para a análise efetuada.

Por Eqüidade, pode-se entender provisoriamente (de forma ainda inconclusiva) como sendo o tratamento equilibrado de cada caso, resultante do entendimento da Justiça com fundamento na igualdade. O Direito, de início, conceitua-se como "disciplina de conduta social que tem como expressão formal a norma." 2 Como Teoria pode-se designar o "conjunto de princípios e leis fundamentais." 3 Processo, "(...) em sentido amplo, significa o conjunto de princípios e de regras jurídicas, instituído para que se administre a justiça." 4

A Teoria Geral do Processo é Geral no sentido mais amplo possível, como adotado por Kelsen, para não se referir especificamente a um dado ordenamento jurídico. 5

Para se clarear a noção das categorias, de forma conceitual e estrutural, foram realizados seminários especiais durante o primeiro semestre letivo de 1999, com leitura, análise e fichamento de diversas obras jurídicas. 6

1- NOÇÃO INICIAL

Etimologicamente, Eqüidade vem de aequitas (latim), derivado de aequus (igual, eqüitativo). Para Aristóteles, a Eqüidade corresponde à Justiça em sentido amplo e a legalidade, a Justiça em sentido mais estrito. Assim, "tudo o que é iníquo é ilegal, mas nem tudo que é ilegal é iníquo" 7

Trata-se de uma escolha eqüidistante entre duas ações. "Já que tanto o homem injusto quanto o ato injusto são iníquos, é óbvio que há também um meio-termo entre as duas iniqüidades existentes em cada caso. Este meio-termo é o igual, pois em cada espécie de ação na qual há um 'mais' e um 'menos' há também um 'igual'. " 8 Ao se julgar uma ação, não entra em consideração se quem a praticou é bom ou mau, a injustiça está na ação, independentemente do sujeito:

"Mas a justiça nas relações privadas é de fato uma espécie de igualdade, e a injustiça nestas relações é uma espécie de desigualdade (...). Com efeito, é irrelevante se uma

pessoa boa lesa uma pessoa má, ou se uma pessoa má lesa uma pessoa boa (...); a lei contempla somente o aspecto distintivo da justiça, e trata as partes como iguais, perguntando somente se uma das partes cometeu e a outro sofreu a injustiça, e se uma infligiu e a outra sofreu um dano. Sendo portanto esta espécie de injustiça uma desigualdade, o juiz tenta restabelecer a igualdade, pois também no caso em que a pessoa é ferida e a outra fere, ou uma pessoa mata e a outra é morta, o sofrimento e a ação estão mal distribuídos, e o juiz tenta igualizar as coisas por meio da penalidade (...)." 9

A partir desta noção clássica inicial, pretende-se chegar ao conceito atual de Eqüidade, à luz das teorias que historicamente influíram no mundo jurídico.

2 – CONCEITO DE EQÜIDADE

Mas não se abandone ainda a noção clássica, pois a teoria de Aristóteles, o seu pensamento organizado e estruturado, é que deu amplo suporte a um conhecimento científico mais confiável.

A Eqüidade é importante no âmbito do poder, na manutenção do Estado democrático. "(...) A igualdade é a identidade de funções entre seres semelhantes, e é difícil ao Estado subsistir quando obra contra as leis da justiça. (...)" 10

Com o estagirita se pode ir ainda mais adiante:

"A primeira espécie de democracia é aquela que tem a igualdade por fundamento. Nos termos da lei que regula essa democracia, a igualdade significa que os ricos e os pobres não têm privilégios políticos, que tanto uns como outros não são soberanos de um modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente na mesma proporção. Se é verdade, como muitos imaginam, que a liberdade e a igualdade constituem essencialmente a democracia, elas, no entanto, só podem aí encontrar-se em toda a sua pureza, enquanto gozarem os cidadãos da mais perfeita igualdade política.(...)" 11

Com estas noções adicionais de Aristóteles, ganha força o conceito de Eqüidade como um tratamento igualitário, não só entre as partes, independentemente de seus valores12, como também entre dois casos idênticos, que devem receber o mesmo tratamento de um magistrado. Neste ponto, já é possível observar-se uma distinção, ainda tênue, entre o Direito instrumental ou Processual e o Direito substantivo.

Igualdade de oportunidades de realização das vontades. "(...) O direito é a igualdade, e a expressão da vontade do povo é a soberania; a liberdade e a igualdade consistem em fazer aquilo que se quer de modo que, em tais democracias, cada qual vive segundo a sua vontade e fantasia, como diz Eurípedes. (...)" 13 .

3. O PRINCÍPIO DA EQÜIDADE

Na teoria de Kelsen, está implícito que a Justiça liga-se ao bom Direito, depreendendo-se daí que ela inclui um juízo de valor, de Eqüidade. "Se a idéia de justiça tem alguma função, é a de ser um modelo para a feitura de bom Direito e um critério para distinguir bom e mau Direito." 14

Já os contratualistas contemporâneos, adeptos de uma teoria alternativa de Justiça, como é o caso de John Rawls, vêem na igualdade uma situação inicial, um pré-requisito circunstancial para se estabelecer os parâmetros da Justiça por eles concebida.

Rawls primeiro classifica a Justiça como Eqüidade, como exemplo do que chamou teoria contratualista. Neste sentido, ele sugere uma abstração da realidade inicial, na posição de igualdade, imaginando um pacto social, para definir-se, a partir desta supra realidade, os termos fundamentais de uma espécie de convenção, embora ressalvando que a sua teoria não é radicalmente contratualista. Os princípios teriam de ser escolhidos na posição de origem idealizada. O justo é o pactuado. O maximizador do bem é elemento do utilitarismo. São duas coisas diferentes. De antemão não se conhecem objetivos pessoais ao se optar pelo princípio de liberdade igual. A prioridade é o justo sobre o bem. Vê-se para o ideal moral, um fundamento no Direito natural e na tradição contratualista.

A intuição ficaria restrita pela aplicação de juízos da sabedoria em vez de somente juízos morais.

Se alguém se associa voluntariamente, restringindo sua liberdade, é justo que a outra parte também cumpra o seu papel para o resultado final ser justo para ambas as partes. Mas para isso, a associação deve ter objeto lícito e justo. Um acordo original, como norma fundamental, é aceito para se viver em sociedade, até como idéia intuitiva.

A atitude coerente também é esperada quando tem-se que decidir por uma exceção à regra, à vista de uma dificuldade de aplicação desta mesma regra. Mas estabelecido o sentido, as condições devem ser vantajosas para todos.

Há uma projeção do que a sociedade necessita, os interesses particulares deverão adequar-se dentro de suas paralelas. Entretanto, a Justiça como eqüidade não está submetida à influência absoluta de interesses e necessidades concretas.

O espelho desta realidade inicial está assim projetado por Rawls: "Considero o bem comum como um conjunto de determinadas condições gerais que, num determinado sentido, são igualmente vantajosas para todos." 15

"Meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generaliza e eleva a um plano superior de abstração a conhecida teoria do contrato social como se lê, digamos, em Locke, Rousseau e Kant. (...) A idéia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original. São esses princípios

que pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam numa posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação. Esses princípios devem regular todos os acordos subseqüentes; especificam os tipos de cooperação social que se podem assumir e as formas de governo que se podem estabelecer. A essa maneira de considerar os princípios da justiça eu chamarei de justiça como eqüidade." 16

Este posicionamento dos contratualistas é uma alternativa contra a ruptura institucional que tantas injustiças tem originado nas revoluções e nas guerras justificadas por causas nem sempre voltadas para o bem da humanidade.

Do ponto de vista de Jürgen Habermas: "Se for verdade que nas questões 'éticas' nós procuramos obter clareza sobre quem nós somos e quem nós gostaríamos de ser, e que nas questões 'morais' nós gostaríamos de saber o que é igualmente bom para todos, então é possível afirmar que na conscientização emancipatória as idéias morais estão conectadas a uma nova autocompreensão ética."17

Assim, para o resgate da legitimidade, estando nela inserida a justiça como Eqüidade, ameaçada pelo ceticismo ante uma evolução demasiadamente estéril do capitalismo de resultado financeiro, existe a proposição de um novo contrato social que assegure também uma paz duradoura para a humanidade cansada de guerras:

"Através disso, não são somente as idéias de Kant sobre a paz perpétua que readquirem uma curiosa atualidade, mas também o tema de Lessing que propunha uma reconciliação entre as religiões mundiais. (...) Será que meu colega John Rawls tem razão quando afirma que nas interpretações religiosas e seculares dos sentimentos morais profundos e das experiências elementares do intercâmbio comunicativo existe um 'consenso que se sobrepõe', do qual a comunidade das nações pode lançar mão para encontrar as normas de uma convivência pacífica? (...) No entanto, estou convencido que Rawls tem razão, que o conteúdo essencial dos princípios morais incorporados ao direito dos povos concorda com a substância normativa das grandes doutrinas proféticas que tiveram eco na história mundial e das interpretações metafísicas do mundo. (...)" 18

Outro jurista inspirado na filosofia de Rawls, Ronald Dworkin preleciona que casos semelhantes devem ter resultados semelhantes. Para ele, não se pode aceitar a força da jurisprudência como força de lei, mas deve-se localizar sua força gravitacional justamente no princípio da eqüidade, ao garantir tratamento semelhante a casos semelhantes. Assim: "La fuerza gravitacional del precedente no puede ser captada por ninguna teoria que suponga que el precedente tiene fuerza de ley como la legislación. Pero lo inadecuado de tal enfoque sugiere otra teoria, superior. La fuerza gravitacional de un precedente su puede explicar apelando, no a la prudencia de imponer leyes, sino a la equidad de tratar de manera semajante los casos semajantes." 19

Neste contexto, um exemplo bastante convincente, em se tratando de eqüidade, é o de um jogo de xadrez em que um adversário irrita ao outro injustificadamente. Ambos têm direito a aplicar toda sua capacidade intelectual ao jogo, de forma que, se num certo ponto da partida, um deles passar a rir ou bater na mesa causando irritação ao adversário, o juiz poderá aplicar a regra que pune a irritação injustificada ao adversário, já que esta atitude está reduzindo a possibilidade do adversário aplicar sua capacidade intelectual a um jogo que destingue justamente a parte que melhor aplique esta capacidade.

Leis criam direitos. Casos semelhantes devem ser julgados de maneira semelhante. Em casos mais complexos, em que não se identifica semelhança, pergunta-se que direito criou a lei, partindo-se para princípios embutidos na norma, mais específicos. O próprio governo deve ser racional e eqüitativo, decidindo globalmente a um conjunto justificável de objetivos coletivos e garantindo todos os direitos individuais.

Para os positivistas analíticos, primeiramente com Hart, o princípio da eqüidade deriva na noção de Justiça/equilíbrio/proporção. A moral e a eqüidade preenchem vazios de leis que orientam vagamente o procedimento, diminuindo ao máximo a zona de discricionariedade, geradora de iniqüidades. Da interpretação deve resultar Justiça. A moral nem sempre oferece resposta clara aos conflitos, daí dever ser a sentença uma decisão racional onde tudo está pesado e equilibrado.

"Uma decisão judicial, especialmente em questões de alta importância constitucional, envolve freqüentemente uma escolha entre valores morais e não uma simples aplicação de único princípio moral proeminente; será tolice acreditar que, quando o significado do direito é objecto de dúvidas, a moral tem sempre uma resposta clara a dar. Neste ponto, os juízes podem de novo fazer uma escolha que não é, nem arbitrária, nem mecânica; e aqui mostram freqüentemente virtudes judiciais características, cuja especial adequação à decisão jurídica explica por que razão alguns sentem relutância em designar tal actividade judicial como 'legislativa'. Estas virtudes são as seguintes: imparcialidade e neutralidade ao examinar as alternativas; consideração dos interesses de todos os que serão afectados; e preocupação com a colocação de um princípio geral aceitável como base racional de decisão. Sem dúvida, porque é sempre possível uma pluralidade de tais princípios, não pode ser demonstrado que cada decisão é a única correcta: mas essa pode tornar-se aceitável como produto racional de escolha esclarecida e imparcial. Em tudo isso, temos a exactividade de 'pesar' ou de 'equilibrar', características do esforço para fazer justiça entre interesses conflitantes." 20

Já o jurista italiano Norberto Bobbio considera a possibilidade de se imaginar um ordenamento em que o juiz julgará cada caso segundo o princípio da eqüidade. "Chamam-se 'juízos de eqüidade' aqueles em que o juiz está autorizado a resolver uma controvérsia sem recorrer a uma norma legal preestabelecida." 21

Desta forma, o juiz poderia resolver um caso concreto sem recurso à norma preestabelecida. Estaria assim produzindo Direito pela autorização legal.

Nos ordenamentos em que o poder criativo do juiz é maior, mais se aplicará o princípio da Eqüidade. "Enquanto na passagem da Constituição para a lei ordinária vimos que se pode verificar o caso de falta de limites materiais, na passagem da lei ordinária para a decisão do juiz é difícil que se verifique esta falha na realidade: deveríamos formular a hipótese de um ordenamento no qual a Constituição estabelecesse que em cada caso o juiz deveria julgar segundo a eqüidade." 22

Nesta corrente positivista, mostra-se novamente em voga a identidade do conceito de Eqüidade com o de Justiça proporcional classicamente referido por Aristóteles na sua Ética a Nicômaco. "O juízo de eqüidade pode ser definido como autorização, ao juiz, de produzir direito fora de cada limite material imposto pelas normas superiores." 23 Mas ressalva-se a sua aplicação limitada a certos ordenamentos e em determinadas circunstâncias. "Em nossos ordenamentos, este tipo de autorização é muito raro. Nos ordenamentos em que o poder criativo do juiz é maior, o juízo de eqüidade é também sempre excepcional: se os limites materiais ao poder normativo do juiz não derivam da lei escrita, derivam de outras fontes superiores, como pode ser o costume ou o precedente judiciário." 24

A norma jurídica tem sua execução garantida pela sanção externa e institucionalizada advindo daí o primeiro dos poderes do juiz que é o poder de determinar o cumprimento das normas. Através das normas estruturais e de competência é que o sistema jurídico define os poderes do juiz. O exercício do poder encontra limites legais. Assim, o Poder Legislativo limita-se pelas disposições do Poder Constitucional. O Poder Judiciário limita-se pelo Poder Legislativo.

Segundo Bobbio, a substância das leis é também um limitador da atividade jurisdicional. Isto porque ele aplica esta substância ao caso concreto, devendo a sentença derivar necessariamente deste teor legal. A própria sanção é substância da lei que determina a interveniência judicial para determinar o cumprimento de uma norma jurídica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Classicamente Aristóteles já via a Justiça em sentido amplo como resultando da aplicação do princípio da Eqüidade aos termos legais. Kelsen, assimilando os pressupostos kantianos, tenta universalizar o entendimento do Direito jurídico, nos estritos termos do que for estabelecido na norma positiva, admitindo apenas que, se um dado Direito é justo é porque fundamentou-se na igualdade.

No momento em que os positivistas analíticos rompem com esta tentativa de imposição de um paradigma universal, o Direito passa a amoldar-se à necessidade

social dos povos, embora não se abrindo mão da lei sobre a cabeça dos que detém o poder. Tenta-se por este caminho reconsiderar a Justiça como Eqüidade através de um Direito dinâmico e prático, e da sua permanente atualização.

Finalmente, a escola de tendência contratualista de Rawls e Dworkin sugere que eqüidade é a situação ideal, em que se considera o consenso social e os princípios aplicáveis ao Direito a partir de um ponto inicial de igualdade de condições.

Diante dos posicionamentos colocados, o conceito de Eqüidade pode estribar-se no consenso a respeito da igualdade e liberdade, criando-se um modelo em que a minoria seja respeitada e também ela respeite os direitos da maioria, fixando-se parâmetros sobre o que é bom para todos e, proporcionalmente, bom para cada indivíduo.

NOTAS:

1 Sobre Técnica do Referente, Técnica das Categorias e Técnica do 'COP', ver PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - Idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito. Florianópolis: OAB/Editora, 1999. 188 p.

2 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Geral do Direito - Teoria da Norma Jurídica. 4 ed. São.Paulo: Malheiros, 1996. p. 11.

3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 4. p. 1531.

4 SILVA, De Plácido e. Op.cit. v. 3. p. 1226.

5 KELSEN. Hans. Teoria Pura do Direito. 6 ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.1.

6 SILVA, De Plácido e. Op. cit. v. 3. p. 1067.

7 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Os Pensadores - Aristóteles. Trad. J.B. Morral. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 196.

8 ARISTÓTELES. Op. cit. p. 197.

9 ARISTÓTELES. Op. cit. p. 199-200.

10 ARISTÓTELES. A Política. Trad. Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 91.

11 ARISTÓTELES. A Política, cit. p. 117.

12 Valores, no sentido moral, ético, social, ideológico, etc., aceitos e praticados pelas partes.

13 ARISTÓTELES. A Política, cit. p. 161.

14 KELSEN, Hans. O que é Justiça? A Justiça, o Direito e a Política no espelho da Ciência. Trad. Luís Carlos Borges e Vera Barkow. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 292.

15 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. 1ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 270.

16 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, cit. p. 12.

17 HABERMAS, Jürgen. Passado como Futuro. Trad. Flávio Beno Siebeneicher. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. p. 99.

18 HABERMAS. Op. cit. p.32.

19 DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Trad. Marta Gustavino. Balcelona: Ariel, 1989. p.185. Tradução: "A força gravitacional do precedente não pode ser adotada por nenhuma teoria que atribua ao precedente força igual à da lei. Mas a inadequação de tal enfoque sugere outra teoria superior. A força gravitacional de um precedente só pode explicar apelando-se, não à jurisprudência de impor leis, mas à eqüidade de tratar de maneira semelhante casos semelhantes."

20 HART, Herbert L.A. O Conceito de Direito. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p.220-221.

21 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10 ed. Trad. Maria Celeste C. L. dos Santos. Brasília:UNB, 1997. p. 56.

22BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, cit. p. 56.

23 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, cit. p. 56.

24 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, cit. p. 56-57.

PENSAR A JUSTIÇA NO SÉCULO VINTE E UM: UM BREVE ESTUDO

SOBRE OS PENSAMENTOS DE ARISTÓTELES E DE RAWLS SOBRE A

JUSTIÇA E SUA APLICABILIDADE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO.

Márcio Eduardo da Silva Pedrosa Morais∗RESUMO

Objetivamos, por intermédio do presente artigo, discorrer sobre a justiça no século vinte

e um, mais precisamente sobre a justiça no Estado Democrático de Direito e a realidade

do Brasil, através de um contraponto entre as teorias de Aristóteles e de Rawls.

Abordaremos a clássica definição de justiça distributiva de Aristóteles, a teoria da

justiça como eqüidade de John Rawls, o conceito de justiça no Estado Democrático de

Direito, em paralelo com a realidade brasileira, para que ao final, possamos chegar a

uma definição sobre o modelo de justiça que se encaixaria e seria mais viável em nossa

sociedade, tendo em vista os caracteres da realidade social de nosso país.

PALAVRAS CHAVES

JUSTIÇA; IGUALDADE; ESTADO DEMOCÁTICO DE DIREITO.

ABSTRACT

The aim of this article is to expatiate upon justice in the twenty first century, especially

about the justice in the Democratic State of Law and the Brazilian reality, through the

contrast between the theories of Aristotle and Rawls.

We intend to approach the classical definition of distributive justice, the Theory of

Justice as Fairness of John Rawls, the concept of justice in the Democratic State of Law,

in comparison with the Brazilian reality so we can find a definition of the model of

justice that will fit and be more feasible in our society, according to the features of the

social reality of our country.

∗ Advogado; mestrando em Teoria do Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;

bolsista da FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

6381KEYWORDS

JUSTICE; EQUALITY; DEMOCRATIC STATE OF LAW.

INTRODUÇÃO

Vivemos numa sociedade onde a justiça tem sido cada vez mais almejada e

discutida, porém o homem muitas vezes, realmente, perde a esperança na sua conquista,

e perder a esperança na justiça é desistir de um elemento inato ao homem e balizador de

toda a sociedade.

Desigualdade social, pobreza, fome de um lado, enquanto de outro, riqueza;

luxúria; concepções diferentes de justo. A sociedade atual é uma sociedade pluralista,

não conseguimos, atualmente, descrever substancialmente o que seja o bem, o justo,

porém todos objetivamos e clamamos pelo mesmo.

Gisele Cittadino aborda em sua obra, Pluralismo, direito e justiça distributiva,

tal assunto, ao afirmar que:

O pluralismo, entretanto, possui, pelo menos, duas

significações distintas: ou o utilizamos para descrever a

diversidade de concepções individuais acerca da vida digna ou

para assinalar a multiplicidade de identidades sociais,

específicas culturalmente e únicas do ponto de vista histórico.

(CITTADINO, 2000, p. 1)

O primeiro significado, a diversidade de concepções individuais, é representado

pelos pensadores liberais, como John Rawls, Ronald Dworkin e Charles Larmore. Estes

afirmam que as democracias atuais são sociedades onde concorrem diferentes noções

acerca daquilo que é o bem, o justo, e não há primazia de uma concepção sobre a outra.

Já a corrente comunitarista defende a segunda noção de pluralismo, afirmando a

multiplicidade de identidades sociais, porém únicas do ponto de vista histórico,

conforme afirma CITTADINO. Essa corrente tem como representantes mais

importantes os filósofos Charles Taylor, Michael Walzer e Alasdair MacIntyre.

Grosso modo, poderíamos afirmar que os liberais defendem uma autonomia

privada do sujeito, enquanto que os comunitários defendem uma autonomia pública.

6382Todavia, não adentraremos, profundamente, no debate entre comunitários e liberais, por

não ser este o objetivo central do presente artigo, o que não caberia nessas rápidas

linhas.

A referência, porém, é importante para já projetarmos uma posição acerca da

justiça no atual Estado Democrático de Direito, precisamente, no caso brasileiro,

sociedade marcada pelo pluralismo sócio-econômico-político, sociedade de riqueza e de

pobreza, de guerra e de paz, como já dito alhures.

O professor Octávio Luiz Motta Ferraz nos traz:

A conhecida fábula de Esopo mostra uma formiga trabalhando

arduamente durante o verão enquanto a cigarra canta. Chega o

rigoroso inverno e a formiga tem mantimentos suficientes para

seu sustento, enquanto a cigarra passa fome. Na versão original,

a fábula termina com a lição moral de que é melhor se preparar

para os dias de necessidade’, mas na filosofia política angloamericana contemporânea ela tem sido usada de forma

recorrente como uma alegoria do problema da justiça

distributiva. (FERRAZ, 2007, p. 1).

Questionamentos sérios podem ser extraídos da fábula acima, como é de praxe

acontecer nesse gênero. De um lado, podemos afirmar que a cigarra não tem o direito de

se beneficiar do trabalho da formiga, pois enquanto a formiga trabalhava, a cigarra

dormia e cantava. A cigarra não trabalhava arduamente, um trabalho manual, mas

cantava para alegrar o ambiente e manter a ordem, pois enquanto alguns executam o

trabalho manual, outros fazem o trabalho intelectual, artístico.

Se pensarmos ancorados no primeiro questionamento, afirmaremos que a cigarra

não faz jus ao resultado dos bens oriundos do trabalho da formiga. Do contrário, se

defendermos o segundo questionamento, diremos que deverá haver distribuição dos

bens também para a cigarra, pois ela fazia seu trabalho, aparentemente, mais simples,

cantar.

A questão da possibilidade de distribuição absoluta de bens, faz com que alguns

se beneficiem dos outros, ou seja, enquanto alguns trabalham, outros esperam os

resultados para a divisão. Essa interpretação, que Ronald Dworkin afirma ser defendida

pela “velha esquerda”, desacreditou muitos daqueles que nela confiavam.

6383Dworkin define o aspecto de igualdade não como aquele que prevê um

tratamento idêntico em todas as situações, mas sim o fato de todas as pessoas serem

tratadas como iguais.

Assim, é de se perguntar se é justo distribuir aquilo que é de cada um num

mundo de desigualdade de oportunidades, de disparidades sociais, o que é dos pobres na

atual sociedade? Podemos pensar que justiça distributiva, por esse ângulo, não passa de

injustiça, principalmente, numa sociedade de desigualdade e de corrupção como a

sociedade brasileira.

Trataremos a justiça distributiva na obra aristotélica, trazendo seu conceito aos

dias atuais, numa sociedade complexa, de instituições culturais plurais e de anseios os

mais diversos.

Após isso, discorreremos sobre a Teoria da Justiça de John Rawls, a justiça

como eqüidade, um conceito de justiça das instituições.

Ao final, faremos uma explanação sobre o a justiça no Estado Democrático de

Direito, precisamente sobre o prisma de nossa realidade brasileira, modelo marcado

pelo pluralismo, como já afirmado, visto ser o Estado Democrático de Direito um

modelo onde os diversos ideais da sociedade concorrem em condições de igualdade.

2 – Uma conceituação clássica: o conceito de justo e de justiça distributiva

em Aristóteles.

Para compreendermos o conceito de justiça distributiva far-se-á necessária uma

busca na obra de Aristóteles, apesar de ser sua obra um pouco esquecida nos dias atuais,

a mesma é útil e necessária para a compreensão do tema.

Antes disso, gostaríamos de salientar que a justiça distributiva não é fruto do

pensamento do Estagirita, ela existe já nos ideais dos antigos profetas bíblicos. Porém, é

Aristóteles quem a teoriza, enquanto o profetismo a defende e a busca através de seus

escritos, o pensamento aristotélico a define em moldes teóricos.

Para isso, usaremos como referencial o Livro V de Ética a Nicômaco.

Inicialmente abordaremos o conceito de justo e, posteriormente, a justiça distributiva

6384em sua obra, já tendo como base o fato de Aristóteles considerar a justiça como o meiotermo, o que veremos especificamente mais à frente.

Aristóteles concebe o mundo de forma finalista, ou seja, as coisas existem

sempre com um determinado fim, e o bem supremo a ser buscado pelo homem é a

felicidade. Essa felicidade é alcançada através das virtudes, as quais são estudadas por

Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco.

As virtudes são divididas, para Aristóteles, em dianoéticas (intelectuais) e éticas

(morais). O meio para se alcançar as virtudes dianoéticas é o conhecimento, enquanto

que o meio para se alcançar as virtudes éticas é o hábito, o agir, a prática.

A catalogação é importante, pois faz com que compreendamos a eticidade da

justiça na obra aristotélica. Para Aristóteles a justiça é a mais importante das virtudes

éticas, todas as virtudes se resumem na justiça. Assim, a justiça não é parte da virtude,

mas sim toda a virtude.

Aristóteles traz já no início do Livro V de Ética a Nicômaco um conceito de

justiça ancorado na opinião geral:

Segundo a opinião geral, a justiça é aquela disposição de

caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que

as faz agir justamente e desejar o que é justo; e de modo

análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir

injustamente e a desejar o que é injusto. (ARISTÓTELES,

2001, p. 103).

Percebemos que Aristóteles traz a concepção popular de justiça, porém ainda

não entra em sua essência, não trazendo, até então, uma definição do que seja justo e

injusto, e, consequentemente, justiça e injustiça.

Mais à frente, ele continua afirmando que “o justo, portanto, é aquele que

cumpre e respeita a lei e é probo, e o injusto é o homem sem lei e ímprobo”

(ARISTÓTELES, p. 104).

Para Aristóteles é evidente que existe mais de um tipo de justiça, ele traz

também o que conceito de justiça corretiva, que é aquela que prevê a igualdade nas

transações entre um homem e outro. Porém, desta não trataremos no presente artigo,

faremos a abordagem sobre a justiça distributiva, conforme mencionado alhures.

6385Aristóteles considera o justo como o meio-termo, o ponto intermediário, o justo

é, então, o eqüitativo. A igualdade pressupõe dois elementos, assim, Aristóteles traz:

Portanto, o justo deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual

e relativo (justo para certas pessoas, por exemplo); como

intermediário, deve estar entre determinados extremos (o maior

e o menor); como igual, envolve duas participações iguais; e,

como justo, ele o é para certas pessoas. O justo, portanto,

envolve no mínimo quatro termos, pois duas são as pessoas

para quem ele é de fato justo, e também duas são as coisas em

que se manifesta – os objetos distribuídos. (ARISTÓTELES,

2002, p. 103).

Aristóteles diz que as pessoas não são iguais, deste modo, não receberão coisas

iguais, o que ocasiona reclamações, afirmando que as distribuições devem ser feitas “de

acordo com o mérito de cada um”. (ARISTÓTELES, 2002, p. 109). E conclui: “assim, o

justo é proporcional, e o injusto é o que viola a proporção”. (ARISTÓTELES, 2002, p.

110).

Aqui está o problema da aplicação do modelo de justiça distributiva em nossa

sociedade: distribuir o que é de cada um, ou seja, o mérito de cada um. Para

fundamentarmos isso, basta que observemos, detalhadamente, os índices sociais de

nosso país, para que possamos concluir que tal distribuição se faz extremamente injusta.

Como distribuir de acordo com os méritos de cada um, numa sociedade, que

conviveu até o ano de 1888 com a escravidão, quando os negros viviam para produzir

riquezas e bens para os brancos?

Distribuir de acordo com os méritos torna-se injusto numa sociedade onde quem

tem o privilégio de possuir um bom plano de saúde pode se socorrer de profissionais da

área médica de imediato, enquanto que aqueles que não possuem, ficam durante toda a

madrugada esperando para poder ser atendidos nos hospitais públicos.

Obviamente que esses são apenas alguns exemplos de desigualdade social em

nosso país, se fôssemos citar todos, talvez não caberiam nessas páginas. O exemplo foi

trazido à colação para demonstrar que a justiça distributiva nos moldes aristotélicos não

possui meios para se efetivar em nossa atual realidade.

63863 – A justiça no pensamento de John Rawls: justice as fairness

No ano de 1971, John Rawls escreve sua obra A theory of justice, traduzida para

o português como Uma teoria da justiça, a obra, em pouco tempo, causa furor e

reacende os estudos sobre a justiça na sociedade ocidental. Este impacto é apresentado

pelo filósofo Robert Nozick, em sua obra Anarchy, state, and utopia (Nozick, 1974, p.

183): “Os filósofos políticos precisam a partir de agora trabalhar no âmbito da teoria de

Rawls ou explicar por que não o fazem”.

Já no início da obra, ainda em seu prefácio, Rawls apresenta o objetivo de seu

modelo de justiça: atacar os aspectos utilitarista e intuicionista existentes nos vigentes

conceitos de justiça de até então.

Muitas vezes parecemos forçados a escolher entre o utilitarismo

e o intuicionismo. O mais provável é que no fim acabemos nos

acomodando em uma variante do princípio da utilidade que é

circunscrita e limitada no âmbito de certas formas ad hoc por

restrições intuicionistas. Tal visão não é irracional e não há

certeza de que possamos fazer coisa melhor. Mas isso não é

motivo para que não tentemos. (RAWLS, 1971, Prefácio - p.

XXII).

.

Antes de apresentarmos o conceito de justiça como equidade de Rawls, fica a

pergunta também já feita pelo Professor Luiz Paulo Rouanet:

Qual a grande novidade trazida por Rawls? Ele propunha, talvez

pela primeira vez na história da filosofia, uma teoria que era ao

mesmo tempo concreta. O que isso quer dizer? Uma teoria que

previa também as condições para sua realização. Comparável

aos grandes textos dos contratualistas, mormente ao Contrato

Social, de Rousseau, não se limitava porém a uma constatação

de uma situação de injustiça, ou a investigar suas causas. Propõe

uma teoria cuja realização é possível. Trata-se daquilo que mais

tarde o próprio Rawls denominará de realismo utópico.

(ROUANET, 2002, p. 1).

Para Rawls são postulados para uma sociedade justa: a igualdade de

oportunidade para todos e a distribuição dos benefícios deverá ser feita em benefício

dos menos privilegiados, ou seja, os desvalidos serão amparados.

6387Assim, no primeiro momento, todos os membros desse contrato social se

posicionam naquilo que Rawls denomina de “posição original”, Rawls afirma que a

posição original corresponde ao estado da natureza da teoria tradicional do contrato

social. Ela é uma situação hipotética, onde ninguém conhece seu lugar real na

sociedade, sua posição social ou classe.

Assim todos os princípios de justiça são escolhidos sob um véu de ignorância,

ninguém está ciente do que é seu. Após essa escolha dos princípios de justiça, todos

escolherão uma constituição e uma legislatura para que as leis sejam elaboradas.

Na situação inicial, as partes são desinteressadas e racionais, conforme afirma

Rawls. Mas quais são os princípios que as pessoas escolherão na posição original?

Rawls sustenta que as pessoas na posição original escolheriam dois princípios bastante

diferentes:

A primeira afirmação dos dois princípios é a seguinte: Primeiro:

cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente

sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com

um sistema semelhante de liberdades para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser

ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a)

consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do

razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.

(RAWLS, 2002, p. 64).

A teoria de Rawls tem por objetivo diminuir as diferenças existentes entre as

pessoas, através de ações efetivas que façam com que os menos favorecidos saiam de

uma posição de extrema desigualdade para uma condição um pouco mais digna.

Como poderíamos cobrar os mesmos rendimentos de uma pessoa que cresceu

em um meio onde o mesmo não teve acesso, sequer, aos bens primários, com uma

pessoa abastada? Diferenças existem, por natureza, porém, diferenças estruturais

também existem, e estas são as que Rawls ataca por intermédio de sua teoria.

Temos no Brasil diversos programas que se enquadram na teoria rawlseana,

como exemplo, o Bolsa-Família e o sistema de cotas para negros nas instituições,

sistema esse que gerou inúmeros questionamentos na sociedade.

De um lado, um grupo argumentando que os negros não possuem diferenças que

os fazem diferentes dos brancos, outros defendem o contrário. Porém, o que a teoria de

6388Rawls pretende abranger não são as diferenças intelectuais ou físicas, mas sim as

diferenças institucionais, ele almeja a justiça nas instituições.

E isso é bastante razoável em sociedades com desigualdades institucionais como

a nossa sociedade brasileira.

Rawls, nessa referida obra, trata de outros temas caros ao Direito, como por

exemplo, a igual liberdade de consciência, a tolerância e o interesse comum, a justiça

política e a constituição. Porém, o alvo inicial é a desigualdade entre as pessoas nessa

sociedade, após conseguir esse objetivo passaremos a buscar a justiça nas instituições.

4 – A justiça na realidade da atual sociedade brasileira: o atual Estado

Democrático de Direito: Aristóteles ou Rawls?

O Estado Democrático de Direito, ou paradigma do Estado Democrático de

Direito, não é forma especial de Estado, mas sim uma junção de princípios do Estado

Democrático e do Estado de Direito, conforme ensina o professor Ronaldo Brêtas de

Carvalho Dias:

Consideramos que a dimensão atual e marcante do Estado

Constitucional Democrático de Direito resulta da articulação dos

princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, cujo

entrelaçamento técnico e harmonioso se dá pelas normas

constitucionais. Para se chegar a essa conclusão, impõe-se

perceber que a democracia, atualmente, mais do que forma de

Estado e de governo, é um princípio consagrado nos modernos

ordenamentos constitucionais como fonte de legitimação do

exercício do poder, que tem origem no povo, daí o protótipo

constitucional dos Estados Democráticos, ao se declarar que

todo o poder emana do povo (por exemplo, cfr. parágrafo único,

do artigo 1º, da Constituição brasileira de 1988. (BRÊTAS,

2003, p. 12).

Ademais, o Estado Democrático de Direito está sempre aberto a revisão, ele não

está fechado em um modelo, não é uma estrutura acabada, nas palavras do Professor

Mário Lúcio Quintão Soares:

6389O Estado Democrático de Direito distribui igualitariamente o

poder e racionaliza-o, domesticando a violência, convertendo-se

em império das leis no qual se organiza autonomamente a

sociedade. Este tipo de Estado não é uma estrutura acabada, mas

uma assunção instável, recalcitrante e, sobretudo, falível e

revisável, cuja finalidade é realizar novamente o sistema de

direitos nas circunstâncias mutáveis, ou seja, melhor interpretar

o sistema de direito, para institucionalizá-lo mais

adequadamente e para configurar o seu conteúdo mais

radicalmente. (SOARES, 2001, p. 306)

Canotilho (1999) afirma que o Estado Democrático de Direito se alicerça sobre

dois aspectos fundamentais: “o Estado limitado pelo Direito e o poder legitimado pelo

povo”. Assim, o Estado Democrático de Direito é inclusivo, sendo composto de pessoas

com o mesmo valor, nele todos os projetos de vida concorrem em igualdade para sua

concretização, o ser humano no Estado Democrático de Direito não é um mero

destinatário de normas, mas é também seu próprio autor.

Um dos alicerces do Estado Democrático de Direito é o Princípio Jurídico da

Igualdade, sobre ele o Professor Marcelo Campos Galuppo nos traz:

O Princípio Jurídico da Igualdade pode ser entendido nesse

contexto como um princípio que permite a maior inclusão

possível dos cidadãos nos procedimentos públicos de

justificação e aplicação das normas jurídicas e de gozo dos bens

e políticas públicas. (GALUPPO, 2002, p. 22).

Habermas, atualmente o principal expoente para a fundamentação do Estado

Democrático de Direito, na obra Direito e democracia: entre faticidade e validade

(1992), define o Estado Democrático de Direito, como sendo constituído pela conexão

interna entre direito e política, formado por normas garantidoras de liberdades, e

dotadas de legitimidade, normas que garantam, a cada pessoa, direitos iguais. Para a

construção de um conceito de justiça no Estado Democrático de Direito todas as pessoas

devem participar, discursivamente, expondo seus interesses, aspirações.

El derecho moderno viene formado por un sistema de normas

coercitivas, positivas y – ésta es al menos su pretensión –

garantizadoras de la libertad. Las propriedades formales que

representan la coerción y la positividad se unen con la

pretensión de legitimidad: la circunstancia de que las normas

6390provistas de amenazas de sanción estatal provengan de las

resoluciones cambiales de um legislador político, queda

vinculada con la expectativa de que garanticen la autonomía a

todas las personas jurídica por igual (HABERMAS, 1998, p.

645).

Habermas, por intermédio das obras Faktizität und Geltung (1992), Normalität

einer berliner republik (1995) repensa o Estado Democrático de Direito. Barbara

Freitag faz uma observação sobre a importância da Teoria do Discurso em nossa

realidade, na obra Dialogando com Habermas (2005):

Mas graças a uma institucionalização crescente dos direitos

humanos, a de leis igualitárias para homens e mulheres,

implementadas graças à luta cotidiana das mulheres, a

realidade factual da discriminação vem se transformando numa

realidade factual da equiparação em todos os campos e arenas

sociais. Esse fato novo está se implementando, graças à

existência de leis justas e igualitárias, discursivamente

construídas. (FREITAG, 2005, p. 194).

Essa citação da autora, Barbara Freitag, conhecedora da obra de Habermas,

ressalta a importância do pensamento do mesmo para o Estado Democrático de Direito,

afirmando a importância de uma sociedade, Estado, construído sobre base discursiva,

onde todos tenham a efetiva oportunidade de expor suas opiniões, anseios, resultando

assim numa sociedade mais justa, legítima.

Com as passagens anteriores, já podemos afirmar que a justiça no Estado

Democrático de Direito não é utilitarista, não devendo produzir efeitos positivos para o

maior número de pessoas, ela deve sim, considerar a todas as pessoas indistintamente,

não desprezando nenhum ser humano, produzindo efeitos para todos.

E a realidade brasileira? De acordo com dados do IPEA – Instituto de Pesquisa

Econômica Avançada divulgados no ano de 2005, o Brasil possui a segunda pior

distribuição de renda do mundo, ficando na frente apenas de Serra Leoa, no continente

africano.

Um por cento dos brasileiros mais ricos, ou seja, um milhão e setecentas mil

pessoas, possuem uma renda equivalente à da formada pelos cinqüenta por cento mais

pobres, oitenta e seis vírgula cinco milhões de pessoas.

6391Deste modo, tornam-se necessárias mudanças estruturais e criação de

mecanismos para contenção das disparidades sociais em nossa sociedade. Diversas

iniciativas nesta seara estão sendo tomadas, haja vista os programas do governo federal

de distribuição de rendas, de criação de cotas em universidades.

Grosso modo, podemos afirmar que tais iniciativas são necessárias para se

estabelecer um equilíbrio inexistente em nossa sociedade. As disparidades sociais no

Brasil não é novidade, mas algo que remonta há tempos em nossa história, basta

voltarmos um pouco na mesma e atentarmos para a escravidão, como referido alhures,

para os coronéis do nordeste do país, as favelas ao lado de bairros nobres.

Deste modo, afirmamos que o modelo rawlsiano é o indicado para que possamos

construir uma sociedade mais justa. Salientamos que não jogamos por terra a justiça

distributiva de Aristóteles, talvez ela até seja um modelo mais eficaz, porém, a mesma

não conseguiria se efetivar em nossa sociedade de extrema desigualdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conflitamos, perfunctoriamente, dois modelos de justiça conhecidos por nossa

sociedade: a justiça distributiva de Aristóteles e justiça como equidade de John Rawls.

Uma elaborada há vários séculos, outra, fruto do século vinte, como alternativa ao

utilitarismo a ao intuicionismo vigentes nas teorias existentes até então.

Diríamos que, uma teoria que não deve prevalecer numa sociedade como a atual,

sociedade marcada pela corrupção, pelos interesses próprios, onde cada um olha para si

e esquece que a sociedade é o meio onde o homem pode colocar em prática seus

conhecimentos, habilidades.

Não afirmamos que a justiça distributiva aristotélica seja um modelo que não se

enquadra nos moldes do justo, mas sim que a sociedade atual não está apta a positivá-la,

visto ser uma sociedade de disparidade social e de corrupção arraigada ao longo de

nossa história.

Justiça distributiva em nossa sociedade atual seria distribuição de injustiças, se

não retirarmos as mazelas que corrompem essa mesma sociedade!

6392REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002.

BRÊTAS C. Dias, Ronaldo. Apontamentos sobre o estado democrático de direito.

Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, Belo

Horizonte, a.2, n.1, agosto de 2003. Disponível em

<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/Prod_Docente_Ano2.html>. Acesso em 19 set.

2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. 3a

. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da

filosofia constitucional contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Justiça distributiva para formigas e cigarras. Revista

Novos Estudos - CEBRAP, São Paulo, n.77, março de 2007. Disponível em

<http://www.scielo.br/pdf/nec/n77/a13n77.pdf>. Acesso em 27 set. 2007.

FREITAG, Barbara. Dialogando com Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 2005.

GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: estado democrático de direito

a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

HABERMAS, Jürgen. Factidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid:

Trotta, 1998.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ROUANET, Luiz Paulo. Justiça como eqüidade: uma proposta brasileira. In:

ENCONTRO NACIONAL DA ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política, 3,

2002, Niterói. Universidade Federal Fluminense.

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado – O substrato clássico e os novos

paradigmas como pré-compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte:

Del Rey, 2001.

União, Prosperidade e Diálogo

Livre Pensamento e cultura Maçônica. Fundado em 23/08/2006

sábado, janeiro 19, 2008

Justiça, Equidade e Imparcialidade

A reflexão sobre a Justiça ocupa um lugar preponderante no pensamento contemporâneo desde há cerca de vinte anos.

Este reavivar de interesse explica-se pelo renascimento e a renovação de Interrogações respeitantes aos direitos do homem em geral e do Estado de Direito em particular.

A questão da justiça tenderia a confundir-se hoje em dia com a do bem comum, concebido como respeito mútuo das pessoas, equilíbrio das liberdades e solidariedade social. Mas a elucidação da ideia de justiça concebida nos seus termos actuais e a formulação dos princípios que a constituem, implicam um desvio das teorias clássicas pelos debates que estas não deixaram de suscitar.

Segundo Platão, a justiça não é apenas urna virtude, mas também urna organização geral harmoniosa da vida social.

Em a "República" ele esperava poder conciliar as duas acepções possíveis do termo;

"Ela está em nós, como na cidade, sendo o princípio que mantém cada instância no seu lugar ao mesmo tempo que preside à harmonia do conjunto. Tal como no Estado, os magistrados mandam nos guerreiros e nos artesãos, da mesma forma, na alma, o espírito ou a razão mandam no coração. A justiça, virtude global, é então o que dá a cada parte de um conjunto o lugar que lhe cabe, aquele que lhe é devido tendo em conta a sua essência.

A tradição bíblica, retomada por Santo Agostinho, confirma esta abordagem global da justiça, e alarga-a mesmo às relações entre o homem e Deus: a justiça não é apenas a preocupação e o respeito do bom direito, ela pode ir além do que é devido (São Mateus, XX): por outro lado, ela não reside tanto nos actos e nas obras como na pureza interior do homem santificado pela graça.

Mas uma concepção assim da justiça com virtude puramente interior, poderia então constituir um desvio do sentido usual do termo.

A justiça no seu sentido habitual difere tanto da virtude platónica como da virtude cristã, e isto, sobre três pontos de vista:

- não é uma qualidade puramente interior mas diz respeito exclusivamente às relações entre os homens;

- não inclui a relação do homem com o divino;

- não constitui necessariamente um ideal de perfeição: um cidadão justo não é, por isso, um santo.

Segundo Aristóteles, a justiça como virtude cívica, deveria ser definida precisamente, como urna "disposição para realizar acções que produzem e conservam a felicidade", e os elementos desta, para urna comunidade política (Ética a Nicómano, V, 3). Assim concebida, esta disposição decompor-se-ia em justiça geral ou justiça legal, que teria por objectivo a utilidade comum da cidade, e em justiça particular ou justiça no sentido restrito do termo, orientada para o bem dos particulares. Esta comportaria mais urna vez dois aspectos: a justiça correctiva, que respeita as transacções entre indivíduos e que se conforma com o princípio de igualdade; e a justiça distributiva que aplica o princípio de proporcionalidade na repartição das vantagens e das honras em função dos méritos de cada um.

De qualquer modo, o objectivo da justiça é sempre o estabelecimento de um meio

justo que em última instancia se apoia sempre no princípio da igualdade. Esta concepção da justiça encontra-se em toda a tradição ocidental cristão depois laica, mas o seu objectivo, a partir do estoicismo, já não se limitará à cidade: estender-se-á ao bem comum da humanidade.

Das análises precedentes reteremos que a justiça, em conformidade com as teorias de inspiração aristotélica, repousa regra geral num duplo princípio: o da IMPARCIALIDADE - a lei deve ser a mesma para todos - e o da EQUIDADE - devemos oferecer a cada um o que lhe é devido -.

Resolutamente fiel a Aristóteles neste ponto, Jonh Rawls, contrariamente aos filósofos utilitaristas, atribui à justiça urna proeminência sobre todos os outros imperativos, tais como a eficácia, a estabilidade, a organização, etc..

Situando-se por hipótese num estado pré-constitucional no qual os indivíduos racionais constroem livremente urna sociedade justa, sem conhecer, ou mesmo saber, qual será a posição de cada um nessa sociedade, postula que os contratantes deverão ser determinados em função de dois princípios.

De acordo com o primeiro princípio, cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso das liberdades de base para todos; de acordo com o segundo princípio (princípio de diferença), as desigualdades sociais são aceitáveis se, e somente se: 1°. podemos razoavelmente esperar que sejam razoavelmente vantajosas para cada um; 2°. estiverem ligadas a posições e funções abertas a todos. Por outras palavras, a justiça - concebida como equidade - se implica igualdade num certo plano (o da liberdade), não exclui contudo a desigualdade, quer dizer, as diferenças de estatutos económicos e sociais: só as desigualdades que não beneficiam todos devem ser consideradas injustas (cf. Jonh Rawls).

Este segundo princípio que suscitou as maiores críticas porque implica forçosamente urna intervenção do Estado, aliás, sempre problemática, para corrigir ou pelo menos equilibrar os mecanismos ou as desigualdades naturais por via, nomeadamente dos impostos. Apesar disso, a obra de Jonh Rawls, se por um lado alimentou polémicas algumas vezes excessivas, por outro lado também suscitou um debate profundo.

É de assinalar os trabalhos de Luc Ferry e Alain Renault que retomam urna longa tradição republicana do direito e da filosofia política francesa. Para estes dois autores, a justiça deve ser concebida como um equilíbrio das liberdades individuais, temperada por instituições que garantam urna solidariedade social efectiva, e realizada no quadro

do que se chama o Estado de direito.

Para o REAA, justiça é a faculdade de julgar segundo o Direito e a melhor consciência. Sobre o ponto de vista filosófico maçónico é a verdade em acção, e como tal, é uma atitude activa. Maçonicamente falando tem um conceito mais humano do que o praticado na Santa Veheme (ou Santa Feme), dado que este era duro e inflexível.

A justiça maçónica proclama o ditado romano "SUMMUN JUS SUMMA INJURIA".

Termino com uma citação de Terêncio (dramaturgo e poeta romano 185 a 159 a C):

A JUSTIÇA INFLEXÍVEL É FREQUENTEMENTE A MAIOR DAS INJUSTIÇAS.

Abílio Martins, Loja de Perfeição Pisani Burnay

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