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RESUMO 2 2. EVOLUÇÃO HISTÓRIACA DO PROCESSO PENAL 2.1 - O PROCESSO PENAL NO BRASIL 2.2 SISTEMAS PROCESSUAIS A história do processo penal no Brasil, como se sabe, est á naturalmente vinculada à história do processo penal português, seja porque vigoravam aqui, ao tempo da colônia, as legislações portuguesas em matéria criminal, seja porque, rompidos os laços com o colonizador, a legislação autóctone continuou sendo fortemente influenciada pelo direito da antiga Corte. A legislação portuguesa Portugal era um dos condados do Reino de Lião, fundado pelos visigodos, e que fora concedido ao conde D. Henrique. Quando o sucessor deste último, D. Afonso Henriques, declarou a separação do condado portucalense em 1139 rompeu com as leis visigóticas e consolidou a legislação dos forais, concedendo a condes e senhores a jurisdi ção criminal. Assim, nos primeiros tempos da monarquia portuguesa, sobretudo quando Portugal ainda era um condado originário do Reino de Lião, a justiça criminal se organizava basicamente por meio dos chamados forais, que eram uma espécie de Cartas concedidas pelo rei aos condes e aos senhores de terras que assumiam a jurisdição penal nos seus domínios e nas cidades, povoações, concelhos (municípios) e vilas. Com a independência do condado portucalense em 1139, surge a Lei das Sete Partidas, traduzida do espanhol e assim chamada por conter sete partes, a qual buscava compilar a legislação herdada do direito romano e os cânones da justiça eclesiástica; posteriormente surgiriam as Leis Gerais promulgadas por D. Afonso IV, que sucedera D. Diniz em 1325, introduzindo as chamadas devassas ou inquirições devassas no processo português, permitindo que as investigações criminais de ofício se estendessem a todas as atividades dos acusados ou suspeitos de crime, sem que estes fossem sequer citados.

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RESUMO 2

2. EVOLUÇÃO HISTÓRIACA DO PROCESSO PENAL

2.1 - O PROCESSO PENAL NO BRASIL

2.2 – SISTEMAS PROCESSUAIS

A história do processo penal no Brasil, como se sabe, está naturalmente

vinculada à história do processo penal português, seja porque vigoravam aqui,

ao tempo da colônia, as legislações portuguesas em matéria criminal, seja

porque, rompidos os laços com o colonizador, a legislação autóctone continuou

sendo fortemente influenciada pelo direito da antiga Corte.

A legislação portuguesa

Portugal era um dos condados do Reino de Lião, fundado pelos visigodos,

e que fora concedido ao conde D. Henrique. Quando o sucessor deste último,

D. Afonso Henriques, declarou a separação do condado portucalense em 1139

rompeu com as leis visigóticas e consolidou a legislação dos forais,

concedendo a condes e senhores a jurisdição criminal. Assim, nos primeiros

tempos da monarquia portuguesa, sobretudo quando Portugal ainda era um

condado originário do Reino de Lião, a justiça criminal se organizava

basicamente por meio dos chamados forais, que eram uma espécie de Cartas

concedidas pelo rei aos condes e aos senhores de terras que assumiam a

jurisdição penal nos seus domínios e nas cidades, povoações, concelhos

(municípios) e vilas.

Com a independência do condado portucalense em 1139, surge a Lei das

Sete Partidas, traduzida do espanhol e assim chamada por conter sete partes,

a qual buscava compilar a legislação herdada do direito romano e os cânones

da justiça eclesiástica; posteriormente surgiriam as Leis Gerais promulgadas

por D. Afonso IV, que sucedera D. Diniz em 1325, introduzindo as chamadas

devassas ou inquirições devassas no processo português, permitindo que as

investigações criminais de ofício se estendessem a todas as atividades dos

acusados ou suspeitos de crime, sem que estes fossem sequer citados.

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Por esse tempo, o processo criminal português se iniciava com a

acusação pelo clamor do ofendido ou do povo (gritaria) e o julgamento estava a

cargo dos homens bons que presidiam um Conselho de Sentença. Havia a

possibilidade de recursos ao conde e aos senhores feudais que começavam a

criar as suas Casas de Suplicação, Relações,

Mesas etc., destinadas ao julgamento desses

recursos.

Aplicavam-se então

as normas do

Código Visigótico,

com o uso das provas irracionais como o duelo

judiciário e os

ordálios de Deus. Essa prova se produzia

publicamente, assim como eram públicos os

debates seguidos da votação pelo Conselho de

justiça.

Diante da necessidade de consolidar a

independência e autonomia, o reino de Portugal

promulgaria em 1446 as Ordenações Afonsinas,

que são o mais antigo Código genuinamente português, destinado a substituir

as leis esparsas e toda a legislação foraleira também em matéria criminal. A

esse Código se seguiriam as Ordenações Manuelinas e Filipinas que chegaram

a vigorar aqui na antiga colônia a partir do descobrimento em 1500.

As Ordenações Afonsinas previam como órgãos judicantes: (a) os Juízes

Ordinários, eleitos pelos homens bons ou por pessoas graduadas nos

concelhos (municípios), com jurisdição cível e criminal; (b) os Corregedores

das Comarcas, que eram nomeados pelo rei e faziam correições nas

comarcas julgando em primeira instância as causas pendentes de julgamento,

mas a função principal deles era garantir a autoridade do rei em face dos

donatários e do clero, não tinham a função de julgar apelações contra as

sentenças dos Juízes Ordinários: (c) Sobrejuízes da Casa do Cível, os quais

Origem: Wikipédia, a

enciclopédia livre.

Almotacé é o funcionário de

confiança dos concelhos na

Idade Média (equivalente a um

oficial municipal) responsável

pela fiscalização de pesos e

medidas e da taxação dos

preços dos alimentos; sendo

encarregado também da

regulação da distribuição dos

mesmos em tempos de maior

escassez. Ocupa o cargo

mensalmente, está dependente

dos governadores do concelho

(juízes e procuradores).

Foraleira diz respeito às

Cartas Régias, ou

forais, que concediam

aos senhores a

jurisdição civil e

criminal.

Forais – leis

particulares locais,

asseguradas pelos reis.

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formavam um tribunal e julgavam apelações criminais das causas de Lisboa;

(d) os Ouvidores da Corte, que julgavam as apelações criminais das

províncias; (e) a Casa da Justiça ou Relação da Corte, composta pelos

Desembargadores do Paço, com competência para julgar apelações criminais

em última instancia; (f) Conselho de Vereadores presidido pelos Juízes

Ordinários, pelos juízes de fora ou pelos Corregedores, também com

competência para julgamento de crimes em primeira instância. A polícia

judiciária era exercida pelos próprios juízes e seus meirinhos, pelos

vereadores e ainda pelos almotacés.

O Livro V das Ordenações Afonsinas continha as leis penais e as normas

do processo criminal, expressando toda a desigualdade do sistema feudal na

medida em que estabelecia privilégios e penas mais brandas para os nobres,

reservando para os plebeus o tratamento e as penas mais severas. Aliás, a

pena não guardava proporção com o crime e se destinava a controlar os

homens comuns pelo terror e pelo sangue.

Uma das primeiras providências da justiça criminal por essa época, assim

que um lugar era declarado vila, consistia na instalação de uma coluna de

pedra em praça pública, o pelourinho, com argolas e correntes onde eram

amarrados em praça pública, o pelourinho, com argolas e correntes onde eram

amarrados os criminosos de “baixa condição” ou “peões”, a fim de que

ficassem expostos à vergonha e fossem açoitados; nesse mesmo local eram

também fixados os editais e as condenações. Eduardo Bueno lembra que, não

por acaso, no centro de virtualmente todas as cidades portuguesas, no reino ou

no ultramar, erguia-se o pelourinho: a temível coluna de pedra que simbolizava

a autoridade régia e à sombra da qual as autoridades liam proclamações e

puniam criminosos.

Portanto, o pelourinho sinalizava o poder absoluto do rei e de seus representantes que podiam prender e julgar os autores de crimes, aplicando-

lhes penas geralmente cruéis e até mesmo a pena de morte.

O processo seguia o rito do processo canônico: (a) iniciava-se com a

acusação, a denúncia ou a inquirição de ofício; (b) realizavam-se as

devassas; (c) seguindo-se a citação do réu e o seu interrogatório, com a

possibilidade de aplicação dos tormentos; (d) a oitiva das testemunhas da

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devassa, se assim o requeresse o acusado; (e) alegações finais das partes:

e (f) julgamentos.

Em 1521, seriam promulgadas as Ordenações Manuelinas, que

mantiveram a forma do processo previsto nas Afonsinas, promovendo uma

multiplicação dos chamados juízes de fora, residentes fora das comarcas, que

foram substituindo os juízes ordinários eletivos na jurisdição criminal. Os juízes

de fora ficaram encarregados, juntamente com os corregedores em relação a

crimes incertos; entre elas havia as “janeirinhas” tiradas em janeiro de cada

ano, sobre delitos incertos. As devassas especiais eram realizadas pelos juízes

do local do crime a respeito de delitos certos e determinados, porém de autoria

desconhecida.

As Ordenações Manuelinas instituem também a figura do promotor da

justiça, tanto em matéria criminal quanto cível, com a finalidade de preservar a

jurisdição, requerendo todas as causas de interesse público. Há quem aponte

aí nessa figura do promotor da justiça a origem do Ministério Público brasileiro.

Por fim, vieram as Ordenações Filipinas, cujo Livro V regulava o direito e

o processo criminal. Essas Ordenações foram promulgadas em 1603 no

reinado de Filipe II, rei de Castela, o qual, por força da chamada União Ibérica,

havia assumido também o trono português. Com a morte de D. Sebastião, o

“Desejado”, em circunstâncias misteriosas na famosa batalha de Alcácer Quibir

na África, ascendeu ao trono português o cardeal D. Henrique, o qual viera a

falecer sem deixar herdeiros. Nesse caso, o trono deveria passar a um descendente de D. Manuel que era justamente o rei de Espanha, D. Filipe II.

No campo institucional, a união das duas coroas, sob o reinado de Filipe

II, fez com que as Ordenações Filipinas passassem a vigorar em todo o reino e

naturalmente também no Brasil. Ratificadas posteriormente por todos os reis

que subiram ao trono com a Restauração da monarquia portuguesa (dinastia

de Bragança), as Ordenações do espanhol Filipe II tiveram aqui uma longa

vigência, tanto assim que o seu livro V somente seria revogado em definitivo

pelos Código Criminal e do Processo Criminal do Império, promulgado,

respectivamente, em 1830 e 1832, já no Brasil independente.Pois bem, as

Ordenações Filipinas, como se verá logo abaixo, mantiveram as devassas

gerais e especiais que eram, conforme já referimos inquirições feitas sem

citação do investigado; o procedimento iniciava-se com a querela ou delação, e

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as provas eram basicamente as testemunhas e os tormentos; vale dizer, esse

Código referendava inteiramente o processo autoritário típico do período

medieval.

Note-se que o processo penal português sempre sofreu influência de toda

a legislação vigente na Idade Média, ou seja, do direito romano, das leis

bárbaras e do processo eclesiástico, notadamente deste último pelo forte

influência da Inquisição em Portugal. Por isso que, desde a legislação foraleira

até as Ordenações do Reino, o processo português trazido para a colônia

sempre expressou também o autoritarismo, a inquisitorialidade, os privilégios e

a hierarquia social característica da Idade Média.

O processo na Colônia

É muito difícil a reconstituição histórica do processo penal nos primeiros

anos da colonização brasileira, porque durante esse período não houve aqui,

por assim dizer, uma rigorosa sistematização da justiça criminal. E as razões

para essa fragilidade institucional são inúmeras, podendo-se citar, por exemplo,

a vastidão do território brasileiro com regiões aonde não chegava o “braço do

rei”; a povoação de apenas algumas cidades litorâneas e poucas vilas no

interior da colônia; a fragmentação da justiça exercida diretamente pelos

Ouvidores da Coroa, pelos feitores, pelos capitães donatários, pelos senhores

sesmeiros, pelo Governador-Geral e decerto também pela força dos

desbravadores.

Enfim, o processo penal na colônia era extremamente fragmentado e, por

isso mesmo, autoritário, como de resto seria de se esperar de um processo

tipicamente medieval. Daí a razão pela qual sempre será muito difícil se

estabelecer o perfil e a sistemática do processo penal durante o primeiro século

da colonização.

Seja como for, na ocasião do descobrimento do Brasil em 1500 já

vigoravam por aqui, pelo menos formalmente, as Ordenações Afonsinas de

1446, e a justiça seria realizada por um Ouvidor-Geral que a Coroa enviava à

colônia. Como já dissemos, essas Ordenações compilaram pela vez primeira

toda a legislação do reino português e, no seu livro V, continham as normas em

matéria de direito e processo penal.

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Diga-se, porém, que no início da colonização a partir de 1530 já estavam

em vigor as Ordenações Manuelinas, que acabavam de ser publicadas sob o

reinado de D. Manuel, o Venturoso, em 1521. No entanto, por essa época,

notadamente no regime das capitanias (que foi o regime adotado inicialmente

para a colonização do Brasil, tal como Portugal já havia feito na Ilha da

Madeira), é preciso destacar que a justiça penal estava regida inteiramente

pelo “arbítrio do donatário”, que monopolizava a justiça com poderes absolutos,

inclusive o poder de impor pena de morte aos escravos, gentios, cristãos,

peões e homens livres, sem apelação nem agravo.

O capitão donatário lembra Aníbal Bruno, era “a fonte de um Direito

informal e personalista, com o qual se pretendia manter a ordem social e

jurídica”. Nas terras das capitanias, segundo as cartas de doação, não

entravam corregedor nem qualquer outra autoridade que quisesse exercer a

jurisdição em nome d´el Rei. Somente com os governos gerais é que a

administração da justiça se tornaria mais centralizada com a incidência um

pouco mais efetiva dos ditames da lei.

As Ordenações Filipinas foram aquelas que tiveram o maior período de

vigência aqui na antiga colônia. Revalidadas por D. João IV em 1643, assim

que Portugal se desvencilhou do domínio espanhol, as Ordenações

promulgadas por Filipe II vigoraram no Brasil por mais de dois séculos,

portanto, as Ordenações Filipinas vigoraram durante todo o período colonial até

o advento do Código Criminal de 1830 e do Processo Criminal do Império de

1832, que as revogaram expressamente.

O Livro V das Ordenações Filipinas disciplinava a matéria criminal e se

tornou famoso por suas penas cruéis e infamantes. Dentre essas penas

estavam a morte natural cruel; a morte natural atroz; a morte natural para

sempre; a morte natural simples; o cortamento de membro; açoites; banimento;

degredo; desterro; galés perpétuas; galés temporárias; prisão com trabalho;

prisão simples e multa. Essas penas eram geralmente aplicadas aos

adversários políticos da coroa, aos hereges, pobres servos e negros; nem

sempre guardavam a devida proporção com o crime praticado.

Exemplo de aplicação violenta da lei e do processo das Ordenações do

Reino com finalidades políticas foi a condenação do inconfidente Joaquim José

da Silva Xavier, o Tiradentes, que fora sumariamente julgado e punido com a

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morte atroz e para sempre, por meio da forca e do esquartejamento, com a

exposição pública dos seus restos mortais.

As Ordenações Filipinas, a exemplo dos Códigos anteriores, adotaram

também um processo de tipo inquisitivo fortemente influenciado pelo direito

canônico, com o uso indiscriminado das devassas gerais e especiais que

preservavam sempre os privilégios de ricos e nobres. Portanto, o processo das

Ordenações era um processo tipicamente medieval, com todos os caracteres

políticos que expressavam as desigualdades e o despotismo típico da era

feudal.

O procedimento penal se iniciava com (a) querela ou delação; (b)

seguiam-se as devassas, ou inquirições de testemunhas pelo juiz sem a

citação da parte; (c) proferia-se então a pronúncia com prisão, fiança e

seqüestro de bens; (d) após, instaurava-se o processo sumário ou ordinário,

conforme a gravidade do crime; (e) nos casos graves em que a pena era a

morte, poderia ser instaurado apenas o processo sumário, sem oitiva de

testemunhas judiciais e sem citação do acusado; (f) proferia-se, por fim, o

julgamento com a imposição de penas cruéis e exemplares pelos Juízes

Ordinários, Conselho de Vereadores, Corregedores das Comarcas, Ouvidores

da Corte Casa da Justiça ou Relação da Corte. A polícia judiciária continuava

sendo exercida pelos próprios juízes e seus meirinhos, vereadores e também

pelos funcionários da administração, os almotacés.

As provas eram o corpo de delito, os indícios, as testemunhas, a

confissão e os tormentos. Note-se que os tormentos já apareciam desde as

Ordenações Afonsinas e consistiam nas perguntas judiciais destinadas a fazer

o réu dizer a verdade por meio de “tratos do corpo”. O próprio Código, no

entanto, cuidava de assegurar que os tormentos somente seriam aplicados aos

nobres em casos graves de lesa-majestade, traição ou homicídio atroz. Nas

Ordenações, o sistema probatório se encontrava informado pelo princípio das

provas legais ou taxadas. É claro que as Ordenações Filipinas sofreram

também forte influência do Corpus júris canonici e de seu processo autoritário,

haja vista que o início da colonização do Brasil praticamente coincidiu com a

instalação do Santo Ofício em Portugal. Muito embora não se tivesse notícia de

que o Tribunal da Inquisição tenha estabelecido alguma sede por aqui, é certo

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que há vários registros de visitações inquisitoriais na antiga colônia, inclusive

com a prisão de pessoas e o envio delas para a morte na fogueira em Lisboa,

onde ficava a sede do Tribunal em que eram celebrados os autos-de-fé. Muitos

foram enviados para o degredo em Angola, na África. Os perseguidos pela

Inquisição no Brasil foram, sobretudo, os chamados cristãos novos e seus

descendentes, ou seja, os judeus obrigados a se converterem ao cristianismo

pelo rei D. Manuel em 1497; muitos ciganos foram também perseguidos pela

Inquisição e enviados para o degredo em Angola.Sobre a influência inegável do

processo eclesiástico na justiça criminal da colônia, é relevante notar que a

ação de dois instrumentos poderosíssimos, a Inquisição e a Companhia de

Jesus, largamente utilizados pela Igreja no combate à heresia, coincidiu

exatamente com todo o processo de colonização do Brasil pela coroa

portuguesa. Aliás, é mesmo natural que o poder lusitano religioso tenha

monopolizado a justiça criminal nos territórios onde implantou a colonização,

tanto aqui quanto na África.

É correto concluir, portanto, que o processo criminal no Brasil, ao tempo

da colônia, regido que estava pelas famigeradas Ordenações Filipinas, exibia

mesmo todos os traços de um processo tipicamente medieval, seja pelo seu

perfil místico, inquisitivo e hierárquico, seja pela influência autoritária que o

processo eclesiástico sempre exerceu sobre as formas de funcionamento da

justiça criminal nos tempos coloniais.

O processo no Império

Com a proclamação da Independência em 1822 e a promulgação da

primeira Constituição brasileira em 1824, já se faziam sentir aqui as

influências do ideário liberal europeu, difundidas pelo Iluminismo francês, bem

como as idéias humanitárias de Beccaria no campo criminal. Logo em seguida,

o Brasil instalaria as suas primeiras faculdades de direito, em 1827 uma em

Olinda outra em São Paulo, iniciando assim o processo de criação de um

Estado nacional sob o signo do liberalismo. Se bem que é sempre importante

notar o caráter artificial desse liberalismo então adotado pelo país, já que por

essa época esse ideário liberal transplantado para os trópicos convivia

estranhamente com a escravidão, com o latifúndio e com uma forte exclusão

social e política.

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Porém, o fato é que essas idéias liberais já não se harmonizavam com

uma legislação arcaica e medievalizante tal como aquela contida nas

Ordenações do Reino. Assim é que em 1830 veio o Código Criminal do

Império, inspirado no Código Penal Francês de viés obviamente liberal, e em

1832 surge o Código de Processo Criminal de Primeira Instância. Essa

legislação representa uma verdadeira reação às leis opressoras da monarquia

e revoga as Ordenações Filipinas, superando de vez, em matéria criminal, a

ordem jurídica do Brasil colonial.

Influenciado pelo ideário liberal, o Código do Processo Criminal de 1832

adota um processo de tipo acusatório, com a separação das funções de

investigar, acusar, defender e julgar, fazendo surgir a figura do Juiz de Paz com

funções instrutórias, do Promotor Público incumbido da acusação, do Juiz de

Direito e do Tribunal do Júri popular, este último dividido em júri de acusação

para decidir sobre a plausibilidade das queixas e denúncias, e júri de sentença

com a função de proferir o julgamento final.

O Código de Processo Criminal do Império representa também a primeira

iniciativa de estruturação da Justiça do país desde a Independência em 1822.

Dividiu a jurisdição criminal de primeira instância em distritos, termos (Nota:

subdivisão da comarca sob a jurisdição de um juiz e de um pretor que é um juiz

de alçada inferior) e comarcas, instituindo um Juiz de Paz para cada distrito;

um Conselho de Jurados, um Juiz Municipal e um Promotor Público em cada

termo; e um Juiz de Direito em cada comarca.

O procedimento penal se alterou significativamente com o Código de

1832, que eliminou definitivamente as querelas, as delações e as devassas, se

bem que estas últimas já haviam sido abolidas em Portugal por uma lei de 12

de novembro de 1821, e no Brasil por lei de D. Pedro I promulgada em

18.6.1822. Ambas as leis, editadas sob a influência das idéias liberais da

Revolução Burguesa que acabava de triunfar na Europa, aboliram também os

tormentos.

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A iniciativa do processo passou a ser do ofendido por meio da queixa

(que substituiu a querela); ou ainda por intermédio da denúncia oferecida pelo

promotor público ou por qualquer do povo. O processo passou a ser público e

oral, assumindo o rito sumário perante o Juiz de Paz e o rito ordinário quando

instaurado pelo Tribunal do Júri. Esse

tribunal popular se desdobrava em dos

conselhos: pequeno júri, ou júri de

acusação, destinado a averiguar a

viabilidade das acusações; e grande júri,

ou júri de sentença, com competência

para proferir o veredicto final.

A tendência liberal desse Código,

pelo menos do ponto de vista formal, é

inegável. Note-se que, além do processo

de tipo acusatório, é justamente no

Código de Processo Criminal de 1832 que surge a previsão expressa de um

dos instrumentos mais clássicos de defesa da liberdade, o habeas corpus,

muito embora este já estivesse delineado na Constituição Imperial de 1824; e é

também nesse Código que se consolida a participação popular na

administração da justiça por meio do júri, cujo tribunal tinha competência para

julgamento de todo tipo de crime.

Todavia, não obstante essa vocação liberalizante do Código de 1832, o

fato é que as disputas políticas entre o Partido Conservador (Partido

Português) e o Partido Liberal, que culminaram com a renúncia de D. Pedro I

em 1831 e o golpe da maioridade por meio do qual o príncipe D. Pedro II

assumiria o trono, bem como a intensa agitação social que marcou o período

da Regência, com a explosão de movimentos como a Sabinada, Balaiada,

Cabanagem, Farroupilha, os Quilombos etc., levaram a um recrudescimento do

poder por parte da Coroa, com forte reação monárquica às idéias liberais.

Viria então a reforma processual penal de 3 de dezembro de 1841, que

retirou os poderes instrutórios do Juiz de Paz, entregando-os ao juiz municipal

e ao chefe de polícia, ambos nomeados pelo poder central (Imperador e

Presidentes de Províncias). Aquelas autoridades assumiriam importantes

funções judiciárias no âmbito da justiça criminal, instalando novamente entre

"querelas" (delações de crimes

feitas em juízo por particulares,

no seu ou no interesse público) e

por "denúncias" (feitas nos casos

de devassas). As "devassas" e o

processo se faziam sem o

concurso do acusado.(Mirabete)

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nós um processo de tipo inquisitivo, cuja adoção marcou esse período da

justiça criminal que ficou conhecido como o período do “policialismo judiciário”.

Essa reforma aboliu também o júri de acusação, que tinha atribuições de

decidir acerca do fundamento ou da pertinência das acusações.

Somente mais tarde, 30 anos depois, quando novamente as idéias

liberais voltaram a influenciar o contexto político no Brasil que culminaria com a

abolição da escravatura em 1888, proclamação da República em 1889 e

promulgação da primeira Carta republicana em 1891, é que o pais

experimentou uma nova reforma processual penal, em 1871, rompendo com o

“policismo judiciário”. Com essa reforma o sistema processual volta a adotar

um processo de tipo claramente acusatório, separando judicatura e polícia,

quando então surge o inquérito policial que vai conferir à polícia apenas os

poderes administrativos de investigação.

O processo na República

A Constituição republicana de 1891 adotou o chamado pluralismo

processual e deferiu aos Estados da federação a competência legislativa para

editar os seus próprios códigos de processo penal. Alguns estados

efetivamente promulgaram seus códigos, mas, na maioria deles, continuou a

vigorar o Código do Império e as sucessivas mudanças. Apenas com a

Constituição de 1934 é que o país adota novamente a unidade processual que

viria propiciar a edição do Código de Processo Penal de 1941.

O Código de 1941, que entrou em vigor no ano seguinte, foi editado na

atmosfera autoritária e fascista do Estado Novo, sob o governo de Getúlio

Vargas, e configurou praticamente uma cópia do chamado Código Rocco da

Itália fascista de Benito Mussolini. É exatamente por tais razões que esse

Código, embora mantendo o processo de tipo acusatório, continha inúmeros

dispositivos autoritários como, por exemplo, a prisão preventiva compulsória

para alguns delitos, a vagueza das expressões que permitem as prisões

provisórias (flagrante e preventiva), o procedimento ex officio para as

contravenções, o processo à revelia etc.

O Código de Processo Penal de 1941 permanece em vigor até hoje,

mantém alguns de seus dispositivos autoritários, mas foi profundamente

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modificado por sucessivas leis e pela Constituição de 1988, bem como por

inúmeros tratados de direitos humanos que o Brasil referendou nos últimos

tempos. De modo que a índole autoritária do Código vigente se encontra hoje

bastante mitigada. Do pronto de vista técnico, esse Código tem merecido

também algumas críticas, especificamente no que se refere ao seu caótico

sistema de recursos, à ausência de sistematização das medidas cautelares,

ausência de procedimentos especiais importantes e a falta de um título

específico para a execução penal.

Em suma, o processo penal no Brasil republicano conta hoje com um

Código de origem fascista e, portanto, um diploma legislativo de raízes

autoritárias, porém bastante modificado por uma legislação subseqüente de

perfil acentuadamente mais liberal. Apesar de sua origem autoritária, não seria

correto afirmar que termos, atualmente, um código fascista.

É dizer, o processo penal brasileiro, sob a ordem constitucional instalada

a partir de 1988, e sob os influxos do direito internacional dos direitos humanos,

pelo menos de um ponto de vista jurídico-formal, pode ser qualificado como um

processo de tipo acusatório, com certa vocação liberal, ou seja, um processo

tipicamente moderno. Portanto, um sistema processual passível de ser utilizado

de forma não autoritária, dentro dos marcos da chamada instrumentalidade

garantista. (Antônio Alberto Machado. Teoria Geral do Processo Penal. São

Paulo: Atlas, 2009, p.24/38)

(*) Extraído de http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8505. Daniza Maria

Haye Biazevic. A história da tortura.

(**)Extraído de

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm Revista

Jurídica Virtual nº 5. Ives Gandra da Silva Martins Filho

Visigodos eram povos germânicos. O direito visigodo previa uma forma dual de justiça, com a assembléia

dos homens livres para julgamento dos crimes graves e a delegação aos homens mais velhos e mais

considerados para os crimes menores; as provas eram o juramento, as testemunhas, os juízos de Deus e os

tormentos. Vê-se, portanto, que a cultura jurídica dos bárbaros acabou mesmo incorporando ao processo

medieval alguns aspectos supersticiosos, com a adoção de mecanismos místicos, especialmente no que se

refere à produção da prova, como são os casos das ordálias (juízos de Deus), dos juramentos, dos duelos

etc.

Os "Juízos de Deus" surgiram no século XI, com a colonização dos bárbaros, e são considerados o início

da tortura em juízo. Mais tarde, começam a surgir referências aos tormentos no processo criminal.

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Foi nesse período histórico que a confissão passou a ser considerada a rainha das provas – regina

probarum – devendo ser buscada praticamente a qualquer custo. Segundo João Bernardino Gonzaga:

“ ...se por qualquer motivo ao conviesse o duelo, recorria-se aos ordálios. (...) Os métodos variavam muito,

mas em regra consistiram na ‘prova do fogo’ ou na ‘prova da água’. Por exemplo, o réu devia transportar

com as mãos nuas, por determinada distância, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam depois as

feridas e deixavam transcorrer certo número de dias. Findo o prazo, se as queimaduras houvessem

desaparecido, considerava-se inocente o acusado; se se apresentassem infeccionadas, isso demonstrava a

sua culpa. Equivalentemente ocorria na ‘prova da água’, em que o réu devia por exemplo submergir,

durante o tempo fixado, seu braço numa caldeira cheia de água fervente. A expectativa dos julgadores era

de que o culpado, acreditando no ordálio e por temos a suas conseqüências, preferisse desde logo

confessar a própria responsabilidade, dispensando o doloroso teste. (*)

2.2 - SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

A doutrina identifica três sistemas distintos de processo, fazendo-o,

principalmente e conforme a distribuição da titularidade das atividades de

julgar, acusar e defender. São eles:

I – Sistema inquisitivo ou inquisitorial

É o processo em que se confundem as figuras do acusador e do julgador. Em

verdade, não há acusador nem acusado, mas somente o juiz (o inquisidor),

que investiga e julga, e o objeto de sua atividade (o inquirido). É considerado

primitivo, já que o acusado é privado do contraditório, prejudicando-lhe o

exercício da defesa.

II – Sistema acusatório

Caracteriza-se principalmente pela separação entre as funções da acusação e

do julgamento. O procedimento, assim, costuma ser realizado em

contraditório, permitindo-se o exercício de uma defesa ampla, já que a figura

do julgador é imparcial, igualmente distante, em tese, de ambas as partes. As

partes, em pé de igualdade (par conditio) têm garantido o direito à prova,

cooperando, de modo efetivo, na busca da verdade real. A ação penal é de

regra pública, e indispensável para a realização do processo. Costuma vigorar

o princípio oral, imediato, concentrado e público de seus atos.

III – Sistema misto

Inaugurado com o Code d’Instruction Criminelle (Código de Processo Penal)

francês, em 1808, constitui-se pela junção dos dois modelos anteriores,

tornando-se, assim, eminentemente bifásico. Compõe-se de uma primeira

fase, inquisitiva, de instrução ou investigação preliminar, sigilosa, escrita e não

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contraditória, e uma segunda fase, acusatória, informada pelos princípios do

devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A Classificação do sistema processual brasileiro

Ressalvada nossa opinião quanto à divisão tradicional em “sistemas

processuais”, de ver que a doutrina brasileira não é unânime quanto ao

enquadramento do nosso processo penal em um dos sistemas mencionados.

Para alguns autores (Hélio Tornaghi, p. ex.), a persecução penal é mista, já

que se compõe de dois momentos ou fases:

Uma primeira fase, do inquérito policial, apresentar-se-ia

essencialmente inquisitiva, sigilosa e não contraditória, figurando a

pessoa do suspeito ou indiciado como mero objeto da investigação.

Uma segunda fase, após o encerramento do inquérito, com o

oferecimento da denúncia ou queixa e com a instauração da relação

processual, quando passariam a vigorar as garantias constitucionais das partes e, em especial, do acusado.

Outros autores, contudo, classificam o sistema brasileiro de acusatório

(Mirabete, Tourinho, Scarance, etc.), já que a fase investigatória, inquisitiva,

não é propriamente processual, pois que tem caráter administrativo. O

processo, em si, desenvolve-se inteiramente em respeito aos princípios do

contraditório e da ampla defesa, assegurando-se a paridade de armas entre as

partes, separando-se o órgão responsável pela acusação daquele que julga,

ao final, a lide penal.

Nossa posição: Em que pese à divergência, fato é que a persecução penal no

sistema brasileiro cinde-se em duas partes, configurando-se em sistema misto.

A fase investigatória tem, em regra, caráter inquisitivo, a ela não se aplicando

todas as garantias inerentes ao processo, porque não é um processo.

Entretanto, é certo que, no âmbito específico do processo penal (subseqüente

à fase investigatória), a função acusatória é organicamente separada da

função decisória, de modo que, se a persecução penal como um todo pode ser

classificada sob o gênero dos sistemas mistos, o processo penal em si –

subseqüente à investigação – indubitavelmente é acusatório. Isto é, configura-

se em verdadeiro processo penal (acusatório). Claras, portanto, a noção da

parte (sistema inquisitório, na primeira; acusatório, na segunda) e do todo

(sistema misto, na análise da persecução penal, da fase extrajudicial à

judicial). A manutenção, aliás, de nosso sistema, preservando a existência do

inquérito policial como uma “instrução provisória”, atende por outro lado à

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própria garantia do acusado de se ver protegido contra juízos errôneos e

precipitados que poderiam se constituir caso se adotasse uma ação penal sem

a prévia investigação, ou seja, aquela em que houvesse uma “unidade de

instrução” (inexistência de inquérito, vigendo o contraditório desde o início), a

pretexto de celeridade ou respeito ao contraditório.

BONFIM, Edilson Mougenot

(http://programadeapoioaoestudantededireito.blogspot.com/2008/07/sistemas-processuais-penais-5.html)

Complementando o que foi abordado acima, Antônio Alberto Machado afirma:

“Aliás, toda doutrina de extração garantista vem advertindo que mesmo o

processo judicial no Brasil ainda mantém alguns resquícios dos procedimentos

inquisitivos, em que o julgador acaba assumindo funções típicas da acusação

e, com isso, assume a gestão da prova, transformando-se num autêntico

inquisidor dos tempos medievais. Tal ocorre, por exemplo, quando o art. 156

do Código de Processo Penal brasileiro permite ao juiz determinar diligências

probatórias de ofício; quando o art. 209 faculta ao magistrado a oitiva de

testemunhas não arroladas pelas partes; quando a lei admite as prisões

cautelares decretadas de ofício (art. 311, CPP); quando o juiz provoca a

mutatio libelli (art. 384, CPP); quando o magistrado usa e abusa do direito de

determinar escutas telefônicas etc.

Seja como for, o fato insofismável é que a nossa Constituição Federal

consagrou o princípio acusatório e, portanto, não há dúvida de que o processo

penal brasileiro se filia mesmo a esse sistema, muito embora a fase

investigatória, realizada no âmbito do inquérito policial, seja realmente uma

fase naturalmente inquisitiva, sem a existência de partes e sem contraditório,

mas aí já não se trata de processo.

A partir do momento em que a Constituição Federal entregou as funções de

investigar à polícia judiciária (art. 144, CF); encarregou o Ministério Público

(art. 129,I) ou o particular (art. 5º, LIX) das funções de acusar; atribuiu ao

Poder Judiciário a competência para o julgamento das causas criminais (arts.

92 a 126); assegurou a imparcialidade dos juízes (art. 95, parágrafo único);

garantiu o direito de defesa e o contraditório (art. 5º, LV), não há dúvida de que

consagrou o princípio do processo acusatório, enquanto processo de partes,

com a rigorosa separação entre as funções de investigar, acusar, defender e

julgar.

De modo que quaisquer normas infraconstitucionais, previstas no Código ou

na legislação processual penal extravagante, que estiverem em confronto com

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o princípio do processo acusatório estabelecido pela Constituição da

República exibirão sempre o vício da inconstitucionalidade, decorrendo daí,

consequentemente, a invalidade de tais normas”. (MACHADO, p.10/11)

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

BONFIM, Edilson Mougenot (http://programadeapoioaoestudantededireito.blogspot.com/2008/07/sistemas-processuais-penais-5.html)

MACHADO, Antônio Alberto. Teoria Geral do Processo Penal. São Paulo:

Atlas, 2009