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RESUMO 2
2. EVOLUÇÃO HISTÓRIACA DO PROCESSO PENAL
2.1 - O PROCESSO PENAL NO BRASIL
2.2 – SISTEMAS PROCESSUAIS
A história do processo penal no Brasil, como se sabe, está naturalmente
vinculada à história do processo penal português, seja porque vigoravam aqui,
ao tempo da colônia, as legislações portuguesas em matéria criminal, seja
porque, rompidos os laços com o colonizador, a legislação autóctone continuou
sendo fortemente influenciada pelo direito da antiga Corte.
A legislação portuguesa
Portugal era um dos condados do Reino de Lião, fundado pelos visigodos,
e que fora concedido ao conde D. Henrique. Quando o sucessor deste último,
D. Afonso Henriques, declarou a separação do condado portucalense em 1139
rompeu com as leis visigóticas e consolidou a legislação dos forais,
concedendo a condes e senhores a jurisdição criminal. Assim, nos primeiros
tempos da monarquia portuguesa, sobretudo quando Portugal ainda era um
condado originário do Reino de Lião, a justiça criminal se organizava
basicamente por meio dos chamados forais, que eram uma espécie de Cartas
concedidas pelo rei aos condes e aos senhores de terras que assumiam a
jurisdição penal nos seus domínios e nas cidades, povoações, concelhos
(municípios) e vilas.
Com a independência do condado portucalense em 1139, surge a Lei das
Sete Partidas, traduzida do espanhol e assim chamada por conter sete partes,
a qual buscava compilar a legislação herdada do direito romano e os cânones
da justiça eclesiástica; posteriormente surgiriam as Leis Gerais promulgadas
por D. Afonso IV, que sucedera D. Diniz em 1325, introduzindo as chamadas
devassas ou inquirições devassas no processo português, permitindo que as
investigações criminais de ofício se estendessem a todas as atividades dos
acusados ou suspeitos de crime, sem que estes fossem sequer citados.
Por esse tempo, o processo criminal português se iniciava com a
acusação pelo clamor do ofendido ou do povo (gritaria) e o julgamento estava a
cargo dos homens bons que presidiam um Conselho de Sentença. Havia a
possibilidade de recursos ao conde e aos senhores feudais que começavam a
criar as suas Casas de Suplicação, Relações,
Mesas etc., destinadas ao julgamento desses
recursos.
Aplicavam-se então
as normas do
Código Visigótico,
com o uso das provas irracionais como o duelo
judiciário e os
ordálios de Deus. Essa prova se produzia
publicamente, assim como eram públicos os
debates seguidos da votação pelo Conselho de
justiça.
Diante da necessidade de consolidar a
independência e autonomia, o reino de Portugal
promulgaria em 1446 as Ordenações Afonsinas,
que são o mais antigo Código genuinamente português, destinado a substituir
as leis esparsas e toda a legislação foraleira também em matéria criminal. A
esse Código se seguiriam as Ordenações Manuelinas e Filipinas que chegaram
a vigorar aqui na antiga colônia a partir do descobrimento em 1500.
As Ordenações Afonsinas previam como órgãos judicantes: (a) os Juízes
Ordinários, eleitos pelos homens bons ou por pessoas graduadas nos
concelhos (municípios), com jurisdição cível e criminal; (b) os Corregedores
das Comarcas, que eram nomeados pelo rei e faziam correições nas
comarcas julgando em primeira instância as causas pendentes de julgamento,
mas a função principal deles era garantir a autoridade do rei em face dos
donatários e do clero, não tinham a função de julgar apelações contra as
sentenças dos Juízes Ordinários: (c) Sobrejuízes da Casa do Cível, os quais
Origem: Wikipédia, a
enciclopédia livre.
Almotacé é o funcionário de
confiança dos concelhos na
Idade Média (equivalente a um
oficial municipal) responsável
pela fiscalização de pesos e
medidas e da taxação dos
preços dos alimentos; sendo
encarregado também da
regulação da distribuição dos
mesmos em tempos de maior
escassez. Ocupa o cargo
mensalmente, está dependente
dos governadores do concelho
(juízes e procuradores).
Foraleira diz respeito às
Cartas Régias, ou
forais, que concediam
aos senhores a
jurisdição civil e
criminal.
Forais – leis
particulares locais,
asseguradas pelos reis.
formavam um tribunal e julgavam apelações criminais das causas de Lisboa;
(d) os Ouvidores da Corte, que julgavam as apelações criminais das
províncias; (e) a Casa da Justiça ou Relação da Corte, composta pelos
Desembargadores do Paço, com competência para julgar apelações criminais
em última instancia; (f) Conselho de Vereadores presidido pelos Juízes
Ordinários, pelos juízes de fora ou pelos Corregedores, também com
competência para julgamento de crimes em primeira instância. A polícia
judiciária era exercida pelos próprios juízes e seus meirinhos, pelos
vereadores e ainda pelos almotacés.
O Livro V das Ordenações Afonsinas continha as leis penais e as normas
do processo criminal, expressando toda a desigualdade do sistema feudal na
medida em que estabelecia privilégios e penas mais brandas para os nobres,
reservando para os plebeus o tratamento e as penas mais severas. Aliás, a
pena não guardava proporção com o crime e se destinava a controlar os
homens comuns pelo terror e pelo sangue.
Uma das primeiras providências da justiça criminal por essa época, assim
que um lugar era declarado vila, consistia na instalação de uma coluna de
pedra em praça pública, o pelourinho, com argolas e correntes onde eram
amarrados em praça pública, o pelourinho, com argolas e correntes onde eram
amarrados os criminosos de “baixa condição” ou “peões”, a fim de que
ficassem expostos à vergonha e fossem açoitados; nesse mesmo local eram
também fixados os editais e as condenações. Eduardo Bueno lembra que, não
por acaso, no centro de virtualmente todas as cidades portuguesas, no reino ou
no ultramar, erguia-se o pelourinho: a temível coluna de pedra que simbolizava
a autoridade régia e à sombra da qual as autoridades liam proclamações e
puniam criminosos.
Portanto, o pelourinho sinalizava o poder absoluto do rei e de seus representantes que podiam prender e julgar os autores de crimes, aplicando-
lhes penas geralmente cruéis e até mesmo a pena de morte.
O processo seguia o rito do processo canônico: (a) iniciava-se com a
acusação, a denúncia ou a inquirição de ofício; (b) realizavam-se as
devassas; (c) seguindo-se a citação do réu e o seu interrogatório, com a
possibilidade de aplicação dos tormentos; (d) a oitiva das testemunhas da
devassa, se assim o requeresse o acusado; (e) alegações finais das partes:
e (f) julgamentos.
Em 1521, seriam promulgadas as Ordenações Manuelinas, que
mantiveram a forma do processo previsto nas Afonsinas, promovendo uma
multiplicação dos chamados juízes de fora, residentes fora das comarcas, que
foram substituindo os juízes ordinários eletivos na jurisdição criminal. Os juízes
de fora ficaram encarregados, juntamente com os corregedores em relação a
crimes incertos; entre elas havia as “janeirinhas” tiradas em janeiro de cada
ano, sobre delitos incertos. As devassas especiais eram realizadas pelos juízes
do local do crime a respeito de delitos certos e determinados, porém de autoria
desconhecida.
As Ordenações Manuelinas instituem também a figura do promotor da
justiça, tanto em matéria criminal quanto cível, com a finalidade de preservar a
jurisdição, requerendo todas as causas de interesse público. Há quem aponte
aí nessa figura do promotor da justiça a origem do Ministério Público brasileiro.
Por fim, vieram as Ordenações Filipinas, cujo Livro V regulava o direito e
o processo criminal. Essas Ordenações foram promulgadas em 1603 no
reinado de Filipe II, rei de Castela, o qual, por força da chamada União Ibérica,
havia assumido também o trono português. Com a morte de D. Sebastião, o
“Desejado”, em circunstâncias misteriosas na famosa batalha de Alcácer Quibir
na África, ascendeu ao trono português o cardeal D. Henrique, o qual viera a
falecer sem deixar herdeiros. Nesse caso, o trono deveria passar a um descendente de D. Manuel que era justamente o rei de Espanha, D. Filipe II.
No campo institucional, a união das duas coroas, sob o reinado de Filipe
II, fez com que as Ordenações Filipinas passassem a vigorar em todo o reino e
naturalmente também no Brasil. Ratificadas posteriormente por todos os reis
que subiram ao trono com a Restauração da monarquia portuguesa (dinastia
de Bragança), as Ordenações do espanhol Filipe II tiveram aqui uma longa
vigência, tanto assim que o seu livro V somente seria revogado em definitivo
pelos Código Criminal e do Processo Criminal do Império, promulgado,
respectivamente, em 1830 e 1832, já no Brasil independente.Pois bem, as
Ordenações Filipinas, como se verá logo abaixo, mantiveram as devassas
gerais e especiais que eram, conforme já referimos inquirições feitas sem
citação do investigado; o procedimento iniciava-se com a querela ou delação, e
as provas eram basicamente as testemunhas e os tormentos; vale dizer, esse
Código referendava inteiramente o processo autoritário típico do período
medieval.
Note-se que o processo penal português sempre sofreu influência de toda
a legislação vigente na Idade Média, ou seja, do direito romano, das leis
bárbaras e do processo eclesiástico, notadamente deste último pelo forte
influência da Inquisição em Portugal. Por isso que, desde a legislação foraleira
até as Ordenações do Reino, o processo português trazido para a colônia
sempre expressou também o autoritarismo, a inquisitorialidade, os privilégios e
a hierarquia social característica da Idade Média.
O processo na Colônia
É muito difícil a reconstituição histórica do processo penal nos primeiros
anos da colonização brasileira, porque durante esse período não houve aqui,
por assim dizer, uma rigorosa sistematização da justiça criminal. E as razões
para essa fragilidade institucional são inúmeras, podendo-se citar, por exemplo,
a vastidão do território brasileiro com regiões aonde não chegava o “braço do
rei”; a povoação de apenas algumas cidades litorâneas e poucas vilas no
interior da colônia; a fragmentação da justiça exercida diretamente pelos
Ouvidores da Coroa, pelos feitores, pelos capitães donatários, pelos senhores
sesmeiros, pelo Governador-Geral e decerto também pela força dos
desbravadores.
Enfim, o processo penal na colônia era extremamente fragmentado e, por
isso mesmo, autoritário, como de resto seria de se esperar de um processo
tipicamente medieval. Daí a razão pela qual sempre será muito difícil se
estabelecer o perfil e a sistemática do processo penal durante o primeiro século
da colonização.
Seja como for, na ocasião do descobrimento do Brasil em 1500 já
vigoravam por aqui, pelo menos formalmente, as Ordenações Afonsinas de
1446, e a justiça seria realizada por um Ouvidor-Geral que a Coroa enviava à
colônia. Como já dissemos, essas Ordenações compilaram pela vez primeira
toda a legislação do reino português e, no seu livro V, continham as normas em
matéria de direito e processo penal.
Diga-se, porém, que no início da colonização a partir de 1530 já estavam
em vigor as Ordenações Manuelinas, que acabavam de ser publicadas sob o
reinado de D. Manuel, o Venturoso, em 1521. No entanto, por essa época,
notadamente no regime das capitanias (que foi o regime adotado inicialmente
para a colonização do Brasil, tal como Portugal já havia feito na Ilha da
Madeira), é preciso destacar que a justiça penal estava regida inteiramente
pelo “arbítrio do donatário”, que monopolizava a justiça com poderes absolutos,
inclusive o poder de impor pena de morte aos escravos, gentios, cristãos,
peões e homens livres, sem apelação nem agravo.
O capitão donatário lembra Aníbal Bruno, era “a fonte de um Direito
informal e personalista, com o qual se pretendia manter a ordem social e
jurídica”. Nas terras das capitanias, segundo as cartas de doação, não
entravam corregedor nem qualquer outra autoridade que quisesse exercer a
jurisdição em nome d´el Rei. Somente com os governos gerais é que a
administração da justiça se tornaria mais centralizada com a incidência um
pouco mais efetiva dos ditames da lei.
As Ordenações Filipinas foram aquelas que tiveram o maior período de
vigência aqui na antiga colônia. Revalidadas por D. João IV em 1643, assim
que Portugal se desvencilhou do domínio espanhol, as Ordenações
promulgadas por Filipe II vigoraram no Brasil por mais de dois séculos,
portanto, as Ordenações Filipinas vigoraram durante todo o período colonial até
o advento do Código Criminal de 1830 e do Processo Criminal do Império de
1832, que as revogaram expressamente.
O Livro V das Ordenações Filipinas disciplinava a matéria criminal e se
tornou famoso por suas penas cruéis e infamantes. Dentre essas penas
estavam a morte natural cruel; a morte natural atroz; a morte natural para
sempre; a morte natural simples; o cortamento de membro; açoites; banimento;
degredo; desterro; galés perpétuas; galés temporárias; prisão com trabalho;
prisão simples e multa. Essas penas eram geralmente aplicadas aos
adversários políticos da coroa, aos hereges, pobres servos e negros; nem
sempre guardavam a devida proporção com o crime praticado.
Exemplo de aplicação violenta da lei e do processo das Ordenações do
Reino com finalidades políticas foi a condenação do inconfidente Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes, que fora sumariamente julgado e punido com a
morte atroz e para sempre, por meio da forca e do esquartejamento, com a
exposição pública dos seus restos mortais.
As Ordenações Filipinas, a exemplo dos Códigos anteriores, adotaram
também um processo de tipo inquisitivo fortemente influenciado pelo direito
canônico, com o uso indiscriminado das devassas gerais e especiais que
preservavam sempre os privilégios de ricos e nobres. Portanto, o processo das
Ordenações era um processo tipicamente medieval, com todos os caracteres
políticos que expressavam as desigualdades e o despotismo típico da era
feudal.
O procedimento penal se iniciava com (a) querela ou delação; (b)
seguiam-se as devassas, ou inquirições de testemunhas pelo juiz sem a
citação da parte; (c) proferia-se então a pronúncia com prisão, fiança e
seqüestro de bens; (d) após, instaurava-se o processo sumário ou ordinário,
conforme a gravidade do crime; (e) nos casos graves em que a pena era a
morte, poderia ser instaurado apenas o processo sumário, sem oitiva de
testemunhas judiciais e sem citação do acusado; (f) proferia-se, por fim, o
julgamento com a imposição de penas cruéis e exemplares pelos Juízes
Ordinários, Conselho de Vereadores, Corregedores das Comarcas, Ouvidores
da Corte Casa da Justiça ou Relação da Corte. A polícia judiciária continuava
sendo exercida pelos próprios juízes e seus meirinhos, vereadores e também
pelos funcionários da administração, os almotacés.
As provas eram o corpo de delito, os indícios, as testemunhas, a
confissão e os tormentos. Note-se que os tormentos já apareciam desde as
Ordenações Afonsinas e consistiam nas perguntas judiciais destinadas a fazer
o réu dizer a verdade por meio de “tratos do corpo”. O próprio Código, no
entanto, cuidava de assegurar que os tormentos somente seriam aplicados aos
nobres em casos graves de lesa-majestade, traição ou homicídio atroz. Nas
Ordenações, o sistema probatório se encontrava informado pelo princípio das
provas legais ou taxadas. É claro que as Ordenações Filipinas sofreram
também forte influência do Corpus júris canonici e de seu processo autoritário,
haja vista que o início da colonização do Brasil praticamente coincidiu com a
instalação do Santo Ofício em Portugal. Muito embora não se tivesse notícia de
que o Tribunal da Inquisição tenha estabelecido alguma sede por aqui, é certo
que há vários registros de visitações inquisitoriais na antiga colônia, inclusive
com a prisão de pessoas e o envio delas para a morte na fogueira em Lisboa,
onde ficava a sede do Tribunal em que eram celebrados os autos-de-fé. Muitos
foram enviados para o degredo em Angola, na África. Os perseguidos pela
Inquisição no Brasil foram, sobretudo, os chamados cristãos novos e seus
descendentes, ou seja, os judeus obrigados a se converterem ao cristianismo
pelo rei D. Manuel em 1497; muitos ciganos foram também perseguidos pela
Inquisição e enviados para o degredo em Angola.Sobre a influência inegável do
processo eclesiástico na justiça criminal da colônia, é relevante notar que a
ação de dois instrumentos poderosíssimos, a Inquisição e a Companhia de
Jesus, largamente utilizados pela Igreja no combate à heresia, coincidiu
exatamente com todo o processo de colonização do Brasil pela coroa
portuguesa. Aliás, é mesmo natural que o poder lusitano religioso tenha
monopolizado a justiça criminal nos territórios onde implantou a colonização,
tanto aqui quanto na África.
É correto concluir, portanto, que o processo criminal no Brasil, ao tempo
da colônia, regido que estava pelas famigeradas Ordenações Filipinas, exibia
mesmo todos os traços de um processo tipicamente medieval, seja pelo seu
perfil místico, inquisitivo e hierárquico, seja pela influência autoritária que o
processo eclesiástico sempre exerceu sobre as formas de funcionamento da
justiça criminal nos tempos coloniais.
O processo no Império
Com a proclamação da Independência em 1822 e a promulgação da
primeira Constituição brasileira em 1824, já se faziam sentir aqui as
influências do ideário liberal europeu, difundidas pelo Iluminismo francês, bem
como as idéias humanitárias de Beccaria no campo criminal. Logo em seguida,
o Brasil instalaria as suas primeiras faculdades de direito, em 1827 uma em
Olinda outra em São Paulo, iniciando assim o processo de criação de um
Estado nacional sob o signo do liberalismo. Se bem que é sempre importante
notar o caráter artificial desse liberalismo então adotado pelo país, já que por
essa época esse ideário liberal transplantado para os trópicos convivia
estranhamente com a escravidão, com o latifúndio e com uma forte exclusão
social e política.
Porém, o fato é que essas idéias liberais já não se harmonizavam com
uma legislação arcaica e medievalizante tal como aquela contida nas
Ordenações do Reino. Assim é que em 1830 veio o Código Criminal do
Império, inspirado no Código Penal Francês de viés obviamente liberal, e em
1832 surge o Código de Processo Criminal de Primeira Instância. Essa
legislação representa uma verdadeira reação às leis opressoras da monarquia
e revoga as Ordenações Filipinas, superando de vez, em matéria criminal, a
ordem jurídica do Brasil colonial.
Influenciado pelo ideário liberal, o Código do Processo Criminal de 1832
adota um processo de tipo acusatório, com a separação das funções de
investigar, acusar, defender e julgar, fazendo surgir a figura do Juiz de Paz com
funções instrutórias, do Promotor Público incumbido da acusação, do Juiz de
Direito e do Tribunal do Júri popular, este último dividido em júri de acusação
para decidir sobre a plausibilidade das queixas e denúncias, e júri de sentença
com a função de proferir o julgamento final.
O Código de Processo Criminal do Império representa também a primeira
iniciativa de estruturação da Justiça do país desde a Independência em 1822.
Dividiu a jurisdição criminal de primeira instância em distritos, termos (Nota:
subdivisão da comarca sob a jurisdição de um juiz e de um pretor que é um juiz
de alçada inferior) e comarcas, instituindo um Juiz de Paz para cada distrito;
um Conselho de Jurados, um Juiz Municipal e um Promotor Público em cada
termo; e um Juiz de Direito em cada comarca.
O procedimento penal se alterou significativamente com o Código de
1832, que eliminou definitivamente as querelas, as delações e as devassas, se
bem que estas últimas já haviam sido abolidas em Portugal por uma lei de 12
de novembro de 1821, e no Brasil por lei de D. Pedro I promulgada em
18.6.1822. Ambas as leis, editadas sob a influência das idéias liberais da
Revolução Burguesa que acabava de triunfar na Europa, aboliram também os
tormentos.
A iniciativa do processo passou a ser do ofendido por meio da queixa
(que substituiu a querela); ou ainda por intermédio da denúncia oferecida pelo
promotor público ou por qualquer do povo. O processo passou a ser público e
oral, assumindo o rito sumário perante o Juiz de Paz e o rito ordinário quando
instaurado pelo Tribunal do Júri. Esse
tribunal popular se desdobrava em dos
conselhos: pequeno júri, ou júri de
acusação, destinado a averiguar a
viabilidade das acusações; e grande júri,
ou júri de sentença, com competência
para proferir o veredicto final.
A tendência liberal desse Código,
pelo menos do ponto de vista formal, é
inegável. Note-se que, além do processo
de tipo acusatório, é justamente no
Código de Processo Criminal de 1832 que surge a previsão expressa de um
dos instrumentos mais clássicos de defesa da liberdade, o habeas corpus,
muito embora este já estivesse delineado na Constituição Imperial de 1824; e é
também nesse Código que se consolida a participação popular na
administração da justiça por meio do júri, cujo tribunal tinha competência para
julgamento de todo tipo de crime.
Todavia, não obstante essa vocação liberalizante do Código de 1832, o
fato é que as disputas políticas entre o Partido Conservador (Partido
Português) e o Partido Liberal, que culminaram com a renúncia de D. Pedro I
em 1831 e o golpe da maioridade por meio do qual o príncipe D. Pedro II
assumiria o trono, bem como a intensa agitação social que marcou o período
da Regência, com a explosão de movimentos como a Sabinada, Balaiada,
Cabanagem, Farroupilha, os Quilombos etc., levaram a um recrudescimento do
poder por parte da Coroa, com forte reação monárquica às idéias liberais.
Viria então a reforma processual penal de 3 de dezembro de 1841, que
retirou os poderes instrutórios do Juiz de Paz, entregando-os ao juiz municipal
e ao chefe de polícia, ambos nomeados pelo poder central (Imperador e
Presidentes de Províncias). Aquelas autoridades assumiriam importantes
funções judiciárias no âmbito da justiça criminal, instalando novamente entre
"querelas" (delações de crimes
feitas em juízo por particulares,
no seu ou no interesse público) e
por "denúncias" (feitas nos casos
de devassas). As "devassas" e o
processo se faziam sem o
concurso do acusado.(Mirabete)
nós um processo de tipo inquisitivo, cuja adoção marcou esse período da
justiça criminal que ficou conhecido como o período do “policialismo judiciário”.
Essa reforma aboliu também o júri de acusação, que tinha atribuições de
decidir acerca do fundamento ou da pertinência das acusações.
Somente mais tarde, 30 anos depois, quando novamente as idéias
liberais voltaram a influenciar o contexto político no Brasil que culminaria com a
abolição da escravatura em 1888, proclamação da República em 1889 e
promulgação da primeira Carta republicana em 1891, é que o pais
experimentou uma nova reforma processual penal, em 1871, rompendo com o
“policismo judiciário”. Com essa reforma o sistema processual volta a adotar
um processo de tipo claramente acusatório, separando judicatura e polícia,
quando então surge o inquérito policial que vai conferir à polícia apenas os
poderes administrativos de investigação.
O processo na República
A Constituição republicana de 1891 adotou o chamado pluralismo
processual e deferiu aos Estados da federação a competência legislativa para
editar os seus próprios códigos de processo penal. Alguns estados
efetivamente promulgaram seus códigos, mas, na maioria deles, continuou a
vigorar o Código do Império e as sucessivas mudanças. Apenas com a
Constituição de 1934 é que o país adota novamente a unidade processual que
viria propiciar a edição do Código de Processo Penal de 1941.
O Código de 1941, que entrou em vigor no ano seguinte, foi editado na
atmosfera autoritária e fascista do Estado Novo, sob o governo de Getúlio
Vargas, e configurou praticamente uma cópia do chamado Código Rocco da
Itália fascista de Benito Mussolini. É exatamente por tais razões que esse
Código, embora mantendo o processo de tipo acusatório, continha inúmeros
dispositivos autoritários como, por exemplo, a prisão preventiva compulsória
para alguns delitos, a vagueza das expressões que permitem as prisões
provisórias (flagrante e preventiva), o procedimento ex officio para as
contravenções, o processo à revelia etc.
O Código de Processo Penal de 1941 permanece em vigor até hoje,
mantém alguns de seus dispositivos autoritários, mas foi profundamente
modificado por sucessivas leis e pela Constituição de 1988, bem como por
inúmeros tratados de direitos humanos que o Brasil referendou nos últimos
tempos. De modo que a índole autoritária do Código vigente se encontra hoje
bastante mitigada. Do pronto de vista técnico, esse Código tem merecido
também algumas críticas, especificamente no que se refere ao seu caótico
sistema de recursos, à ausência de sistematização das medidas cautelares,
ausência de procedimentos especiais importantes e a falta de um título
específico para a execução penal.
Em suma, o processo penal no Brasil republicano conta hoje com um
Código de origem fascista e, portanto, um diploma legislativo de raízes
autoritárias, porém bastante modificado por uma legislação subseqüente de
perfil acentuadamente mais liberal. Apesar de sua origem autoritária, não seria
correto afirmar que termos, atualmente, um código fascista.
É dizer, o processo penal brasileiro, sob a ordem constitucional instalada
a partir de 1988, e sob os influxos do direito internacional dos direitos humanos,
pelo menos de um ponto de vista jurídico-formal, pode ser qualificado como um
processo de tipo acusatório, com certa vocação liberal, ou seja, um processo
tipicamente moderno. Portanto, um sistema processual passível de ser utilizado
de forma não autoritária, dentro dos marcos da chamada instrumentalidade
garantista. (Antônio Alberto Machado. Teoria Geral do Processo Penal. São
Paulo: Atlas, 2009, p.24/38)
(*) Extraído de http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8505. Daniza Maria
Haye Biazevic. A história da tortura.
(**)Extraído de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_05/evol_historica.htm Revista
Jurídica Virtual nº 5. Ives Gandra da Silva Martins Filho
Visigodos eram povos germânicos. O direito visigodo previa uma forma dual de justiça, com a assembléia
dos homens livres para julgamento dos crimes graves e a delegação aos homens mais velhos e mais
considerados para os crimes menores; as provas eram o juramento, as testemunhas, os juízos de Deus e os
tormentos. Vê-se, portanto, que a cultura jurídica dos bárbaros acabou mesmo incorporando ao processo
medieval alguns aspectos supersticiosos, com a adoção de mecanismos místicos, especialmente no que se
refere à produção da prova, como são os casos das ordálias (juízos de Deus), dos juramentos, dos duelos
etc.
Os "Juízos de Deus" surgiram no século XI, com a colonização dos bárbaros, e são considerados o início
da tortura em juízo. Mais tarde, começam a surgir referências aos tormentos no processo criminal.
Foi nesse período histórico que a confissão passou a ser considerada a rainha das provas – regina
probarum – devendo ser buscada praticamente a qualquer custo. Segundo João Bernardino Gonzaga:
“ ...se por qualquer motivo ao conviesse o duelo, recorria-se aos ordálios. (...) Os métodos variavam muito,
mas em regra consistiram na ‘prova do fogo’ ou na ‘prova da água’. Por exemplo, o réu devia transportar
com as mãos nuas, por determinada distância, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam depois as
feridas e deixavam transcorrer certo número de dias. Findo o prazo, se as queimaduras houvessem
desaparecido, considerava-se inocente o acusado; se se apresentassem infeccionadas, isso demonstrava a
sua culpa. Equivalentemente ocorria na ‘prova da água’, em que o réu devia por exemplo submergir,
durante o tempo fixado, seu braço numa caldeira cheia de água fervente. A expectativa dos julgadores era
de que o culpado, acreditando no ordálio e por temos a suas conseqüências, preferisse desde logo
confessar a própria responsabilidade, dispensando o doloroso teste. (*)
2.2 - SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
A doutrina identifica três sistemas distintos de processo, fazendo-o,
principalmente e conforme a distribuição da titularidade das atividades de
julgar, acusar e defender. São eles:
I – Sistema inquisitivo ou inquisitorial
É o processo em que se confundem as figuras do acusador e do julgador. Em
verdade, não há acusador nem acusado, mas somente o juiz (o inquisidor),
que investiga e julga, e o objeto de sua atividade (o inquirido). É considerado
primitivo, já que o acusado é privado do contraditório, prejudicando-lhe o
exercício da defesa.
II – Sistema acusatório
Caracteriza-se principalmente pela separação entre as funções da acusação e
do julgamento. O procedimento, assim, costuma ser realizado em
contraditório, permitindo-se o exercício de uma defesa ampla, já que a figura
do julgador é imparcial, igualmente distante, em tese, de ambas as partes. As
partes, em pé de igualdade (par conditio) têm garantido o direito à prova,
cooperando, de modo efetivo, na busca da verdade real. A ação penal é de
regra pública, e indispensável para a realização do processo. Costuma vigorar
o princípio oral, imediato, concentrado e público de seus atos.
III – Sistema misto
Inaugurado com o Code d’Instruction Criminelle (Código de Processo Penal)
francês, em 1808, constitui-se pela junção dos dois modelos anteriores,
tornando-se, assim, eminentemente bifásico. Compõe-se de uma primeira
fase, inquisitiva, de instrução ou investigação preliminar, sigilosa, escrita e não
contraditória, e uma segunda fase, acusatória, informada pelos princípios do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
A Classificação do sistema processual brasileiro
Ressalvada nossa opinião quanto à divisão tradicional em “sistemas
processuais”, de ver que a doutrina brasileira não é unânime quanto ao
enquadramento do nosso processo penal em um dos sistemas mencionados.
Para alguns autores (Hélio Tornaghi, p. ex.), a persecução penal é mista, já
que se compõe de dois momentos ou fases:
Uma primeira fase, do inquérito policial, apresentar-se-ia
essencialmente inquisitiva, sigilosa e não contraditória, figurando a
pessoa do suspeito ou indiciado como mero objeto da investigação.
Uma segunda fase, após o encerramento do inquérito, com o
oferecimento da denúncia ou queixa e com a instauração da relação
processual, quando passariam a vigorar as garantias constitucionais das partes e, em especial, do acusado.
Outros autores, contudo, classificam o sistema brasileiro de acusatório
(Mirabete, Tourinho, Scarance, etc.), já que a fase investigatória, inquisitiva,
não é propriamente processual, pois que tem caráter administrativo. O
processo, em si, desenvolve-se inteiramente em respeito aos princípios do
contraditório e da ampla defesa, assegurando-se a paridade de armas entre as
partes, separando-se o órgão responsável pela acusação daquele que julga,
ao final, a lide penal.
Nossa posição: Em que pese à divergência, fato é que a persecução penal no
sistema brasileiro cinde-se em duas partes, configurando-se em sistema misto.
A fase investigatória tem, em regra, caráter inquisitivo, a ela não se aplicando
todas as garantias inerentes ao processo, porque não é um processo.
Entretanto, é certo que, no âmbito específico do processo penal (subseqüente
à fase investigatória), a função acusatória é organicamente separada da
função decisória, de modo que, se a persecução penal como um todo pode ser
classificada sob o gênero dos sistemas mistos, o processo penal em si –
subseqüente à investigação – indubitavelmente é acusatório. Isto é, configura-
se em verdadeiro processo penal (acusatório). Claras, portanto, a noção da
parte (sistema inquisitório, na primeira; acusatório, na segunda) e do todo
(sistema misto, na análise da persecução penal, da fase extrajudicial à
judicial). A manutenção, aliás, de nosso sistema, preservando a existência do
inquérito policial como uma “instrução provisória”, atende por outro lado à
própria garantia do acusado de se ver protegido contra juízos errôneos e
precipitados que poderiam se constituir caso se adotasse uma ação penal sem
a prévia investigação, ou seja, aquela em que houvesse uma “unidade de
instrução” (inexistência de inquérito, vigendo o contraditório desde o início), a
pretexto de celeridade ou respeito ao contraditório.
BONFIM, Edilson Mougenot
(http://programadeapoioaoestudantededireito.blogspot.com/2008/07/sistemas-processuais-penais-5.html)
Complementando o que foi abordado acima, Antônio Alberto Machado afirma:
“Aliás, toda doutrina de extração garantista vem advertindo que mesmo o
processo judicial no Brasil ainda mantém alguns resquícios dos procedimentos
inquisitivos, em que o julgador acaba assumindo funções típicas da acusação
e, com isso, assume a gestão da prova, transformando-se num autêntico
inquisidor dos tempos medievais. Tal ocorre, por exemplo, quando o art. 156
do Código de Processo Penal brasileiro permite ao juiz determinar diligências
probatórias de ofício; quando o art. 209 faculta ao magistrado a oitiva de
testemunhas não arroladas pelas partes; quando a lei admite as prisões
cautelares decretadas de ofício (art. 311, CPP); quando o juiz provoca a
mutatio libelli (art. 384, CPP); quando o magistrado usa e abusa do direito de
determinar escutas telefônicas etc.
Seja como for, o fato insofismável é que a nossa Constituição Federal
consagrou o princípio acusatório e, portanto, não há dúvida de que o processo
penal brasileiro se filia mesmo a esse sistema, muito embora a fase
investigatória, realizada no âmbito do inquérito policial, seja realmente uma
fase naturalmente inquisitiva, sem a existência de partes e sem contraditório,
mas aí já não se trata de processo.
A partir do momento em que a Constituição Federal entregou as funções de
investigar à polícia judiciária (art. 144, CF); encarregou o Ministério Público
(art. 129,I) ou o particular (art. 5º, LIX) das funções de acusar; atribuiu ao
Poder Judiciário a competência para o julgamento das causas criminais (arts.
92 a 126); assegurou a imparcialidade dos juízes (art. 95, parágrafo único);
garantiu o direito de defesa e o contraditório (art. 5º, LV), não há dúvida de que
consagrou o princípio do processo acusatório, enquanto processo de partes,
com a rigorosa separação entre as funções de investigar, acusar, defender e
julgar.
De modo que quaisquer normas infraconstitucionais, previstas no Código ou
na legislação processual penal extravagante, que estiverem em confronto com
o princípio do processo acusatório estabelecido pela Constituição da
República exibirão sempre o vício da inconstitucionalidade, decorrendo daí,
consequentemente, a invalidade de tais normas”. (MACHADO, p.10/11)
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
BONFIM, Edilson Mougenot (http://programadeapoioaoestudantededireito.blogspot.com/2008/07/sistemas-processuais-penais-5.html)
MACHADO, Antônio Alberto. Teoria Geral do Processo Penal. São Paulo:
Atlas, 2009