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1 A Última Primavera Fundação Biblioteca Nacional Nº do Registro: 549.168 Livro: 1.046 Folha: 6 texto: Rafael Magalhães

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A Última Primavera Fundação Biblioteca Nacional

Nº do Registro: 549.168 Livro: 1.046 Folha: 6

texto: Rafael Magalhães

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A Última Primavera

De: Rafael Magalhães

PERSONAGENS

EUNICE

CARLOS

LUÍS

STEFANIE

MADAME DIVINE

VIZINHA

PROSTITUTA

VIZINHA

ANÍBAL

VIZINHO

OPERÁRIO

VIZINHO

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CENA I

NO APARTAMENTO DA FAMÍLIA; EUNICE ABRE UMA DAS CAIXAS E COMEÇA A SEPARAR

OS BALÕES DOS ENFEITES. APÓS ALGUM TEMPO, ENTRA CARLOS VESTINDO O

UNIFORME DA FÁBRICA ONDE TRABALHA. TRAZ EM UMA DAS MÃOS UMA MALETA DE

FERRAMENTAS ELE ABRE A MALETA SOBRE Á MESA (EUNICE CONTINUA CALMAMENTE

SEPARANDO OS BALÕES DOS ENFEITES) E RETIRA UMA MARMITEIRA ENROLADA EM

UM PANO BRANCO E DEIXA-A SOBRE Á MESA, DEPOIS RETIRA DA MALETA UMA

COLHER E TAMBÉM A DEIXA SOBRE Á MESA, JUNTO A MARMITEIRA. EUNICE SAI,

CARLOS PERMANECE NA SALA.

Carlos - Para quê essas caixas?

Eunice - (voz em off) - São para o aniversário da Stefanie.

Carlos - e o que têm dentro?

Eunice - (voz em off) - Balões e alguns enfeites.

Carlos - Balões? De que Stefanie você está falando?

Eunice - Da nossa filha, não me diga que esqueceu que dia é hoje?

Carlos - Não, não me esqueci, mas balões nós usávamos para decorar as festas de quando ela

era criança e isso já faz algum tempo que ela deixou de ser.

Eunice - com o dinheiro que ganho, não dava para ir muito além deles e eu não podia me

esquecer do bolo.

Carlos - Comemorar aniversário perde a graça conforme os anos vão passando, depois que

você chega a uma certa idade, passa a doer no peito, no corpo, os anos que o tempo te rouba.

Eunice - Isso quando se está velho demais, levando uma vida cheia de amarguras e dissabores

Carlos - Velho ou não, é o que todos deveriam pensar, estamos fadados ao fracasso desde que

nascemos, nossa vida está escrita antes mesmo de sermos apresentados ao mundo e a única

maneira de vivermos sem esse estrago que o tempo e a vida fazem, é nascermos filhos de pais

ricos...

Eunice - Mas nem todos tem essa sorte

Carlos – Essa é a maioria que está fadada ao fracasso e a dor que os abastados e afortunados

não irão conhecer. Não me surpreende haver tantos charlatães que dizem prever o futuro

Eunice - E o que tem os charlatães a ver com o fato do sujeito nascer rico ou pobre?

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Carlos - Pois é tudo que eles precisam saber para dizer como será o futuro de alguém, se o

infeliz nasceu pobre diga logo que o desgraçado vai morrer em breve, assim encurta o

sofrimento do sujeito, se é rico diga que vai ficar ainda mais rico e logo irá fazer com que nasça

um sorriso de uma orelha a outra na cara do filho da mãe.

Eunice - as pessoas não procuram esse tipo de ajuda para ficarem pior do que estão.

Carlos - que ajuda? Com sorte o infeliz que ouviu que ia morrer em breve, pára na primeira

esquina e com os trocados que lhe sobraram compra uma arma e baing! Menos um desgraçado

no mundo.

Eunice - você não vai passar o dia inteiro falando essas coisas não é?

Carlos - que coisas? a verdade sobre a vida?

Eunice - Não se esqueça que hoje é aniversário da sua filha, é uma data especial para ela e

deveria ser para você também

Carlos - E é. Você não sabe como estou feliz! e saiba que não há data melhor para ela descobrir

que o mundo é uma grande privada e nós somos a merda que entope a porcaria do cano

chamado vida

Eunice - Nessas horas eu queria ser surda para não ter de ouvir as suas reclamações

Carlos - Ah! Você não quer ouvir? Então faça como todo mundo ligue a televisão. (PAUSA) O

quê, ainda não está na hora da sua novela?

Eunice - Ao invés de ficar com essas rabugices você poderia me ajudar, com tanta coisa para

fazer eu quero ver que horas eu vou terminar isso

Carlos - eu quero ver á que horas eu vou comer

Eunice - tem comida pronta, está tudo na geladeira é só pegar o que quiser e esquentar

Carlos - Não falava disso, falava de comer uma outra coisa, não gosto nem de pensar nessa

porcaria que comemos todos os dias

Eunice - Essa porcaria é o que dá para comprar com o nosso salário

Carlos - Que é outra grande porcaria, salário que não dá nem para comer dignamente, até um

porco tem um cardápio mais variado que o nosso

Eunice - a comida está na geladeira, ruim ou não, sei que quando sentir fome, vai apelar para

"aquela porcaria"

Carlos - O homem e a sua simplicidade, quando lhe falta algo ao invés de buscar por aquilo,

logo a substitui por uma outra coisa qualquer

Eunice - Isso não se chama simplicidade

Carlos - Ah! vejo que esta é mesmo uma data muito especial, então, agora a mulher que mal

terminou o terceiro colegial, passou a possuir um vocabulário que vai além das palavras,

cozinha, cama e mesa

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EUNICE PÁRA COM SEUS Á FAZERES

Eunice - eu posso ser mais do que você acha que eu sou, ou servir para mais coisas do que

você acha que eu sirvo.

Carlos - Eu acho que você deveria me servir logo aquela porcaria que chamamos de comida,

mas antes me diga

Eunice - O quê?

Carlos - se não posso chamar de simplicidade, como devo me referir ao estado do homem?

Eunice - Se ele não luta pelo que lhe falta, ele não é simples e esse pensamento não se chama

simplicidade.

Carlos - Me diga então, como é.

Eunice - ele é acomodado e o nome desse estado é comodismo

Carlos - Então agora eu sou um merda de um acomodado?

Eunice - Eu não falei de você, eu disse que...

Carlos - Então eu acordo as cinco da manhã para trabalhar naquela porcaria de fábrica,

ganhando míseros trocados, para chegar no final do dia e a minha mulher dizer que não passo

de um bosta de um acomodado!

Eunice - Você aceitou as coisas como elas estão, se deixou derrotar e agora desconta nos

outros

Carlos - Além de um acomodado de merda eu sou também um derrotado

Eunice - Carlos não entenda por esse lado

Carlos - eu devia lhe encher de bofetadas e depois te fazer chorar e gemer feito uma cadela no

cio. Mas não vou interromper os seus á fazeres domésticos. Até mais tarde e não se esqueça;

eu amo você.

CENA II

ANÍBAL E UM OPERÁRIO JÁ ESTÃO EM CENA REUNIDOS DURANTE UM INTERVALO DA

FÁBRICA, AMBOS ESTÃO TRAJANDO SEUS UNIFORMES DE TRABALHO

Aníbal – o que num pode é isso continuar acontecendo

Operário – mas a gente vai fazer o quê?

Aníbal – Seja lá o que for a gente tem que pensar bem, afinal o cara é o encarregado, vai ser a

palavra da gente contra a dele

Operário – e é claro que vão dar mais ouvidos á ele do que a gente

Aníbal – mas tá errado, a gente sabe o que tá acontecendo e por isso não pode deixar com que

ele continue fazendo essa merda

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Operário – mas Aníbal, a gente não tem prova, é capaz até de acharem que a gente tá

envolvido nisso, se a gente levar essa história adiante, quem garante que eles não vão achar

que todo mundo tá junto nessa?

Aníbal – O que você tá falando não faz nenhum sentido. Por que diabos eles iriam pensar que a

gente também tá no esquema?

Operário – porque a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco. Eu não posso perder esse

emprego agora

Aníbal – se a gente vai denunciar o Carlos, não tem porque eles pensarem que a gente tá no

mesmo esquema

Operário – mesmo sabendo do que tá rolando eu acho melhor ficar quieto

Aníbal – Não precisa ter medo, quem tinha que ter medo é aquele safado! Ou será que você e

os outros tão levando algum nessa?

Operário – vai se danar Aníbal! Você não sabe o que tá dizendo! Desde quando você se tornou

o exemplo de honestidade?

Aníbal – Do que você tá falando?

Operário – todo mundo sabe da sua implicância com o Carlos

Aníbal – O que você tá querendo dizer com isso, seu moleque?

Operário – você não é burro, entendeu muito bem o que eu quis dizer

Aníbal – Quer dizer que você pensa que eu só estou fazendo isso pra ferrar o Carlos?

Operário – É o que parece, desde que você descobriu isso você não fala de outra coisa. Vive

tentando convencer todo mundo aqui a denunciar o Carlos pra chefia

Aníbal – Você só pode estar brincando. Você não consegue ver que essa é uma coisa que vai

prejudicar todo mundo?

Operário – Não! Isso vai prejudicar os donos, eles que se danem!

Aníbal – Isso vai prejudicar á todo mundo, e os primeiros a serem prejudicados seremos nós. Os

desfalques que o Carlos vem dando são muito altos, já demitiram parte do pessoal da linha de

frente, logo eles vão demitir pessoas do nosso setor

Operário – Não! Eu não vou denunciar ninguém, trabalho há anos nessa fábrica, os donos dela

estão ricos a minha custa. Eu espero que eles se ferrem

Aníbal – Isso não vai acontecer, eles tem outros negócios, quem precisa da fábrica somos nós

Operário – Eu vou ficar na minha, se eu abrir a boca sobre isso vai sobrar pra mim e aí sim eu

vou pra rua.

Aníbal - E qual a diferença? Pelo que eu tô vendo no fim vai todo mundo pra rua

Operário – Pode até ser, mas eu não quero sujar a minha vida pelas merdas dos outros. Se

essa fábrica falir eu ainda arrumo outro trabalho

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Aníbal – Você sabe que não é bem assim. Tanto sabe que quando a fábrica precisou demitir por

um tempo, seu pai ficou parado e só voltou a trabalhar porque essa mesma fábrica chamou ele

de volta

Operário – Aníbal, onde eu vou trabalhar sendo acusado de cúmplice do Carlos?

Aníbal – Você colocou isso na cabeça e não quer tirar, aliás eu não sei de onde você tirou essa

ideia.

Operário – Olha, faça como quiser. Mas eu não posso perder esse emprego! Eu não vou

denunciar ninguém, minha namorada e eu estamos pensando em nos casar

Aníbal – Ah! Eles vocês vão casar, que bonitinho. O casalzinho feliz!

Operário – Não brinca. Eu tô falando sério!

Aníbal – Que belo exemplo você vai dar pros seus filhos

Operário – Vai se foder Aníbal, isso não tem nada a ver...

Aníbal – tem tudo a ver!

Operário – Mesmo que eu pudesse fazer alguma coisa, como íamos fazer pra denunciar o

Carlos?

Aníbal – Ele vai deixar um rabo, e nessa hora eu vou estar lá...

Operário – você é maluco! Isso não vai dar certo...

Aníbal – tá acabando a folga, vai dar o sinal pra gente voltar (OUVE-SE UMA CAMPAINHA)

Operário – Escuta Aníbal, esquece essa história (ELES SAEM)

CENA III

EUNICE JÁ ESTÁ EM CENA. O CENÁRIO DEVE SER COMPOSTO COM OS OBJETOS QUE

RETRATAM O APARTAMENTO DA FAMÍLIA

Eunice - Chegou a tempo de me ajudar

Luís - Em quê?

Eunice - Estou preparando o bolo para a sua irmã, quero aprontar tudo antes dela...

Luís - Por que está se escondendo?

Eunice - Não, eu não estou...

Luís - Andou chorando?

Eunice - Não, que idéia essa sua

Luís - Foi ele, não foi?

Eunice - Pare com isso e me ajude aqui

Luís – Assim?

Eunice – Coloque esta cadeira mais para a esquerda

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Luís – Aqui?

Eunice – sim! Está muito bom. Estava pensando em colocar umas flores sobre a mesa o que

acha?

Luís – Faça como quiser

Eunice – Que desânimo, não deixe sua irmã perceber que está assim

Luís – Quer manter as aparências?

Eunice – Luís pare com essa conversa, se for pra ficar é melhor começar a ajudar, quero que

tudo esteja perfeito para quando a Stefanie chegar

Luís – Acha mesmo que com meia dúzia de balões e um bolo, vai apagar tudo que nos acontece

de ruim?

Eunice – Está falando isso por causa do seu pai?

Luís – Não poderia ser por outra coisa

Eunice – ele tem os problemas dele, mas não quer dizer que não nos ame

Luís – Só tem duas coisas que ele faz na vida; uma é te maltratar e outra; é tentar se dar bem

Eunice – Seu pai trabalha muito, quanto a me maltratar ele só está passando por um mau

momento, não tem a ver comigo

Luís – Se não tem a ver com a senhora, não tem porque ele descontar em você

Eunice – É sem querer, seu pai é muito cabeça quente, depois ele sempre... (PAUSA)

Luís – Ia dizer que ele pede desculpas, mas isso nunca acontece não é?

Eunice – Ele vive cansado, tem trabalhado em dois turnos, já faz algum tempo, não tem dado

conta

Luís - A senhora é tão bonita, tão jovem, não merece essa vida

Eunice – Nós não temos do que reclamar, temos comida, uma casa

Luís - Pare, a senhora sabe que não estou falando disso

Eunice – Então eu não sei do que você está falando, não nos falta nada

Luís - Quando a senhora vai parar de se enganar?

Eunice – Eu não vejo com o quê eu estaria me enganando

Luís - Eu vejo, não percebe que ele está acabando com a sua vida?

Eunice - Não o chame assim, ele é seu pai

Luís - Antes não tivesse um

Eunice - Não diga isso

Luís - Lamento pela senhora

Eunice - você está querendo fugir das tarefas

Luís - a senhora fica muito mais bonita assim, sorrindo

Eunice – você irá me ver sorrir sempre que a vida permitir

Luís - Isso deveria acontecer sempre. veja, seu rosto é lindo

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Eunice - Que nada, ele já denúncia a minha idade

Luís - Que idade? Parece tão jovem, seu rosto mente a sua idade, todo delicado, traços sutis

como se fosse uma pintura

Eunice - Ainda falta preparar o bolo, é tanta coisa que eu não sei por onde começar.

Luís - Livre-se dele

Eunice - se quiser continuar com esse assunto é melhor que vá fazer outra coisa

Luís - quanto tempo a senhora ainda é capaz de agüentar? Não diga

CENA IV

EM UM CABARÉ MADAME DIVINE RECEBE STEFANIE

Madame Divine – E então, é só isto que você tem a dizer?

Stefanie – Essa é toda a minha história

Madame Divine – Não. Essa é apenas parte da história

Stefanie – O que a senhora quer dizer?

Madame Divine – Que você não está me contando tudo

Stefanie – E o que mais a senhora quer que eu conte?

Madame Divine – Não muito minha filha, apenas a verdade

Stefanie – mas foi exatamente o que eu lhe contei

Madame Divine – Sabe quantas meninas já passaram por esta casa, há quantas meninas em

dei abrigo e trabalho?

Stefanie – Não senhora

Madame Divine – O suficiente para saber que você não diz a verdade quando fala sobre o por

que quer ficar aqui

Stefanie – eu só queria...

Madame Divine – Como posso trazer você para dentro da minha casa, para junto das minhas

meninas, se não tenho como confiar em você?

Stefanie – eu peço apenas uma chance, a senhora não há de se arrepender

Madame Divine – Você não me parece tão certa do que quer fazer

Prostituta – Isso não é lugar para você

Stefanie – Eu não quero mais viver a minha vida, eu quero poder começar tudo de novo, outro

nome, outra família

Madame Divine – isso é uma decisão muito séria, você pensou nisso tudo que acabou de me

dizer?

Stefanie – Sim, eu tenho pensado nisso todos os dias, eu quero apagar o meu passado

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Prostituta – Então você veio ao lugar certo, aqui ninguém tem passado

Stefanie – Então, Madame Divine, me deixe ficar

Madame Divine – Não há como negar, você é uma bela menina, tem um belo rosto, belas

pernas...

Stefanie – Então, permita que eu fique

Madame Divine – você não está pronta para ficar aqui

Stefanie – Não, por favor não me deixe voltar para casa

CENA V

Carlos - Você não ia pro quarto?

Luís - sim

Carlos - E por que "tá" aí parado?

Luís - Não é nada

Carlos - "tá" me olhando por quê?

Luís - estavam falando do senhor na rua

Carlos - quem estava falando?

Luís - o Aníbal e uns outros que trabalham com o senhor

Carlos - Não me interessa o que aquele velho fala

Luís - diziam que o senhor rouba peças da fábrica pra vender pra outra firma.

Carlos - Que merda! Aquele filho da puta!

Luís – Eles estão desconfiando do senhor e o Aníbal disse que se perguntarem pra ele alguma

coisa ele lhe entrega

Carlos - Velho de uma figa! Porque você ainda "tá" aí parado me olhando?

Luís - Será que eles vão prender o senhor?

Carlos - Me prender? tem gente que faz coisa muita pior, dentro daquela fábrica então...ninguém

ali é santo. Já disse pra você parar de me olhar.

Luís - Desculpe

Carlos – Não se desculpe, você na certa tá gostando de me ver nessa

Luís – O que tem pra eu gostar?

Carlos – Seria uma ótima vingança, você veria eu me ferrar e melhor não sujaria as suas mãos

com isso

Luís – Nem todo mundo pensa como o senhor

Carlos – Pode ser, mas você não é um desses, é muito pior do que eu. Só não teve chance de

mostrar isso

Luís – Pode ser. Quem puxa aos seus não regenera

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Carlos - Você não deveria ser tão rancoroso, perdoar é um dom

Luís - e fazer isso todos os dias durante anos, o que é?

Carlos - veja pelo lado bom, quando você morrer, você vai pro céu

Luís - e o senhor, pra onde vai?

Carlos - Pra qualquer lugar longe de você!

CENA VI

O PALCO É TOMADO POR VIZINHOS, ESTÃO DISPOSTOS COMO SE ESTIVESSEM EM

UMA PRAÇA, EM PEQUENOS GRUPOS ELES COMEÇAM OS DIZERES SOBRE CARLOS,

AOS POUCOS OS GRUPOS VÃO SE JUNTANDO ATÉ FORMAR UM SÓ

Vizinho – Não se fala em outra coisa

Vizinho (2) – Eu nunca imaginei que o Carlos seria capaz de algo assim

Vizinho – Não tem jeito, ladrão a gente nota desde cedo

Vizinha – eu que nunca gostei dessa família

Vizinho – já era de se esperar algo assim dele

Vizinha (2)– é bom todos tomarem cuidado com as suas coisas

Vizinho (2) – Nossas coisas? Isso não tem valor algum pra ele

Vizinha (2) – Eu já proibi meus filhos de andarem com os filhos dele

Vizinha – Sim, pode ser uma péssima influência. Convém livrar os jovens das más companhias

Vizinho – Dizem que o desfalque foi grande

Vizinho (2) – Parece que sim, mas onde ele pôs esse dinheiro?

Vizinho – Verdade, a casa continua caindo de velha, a mulher anda toda maltrapilha

Vizinho (2) – essas são duas coisas que o Carlos nunca ligou

Vizinha – eu só tenho pena da mulher, como é mesmo o nome dela?

Vizinha (2) – Eunice, sim a pobre e os filhos são os únicos inocentes nessa história

Vizinho – Duvido muito, pra mim estão todos juntos, porque ela ia agüentar tudo que ele faz á

ela se não tivesse um bom motivo em jogo?

Vizinha– Com certeza, mulher nenhuma agüenta o que a Eunice passa

Vizinho (2) – o fato é que se a fábrica fechar muitos de nós e nossos parentes irão para a rua

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COMEÇA AQUI UM JOGO RÁPIDO DE PERGUNTAS E RESPOSTAS ENTRE TODOS QUE

ANTES DISCUTIAM EM GRUPOS SEPARADOS, AGORA DISCUTEM O FUTURO DA

FÁBRICA EM COMUNHÃO.

Vizinha – Meu marido trabalha naquela fábrica

Vizinho– eu trabalhei durante anos, ajudei a tornar o que ela é hoje

Vizinho (2) – Minha esposa trabalha lá, e precisamos dessa renda

Vizinha (2) – Meus pais trabalham lá

Vizinho – Meu armazém depende da produção da fábrica

Vizinho (2) – Sim, a fábrica coloca a cidade na rota...

Vizinha – Como meu marido disse, o nosso e todo comércio da cidade depende da fábrica

Vizinho – Se ela fechar as portas, a nossa cidade vai cair no esquecimento

Vizinho (2) – Nós vamos cair no esquecimento

Vizinha (2)– Não deve ter sido um golpe tão forte, a fábrica há de se levantar

Vizinho – Dizem que além de vender peças, o Carlos, ainda vendeu muitos projetos e dados da

fábrica para outras concorrentes

Vizinha (2) – Meus pais ajudaram a erguer essa fábrica, não é justo que termine assim

Vizinha– A vida é injusta, todos pagam pelo erro de um

Vizinho– O certo é denunciar o Carlos, pelas suas armações

Vizinha (2) – Sim, mas ninguém tem provas

Vizinho (2) – É verdade, seria a palavra do Aníbal contra a dele

Vizinho – Então, nós veremos tudo desmoronar de braços cruzados

Vizinho (2) – Se acontecer alguma coisa á fábrica eu não respondo por mim

CENA VII

Eunice - já está tudo pronto, agora só falta a Stefanie chegar

Carlos - e quem você convidou?

Eunice - será uma reunião de família é apenas para não deixar passar em branco...

Carlos - Bobagem, garotas da idade da Stefanie já não ligam para essas coisas

Eunice - Talvez, mas nós nunca fizemos nada, esse ano eu consegui separar um dinheirinho

Carlos - Pois está gastando ele á toa, essas meninas só pensam em besteiras

Eunice - de quê besteiras você está falando?

Carlos - De todas, só pensam em coisas materiais, você comprou presente?

Eunice - Não sobrou dinheiro

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Carlos - Já notou que elas vestem roupas que mais parece um retalho de pano do que qualquer

outra coisa?

Eunice - Isso é coisa da idade

Carlos - Não, isso é coisa de mulher, elas se aproveitam do corpo tomando forma e da

imbecilidade dos homens.

Eunice - A Stefanie não é assim, pelo contrário, ela usa umas roupas...

Carlos - Besteira mulher, elas são todas iguais, esses dias eu a vi conversando com um rapaz

Eunice - E que mal a nisso?

Carlos - É que você não viu a forma como ela se insinuava

Eunice - Isso deve ser coisa da sua imaginação

Carlos - eu sei bem o que eu vi. Você era exatamente igual

Eunice - bom, já está tudo arrumado

Carlos - você precisa ficar de olho nela

Eunice - é a fase de conhecer os rapazes

Carlos - Não estou de acordo com a forma que vocês usam para conhecê-los, fique de olho ou

ela será mais uma vagabunda.

CENA VIII

EM CENA DOIS OPERÁRIOS ESTÃO REUNIDOS

Operário (2) – Ninguém me tira da cabeça que alguém aqui tá ajudando o Carlos

Operário– Não pode ser! Ninguém aqui seria tão burro

Operário (2) – Não, alguém tem que estar ajudando, o Carlos não tem permissão pra entrar lá

depois do horário de serviço

Operário – mas quem disse que o roubo aconteceu no período da noite?

Operário (2) – O Segurança. E nenhuma câmera conseguiu filmar nada! O trabalho foi todo

muito bem combinado, o Carlos sozinho não daria conta

Operário– Melhor deixar essa história para lá, já foi feito, não tem nada que a gente possa fazer

Operário (2) – É, mas o que preocupa é o que vai acontecer ou o que vão fazer com a gente

Operário – e o que você acha que podem fazer?

Operário (2) – Se pegarem os culpados, eles vão em cana com certeza. Se não pegarem

ninguém, todo mundo vai pagar o pato

Operário – pagar o pato?

Operário (2) – é, todo mundo vai pra rua

Operário – espero que eles peguem logo o Carlos. Que burrada que ele foi fazer

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Operário (2) – Tomara que peguem logo a quadrilha toda

Operário – Quadrilha?

Operário (2) – É porra, o Carlos não tá sozinho nessa, alguém abriu a fábrica pra ele, passou a

letra de todo o lugar, as chaves, enfim ele teve ajuda e quando descobrirem, essa cambada vai

se dar mal. (PAUSA) Qual é cara porque que você tá chorando?

Operário – eu ajudei uns caras, desliguei o sistema de segurança, para eles poderem entrar na

fábrica de noite, mas eu não sabia de nada

Operário (2) – Quem eram esses caras?

Operário – eu não reconheci ninguém, apenas facilitei a entrada, não vi ninguém, deixaram o

dinheiro combinado dentro do meu armário

Operário (2) – Que merda você fez!

Operário – Eu não sabia de nada, eu precisava do dinheiro, e fiz só pelo dinheiro!

CENA IX

Carlos – Ao invés de ficar aí parado, você podia me trazer o isqueiro

Luís – (pega o isqueiro, mas não entrega) Eu cheguei em casa hoje e a mamãe estava chorando

Carlos – Coisas de mulher. Choram por qualquer bobagem

Luís - o choro dela não parecia ser por qualquer bobagem

Carlos – Você não entende nada sobre mulheres, me passa o isqueiro.

Luís – Quero saber o que você fez para a mamãe ficar daquele jeito

Carlos – O que, vai dar uma de valente agora?

Luís – Eu só fiz uma pergunta

Carlos – Como eu vou saber? Talvez seja desgosto por ter um filho como você

Luís – Você nunca gostou de ninguém aqui, nem de mim, nem da Stefanie e nem da mamãe

Carlos – Ninguém nunca deu a mínima pra mim nessa casa

Luís – A mamãe sempre ficou do teu lado, sempre fez as tuas vontades, sempre se preocupou

com você

Carlos – Eu tenho algo que ela gosta

Luís – Você é um animal! Nunca se preocupou com o que ela sente, nunca pensou em dar á ela

o que ela precisa

Carlos – eu dou á ela o que ela precisa todas as noites

Luís – Se você fosse embora, ela seria feliz

Carlos – eu não vou embora, essa casa é minha, essa família, mesmo sendo uma porcaria, é

minha também

Luís – Não vai embora, porque não conseguiria bancar outro lugar

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Carlos – Essa conversa já deu no saco. Me passa o isqueiro

Luís – Eu não entendo, porque trata a mamãe desse jeito

Carlos – Você não entende porque não sabe nada sobre as mulheres. O isqueiro!

Luís – Ainda não terminamos nossa conversa

Carlos – Ah! É uma dessas conversas de pai para filho?

Luís – Pode ser

Carlos – Ótimo! Então vou deixar algo de pai para filho; quando se interessar por uma mulher,

trate-a como a uma vagabunda, quando transar com ela, faça como se estivesse transando com

uma prostituta

Luís – É tudo que você tem para me passar?

Carlos – É só o que você precisa saber. Não á toa, sua mãe está comigo há tanto tempo

Luís – Ela – sabe-se lá Deus porque – o ama

Carlos – Mulher só procura no homem duas coisas: dinheiro e sexo

Luís – A mamãe não é esse tipo de mulher, ela quer ser amada, só isso

Carlos – As mulheres são todas iguais. Me passa o isqueiro!

Luís – Esqueça esse maldito isqueiro!

Carlos – Esqueça você essa maldita conversa! E me passa esse isqueiro!

Luís – Tá certo, o que é mais importante para você?

Carlos – Como é?

Luís – O que é mais importante; seu filho ou o isqueiro? (Carlos pega o isqueiro e sai) Dane-se

você!

CENA X

EUNICE ESTÁ EM CENA, A FRENTE DELA UMA MESA DE CENTRO, SOBRE A MESMA, UM

BOLO DE ANIVERSÁRIO, EUNICE SECA AS LÁGRIMAS, VAI POSICIONANDO SOBRE O

BOLO AS VELAS E ACENDE-AS. EM SEGUIDA ENTRA LUÍS, QUANDO STEFANIE ENTRA,

LUÍS E EUNICE COMEÇAM A CANTAR EM UNÍSSONO; “PARABÉNS PRA VOCÊ” AS LUZES

SE APAGAM, RESTANDO DE CLARIDADE APENAS AS VELAS DO BOLO.

Eunice - Vamos filha corte o bolo

Luís - faz um pedido

(A vela se apaga)

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CENA XI

TUDO DEVE SER MANTIDO COMO ESTAVA NO ÍNICIO DA CENA DO ANIVERSÁRIO

Eunice – Desculpa, mas não deu pra chamar seus amigos

Stefanie - E por que não?

Eunice - Você sabe “porque”. O dinheiro não dava pra fazer muito

Stefanie - O dinheiro?

Eunice - Tinha tanta coisa pra pagar, eu queria ter feito algo maior...

Stefanie - fica pra próxima

Eunice - eu garanto que na próxima vez...

Stefanie - vai ser melhor não é?

Eunice – tenha certeza disso

Stefanie – É. Eu sei! Você sempre diz isso

Eunice - tem de se pensar positivo

Stefanie - e só pensar muda alguma coisa?

Eunice - já é um começo

Stefanie - Eu acredito que só a gente muda as coisas e quando faz algo pra isso

Eunice - Isso é claro

Stefanie - então por que você não faz algo?

Eunice - do quê você está falando?

Stefanie - Você sabe que a razão de não ter nenhum amigo meu aqui é porque ele implica com

todo mundo

Eunice - Não é verdade, seu pai de fato implica um pouco com algumas pessoas, mas...

Stefanie - mas, o pior é minhas amigas não poderem vir, porque ele vai dar em cima delas com

aquele jeito vulgar dele, como se elas estivessem sempre interessadas nele

Eunice - Isso não é verdade. (PAUSA) Me diz qual foi o seu pedido?

Stefanie - Se eu contar não vai se realizar

Eunice - É verdade, então...

Stefanie - tudo bem, todo ano eu peço a mesma coisa

Eunice – então, não tenha dúvida, que uma hora irá se realizar

Stefanie – Não acredito mais

Eunice – não pode deixar de acreditar, uma hora as coisas mudam

Stefanie – eu acreditei durante muito tempo, desejei muito forte

Eunice – só falta um pouquinho de calma, e logo Deus vai lhe presentear com o seu desejo

Stefanie – eu peço sempre a mesma coisa, Deus já deve saber de cor o meu pedido

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Eunice – Claro que sabe, e quer que você saiba que ele irá atendê-la

Stefanie - antes de dormir eu fazia um pedido e não contava pra ninguém o que era

Eunice – Eu sei que agora você cresceu, mas não custa desejar que a vida seja melhor, Deus

irá prover por nós

Stefanie – Eu descobri que não adianta o pedido nunca se realiza

Eunice - mas um dia ele vai se realizar

Stefanie - acho que não

Eunice - o que você pede?

Stefanie - que você o deixe e vá ser feliz

CENA XII

ANÍBAL E OUTROS OPERÁRIOS ESTÃO SAINDO DA FÁBRICA, SEGUINDO PARA SUAS

CASAS

Operário (2) – E então Aníbal, você conversou com a direção?

Aníbal – Falei com o Doutor Armando...

Operário (2) – E o que ele disse? Vamos Aníbal, não faça tanto doce

Aníbal – Eu ainda não acredito no que você me contou

Operário (2) – Esquece isso, o cara tá fissurado na menina, queria uma grana pro casamento.

Mas e aí o Carlos vai se safar dessa ou não vai?

Aníbal – O Doutor Armando disse o que a gente já sabia, não temos provas contra o Carlos

Operário (2) – Filho da puta! Ele deve ter deixado um rabo

Aníbal - Com certeza, se procurar direito eles vão acabar encontrando algo que prove que o

Carlos é o culpado

Operário (2) – Quer saber se eu fosse da polícia, eu jogava o Carlos no camburão, mesmo sem

ter prova

Aníbal – Só que o dono da fábrica não vai deixar barato, eles já estão cientes de que tem um

rombo no orçamento

Operário (2) – Isso todo mundo sabe, o que eu não entendo é porque ninguém fez nada

Aníbal – A polícia, segundo o doutor Armando vai investigar

Operário (2) – Então, logo vão encontrar alguma coisa contra o Carlos. Isso se foi mesmo o

Carlos, eu às vezes não quero acreditar

Aníbal – Eu tenho certeza, eu ouvi uma vez ele conversando com um sujeito passando toda a

rotina da fábrica

Operário (2) – tomara que não sobre pra mim, eu preciso muito desse emprego

Aníbal – E você tem alguma coisa a ver com isso?

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Operário (2) – Eu mesmo, não tenho nada, mas sabe como são essas coisas de polícia

Aníbal – Quem vai dar fim ao caso, vai ser o próprio doutor Armando

Operário (2) – Do que você tá falando?

Aníbal – Que uma hora eles vão pegar o Carlos, e vão fazer ele assumir o crime, e pode apostar

que ele vai cantar feito passarinho o nome de todo mundo que tava envolvido com ele

CARLOS ENTRA EM CENA

Carlos – Podem continuar seus safados! Não tem mais o que fazer a não ser falar da vida

alheia, bando de comadres!

Operário – Calma aí Carlos, o único safado aqui é você

Aníbal – Você mesmo, que com esse trambique vai levar a fábrica á falência. Além de tudo é

burro

Operário (2) – Você revendeu as peças em troca de uma ninharia

Aníbal – É isso mesmo, o valor está bem abaixo do mercado

Carlos – Danem-se vocês, dane-se a fábrica, hoje eu fiz o que todos vocês sempre tiveram

vontade de fazer, mas nunca tiveram coragem

Aníbal – Você vai ferrar todo mundo...

Carlos – cala a boca Aníbal! Seu puxa saco! Eu não roubei porra nenhuma, se existe algum

ladrão nessa história, são os donos daquela fábrica, que me exploraram durante anos

Operário (2) – Eles vão atrás de você Carlos, não tem mais jeito, você vai ter que assumir, uma

hora ou outra

Carlos – Assumir o quê? Eu não fiz nada, a única culpa que tenho é de ter dito á eles, aquilo

que vocês nunca tiveram coragem de dizer

Aníbal – Do que você está falando?

Carlos – Que eu fui lá, e disse o que cada um de vocês fala deles pelas costas

Operário (2) – Como assim?

Aníbal – Seu filho da puta!

Operário (2) – Isso não se faz Carlos!

Aníbal – Você se bandeou pro lado deles

Operário (2) – Não dá pra te reconhecer mais Carlos

Carlos – Dane-se! Agora subam que eles estão esperando vocês pra uma conversa formal. Ah!

Se continuarem no emprego, saibam que eu sou o novo responsável pelo setor, amanhã

reportem se á mim.

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CENA XIII

Stefanie - Você tá estranho, me deu os parabéns e depois não falou mais comigo

Luís - Tô sem assunto

Stefanie - tem alguma coisa te incomodando?

Luís - tem

Stefanie – e o que é?

Luís – como “e o que é?”. É o de sempre Stefanie, é essa vida que a gente leva, é tudo que a

gente passou

Stefanie – Achei que não falaríamos mais sobre isso, havíamos combinado de...

Luís – de o quê? Esquecer? Não dá pra esquecer, eu lembro todas às vezes, basta olhar pra ele

Stefanie – Eu também, mas não há nada que possamos fazer, aconteceu e nada vai mudar isso

Luís – Não! As coisas não podem terminar assim

Stefanie – Fique quieto alguém pode lhe ouvir, se mamãe suspeitar dessa história, eu nem sei

Luís – Já não somos mais crianças Stefanie, podemos fazer algo agora, podemos nos vingar do

que ele nos fez

Stefanie – Vingança? Isso não vai mudar o que aconteceu, já está feito

Luís – Não consigo te entender, porque você não tem raiva? Você não se lembra do que ele te

obrigava a fazer?

Stefanie – Lembro todos os dias, e até hoje tenho medo só de chegar perto dele, às vezes tenho

vontade de matá-lo

Luís – e porque nunca o fez?

Stefanie - Não tenho coragem

Luís – Eu te ajudo

Stefanie – Não, pare de pensar essas besteiras

Luís – Não são besteiras, essas lembranças me perseguem dia e noite, eu não consigo dormir,

não consigo me relacionar com as pessoas, eu tenho medo

Stefanie - Eu sei, mas você precisa entender que as pessoas não são como ele

Luís – As pessoas são ruins, e esperam apenas uma chance para demonstrar isso

Stefanie - eu também sofro, mas não pense assim

Luís – Eu não queria ter feito nada daquilo com você, me desculpe

Stefanie - Do que você está falando Luís? Você não tem culpa, nunca teve

Luís – Eu poderia ter feito alguma coisa

Stefanie – Nós éramos apenas crianças. Esqueça isso, você não contou nada disso pra alguém,

contou?

Luís - Nunca

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Stefanie – Só temos á nós dois Luís, eu vou cuidar de você

CENA XIV

Carlos - Tá me olhando por quê?

Eunice - Não é nada

Carlos - Agora deu de todo mundo nessa casa ficar me olhando, anda diz logo o que foi

Eunice - Eu sei que você anda roubando a fábrica

Carlos - você nunca mais repita isso

Eunice - Todos na rua estão comentando, te chamando de ladrão

Carlos - nunca mais fale comigo desse jeito

Eunice - por que você faz essas coisas? Isso não é certo

Carlos - eu não fiz nada, isso tudo é culpa do Aníbal, aquele velho senil, já não sabe o que diz

Eunice - Carlos, todo mundo da rua está comentando, não é só o Aníbal, os outros que

trabalham com você também estão falando que você é ladrão

Carlos - Eu não sou ladrão, eu já pensei em tudo, essa gente vai ver, o primeiro a pagar vai ser

o Aníbal

Eunice - Você vai provar a sua inocência?

Carlos - vou fazer coisa melhor, vou ensinar á essa gente a não sair falando dos outros

Eunice - então você roubou mesmo a fábrica

Carlos - eu já disse que não sou ladrão

Eunice - mas isso que você fez é roubo, não tá certo Carlos

Carlos - o que não é certo, é essa vida de merda que eu levo, passo o dia inteiro naquela

fábrica, enquanto os donos ficam no bem bom, enchendo o cu de dinheiro, eu, eu mesmo só

vejo uns míseros trocados e no final do mês

Eunice - Talvez se você devolvesse tudo

Carlos - devolver o quê? Eu não vou devolver nada. Eles me deviam isso

Eunice - você não pensa na Stefanie, no Luís?

Carlos - eles não dão a mínima pra mim, ninguém nessa casa dá

Eunice - como vai ser se você for preso?

Carlos - eu não vou ser preso

Eunice - Como você tem tanta certeza?

Carlos - ninguém vai preso nesse país, Eunice. Outra; o que adianta ser preso se eles deixam a

chave na porta?

Eunice - isso não existe Carlos, os donos da fábrica são homens poderosos, vão querer que

você responda pelo seu crime

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Carlos - Chega dessa conversa

Eunice - Carlos eu não terminei, Carlos! Carlos veja bem o que você vai fazer.

CENA XV

Prostituta – Madame Divine, porque não permitiu que a garota ficasse?

Madame Divine – Que garota?

Prostituta– A garota que esteve aqui á pouco

Madame Divine – Ela só me traria problema

Prostituta – Parecia tão certa do que estava fazendo

Madame Divine – Ela só queria fugir de casa, na certa um capricho de menina

Prostituta – Para tantas aqui, fugir de casa foi uma salvação

Madame Divine – Não acho que para ela seria, não acredito que tivesse motivos tão fortes para

fugir

Prostituta – Para mim pareceu precisar muito sair de casa como se sua vida dependesse disso

Madame Divine – Ora, criança, deu para ser sentimentalista agora ou quer fazer o meu

trabalho?

Prostituta – Não, não é isso. Nunca vi a senhora dispensar uma garota daquela maneira. Ainda

mais sendo ela tão bonita

Madame Divine – Não seria bom tê-la por aqui

Prostituta – Mas ela pareceu já ter idade. Não só idade, mas tinha também um belo corpo, era

uma mulher feita

Madame Divine – Eunice jamais me perdoaria

Prostituta – Eunice? Quem é essa Eunice, Madame Divine?

Madame Divine – Eunice é a mãe desta menina que veio aqui hoje

Prostituta – De onde a senhora conhece esta mulher? Já trabalharam juntas, ela por acaso já

trabalhou para a senhora?

Madame Divine – Não! Eunice nunca se envolveria com esse tipo de negócio

Prostituta – Então?

Madame Divine – Não é bom que você nem as outras saibam dessa história, já até falei mais do

que você precisava saber

Prostituta – Será que essa Eunice sabe que a filha esteve aqui?

Madame Divine – Não, ela morreria de desgosto, e na certa teria vindo falar comigo, seria o

único motivo para ela pisar aqui

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Prostituta – Se a garota fez isso escondida da mãe, deve ter tido um bom motivo, deveria ter

deixado que ela ficasse. Não se lembra das nossas histórias de tudo que lhe contamos, quando

entramos por aquela porta?

Madame Divine – Sim, me lembro, mas já carrego com vocês uma cruz, com essa menina

carregaria uma que não poderia suportar

OUVE-SE UM SOM DE CAMPANHIA

Prostituta – Os clientes já estão na porta, está perto da hora de abrir o salão

Madame Divine – Sim! Faça isso! Sorria, deixe-me ver os olhos. Linda! Abra as portas

CENA XVI

Luís - Eu não gosto de te ver assim, o que foi?

Eunice - Seu pai, ele saiu e ainda não voltou

Luís - Tomará que não volte nunca mais

Eunice - Isso não é hora pra essas coisas Luís

Luís - a senhora não deveria se preocupar com ele

Eunice - como não vou me preocupar? Com tudo que estão falando do seu pai, ele pode perder

a cabeça e fazer uma loucura

Luís - nós não teríamos tanta sorte

Eunice - Luís, a coisa é séria, pare de brincar

Luís - tudo bem, não vou falar mais nada, mas fique tranqüila, a senhora precisa relaxar

Eunice - você sabe como é seu pai, ele quando fica nervoso, só por Deus mesmo

Luís – Ele é um covarde, não vai fazer nada

Eunice – Não sei onde eu errei para ter uma família assim

Luís – errou quando casou-se com ele

Eunice – vivemos uma guerra diariamente, você e sua irmã afrontando o seu pai, todos os dias

Luís – não aceitamos a forma como ele te trata

Eunice – Vocês sabem que ele é uma pessoa que perde a calma facilmente

Luís – Ele desconta nos outros as suas frustrações, e a senhora é o alvo predileto dele

Eunice – Por que está dizendo isso Luís?

Luís – Porque é a verdade, quando eu era criança eu fingia que não via a forma como ele te

tratava, porque via que se sentia humilhada, desmerecida

Eunice – Não, eu sempre fui muito feliz ao lado do seu pai

Luís – Então nunca conseguiu passar isso pra gente

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Eunice – Algumas coisas a gente sente, e fica só com a gente mesmo

Luís – O que a senhora sentia, não ficou apenas com a senhora, ficou na gente também

Eunice – Do que está falando?

Luís – Sua dor, era parte da nossa, sua tristeza, aumentava o nosso choro

Eunice – Eu não fui uma boa mãe

Luís – Foi sim, a senhora só não teve sorte

Eunice – eu queria poder ter dado tanta coisa pra vocês

Luís - Poderia ter dado muito mais do que queria, se não estivesse com ele

Eunice – Porque vocês tratam ele assim?

Luís – Porque ele não merece ser tratado de outra forma

Eunice – Quando vocês eram crianças, vocês o tratavam de outra forma

Luís – a gente tinha medo, por isso não falava nada quando ele gritava com a senhora ou lhe

batia

Eunice - Não! Não Luís, isso ele nunca fez

Luís – Quando a senhora cobre o rosto com os cabelos, nós sabemos que ele lhe bateu

CENA XVII

PARA ESTA CENA SUGIRO NO ÚLTIMO DISPARO QUE CULMINA COM A MORTE DE

STEFANIE QUE A ORDEM SEJA: UM FLASH INDICANDO O DISPARO SEGUIDO DO SOM

DE TIRO E DE ALGO CAINDO AO CHÃO. CARLOS DÁ A SUA ÚLTIMA FALA EM BLACK OUT

Carlos - cadê a sua mãe?

Stefanie - saiu, foi procurar saber notícias suas

Carlos - aqui, toma

Stefanie - O quê é isso?

Carlos - Seu presente de aniversário, vamos, abra

Stefanie - você é louco!

Carlos - Essa é a primeira fita que eu gravei de vocês

Stefanie - por que está me dando isso?

Carlos - pra você lembrar os momentos felizes que teve com o seu irmãozinho

Stefanie - eu lembro todos os dias e aqui não tem nenhum momento feliz

Carlos - não era o que parecia

Stefanie - nós não sabíamos o que estávamos fazendo

Carlos - Claro que sabiam, isso é natural já nasce com a gente, é a nossa parte animal

Stefanie - é isso que você é, um animal, um monstro, destruiu as nossas vidas

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Carlos - eu te dou um presente, uma lembrança familiar e é assim que você me agradece?

Stefanie - éramos só crianças, como pode fazer isso?

Carlos - vocês gostavam, eu sou um pai liberal, só isso

Stefanie - pai? isso você nunca foi, liberal?

Carlos - isso, liberal, vocês uma hora ou outra iam fazer, eu só adiantei as coisas

Stefanie - você nos obrigava, nos ameaçava, íamos fazer? o Luís é meu irmão, jamais faria

nada com ele

Carlos - com irmão, irmã, não importa, somos todos como cães, queremos trepar, não importa

com quem

Stefanie - seu porco, eu tenho nojo de você

Carlos - você deveria me respeitar e me agradecer ao menos pelo presente

Stefanie - não está falando sério, eu odeio você

Carlos - então vou mudar as coisas (Tira da cintura uma arma)

Stefanie - o que vai fazer com isso?

Carlos - calma, não vou usar contra a minha filhinha, jamais te faria mal

Stefanie - onde conseguiu isso?pra quê você quer isso?

Carlos - calma, vou te dar uma chance de ver que eu sou um bom pai, não, um ótimo pai

Stefanie - por favor, guarde isso

Carlos - Já disse pra você ficar calma, vamos jogar um jogo, como fazíamos quando você era

criança

Stefanie - não gosto dos seus jogos

Carlos - Mas desse você vai gostar (Retira do bolso algumas balas)

Stefanie - o que está fazendo?

Carlos - pondo pilha no brinquedo, pra esse jogo, vamos precisar só de uma, brincadeira

econômica não?

Stefanie - esqueça isso, eu não quero jogar nenhum jogo, não quero que brinque com isso

Carlos - não, eu vou mostrar que sou um pai, você me odeia não é? anda, pode falar, você me

odeia, não odeia?

Stefanie - sim, eu odeio, pelo que nos fez passar, pelo que faz a mamãe

Carlos - você já quis que eu morresse? pode falar, essa é a sua chance, vamos ver se você tem

sorte

Stefanie - Não!

(CARLOS COLOCA O CANO DA ARMA NA CABEÇA E PUXA O GATILHO)

Stefanie - por favor, chega!

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Carlos - tome agora é a sua vez, vamos pegue a arma, faça como eu fiz, puxe o gatilho, vamos

pode ser a sua chance de se ver livre de mim

(STEFANIE COLOCA O CANO DA ARMA NA CABEÇA E PUXA O GATILHO)

Stefanie - Por favor, já está bom, não faça mais isso

Carlos - puxa, que menina sortuda, agora sou eu. Torça para o seu desejo se realizar.

(CARLOS PÕE O CANO DA ARMA NA BOCA E PUXA O GATILHO)

Stefanie - pare!

Carlos - é, ainda não foi dessa vez, pegue, anda, é a sua vez.

(STEFANIE ENGATILHA A ARMA E COLOCA O CANO DA MESMA NA CABEÇA, A ARMA

DISPARA)

Carlos - Que droga! merda!

CENA XVIII

Vizinho – Vocês ouviram o barulho de tiro?

Vizinho (2) – Tiro? Não pode ter sido

Vizinha (2)– Pode ter sido um rojão, uma das crianças brincando com fogos

Vizinho – Não, eu tenho certeza, foi tiro

Vizinha – Mas aqui? Nunca aconteceu nada semelhante, essa sempre foi uma cidade tão calma

Vizinho (2)– Isso é verdade, o último tiro que se ouviu por essas bandas, muitos de vocês nem

eram nascidos

Vizinha – Eu não ouvi nada, de onde vieram os tiros?

Vizinho – Não sei dizer ao certo, mas não faz muito tempo

Vizinha (2) – na certa alguém já avisou a polícia

Vizinha – Acho que não, as pessoas dessa cidade tem medo de se comprometerem

Vizinho (2) – Isso é bem verdade, eu não avisei a polícia porque não ouvi nada

Vizinho – eu liguei para a polícia e eles não me disseram nada

Vizinho (2) – Como não disseram nada?

Vizinha (2) – Eles não costumam ligar pra uma denuncia tão vaga

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Vizinho – pode ser isso, eu disse sobre os tiros, mas acho que eles não deram confiança a

história

Vizinha – Isso é um absurdo, nossas vidas podem estar em perigo

Vizinho– Sempre estão, não há um só minuto que estejamos a salvos

Vizinha (2)– De qualquer modo, é melhor avisar todos os moradores

Vizinha – Claro! Para que não saíam na rua, desacompanhados, pode ser perigoso

Vizinho – É melhor que não saíam de casa, nem mesmo acompanhados

Vizinha (2) – Acham que é para tanto? Afinal nem mesmo sabemos se foi de fato um tiro

Vizinho (2) – por via das dúvidas é melhor não arriscar

Vizinho – será por pouco tempo, até a polícia fazer alguma coisa

Vizinha – Espero que não demorem

Vizinho (2) – Vocês não acham que é melhor ligar de novo?

Vizinho – Se alguém tivesse sido morto, com certeza eles estariam se mexendo

Vizinho (2) – Quantos tiros você ouviu?

Vizinha – pode não ter sido mesmo um tiro e você ter se confundido

Vizinho – Eu tenho certeza, foi tiro. Dois disparos

Vizinha – Deus do Céu, que atrocidade!

Vizinho (2) – Vamos todos manter a calma

Vizinha (2)– Talvez não tenha sido nada demais

Vizinho (2) – É, tem um monte de morador que tem arma e usa para espantar os animais que

espreitam o rebanho

UM RAPAZ ENTRA CORRENDO

Vizinha (2) – O que houve? Por que está correndo?

Rapaz – Acabaram de encontrar o corpo da filha do Seu Carlos

Vizinho – Meu Deus!

Vizinho (2) – E onde foi? Quem encontrou?

Rapaz – No quintal de Seu Elias. Os homens que tava capinando lá e mais o próprio seu Elias

Vizinho (2) – Tinha sinal de tiro?

Rapaz – Tinha sim

Vizinho – Na certa com dois tiros...

Rapaz – Foi um tiro apenas, bem na cabeça

Vizinho – mas eu ouvi dois tiros

Vizinho (2) – na certa o atirador errou um tiro

Vizinha (2) – mas o que essa menina fez pra quererem a morte dela?

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Vizinha - Vamos lá ver o que aconteceu!

ENTRA UM SENHOR

Rapaz – O senhor já soube do corpo que encontraram?

Senhor – Já, tava passando pela estrada, quando vi uns homens carregando o corpo do Carlos

Vizinha – Do Carlos?

Vizinho – mas não foi á filha dele que mataram?

Senhor – não, o corpo que vi era dele, com um furo atravessando a cabeça

Rapaz – mas eu vi o corpo da menina, com um furo bem no meio da testa

CENA XIX

LUÍS COLOCA ALGUMAS PEÇAS DE ROUPA EM UMA MALA, TEM Á MÃOS DUAS DELAS,

MAS APENAS UMA ESTÁ ABERTA E RECEBE OS OBJETOS, ELE FAZ A AÇÃO COM

CALMA, LEMBRANDO CADA MOMENTO QUE VIVEU NAQUELE APARTAMENTO, PENSA

EM SUA MÃE, EM ALGUNS MOMENTOS ELE PÁRA E OLHA APARA A PLATÉIA, APÓS

ALGUNS INSTANTES CONTINUA A SUA AÇÃO, QUE NÃO DEVE DEMORAR MUITO, ELE SE

LEVANTA, PEGA CADA MALA EM UMA DAS MÃOS, INSPIRA, PERMANECE ALGUNS

SEGUNDOS NO CENTRO DO PALCO, E VAGAROSAMENTE INCLINA SEU CORPO PARA A

SAÍDA Á DIREITA, ELE DÁ ALGUNS PASSOS EM DIREÇÃO Á ELA, E PÁRA, NOVAMENTE

OBSERVA O LUGAR, SEM VOLTAR-SE POR COMPLETO PARA O CENTRO DO PALCO, EM

SEGUIDA SAÍ.

CENA XX

NO CABARÉ ALGUMAS MOÇAS ENSAIAM NOVAS COREOGRAFIAS, MADAME DIVINE

ESTÁ SENTADA OBSERVANDO – AS. QUANDO ENTRA UMA MULHER VESTIDA COM UM

SOBRETUDO E UM CHAPÉU, A MULHER SE POSICIONA NO CENTRO DO PALCO,

MADAME DIVINE SE LEVANTA DEIXA DE LADO SUA CIGARRILHA, PEDE PARA QUE

TODAS AS GAROTAS SE RETIREM E SE APROXIMA DA MULHER, A LUZ VAI DIMINUINDO,

ELA TIRA DELICADAMENTE O CHAPÉU E DEPARASSE COM EUNICE, QUE CAÍ AOS

PRANTOS.

FIM

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