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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
KÁTIA GOMES GAIVOTO
A LINGUAGEM COMO MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA ATIVIDADE DE
FORMAÇÃO SINDICAL
Belo Horizonte 2018
KÁTIA GOMES GAIVOTO
A LINGUAGEM COMO MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA ATIVIDADE DE
FORMAÇÃO SINDICAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local – Mestrado Profissional. Área de concentração: Inovações Sociais e Desenvolvimento Local. Linha de Pesquisa: Educação e Desenvolvimento Local. Orientadora: Profa. Dra. Lucília Machado
Belo Horizonte 2018
Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras –
Bibliotecário Júlio Ferreira Gomes – CRB 6 – 3227.
G144l Gaivoto, Kátia Gomes
A linguagem como mediação pedagógica na atividade de formação sindical /
Kátia Gomes Gaivoto. – 2018.
122 f.: il.
Orientadora: Profa. Dra. Lucília Regina de Souza Machado.
Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2018. Programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.
Inclui bibliografia.
1. Linguagem. 2.Sindicatos - Prática de ensino. 3. Desenvolvimento social. I.
Machado, Lucília Regina de Souza. II. Centro Universitário UNA. III. Título.
CDU: 658.114.8
A gente principia as coisas, no não saber porque, e desde aí perde o poder de continuação – porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.
Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas.
AGRADECIMENTOS
Minha eterna gratidão à minha querida orientadora, Profa. Dra. Lucília
Machado, pelo tanto que aprendi com ela ao longo da jornada de rico aprendizado,
que vivi no mestrado.
Agradeço de forma muito carinhosa aos professores Dra. Áurea Regina
Guimarães Tomasi e Dr. Antônio de Pádua Tomasi, pelas grandes contribuições
durante o exame de qualificação e, certamente, na defesa desta dissertação.
A todos os professores do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, meu muito obrigada!
Aos meus colegas de Mestrado, que tanto me ensinaram ao longo desses dois
anos e meio. Convivendo com vocês aprendi na prática o significado do conceito de
interdisciplinaridade, de interculturalidade, de interprofissionalidade e o quanto me fez
crescer a convivência com pessoas de formações, profissões e culturas tão
diferenciadas.
Aos meus amores Vilson Luiz da Silva e Luiz Che Gaivoto, e a toda a família
Gaivoto, obrigada pela paciência e compreensão de minhas ausências em atividades
familiares.
Aos meus companheiros de militância política, meu muito obrigada! Saibam
que tem muito das contribuições de vocês nesta pesquisa.
Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Minas Gerais, por meio de sua
entidade de classe Fetaemg, obrigada por tudo! Sou imensamente grata por tanto
aprendizado e carinho. O resultado desta pesquisa é de vocês!
Mas a realização deste mestrado, quero dedicar a ela! Mulher guerreira e
nordestina, que nunca teve a oportunidade de estudar, mas que internalizou os
principais conceitos que sintetiza o que sou hoje: ter caráter, ser honesta com tudo
que se faz, sempre buscar mais conhecimentos e, sobretudo, ser forte em quaisquer
situações. À minha mãe, Germina Gomes Gaivoto: PRESENTE!
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Fetaemg – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado
de Minas Gerais
Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
MSTTR – Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
CES – Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho
Dieese - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
CUT – Central Única dos Trabalhadores
Proeja – Programa Nacional de Integração da Educação Básica com a Educação
Profissional na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
Conclat – Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro I: Algumas das pesquisas realizadas no Brasil de interesse para o estudo e o
debate sobre formação sindical..................................................................................12
Quadro II: Perfil sociocultural dos participantes do projeto de formação desenvolvido
pelo CES e a Fetaemg................................................................................................57
Quadro III: Matriz curricular do curso de formação desenvolvido pelo convênio CES –
Fetaemg em 2015.......................................................................................................58
Quadro IV: Palavras que aparecem com maior frequência, e os contextos em que
ocorre.........................................................................................................................66
Quadro V: Estratégias didáticas dos formadores sindicais com respeito aos desafios
postos no campo da linguagem..................................................................................76
RESUMO
Esta dissertação tomou como objeto de estudo o instrumento da linguagem, na sua forma oral e escrita, como mediação na atividade de formação sindical, considerando sua importância para a comunicação e a formação do pensamento. A perspectiva adotada na formulação para seu desenvolvimento se apóia na teoria histórico-cultural de Vigotski e colaboradores. Trata-se de aporte teórico que representa um desdobramento das contribuições de Marx e Engels sobre a constituição ontológica do homem por meio do trabalho. Processo que não se dá unilateralmente, pois o homem também se modifica ao transformar a natureza, nem tão pouco ocorre de forma imediata, mas por mediações. Os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, como construções históricas e culturais, promovem a mediação dos homens entre si e deles com a natureza. A linguagem é um desses instrumentos de mediação no contexto da atividade humana de formação política sindical. No desenvolvimento dessa formação, a linguagem exerce o papel de mediação pedagógica. Entretanto, a linguagem praticada no âmbito do movimento sindical pode, dialeticamente, aproximar ou afastar o trabalhador. Iniciou-se esta investigação por uma revisão teórica conceitual com foco nos conceitos de mediação, mediação simbólica e mediação pedagógica. A seguir, passou-se à recolha de dados, para a qual foi utilizada, em primeiro lugar, a análise de documentos, especialmente de materiais elaborados pelo Departamento de Formação e Organização Sindical da Federação Estadual dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais – Fetaemg, instituição que constitui o contexto desta pesquisa. Fez-se, também, da técnica do grupo focal (GF). Para tanto, foram convidados oito formadores / educadores da Fetaemg. Concluída a revisão teórica, a análise dos documentos e dos dados obtidos com o grupo focal, buscou-se produzir uma proposta de intervenção com base nos resultados obtidos. Essa consistiu de elementos referenciados na teoria histórico cultural para ser incorporados ao projeto político-pedagógico de formação continuada dos formadores sindicais da Fetaemg. Esta dissertação se oferece à contribuição do desenvolvimento local, entendendo este local como o espaço histórico-cultural onde o sujeito, como ser social, é constituído e por ele é, também, construído. Palavras-chave: atividade, mediação, linguagem, formação sindical, desenvolvimento local.
ABSTRACT
The present research project takes as study object the language, specifically from spoken and written words, as mediation in union formation, considering its importance to the communication and the thoughts formation. The perspective assumed in this project formulation and to its development rests on the historic-cultural theory of Vigotski and his contributors. It’s a theoretical contribution which represents the unfolding contributions of Marx and Engels about the ontological constitution of man trough the work. This process doesn’t work unilaterally, because the man modify himself as also transform the nature, and this doesn’t happen immediately, but through mediations. The technical instruments and the sign systems, as historical and cultural constructions, promote the mediation between the men and themselves and between them and the nature. The language is one of the instruments of mediation. The research context proposed by this project is the one of human activity of union formation. In development of this formation, the language exercise the role of pedagogical mediation. However, the language practiced in union movement scope can, dialectally, approach or expel the worker. This research was initiated by a theoretical conceptual revision focusing on the concepts of mediation, symbolic mediation and pedagogical mediation. Next, the data was collected, which was used, firstly, the analysis of documents, especially materials prepared by the Department of Training and Trade Union Organization of the State Federation of Agricultural Workers in the State of Minas Gerais - Fetaemg, institution that constitutes the context of this research. It was also done by the focal group technique (GF). For this purpose, eight educators from Fetaemg were invited. After completing the theoretical review, the analysis of the documents and the data obtained with the focus group, we tried to produce a proposal of intervention based on the results obtained. This consisted of elements referenced in cultural historical theory to be incorporated into the political-pedagogical project of continuous formation of the union trainers of Fetaemg. This dissertation offers the contribution of local development, understanding this local as the historical-cultural space where the subject, as a social being, is constituted and by it is also constructed. Keywords: activity, mediation, language, union formation, local development.
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
2. A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO NA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL .......................................................................................... 31
2.1. Introdução ................................................................................................................. 32
2.2. Um breve apontamento do contexto em que nasce Vigotski e a Teoria Histórico-Cultural ............................................................................................................... 33
2.3. O papel da mediação no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores ..................................................................................................... 38
2.4. Linguagem como intercâmbio social e instrumento de desenvolvimento do pensamento ........................................................................................................................ 45
2.5. Considerações finais .............................................................................................. 49
3. A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LINGUAGEM NA FORMAÇÃO POLÍTICA
SINDICAL NA PERSPECTIVA DOS FORMADORES ............................................. 54
3.1. Introdução ................................................................................................................. 55
3.2. O contexto da pesquisa ......................................................................................... 56
3.3. Metodologia .............................................................................................................. 63
3.4. O que se encontrou com a análise documental ................................................. 67
3.4.1 Elementos de linguagens utilizados ................................................................ 67
3.4.2 Contexto e frequência com que aparecem as palavras ............................... 68
3.4.3. Variações dos significados atribuídos às palavras ...................................... 69
3.4.4 Enfoque dado à linguagem na mediação sindical ......................................... 70
3.5. Discussão e análise de dados do que disseram os formadores sindicais..... 71
3.5.1 Identidade histórico-cultural dos formadores sindicais participantes do grupo focal ...................................................................................................................... 71
3.5.2. A linguagem do movimento sindical .............................................................. 73
3.5.3 Abordagens pedagógicas em face dos desafios referentes ao uso da linguagem ........................................................................................................................ 76
3.5.4. A linguagem como instrumento de internalização de conceitos ............... 79
3.6. Considerações finais .............................................................................................. 82
4. MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LINGUAGEM: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL PARA O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DE
FORMAÇÃO CONTINUADA DOS FORMADORES SINDICAIS DA FETAEMG ..... 86
4.1. Introdução ................................................................................................................. 87
4.2. Pressupostos teóricos – princípios fundantes do projeto político-pedagógico de formação continuada dos formadores sindicais da Fetaemg ............................... 90
4.3. Formação política sindical e desenvolvimento do pensamento crítico de dirigentes, assessores e lideranças sindicais ............................................................... 95
4.4. Missão, visão, objetivos e conteúdos programáticos do projeto de formação política sindical da Fetaemg ............................................................................................. 96
4.5. Bases metodológicas do projeto político-pedagógico ..................................... 986
4.6. Considerações finais .............................................................................................. 99
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 1031
6. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 106
APÊNDICE I - ROTEIRO PARA FICHAMENTO DE LEITURAS PARA A REVISÃO
TEÓRICA CONCEITUAL ...................................................................................... 1108
APÊNDICE II - FICHA PARA ANÁLISE DOCUMENTAL................................... 11109
APÊNDICE III – ROTEIRO PARA O GRUPO FOCAL ....................................... 11110
APÊNDICE IV – TERMO DE COMPROMISSO DE CUMPRIMENTO DA
RESOLUÇÃO 466/2012 ....................................................................................... 1153
APÊNDICE V – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA FETAEMG .............................. 1164
APÊNDICE VI - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE ÁUDIOS, IMAGEM E
DEPOIMENTOS .................................................................................................... 1175
APÊNDICE VII - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...... 1186
ANEXO I – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ......................... 1219
13
1. INTRODUÇÃO
Esta dissertação foi desenvolvida com a intenção de contribuir com o
debate sobre a formação política sindical no Brasil. Para tanto, toma, como referência,
as contribuições da teoria histórico-cultural, que compreende a relação entre o homem
e o mundo como nexos mediados por sistemas simbólicos. Dentre esses, a língua se
destaca pela sua importância ao lado de outros complexos formados pelos mitos, arte,
religião, códigos jurídicos e a ciência.
Por formação sindical compreendem-se, nesta dissertação, as atividades
realizadas por ou a serviço de sindicatos e/ou suas federações, confederações e
centrais sindicais, destinadas ao desenvolvimento de saberes e conhecimentos e à
preparação, estruturada ou não, de militantes e dirigentes sindicais tendo em vista a
compreensão da dimensão educativa do trabalho, considerando o trabalho como
atividade vital na constituição humana; do resgate histórico dos embates sindicais na
relação capital x trabalho; das mudanças no mundo do trabalho e suas implicações e
dos desafios do movimento sindical passados, presentes e futuros. Faz parte,
também, dos objetivos da formação sindical: desenvolver e/ou reforçar habilidades
individuais e coletivas de coordenação, persuasão e atuação na defesa dos interesses
dos trabalhadores; favorecer a coesão da cultura sindical; fomentar a eficácia e a
efetividade da organização e gestão sindical; instruir sobre estratégias de negociação
sindical e, por fim, gerar e/ou dar maior substância a uma linguagem comum, que
facilite o diálogo com a classe trabalhadora.
Portanto, a atividade humana, que se constitui como contexto de
investigação desta dissertação é a da formação política sindical. Trata-se de uma
importante e estratégica atividade do movimento sindical. Ela pressupõe a dimensão
da luta de classe, conhecimentos e habilidades do formador, observações e
criatividade para criar situações de aprendizagem e o uso adequado de instrumentos
pedagógicos, dentre os quais se encontram o sistema simbólico da língua.
Esta dissertação selecionou, assim, como objeto de estudo, dentre outros
recortes importantes relativos ao estudo da formação sindical, o recurso da linguagem
14
como instrumento de mediação pedagógica. No caso, a linguagem na sua expressão
verbal e escrita, como palavra.
Com o propósito de conhecer um pouco mais sobre as experiências de
formação sindical brasileira, bem como, identificar se a questão que move a presente
pesquisa já foi estudada no Brasil e, em caso positivo, quais são as contribuições
oferecidas ou o que carece de maior compreensão, foi realizado um levantamento
bibliográfico inicial no site acadêmico Scielo Brasil e no Portal de Periódicos da
CAPES. Tem-se, a seguir, o registro de alguns dos estudos já realizados nesse
campo:
Quadro I - Algumas das pesquisas realizadas no Brasil de interesse
para o estudo e debate sobre formação sindical
Ano Autor Instituição Tipo de trabalho
Título
1 1988 Miguel Wady Chaia
PUC-SP Tese de doutorado
Conhecimento e organização sindical, a trajetória do Dieese.
2 1989
Miguel Wady Chaia
PUC-SP Artigo - Lua Nova: Revista de cultura e política
Dieese: saber intelectual e prática sindical.
3 1990
Laélia Gurgel Portela
FGV-RJ Dissertação de mestrado
A formação sindical no Brasil nos anos 80: concepções e práticas.
4 1999
Kátia Rodrigues Paranhos
UFU - Uberlândia
Artigo - Revista de Sociologia e Política
Educação sindical em São Bernardo nos anos de setenta e oitenta.
5 1999
Roberto Veras
Escola da CUT- SP
Artigo - Revista Quaestio
Sindicalismo e formação sindical: novos cenários, novas exigências.
6 2004
Meyke Vilas Boas Pinto
UFMG Dissertação de mestrado
Práticas informacionais para a construção da cidadania: um estudo de caso sobre os atores sindicais da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte.
7 2005
Kátia Rodrigues Paranhos
UFU - Uberlândia
Artigo - Revista Educação &
Formação operária: Arte de ligar política e cultura.
15
Sociedade
8 2007
Wilson Aparecido Costa de Amorim
USP Tese de doutorado
Evolução das organizações de apoio às entidades sindicais brasileiras: um estudo sob a lente da aprendizagem organizacional.
9 2009
Maria Clara Bueno Fischer; Ana Cláudia F. Godinho
Universida-de do Vale do Rio dos Sinos
Revista e-curriculum
Experiência e Projetos de educação do Trabalhador no Brasil: Balanço da Produção Discente sobre a Ação Sindical.
10 2009
João Guilherme de Souza Corrêa
UFSC Dissertação de mestrado
Formação de Trabalhadores e Movimento Sindical: Desenvolvimento e Consolidação da Prática Nacional de Formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na última década (1998-2008).
11 2010
Fernanda Zorzi; Naiara Franzoi
UFRGS Artigo – Revista Trabalho & Educação
Saberes do trabalho e do trabalhador: reflexão no contexto do PROEJA.
12 2010
Camile Pegoraro
UFRGS TCC - Curso de Licenciatura em Pedagogia
O Movimento Sindical como Espaço Educativo: formação política do trabalhador.
13 2011
Marcos Francisco Martins
UFSCar - Campus Sorocaba
Artigo - Revista Avaliação
Práxis e “Catarsis” como referências avaliativas das ações educacionais das ONG’s, dos sindicatos e dos partidos políticos.
14 2011
Cláudio Félix dos Santos
UFBA Artigo - Revista Práxis Educacional
Praticismo e conhecimento na educação popular.
15 2011
Leonides José Voitack
UFSM TCC - Curso de Comunicação Social
Comunicação e Formação Sindical Rural: uma análise do conteúdo sindical impresso.
16 2012
Vânia M. Pinto; Tatiana R. Velloso
Univ. Recôncavo da Bahia
Artigo – Revista Entrelaçando
Educação e Formação no Movimento Sindical: as práticas formativas da Contag e a escola de formação sindical.
17 2013
Sílvia Gaban
FFLCH - USP
Dissertação de mestrado
A Experiência da Formação Sindical no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista: Educação, Ação Sindical e Cidadania (1999-2009).
18 2013
Dalgiza Andrade Oliveira;
UFMG Artigo – Revista Informação &
Práticas informacionais dos dirigentes do sindicato dos bancários de BH e Região.
16
Maria Aparecida Moura
Informação
19 2014
Everton Lazzaretti Picolotto
UFSM-RS Artigo - Revista Sociologias
A formação de um sindicalismo de agricultores familiares no Sul do Brasil.
20 2014
Célia Regina Vendramini
UFSC Artigo - Revista História & Perspectivas
Cursos Universitários para Jovens Trabalhadores e Militantes: uma análise com base na crítica de Thompson à oposição entre educação e experiência.
Fonte: elaboração própria.
A leitura realizada desses textos permitiu observar que há um significativo
número de pesquisas relacionadas ao movimento sindical brasileiro e importantes
contribuições de diversos autores, que se dedicaram ao estudo de experiências de
formação sindical e como o processo de educação sindical contribui para dar
sustentação à organização dos trabalhadores.
Dentre essas pesquisas, vale destacar alguns apontamentos convergentes
com a afirmação de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, de
que “[...] a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de
classes” (MARX; ENGELS, 2001, p.23).
A historiadora Paranhos ressalta a forte influência das contradições da
relação dialética entre capital e trabalho sobre a formação do trabalhador, cujo bem
fundamental é a sua própria força de trabalho.
A fábrica capitalista é lugar de qualificação e desqualificação. O indivíduo educa-se, faz-se homem, na produção e nas relações de produção, por meio de um processo contraditório em que estão sempre presentes, e em confronto, momentos de educação e de deseducação e, portanto, de humanização e de desumanização. (PARANHOS, 2005, p.268).
Nessa condição, na sociedade capitalista, para garantir a manutenção do
seu poder, o capital transforma todo o tempo livre do trabalhador em tempo de
trabalho, os processos de conhecimento em proveito da acumulação capitalista e os
amarram às atividades de produção. A autora entende que, “[...] por isso, a aquisição
do saber sobre o trabalho capitalista é um passo importante rumo à sua superação”
17
(PARANHOS, 2005, p.268), cabendo à formação desvendar com os trabalhadores o
que o capital esconde.
Segundo a autora, quando organizados como classe social, a necessidade
da formação é constatada pelos trabalhadores. Ela informa que as primeiras
experiências de educação e/ou formação sindical surgiram no século XVIII na Europa
e tinham por foco a preparação profissional dos trabalhadores, como se observa na
escola para adultos na Inglaterra: “[...] Nottingham foi inaugurada em 1798 – com a
preocupação prática de ensinar as pessoas a ler e de ensinar-lhes, depois, o que eles
teriam necessidade de saber para a própria profissão e promoção” (PARANHOS,
2005, p.269). Isso ocorreu, em alguns casos, com a interferência direta do Estado; em
outros, com a parceria entre a organização sindical e universidades.
Na França, desde 1865, foram organizados cursos noturnos. Em 1919, a Lei Astier determina que todos os jovens em fase de aprendizagem nas empresas devem receber cursos profissionais de ensino técnico. Em abril de 1928, tem-se a criação de uma escola de aperfeiçoamento em administração de empresas. Em 1930, é fundado o primeiro instituto de promoção e de formação de adultos, o Centre de Perfectionnement dans I’Administration des Affaires. Em 1936, o governo organiza a promoção social – tanto profissional como sindical e operária, por meio dos Collèges du Travail (Colégios do Trabalho) e das Écoles Normales Ouvrières (Escolas Normais Operárias). Em abril de 1946, o Estado cria uma Direção-Geral da Educação Popular e dos Esportes. (PARANHOS, 2005, p.271).
A partir da metade do século XIX, duas correntes ideológicas passam a
existir na organização de classe, na compreensão do papel que cabe à formação dos
trabalhadores, como aponta Paranhos:
A primeira, de ideologia socialista, persevera na sua meta de educação do povo, o que resultará no movimento chamado “universités populaires” [...] A segunda corrente desenvolveu-se separadamente e centralizou-se nas chamadas necessidades da formação de adultos e da promoção profissional. E tanto os sindicatos como os governos tentaram organizar instituições de formação. (PARANHOS, 2005, p. 270).
Analisando experiências no Brasil, Paranhos (2005) destaca a influência
dos libertários, anarco-sindicalistas, socialistas e comunistas. Uma delas foi “[...] a
experiência curta da Universidade Popular, fundada em 20 de março de 1904 no Rio
de Janeiro” (p.279), para a qual a formação dos operários deveria se estruturar em
cima de três pressupostos: educação político sindical; educação escolar e práticas
18
culturais de massa. Para Paranhos, o ambiente formativo:
Torna-se um espaço em que os agentes do movimento sindical vão pensar a sua prática, vão repensar as “teorias” do próprio movimento e vão difundir as novas descobertas. [...] Neste sentido, a formação sindical é um importante meio de organizar a classe trabalhadora, assim como de incentivar a “educação dos sentidos” dos trabalhadores. (PARANHOS, 2005, p.284).
Esse resgate histórico das origens das formulações e experiências de
educação/formação operária feito por Paranhos é de grande contribuição para a
reflexão sobre a formação sindical no Brasil, pois as percepções do mundo, da
organização sindical e do papel da formação influenciaram e influenciam fortemente
as atividades formativas no Brasil.
Nos apanhados sobre essas experiências, podem-se observar diferentes
concepções programáticas: há os que postulam a formação a serviço da qualificação
técnica e produção; a formação a serviço da educação, emancipação e sustentação
da organização sindical, bem como, a formação a serviço de concepções políticas que
acreditam na humanização do capital, na possibilidade da superação harmoniosa da
contradição entre capital e trabalho, conforme podem ser verificadas nas análises a
seguir.
Chaia (1988), ao analisar as bases teóricas da criação do Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - Dieese, informa que:
O Dieese faz parte da estratégia do processo de racionalização experimentado pelos sindicatos a partir da década de 50, que procurou dar cunho técnico à política sindical, a fim de garantir suas ações frente aos empregadores ou o Estado. Um dos momentos decisivos para originar o Dieese foi a greve decretada pelo Sindicato dos Bancários em São Paulo, em 1951, quando os trabalhadores defrontaram-se e ganharam com uma guerra de números e de índices.
A Greve de 1951 reacendeu a certeza da manipulação dos índices para o reajuste salarial, permitiu a discussão da defasagem salarial acumulada durante os anos anteriores e mostrou a necessidade de estudo e cálculo do aumento do custo de vida para avaliar a situação dos bancários. Dessa forma, ficou claramente marcada a necessidade de argumentos racionais que se opusessem aos argumentos patronais e oficiais. (CHAIA, 1988, p.142-143).
Segundo esse autor (1988), as organizações dos trabalhadores
perceberam que era necessário o apoio do campo da pesquisa acadêmica para a luta
19
de classe. Na medida em que os sindicatos se politizam, eles começaram a ver a
necessidade de conhecer com maior nível de detalhe os aspectos econômicos, sociais
e políticos da realidade. O Dieese surgiu, então, com o objetivo de produzir
conhecimentos de interesse dos trabalhadores e tem seu funcionamento sustentado
pela prestação de serviços de pesquisa e assessoria a sindicatos e centrais sindicais.
Gaban (2013), por sua vez, traz a experiência de formação dos
metalúrgicos do ABC Paulista, uma categoria que vem desde algumas décadas
sofrendo com as investidas do capital no seu afã de acumular mais riquezas. Aqui, a
formação é usada estrategicamente para dar conta de entender e superar as ameaças
sofridas pela classe trabalhadora, em razão das várias transformações do mundo do
trabalho, frutos da reestruturação do capitalismo.
A literatura sobre as transformações do capitalismo e no mundo do trabalho, nas últimas quatro décadas, explicita um cenário que, debilmente, pode ser resumido em análises que simplifiquem ou absolutizem a realidade social, uma vez que vários são os elementos que a influenciam, como também suas relações sociais. Essas mudanças alteram relações de poder locais, nacionais e internacionais, tornando complexo o entendimento dos desafios para a ação sindical. Novas realidades na economia e na política, valores que modificaram subjetividades dos indivíduos e novas percepções desse cenário estão presentes no cotidiano do trabalho e promovem constantemente uma inquietação na ação sindical; entre outras razões, porque se instabilizam com as mudanças implementadas pelo capital para manter seus negócios competitivos nesse cenário. (GABAN, 2013, p.14).
Diante dessa complexidade de cenários enfrentada pelos Metalúrgicos do
ABC Paulista, que inclui a flexibilização1, a terceirização2, a pressão do capital e a
insegurança dos trabalhadores, o sindicato buscou preparar seus dirigentes para que
o movimento sindical pudesse fazer a contrapartida. O processo formativo analisado
por Gaban objetivava um diálogo maior com a categoria, como também, um
mapeamento da realidade desses trabalhadores, que para o movimento sindical é
1 “Do pondo de vista de seu impacto nas relações de trabalho, a flexibilização se expressa na
diminuição drástica das fronteiras entre atividade laboral e espaço da vida privada, no desmonte da legislação trabalhista, nas diferentes formas de contratação da força de trabalho e em sua expressão negada, o desemprego estrutural.” (ANTUNES, 2015, p. 412). 2 “Mecanismo de contratação, entre outros aspectos, deve-se ao fato de, ao dissimular as relações sociais estabelecidas entre capital e trabalho, convertendo-as em relações interempresas, viabiliza maior flexibilidade das relações de trabalho, impondo aos trabalhadores contratos por tempo determinado, de acordo com os ritmos produtivos das empresas contratantes, auxiliando também, de forma importante, na desestruturação da classe trabalhadora.” (ANTUNES, 2015, p.420).
20
imprescindível.
Os relatórios das atividades do departamento demonstram uma infinidade de atividades que são exercidas pela equipe, como seminário de planejamento, oficinas, apoio aos congressos, aos coletivos do sindicato, coletivos de formadores, ciclos de palestras, atividades essas que resultam, muitas vezes, em materiais e textos de reflexão. [...] Essas atividades resultaram em um número relevante de mais de 800 militantes e dirigentes que passaram pela formação no período, aliado à perspectiva de atuar com profundidade no trabalho formativo, que se estabelecia em muitas horas de trabalho presenciais, de estudo em grupo e individual.
Esses conteúdos têm uma origem nos problemas trazidos pela categoria, mas não se limitam a isso, porque, na verdade, há uma leitura que passa pela academia sobre as transformações no mundo do trabalho, reflexões sobre história e valores do movimento operário, experiências em outros países, documentos recentes que atualizam o debate e tudo isso, em conjunto, proporciona um trabalho que se amarra desde a concepção à prática, com essa troca de conhecimento. (GABAN, 2013, p.24-25).
Gaban (2013) conclui sua pesquisa ressaltando a importância de ações
formativas, tendo em vista a realidade em constante transmutação do mundo do
trabalho e as consequências desse processo sobre o movimento sindical, fazendo-se
necessário, cada vez mais, organizar e dialogar com os trabalhadores. Ela sinaliza
que a experiência realizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista foi
exitosa:
Os números apontados pela pesquisa com relação à sua abrangência de público-alvo, como também da quantificação de horas de trabalho, associadas às descrições das memórias e das entrevistas sobre a natureza dessas atividades, demonstram um trabalho regular, planejado e com foco preciso na atuação sindical. [...] A preparação para a atuação nos eixos do Sindicato da Fábrica e Sindicato e Sociedade, sem dúvida, criou um marco no sentido de capacitar dirigentes sistematicamente e com projeto de longa duração que permitiram, aos participantes, associar esse conhecimento à sua experiência no chão da fábrica, ampliar a qualidade de sua intervenção. (GABAN, 2013, p.28).
Já Picolotto (2014), ao examinar a formação de um sindicalismo de
agricultores familiares no Sul do Brasil, identificou a existência de um projeto de ensino
fundamental vinculado à questão da agricultura familiar, denominado Projeto Terra
Solidária com viés profissionalizante e uma visão tática de aposta na formação
sindical. Tal projeto de formação contribuiu, segundo o autor, para a construção da
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul – Fetraf/SUL,
uma entidade sindical paralela à Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio
Grande do Sul – Fetag/RS. Essa tática, adotada pela Central Única dos Trabalhadores
– CUT deu-se em razão do insucesso na filiação da Fetag/RS à referida central. Como
21
se observa:
O processo de fortalecimento da dinâmica organizativa e da identidade da agricultura familiar na região Sul, aliado com o sentimento de falta de perspectiva de mudança na correlação de forças nas FETAGs na região e na CONTAG, recolocava o debate sobre a possibilidade de formar uma estrutura sindical específica dos agricultores familiares na região. [...] Com o intercruzamento dos debates sobre a agricultura familiar na região e a proposta de criar uma nova organização sindical da agricultura familiar, o Projeto Terra Solidária passou a ser um espaço privilegiado de reflexão e de mobilização para o sindicalismo cutista.
Em função da importância dos debates sobre a agricultura familiar e sobre as novas perspectivas de organização sindical realizados no Projeto Terra Solidária, o Congresso de fundação da FETRAF-Sul foi escolhido como o momento de diplomação de 1600 participantes do projeto, construindo-se em um momento de forte simbolismo. (PICOLOTTO, 2014, p.215-216).
O Programa Nacional de Integração da Educação Básica com a Educação
Profissional na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja (Ensino Médio)
foi objeto da análise de Zorzi e Franzoi (2010). As autoras buscaram elucidar “[...] as
relações existentes entre os saberes e o processo de formação acadêmica dos
estudantes/trabalhadores do Curso Técnico em Comércio” (2010, p.115). Esse
Programa oferece oportunidade de conclusão dos estudos a trabalhadores que não
conseguem fazê-lo na idade considerada apropriada pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, com respeito ao direito à educação e ao dever de educar:
Art.4° O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - Educação básica obrigatória dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma:
a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio (BRASIL, 1996).
A proposta pedagógica de elevação da escolaridade dos trabalhadores que
estão fora dos requisitos desse artigo 4°, segundo Zorzi e Fanzoi (2010), é alicerçada
na perspectiva do conhecimento dialogado, buscando superar o distanciamento entre
os saberes práticos dos estudantes obtidos no dia a dia e o saber escolar.
Nesse sentido, pensar no trabalho como princípio educativo implica em considerar as experiências de trabalho vividas pelos trabalhadores, dentro e fora do espaço escolar, sem deixar de considerar a contribuição singular dos atores envolvidos nas situações de trabalho. Interessa-nos, ao considerar o ‘educativo’, desvelar o processo da construção dos saberes que circulam no espaço de trabalho e potencializam os saberes que até então, aparentemente pertenceriam somente ao espaço escolar (ZORZI; FRANZOI, 2010, p.117).
22
Considerando esse olhar de valorização dos saberes dos sujeitos não
circunscrito apenas à escolarização, o Proeja se dirige à demanda do mundo do
trabalho, pois prepara os trabalhadores para a produção. Entretanto, dialeticamente,
contribui, segundo as autoras, para a valorização e auto-estima dos trabalhadores
envolvidos, fazendo-os ganhar o entendimento sobre a dimensão e a importância do
seu fazer diário, da sua atividade laboral, o que segundo elas, os aproximava, pois ao
aprenderem também ensinavam.
A experiência de voltar para o espaço escolar promove para esses estudantes/trabalhadores a descoberta do saber que está em constante processo de construção e a experiência da escolarização, constitui novas relações sociais, que forjam relações diferenciadas em seus processos de subjetivação, no nível pessoal, familiar, social, além das modificações que ocorrem no ambiente do trabalho. (ZORZI; FRANZOI, 2010, p.117).
Como assevera Marx, “[...] é na práxis que o ser humano tem de comprovar
a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento” (MARX
[1845], 1982, s/p – Tese II). O processo educativo do Proeja se configura, assim, como
uma atividade que interliga o conhecimento e a principal atividade humana, o trabalho.
Oliveira e Moura (2013) e Voitack (2011) trouxeram reflexões sobre a
comunicação como uma ferramenta para a formação da classe trabalhadora.
Buscaram compreender questões relevantes à informação/comunicação como
fenômeno social, na medida em “[...] que os sujeitos sociais inseridos num
determinado contexto sócio-histórico e, a partir de uma determinada situação,
atribuem sentido a ela”. (OLIVEIRA; MOURA, 2013, p.130). As autoras oferecem
importante contribuição sobre como a informação e a comunicação contribuem para
os processos formativos.
Na sua relação com a prática sindical e o trabalho, a prática informacional evidencia uma disputa que se dá entre o capital x trabalho, empregador x trabalho, dirigente sindical x empregador nas suas relações. Ao evidenciar tais antagonismos, os dirigentes sindicais bancários se viram na contingência de aprimorar e qualificar a ação sindical por meio do uso estratégico da informação. (OLIVEIRA; MOURA, 2013, p.129).
Os sindicatos são instâncias de grande poder de difusão de informação e
de potencial credibilidade desde que sejam capazes de exercer sua influência e
autoridade com a virtude democrática, propriedade, legitimidade e reconhecimento
dos representados. Para tanto, faz-se necessário um perene diálogo com os
23
trabalhadores, buscar informações, submetê-las ao crivo da análise de sua
confiabilidade, saber transmiti-las e comentá-las. Em síntese, trata-se da habilidade
que “[...] faz da comunicação uma ferramenta de luta para a defesa de pautas
construídas pelo movimento sindical [...]” (VOITACK, 2011, p.1).
Segundo Oliveira e Moura (2013, p.137),
A informação para o sindicalista é relevante inclusive no que se refere à forma como organiza e orienta sua prática sindical. Esta situação se apresenta, por exemplo, nos fóruns deliberativos da categoria quando decisões importantes são encaminhadas. [...] Pode-se inferir que a informação tem valor estratégico para os dirigentes que se municiam e se nutrem dela para a sua ação sindical. Desta forma, observa-se que estes dirigentes podem ser reconhecidos pela categoria como lideranças informacionais.
Oliveira e Moura (2013, p.137) ainda constatam que:
A partir das questões que envolvem o conhecimento dos entrevistados sobre os recursos informacionais disponíveis no Sindicato, pôde-se contatar que o fato da entidade dispor de um Serviço de Informação Especializado contribuiu para a preparação política e informacional dos dirigentes. Desta forma, com programas de treinamento permanente, é possível possibilitar a esses sindicalistas manuseio e facilidade de acesso às fontes disponíveis.
A análise da bibliografia recolhida fez também emergir um conceito
relevante para a discussão sobre a formação sindical: o praticismo, conceituado “[...]
como a ação prático-utilitária visando a fins imediatos sem as mediações de análises
teóricas de caráter histórico-social nos processos de intervenção social e política”.
(SANTOS, 2011, p.157).
O autor considera que esse tipo de orientação influenciou a formação
sindical no Brasil a partir da década de 1960 e que o pensamento pedagógico de
Paulo Freire teria contribuído para sua vigência na educação popular, na formação
dos dirigentes sindicais. Tal concepção teria relações com as “[...] transformações do
pensamento de esquerda na Europa nos anos 1960 e sua influência da formação de
militantes.” (SANTOS, 2011, p.157). Assim,
Este foi um período de prosperidade para os países capitalistas centrais cujas bases se encontram na política econômica keynesiana que, na sua versão europeia, tornou-se o welfare state ou Estado de Bem-Estar Social, cujas premissas estavam: a) no fortalecimento da economia por meio da
24
intervenção estatal que estimulava a produção e o consumo em massa; b) no recrudescimento da democracia representativa nos principais países capitalistas; c) na cooptação de sindicatos e sua colaboração com as empresas; d) no estabelecimento de uma força de trabalho bem remunerada nos países centrais.
Tais prosperidades ocultavam problemas sociais graves tanto nos países desenvolvidos quanto nos periféricos. Contudo, a convicção de que a prosperidade veio para ficar influenciou sobremaneira uma grande parcela de intelectuais ligados às lutas dos trabalhadores dos anos de 1950 e 1960. (SANTOS, 2011, p.158).
Santos (2011) contribui com sua análise para a compreensão do contexto
acima caracterizado e do que se acentuou com a organização dos sindicatos dos
trabalhadores rurais no Brasil e nos países do Cone Sul:
Na América Latina, as décadas de 1950 e 1960 foram bastante ricas em termos de organização da classe trabalhadora. No Brasil, por exemplo, as Ligas Camponesas no nordeste, os Movimentos de Cultura Popular, a organização dos sindicatos (embora divergentes na tática e nos objetivos) são expressões deste momento histórico.
Neste contexto, emerge o pensamento de Paulo Freire o qual, indubitavelmente, trouxe importantes contribuições para a educação ao formular uma teoria pedagógica progressista e dotada de elementos críticos sob a influência dos acontecimentos práticos e teóricos da década de 1960. (SANTOS, 2011, p. 159).
Diz, ainda, o autor: “Assumindo a postura de uma determinada corrente da
Igreja Católica, Freire desenvolverá os melhores de seus esforços para produzir uma
Pedagogia da Libertação” (SANTOS, 2011, p.161) e que esse contexto idealista
subsidiará sua obra. As visões praticista e imediatista, presentes na educação popular
de corte freiriano se fundamentam epistemológica e pedagogicamente no
subjetivismo.
Martins (2011), por sua vez, resgata outro conceito muito utilizado nos
processos de formação sindical, o de práxis, mas que, no seu entendimento, tem sido
usado por muitos autores de forma equivocada. De origem aristotélica, esse conceito
teria sido resgatado por Marx, que o enriqueceu, pois “[...] concebe a práxis como um
processo teórico-prático por meio do qual o homem torna-se capaz de superar a
especulação” (MARTINS, 2011, p.536). Ao fazer essa distinção, Martins (2011)
recupera uma conceituação de práxis, importante para se pensar a formação sindical.
Trata-se da “[...] ação teórico-prática do homem, que transforma historicamente a
realidade segundo suas necessidades de sobrevivência e as exigências de sua
25
existência, delimitadas pelo contexto societário vivido.” (MARTINS, 2011, p.552).
Conforme se observou nos registros de leituras de algumas produções
bibliográficas, há reflexões importantes sobre a formação sindical de modo geral e
referentes ao histórico do movimento sindical brasileiro. Algumas das experiências
analisadas colocaram ou colocam o foco dessa intervenção na qualificação
profissional, outras no diálogo com a base sindical, outras a utilizam como ferramenta
para a construção da entidade sindical paralela. Há experiências que levam em
consideração o saber que o trabalho produz e a importância de se aproximar esse
saber ao produzido pela academia. Outras buscaram estabelecer laços com a
academia para a obtenção de conhecimentos por ela produzidos de forma a subsidiar
o enfrentamento da luta de classes.
Porém, percebeu-se que a questão que motivou a presente dissertação não
foi abordada nos textos analisados e se o foi isso ocorreu de forma periférica ou
assessória. Ela diz respeito ao pressuposto de que o instrumento da linguagem é
extremamente importante no desenvolvimento da atividade de formação do
movimento sindical e para o exercício da própria atividade sindical. Refere-se,
também, à necessidade do resgate das contribuições de Vigotski3 e colaboradores
sobre a linguagem e seus nexos com o desenvolvimento das interações sociais e a
formação do pensamento.
Vigotski buscou mostrar que a linguagem cumpre, dialeticamente, um
importante papel de mediação na relação do homem em sociedade, ao compreender
que ela é instrumento da interação social, pois “[...] a função primordial da fala é a
comunicação, o intercâmbio social.” (VIGOTSKI, 2008, p.6). Além disso, segundo o
autor, a linguagem é, também, um instrumento imprescindível para o desenvolvimento
do pensamento.
Qualquer que seja a solução do complexo e controverso problema teórico da relação entre pensamento e linguagem, não se pode deixar de reconhecer a importância decisiva e exclusiva dos processos de linguagem interior para o desenvolvimento do pensamento (VIGOTSKI, 2010, p.133).
Assim, as reflexões de Vigotski (2000, 2007, 2008, 2010) sobre as relações
3 O nome do autor tem sido escrito de várias formas (Vygotsky, Vygotski, Vigotski). Nesta pesquisa, será considerada a grafia Vigotski.
26
entre linguagem, desenvolvimento e aprendizagem se configuram como a base
teórica do desenvolvimento desta dissertação, que busca respostas para uma questão
candente do processo pedagógico da formação sindical: a utilização de instrumentos
necessários para o desenvolvimento dessa atividade humana específica de forma a
possibilitar o desenvolvimento de conceitos importantes da práxis sindical, a beneficiar
seus processos de interação e comunicação e a fortalecer a capacidade de pensar e
agir dos seus militantes e dirigentes.
Mencionam-se, aqui, as dificuldades que o movimento sindical enfrenta no
diálogo com a classe trabalhadora, mobilização dos filiados ou não à participação de
assembleias, reuniões e manifestações, mesmo com todo o aparato tecnológico dos
atuais meios de comunicação.
A diversidade histórico-cultural constitutiva da estrutura social multiétnica
da sociedade brasileira se reflete no mundo do trabalho e, por extensão, no movimento
sindical brasileiro, característica que tem implicações importantes com respeito aos
usos de linguagens, aos processos de comunicação e às representações simbólicas.
Pochmann (1999, 2001, 2003), economista político, autor de diversas
publicações que retratam o mundo do trabalho e suas organizações de classe, afirma
que a grande imprensa pertence ao movimento sindical, a julgar pelo número de
panfletos que os sindicatos fazem por semana, de jornalistas e de sites que possui.
Entretanto, essa imprensa sindical pode não estar efetivamente se comunicando bem
e os trabalhadores podem não estar sendo capazes de entender as linguagens que
ela utiliza. Com a entrada em cena das mídias digitais, surgiram também mudanças
na forma de se comunicar fazendo com que a linguagem se torne mais rápida, sucinta
e direta.
Hoje, grande parte da classe trabalhadora, inclusive dos trabalhadores
rurais, tem acesso à internet, às redes sociais, à informação. A grande maioria dos
sindicatos possui computador com acesso à Web, telefone, correio eletrônico. Apesar
disso, sobram dificuldades para organizar o movimento sindical e mobilizar a classe
para a luta política.
27
Obviamente que fatores estruturais e conjunturais contribuem para essa
realidade. Malgrado isso, o movimento sindical tem buscado ser uma ferramenta de
luta dos trabalhadores nos enfrentamentos necessários voltados a minimizar a
exploração do trabalhador. E, nesse embate, a correlação não é de igualdade, pois a
classe dominante construiu e constrói cotidianamente elementos teóricos para garantir
sua hegemonia na sociedade. Seus intelectuais orgânicos têm a função de legitimar
seus interesses, afinados com sua leitura de mundo e sua concepção de dominação,
tal como observou Gramsci:
Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político: O empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, [...]. Deve-se anotar o fato de que o empresário representa uma elaboração social superior, já caracterizada por uma capacidade dirigente (isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas ainda em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da produção econômica deve ser um organizador de massa de homens: deve ser um organizador da “confiança” dos que investem em sua fábrica, dos compradores de sua mercadoria etc... (GRAMSCI, 1982, p.3-4).
Mas, é também importante considerar que o movimento sindical, a partir de
suas práxis e com base na contribuição de seus intelectuais orgânicos, desenvolve
linguagens, que lhes são próprias e que possuem significados para ele. Porém, tais
conteúdos e mensagens expressas por jornais, entrevistas ou discursos sindicais
podem não ter sentido pessoal para os trabalhadores.
Considerou-se, assim, a necessidade de estudos sobre o processo de
mediação exercido pela linguagem na formação sindical e suas contribuições no
sentido de favorecer as interações dos dirigentes e os trabalhadores da base sindical
bem como suas capacidades de refletir e formar conceitos.
Logo, a questão central que serve de eixo estruturante desta dissertação é
a seguinte: Entendida a linguagem como instrumento de mediação pedagógica tal
como propõe a teoria histórico-cultural, que implicações isso traz para as atividades
de formação política sindical?
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Em busca de respostas para essa indagação, esta dissertação teve como
objetivo geral analisar o que resulta do entendimento do uso da linguagem, seja como
expressão oral, escrita ou gestual, enquanto mediação pedagógica ao se ter em
mente a promoção de avanços na formação sindical na perspectiva da inovação social
e do desenvolvimento local.
Para tanto, foram definidos dois objetivos específicos. O primeiro se refere
à análise das contribuições da teoria histórico-cultural para essa compreensão da
linguagem no processo de mediação pedagógica. Esse estudo foi realizado com base
em revisão teórico-conceitual. O segundo concerne percepções de formadores
sindicais sobre essa questão a partir das suas vivências e experiências de formação
política sindical. Esse implicou, por sua vez, a realização de uma pesquisa empírica
de natureza qualitativa e caráter exploratório e descritivo.
Com base nos resultados obtidos com a revisão teórica conceitual e com a
pesquisa junto aos formadores sindicais, foi produzido um documento que traz
elementos a serem considerados no projeto político pedagógico de formação sindical
da Fetaemg. Trata-se de subsídios referentes ao uso da linguagem como instrumento
de mediação pedagógica na atividade de formação política sindical comprometida
com avanços na formação sindical e com as inovações sociais incursas em processos
de desenvolvimento local.
É importante dizer que não se considera, aqui, inovação social como
sinônimo de modernização ou a mudança pela mudança tal como se observa nos
discursos pós-modernos. Entende-se por inovação as contribuições apontadas por
Carbonell quando diz que tal conceito está necessariamente ligado à necessidade de
aprofundamento das mudanças nas concepções e nas estruturas centradas “[...] mais
no processo que no produto; mas no caminho que no ponto de chegada”
(CARBONELL, 2002, p.25).
Já sobre o desenvolvimento local, é importante trazer a definição de
Fragoso de que se trata “[...] da possibilidade das populações poderem expressar uma
ideia de futuro num território visto de forma aberta e flexível, onde esteja ausente a
29
noção de espaço como fronteira, concretizando ações que possam ajudar à (re)
construção desse futuro.” (FRAGOSO, 2005, p.64).
Esta dissertação foi, portanto, desenvolvida com a finalidade de produzir
conhecimentos sobre formação, mediação e linguagem de forma a oferecer subsídios
a novas pesquisas e a intervenções educativas, que tenham o propósito de promover,
de forma inovadora, o desenvolvimento local na dimensão pessoal, social e política
dos sujeitos e dos espaços em que atuam.
Ela também respondeu à necessidade da pesquisadora principal de
aprimorar sua forma de pensar e de realizar a formação política sindical. Os resultados
alcançados têm lhe permitido contextualizar melhor suas intervenções pedagógicas,
aprimorar seus métodos e práticas e contribuir para que a atividade educativa e a
gestão social no movimento sindical sejam mais dialogadas e participativas.
Esta dissertação se compõe desta Introdução, que traz digressões sobre
resultados de estudos sobre o tema bem como as motivações da investigação
realizada, seus objetivos - geral e específicos, marcos conceituais de base e o plano
da exposição. Em continuação, oferece os seguintes capítulos:
O primeiro, que expõe os resultados da revisão conceitual temática sobre
a teoria histórico-cultural e suas contribuições para a compreensão da linguagem
como instrumento de mediação pedagógica. Essa revisão se serviu, basicamente, de
leituras de textos de Marx, Engels, Vigotski, Luria e Leontiev. Seu eixo central está na
compreensão do processo de constituição humana, de como ela se dá a partir da
relação do indivíduo com o mundo exterior mediada por um conjunto de sistemas
simbólicos.
O segundo capítulo relata a pesquisa realizada com formadores sindicais
da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais –
Fetaemg, por meio da qual se buscou identificar e analisar suas percepções sobre o
significado e implicações do instrumento da linguagem para a formação política
sindical, tendo como base, principalmente, suas vivências e experiências de
30
formadores.
O terceiro capítulo apresenta as motivações, objetivos, finalidades,
metodologia e resultados do desenvolvimento de um produto técnico acerca do uso
da linguagem como instrumento de mediação pedagógica e das especificidades dessa
matéria no contexto da formação sindical.
Nos arremates da dissertação, encontram-se as considerações finais, as
referências, os apêndices e anexo.
31
2. A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO NA
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
Kátia Gaivoto
Lucília Machado
Resumo Este capítulo traz resultados da revisão teórica conceitual sobre as contribuições da teoria histórico-cultural para a compreensão da linguagem como instrumento de mediação simbólica. Constitui-se como passo do processo de construção desta dissertação e de seu propósito de subsidiar estudos sobre aperfeiçoamentos de atividades de formação política sindical. Buscou-se abranger o contexto do nascimento dessa importante teoria, seu entendimento sobre o processo da constituição do ser humano, a relação entre mediação e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, o conceito de internalização, a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, a linguagem como intercâmbio social e instrumento de desenvolvimento do pensamento. Palavras-chave: mediação, internalização, sentidos, significados sociais, linguagem.
Abstract This chapter carries results from the conceptual theoretical review about the historical and cultural theory contributions to the understanding of the language as an instrument of pedagogical mediation. This review’s research was fulfilled as part of a master’s dissertation, developed with the purpose to subsidize activities of political and labor union formation. It was sought to include the creation context of this important theory, its understanding about the process of human constitution, the role of mediation in the process of superior psychological functions’ development, the concept of internalization, the link between learning and growth, the language as social exchange and instrument of thinking development. Keywords: mediation, internalization, senses, social meanings, language.
Kátia Gomes Gaivoto - Licenciada em História, Mestrando em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local – UNA, diretora e formadora do Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho - CES. E-mail: [email protected] Lucília Regina de Souza Machado – Socióloga, mestre e doutora em Educação, pós-doutora em Sociologia do Trabalho e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. E-mail: [email protected]
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2.1. Introdução
A teoria histórico-cultural tem a concepção materialista e dialética da
história e os aportes de Marx e Engels como esteios e traz elementos fundamentais
para a compreensão da linguagem como instrumento de mediação simbólica. Nesta
dissertação, busca-se recuperar nos textos de Vigotski, Leontiev e Luria, autores
pioneiros dessa teoria, contribuições para a discussão dessa temática. Os textos
utilizados são, em sua maioria, traduções do russo nem sempre diretas, por isso,
podem apresentar dissonância com os originais.
Na perspectiva dessa teoria, o homem é um ser histórico-cultural, fruto da
sua atividade por meio da qual realiza relações com a natureza e com outros homens,
processo que requer e engendra suas capacidades de se comunicar e pensar. Para
tanto, produz e usa linguagens (sinais, símbolos, sons e gestos), mediações
simbólicas fundamentais às interações sociais e à formação do pensamento, das
generalizações, dos conceitos mediante os quais representa seus conhecimentos,
valores e emoções. Diversas áreas do conhecimento encontram nessa teoria
contribuições para compreender os nexos históricos e dialéticos estabelecidos entre
os fatores biológicos e sociais da constituição do ser humano.
Esta revisão teórica centra-se no papel mediador da linguagem,
compreendida como um processo interativo e dialógico, específico do gênero humano.
A palavra, oral e escrita, é considerada pela teoria histórico-cultural como o signo
principal do sistema simbólico. A linguagem como mediação simbólica tem sido
também considerada na sua expressão de mediação pedagógica.
A metodologia adotada para esta revisão teórica e conceitual buscou dar
atenção às comparações, interpretações e proposições envolvidas na discussão
sobre a função mediadora da linguagem, o que exigiu a definição de algumas
categorias de análise, que serão abordadas em tópicos específicos.
33
2.2. Um breve apontamento do contexto em que nasce Vigotski e a Teoria
Histórico-Cultural
Lev Semionovich Vigotski nasceu na Bielorússia, em 1896, descendente
de família judaica, pai bancário e mãe professora, incentivadores na busca por
conhecimento. Dedicado aos estudos, em especial sobre arte e literatura, formou-se
em direito, filosofia e história em Moscou e adquiriu profundos conhecimentos em
língua e linguística, estética e literatura. Iniciou sua carreira como psicólogo depois da
Revolução Russa, de 1917. Aos 19 anos de idade, a tuberculose se manifestou e foi
a causadora de sua morte precoce aos 38 anos em 1934. Mesmo com a doença,
Vigotski não deixou de pesquisar. Muitas e marcáveis foram suas produções, que se
prolongaram nos trabalhos de seus colaboradores, tal como informa Leontiev:
O Método Instrumental em Pedologia (1928), O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criança (1928), As Raízes Genéticas do Pensamento e Linguagem (1929), Esboço de um Desenvolvimento Cultural da Criança Normal (1929), O Método Instrumental em Psicologia (1930), Instrumento e Símbolo no Desenvolvimento da Criança (1930), Estudos Sobre a História do Comportamento (1930, juntamente com Luria), A História do Desenvolvimento das Funções Mentais Superiores (1930-1931). [...] Para além destes, importantes para o entendimento da teoria histórico-cultural são os trabalhos de seus colaboradores: Sobre os Métodos de Investigação dos Conceitos, por L. S. Sakharov (1927), O Desenvolvimento da Memória por A. N. Leontiev (1931), O Desenvolvimento dos Conceitos Cotidianos e Conceitos Científicos, por Zh. I. Shif (1931). (LEONTIEV, 1989, p.10).
A partir de 1924, no Instituto de Psicologia de Moscou, Vigotski deu início
ao seu trabalho sistemático de investigação em psicologia, juntamente com o
neuropsicólogo Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e o filósofo e cientista social
Alexis Nikolaevich Leontiev (1904-1979) seus grandes parceiros de pesquisas. Nesse
Instituto, Vigotski desenvolveu as bases da teoria histórico-cultural, cujo ponto de
partida decorre do entendimento de que o desenvolvimento do indivíduo é resultado
da sua relação histórica e social. Luria ressalta o brilhantismo de Vigotski:
Não é exagero dizer que Vygotsky era um gênio. Ao longo de mais de cinco décadas de trabalho no meio científico, nunca mais encontrei qualquer pessoa cujas qualidades se aproximassem das de Vygotsky: sua clareza mental, sua habilidade na identificação da estrutura essencial de problemas complexos, a extensão de seu conhecimento em vários campos, e a capacidade que tinha de antever o desenvolvimento futuro de sua ciência (LURIA, 1992, p.43).
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Vigotski pesquisa em meio a uma crise sistêmica decorrente da
inauguração de um novo regime político, nascente com a Revolução de 1917, que
marca o fim da era tzarista.
Com a instalação do poder sovietes, o primeiro país socialista estava diante de muitos desafios políticos, econômicos, culturais e sociais. A prioridade era a educação, que deveria deixar de ser um privilégio para poucos para se transformar em um dos direitos de qualquer cidadão, criando-se, para isso, um novo sistema de instrução. [...] Muitos cientistas, pesquisadores e especialistas decidiram permanecer no país e colaborar com o novo regime, mas muitos também imigraram. Aos que ficaram, a Rússia socialista apresentou a tarefa de criar os fundamentos da psicologia e da pedagogia soviéticas, que tinham por objetivo a formação do homem novo, o que criava a demanda de novos modos de pensar a ciência. (PRESTES, 2012, p.28).
Com respeito à psicologia, segundo Leontiev “[...] a principal deficiência
dela era a simplificação dos fenômenos mentais, a tendência ao reducionismo
fisiológico, a descrição inadequada da manifestação superior da mente – consciência
humana.” (LEONTIEV, 1989, p.6).
Vigotski, contrapondo-se às formulações existentes à época, argumentou
que “[...] o verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento não vai do indivíduo
para o socializado, mas do social para o individual.” (VIGOTSKI, 2008, p.24). Além
disso, contraditou as duas correntes existentes que permeavam as pesquisas em
Psicologia: a subjetivista, para a qual o homem não sofre influência do mundo exterior,
e a objetivista, que considera que esse é apenas um reflexo das influências externas.
Reivindicou, assim, considerar os princípios do materialismo dialético na relação entre
objetividade e subjetividade. Seu plano de trabalho incluía:
Caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo. Essa análise se preocupará com três aspectos fundamentais: (1) Qual a relação entre os seres humanos e o seu ambiente físico e social?; (2) Quais as formas novas de atividade que fizeram com que o trabalho fosse o meio fundamental de relacionamento entre o homem e a natureza e quais as consequências psicológicas dessas formas de atividade; (3) Qual a natureza das relações entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem? (VIGOTSKI, 2007, p.3).
Vigotski iniciou suas pesquisas considerando o homem como um todo e a
partir da sua realidade objetiva, para, então, construir uma psicologia que, de fato,
pudesse ser reconhecida como uma psicologia materialista dialética.
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Vigotski escreveu. [...] que a psicologia é, naturalmente, uma ciência concreta. Cada teoria psicológica tem sua base filosófica. Algumas vezes se manifesta, outras vezes está escondida. E em cada caso essa teoria é determinada por suas bases filosóficas. É por isso que não devemos tomar os resultados prontos da psicologia e combiná-los com as teses do materialismo dialético sem primeiro ter reformado suas bases. Devemos realmente construir uma psicologia marxista, devemos começar com suas bases filosóficas. (LEONTIEV, 1989, p.8).
Marx e Engels questionaram o subjetivismo, para quem a realidade
compreende somente a experiência particular de cada um, não indo além das
interpretações, percepções e sentimentos, que o indivíduo tem com respeito ao
mundo. Diferentemente, ambos tratam de indivíduos reais, da sua atividade e
condições materiais de existência, pois “A primeira condição de toda a história humana
é evidentemente a existência de seres humanos vivos.” (MARX; ENGELS, 1999,
p.10).
Com essa premissa, Marx e Engels questionaram a tese idealista de Hegel
de defesa da primacial contemplação ao invés de se voltar e partir do “[...] mundo
sensível” (MARX; ENGELS, 1999, p.25). Para eles, não se trata de substituir o mundo
material pela reflexão profunda, pela meditação, pelo pensamento, pelo mundo do
espírito, mas de partir da realidade concreta do mundo sensível, do mundo real em
que o homem vive. Essa crítica também foi feita por eles a Feuerbach, que não teria
superado o idealismo. Com isso, afirmam que:
A forma como os indivíduos manifestam sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide, portanto, com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como o produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto das condições materiais da sua produção. (MARX; ENGELS,1999, p.12).
Isto é, “[...] não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que
determina a consciência’’, considerando que “[...] é, na vida real, que começa a ciência
real, positiva, a expressão da atividade prática, do processo de desenvolvimento
prático dos homens.” (MARX; ENGELS, 1999, p.22).
A partir de tais premissas, Vigotski sustenta que a linguagem se origina na
e pela atividade humana como instrumento do pensamento e meio para e de
comunicação. Leontiev (2004) reforça que a aquisição da linguagem é o processo de
36
apropriação das operações de palavras que são fixadas historicamente nas suas
significações.
O que está posto, portanto, pela teoria histórico-cultural é o entendimento
de que a construção histórica do homem se dá na e pela sua atividade em sociedade
ao longo de toda sua existência e, que, como decorrência da sua intervenção sobre a
natureza e da relação com outros homens, ele desenvolve seu modo de produzir, a
cultura, a política, seu modo de ser e dizer.
Na sua atividade, o homem modifica a natureza em seu proveito, mas
também se transmuda ao se constituir ontologicamente:
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. (MARX, 1971, p.202).
Leontiev (2014) lembra, que o homem não se resignou à condição de ser
um mero coletor ou receptor de bens proporcionados pela natureza ou de influências
do meio. Ele é um ser ativo e da mesma forma que acolhe, herda ou se apropria
desses bens e influências também os remodela, converte e transforma a partir de sua
atividade e, ao fazê-lo, também altera sua forma de ser.
É em atividade que a transição ou “tradução” do objeto refletido em imagem subjetiva, em ideal, ocorre; ao mesmo tempo, [...] em resultados objetivos da atividade, seus produtos, em material. Considerada deste ângulo, atividade é um processo de inter-tráfico entre opostos, sujeito e objeto. (LEONTIEV, 2014, p.2).
Assim, a atividade humana, como um movimento de dupla determinação
ou ação recíproca entre sujeito e objeto, se constitui como o fazer, o exercer, o
realizar, o produzir do homem em vista da satisfação ou consumação de suas
necessidades, carências e utilidades fundamentais à continuidade da sua existência,
à manutenção da sua vida e ao seu enriquecimento como gênero humano. A atividade
põe em funcionamento ações em direção a e sobre objetos, cada qual norteada por
37
objetivo ou meta.
Nessa perspectiva, o trabalho é a atividade principal, por meio da qual o
sujeito se constitui como ser social, pois pressupõe sua relação com os outros
homens. Engels estudou as implicações da relação metabólica do homem com a
natureza e as mudanças estruturais no antropoide, primata que, filogeneticamente e
como espécie, guarda maior proximidade com a espécie humana, e afirmou que, “[...]
o trabalho criou o próprio homem.” (ENGELS, 1999, p.4).
Dentre as transformações filogenéticas, correspondentes à evolução da
espécie humana, Engels menciona a passagem ao posicionamento em forma ereta e
ao aprimoramento das mãos, que o manuseio dos alimentos e a busca deles em topos
de árvores permitiram aprimorar:
Mas havia sido dado o passo decisivo; a mão era livre e podia agora adquirir cada vez destreza e habilidade; e essa maior flexibilidade adquirida transmitia-se por herança e aumentava de geração em geração. Vemos, pois, que a mão não é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação a novas e novas funções, pela transmissão hereditária do aperfeiçoamento especial assim adquirido, pelos músculos e ligamentos e, num período mais amplo, também pelos ossos; unicamente pela aplicação sempre renovada dessas habilidades transmitidas a funções novas e cada vez mais complexas foi que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição que pôde dar vida, como por artes de magia, aos quadros de Rafael, às estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini. (ENGELS, 1999, p.7-8).
No desenvolvimento filogenético do homem em resposta à necessidade de
garantir sua existência e, com isso, realizar o aprimoramento de sua atividade, ocorre
também o advento e a expansão da fala hábil e inteligente. Engels explica:
A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro. (ENGELS, 1999, p.10).
Vigotski apoia-se nessas formulações para discutir o instrumento da
linguagem com mediação simbólica das relações sociais e do desenvolvimento do
pensamento. Assim o faz considerando categorias de conhecimento e suas inter-
38
relações, e os nexos entre fatores biológicos e sociais no desenvolvimento psicológico
do homem.
2.3. O papel da mediação no processo de desenvolvimento das funções
psicológicas superiores
Por tanto, em conformidade com as formulações marxistas e engelsianas,
a teoria histórico-cultural considera que
O homem é um ser de natureza social, tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade. [...] As aptidões e caracteres especificamente humanos não se transmitem de modo algum por hereditariedade biológica, mas adquirem-se no decurso da vida por um processo de apropriação da cultura criada pelas gerações precedentes. [...] Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana. (LEONTIEV, 2004, 279-285).
Assim entendida, componentes de ordem natural também estão presentes
na formação do ser humano, que requer a constituição e aperfeiçoamento de
faculdades tais como as sensações, a atenção, a percepção, a memória, a emoção,
a linguagem emotiva, o que Vigotski chamou de processo primário do
desenvolvimento, o qual depende, conforme o autor, das condições do ambiente
externo e das vivências sócio-culturais historicamente determinadas. Isso ocorre no
plano ontogenético do gênero humano com o desenvolvimento do que Vigotski
chamou de funções psicológicas superiores especiais:
El concepto de "desarrollo de las funciones psíquicas superiores" y el objeto de nuestro estudio abarcan dos grupos de fenómenos que, a primera vista, parecen completamente heterogéneos, pero que, de hecho, son dos brazos fundamentales, dos causas de desarrollo de las formas superiores de conductas, que jamás se funden entre sí, aunque estén indisolublemente unidas. Se trata, en primer lugar, de procesos de dominio de los medios externos del desarrollo cultural y del pensamiento: el lenguaje, la escritura, el cálculo, el diseño; y, en un segundo momento, de los procesos de desarrollo de las funciones psíquicas superiores especiales, no limitadas ni determinadas con exactitud, que, en la psicología tradicional, se denominan atención voluntaria, memoria lógica, formación de conceptos etc. (VIGOTSKY, 1995, p.15.).4
4 O conceito de “desenvolvimento das funções psicológicas superiores” e o objeto de nosso estudo
39
Portanto, a estruturação do humano se faz, segundo a teoria histórico-
cultural, na vida concreta, por meio da qual o homem produz e se produz na interação
com a natureza, com os outros homens, bases materiais do seu processo histórico.
Segundo Leontiev (2004, p.186), a atividade “[...] é um sistema que
obedece ao sistema de relações da sociedade. Fora destas relações, a atividade
humana não existe.” São os processos que os homens realizam em suas vidas
verdadeiras, que cercam seu ser social em todas suas formas históricas. Logo, a
atividade, qualquer que seja, estará condicionada pela posição ou lugar do indivíduo
nesse sistema de relações sociais. Porém, o autor adverte que:
Isso não quer dizer, naturalmente, que a atividade do indivíduo meramente copia e personifica os relacionamentos da sociedade e sua cultura. Existem algumas ligações cruzadas muito complexas que excluem qualquer redução estrita de um ou de outro lugar. (LEONTIEV, 2014, p.187).
A atividade pressupõe um objeto sobre o qual o sujeito intervém e que o
norteará. Trata-se de uma necessidade, algo que se impõe, que não se pode
dispensar, que corresponde a uma carência, conveniência ou dever, mais ou menos
urgentes, mas sempre sujeitos à determinação social e histórica. É a necessidade ou
motivo a/o responsável por orientar e regular a atividade. Trata-se da força motriz, do
elo com o objeto, que faz existir a atividade e que provoca a formação das imagens
mentais e das representações.
O que exatamente temos em mente quando falamos de atividade? Vamos considerar o processo mais simples, o processo de perceber a resiliência de um objeto. Este é um processo aferente ou externo-motor, que pode buscar, ao realizar uma tarefa prática, por exemplo, a deformação do objeto. A imagem que surge ao longo do processo é, naturalmente, uma imagem mental, e é, por conseguinte, indubitavelmente qualificada para o processo que a gera, e no caso dado este é um processo externo e prático. (LEONTIEV, 2014, p.187-188).
abarcam dois grupos de fenômenos que, à primeira vista, parecem completamente heterogêneos, mas que, de fato, são dois braços fundamentais, duas causas de desenvolvimento das formas superiores de conduta, que jamais se fundem entre si, ainda que estejam indissoluvelmente unidas. Trata-se, em primeiro lugar, de processos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do pensamento: a linguagem, a escrita, o cálculo, o desenho; e, num segundo momento, dos processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores especiais, não limitadas nem determinadas com exatidão, que, na psicologia tradicional, denomina-se atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos etc. (VIGOTSKI, 1995, p.15). Tradução nossa.
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Assim, o que especifica e diferencia uma atividade por comparação como
outras é o seu objeto, o qual está orientado pela necessidade, pelo motivo. Logo,
segundo Leontiev (2014), toda atividade existe porque há um motivo subjacente a ela,
que a move, lhe dá a direção e a regula. Segundo esse autor,
Pela sua atividade, os homens não fazem senão adaptar-se à natureza. Eles modificam-na em função do desenvolvimento de suas necessidades. Criam os objetos que devem satisfazer as suas necessidades e igualmente os meios de produção desses objetos, dos instrumentos às máquinas mais complexas. (LEONTIEV, 2004, p.284).
Por dar existência real a produtos que respondem a necessidades
humanas, a atividade humana é essencialmente objetivadora. Por meio dela, na
relação com o outro e com o ambiente em que vive socialmente, o sujeito produz, e
ao produzir ele altera o ambiente, e ao fazê-lo também se modifica. Ela é,
intrinsecamente, social e cultural. Social, pois se processa na relação social, na
dependência de outros e em comunicação com outros. Cultural, por se fazer mediante
apropriações, reproduções e produções de saberes, conhecimentos, costumes e
valores. Conforme Marx:
Mas a existência [...] de cada elemento da riqueza material não existe na natureza, sempre teve de ser mediada por uma atividade especial produtiva, adequada ao seu fim, que assimila elementos específicos da natureza a necessidades humanas específicas. Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre o homem e a natureza e, portanto, da vida humana. (MARX, 1971, p. 172).
Esse processo que origina a vida material do homem e a constituição do
próprio homem não se dá, porém, de forma direta, mas de forma mediada. Isso
significa que a atividade de mediação ocorre graças à interposição e ao auxílio de
meios que provocam transformações que impulsionam o desenvolvimento. Para
Vigotski, esses são os instrumentos ou ferramentas (meios externos à ação sobre os
objetos) e os signos ou símbolos (meios internos que agem sobre o psiquismo). Cada
qual tem seu emprego, mas todos têm a incumbência de mediar:
Como ya hemos dicho, la similitude entre el signo y la herramienta se basa en su función mediadora común em ambos. Por ello, y desde un punto de vista psicológico, pueden incluirse ambos en una misma categoría. [...] desde el punto de vista lógico, tanto lo uno como lo outro pueden considerarse como
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conceptos subordinados de un concepto más general: la actividad mediadora. (VIGOTSKI, 1995, p. 93).5
O instrumento, segundo Vigotski (2007, p.55), tem “[...] a função de servir
como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado
externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos”. Sem a
utilização deles, a atividade se torna inviável. Por exemplo, um agricultor familiar, em
sua atividade laboral, que para limpar determinada parte de sua propriedade para
plantar feijão, se utiliza de instrumentos como a foice, roçadeira, enxada para executar
sua atividade.
Já os signos, eles têm a função de representar coisas, constituem a
linguagem, um sistema simbólico articulado e organizado por regras, que permite dar
nomes e classificar as coisas, generalizar e conceituar. A mediação exercida pelos
símbolos atraiu especial atenção de Vigotski:
Llamamos signos a los estímulos-medios artificiales introducidos por el hombre en la situación psicológica que cumplen la función de autoestimulación; adjudicando a este término un sentido más amplio y, al mismo tempo, más exacto del que se da habitualmente a esa palabra. De acuerdo con nuestra definición, todo estímulo condicional creado por el hombre artificialmente y que se utiliza como medio para dominar la conducta – propia o ajena – es un signo. [...] En el proceso de la vida social, el hombre creó y desarrolló sistemas complejísimos de relación psicológica, sin los cuales se dan imposibles la actividad laboral y toda la vida social. Los medios de la conexión psicológica son, por su propia naturaleza función, signos, es decir, estímulos artificialmente creados, destinados a influir en la conducta y a formar nuevas conexiones condicionadas en el cerebro humano. (VIGOTSKI, 1995, p.83-85).6
Segundo Vigotski (2007), os signos são um meio específico da atividade
5 Como já temos dito, a similaridade entre signos e a ferramenta se baseia em sua função mediadora comum em ambos. Portanto, e desse ponto de vista psicológico, podemos incluí-los em uma mesma categoria. [...] deste ponto de vista lógico, tanto um como o outro podem considerar-se como conceitos subordinados de um conceito mais geral: a atividade mediadora. (VIGOTSKI, 1995, p. 93). Tradução nossa. 6 Chamamos signos aos estímulos-meio artificiais introduzidos pelo homem na situação psicológica, que cumprem a função de auto-estimulação; adjudicando a esse termo um sentido mais amplo e, ao mesmo tempo, mais exato do que se dá habitualmente a essa palavra. De acordo com nossa definição, todo estímulo condicional criado artificialmente pelo homem e que utiliza como meio para dominar a conduta – própria ou alheia – é um signo. [...] No processo da vida social, o homem criou e desenvolveu sistemas muito complexo de relação psicológica, sem os quais seria impossível a atividade laboral e toda a vida social. Os meios das conexões psicológicas são, por sua própria natureza e função, signos, isto é, estímulos artificialmente criados, destinados a influir na conduta e a formar novas conexões condicionadas no cérebro humano..(VIGOTSKI, 1995, p.83-85). Tradução nossa.
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interna do sujeito e por ele são controlados, de tal sorte que:
A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher etc.) são análogos à invenção e ao uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. [...] a analogia básica entre signos e instrumento repousa na função mediadora que os caracteriza. (VIGOTSKI, 2007, p.52-53).
Portanto, a mediação é um elemento primordial do processo de constituição
do ser social, se realiza por meio de instrumentos necessários às ações diretas sobre
os objetos e de signos, ferramentas importantíssimas para o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores. Essas se formam e se desenvolvem por meio da
internalização, que tem uma dimensão interpessoal por estar determinada pelas
relações sociais e culturais vividas pelo sujeito e outra dimensão, a intrapessoal,
responsável pela conversão da atividade externa em atividade interna, mental. Trata-
se, para Vigotski, conforme Leontiev (1989, p.26), da “[...] lei fundamental do
desenvolvimento das funções mentais superiores na ontogênese e filogênese”. Assim,
“[...] o uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica de
comportamento, que se destaca do desenvolvimento biológico e cria novas formas de
processos psicológicos enraizados na cultura.” (VIGOTSKI, 2007, p.34).
Por cultura se entende, aqui, todas as produções da atividade dos
indivíduos em sociedade, que expressam o desenvolvimento humano, que integram
a natureza de cada pessoa, de sorte que “[...] o mecanismo de mudança individual ao
longo do desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura.” (VIGOTSKI, 2007,
p. XXVI). Ela cumpre um papel importante na orientação dos processos psíquicos.
[...] en el sentido más amplio significa que todo lo cultural es social. Justamente la cultura es un producto de la vida social y de la actividad social del ser humano; por ello, el propio planteamiento del problema del desarrollo cultural de la conducta nos lleva directamente al plan social del desarrollo. (VIGOTSKI, 1995, p.103-104).7
Para que ocorra a apropriação cultural, o homem precisa herdar e ao
7 [...] no sentido mais amplo significa que todo cultural é social. Justamente a cultura é um produto da vida social e da atividade social do ser humano, por isso, a própria abordagem do problema do desenvolvimento cultural da conduta nos leva diretamente ao plano social do desenvolvimento. (VIGOTSKI, 1995, p.103/104). Tradução nossa.
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mesmo tempo construir ferramentas de mediação cultural, os artefatos culturais,
materiais e simbólicos. Esses últimos são elementos essenciais como mediadores da
atividade cognitiva e se constituem dos pensamentos internalizados e codificados
historicamente pelo homem. O desenvolvimento humano advém, assim, da
apropriação e internalização dos conteúdos culturais como condição e na realização
das atividades humanas. Leontiev explica a contribuição de Vigotski para essa
compreensão:
As funções mentais elementares, inferiores, ele conectou com o estágio dos processos mentais naturais e os superiores com o estágio dos processos mediados, “culturais”. Tal abordagem explicou tanto as diferenças qualitativas, entre as funções superiores e elementares (consistia na mediação de funções mentais superiores por “instrumentos”) quanto a conexão entre elas (as funções superiores se desenvolveram com base nas funções inferiores). (LEONTIEV, 1989, p.13).
Desenvolvidos de forma social e historicamente, os artefatos culturais são
um recurso importante no processo de mediação da atividade e contribuem no
processamento de interiorização dos objetos e conceitos que foram estruturados
historicamente nas relações sociais.
[...] a internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca transformações comportamentais e estabelece um elo de ligação entre as formas iniciais e as tardias do desenvolvimento individual. (VIGOTSKI, 2007, p. XXVI).
Conforme explica Vigotski, o processo de internalização é longo e não se
dá por simples assimilação dos elementos de uma determinada cultura, pois é fruto
do que é produzido pelo homem em sua relação social no contexto histórico em que
vive.
a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência prática, da atenção voluntária e da memória. b) Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro no nível social, e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre os indivíduos humanos. c) A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internaliza-se definitivamente. [...] Sua transferência para dentro
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está ligada a mudança nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo sistema com suas próprias leis. (VIGOTSKI, 2007, p.57-58). (Itálicos conforme no original).
A aprendizagem e o desenvolvimento humano resultam dessa dinâmica de
apropriação e internalização. Porém, segundo Vigotski, embora esses processos que
guardam unidade, cada qual tem características próprias, pois o desenvolvimento
decorre da aprendizagem. Ele, por sua vez, se desdobra em desenvolvimento real e
em desenvolvimento potencial. O conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente ou
Proximal8 foi formulado por ele para designar a capacidade potencial de
desenvolvimento.
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. [...] A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. (VIGOTSKI, 2007, p.97-98).
Considerando o desenvolvimento de uma criança, Vigotski apontou para,
pelo menos, dois processos importantes. O primeiro se refere ao conhecimento prévio
que a criança possui ao chegar à escola, oriundo da relação com sua família e amigos.
Nesse estágio de aprendizado, ela consegue resolver algumas situações com
autonomia. Vigotski chamou esse conhecimento prévio de nível de desenvolvimento
real. A criança já tem internalizada a capacidade de realizar sozinha determinada
atividade. O segundo processo diz respeito ao nível de desenvolvimento potencial,
proximal ou eminente, que corresponde ao estágio em que o indivíduo possui algumas
habilidades, mas algumas outras se encontram com potencial de desenvolvimento.
Mesmo que, a princípio, tal indivíduo só esteja reproduzindo o que o outro faz, dado o
momento do desenvolvimento, chegará a hora em que passará a executar sozinho a
tarefa.
[...] ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança
8 Segundo Prestes (2012, p.173), “A tradução que mais se aproxima do termo zona blijaichego razvitia é zona de desenvolvimento iminente, pois sua característica essencial é a das possibilidades, mais do que do imediatismo e da obrigatoriedade de ocorrência, pois se a criança não tiver a possibilidade de contar com a colaboração de outra pessoa em determinados períodos de sua vida, poderá não amadurecer certas funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso não garante, por si só, o seu amadurecimento.”
45
interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento da criança. (VIGOTSKI, 2007, p.103).
Dessa forma, “[...] a formação de conceitos é o resultado de uma atividade
complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte” (VIGOTSKI,
2008, p.72-73), e não apenas a definição verbal de conteúdo. Ao longo de seu
processo de desenvolvimento, o indivíduo internaliza conceitos adquiridos
culturalmente e a partir de suas experiências cotidianas. Por exemplo:
Uma criança aprende a palavra flor e pouco depois a palavra rosa; durante um longo período de tempo não se pode dizer que o conceito “flor”, embora de aplicação mais ampla do que a palavra “rosa”, seja para a criança mais geral. Não inclui nem subordina a sim a palavra “rosa”- os dois conceitos são inter-permutáveis e justapostos. Quando “flor” se generaliza, a relação entre “flor” e “rosa”, assim como entre flor e outros conceitos subordinados, também se transforma no cérebro da criança. Um sistema vai ganhando forma. (VIGOTSKI, 2008, p.116).
Vigotski distingue conceito espontâneo e conceito científico. No exemplo
acima citado, a criança tinha sobre “flor” e sobre “rosa”, a princípio, conceitos
espontâneos que a partir de um dado momento sofrem alterações no seu
pensamento.
Isso ocorre das diferentes formas pelas quais os dois tipos de conceitos surgem. Pode-se remontar à origem de um conceito espontâneo, a um confronto com uma situação concreta, ao passo que um conceito científico envolve, desde o início, uma atitude “mediada” em relação a seu objeto. (VIGOTSKI, 2008, p.135).
Tanto o conceito espontâneo quanto o científico são resultados de
processos que ocorrem em sociedade, sendo os signos linguísticos partes integrantes
do desenvolvimento deles.
2.4. Linguagem como intercâmbio social e instrumento de desenvolvimento
do pensamento
Considerada por Vigotski como o signo dos signos, a linguagem se constitui
como mediação de toda e qualquer atividade humana. Ela cumpre dois importantes
papeis no desenvolvimento humano: o da comunicação no intercâmbio social e o de
formação do pensamento. “A linguagem surge inicialmente como um meio de
46
comunicação entre as pessoas e o ambiente. Somente, depois, quando da conversa
em fala interior, ela vem a organizar o pensamento.” (VIGOTSKI, 2007, p.102).
Diferentemente das abordagens de sua época sobre o pensamento e a
linguagem, que o tratam como categorias isoladas uma em relação à outra, Vigotski
buscou entender suas relações, especialmente como e em que momento ocorre esse
encontro.
De esse modo hay dos tesis. Por una parte, el desarrolho del lenguaje transcurre al principio independientemente del desarrollo del pensamiento, con la particularidad de que en sus primeras etapas se desarrolla de un modo más o menos igual tanto en los niños normales como en los profundamente atrasados. El própio carácter del desarrollo del lenguaje en ese primer período confirma por entero el ya conocido cuadro de formación del reflejo condicionado con todos sus fines correspondientes. Así pues, las primeras formas del lenguaje se manifiestan independientemente del pensamiento. Por otra parte, en el niño de 9-12 meses aparece el empleo más simple de herramientas que surge aún antes de que se forme su lenguaje. Puede parecer que el pensamiento se desarrolla por un camiño y el lenguaje por otro. Esta es la tesis más importante que cabe formular respecto al desarrollo del lenguaje en la edad temprana. En un cierto momento, estas líneas – el desarrollo del lenguaje y el desarrollo del pensamiento que han seguido diferentes camiños, parece que se encuentran, se cruzan y es entonces cuando se interceptan mutuamente. El lenguaje se intelectualiza, se une al pensamiento y el pensamiento se verbaliza, se une al lenguaje. (VIGOTSKI, 1995, p.171-172).9
O autor percebeu que, mesmo tendo raízes genéticas absolutamente
diferentes, o pensamento e a linguagem percorrem um desenvolvimento dialético, de
relação recíproca: seguem sincronicamente seu próprio traço de desenvolvimento até
que em dado momento “[...] ambas linhas se cruzam, após o que o pensamento se
torna verbal e a fala se torna intelectual.” (VIGOTSKI, 2010, p.133). Esse caminho de
9 Deste modo a duas teses. Por um lado, o desenvolvimento da linguagem transcorre a princípio independente do desenvolvimento do pensamento, com a particularidade de que suas primeiras etapas de desenvolvem de um modo mais ou menos igual tanto nas crianças normais como nos profundamente atrasados. O próprio caráter de desenvolvimento da linguagem nesse primeiro período confirma por inteiro o já conhecido quadro de formação do reflexo condicionado com todas suas fases correspondentes. Assim, as primeiras formas de linguagem se manifestam independente do pensamento. Por outro lado, na criança de 9-12 meses aparece o emprego mais simples de ferramentas que surgem ainda antes que forma sua linguagem. Pode parecer que o pensamento se desenvolve por um caminho e a linguagem por outro. Esta é a tese mais importante que cabe formular a respeito do desenvolvimento da linguagem na primeira infância. Em certo momento, estas linhas – o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento do pensamento - que têm seguido diferentes caminhos, parece que se encontram, se cruzam e é então quando se interceptam mutualmente. A linguagem se intelectualiza, une-se ao pensamento e o pensamento se verbaliza, se une a linguagem. (VIGOTSKI, 1995, p.172-172). Tradução nossa.
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encontros e desencontros entre o pensamento e a linguagem é complexo, mas é um
pressuposto fundamental para a comunicação social, como também, para o
desenvolvimento do pensamento.
Para o autor, esse processo de desenvolvimento da linguagem se inicia
com a etapa pré-verbal que se observa no choro, balbucio, expressões faciais da
criança, que advém de uma necessidade ou insatisfação de ordem emocional.
Posteriormente, tais manifestações de linguagem se desenvolvem rapidamente para
uma linguagem de ordem e função de contato social. A esse processo Vigotski associa
o papel dos signos e passa, segundo ele, por quatro estágios básicos de
desenvolvimento:
Primeiro, é o estágio natural ou primitivo, que corresponde à linguagem pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal, quando essas operações aparecem em sua forma original, tal como evoluíram na fase primitiva do comportamento. Segundo, é o estágio que podemos chamar de “psicologia ingênua” por analogia com a chamada “física ingênua”- a experiência da criança com as propriedades físicas do seu próprio corpo e dos objetos à sua volta, e a aplicação dessa experiência ao uso de instrumentos: [...]. O terceiro estágio, que se caracteriza por signos exteriores, operações externas que são usadas como auxiliares na solução de problemas internos. [...] Corresponde-lhe a linguagem egocêntrica. O quarto estágio nós denominamos metaforicamente de estágio de crescimento para dentro. As operações externas se interiorizam e passam por uma profunda mudança. [...] isto corresponde à linguagem interior ou silenciosa. (VIGOTSKI, 2010, p.137-138). (Itálicos no original).
Pode-se compreender a partir dos apontamentos de Vigotski que a função
inicial da linguagem é a de comunicação: o ser humano ao longo de seu
desenvolvimento desenvolve esse sistema simbólico, fundamental ao intercâmbio
social, pois estabelece a relação de um sujeito com outro ou outros. Como mecanismo
do desenvolvimento do pensamento, a linguagem é um sistema de signos responsável
pela mediação entre o mundo concreto e a internalização desse mundo pelo sujeito.
Trata-se de um sistema psicológico superior, que decorre de processos sociais vividos
objetivamente. Ele cumpre a tarefa central de regulação de comportamentos, de
formação de conceitos fundamentais ao desenvolvimento intelectual do indivíduo. A
fala e o pensamento se unem no significado de cada palavra, o que faz com que o
uso da palavra adquira uma nova significância para o sujeito, dando origem à
formação de conceitos, se constituindo como “[...] causa psicológica imediata da
transformação.” (VIGOTSKI, 2008, p.73). E sobre essa relação o autor acrescenta:
48
A relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vai e vem entre palavra e o pensamento, nesse processo a relação entre o pensamento e a palavra sofre alterações que, também elas, podem ser consideradas como um desenvolvimento no sentido funcional. As palavras não se limitam a exprimir o pensamento: é por elas que este acede à existência. Todos os pensamentos tendem a relacionar determinada coisa com outra, todos os pensamentos tendem a estabelecer uma relação entre coisas, todos os pensamentos se movem, amadurecem, se desenvolvem, preenchem uma função, resolvem um problema. (VIGOTSKI, 2008, p.156).
O sentido é um conceito-chave para compreender essa conexão entre
pensamento e linguagem preponderante no desenvolvimento do pensamento. Para
Vigotski, o que enriquece a palavra é o sentido que atribuímos a ela, pois:
O sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata. Como se sabe, em contextos diferentes a palavra muda facilmente de sentido. (VIGOTSKI, 2010, p.465).
O significado é a natureza de uma palavra, é onde ocorre o encontro entre
o pensamento e a linguagem, é nesse momento, da significância que a fala se unem
em pensamento verbal, possibilitando a comunicação, estabelecendo o modo de
organizar o mundo real.
[...] ao mesmo tempo, um fenômeno de discurso e intelectual, mas isto não significa a sua filiação puramente externa a dois diferentes campos da vida psíquica. O significado da palavra só é um fenômeno de pensamento na medida em que o pensamento está relacionado à palavra e nela materializado, e vice-versa: é um fenômeno de discurso apenas na medida em que o discurso está vinculado ao pensamento e focalizado por sua luz. É um fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra consciente, é unidade da palavra com o pensamento. (VIGOTSKI, 2010, p.398).
Vigotski (2007) observa que, cumulativamente, a atividade humana passa
a alcançar formas novas e superiores graças às funções cognitivas e comunicativas
da linguagem, pois:
A relação entre o uso do instrumento e a fala afeta várias funções psicológicas, em particular a percepção, as operações sensório-motoras e a atenção, cada uma das quais é parte de um sistema dinâmico de comportamento. [...] Um aspecto especial da percepção humana – que surge em idade muito precoce – é a percepção de objetos reais. [...] Por esse termo eu entendo que o mundo não é visto simplesmente em cor e forma, mas também como um mundo com sentido e significado. (VIGOTSKI, 2007, p.21-24).
49
Para Leontiev a significação da palavra é resultante da maneira a qual o
homem compreende as experiências disseminadas e refletidas pela humanidade em
sua realidade concreta, ou seja, na vida real das relações sociais: “A significação
mediatiza o reflexo do mundo pelo homem na medida em que ele tem consciência
deste, isto é, na medida em que o seu reflexo do mundo se apoia na experiência social
e a integra.” (LEONTIEV, 2004, p.102). E segue o autor: “O homem encontra um
sistema de significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se dele tal como
se apropria de um instrumento.” (LEONTIEV, 2004, p.102).
A linguagem cumpre uma importante tarefa no desenvolvimento humano,
sendo ela, “[...] um instrumento psicológico que age de forma mediada no estágio
precoce do pensamento [...] como resultado desse caráter mediado se forma o
pensamento verbal.” (LEONTIEV, 2004, p.456). Por tanto, é significativo o papel que
a linguagem realiza no processo de atenção ativa, no desenvolvimento da memória,
nos processos de desenvolvimentos mentais.
2.5. Considerações finais
Com esta revisão teórica conceitual buscou-se analisar os elementos
constitutivos da teoria histórico-cultural para a compreensão da linguagem como
instrumento de mediação simbólica. Para isso, realizou-se consulta às principais obras
de Vigotski, Luria e Leontiev, os formuladores pioneiros dessa teoria, que resultou de
uma busca pela sistematização de uma psicologia que fosse materialista, histórica e
dialética, tendo por esteio as contribuições de Marx e Engels.
Procurou-se abranger o contexto do nascimento dessa importante teoria, seu
entendimento sobre o processo da constituição do ser humano, a relação entre
mediação e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, o conceito de
internalização, a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, a linguagem como
intercâmbio social e instrumento de desenvolvimento do pensamento.
Os conceitos constitutivos da teoria histórico-cultural partem do pressuposto de
50
que o homem é um ser sócio-histórico, que se faz na atividade de busca da realização
de suas necessidades concretas, processo mediante o qual constitui sua história e a
si mesmo, no contexto do qual a linguagem desempenha um importante papel de
mediação.
Por meio da atividade, dada pela possibilidade que o ser humano possui de agir
sobre a natureza orientada por motivo, há a transformação do ambiente e também do
próprio homem. Isso, porém, não ocorre de forma direta e sem mediações. Essas se
constituem de interposições, processo especialmente humano, que fazem a ligação
entre o sujeito e o objeto na realização de determinada atividade.
A mediação pode ocorrer por meio de instrumentos materiais ou de signos. Os
primeiros agem sobre o objeto e de forma externa ao sujeito. Os segundos,
internamente, e são responsáveis por operar e articular funções psicológicas
superiores, contribuindo ambos para o processo de humanização.
A internalização é um processo de significação decorrente da transformação
da atividade externa sobre o objeto em atividade interna, caracterizada pelas funções
mentais e se consagra por ser o momento em que o aprendizado se completa. Para
tanto, é preciso o percurso dos sentidos e significados, pois são eles que movem o
que se internaliza, que animam a consciência de forma individualizada. Uma palavra
pode ter um significado social relativamente estável, mas seu sentido pode variar
subjetivamente.
Significados e sentidos contribuem para conduzir as formas de se comunicar,
de pensar e de agir. Para o desenvolvimento de qualquer ação num determinado
sistema de atividade em que o indivíduo se acha envolvido é preciso que essa ação
tenha ou dê sentido a ele. A linguagem coroa esse processo, pois, como fenômeno
histórico-cultural constituinte do sujeito, ela é imprescindível à função social da
comunicação e exerce a atribuição de desenvolver, organizar e planejar o
pensamento.
No próximo capítulo, serão apresentados os resultados da pesquisa empírica,
51
de natureza qualitativa e caráter exploratório e descritivo, junto a formadores sindicais
que teve por objetivo buscar elementos da vivência e experiência pessoal e coletiva
relativamente ao uso da linguagem no contexto das iniciativas formativas
implementadas pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas
Gerais - Fetaemg.
Inicialmente, serão apresentados os resultados da análise de documentos,
mais precisamente: do relatório do planejamento estratégico dos formadores; de
algumas apostilas e de um vídeo desenvolvidos pelo Departamento de Formação e
Organização Sindical da Federação. Nesses documentos, buscou-se identificar
elementos da linguagem utilizada, abordagens, frequências com que certas palavras
aparecem, contextos em que aparecem, significados dados a elas.
Em seguida, serão analisados os resultados obtidos com a realização do grupo
focal, que contou com a participação de oito formadores sindicais da Fetaemg.
Buscou-se compreender como questões referentes ao uso da linguagem na mediação
pedagógica têm se colocado nas suas atividades formativas.
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54
3. A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LINGUAGEM NA FORMAÇÃO
POLÍTICA SINDICAL NA PERSPECTIVA DOS FORMADORES
Kátia Gaivoto
Lucília Machado
Resumo
O presente capítulo descreve a pesquisa realizada junto a formadores sindicais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais – Fetaemg. Buscou-se compreender como os formadores consultados abordam e procedem com respeito à linguagem como instrumento de mediação pedagógica das atividades de formação. Foram realizadas sessões de grupo focal com a participação de oito formadores sindicais e análise documental de materiais elaborados pelo departamento de formação e organização sindical da entidade, tais como: cartilhas, vídeo de atividade formativa, relatório do planejamento estratégico situacional da formação. Os dados obtidos foram organizados por categorias de análise e sua interpretação se norteou pelas contribuições da teoria histórico-cultural, especialmente sobre a linguagem como instrumento de mediação pedagógica imprescindível à interação social e ao desenvolvimento do pensamento. Os resultados obtidos trazem contribuições para processos de formação política sindical e investigações sobre a importância da linguagem como mediação pedagógica.
Palavras-chave: linguagem, internalização, instrumentos pedagógicos, formação sindical.
Abstract
This chapter describes the research carried out with union formators of the Federation of Agricultural Workers of the State of Minas Gerais - Fetaemg. It was sought to understand how the formators consulted approach and proceed with respect to language as an instrument of pedagogical mediation of the training activities. Focal group sessions were held with the participation of eight union trainers and documentary analysis of materials elaborated by the training and union organization of the research entity, such as: booklets, video of formative activity, strategic situation planning report of the training. The data obtained were organized by categories of analysis and its interpretation was guided by the contributions of historical-cultural
Kátia Gomes Gaivoto - Licenciada em História, diretora e formadora do Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho. E-mail: [email protected] Lucília Regina de Souza Machado – Socióloga, mestre e doutora em Educação, pós-doutora em Sociologia do Trabalho e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. E-mail: [email protected]
55
theory, especially on language as an instrument of pedagogical mediation essential to social interaction and the development of thought. The results obtained contribute to the processes of political formation of trade unions and investigations about the importance of language as pedagogical mediation.
Keywords: language, internalization, pedagogical instruments, union formation.
3.1. Introdução
Este capítulo relata a pesquisa de natureza qualitativa e caráter exploratório e
descritivo, realizada na Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de
Minas Gerais – Fetaemg, por meio da qual se buscou identificar e analisar documentos
desenvolvidos pelos formadores da entidade e as percepções desses formadores
sindicais sobre o significado e implicações do instrumento da linguagem como
mediação pedagógica para a atividade de formação política sindical, tendo como
base, principalmente, suas as vivências e experiências e as do movimento onde
atuam, a organização sindical dos trabalhadores rurais.
A atividade de formação desenvolvida no e pelo movimento sindical se constitui
como uma intervenção de grande importância para o aperfeiçoamento dos processos
de comunicação sindical bem como para a elevação dos conceitos espontâneos e
cotidianos praticados pelos integrantes desse movimento aos conceitos adquiridos de
modo sistemático pelo pensamento elaborado, a fim de fortalecer suas práticas
sindicais.
Com essa pesquisa empírica, espera-se contribuir com a discussão sobre a
formação sindical à luz da teoria histórico-cultural e dessa resgatar elementos para o
desenvolvimento metodológico dos processos de formação política sindical da
Fetaemg. Subsidiar, assim, o fortalecimento dos processos formativos desenvolvidos
por essa entidade e do próprio movimento sindical para que esse, diante das
dificuldades postas pela conjuntura política estabelecida no país, pós golpe de 2016,
possa resistir e persistir, com êxito, na organização da classe trabalhadora.
56
3.2. O contexto da pesquisa
Partindo-se das contribuições da teoria histórico-cultural, especialmente de
seus principais expoentes - Vigotski (1995, 2000, 2007, 2008, 2010), Leontiev (1989,
2004, 2014) e Luria (1985, 1986, 1992), considerou-se pertinente investigar a questão
da linguagem como instrumento de mediação da formação humana no projeto de
formação política sindical, desenvolvido pela Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Estado de Minas Gerais.
A escolha da referida organização de classe como contexto de pesquisa se deu
em razão da necessidade que ela apresenta de fortalecer o processo de formação
política sindical que vem desenvolvendo.
Entidade com 50 anos de luta e resistência, a Fetaemg foi fundada em 27 de
abril de 1968 por iniciativa dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de cinco
Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR regulares na época,
sendo eles: STTR do município de Poté; STTR de Araçuaí; STTR de Esmeraldas,
STTR de Brumadinho e STTR de Três Pontas. Portanto, a Fetaemg é uma entidade
de classe, que representa, em Minas Gerais, os trabalhadores e trabalhadoras na
agricultura familiar, meeiros, arrendatários, assalariados rurais, acampados e
assentados da reforma agrária e que, hoje, se organiza por meio da aglutinação de
mais de cinco centenas de sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras. Conforme seu
Estatuto,
ARTIGO 1°. A FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – FETAEMG, entidade sindical de segundo grau, agrupada no Plano da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, com sede e foro na cidade de Belo Horizonte/MG, é constituída para fins de estudo, coordenação, representação, integração e defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria “trabalhadores (as), empregados (as) rurais e agricultores familiares”, ativos (as) e aposentados (as), tendo como representação o somatório das categorias e bases territoriais dos Sindicatos a ela filiados com abrangência estadual e base territorial no estado de Minas Gerais. (FETAEMG, 2013, p.3).
Para o acompanhamento dos sindicatos associados e sua atuação política, a
Federação se estrutura regionalmente por meio de doze polos distribuídos no estado,
todos com diretores liberados para o exercício da atividade sindical, assessorias
especializadas, veículos e estrutura física, muitas das quais comportando auditório e
57
alojamentos. Os trabalhadores, que constituem a base dos sindicatos, se caracterizam
por múltiplas diversidades culturais com respeito a: vínculo de trabalho; situação
econômica; grau de escolaridade; identidades étnica, de gênero, etária e religiosa;
valores, costumes e tradições.
Em maio de 2014, durante a realização do seu 9° Congresso Estadual de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Minas Gerais (CETTR), foi aprovada, como
uma das diretrizes para a gestão da Fetaemg nele eleita (2014-2018), a construção
de um projeto próprio de formação política sindical, que considerasse as
especificidades de sua ampla representação, haja vista a dimensão territorial e a gama
das diversidades dos seus associados. O debate que norteou essa proposta teve a
intenção de estimular seus quadros de dirigentes sindicais, funcionários e assessores
à busca do aprimoramento de seus conhecimentos, entendimentos e prática sindical.
Nos Anais desse 9º Congresso, constam como proposta aprovada:
PROPOSTAS: 1- Que a Fetaemg construa seu próprio Projeto de Formação Política Sindical, que contemple todas as demandas e especificidades das regiões, e ainda alcance as questões de jovens, mulheres e igualdade racial. 2- Intensificar o processo de formação de lideranças, dirigentes e funcionários, com representação das doze regionais do estado, visando criar uma rede para contribuir no processo de formação local, objetivando melhor compreensão de dirigentes e funcionários do MSTTR sobre o novo contexto da ação sindical, gestão e organização sindical e auto-sustentação. (FETAEMG, 2014, p.43).
No ano seguinte, 2015, a Fetaemg estabeleceu um convênio com o Centro
Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho – CES10, com o objetivo de constituir uma
equipe exclusiva de formadores, para desenvolver sua política de formação destinada
às diferentes regiões de sua atuação, que constituem sua base de representação. A
entidade conveniada, CES, há mais de três décadas, vem atuando em processos de
formação política e sindical de trabalhadores e trabalhadoras.
Elevar o nível de consciência política e sindical dos trabalhadores e das trabalhadoras não se coadunava com a ditadura militar implantada no Brasil a partir de 1964. O que a ditadura quis foi, ao contrário, impedir que a classe trabalhadora desenvolvesse sua capacidade crítica, que continuasse sendo
10 Para mais informações: www.cesforma.org.br
58
classe em si e não se transformasse em classe para si. O Centro de Estudos Sindicais – hoje Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho (CES) – nasceu em 1985, no mesmo ano que findava o ciclo de 21 anos de terror que se abateu sobre o povo brasileiro. [...] Cursos de Formação Política e Sindical começaram a ser realizados, primeiramente em São Paulo e depois estendidos para as várias capitais dos estados. [...]. Mais recentemente, o CES passou a realizar nas entidades Planejamentos Estratégicos Situacionais e Cursos de Gestão Sindical. Essa necessidade surgiu em decorrência do entendimento da Coordenação do CES e dos próprios sindicalistas, de que o acúmulo de conhecimentos que o movimento sindical adquiriu relativamente à administração sindical, após mais de dois séculos de existência, precisa ser considerado na prática. (PETTA, 2013, p.13-14).
O CES e a Fetaemg desenvolveram, então, ao longo de 2015, o Curso de
Formação de Formadores com 224 horas de duração, para um grupo de 50
participantes, sendo eles, dirigentes sindicais, assessores e funcionários, cuja
composição buscou refletir aspectos de representação política dessa Federação, as
diferenças regionais, culturais, geracionais, de gênero. Tal iniciativa teve o propósito
de constituir uma rede e/ou grupo de formadores/educadores sindicais da Fetaemg,
preparados para a atuação na formação política sindical, contribuindo assim, na
formação dos dirigentes sindicais dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras
rurais, filiados a essa Federação, buscando cumprir os encaminhamentos apontados
em seu 9° congresso:
A necessidade de formação e atualização constante e continuada vem ao encontro da necessidade de acompanhar o dinamismo das relações sociais, políticas e técnicas que afetam a nossa organização e que fomentam os debates sobre a estrutura sindical. (FETAEMG, 2014, p.41).
Para pensar uma matriz curricular que atendesse a perspectiva da entidade
investigada, o CES aplicou uma pesquisa aos participantes do grupo de formação,
denominada pelo CES de “diagnóstico”, tendo seus principais dados compilados no
quadro a seguir:
59
Quadro II - Perfil sociocultural dos participantes do projeto de formação
desenvolvido pelo CES e Fetaemg
Gênero: Masculino: Feminino:
53,65% 46,34%
Cor (auto-declarada): Negra: Parda: Morena:
17,07% 34,15% 7,32%
Idade: De 18 a 30: De 31 a 40: De 41 a 50:
19,51% 31,71% 21,96%
Estado Civil: Casado (a): C/Companheiro (a): Solteiro (a):
63,41% 4,88% 31,71%
Grau de Instrução: Ens. Fund. Incomp: Ens.Médio Incomp. Ens.Sup.Incomp.
7,32% 9,76% 17,07%
Ens.Fund.Completo: Ens.Médio Comp. Ens.Sup.Comp.
7,32% 26,83% 9,76%
Lê livros: Não: Sim: Não respondeu:
17,07% 75,61% 7,32%
Lê jornais: Diariamente: Só fim de senama: Só qdo interesse específico
43,90% 9,76% 43,90%
Lê Revista: Regularmente: Raramente: Não Lê Revista:
12,20% 75,61% 4,88%
Ouve Rádio: Rádio AM: Rádio FM: Rádio AM e FM:
2.44% 34,15% 51,22%
O que ouve no Rádio: Notícias: Músicas: Policial: Religiosos: Esportes:
41,18% 35,29% 4,41% 8,82% 10,29%
Assiste TV: Até 2h/dia: Até 4h/dia: Raramente:
68,29% 21,95% 9,76%
TV por assinatura: Sim: Não:
46,34% 53,66%
O que vê na TV: Esportes: Notícias: Novelas: Filmes: Entrevistas:
10,42% 34,38% 13,54% 19,79% 21,88%
Constuma ir ao Cinema: Não: Sim:
39,02% 60,98%
Contuma ir ao Teatro: Não: Sim:
85,37% 14,63%
Constuma Escrever: Não: Sim:
24,39% 75,61%
O que escrevem: Artigos/Ensaios: Crônicas/Poesias: Musicas:
14,64% 4,88% 4,88%
Ativ. na Entidade Sindical: Dirigente:
53,66%
Sim:
97,56%
Sim:
48,34%
Sim:
41,46%
Constumam ministrar
aulas de formação:
Já partcipou de outros
processos de Formação:
Liberação p/ atividade
sindical:
Mestiço:
2,44%
Não Lê Jornais:
2,44%
Não ouve Rário:
9,76%
De 51 a 65:
21,96%
Relatórios Técn.:
63,41%
Pós-Graduação:
19,51%
Não:
46,34%
Não:
58,54%
Delegado de Base:
4,88%
Não:
2,44%
Assessor/Funcionários:
0,4146
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa de diagnóstico desenvolvida pelo CES.
60
A partir do mapeamento do perfil sociocultural dos componentes do grupo
participante do projeto de formação sindical desenvolvido pela Fetaemg e CES, esse
juntamente com o departamento de formação sindical dessa entidade construiu uma
matriz curricular composta por temáticas que favorecessem a compreensão da
realidade e os desafios da luta sindical e que levassem em conta o acúmulo construído
pelo movimento sindical brasileiro na relação histórica de embates entre o capital e o
trabalho. O curso se estendeu pelo ano de 2015, dividido em cinco módulos de
aproximadamente 45 horas por semana, totalizando uma carga horária de 224 horas.
Quadro III – Matriz curricular do curso de formação de formadores desenvolvido
pelo convênio CES-Fetaemg em 2015
Módulo Data Conteúdos Atividades extraclasses
I
27 a 30 de Abril
Análise de conjuntura. Trabalho e educação. O formador sindical: um formador de consciência de classe. Comunicação sindical. Direitos trabalhistas. Oratória I.
Filme:
O dia que durou 21 anos.
Textos para leitura:
Introdução ao Prefácio à Crítica à Economia Política (Karl Marx).
II
8 a 12 de junho
A Pedagogia Histórico-Crítica e o papel de transformação da educação. Análise de conjuntura: como fazer? Didática da Pedagogia Histórico-Crítica e o papel de transformação da educação. Materialismo histórico e dialético. Negociação coletiva.
Filme:
A classe operária vai ao paraíso.
Visita técnica:
Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte.
Textos para leitura:
O que é Ideologia? (Marilena Chauí); Aparelhos ideológicos do estado (Louis Althusser).
III
14 a 18 de agosto
Saúde do trabalhador. Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. História do Brasil: uma interpretação. História do movimento sindical urbano e rural. Preparação de aula e intercâmbio de grupos.
Filme:
As vinhas da Ira.
Textos para leitura:
O sentido da colonização (Caio Prado Júnior). Dez teses e uma hipótese sobre o presente e o futuro do trabalho (Ricardo Antunes).
IV
19 a 23 de outubro
Estado, direitos e democracia. A previdência social e os trabalhadores e trabalhadoras. Formador sindical, um formador de consciência de classe. Transformações no mundo do trabalho. História da Fetaemg.
Filme:
Cabra marcado para morrer.
Visita técnica:
Complexo arquitetônico da Pampulha.
Texto para leitura:
A democracia como valor universal (Carlos Nelson Coutinho).
61
V
9 a 11 de dezembro
Estrutura e dinâmica agrária no Brasil; O uso de didática de grupos como recurso didático. Gênero e geração. Agroecologia. Ideologia e intervenção sindical. Materiais didáticos e sua aplicação nas atividades de formação sindical.
Filme:
Linha de corte e nuvens de veneno.
Texto para leitura:
O caso dos exploradores de caverna.
Fonte: Elaboração própria a partir da consulta a documentos.11
Partiu-se do pressuposto de que a formação de formadores é um processo
complexo e de grande importância para o fortalecimento de lideranças e o
desenvolvimento da formação sindical de base, pois implica fazer o contraponto às
ideias dominantes, considerando-se que, segundo Marx:
As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. [...] As ideias dominantes não são mais do que a expressão das relações materiais dominantes. (MARX, 2007, p.47).
Nesse mesmo ano de 2015, a política de formação da Fetaemg foi objeto de
um Planejamento Estratégico Situacional – PES, assim compreendido:
O Planejamento Estratégico e Situacional (PES) é fundamental para as organizações. A metodologia aplicada pelo Centro de Estudos Sindicais (CES) leva em conta que quem deve planejar é quem vai executar. Neste sentido, o corpo de Formadores “Multiplicadores” da FETAEMG esteve reunido nos dias 26 e 27 de agosto de 2015, no Centro de Estudos Sindicais da Fetaemg – Belo Horizonte / MG, para construir seu planejamento para o ano de 2015 - 2016 e este relatório é resultado do conjunto de considerações dos participantes nestes dias. O Seminário constou de quatro momentos: Explicativo – Seleção e explicação de problemas; Normativo – Normatizar ações e operações; Estratégico – Viabilidade política do plano; Tático-operacional – Gerenciamento da execução do plano. (FETAEMG, 2015, p.1).
Com o Planejamento Estratégico Situacional, buscou-se conhecer a realidade
de atuação da Fetaemg, identificar os problemas inerentes à prática de formação
política do movimento sindical de trabalhadores e trabalhadoras rurais do estado de
Minas Gerais e traçar ações que possibilitassem realizar avanços no processo
formativo nas regiões (FETAEMG, 2015).
11 Matriz curricular do curso realizado pelo CES/Fetaemg – referentes aos conteúdos trabalhados durante o ano de 2015 – Convênio firmado entre CES e Fetaemg no referente ano.
62
Tendo o PES como referência, no decorrer de 2016, a Federação colocou em
prática atividades de formação sindical de âmbito regional sob a coordenação e
realização do seu Departamento de Formação Sindical com a colaboração do CES.
Os formadores e formadoras da Fetaemg receberam, então, a responsabilidade de
fazer multiplicar o que aprenderam, tendo o desenvolvimento dos dirigentes e
funcionários de sindicatos de regiões de atuação da Federação como motivo.
Nas etapas regionais, o Departamento de Formação da Fetaemg contabilizou
cerca de mil participantes ao longo de 2016-2018. Esse projeto está em curso12 e sua
finalidade principal é de contribuir para que na atividade sindical, os dirigentes
trabalhadores e trabalhadoras rurais tenham uma maior interação com a base dos
seus sindicatos.
Entretanto, se fazem necessárias uma grande atenção política/pedagógica
para quaisquer projetos de formação de sujeitos e a compreensão da importância que
exerce a linguagem, seja no âmbito da comunicação ou para o processo de
desenvolvimento do pensamento. Nessa perspectiva, a pesquisa realizada buscou
compreender os significados e aplicações do instrumento mediador da linguagem para
a atividade de formação política sindical.
Considerou-se que é inerente ao movimento sindical o desenvolvimento de
suas próprias linguagens e que essas, com seus signos, símbolos, sons e gestos,
realizam importantes funções de comunicação, aproximação, junção, harmonização e
união, bem como de constituição, instrução e alinhamento de entendimentos,
representações, interpretações, reputações e expressões.
Buscou-se, assim, identificar o que as reflexões da teoria histórico-cultural
sobre a linguagem como instrumento de mediação pedagógica trazem de contribuição
para a atividade de formação sindical realizada pelos formadores, considerando-se as
necessidades de estimular o desenvolvimento do pensamento dos dirigentes sindicais
e a comunicação desses com os trabalhadores que representam.
12 Essa observação refere-se ao ano de 2018.
63
3.3. Metodologia
Tendo como pressuposto as contribuições da teoria histórico-cultural, segundo
a qual o sujeito se constitui nas suas relações sociais e na atividade que exerce
mediada pelos instrumentos físicos e pela linguagem, que ele, como ser cultural,
histórico e social, também se transforma ao transformar a natureza, a pesquisa, de
natureza qualitativa e caráter exploratório e descritivo, teve sua abordagem
metodológica centrada nas relações sociais estabelecidas pelos sujeitos pesquisados
e em suas vidas como seres que objetivam, produzem. Conforme Vigotski, “[...] toda
pesquisa tem por objeto explorar algumas esferas da realidade” (2007, p.104) e,
observando-se esses propósitos, foram feitas escolhas.
Buscou-se, primeiramente, cernir a prática de formação desenvolvida pela
Fetaemg por meio de análise documental de alguns materiais desenvolvidos pelos
seus formadores. Na sequência, foram realizadas sessões de grupo focal com a
participação de oito formadores sindicais, organizadas com a perspectiva de buscar
elementos para a compreensão de como percebem e procedem tendo a linguagem
como mediação pedagógica.
A análise documental focalizou elementos da linguagem verbal e escrita
encontrados em materiais desenvolvidos pela equipe de formação de formadores da
Fetaemg: cartilhas formativas, vídeo para atividades formativas, relatório de
planejamento da formação. Observou-se a recomendação de Lüdke e André (1986,
p.38), segundo a qual “[...] a análise documental busca identificar informações factuais
nos documentos a partir de questões e hipóteses de interesse”. Nesse sentido, a
atenção se voltou para os elementos da linguagem utilizada e formas de abordagem
observando-se, inclusive, a frequência com que certas palavras aparecem no texto e
os significados dados a elas. Os resultados obtidos foram organizados por categorias
e submetidos à sistematização.
A opção pelo grupo focal como procedimento de aproximação empírica com os
pesquisados se deu por entender ser esse um instrumento metodológico, que
presume e considera a reflexão sobre a linguagem e que pressupõe outro elemento
64
caro à teoria histórico-cultural, que é a interação social, no caso entre os sujeitos
participantes. Nessa perspectiva também se inclui a própria interação deles, os
formadores sindicais, com a pesquisadora principal. Atenção foi dada às advertências
e recomendações de Barbour:
Um dos principais desafios envolvidos na análise de dados dos grupos focais é da reflexão e do uso da interação entre os participantes, levando em conta as dinâmicas do grupo. Dados de grupos focais são inerentemente complexos, com discussões muitas vezes ocorrendo em mais de um nível e servindo a múltiplas funções para os vários participantes envolvidos na construção de uma resposta. Ao agirem como fóruns pelos quais os indivíduos “mergulham” em uma questão específica ou conjunto de problemas, os grupos focais podem ajudá-los a formular potenciais soluções. Mesmo quando esse não é o principal propósito de se fazer sessões de grupo focal, isso ilustra uma outra forma em que o “todo” das discussões de grupo focal pode ser “maior que a soma das partes”. (BARBOUR, 2009, p.179). (aspas constantes do original)
Ciente desses desafios, o grupo focal foi conduzido para o objetivo de discutir
o que eles, formadores sindicais, pensam e têm feito na sua atividade de formação
política sindical com respeito à utilização do instrumento da linguagem no interesse
da melhoria das interações sindicais e da formação de um pensamento mais
elaborado.
A escolha dos sujeitos formadores para a participação desta pesquisa levou em
conta alguns critérios: vivência prática do movimento sindical, formação teórica
pertinente a esse campo da prática social, ser dirigente sindical ou assessor da
Fetaemg, ter participado de processos de formação sindical, mais precisamente, da
formação propiciada por essa Federação.
Na composição do grupo de oito participantes levou-se em conta, ainda, a
paridade de gênero (critério da prática política dessa entidade); a representação
territorial (para possibilitar um olhar mais abrangente das experiências formativas e
das especificidades); a mescla de dirigentes sindicais e assessores sindicais; a
composição com respeito à escolaridade (do ensino fundamental ao superior) e as
variações segundo o tempo de atuação no movimento sindical. Portanto, o perfil do
grupo focal ficou assim constituído:
65
A. Dirigentes sindicais:
1. Formadora da Região da Grande Belo Horizonte – gênero feminino, 54 anos,
agricultora familiar, ensino médio em técnico agrícola, licenciatura em educação no
campo incompleta, diretora do sindicato dos trabalhadores rurais de Barbacena e
diretora de políticas para as mulheres da Fetaemg, 20 anos de participação no
movimento sindical. Será identificada como D1.
2. Formador da Região do Vale do Jequitinhonha – gênero masculino, 34 anos,
agricultor familiar, formado em licenciatura do campo, diretor do sindicato dos
trabalhadores rurais de Jordânia e diretor de política agrícola e cooperativismo da
Fetaemg, 16 anos de participação no movimento sindical. Será identificado como D2.
3. Formadora da Região do Norte de Minas – gênero feminino, 35 anos, agricultora
familiar, curso de ciências sociais incompleto, diretora do sindicato dos trabalhadores
rurais de Capitão Enéas e diretora de políticas para jovens da Fetaemg, 10 anos de
participação no movimento sindical. Será identificada como D3.
4. Formador da Região do Sul de Minas – gênero masculino, 61 anos, ensino
fundamental completo, diretor da Fataemg para assuntos relacionados a assalariados
agrícolas, 31 anos de participação no movimento sindical. Será identificado como D4.
B. Assessores sindicais:
1. Formadora da Região da Zona da Mata – gênero feminino, 31 anos, engenheira
agrônoma, com pós-graduações em análise e gestão ambiental e saúde e segurança
do trabalho, assessora do polo regional da Fetaemg, 6 anos de participação no
movimento sindical. Será identificada como A1.
2. Formador da Região Sul de Minas – gênero masculino, 66 anos, agricultor familiar,
licenciatura plena em matemática, técnico em contabilidade, assessor do polo regional
da Fetaemg, 37 anos de participação no movimento sindical. Será identificado como
A2.
66
3. Formador da Região da Grande Belo Horizonte – gênero masculino, 62 anos,
ensino médio completo, assessor de organização da Fetaemg, 42 anos de
participação no movimento sindical. Será identificada como A3.
4. Formadora da Região do Noroeste de Minas – gênero feminino, 36 anos, advogada,
pós-graduada em direito material e processual do trabalho, assessora jurídica do polo
regional da Fetaemg, 5 anos de participação no movimento sindical. Será identificada
como A4.
A coordenação do grupo focal coube à pesquisadora principal, cuja função
primordial foi a de propor e estimular a discussão sobre a utilização, no processo de
formação política sindical, do instrumento de mediação pedagógica da linguagem,
levando-se em conta as necessidades de internalização de conceitos da prática
sindical (inclusive os concernentes às atividades da Fetaemg), do desenvolvimento
do pensamento dos participantes (dirigentes e assessores sindicais) e da
comunicação sindical (especialmente a que envolve a base formada por trabalhadores
rurais).
Foram realizadas duas sessões de grupo focal, cada qual com a duração de
três horas, planejadas para efetivar o esperado e possibilitar o máximo de dados
necessários ao entendimento e manifestação dos formadores participantes sobre as
questões discutidas.
As sessões de grupo focal foram gravadas com a prévia autorização dos
integrantes do grupo13 e, posteriormente, transcritas e sistematizadas. Para a
sistematização foram considerados aspectos relativos à formação sindical e ao uso
da linguagem. A segunda sessão contou com ajustes identificados como necessários
a partir da avaliação da experiência propiciada pela realização da primeira e tendo em
vista um melhor aproveitamento da dinâmica dos trabalhos. Além das gravações,
13 Foram utilizados os termos da Resolução 466/2012, pelos quais a pesquisadora principal e sua orientadora se comprometeram a utilizar imagens e depoimentos após autorização dos sujeitos envolvidos, a obter o Consentimento de Livre e Esclarecido (TCLE) de cada participante da pesquisa, como também, a obter a autorização da Fetaemg para a realização da coleta de dados.
67
foram feitos apontamentos e registros sobre questões da linguagem utilizada pelos
formadores sindicais.
Toda a pesquisa de campo foi realizada na sede da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Os
instrumentos utilizados para a análise documental e para a realização do grupo focal
encontram-se na sessão de apêndices desta dissertação. A pesquisa de campo e as
análises de dados ocorreram somente após a aprovação do projeto por um Comitê de
Ética em Pesquisa.14
3.4. O que se encontrou com a análise documental
Para essa análise, foram verificados materiais produzidos pelo Departamento
de Formação e Organização Sindical da Fetaemg: cartilhas formativas, um vídeo com
atividades de formação e um relatório de planejamento de ações a serem
desenvolvidas pela Fetaemg, realizado no ano de 2015. A atenção de voltou para
elementos de linguagem recorrentes nesses documentos, os quais foram organizados
por categorias para fins de sistematização.
Os passos metodológicos para a realização dessa análise foram os seguintes:
1) reconhecimento de elementos de linguagem utilizados; 2) inventário das
frequências com que aparecem essas palavras e identificação dos contextos em que
isso ocorre; 3) observação das variações dos significados atribuídos a elas; 4)
verificação de enfoques dados à linguagem na mediação sindical.
3.4.1 Elementos de linguagens utilizados
Observa-se que os documentos trazem especificidades de linguagem própria,
provavelmente fruto de um longo processo de internalização decorrente das lidas da
14 Projeto recebido no dia 21 de setembro de 2017 e aprovado em 7 de outubro de 2017 por Comitê de
Ética em Pesquisa.
68
organização sindical. De modo geral, percebe-se empenho em corresponder à
preocupação de ordenar, estruturar e sistematizar. Porém, a linguagem varia muito de
um material mais antigo para os mais recentes. É o caso das cartilhas, as mais antigas
apresentam uma linguagem mais simples, mais acessível, mais próxima à cotidiana e
corrente. Valem-se, também, de muitas imagens. Já, nos materiais mais recentes e
atuais, é possível verificar propósitos de abordar os conceitos com maior
aprofundamento, sobretudo os que se mostram mais relacionados a interpretações
marcadas pelo viés de classe social. É admissível concluir, também, que eles
ostentam uma linguagem mais retocada, mais acurada. Duas explicações se mostram
plausíveis para entender essas transformações na linguagem dos materiais
analisados. A primeira teria a ver com a preocupação teórica e metodológica de
atender à necessidade de compreender a nova realidade sindical caracterizada por
maior complexidade. A segunda com as demandas provenientes do próprio
desenvolvimento cognitivo dos dirigentes, para o qual o processo de formação sindical
pode estar contribuindo.
3.4.2 Contexto e frequência com que aparecem as palavras
Muitas são as palavras reveladas ou apropriadas pelo mundo sindical. No
quadro abaixo, encontram-se as circunstâncias em que apareceram as que se
destacaram pela sua regularidade nos documentos analisados:
Quadro IV– Palavras que aparecem com maior frequência e os contextos em que
isso ocorre
Palavras Contextos ou circunstâncias
Direitos Das reivindicações e conquistas do movimento sindical
Política pública Da defesa da dignidade do campo e das possibilidades de
nele permanecer.
Agricultura
familiar
Da atividade que justifica a necessidade de se organizar
coletivamente.
Luta Dos esforços para superar dificuldades, dos confrontos e
69
defesas em favor das bandeiras da classe.
Trabalhadores Do segmento social que cabe o movimento sindical
representar e defender.
Assembleias Dos encontros para dialogar, debater, confabular e tomar
decisões coletivas.
Participação Dos apelos à importância da presença, atuação e
cooperação para fortalecer o movimento sindical.
Base Da estrutura e vínculos com os sindicatos filiados que
servem de apoio ou dão sustentação à entidade.
Compromisso Das advertências aos trabalhadores para a necessidade do
engajamento pessoal e de não acomodação à delegação de
suas responsabilidades aos representantes sindicais.
Formação Da busca por transformação, mudança, melhora na atuação
sindical
Crítica Da avaliação de fatos, opiniões, posicionamentos pelo
trabalhador consciente da política, de seus direitos e
deveres.
Diálogo Da necessidade de aproximação do sindicato com sua base
de trabalhadores representados.
Transformação Das mudanças nas pessoas e ações que a atividade de
formação sindical pode propiciar.
Fortalecimento Das necessidades e ações que possam contribuir para
fortificar, proteger e consolidar a união dos trabalhadores.
Fonte: elaboração própria.
3.4.3. Variações dos significados atribuídos às palavras
Quanto à variação de significados atribuídos, a palavra metodologia chamou a
atenção. De modo geral, ela é empregada para compreender as várias formas de
fazer a formação sindical. Essa, por sua vez, é entendida como um processo que
objetiva contribuir para a formação cidadã dos representantes dos trabalhadores,
possibilitando-lhes maior clareza na organização da classe e em sua atividade política
70
à frente do movimento sindical.
Viu-se, entretanto, que ao se atribuir aos sindicalistas participantes dos
processos de formação de formadores a tarefa de planejar uma atividade formativa
contemplando conteúdo e metodologia para tal atividade, o significado dado à palavra
metodologia passou por variações. Eles, em sua maioria, se limitaram a encenar suas
realidades cotidianas do movimento sindical. Por exemplo, reproduziram assembleias
de trabalhadores considerando contextos diferentes (com vitórias ou derrotas para a
classe trabalhadora), mesas de negociação entre patrões e empregados,
atendimentos no sindicato etc.
3.4.4 Enfoque dado à linguagem na mediação sindical
Observou-se, nos documentos, a preocupação quanto à linguagem utilizada,
porém, apenas como condição para a interação social. Neles, é perceptível a
precaução quanto à melhor forma de transmitir uma determinada ideia ou atividade
realizada. A linguagem mais informal, explicativa, simples e direta se faz presente na
maioria do material analisado, como se observa: “Os pequenos produtores produzem
para a família sobreviver. Mesmo quando é vendido, é para a sobrevivência. Os
grandes produzem para ter lucro.” (FETAEMG, 1989, s/p). Ou ainda:
Na terra dos pequenos produtores quem trabalha é o agricultor familiar. Na terra dos médios produtores quem trabalha são os assalariados. Na terra dos grandes proprietários quem trabalha são os assalariados. Portanto, os pequenos produtores são trabalhadores, não são patrões. (FETAEMG, 1989, s/p).
Conforme se depreende das contribuições da teoria histórico-cultural, é
importante considerar a finalidade da linguagem para viabilizar a interação social, mas
também como instrumento de mediação pedagógica fundamental ao desenvolvimento
do pensamento. Sobre tais desafios, buscou-se encontrar elementos nas discussões
do grupo focal, conforme vem a seguir.
71
3.5. Discussão e análise de dados do que disseram os formadores sindicais
Conforme já informado, foram realizadas duas sessões de grupo focal, tendo em
média três horas de duração ininterruptas cada uma. Na primeira, foram feitos
inicialmente os esclarecimentos sobre do que se trata a pesquisa, suas intenções e
as razões pelas quais seria preciso gravar as discussões. Em seguida, foi feito o
recolhimento dos documentos assinados que atestam as autorizações de cada um
com respeito ao trabalho proposto à realização. Também foi esclarecida a dinâmica
de discussão de grupos focais e as razões para a escolha dessa técnica de pesquisa,
salientando-se que não há respostas certas ou erradas em tal atividade, sendo de
igual importância a contribuição de cada participante.
Todos os integrantes do grupo focal tiveram oportunidade para se expressarem,
iniciando-se com a apresentação de cada um aos integrantes do grupo. Por inteiro, o
processo foi dirigido com base num roteiro norteador de discussão apresentado pela
pesquisadora principal.15
Os dados coletados foram sistematizados em conformidade com quatro
categorias de análise: I) a identidade histórico-cultural dos formadores sindicais; II) a
linguagem do movimento sindical; III) abordagens pedagógicas em face dos desafios
referentes ao uso da linguagem; IV) a linguagem como instrumento de internalização
de conceitos.
A seguir serão apresentados trechos de falas, cujos autores serão referidos por
meio do código acima mencionado, iniciado pela letra D quando se tratar de dirigente
sindical e pela letra A quando se referir a assessor sindical.
3.5.1 Identidade histórico-cultural dos formadores sindicais participantes do
grupo focal
Na perspectiva da teoria histórico-cultural, o homem se constitui originalmente
15 Apêndice III – Roteiro para o Grupo Focal (em anexo).
72
por fatores biológicos, mas para se constituir como ser humano isso é insuficiente,
pois requer que ele faça apropriações da cultura humana. Segundo Leontiev (2004),
a maneira pelo qual o homem se apropria do mundo dos objetos e dos fenômenos
criados pelos homens ao longo de seu desenvolvimento histórico e social é o processo
que se realiza no desenvolvimento de relações reais do sujeito com o mundo à sua
volta. “É um processo de apropriação da experiência acumulada pela humanidade ao
longo da sua história social.” (LEONTIEV, 2004, p.340).
Portanto, compreender como formadores sindicais assim se tornam no convívio
da prática no movimento sindical, se apropriando de seus elementos constitutivos e,
ao mesmo tempo, contribuindo para objetivá-lo, é muito importante.
Os formadores, que compuseram o grupo focal, apresentavam idade entre 31
e 66 anos, 50% com nível superior completo de escolaridade, 25% com superior
incompleto, 25% entre ensino fundamental e médio. 75% se identificavam como
oriundos da roça, desses 83,3% de pequenos agricultores familiares ainda em
atividade. Acumulavam, em média, 20 anos de atividade no movimento sindical, seja
como funcionário/a ou como diretor/a sindical.
A identidade histórico-cultural desses formadores possibilitou um profundo
debate a respeito da realidade do campo, de trajetórias caracterizadas por muita
resistência, como se observa nesses relatos:
Formador A3 - Trabalhei na roça até meus 23 anos de idade. Numa dificuldade muito grande, porque antigamente não existia dinheiro na roça. Vocês são mais jovens, talvez não tiveram o prazer de participar disso. Porque isso acaba nos ensinando muito. Eu tive a oportunidade de colocar o primeiro par de sapatos no pé quando eu já tinha mais de 13 anos de idade. Então, a dificuldade era realmente imensa. E trabalhei na roça desde criança, porque a gente começa muito cedo. Tinha a obrigação de trabalhar e tinha a obrigação de estudar. O pai da gente não tinha condição de dar uma vida melhor. E eu passei por essa fase difícil da roça. Hoje as coisas estão diferentes, mais avançadas. Resolvemos muita coisa por telefone, através de e-mail. Mas, antigamente, a gente tinha que pegar ônibus e ir até o local, se quisesse levar uma informação. Formador D4 – Uma coisa é quando você fala do contexto social do passado. Outra coisa é quando você vai falar de você, da sua realidade, você vai lá revisitar a tua vida toda, teu pai, sua mãe. Porque eu fui revisitar um punhado de coisa. Não ter pão, não ter mesa, ter um ovo dividido no meio. Revivi um monte de coisa. Se brincar você se emociona.
73
Para a teoria histórico-cultural, o homem a partir da sua relação com a natureza
constrói suas condições de existência material e, nesse processo no contexto do qual
se relaciona com os outros homens, se apropria de experiências, conhecimentos e
passa por vivências culturais, que também compartilha com as próximas gerações.
Esses aprendizados não são dados pela natureza e sim construídos, historicamente,
pela cultura, pelo homem e a partir de suas necessidades também históricas e sociais.
As falas no grupo focal evidenciaram que a construção do sujeito trabalhador
rural é permeada por muita determinação, pois a realidade objetiva se caracteriza por
muitas dificuldades, principalmente com relação aos estudos. Lembra o Formador A3
o que era estabelecido como regra: “[...] muitas mulheres bastavam saber assinar o
nome e tinham que aprender os serviços domésticos. E os homens tinham que fazer,
pelo menos, o quarto ano primário, que era o máximo possível naquela época”.
3.5.2. A linguagem do movimento sindical
A consciência humana é um produto construído socialmente e à medida que o
ser humano desenvolve atividades visando a concretizar finalidades objetivas, o que
faz do trabalho ser a atividade central do processo de constituição humana e social,
como afirmam Marx e Engels (1999). O surgimento e aperfeiçoamento da linguagem
encontram seus alicerces nas atividades desenvolvidas pelos homens, pois essas
requerem a intercomunicação, o estabelecimento de ligações entre coisas e fatos, a
transferência de informações, a condução de demandas, a expressão de valores e
desejos, o diálogo direto ou indireto entre pares. As comunidades de práticas acabam
constituindo linguajares próprios. É o que se observa num discurso médico ou num
despacho de um juiz, num falar de um historiador diante de um prédio histórico ou nas
descrições de um agricultor diante da terra arada.
Para Vigotski, “[…] el desarrollo del lenguaje es, ante todo, la historia de la
formación de una de las funciones más importantes del comportamiento cultural, que
74
subyace en la acumulación de su experiencia cultural.” (VIGOTSKI, 1995, p.117).16
Assim, o movimento sindical também desenvolveu ao longo de sua constituição e
organização, seus símbolos, signos e gestos, suas linguagens, a partir de sua
necessidade de definir suas pautas de luta, de dialogar com a classe trabalhadora, de
desenvolver um sistema simbólico de representação e comunicação. Nas
manifestações dos formadores sindicais participantes do grupo focal, foram inúmeras
as formas de expressar essa dinâmica:
Formadora A4 - O que eu percebia era esse sentimento, que talvez a palavra certa não seja esquerdista. Tipo: de indagadores, de questionadores, sabe. De pessoas que buscam o mesmo ideal, dentro da condição de trabalhador. Existe muito mais um sentimento de pessoa, um sentimento de resistência em relação ao que eu penso sobre a vida, do que simplesmente estar participando do movimento sindical. Eu acho que o que se espera de um sindicalista é aquela pessoa que tem o que dizer, que tem uma bandeira, que tem um lado e que tem uma razão de estar ali. Formador A3 – Eu posso colocar a melhor roupa, o melhor traje, e em qualquer lugar, se eu chegar, se tiver pessoas que não são do movimento sindical, eles vão perceber. Primeiro, que eu sou da roça. Segundo, se eu começar a conversar vão perceber que eu sou sindicalista. Eu uso muito o termo companheiro, companheira, aí já me perguntam se eu sou de partido de esquerda. Formador A1 – O movimento sindical tem uma linguagem própria. Óbvio que tem. Depois que eu cheguei no movimento sindical, estou hoje mais entrosada, mais dentro dele. Não só como uma assessora, mas como formadora. Agora, também e principalmente como crítica do movimento sindical, porque eu acho que todos nós temos que também dizer coisas de críticas do movimento.
Assim, segundo os formadores participantes do grupo focal, essa linguagem
inerente ao movimento sindical também tem seus problemas, tem suas limitações. É
o que revelam as seguintes apreciações:
Formador D4 – A exemplo da Conclat17, que reúne trabalhadores de diversas categorias. Ali você vê uma linguagem política, ali você vai identificar muito claro uma linguagem, vamos dizer assim, sindical. Mais aí o que acontece? Depois nós vamos embora. Eu não lembro nem quem estava na Conclat. Eu não dialogo com aquilo. Nós não dialogamos sobre o problema da classe trabalhadora. Pois cada um vai embora, aí os rurais não dialogam mais com portuários, não como estão os metalúrgicos. Quando não fico sabendo, fico alheio às suas realidades. Então, sei que tem uma identidade de comunicação própria do movimento sindical. Mas, não sei se o termo é esse,
16 “O desenvolvimento da linguagem é, antes de tudo, a história da formação de uma das funções mais
importantes do comportamento cultural, que é fundamental na acumulação de sua experiência cultural.” (VIGOTSKI, 1995, p.117). Tradução nossa. 17 Conclat – Conferência Nacional da Classe Trabalhadora.
75
tem também uma deficiência de comunicação. Formadora A1 – Quando eu chego dentro da estrutura da Federação, num polo, eu vejo que a linguagem nossa, de movimento sindical, ela tem diversas formas e diversos pontos de entrada. Diversas formas de linguagem. Por exemplo: se um polo tem três microrregiões, cada uma tem uma linguagem. Os sindicatos não conseguem conversar entre eles, e entre eles e a federação, porque tem um entendimento e uma linguagem diferente. Mas não é uma linguagem somente política, é uma linguagem de entendimento das coisas mesmo. Nós não conseguimos levar essa linguagem para outros lugares, para dentro das casas. A gente não consegue conversar com os trabalhadores de fato. Será que de fato a nossa base está compreendendo a linguagem que a gente está querendo passar? Comecei a trabalhar essas diferenças de linguagem pra poder chegar no sindicato. E até reaproximar sindicatos que estavam distantes por causa disso.
Formadora D1 – Nós temos uma linguagem de sindicalista e que nós falamos diariamente, mas o nosso movimento, ele tem mania de sigla. Muita sigla. Quando vamos conversa com outra categoria, ou com os trabalhadores, a gente fala assim: o sindicato dos trabalhadores emite DAP18. Fala CNIS19, INSS20, FETAEMG21, MSTTRs22 e por aí vai. Aí, o trabalhador pega nosso jornalzinho lá na ponta, ele vai assim, cheio de siglas, como se o trabalhador fosse obrigado a saber. Isso dificulta o entendimento das coisas. Formadora A4 – Se a gente não sabe como tocar essas pessoas, como fazer elas se sentirem acolhidas naquilo que a gente prega, então, não adianta de nada a gente ter linguagem própria do movimento. Precisamos rever isso.
O grupo focal, portanto, discutiu questões tais como: A linguagem pertencente
ao movimento sindical vem permitindo dialogar com quem e para quem? Será que o
movimento sindical está conseguindo dialogar com a sociedade ou só com ele
mesmo? Será que os conceitos que estão sendo produzidos e internalizados pelo
movimento sindical têm possibilitado, de fato, representar a realidade do mundo do
trabalho do campo?
Essas questões ficaram em aberto, carentes de novas reflexões em razão da
complexidade e multiplicidade de aspectos a serem considerados. Nas discussões
que ali se fizeram e em conformidade com as experiências dos formadores sindicais
18 No campo, a Declaração de Aptidão (DAP) ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) funciona como a identidade do agricultor familiar. 19 Cadastro Nacional de Informações Sociais. 20 Instituto Nacional de Seguro Social. 21 Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais.
22 Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.
76
participantes do grupo focal, algumas palavras foram destacadas com potencial de
dificuldade de comunicação nos processos formativos. Dentre as pertencentes à
linguagem sindical, que causam estranheza ao serem faladas encontrariam as
seguintes: amarras do capital; consciência de classe; consciência política; base; estou
diretor; luta; concepção; formação; feminismo; dirigente sindical; transversalidade;
empoderamento; desconstruir; neoliberalismo; reforma agrária; pertencimento; luta de
classe; sexismo; paridade; perpassar.
Tais palavras seriam muito presentes no movimento sindical e se não são
evidenciadas no contexto da realidade da luta de classe, chegariam aos trabalhadores
com significados completamente diferentes aos que se propõem. É o que dizem, por
exemplo, esses formadores:
Formador D4 – A palavra desconstruir, a gente usa muito esse termo. Mas, como o trabalhador escuta essa palavra? Se construir é erguer uma casa, descontruir seria eu derrubar, eu passar uma máquina por cima? Porque a desconstrução para o trabalhador que está lá no campo, pode ser isso. Passei a máquina, agora vou construir de novo. Formadora D1 – Eu acho que a própria palavra luta dos trabalhadores. Quando você fala luta, a impressão que dá é que é guerra. Pegar em armas. Formadora A1 – Reforma agrária, os trabalhadores já entendem como invasão de terra dos outros. Desconhecem que é uma luta pelo direito à divisão justa da terra. Formadora A4 – Quando nós falamos consciência de classe, muitos confundem, por exemplo, com classe A, classe média.
Os formadores participantes do grupo focal compreendem que é esperável que
o movimento sindical tenha uma linguagem que lhe seja característica, que isso faz
parte da sua identidade histórico-cultural. Porém, não seria o caso de falar em
linguagens? E até que ponto forjar essa identidade compromete o diálogo com os
trabalhadores? Tais indagações permearam todo o debate realizado pelo grupo focal.
3.5.3 Abordagens pedagógicas em face dos desafios referentes ao uso da
linguagem
A linguagem humana pode ser entendida como um complexo sistema de
77
símbolos, signos e gestos, constituído nas relações sociais, “[...] que designam
objetos, características, ações ou relações; códigos que possuem a função de
codificar e transmitir a informação.” (LÚRIA, 1986, p. 25). Quais abordagens
pedagógicas seriam utilizadas pelos formadores sindicais considerando os desafios
referentes ao uso da linguagem nos processos formativos? Esta foi uma questão que
se procurou identificar junto aos participantes do grupo focal.
De imediato, foram consideradas as condições desafiantes que caracterizam o
contexto próprio da formação sindical. No caso da entidade focalizada, os cursos são
desenvolvidos num mesmo espaço e eles são ministrados para conjuntos
heterogêneos de trabalhadores com respeito ao nível de escolaridade; há os que
possuem curso superior e os com alfabetização precária. Os formadores participantes
do grupo focal entendem que esses últimos são capazes de se formarem
sindicalmente, mas que isso requer estratégias metodológicas de inclusão.
Formador D4 - Eu estava na área de formação, aí chega um senhor que não sabia ler e escrever. Aí ele queria ir embora. Combinei com a turma toda para gente dizer pra ele coletivamente que a gente precisava dele no curso de formação. Que o não saber ler e escrever não atrapalharia de forma alguma, aí ele foi até o final do curso. Chorou na hora de receber o certificado. Como é que eu cobro dele uma escrita? Olha pra você ver. Como é que eu quero me comunicar com alguém que não sabe escrever? Como é que eu tenho essa sensibilidade com o grupo de pessoas que eu estou trabalhando. Porque se eu falar para escreverem, eu estarei excluindo alguém. São coisas que a gente precisa olhar nesse espaço de formação que atuamos. Precisamos olhar para aquele sujeito. A obrigação de dar conta é do formador, é nossa e não dele, não é do grupo, é minha.
A reflexão desse formador traz questões desse ambiente de formação que se
reportam a dimensões evocadas pela teoria histórico-cultural, o pressuposto de que o
homem deve ser entendido como um todo, com sua história, sua cultura e, como tal,
possui saberes construídos nas suas vivências e experiências, que se acumularam e
se manifestam em suas atividades.
No quadro abaixo, encontram-se os modos mediante os quais os formadores
sindicais participantes do grupo focal buscam lidar pedagogicamente com os desafios
postos no campo da linguagem.
78
Quadro V – Estratégias didáticas dos formadores sindicais com respeito aos
desafios postos no campo da linguagem
Classificação por nº de
evocações
Abordagem pedagógica
Justificativa apresentada pelo formador sindical
1°
Uso de um vocabulário que possam compreender.
Formadora A4 - O objetivo é fazer com que a pessoa compreenda de forma mais simples e natural possível a ideia que você se propôs a transmitir naquela situação, naquela atividade formativa.
2°
Criação de oportunidades para que os participantes perguntem durante a atividade formativa.
Formadora D1 – As pessoas têm que perguntar, tem que interagir. Não se faz ação sindical, se não tiver uma interação. As pessoas têm que entender e compreender como que isso funciona.
3°
Criação de oportunidades para que cada um/a se expresse.
Formador D2 – É preciso propiciar um ambiente para você conhecer a realidade do grupo que se vai trabalhar. Dar, primeiro, a vez de eles falarem da realidade local para, em seguida, entrarmos com a nossa abordagem.
3°
Promover a geração de ideias.
Formador D4 – Precisamos promover a geração de ideias, mas acima de tudo, valorizar as ideias que o grupo trouxer.
3°
Envolver cada participante no seu processo pessoal de desenvolvimento da linguagem.
Formadora D3 – Para mim, isso foi importante quando participei dos processos formativos porque é preciso gerar esse processo de ter segurança, de você se sentir de fato um formador, de você desenvolver ali o que vai ajudar você a tocar essa atividade.
4°
Promover a desinibição para falar em público.
Formador A2 – Isso é fundamental em se tratando do desenvolvimento da linguagem, pois se a pessoa ficar inibida, ela não conseguirá pensar, analisar, desenvolver sua participação.
4°
Estruturar de forma lógica e sequencial os conteúdos e atividades de aprendizagem.
Formadora A1 – É preciso evitar misturar os assuntos, pois atrapalha aquele que está ali participando no acompanhamento dos temas.
4°
Oferecer aos participantes momentos de autoavaliação no que diz respeito à linguagem.
Formador D4 – É importante que o sujeito, na atividade de formação, compreenda seu processo, se autoavalie e perceba os seus equívocos, sem necessariamente apontarmos o dedo para ele. Porque a grande mudança só ocorre quando eu percebo em mim meus erros e decido que é hora de mudar.
5°
Promover o trabalho coletivo, em grupo.
Formador A2 – Isso é importante para que todos tenham oportunidade de falar.
79
5°
Discutir sobre o que se deve fazer para interpretar e analisar.
Formadora A4 – Para conseguir sedimentar, fixar e garantir que se internalizem os conteúdos, é preciso propiciar os meios para que as pessoas interpretem e façam análises.
Fonte: Elaboração própria - Dados da pesquisa
Como se observa, para os formadores sindicais integrantes do grupo focal é
importante planificar e desenvolver a atividade formativa tendo a preocupação de
propiciar um contexto de linguagem em que todos possam compreender os conteúdos
abordados e que propicie a maior participação possível dos participantes. Com isso,
mostram consideração pelo papel importante da linguagem no processo da interação
humana.
3.5.4. A linguagem como instrumento de internalização de conceitos
Um dos conceitos centrais na teoria histórico-cultural é o de internalização, que
diz respeito à apropriação da realidade objetiva e da cultura pelos sujeitos, o qual se
dá mediante a reconstrução interna de operações externas, fundamental na formação
do pensamento abstrato. Para essa teoria, a internalização é o processo que
possibilita o acesso do sujeito ao sistema simbólico construído culturalmente na
atividade humana, viabilizando assim, a regulação da ação do indivíduo. Segundo
Vigotski (2007, p.58), é um “[...] aspecto característico da psicologia humana”.
Assim, também no contexto do desenvolvimento do processo de formação
política sindical, faz-se necessário construir mecanismos para que os sujeitos
participantes internalizem conceitos sobre a realidade objetiva e produzidos pela
cultura. Os signos constituem um instrumento fundamental como mediadores desse
processo de internalização. Nesse sentido, a partir dos conceitos cotidianos da prática
sindical pode-se chegar aos conceitos científicos, sendo eles mais elaborados,
pertinentes ao processo de emancipação do trabalhador na relação com o Capital e
imprescindíveis para a formação da consciência. A formação de conceito, segundo
Vigotski, é
80
[...] resultado de uma atividade complexa em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução dos problemas que enfrentamos. (VYGOTSKY, 2008, p.72-73).
Para os formadores participantes do grupo focal, há conceitos dos quais a
formação sindical não pode prescindir. Dentre esses, citaram os de Estado,
Sociedade, Poder, Democracia, Organização sindical, Cooperativismo, Agroindústria,
Agroecologia, Empoderamento, Agricultura familiar, Luta de classe, Paridade.
Dos conceitos citados pelos formadores, o de agricultura familiar foi o mais
debatido. Várias indagações foram trazidas pelos formadores. Todas em razão dos
diferentes entendimentos que ele comporta. No nível da conceituação cotidiana,
espontânea, os formadores citaram a forma depreciativa mediante a qual, às vezes,
esse conceito é tratado. Conforme relata a Formadora A1, “[...] já vi eles falarem que
são pedreiros, que são diversas coisas, pois eles têm vergonha de falar que é
agricultor familiar; muitos se envergonham”.
Porém, a passagem do conceito cotidiano e espontâneo para o conceito
científico de agricultura familiar não seria um processo simples. Segundo os
formadores sindicais participantes do grupo focal, há diversidade de entendimentos
desse conceito quando se busca situá-lo no sistema organizado do pensamento.
Mencionaram haver, pelo menos, três conceituações distintas. A primeira se refere ao
entendimento de agricultor familiar por parte da Previdência Social, que compreende
quem trabalha em regime de economia familiar, sem empregados. A segunda diz
respeito ao enquadramento sindical no Ministério do Trabalho e Emprego, que se
baseia na Lei 1.166/1971, a qual considera como agricultor familiar aquele que
trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar pode também
envolver a participação de terceiros (BRASIL, 1971). Já o extinto Ministério do
Desenvolvimento Agrário (fechado pelo governo de Michel Temer em 2016) se
referenciou na Lei 11.326/2006, que conceitua agricultor familiar quem: “I - não
detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize
predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do
81
seu estabelecimento ou empreendimento” (BRASIL, 2006). Portanto, vê-se a
necessidade da intervenção do formador para trabalhar a linguagem como
instrumento de mediação pedagógica na formação do pensamento. Nesse sentido,
indaga o Formador D2: “O que é agricultura familiar de fato? Precisamos debater isso.
A maioria dos associados de nossa base sindical são agricultores familiares”.
Mas, as questões que permeiam as análises a respeito do conceito de
agricultura familiar apresentam facetas adicionais a essas. Os formadores discutiram,
também, como relacionar tal conceito ao de trabalhadores, de classe social quando
se admite que os agricultores familiares são também empregadores. Fizeram o
caminho do movimento descendente do conceito na discussão das suas implicações
para a relação Capital x Trabalho, indo ao contexto concreto da atividade, tal como se
vê a seguir:
Formador D2 - Por exemplo, você tem um empregador que está lá na sede da propriedade e manda os caras fazer o serviço. E você tem o agricultor familiar que emprega, mas ele vai para o curral junto com o empregado. Então ele está tirando o leite junto, um está soltando o bezerro, está junto. Ele vai pra roça. Os dois estão junto ali. É diferente essa relação. Formador D4 – Vocês já observaram, por exemplo, como é que é o gado de leite e o gado de corte? O gado de leite, todas as vacas têm nome. Elas são chamadas pelos nomes. No gado de corte não existe nome. Então mostra a relação. O que eu estou querendo dizer com isso é que no mesmo espaço, vamos dizer assim, na mesma relação homem/animal bovino, eles são completamente diferentes. Gado de corte eu lido de um jeito, gado de leite eu lido de outro.
O debate realizado pelos formadores sindicais participantes do grupo focal foi
importante para compreender a linguagem como um importante instrumento para a
internalização da realidade objetiva, da cultura do universo do trabalho do campo. O
caminho do abstrato ao concreto se mostrou necessário para a discussão da
complexidade e riqueza do conceito de agricultura familiar.
E é servindo-se da linguagem, como instrumento de mediação da relação entre
o trabalhador e o dirigente sindical, que o conceito cotidiano e espontâneo de
agricultura familiar pode passar para o nível mais elaborado e intricado, pertencente
ao mundo da organização de classe.
82
Assim, a atividade de formação pode contribuir para que na comunicação, na
interação social, a linguagem de um dirigente sindical se apresente como reflexo da
atividade prática do trabalhador e possa favorecer o trânsito necessário ao processo
de desenvolvimento do pensamento reflexivo e crítico.
O rico debate do grupo focal, também apontou para a necessidade da
continuidade da formação continuada, para que os formadores sindicais, mesmo em
meio à crescente demanda da atividade da organização sindical, possam dar conta
de aprofundar seus conhecimentos.
Formadora D2 – quando a gente fala de estudar. Eu não sei se isso é só comigo, mas às vezes também a gente que lê ou estuda, você tem uma necessidade de ter algum espaço que se possa expressar. Quando se tem um grupo de estudo e nesse grupo você compartilha isso, então cria uma expectativa. Você cria uma vontade de você ter aquele conhecimento para poder compartilhar no grupo. Formador D4 – Não precisa ser com o grupo todo, mas com parte. Mas acho importante que haja a possibilidade, que se possa ter a oportunidade de apresentarmos nossos slides, o que montamos para a apresentação entre os formadores antes de darmos o curso em si. Para que possamos com a ajuda dos colegas, ajustar o conteúdo. Isso vai me dá mais segurança para realizar minha tarefa na atividade de formação sindical.
Portanto, observou-se, que os formadores também compreendem a
importância da linguagem para a formação do pensamento, mas percebem ter
dificuldades para realizarem procedimentos que possibilitem essa mediação
pedagógica.
3.6. Considerações finais
Na realização desta pesquisa buscou-se obter de documentos e de formadores
sindicais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais
– Fetaemg elementos para a compreensão da linguagem como instrumento de
mediação pedagógica das atividades de formação sindical.
Com esse propósito, buscou-se identificar elementos da linguagem utilizados
pelo movimento sindical e pelos sujeitos participantes dos processos formativos da
83
Fetaemg; compreender se e como seus formadores sindicais consideram a linguagem
como instrumento de mediação pedagógica; identificar as estratégias que utilizam
para lidar com os desafios referentes a essa mediação; analisar como percebem o
papel da linguagem no desenvolvimento das interações sociais e com respeito à
formação do pensamento conceitual e elaborado.
Foram realizadas sessões de grupo focal com a participação de oito formadores
sindicais e análise documental de materiais elaborados pelo departamento de
formação e organização sindical da entidade pesquisada, tais como: cartilhas, vídeo
de atividade formativa, relatório do planejamento estratégico situacional da formação.
Os dados obtidos foram organizados por categorias de análise e sua
interpretação se norteou pelas contribuições da teoria histórico-cultural. Os resultados
obtidos trazem contribuições para processos de formação política sindical e
investigações sobre a importância da linguagem como mediação pedagógica.
Observou-se que a atividade desenvolvida pelos formadores sindicais cumpre
um importante papel no processo de desenvolvimento político sindical dos que dela
participam. Viu-se que o movimento sindical constrói seus sistemas simbólicos
inerentes à sua atividade e que esses, para terem sentido para os trabalhadores,
precisam ser por eles internalizados, o que reforça a necessidade da compreensão
da importância de se investir na qualidade da formação sindical.
Os formadores sindicais participantes da pesquisa disseram-se preocupados
com o emprego de abordagens pedagógicas que possibilitem o uso da linguagem que
todos possam ser compreendidos, mas isso nem sempre é de fácil concretização.
Exprimiram a expectativa de poder promover a geração de ideias num contexto em
todos possam se expressar, o que coloca para a formação sindical a necessidade de
propiciar o desenvolvimento do pensamento conceitual, reflexivo e crítico.
Os resultados obtidos estimulam a continuidade dos estudos sobre o tema
abordado no sentido de maior aprofundamento teórico e metodológico. Nesse sentido,
o Capítulo a seguir apresentará elementos para a construção de um Projeto Político-
84
Pedagógico de formação continuada de formadores sindicais relativos aos desafios
sobre o uso da linguagem como instrumento de mediação pedagógica e/ou simbólica.
Busca-se, assim, contribuir para que a entidade, que serviu de contexto para esta
pesquisa, a Fetaemg, possa fortalecer seus processos de formação política e sindical.
Referências
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85
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VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem/ L. S. Vigotsky: tradução Jéferson Luis Camargo; revisão técnica José Cipolla Neto. 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2008.
VIGOTSKY, L. S. Lev Semenovich. Organizado por Ivic Ivan. Tradução: José Eustáquio Romão. Recife. Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massagana, 2010.
86
4. MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LINGUAGEM: CONTRIBUIÇÕES
DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL PARA O PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS
FORMADORES SINDICAIS DA FETAEMG
Kátia Gaivoto
Lucília Machado
Resumo O presente capítulo traz elementos técnicos destinados a contribuir com as discussões que envolvem a busca de aperfeiçoamento do projeto político pedagógico de formação sindical da Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado de Minas Gerais – Fetaemg. Trata-se de um apanhado sintético de resultados de uma pesquisa realizada para fins de conclusão de um mestrado. Tal investigação buscou analisar e discutir, à luz da teoria histórico cultural, a questão da linguagem como mediação pedagógica em processos educativos, em especial os referidos à formação sindical. Palavras-chave: linguagem, internalização de conceitos, projeto político pedagógico, formação sindical.
Abstract
This chapter presents technical elements aiming to contribute to the discussions involving the search for the improvement of the political-pedagogical union formation project from the Federation of Farm Workers of the State of Minas Gerais – FETAEMG. It consists of a synthetic summary of results from a survey conducted with the purpose of conclude a Master’s degree. This research sought to analyze and discuss, in the light of cultural historical theory, the question of language as pedagogical mediation in educational processes, especially those related to union formation.
Keywords: language; concepts internalization; political-pedagogical project; union
formation.
Kátia Gomes Gaivoto - Licenciada em História, Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local – UNA, diretora e formadora do Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho - CES. E-mail: [email protected] Lucília Regina de Souza Machado – Socióloga, mestre e doutora em Educação, pós-doutorada em Sociologia do Trabalho e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA. E-mail: [email protected]
87
4.1. Introdução
Este capítulo responde à necessidade de apresentar um produto técnico como
parte do trabalho final do mestrado realizado no contexto do Programa de Pós-
Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro
Universitário Una.
Busca, também, retribuir a contribuição de todos os companheiros da
Federação de Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais - Fetaemg,
que incentivaram e possibilitaram a realização deste mestrado e da investigação para
fins de elaboração da dissertação, seja pelo fornecimento dos materiais destinados à
análise documental quanto pelos préstimos que permitiram o cumprimento das tarefas
de pesquisa de campo.
A questão norteadora desses estudos veio da necessidade de compreender a
linguagem como instrumento de mediação pedagógica nos processos de formação
sindical, tendo como pressuposto teórico a concepção da teoria histórico-cultural,
especialmente as contribuições de Vigotski.
A justificativa fundamental para tanto foi o interesse pelo fortalecimento do
processo de formação política sindical desenvolvido no âmbito desta Federação,
considerando seu compromisso com o desenvolvimento local, entendendo o local na
perspectiva trazida por Fragoso, para quem “[...] o local significa também um conjunto
inter-relacionado de redes sociais e culturais que, a determinados níveis, têm
especificidades bem visíveis.” (2005, p.64). No caso desta investigação, as facetas e
particularidades do movimento sindical do campo.
Nessa perspectiva, considerando o local e suas determinações pelas relações
sociais e suas produções culturais, este produto técnico busca priorizar o
fortalecimento desse movimento. Trata-se da indicação de alguns elementos para o
aprofundamento e aperfeiçoamento do Projeto Político-Pedagógico de formação
continuada de formadores sindicais da Fetaemg. A perspectiva adotada é, portanto, a
da teoria histórico-cultural e se volta, especificamente, para a questão do uso da
88
linguagem como mediação pedagógica, seja como instrumento para a interação e
comunicação social ou do desenvolvimento do pensamento.
A pesquisa, em seu primeiro momento, buscou na revisão teórico-conceitual
analisar essas contribuições da teoria histórico-cultural. Para tanto, analisou as
formulações de Vigotski (1995, 2000, 2007, 2008, 2010); Leontiev (1989, 2004, 2014)
e Luria (1985, 1986, 1992), seus aportes norteadores para a compreensão da
constituição humana centrada nas relações sócio-históricas.
Em um segundo momento, com a anuência de um Comitê de Ética e Pesquisa,
da Fetaemg e de formadores convidados para sessões de grupo focal, buscou
elementos empíricos para compreender percepções sobre a questão investigada,
tomando-se como referência formulações, vivências e experiências na formação
política sindical.
A realização desta pesquisa empírica, de natureza qualitativa e caráter
exploratório e descritivo, contou com a colaboração de oito formadores sindicais. Ela
também se referenciou na análise de alguns materiais produzidos pelo departamento
de formação e organização sindical da Fetaemg.
A presente contribuição foi elaborada a partir do conjunto de informações obtido
nesses dois momentos e deve ser considerada nos seus limites, pois o debate
desenvolvido no grupo focal indicou, também, outras necessidades de apoio à
formação político-pedagógica, o que requer desdobramentos adicionais e
investimentos futuros. Nesses termos, a contribuição aqui apresentada se refere,
fundamentalmente, ao uso da linguagem como mediação na formação e estruturação
do pensamento.
Parte-se do pressuposto de que a construção de um projeto político-
pedagógico não é atribuição exclusiva de uma pessoa singular e de instituições
educacionais formais, escolas regulares. Além disso, segundo Vasconcellos (2004),
um projeto político-pedagógico não é um planejamento fechado e acabado, e sua
riqueza está no constante processo de desenvolvimento e ajustes a partir de uma
89
realidade concreta.
É o plano global da instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um instrumento teórico – metodológico para a intervenção e mudança da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição neste processo de transformação. (VASCONCELlOS, 2004, p.169).
Nesse sentido, a presente proposta visa apresentar à Fetaemg elementos a
partir dos quais possa dar seguimento e fazer florescer seu projeto de formação
sindical com base no aprofundamento do debate com suas bases e com os
formadores sindicais que nela atuam.
As sessões de grupo focal realizadas e a análise documental, especialmente
do relatório do planejamento estratégico situacional da formação da Fetaemg,
apontaram a necessidade desse movimento de aprofundamento na construção do
projeto político-pedagógico da formação da Fetaemg. Isso porque, conforme consta
dos anais de seu 9° congresso,
A expectativa é que a formação possa contribuir para uma ação transformadora, visando a mudança de atitude e de comportamento com ênfase na troca de conhecimento acumulado pelos dirigentes e lideranças, que atuam no cotidiano na luta sindical (FETAEMG, 2014, p.41).
Portanto, é preocupação da referida entidade preparar os trabalhadores rurais
e realizar sua atualização constante de modo que possam acompanhar o dinamismo
das relações sociais e políticas, que afetam a classe trabalhadora. Caberia, assim,
aos trabalhadores buscar nessas atualizações aqueles subsídios que escapam,
inclusive aos processos educacionais tradicionais, que não dão conta de garantir a
formação que a especificidade da organização da classe requer.
90
4.2. Pressupostos teóricos – princípios fundantes do projeto político-
pedagógico de formação continuada dos formadores sindicais da
Fetaemg
Parte-se do pressuposto de que o Projeto Político-Pedagógico da Fetaemg
demanda ser orientado pela perspectiva materialista histórico dialético, dada a
importância dessa matriz na elucidação das contradições inerentes às relações entre
capital e trabalho. As obras escritas por Marx e Engels no século XIX são
imprescindíveis para a compreensão do cenário político atual. O historiador Eric
Hobsbawm é categórico na defesa desse legado:
Quanto ao futuro previsível, teremos que defender Marx e o marxismo dentro e fora da história, contra aqueles que os atacam no terreno político e ideológico. Ao fazer isso, também estaremos defendendo a história e a capacidade do homem de compreender como o mundo veio a ser o que é hoje, e como a humanidade pode avançar para um futuro melhor. (HOBSBAWM, 2013, p.184).
É nessa relação histórica e contraditória entre capital e trabalho, que os
processos de formação política sindical encontram sua centralidade, pois implica o
substrato da dominação material e intelectual para a qual Marx e Engels (1999, p.29)
alertaram: “[...] os pensamentos dominantes são apenas expressão das relações
materiais dominantes concebidas sob a forma de ideias e, portanto, a expressão das
relações que fazem de uma classe a classe dominante. Por outro lado, é preciso
recuperar o trabalho não no sentido de emprego, mas como constitutivo da ontologia
do ser social, como princípio educativo, atividade mediante a qual o animal homem se
torna humano, se humaniza.
Considerando a importância dessa abordagem, buscou-se ao longo da
pesquisa realizada, trazer os aportes teóricos de Marx e Engels e os da teoria
histórico-cultural de Vigotski e colaboradores para o entendimento do processo da
formação da consciência e da importância da linguagem, na sua expressão oral,
escrita e gestual, como importante instrumento de mediação pedagógica para a
interação social e a internalização de conceitos e o desenvolvimento do pensamento.
91
A teoria histórico-cultural traz elementos significativos no tocante à
constituição do ser humano, lembrando que “[...] no decurso da atividade dos homens,
as suas aptidões, os seus conhecimentos e o seu saber-fazer cristalizam-se de certa
maneira nos seus produtos (materiais, intelectuais, ideais)”. (LEONTIEV, 2004, p.265).
A centralidade do trabalho, entendido como atividade criadora e produtiva do
homem, propicia a realização do metabolismo deste com a natureza em resposta às
suas necessidades humanas e sociais. Ao realizá-lo, ele desenvolve suas habilidades
tipicamente humanas. O mesmo ocorre com respeito à aquisição do saber e com o
desenvolvimento do pensamento levando à constituição da cultura. Com isso, “[...] o
mesmo pensamento e o saber de uma geração formam-se a partir da apropriação dos
resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes.” (LEONTIEV, 2004,
p.266).
Nessa perspectiva, na interação e comunicação social, ocorre a apropriação
das palavras, que segundo Leontiev, “[...] são fixadas historicamente nas suas
significações.” (2004, p.269).
Dois componentes se mostram indispensáveis para que a palavra se
transforme em instrumento da comunicação social e da formação do pensamento:
O primeiro, denominado referência objetal, é compreendido como a função da palavra que consiste em designar o objeto, o traço, a ação ou a relação. O segundo componente fundamental da palavra é seu significado, compreendido por nós como a função de separação de determinados traços no objeto, sua generalização e a introdução do objeto em um determinado sistema de categorias. Desta forma, a palavra cumpre o enorme trabalho realizado na história social da linguagem. (LÚRIA, 1986, p.43). (os itálicos constam do original).
Ao ligar o desenvolvimento da palavra com o desenvolvimento da consciência,
Vigotski faz uma grande descoberta. Conforme Luria (1986), ele vê na palavra um
aparelho capaz de refletir o mundo externo e as relações que o constituem. Logo,
tanto a palavra quanto a consciência estão em constante processo de
desenvolvimento, mas podem se apresentar invariável a depender da realidade
objetiva na qual se encontra o sujeito e da formas com que ele internaliza seus
significados e lhe confere sentido.
92
Significados e sentidos são compreendidos por Vigotski (2008) como
procedimentos de estruturação do real. E, também, do sujeito. Isso porque a
objetividade e a subjetividade estão atribuídas no mesmo processo de constituição
humana quanto do mundo. Portanto, as palavras se constituem de significações
oriundas de relações sócio-históricas em que o sujeito objetivamente se encontra.
Para Luria (1986), o significado está ligado às generalizações das palavras,
podendo ele ser compartilhado por todas as pessoas. Já o sentido varia, pois é
compreendido pela forma com que cada indivíduo compreende determinada palavra,
necessariamente interligada a uma situação subjetiva concreta. Luria (1986)
exemplifica:
A palavra “carvão” possui um significado objetivo determinado. É um objeto preto, na maioria das vezes de origem vegetal, resultado da calcinação de árvores, com uma determinada composição química em suja base está o elemento C (Carbono). No entanto, o sentido da palavra “carvão” designa algo completamente diferente de pessoa para pessoa e em circunstâncias diversas. Para a dona de casa, a palavra “carvão” designa algo com o qual acende o samovar e do qual precisa para acender a estufa. Para o cientista, o carvão é um objeto de estudo, ele separa a parte do significado desta palavra que lhe interessa – a estrutura do carvão, suas propriedades. Para o pintor, é instrumento com o qual pode fazer um esboço provisório do quadro. E, para a menina que sujou seu vestido branco com carvão, esta palavra tem um sentido desagradável, por causa do qual sofre. (LURIA, 1986, p.45).
A linguagem não é só ferramenta de conhecimento refletindo o mundo externo,
ela também cumpre um papel de regulação dos processos psíquicos superiores,
adquiridos ao longo da história social do homem, pois a fala organiza o funcionamento
complexo da atividade, permitindo que os seres humanos operem na consciência a
representação da realidade objetiva.
Dessa forma, um determinado complexo de significações é internalizado,
processo que leva à criação de categorias conceituais, que possibilita o
desenvolvimento das abstrações e generalizações, que são repassadas culturalmente
de geração a geração.
As palavras, portanto, como signos mediadores na relação do homem com o mundo são, em si, generalizações: cada palavra refere-se a uma classe de objetos, consistindo num signo, numa forma de representação dessa categoria de objetos, desse conceito. (LA TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 1992, p.28).
93
Ao nascer, cada indivíduo encontra um conjunto de conceitos constituído, que
servem para orientar as ações dos indivíduos, mas que, dialeticamente, também pode
sofrer mudanças dependendo do jogo das relações sociais. O conceito é formado pela
ação efetiva e complexa do pensamento, não podendo “[...] ser ensinado por meio de
treinamento [...], pois pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais:
atenção, memória, lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar.”
(VIGOTSKI, 2008, p.104).
Vigotski (2008) sustenta que os conceitos estão correlacionados às
estruturações mentais, conexão que se dá entre o universo de signos e o universo
mental, possibilitando a atribuição do significado à atividade. Para esse autor, existem
dois tipos de conceitos, que pressupõem a necessária interação entre eles.
Trata-se, do conceito espontâneo e do conceito científico. O primeiro se
estrutura na vida real do indivíduo, nas suas vivências e conhecimentos obtidos nas
suas relações de trabalho e no seu universo simbólico característico de sua atividade.
Já o conceito científico, esse se estrutura com base num conhecimento mais
elaborado, sistematizado, relativo a um ambiente escolástico. Vigotski esclarece a
importância dos conceitos espontâneos e científicos no desenvolvimento da
consciência:
Acreditamos que os dois processos – o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e dos conceitos não espontâneos – se relacionam e se influenciam constantemente. Fazem parte de um único processo: o desenvolvimento de conceitos, que é essencialmente um processo unitário, e não um conflito entre a forma de intelecção antagônica e mutualmente exclusiva. O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos [...] e é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento mental. (VIGOTSKI, 2008, p.107).
A linguagem, nesse processo, permite realizar as abstrações, as
generalizações mediante a análise dos objetos da realidade concreta, e, com isso,
concorre para a producão da consciência. Conforme Vigotski (2010), o mundo é
internalizado pelo sujeito por meio de um conjunto de conceitos determinados pelas
circunstâncias históricas, produzidos nas relações sociais entre os homens.
94
Ao contribuir para a internalização dos conceitos, a linguagem também se
transforma pela apropriação desses, o que faz com que se passe da palavra a um ato
do pensamento. Assim, “[...] a palavra influi [...], enriquecendo e aprofundando
imensamente a sua percepção direta e conformando a sua consciência (do sujeito).”
(LURIA, 1985, p.13). Nessa perspectiva, Marx sinalizou que, “[...] a consciência nunca
pode ser mais do que o ser consciente e o ser dos homens é o seu processo da vida
real.” (MARX; ENGELS, 1999, p.20).
Se os conceitos são determinados pelas circunstâncias históricas de uma
sociedade, logo, numa sociedade de classes antagônicas, como é a sociedade
capitalista, a classe dominante, tratará de fazer internalizar seus conceitos visando à
reprodução das relações sociais de dominação, das ideias, valores, normais e regras
do pensamento naturalizado. Chauí (2008) caracteriza, assim, o que é a ideologia:
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como as de classes e fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado. (CHAUÍ, 2008, p.108-109).
Os conceitos, portanto, são elementos de grande importância na estruturação
e no desenvolvimento do pensamento, questão crucial do processo de formação
humana a ser considerada como estratégica pelo projeto político pedagógico do
movimento sindical e suas práticas formativas.
95
4.3. Formação política sindical e desenvolvimento do pensamento crítico de
dirigentes, assessores e lideranças sindicais
As preocupações do movimento sindical pertinentes à formação política da
classe trabalhadora se justificam quando se compreende a necessidade política de
elucidar as contradições da sociedade capitalista, de como se dá o processo de
produção material e do que é gerado por ela.
Marx e Engels foram claros ao dizerem que a classe que detém os meios de
produção material “[...] dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal
modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção
intelectual está submetido igualmente à classe dominante.” (MARX; ENGELS, 1999,
p.29).
De acordo com Paranhos (1999), desde as primeiras organizações sindicais,
sempre existiu a preocupação com a formação dos trabalhadores, seja a voltada à
elevação do seu nível educacional, seja a destinada à difusão cultural, seja a de
caráter sindical. As organizações da classe trabalhadora reconhecem a importância
da obtenção de conhecimentos, que a auxiliem na defesa dos seus interesses de
classe.
No Brasil, a preocupação educacional no movimento operário-sindical inicia-se com as propostas educativas dos libertários, principalmente dos grupos anarco-sindicalistas, englobando os anos 1902/1920. O projeto educativo dos libertários tinha três dimensões que se ligavam entre si: a educação política-sindical, a educação escolar e as práticas culturais de massa. (PARANHOS, 1999, p.155).
Análise dos estudos sobre tais iniciativa permite verificar que houve um
momento de auge desses processos formativos nas décadas de 1970 e 1980, quando
muitos sindicatos realizaram de forma muito intensificada seus processos de formação
política sindical, com experiências exitosas.
Essa percepção se torna clara quando se avalia que as entidades que
realizavam a formação sindical eram as mesmas com atuações ativas na condução
do movimento sindical, tal como as de representação dos metalúrgicos, dos químicos,
dos bancários, dos petroleiros e dos trabalhadores rurais.
96
Segundo Paranhos (1999), as referidas categorias de trabalhadores investiam
em processos de formação passando à organização de seus departamentos de
educação e cultura, ao desenvolvimento de programas e experiências bem articuladas
de formação sindical. Dentre as experiências citadas pela autora em questão, a
Fetaemg é citada como referência com respeito às atividades de formação desse
período, como se observa:
Cabe salientar as experiências levadas a efeito nesse período nos seguintes sindicatos: Metalúrgicos de São Paulo, Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Metalúrgicos da Baixada Santista, Metalúrgico de Monlevade (Minas Gerais), Bancários de São Paulo, Telefônicos de Minas Gerais, Químicos de São Paulo e do ABC, Sapateiros (Franca/SP); entre as federações destacam-se as dos trabalhadores rurais de Minas Gerais (Fetaemg), Pernambuco (Fetape) e a Federação da alimentação do Rio Grande do Sul. Entre as Confederações, há que se evidenciar a importância dos trabalhos desenvolvidos pela Contag. (PARANHOS, 1999, p.156).
Como se observa, a preocupação da Fetaemg com a formação política de seus
quadros não é recente. Ao buscar avanços no seu projeto político pedagógico, essa
Federação visa consolidar a sua rede estadual de formadores sindicais de forma que
sejam capazes de desenvolver processos formativos, que contribuam, de fato, para o
fortalecimento do pensamento de classe, para a classe e com a classe.
4.4. Missão, visão, objetivos e conteúdos programáticos do projeto de
formação política sindical da Fetaemg
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais tem
como missão:
Implementar o Projeto de Desenvolvimento Rural sustentável, preservar o meio ambiente, construir parcerias, organizar a produção e contribuir na formação de nossas lideranças com o objetivo de promover o bem-estar social dos trabalhadores (as) rurais, assentados, assalariados e agricultores familiares. (FETAEMG, 2015, p.4).
Seus esforços nesse sentido se guiam pela visão de que se faz necessária a
“[...] emancipação dos trabalhadores na perspectiva de uma sociedade mais justa,
humana e igualitária.” (FETAEMG, 2015, p.4).
97
Para tanto, considera ser o objetivo geral do projeto político pedagógico da
Fetaemg o desenvolvimento de um pensamento menos espontâneo e mais científico
no que diz respeito ao pertencimento de classe, a começar o que concerne seus
formadores sindicais.
Justifica-se tal objetivo geral pela necessidade de preparar sua rede de
formadores sindicais à altura dos desafios que precisam ser enfrentados com respeito
a preservar a dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Estado de Minas
Gerais e de municiar seus formadores sindicais com os recursos teóricos e
metodológicos necessários ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do seu trabalho
de formação política sindical na base.
A viabilização desse objetivo geral passa pela construção programática
composta por dois conjuntos de conteúdos e atividades.
O primeiro deles se refere à necessidade de trabalhar contextos e seus
significados sociais e engloba itens como: mundos do trabalho; concepções sindicais
existentes; sistema confederativo do movimento sindical dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais; a Fetaemg e os sindicatos a ela filiados: suas histórias, atuações
e desafios.
O segundo abrange elementos da pedagogia do trabalho de formação sindical:
materialismo histórico dialético; teoria histórico-cultural e processos de ensino-
aprendizagem; mediação pedagógica; processos de internalização; zona de
desenvolvimento proximal; a linguagem como instrumento de intercâmbio social; a
linguagem como instrumento do desenvolvimento do pensamento; conceitos
espontâneos e conceitos científicos; o desenvolvimento das atividades de formação e
suas metodologias.
98
4.5. Bases metodológicas do projeto político-pedagógico
Na perspectiva da teoria que orienta a proposta para o projeto político-
pedagógico da Fetaemg, a consciência se forma na atividade prática do homem.
Considera que toda atividade é orientada por um motivo e que esse, por sua vez,
impulsiona o indivíduo a executar tal atividade. Conforme Leontiev (1978, p.13), “[...]
chamamos de atividade um processo que é eliciado e dirigido por um motivo – aquele
no qual uma ou outra necessidade é objetivada. Em outras palavras: por trás da
relação entre atividades, há uma relação entre motivos.” Nesse sentido, em qualquer
processo de ordem metodológica, portanto operacional, se faz necessário considerar
os elementos estruturantes da atividade e suas articulações: a necessidade ou motivo,
a ação que esses demandam e, por fim, a operação ou condições para a realização
da ação.
Para a teoria histórico-cultural, o conhecimento depende advém da atividade
que se exerce no contexto das relações sociais. Por meio da cultura e da linguagem
o indivíduo desenvolve as representações mentais do mundo, sendo que essa última
se constitui como o grande instrumento de mediação simbólica, o signo dos signos
para Vigotski (2008). Ela intervém na internalização da cultura e dos conceitos pelos
indivíduos, se constituindo como um instrumento psicológico importantíssimo no
desenvolvimento cognitivo. É, segundo Luria (1986, p.44) um “[...] aparelho que reflete
o mundo externo em seus enlaces e relações”. Contudo, adverte Vigotski que:
O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala. (VIGOTSKI, 2008, p.63).
Fundamentados nessa concepção teórica, as bases metodológicas de
organização das práticas de ensino-aprendizagem da formação sindical pressupõem
considerar que a natureza constitutiva do homem decorre de suas interações sociais,
tendo no trabalho seu princípio educativo.
Nesse sentido é importante que nos processos metodológicos se levem em
conta: a existência da intencionalidade pedagógica; a busca diagnóstica no ambiente
formativo de situações que possam estimular o processo de aprendizado; ter sempre
99
em pauta um conceito a ser trabalhado em uma determinada atividade formativa; ter
a mediação como circunstância indispensável ao desenvolvimento da atividade de
formação sindical; o trabalho coletivo como ponto de partida.
Com respeito aos instrumentos pedagógicos a serem utilizados na formação
política sindical, é importante lembrar que, na perspectiva vigotskiana, os instrumentos
de uma maneira geral são os responsáveis pela mediação do indivíduo com o mundo
em que ele vive. Destaque importante deve ser dado à linguagem entendida como um
fundamental instrumento de mediação simbólica na comunicação social e no
desenvolvimento do pensamento, ambos os processos indispensáveis à formação
política sindical orientada à emancipação dos trabalhadores.
Cabe lembrar que como realizadoras de intercâmbio social, as linguagens
inerentes ao movimento sindical nem sempre são claras para os trabalhadores. Outro
aspecto que precisa ser também recordado é que como vetor do desenvolvimento do
pensamento, segundo Vigotski (2008), é preciso considerar que a ligação entre a
linguagem e o pensamento não se dá de forma imediata inicialmente. É no decorrer
de ambos, no seu entrecruzamento, no seu desenvolvimento lado a lado que a
linguagem passa para um estágio intelectual e o pensamento se verbaliza.
4.6. Considerações finais
A construção deste produto técnico se apóia em resultados obtidos mediante
revisão teórica conceitual, análise de documentos e pesquisa empírica constituída por
sessões de grupo focal das quais participaram oito formadores sindicais da Federação
dos Trabalhadores em Agricultura do Estado de Minas Gerais.
Buscou-se, para tanto, trazer uma síntese dos principais elementos
encontrados nesses processos investigativos que pudessem se colocar como
contribuições da teoria histórico-cultural para o projeto político-pedagógico de
formação continuada dos formadores sindicais da Fetaemg. Nesse sentido, a atenção
se voltou especificamente para a questão da mediação pedagógica realizada pela
100
linguagem.
Tem-se em conta que a tarefa de pensar o projeto político-pedagógico de
formação continuada dos formadores sindicais da Fetaemg é coletiva. Por isso, este
texto deve ser visto como uma expressão da vontade de contribuir com o debate a ser
mais aprofundado com a participação mais ampla de todos os que se interessam pela
formação política sindical dessa entidade e/ou nela investem seus conhecimentos e
esperanças. Pensar essa formação de forma mais sistemática é um desafio
fundamental em razão do seu importante papel na consolidação da cidadania ativa de
trabalhadores e trabalhadoras, que de forma corajosa assumem o posto de dirigentes
sindicais.
A decisão de trazer os pressupostos e contribuições da teoria histórico-cultural
para a reflexão sobre os processos de formação sindical possibilitou recuperar
pesquisas já realizadas sobre a formação sindical no Brasil. Porém, viu-se, também,
que essa abordagem precisa ser melhor conhecida pelo movimento sindical e mais
explorada praticamente para além da presente pesquisa.
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Fontes, 2008.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem/ L. S. Vigotski; tradução Paulo Bezerra, São Paulo: Martins Fontes, 2010.
103
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação buscou contribuir com o debate sobre a formação política
sindical no Brasil. Para tanto, foi desenvolvida com a finalidade específica de produzir
conhecimentos sobre a relação entre formação, mediação pedagógica e linguagem
de forma a orientar intervenções concretas e aperfeiçoar o projeto político pedagógico
de uma entidade sindical, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas
Gerais – Fetaemg.
Foi, também, sua intenção oferecer subsídios a novas pesquisas e a
intervenções educativas de modo geral, que tenham o propósito de promover, de
forma inovadora, o desenvolvimento local na dimensão pessoal, social e política dos
sujeitos e dos espaços em que atuam.
Ela se referenciou nas contribuições da teoria histórico cultural. Assim, as
reflexões de Vigotski (2000, 2007, 2008, 2010) sobre as relações entre linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem se configuraram como uma importante base teórica
para seu desenvolvimento.
Foram buscadas respostas para uma questão candente do processo
pedagógico da formação sindical: a utilização de instrumentos necessários para o
desenvolvimento dessa atividade humana específica, de forma a possibilitar a
apropriação crítica e consistente de conceitos importantes da práxis sindical, a
beneficiar seus processos de interação e comunicação e a fortalecer a capacidade de
pensar e agir dos militantes e dirigentes do movimento sindical.
Na perspectiva da teoria aqui tratada, o homem é um ser histórico-cultural,
fruto da sua atividade por meio da qual realiza relações com a natureza e com outros
homens, processo que requer e engendra suas capacidades de se comunicar e
pensar. Para tanto, produz e usa linguagens (sinais, símbolos, sons e gestos),
mediações simbólicas fundamentais às interações sociais e à formação do
pensamento, das generalizações, dos conceitos mediante os quais representa seus
conhecimentos, valores e emoções. Portanto, a mediação é um elemento primordial
104
do processo de constituição do ser social, essas se formam e se desenvolvem por
meio da internalização. O processo de internalização é longo e não se dá por simples
assimilação dos elementos de uma determinada cultura, pois é fruto do que é
produzido pelo homem em sua relação social no contexto histórico em que vive.
A atividade de formação desenvolvida no e pelo movimento sindical se
constitui como uma intervenção de grande importância para o aperfeiçoamento dos
processos de comunicação sindical, bem como, para a elevação dos conceitos
espontâneos e cotidianos praticados pelos integrantes desse movimento aos
conceitos adquiridos de modo sistemático pelo pensamento elaborado, a fim de
fortalecer suas práticas sindicais.
Assim, a atividade de formação pode contribuir para que na comunicação,
na interação social, a linguagem de um dirigente sindical se apresente como reflexo
da atividade prática do trabalhador e possa favorecer o trânsito necessário ao
processo de desenvolvimento do pensamento reflexivo e crítico.
Como metodologia de pesquisa, buscou-se, primeiramente, fazer uma
revisão teórica conceitual. Em seguida, cernir a prática de formação desenvolvida pela
Fetaemg por meio de análise documental de alguns materiais desenvolvidos pelos
seus formadores. Na sequência, foram realizadas duas sessões de grupo focal com a
participação de oito formadores sindicais, organizadas com a perspectiva de investigar
elementos para a compreensão de como percebem a linguagem como mediação
pedagógica, e se os formadores sindicais a consideram como tal.
Os dados obtidos foram organizados por categorias de análise e sua
interpretação se norteou pelas contribuições da teoria histórico-cultural. Os resultados
obtidos trazem contribuições para processos de formação política sindical e
investigações sobre a importância da linguagem como mediação pedagógica.
Observou-se que a atividade desenvolvida pelos formadores sindicais
cumpre um importante papel no processo de desenvolvimento político sindical dos
que dela participam. Viu-se que o movimento sindical constrói seus sistemas
105
simbólicos inerentes à sua atividade e que esses, para terem sentido para os
trabalhadores, precisam ser por eles internalizados, o que reforça a necessidade da
compreensão da importância de se investir na qualidade da formação sindical.
Os resultados obtidos estimulam a continuidade dos estudos sobre o tema
abordado no sentido de maior aprofundamento teórico e metodológico. Nesse sentido,
como contribuição técnica, foram oferecidos elementos para a discussão sobre o
projeto político-pedagógico de formação continuada dos formadores sindicais da
Fetaemg, na perspectiva da teoria histórico-cultural, tendo a centralidade na
linguagem como instrumento de mediação pedagógica e/ou simbólica.
Buscou-se, portanto, contribuir para que a entidade, que serviu de contexto
para esta pesquisa, a Fetaemg, possa preparar sua rede de formadores sindicais e
municiá-los como fundamentos teóricos e metodológicos que garantam o
desenvolvimento e aperfeiçoamento de seu trabalho de formação política sindical na
base, um melhor enfrentamento político, necessário para dar dignidade aos
trabalhadores e trabalhadoras rurais do Estado de Minas Gerais.
106
6. REFERÊNCIAS
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MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã [1845/1846] – Primeiro Capítulo. Edição Ridendo Castigat Mores, 1999. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/ideologiaalema.pdf. Acesso: 24 jul. 2016. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Sueli Tomazzini Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2001. MARX, K. Primeiro manuscrito. Trabalho Alienado. In: ____. Manuscritos econômico-filosóficos. 2007. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1844/manuscritos/cap01.htm>. Acesso em: 9 abr. 2017. OLIVEIRA, Dalgiza Andrade; MOURA, Maria Aparecida. Práticas informacionais dos dirigentes do Sindicato dos Bancários de BH e região. Inf., Londrina, v.18, n. 01, p.127-141, jan./abr. 2013. PARANHOS, Kátia Rodrigues. Educação sindical em São Bernardo nos anos setenta e oitenta. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n. 13: 153-174, Nov.1999.
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PETTA, A. C. Gestão Sindical: Um sindicalismo atuante e contemporâneo para os novos desafios do mundo do trabalho e da luta social. São Paulo: Anita Guaribaldi, 2013.
POCHMANN, M. Trabalho sob Fogo Cruzado. 1. ed. São Paulo: Contexto, 1999. v. 1. 205 p.
POCHMANN, M. O Emprego na Globalização. v. 1. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.
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SANTOS, Cláudio Félix dos. Praticismo e conhecimento na educação popular. Revista Práxis Educacional, v.7, n.11, p.157-173, 2011.
VASCONCELLOS, Celso Santos. Projeto político-pedagógico: educação superior. Campinas: Papirus, 2004.
VIGOTSKY, L. S. Historia del desarrollo de las funciones psíquicas superiores. In: ____. Obras Escogídas, Tomo III. Madrid: Visor/MEC, 1995. VIGOTSKY, L. S. Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade. Ano XXI, n.71, p.21-44, jul. 2000.
VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad.: José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Trad.: Jéferson Luis Camargo. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. VIGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Trad.: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010. VIGOTSKY, L. S. Lev Semenovich. Organizado por Ivic Ivan. Tradução: José Eustáquio Romão. Recife. Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massagana, 2010.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamiento y Lenguaje In: ____. Obras Escogídas, Tomo II. Madrid: Visor/MEC, 1995.
VOITACK, Leonides José. Comunicação e formação sindical rural: uma análise do conteúdo sindical impresso. Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social, Universidade Federal de Santa Maria – RS. 2011. ZORZI, Fernanda; FRANZOI, Naira Lisboa. Saberes do trabalho e do trabalhador: reflexão no contexto do Proeja. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v.19, n.3, p.115-127, set/dez. 2010.
110
APÊNDICE I - ROTEIRO PARA FICHAMENTO DE LEITURAS PARA A REVISÃO
TEÓRICA CONCEITUAL
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
Pesquisa: A linguagem como mediação pedagógica na atividade de formação
sindical
1. Título, autoria e ano, conforme as normas da ABNT.
2. Tema.
3. Questão central colocada pelo autor(a) da obra.
4. Objetivo ou objetivos que levou(aram) o(a) autor(a) a escrever a obra.
5. Fundamentos teóricos / conceitos abordados.
6. Argumentações / contribuições do autor (a)
7. Relação da obra com o tema, problema e objetivos da dissertação.
111
APÊNDICE II - FICHA PARA ANÁLISE DOCUMENTAL
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
Pesquisa: A linguagem como mediação pedagógica na atividade de formação
sindical
1. Referenciar o documento analisado de acordo com as normas da ABNT.
2. Registros:
- Temas abordados.
- Frequência com que certas palavras aparecem.
- Contextos em que aparecem as palavras.
- Variações dos significados atribuídos a elas.
3. Enfoque dado à linguagem na mediação sindical.
4. Enfoque dado à linguagem na mediação pedagógica.
5. Pertinência e relevância do documento para a compreensão da problemática eleita
para estudo.
112
APÊNDICE III - ROTEIRO PARA O GRUPO FOCAL
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
Pesquisa: A linguagem como mediação pedagógica na atividade de formação
sindical
Introdução:
Esclarecimento sobre o que trata a pesquisa, as intenções do trabalho e as
razões pelas quais é preciso gravar as discussões;
Apresentação dos integrantes do grupo focal;
Esclarecimentos sobre como será a dinâmica de trabalho do grupo focal, que
não há respostas certas ou erradas.
Questões para discussão:
1. Qual sua identidade sócio-histórico? Como você chega ao movimento sindical?
No seu entendimento como formador ou formadora sindical:
2. Para você, o Movimento Sindical possui uma linguagem própria? Produz uma
linguagem inerente ao movimento?
3. A partir de sua experiência de formador ou formadora sindical, quais são as palavras
que tem causado maior dificuldades de comunicação entre os participantes. E entre
eles e você?
4. Com respeito à forma individual de ser, estar e atuar no mundo dos formandos/as
e de uso da linguagem, fale sobre o que deve ser considerado por você formador/a
com respeito:
a) às características culturais e de história individual;
b) às experiências e vivências pessoais;
113
c) às atitudes e interesses;
d) às necessidades e expectativas;
e) ao modo de se relacionar com os outros;
f) ao nível de escolaridade;
g) às dificuldades de aprendizagem.
5. Na sua atividade de formador/a, com respeito ao uso da linguagem por você, o que
você aprendeu de seus acertos e erros?
6. Quando você planifica as aulas para sua atividade de formação sindical, o que você
determina e organiza a respeito do uso da linguagem que você utiliza?
7. Quando você planifica as aulas para sua atividade de formação sindical, o que você
determina e organiza a respeito do uso da linguagem pelos/as formandos/as?
8. Para construir e avançar a aprendizagem e o desenvolvimento dos/as formandos/as
com respeito à linguagem, fale o que você como formador/a considera sobre a eficácia
das seguintes respostas pedagógicas:
a) Promover o trabalho coletivo, em grupo;
b) Usar vocabulário que todos possam compreender;
c) Promover a desinibição para falar;
d) Discutir sobre o que se deve fazer para interpretar e analisar;
e) Promover a crítica construtiva em grupo, do grupo e de cada participante;
f) Criar oportunidades para que cada um/a se expresse;
g) Promover a geração de ideias;
h) Usar técnicas e meios que favoreçam a comunicação entre os/as participantes;
i) Criar ocasiões para que os participantes perguntem durante as aulas;
j) Estruturar de forma lógica e sequencial os conteúdos e atividades de
aprendizagem;
k) Oferecer aos participantes práticas que lhes permitam auto avaliação e corrigir
suas deficiências com respeito à linguagem;
114
l) Envolver cada participante no seu processo pessoal de desenvolvimento da
linguagem.
9. Quais são as estratégias metodológicas citadas a cima, que você considera que
são as mais eficazes no desenvolvimento da linguagem dos participantes a
desenvolverem suas linguagens?
10. De que forma você, como formador/a, realiza o controle e a avaliação dos
resultados dos/as formandos/as com respeito à linguagem?
11. Com respeito à linguagem, o que você, como formador/a, precisa conhecer mais
para estar mais em acordo com a realidade do movimento sindical?
12. O que você, como formador/a, precisa conhecer além do que conhece para estar
mais em acordo com a necessidade do movimento sindical com respeito ao
desenvolvimento e uso da linguagem?
13. Que conceitos você considera importantes para a constituição do pensamento
sindical em geral e, em particular, do pensamento sindical relativo às lutas dos
trabalhadores e trabalhadoras na agricultura?
14. O que não foi perguntado, mas que precisa ser discutido quando se trata da
mediação da linguagem no processo de formação sindical?
115
APÊNDICE IV – TERMO DE COMPROMISSO DE CUMPRIMENTO DA
RESOLUÇÃO 466/2012
Nós, Kátia Gomes Gaivoto, brasileira, professora, inscrita no CPF sob o número 093446707-
22, portadora do documento de identidade n°. 13176346-8 SSP/RJ e, Lucília Regina Souza
Machado, brasileira, professora, inscrita no CPF sob o número 176818206-04 e portadora do
documento de identidade n°. MG 821.809, responsáveis pela pesquisa intitulada “A
linguagem como mediação pedagógica na atividade de formação sindical”:
● Assumimos o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações que
serão obtidas e utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa;
● Os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão utilizados
para se atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na pesquisa;
● O material e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a nossa
responsabilidade;
● Os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos e/ou em
encontros, quer sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a privacidade e os
direitos individuais dos sujeitos da pesquisa, não havendo qualquer acordo restritivo à
divulgação;
● Assumimos o compromisso de suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum
risco ou dano, consequente à mesma, a qualquer um dos sujeitos participantes, que não
tenha sido previsto no termo de consentimento.
● O CEP do Centro Universitário UNA será comunicado da suspensão ou do encerramento
da pesquisa, por meio de relatório apresentado anualmente ou na ocasião da interrupção
da pesquisa;
● As normas da Resolução 466/2012 serão obedecidas em todas as fases da pesquisa.
Belo Horizonte, ________ de 2017
Lucília Regina de Souza Machado Kátia Gomes Gaivoto
CPF 176818206-04 CPF 093446707-22
116
APÊNDICE V – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA FETAEMG
AUTORIZAÇÃO PARA COLETA DE DADOS
Eu,___________________________________________, ocupante do cargo
de__________________ do(a) _____________________, AUTORIZO a coleta de
dados para o projeto “A linguagem como mediação pedagógica na atividade de
formação sindical” da pesquisadoras KÁTIA GOMES GAIVOTO, sob a orientação
da pesquisadora Dra. LUCÍLIA REGINA DE SOUZA MACHADO, nas instalações
físicas da FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO
DE MINAS GERAIS, após a aprovação do referido projeto pelo CEP do Centro
Universitário UNA.
Belo Horizonte, ___ de_________ de 2018
ASSINATURA: ____________________________________________
CARIMBO:
117
APÊNDICE VI - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE ÁUDIOS, IMAGEM E
DEPOIMENTOS
Eu, ____________________________________________________________,
CPF_______________________, RG__________________, depois de conhecer e
entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e benefícios da pesquisa,
bem como de estar ciente da necessidade do uso do meu depoimento, especificados
no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do
presente termo, as pesquisadoras KÁTIA GOMES GAIVOTO e LUCÍLIA REGINA DE
SOUZA MACHADO do projeto de pesquisa intitulado “A linguagem como mediação
pedagógica na atividade de formação sindical” a realizar as gravações em áudio
ou vídeos, que se façam necessárias e/ou a colher meu depoimento sem quaisquer
ônus financeiros a nenhuma das partes.
Ao mesmo tempo, libero a utilização dessas fotos e/ou vídeos e/ou depoimentos para
fins científicos e de estudos (livros, artigos, slides e transparências), em favor das
pesquisadoras da pesquisa, acima especificadas, obedecendo ao que está previsto
nas Leis que resguardam os direitos das crianças e adolescentes (Estatuto da Criança
e do Adolescente – ECA, Lei N.º 8.069/ 1990), dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei N.°
10.741/2003) e das pessoas com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo
Decreto Nº 5.296/2004).
Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2018.
________________________ ______________________________
Participante da pesquisa Pesquisador responsável pelo projeto
118
APÊNDICE VII - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: A linguagem como mediação pedagógica na atividade de
formação sindical
Nome da pesquisadora: Kátia Gomes Gaivoto, sob a orientação da Professora Dra.
Lucília Regina de Souza Machado
Natureza da pesquisa: a sra (sr.) está sendo convidada (o) a participar desta
pesquisa, que tem como finalidade analisar as contribuições das reflexões sobre a
mediação pedagógica da linguagem para a atividade de formação política sindical
motivada pela busca de melhoria da interação entre dirigentes e base sindical tendo
em vista o desenvolvimento de contribuição técnica com caráter de inovação social e
de fomento do desenvolvimento local.
Participantes da pesquisa: formadores e formadoras sindicais da Fetaemg.
1. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo a sra (sr) permitirá que a
pesquisadora Kátia Gomes Gaivoto utilize na pesquisa as informações prestadas
durante a entrevista e grupo focal. A sra. (sr.) tem liberdade de se recusar a
participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da
pesquisa, sem qualquer prejuízo para a sra. (sr.). Sempre que quiser poderá pedir
mais informações sobre a pesquisa por meio do telefone ou e-mail da
pesquisadora do projeto e, se necessário por meio do telefone do Comitê de Ética
em Pesquisa.
2. Sobre o grupo focal: A pesquisa empírica será feita, presencialmente, por meio
de duas sessões de grupo focal, agendadas com antecedência em data e horário
da preferência dos(as) participantes.
3. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações
legais. Durante a entrevista e grupo focal os riscos e/ou desconfortos potenciais
identificados são o constrangimento e a preocupação de cunho institucional
sobre as informações prestadas. Os procedimentos adotados nesta pesquisa
obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme
119
Resolução nº. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos
procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.
4. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são
estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e a orientadora terão
conhecimento dos dados.
5. Forma de Acompanhamento e Assistência: em caso de constrangimento e
preocupação de cunho institucional, a entrevista e grupo focal serão suspensos
até que possam ser continuados com a anuência dos participantes.
6. Benefícios: ao participar desta pesquisa a sra. (sr.) não terá nenhum benefício
direto. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes
sobre o significados sociais e sentidos pessoais dos instrumentos de trabalho
utilizados por formadores sindicais para realizar a mediação da aprendizagem.
É importante dizer que a pesquisadora se compromete a divulgar os resultados
obtidos.
7. Pagamento: a(o) sra. (sr.) não terá nenhum tipo de despesa para participar
desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu livre consentimento para participar
desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem.
Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
120
Consentimento Livre e Esclarecido
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia
deste termo de consentimento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação dos
dados obtidos neste estudo.
Nome do participante da pesquisa:
_______________________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa:
_______________________________________________________________
Pesquisadora - Kátia Gomes Gaivoto
_______________________________________________________________
Orientadora - Lucília Regina de Souza Machado
Pesquisadora principal: Kátia Gomes Gaivoto
Telefone de Contato: (11) 99984-8017 / E-mail: [email protected]
Demais pesquisadores: Lucília Regina de Souza Machado
Telefone de Contato: (31) 9 9985-4181 / E-mail: [email protected]
Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar – Belo Horizonte/MG
/ Telefone do Comitê: (31) 3508-9110
121
ANEXO I – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
122
123
124