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A Linguagem e a Estruturação Da Sujeito Pela Mão de Alice_reduzido

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texto sobre a constituicao do sujeito na psicanalise articulando-a a obra através do espelho de lewis carroll

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A linguagem e a estruturao da sujeito pela mo de AliceLia Silveira

Recorro para articular o que pretendo falar hoje para vocs a um escrito que em julho de 2015 estar completando 150 anos: Alice, de Lewis Carroll (1832-1898). Carroll foi pastor, professor, lgico e matemtico. Dizem que suas aulas eram montonas e chatas e que na matemtica no deixou grandes contribuies. Como escritor, no entanto, fascinou e continua a fascinar crianas e adultos. Talvez porque tenha sido na literatura que ele pde conjugar a lgica (atravs dos jogos de linguagem e problemas semnticos) quilo que lhe causava paixo (objeto que toca o mal-estar e o jbilo singular, como disse Lacan, e que para ele encarnava-se na menina). Alice, personagem principal desses dois textos, essa menina curiosa e inventiva que se interroga sobre o mundo e sobre assuntos como a identidade, o corpo, o tempo e a alteridade. Temas que tambm interessaram bastante psicanlise, diga-se de passagem. Seja caindo num poo, seja atravessando o espelho, ela entra em uma outra dimenso onde as leis que regem a conscincia no garantem mais a lgica da significao, lgica esta que regida pelo falo, ou seja, o significante destinado a designar em seu conjunto os efeitos de significado. O que Carroll promove com Alice, ento, uma desmontagem da lgica flica, revelando o nonsense que permanece velado por toda significao, mas que ao mesmo tempo funciona como ponto de onde pode advir toda a criao. Ponto que ancora a inexistncia da relao sexual, a impossibilidade de fazer dois com o um.Assim, nosso objetivo neste texto vai ser, recorrendo ao artista, tentar dizer um pouco mais sobre essa articulao entre o significante e aquilo no que ele vem incidir, que tem como consequncia o advento do sujeito na neurose.

- Insetos no me agradam, Alice explicou, porque tenho bastante medo deles... pelo menos dos grandes. Mas posso lhe dizer os nomes de alguns.- Claro que eles atendem pelo nome, no ? o Mosquito comentou irrefletidamente./ - Nunca soube que o fizessem. - De que serve eles terem nomes, disse o Mosquito, se no atendem por eles?-No servem de nada para eles, disse Alice, mas til para as pessoas que lhes do nomes, suponho. Seno, para que afinal as coisas tm nome? (Alice Atravs do Espelho, p195) Para que afinal as coisas tem nome? Retomamos a pergunta de Alice, que, como pergunta infantil aponta sempre para algo radical, que nos remete questo sobre a origem. A psicanlise nasce de uma questo tambm acerca das palavras. Atravs do mtodo da associao livre, Freud, no sem a ajuda de suas pacientes, descobre que, pela fala alguma coisa desentupia, caa. Com Lacan, vamos perceber que essa relao entre a linguagem e aquilo sobre o que ela incide segue uma lgica, uma lgica que, diferente daquela regida pelo significado que ordena os pensamentos conscientes, parte da incidncia do significante. Assim como nas dimenses fantsticas para as quais Alice se transporta, o que vai importar no inconsciente a besteira do significante, sua babaquice, que aponta tambm para o vazio sem significante do rgo feminino: Voc pode observar uma borboleteiga (butterfly). Suas asas so fatias finas de po com manteiga, o corpo de casca de po, a cabea um torro de acar. E o que ela come? (pergunta Alice). Ch fraco com creme. (p. 196-197)No dilogo que Alice estabelece com o mosquito, assim como em nossos sonhos, elementos podem se combinar criando seres estranhos, a partir, no de seu significado, mas a partir de associaes significantes (manteiga, po, ch, creme.) impossvel no rir frente ao sentido criado simplesmente pelo efeito metonmico da passagem de uma significante a outro.Em Atravs do Espelho encontramos tambm o mais famoso poema nonsense da literatura, o Jaberwocky (ou Pargarvio, como foi traduzido no portugus), que apesar de no ter sentido algum, produz um efeito de significao: Solumbrava, e os lubriciosos touvos/ Em vertigiros persondavam as verdentes;/ Trisciturnos calavam-se os gaiolouvos/ E os porverdidos estriguilavam fientes. Efeito este que aponta para um impossvel, ou na fala de Alice: De todo modo, algum matou alguma coisa: isto est claro, pelo menos.. a morte, senhor absoluto, quem se esconde por trs dos vus da significao.Entre a linguagem e a morte, desde Freud, temos que considerar que h uma diviso estrutural do sujeito. Este, que no existe desde o incio, advm alienando-se ao Outro e marca deixada por esta experincia. Concomitante inscrio do trao como afirmao (bejahung) temos a expulso (austossung) de algo que vai ser rejeitado como estranho. assim que, por um movimento que se inicia com as presenas-ausncias da me, a criana vai se dando conta de sua incompletude e se descola do engodo cooptativo que implica em ser tomado como substituto flico. A frustrao, , para Lacan, a versagung, quebra da promessa, onde o Outro no responde. No responde, claro, porque do desejo ele tambm nada sabe. Uma das consequncias da frustrao assim experimentada, que o sujeito vai tomar o desejo enigmtico do Outro como integrante do circuito das demandas, e vai fazer do seu prprio desejo uma demanda no Outro. A rainha logo ficou enfurecida, indo de um lado pro outro, batendo o p e gritando Cortem a cabea dele! ou Cortem a cabea dela! a intervalos de cerca de um minuto. Alice comeou a se sentir muito apreensiva (...) Eles so horrivelmente chegados a decapitar pessoas aqui; o que me admira que ainda haja algum vivo! No Seminrio A identificao, Lacan recorre a dois toros que se entrelaam para demonstrar essa relao que ocorre a partir de uma inverso: desejo num, demanda no outro; demanda de um, desejo do outro. A segunda consequncia que esse vazio que corresponde ao desejo do outro, vai, em parte, ser reduzido a um significante, o falo, que passa a ser agora o objeto metonmico de todas as demandas. (Sem IX, p.200)Nesse lacuna que se abre, marcada pela falta no Outro que o sujeito vai passar a se perguntar sobre o desejo: o que esse outro quer? E mais, o que ele quer de mim? frente a esse pergunta feita ao Outro que o sujeito vai se escrever como resposta."Quem voc?", perguntou a Lagarta.No era uma maneira encorajadora de iniciar uma conversa. Alice retrucou, bastante timidamente: "Eu - eu no sei muito bem, Senhora, no presente momento - pelo menos eu sei quem eu era quando levantei esta manh, mas acho que tenho mudado muitas vezes desde ento."O que voc quer dizer com isso?", perguntou a Lagarta severamente. "Explique-se!""Eu no posso explicar-me, eu receio, Senhora", respondeu Alice, "porque eu no sou eu mesma, v?"Na neurose, sobre esse movimento que a operao da castrao vem incidir para, fazendo atravessar-se a o registro da Lei, permitir com que o sujeito escape essa relao de engodo. Ela implica em que a demanda do Outro seja tomada como desejo pelo sujeito, e essa demanda, Lacan a explicita, se formula assim: tu no desejars aquela que foi o meu desejo. Isso tem uma funo de corte. isso que o mito do dipo vem a ocupar, sendo necessrio que, doravante, seja o pai morto quem venha desempenhar essa funo de Lei, que permite o advento do desejo. O neurtico, ao se defrontar com a falta, com o impossvel de dizer, recorre ao pai para interditar aquilo que supe correr o risco de gozar. No entanto, essa prpria impossibilidade que impe a criao do mito do pai gozador, seu assassinato e consequente instaurao do pai simblico. Todo o mito construdo, afirma Lacan, para velar essa falha, fazendo com que aquilo que era impossvel, surja como interditado. Diz Lacan em Radiofonia: Mesmo que as recordaes da represso familiar no fossem verdadeiras, seria preciso invent-las, e no se deixa de faz-lo. O mito isso, a tentativa de dar forma pica ao que se opera da estrutura. O impasse sexual secreta as fices que racionalizam o impossvel de onde ele provm. No digo que sejam imaginadas, leio a, como Freud, o convite ao real que responde por isso." (p. 531) assim que o perigo, desde a origem reconhecido como perigo da castrao, vem se inscrever como resposta aos perigos do real. No poema nonsense onde Alice reconheceu a morte, encontramos tambm sua figura castradora: o frumioso capturandam."Cuidado, filho, com o Pargarvio prisco! Os dentes que mordem, as garras que fincam!Evita o pssaro Jbaro e foge qual coriscoDo frumioso Capturandam."