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A LEGITIMIDADE NA GOVERNANA GLOBAL
Trabalho apresentado no XV Congresso do Conpedi Conselho Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Direito Manaus, 2006
Alcindo Gonalves
Surge, ento, a pergunta: Qual deve ser, afinal, o papel real das ONGs na
governana global? Para responder a essa questo indispensvel trabalhar o conceito
de legitimidade, entendida como qualidades e atributos que asseguram a determinadas
RESUMO
O relatrio da Comisso sobre Governana Global, publicado em 1996, definiu
governana como a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivduos, as
instituies, pblicas e privadas, administram seus problemas comuns. Essa definio
aponta claramente que a governana, entendida como os meios e processos pelos quais
uma organizao ou sociedade se dirigem, construda simultaneamente pelo Estado e
pelos atores no governamentais.
Com seu crescimento e multiplicao, aliada sua expertise em vrios assuntos,
controle da agenda e influncia na opinio pblica mundial, as ONGs esto cada vez
mais conquistando a capacidade de participar, direta ou indiretamente, no processo da
governana global.
No parece haver dvida que o poder das ONGs cresceu de tal forma que os
Estados, organizaes internacionais e empresas multinacionais no podem deixar de
levar em conta a sua presena e que a administrao dos problemas comuns, como a
definio acima prope, no pode mais prescindir da participao da sociedade civil
organizada, num processo que muitos autores indicam como a construo de um novo
paradigma, o da sociedade civil global.
H, porm, um problema que merece reflexo e anlise: o da legitimidade dessas
organizaes. Surge aqui uma srie de crticas, que podem ser resumidas em duas
grandes reas: a) as ONGs buscariam objetivos privados e especficos e estariam assim
ligados a grupos determinados, no representando assim a chamada sociedade civil
global; b) as ONGs so grupos minoritrios, no eleitos, no monitorados pela
sociedade.
Alcindo Gonalves doutor em Cincia Poltica pela FFLCHUSP e professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Catlica de Santos
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organizaes a obedincia e o respeito voluntrio, seja pelo contedo de suas aes, seja
pela autoridade que conquistaram e exercem.
O texto pretende, portanto, discutir as possibilidades e limites da legitimidade
nas organizaes no-governamentais, e avaliar suas conseqncias na arquitetura da
governana global.
PALAVRAS-CHAVE
Governana Legitimidade Organizaes no-governamentais
ABSTRACT
The Global Governance Report, published in 1996, has defined governance as
the sum of many ways people, institutions, public and private, manage their common
affairs. This definition shows clearly that governance, meant as means and processes
through which an organization or society is ruled, is built both by State and non-
governmental actors.
As they grow and multiply themselves, combined with its expertise in different
matters, agenda setting and influence in global public opinion, NGOs are increasing its
capacity in participating, direct or indirectly, in global governance process.
It is doubtless the NGOs power has increased in a way that states, international
organizations and multinational entreprises can not disregard its presence, and that the
common affairs management, as defined above, can not be done without the
participation of organized civil society, in a process many authors call the building of a
new paradigm, the global civil society.
Yet, there is a problem which deserves thinking and analysis: the legitimacy of
these organizations. A set of objections can be resumed in two fields: a) the NGOs
search private and specific goals, and thus are connected to determined groups, and as
so, not representing the called global civil society; b) the NGOs are minoritary groups,
neither elected nor supervised by society.
Then follows the question: Which should be the role of NGOs in global
governance? To answer this question it is essential to study the meaning of legitimacy,
understood as qualities and attributes which grant to organizations the obedience and
willing respect, in face of its actions or the authority they conquered and practice.
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The paper intends, therefore, discuss possibilities and limits of legitimacy in
non-governmental organizations, and evaluate its consequences in global governance
architecture.
KEY-WORDS
Governance Legitimacy Non-governmental organizations
INTRODUO O uso da palavra governana generalizou-se. Utilizada em vrias reas, seu
significado ainda , porm, freqentemente impreciso e vago. Surgida a partir de
reflexes conduzidas pelo Banco Mundial, na tentativa de construir condies que
garantissem Estados mais eficientes, acabou por ampliar a anlise limitada a aspectos
econmicos para dimenses sociais e polticas da gesto pblica.
No h dvida, porm, que em sua concepo original, governana estava ligada
idia de governabilidade dos Estados nacionais e a polticas de desenvolvimento,
especialmente num momento histrico de crise dos Estados-Providncia na Europa, e
do esgotamento do modelo do Estado desenvolvimentista na Amrica Latina, tpicas
dos anos 80. Assim, diante desta nova situao, era necessrio articular novas formas de
organizao estatal, inspiradas pelo pensamento liberal. Como destaca Camargo (1999,
p. 11), o termo governana adquire um carter prescritivo, sendo usado para designar
instituies e prticas polticas teoricamente destinadas a assegurar uma boa
governana, avaliao associada, na viso do Banco Mundial, a uma gesto saudvel
do desenvolvimento.
Mas a palavra evoluiu, rompendo os limites da conotao liberal. Novos autores,
ao longo dos anos 80, assumem que o sistema internacional deveria ser entendido
como uma combinao entre Estado/sociedades complexas, isto , como uma unidade
articulada entre as dimenses sistmica, estatal e social (Camargo, 1999, p. 12),
estabelecendo assim novas formas de governana no plano mundial, incorporando
diferentes foras sociais que surgiam.
Governana e governabilidade so conceitos diferentes. Enquanto
governabilidade diz respeito mais dimenso estatal do exerccio do poder1
1 Governabilidade refere-se a condies sistmicas e institucionais sob as quais se d o exerccio do poder, tais como as caractersticas do sistema poltico, a forma de governo, as relaes entre os Poderes, o sistema de intermediao de interesses (Santos, 1997, p. 342).
, a
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governana tem um carter mais amplo, envolvendo no apenas os aspectos gerenciais e
administrativos do Estado, o funcionamento eficaz do aparelho estatal, ou as relaes
harmnicas entre os Poderes (cujo exemplo tpico, nos sistemas presidencialistas, a
construo de maiorias estveis no Congresso para apoiar as aes do Poder Executivo),
mas engloba a sociedade como um todo. Rosenau (2000, p. 15-16) sintetiza bem, ao
apontar que a governana um fenmeno mais amplo que governo; abrange as
instituies governamentais, mas implica tambm mecanismos informais, de carter
no-governamental, que fazem com que as pessoas e as organizaes dentro da sua rea
de atuao tenham uma conduta determinada, satisfaam suas necessidades e
respondam s suas demandas.
Trs dimenses so relevantes no conceito de governana: a primeira diz
respeito a seu carter de instrumento, ou seja, de meio e processo capaz de produzir
resultados eficazes; a segunda envolve os atores envolvidos no seu exerccio,
salientando a questo da participao ampliada nos processos de deciso; e a terceira
enfatiza o carter do consenso e persuaso nas relaes e aes, muito mais do que a
coero. Assim, a governana existe quando ela capaz de articular os diferentes atores
estatais e no-estatais para enfrentar dificuldades. Sua forma de agir , portanto, a
articulao, construindo consensos para resolver problemas.
O Relatrio da Comisso sobre Governana Global, publicado em 1996,
bastante elucidativo a respeito destas questes. A definio apresentada, embora ampla,
confirma a primeira e segunda dimenses acima referidas: Governana a totalidade
das diversas maneiras pelas quais os indivduos e as instituies, pblicas e privadas,
administram seus problemas comuns. E, a seguir, coloca de forma clara: No plano
global, a governana foi vista primeiramente como um conjunto de relaes
intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo
organizaes no-governamentais (ONG), movimentos civis, empresas multinacionais e
mercados de capitais globais. Com estes interagem os meios de comunicao de massa,
que exercem hoje enorme influncia (Comisso sobre Governana Global, 1996, p. 2)
Elke Krahmann apresenta outra definio, que converge com essas
consideraes: governana pode ser entendida como estruturas e processos que
permitem a atores governamentais e no-governamentais coordenar necessidades e
atividades interdependentes atravs da construo e implementao de polticas na
ausncia de uma autoridade poltica unificadora (2003, p. 331).
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William W. Boyer, em artigo apontando mudana no paradigma essencial da
cincia poltica no sculo XXI,