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A LUDICIDADE COMO ESTRATÉGIA€¦ · que passatempo, ela ajuda no desenvolvimento, promovendo processos de socialização e descoberta do mundo. Também Paulo Nunes de Almeida (2003,

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A LUDICIDADE COMO ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DE

PRÁTICAS DE LEITURA

Autor: Luiz Cezar Miranda1 Orientador: Ubirajara Inácio de Araújo2

Resumo

Este artigo discute alguns desafios que cercam a leitura de textos literários feitas por alunos, em contraponto às novas e sedutoras mídias que nos cercam nos dias de hoje. Levando em conta a preocupação com o lugar que a literatura ocupa no dia-a-dia dos alunos, este artigo tem a finalidade de resgatar o lúdico no ambiente escolar. É um convite aos educadores, principalmente aos de Língua Portuguesa, para conhecer, experimentar, sonhar e fantasiar sobre esse importante instrumento que está mais à mão do que pensamos. Também tem a intenção de mostrar a ludicidade como um caminho para melhorar as relações entre o aluno e textos literários, resgatando a leitura na vida do educando. Demonstrar que o lúdico pode ser considerado um “laboratório” que merece a devida atenção dos educadores, fazendo com que o educando adquira a experiência necessária para compreender naquele instante, ou mais tarde, um pouco do mundo real. E também demonstrar os resultados da retextualização de contos com a transformação deles em pequenas histórias em quadrinho e, em outra oportunidade, em jogo de tabuleiro, aplicados em uma turma do 6.º ano de uma Escola Pública.

Palavras-chave: Leitura; lúdico; retextualização; contos; HQs; jogos.

1 Pós-graduado em Interdisciplinaridade na Escola pelo Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão

(IBPEX). Graduado em Letras pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Professor de Língua Portuguesa e

Língua Estrangeira Moderna-Inglês no Colégio Estadual Professora Maria Luiza Franco Pacheco-E.F.M 2 Mestre e Doutor em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de

Metodologia e Prática de Ensino de Língua Portuguesa do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná

(UFPR).

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1 Introdução

Ao começarmos o trabalho no Estabelecimento de Ensino em que nos propusemos

a implementar nosso projeto, nos deparamos com a já sabida resistência do

educando em atividades do dia a dia em sala de aula, no que se refere à leitura, seja

voltada à aquisição de conhecimento ou pesquisa, seja para se prestar unicamente

a um entretenimento saudável. Também constatamos que, como na maioria das

escolas, a leitura feita pelos educandos, com frequência, fica muito abaixo daquilo

que seria razoável e, mesmo nos casos em que esse requisito é razoável, há

problemas com o desinteresse. Cabe enfatizar que seria razoável e aceitável para

alunos do 6.º ano do Ensino Fundamental, que eles fossem capazes de ler, escrever

e interpretar, além de já ter o hábito e gostarem da leitura. Não por culpa desta

escola em especial, mas devido a todo um currículo escolar que não deu conta

dessas deficiências e pelo desenrolar da vida escolar do educando sentimos que

eles estão longe desse patamar.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 69-70), “A leitura é o

processo pelo qual o leitor realiza um trabalho de compreensão e interpretação do

texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o

autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação,

decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que

implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais

não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o

que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de

compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições

feitas.”

Dessa forma, é coerente o que preconizam as Diretrizes Curriculares da Educação

Básica de Língua Portuguesa (2008, p. 48), “é tarefa da escola, possibilitar que

seus alunos participem de diferentes práticas sociais que utilizem a leitura, a escrita

e a oralidade, com a finalidade de inseri-los nas diversas esferas de interação. Se a

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escola desconsiderar esse papel, o sujeito ficará à margem dos novos letramentos,

não conseguindo se constituir no âmbito de uma sociedade letrada”.

Pensar a leitura, então, revela a necessidade de a escola propiciar que o aluno se

acostume a ler, tendo em mente que a leitura traz aspectos muito positivos à nossa

vida, sobretudo quando se pensa no pleno exercício da cidadania. Isso implica levar

em conta a função da leitura: seja com o seu uso meramente instrutivo, seja como

forma de “viagem” pelos caminhos esboçados pelos autores das obras lidas, seja

como forma de conseguir redesenhar novos caminhos de compreensão dessas

mesmas obras e de outras. Mesmo tudo isso expresso nas Diretrizes e PCNs, o que

nos parece é que as escolas não estão dando conta de trabalhar de forma eficiente

a leitura, garantindo a seus alunos que se tornem leitores competentes, capazes de

selecionar a leitura que melhor atenda às suas necessidades comunicativas.

Então, quando nos deparamos com os alunos do 6.º ano (antiga 5.ª série) do Ensino

Fundamental para dar início aos trabalhos do projeto, encontramos problemas de

leitura e interpretação nos alunos e, como se não bastasse, também a leitura de

meios impressos, como livros e jornais, disputa espaço com as novas mídias e a

informática. Então, mesmo aqueles alunos que não têm muita dificuldade na leitura e

interpretação, esbarram no desinteresse pela leitura. Com isso, passamos a ter que

lidar com aqueles alunos que têm muita dificuldade de leitura e deixaram de prestar

atenção por não conseguiram acompanhar o que estava sendo explicado sobre o

que se pretendia com o projeto, e também com aqueles alunos que não têm nenhum

problema ou têm pouco problema com leitura e interpretação, mas que deixam de

prestar atenção por não darem o devido valor à leitura. Diante disso, parecia que

teríamos muitos problemas, no entanto quando nos fizemos entender melhor e eles

sentiram que seriam trabalhadas Histórias em Quadrinhos, Contos e Jogos de

Tabuleiro, a resistência foi quebrada, pois eles vislumbraram uma aula diferente das

convencionais.

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O que sentimos é que, no cotidiano da sala de aula, há muita resistência à leitura,

seja por dificuldades ou por desinteresse. Isso nos fez refletir sobre algumas

questões: Por que os alunos leem menos? Quando a leitura acontece, qual a sua

qualidade? Por que a tecnologia é tão atraente? E também, será que nossa

estratégia proposta iria transformar a leitura, de “facilitadora para incorporar

ensinamentos escolares”, em “facilitadora para inserção de criatividade e

brincadeiras”, e assim compreender melhor o mundo? Cremos que um bom passo

foi dado, pois descobrimos que os alunos leem, mas é necessário usar algo que os

empolgue, como o lúdico, a brincadeira, como defendido por vários escritores e

estudiosos. Valendo-nos das ideias de Vygotski (1987), tentamos nos

instrumentalizar na luta pela leitura. Ele já preconizava, e outros escritores e

estudiosos corroboram, que a ludicidade possui função organizadora específica,

permitindo ao homem produzir formas novas de comportamento. O jogo é um

processo interativo que oferece à criança a troca de papéis, de tempo e de espaços,

pois na brincadeira, ela comporta-se num nível que ultrapassa o que está habituada

a fazer. Nesse sentido, Pedro Demo (1996, p.30) destaca que

...o recurso da motivação lúdica pode ser muito eficaz nos alunos, (...),

jogos brincadeiras, competições, tomados todos com expedientes

instigadores da capacidade de iniciativa e de formulação própria, sem falar

no trabalho de equipe: sem exacerbar o horizonte competitivo, porquanto o

desafio é educativo, é possível arquitetar nos alunos um ambiente

instigador, aproveitando a potencialidade criativa que o lúdico naturalmente

contém (...) o hábito da leitura deve ser impulsionado com sistematicidade

persistente, sobretudo diante da ocorrência de meios modernos de

comunicação e informática que induzem à passividade receptiva da

informação.

Segundo o autor, podemos aproveitar a motivação que o lúdico traz, para ser nossa

aliada no ensino e aprendizagem da leitura. Ele também nos adverte para que nós,

sabedores do instrumento instigante que é a tecnologia, nos especializemos na sua

operação, para transformá-la em nossa aliada, pois em vários aspectos, como a

facilidade de armazenamento de informações, ela é muito eficaz. Cabe à escola

utilizar a ludicidade como mais um instrumento, dentro de vários possíveis, para

chegarmos ao aprendizado. Nesse sentido, realizamos algumas pesquisas no

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laboratório de informática para, ao invés de lutarmos contra a tecnologia, usa-la

como nossa aliada.

Já Karla Vignoli Viégas (1997, p. 13-14) escreve

O ler para gostar de ler seria a garantia do espaço da leitura-prazer: leitura

com a finalidade de divertimento, de gozo; o ler para conhecer a língua seria

o momento da apropriação da estrutura da língua portuguesa; o ler para

conhecer o mundo seria o momento de desvendar, de descobrir os

conhecimentos culturalmente construídos (...) primeiro a sedução, o

encantamento, a paixão, a emoção; depois a tomada de consciência do

que se está fazendo, a razão, o conhecimento, o domínio. Se o objetivo é

gostar de ler, a metodologia precisa ser o prazer, o deleitar-se e só.

Conforme é destacado pela autora, precisamos transformar o ato de ler em algo

prazeroso para, depois de alcançar esse objetivo, usar a leitura com outras

estratégias, para novas descobertas, mas sempre priorizando a instigação da

vontade de ler. Não podemos achar que todos começarão a ler simplesmente

porque dizemos que é um ótimo instrumento de diversão, cultura e libertação.

Temos que, usando algumas estratégias, fazer com que os alunos provem desse

“deleite” que é a leitura, para podermos seduzi-los. Com isso eles passarão a

procurar a leitura para satisfazer a sua vontade. Pudemos vivenciar in loco essa

apropriação da leitura ocorrida com os alunos, em virtude de estarem gostando do

que estavam fazendo. E só estavam gostando do que estavam fazendo porque era

algo lúdico e diferente das aulas rotineiras.

Por esse motivo, termos lançado mão de atividades lúdicas foi uma escolha

acertada. Conforme relata o professor Antonio Gomes Lacerda, no “Blog do

professor Lacerda”, a leitura, em uma perspectiva de abordagem a partir da

concepção do lúdico, permite que nossos alunos, em sala de aula, se inebriem, se

embriaguem com a leitura dentro de brincadeiras e passatempos, sendo cativados e

não abandonando mais a prática da leitura, nem o uso do lúdico, num “círculo

virtuoso”, de conhecimento.

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Como explica Lacerda,

A origem da palavra “ludic” vem de quando Ciro invadiu e aprisionou o rei

Creso, e os habitantes de Sardes, capital da Lidia se rebelaram. Ciro, não

querendo destruir a cidade que era muito rica e bonita, nem destacar para lá

um exército que a vigiasse, usou a seguinte estratégia: mandou construir

vários bordéis, tabernas e jogos públicos ao mesmo tempo em que um

decreto obrigava os habitantes a frequentá-los. Esta medida deu resultados

tão bons que não se fez necessário levantar uma só espada contra os

lídios. Os infelizes divertiam-se a valer e não satisfeitos ainda começaram a

inventar vários tipos de entretenimentos de tal modo que esqueceram a

própria falta de liberdade. Por causa desse episódio, a palavra latina usada

para significar ‘passatempos’ é a palavra “ludus”, que vem de ‘lydi’, lídios,

daí termos hoje a palavra lúdico significando brinquedo, diversão, etc.

(LACERDA, 2011)

A enciclopédia livre Wikipédia (2011) ajudou-nos a termos certeza de que fizemos

uma escolha acertada do lúdico como fórmula para aflorar esse sentimento de gosto

pela leitura:

... atividade lúdica é todo e qualquer movimento que tem como objetivo

produzir prazer quando de sua execução, (...) brincadeiras menos

consistentes e mais livres de regras ou normas (...) realização de uma tarefa

prazerosa; existindo sempre a presença de motivação para atingir os

objetivos. (...) Assim, brincadeiras e jogos podem e devem ser utilizados

como uma ferramenta importante de educação. (...) A brincadeira é mais

que passatempo, ela ajuda no desenvolvimento, promovendo processos de

socialização e descoberta do mundo.

Também Paulo Nunes de Almeida (2003, p.13) observa e corrobora nossa escolha

pelo lúdico, quando informa que

A educação lúdica está distante da concepção ingênua de passatempo,

brincadeira vulgar, diversão superficial. Ela é uma ação inerente na criança,

no adolescente, no jovem e no adulto e aparece sempre como uma forma

transacional em direção a algum conhecimento, que se redefine na

elaboração constante do pensamento individual em permutações com o

pensamento coletivo.

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Para o autor, o emprego do lúdico nas práticas escolares não é apenas uma

“brincadeira” sem valor pedagógico, sendo algo que está dentro do ser humano e

pode ser usado como facilitador, indiferente à fase da vida que vivemos. Levando

em conta que o lúdico pode ser usado em qualquer fase da vida, foi plenamente

aceitável usarmos “jogos” e “brincadeiras” no 6.º ano do Ensino Fundamental para

tentarmos resgatar um sentimento de gosto pela leitura.

Conseguimos notar nitidamente o desinteresse dos alunos pela leitura, mas que foi

superado quando informamos aos alunos que usaríamos instrumentos diferentes

daqueles que eles já haviam experimentado. Conforme nos indicou Paulo Sergio

Emerique, para conseguirmos “instalar” no aluno esse gosto pela leitura, foi

necessário “transgredirmos” o normal de uma sala de aula, usando a imaginação e o

lúdico, ou estaríamos fadados a, usando as regras normais do dia a dia, obtermos

sempre os mesmos resultados.

Pelo lúdico, através do imaginário, podemos ousar o diferente, sair da

mesmice. Usando nossa criatividade, é possível driblar a igualdade, o

conformismo, o “deixa como está pra ver como fica” (ou como piora!), mudar

a aula unicamente expositiva, a postura autoritária dos professores e dos

pais – supostos saberes – e a atitude passiva dos alunos e dos filhos –

sempre ouvintes descomprometidos... (EMERIQUE, 1999, p. 16)

Já o que relata Santa Marli Pires dos Santos foi o que mais nos encorajou, pois

reitera que o lúdico facilita a aprendizagem, além de preparar melhor o aluno.

O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o

desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde

mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de

socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento.

(SANTOS, 1997, p. 12)

Levando em conta essas ideias da autora, podemos afirmar que, como o que

pretendíamos com os “jogos” e “brincadeiras” era facilitar o sentimento de gosto em

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ler e com isso o quereríamos que o aluno aprendesse a ler cada vez melhor ,foi

muito positiva essa nossa proposição de usar o lúdico como facilitador do ensino e

aprendizagem da leitura nas escolas.

Já Kleiman (1997, p. 25) observa que

A ativação do conhecimento prévio é, então, essencial à compreensão, pois

é o conhecimento que o leitor tem sobre o assunto que lhe permite fazer

inferências necessárias para relacionar diferentes partes descritas no texto

num todo coerente. Este tipo de inferência, que se dá como decorrência do

conhecimento de mundo e que é motivado pelos itens lexicais no texto é um

processo inconsciente do leitor proficiente. (KLEIMAN, 1997, p. 25)

Conforme faz entender a autora, para compreender um texto, o sujeito utiliza

conhecimentos prévios na leitura. Quanto maior o conhecimento prévio do leitor,

mais abrangente a compreensão dele. Tais conhecimentos, segundo a autora são:

Conhecimento Linguístico: aquele conhecimento implícito na língua nativa,

como regra, vocábulos, pronúncia etc.;

Conhecimento Textual: que é conhecer os tipos de estruturação textual, como

expositivo, argumentativo, narrativo e descritivo;

Conhecimento de Mundo (ou Conhecimento Enciclopédico): que é aquele

adquirido formal ou informalmente, de acordo com nossos conhecimento e

experiências na sociedade, e a nossa expectativa sobre a ordem natural das

coisas.

Nesse ponto, temos que reconhecer que não avaliamos direito esse processo

cognitivo do aluno que iríamos trabalhar, pois superestimamos seus conhecimentos

prévios. Tal consideração permitiria que alguns entraves para o desenvolvimento do

projeto poderiam ter sido evitados ou amenizados, potencializando os resultados

esperados que, provavelmente, poderiam estar em maior sintonia com os objetivos

delineados quando do projeto de implementação.

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Seguindo esse raciocínio, Kleiman também relata:

...a leitura que não surge de uma necessidade para chegar a um propósito

não é propriamente leitura; quando lemos porque outra pessoa nos manda

ler, estamos exercendo atividades mecânicas que pouco tem a ver com

significado e sentido. (...) então o adulto pode, provisoriamente, superimpor

objetivos artificialmente criados para realizar uma tarefa interessante e

significativa. (...) através do modelo que o adulto lhe fornece, esse leitor

estabelecerá eventualmente seus próprios objetivos, isto é, desenvolverá

estratégias metacognitivas necessárias e adequadas para a atividade de ler.

(KLEIMAN, 1997, p. 35)

Dessa forma, entendo que foi legítimo impor metas como criação de “Histórias em

Quadrinhos” ou “Jogos”, como o esperado a ser feito com a leitura de um conto. Foi

uma maneira de, por um determinado tempo, resgatar o interesse pela leitura nos

alunos, para que estes, logo em seguida, estabelecessem novos objetivos, para

novas leituras, acostumando-se, assim, com a leitura como instrumento de

passatempo ou conhecimento.

A autora, porém, adverte que

Duas atividades relevantes para a compreensão de texto escrito, a saber, o

estabelecimento de objetivos e a formulação de hipóteses, são de natureza

metacognitiva, isto é, são atividades que pressupõem reflexão e controle

consciente sobre o próprio conhecimento, sobre o próprio fazer, sobre a

própria capacidade. Elas se opõem aos automatismos e mecanicismos

típicos do passar o olho que muitas vezes é tido como leitura na escola.

(KLEIMAN, 1997, p. 43-44)

Ou seja, quando estabelecemos objetivos para a leitura, fizemos com que o aluno

realmente lesse e não só cumprisse uma solicitação do professor, pois ele usou o

que leu em uma atividade seguinte. Isso serviu como subterfúgio para que o aluno

se acostumasse com o uso da leitura. Contudo, observamos ser necessário que à

frente, este aluno devesse procurar estabelecer seus próprios objetivos para a

leitura, conseguindo assim a autonomia que um leitor precisa para suas escolhas.

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A opção pelo gênero “conto” para as atividades propostas, pauta-se no que fala

Massaud Moisés, em sua obra A criação Literária:

O conto (...) trata-se, pois, de uma narrativa unívoca, univalente. Constitui

uma unidade dramática, uma célula dramática. Portanto, gravita em torno

de um só conflito, um só drama, uma só ação: unidade de ação. Para

entender nitidamente essa unidade dramática, temos que considerar ainda

outro aspecto da questão: todos os ingredientes do conto levam a um

mesmo objetivo, convergem para o mesmo ponto. Assim, a existência dum

único conflito, duma única “história”, está intimamente relacionada com essa

concentração de efeitos e de pormenores: o conto aborrece as digressões,

as divagações, os excessos. Ao contrário, exige que todos os seus

componentes estejam galvanizados numa única direção e ao redor dum só

drama. (MOISÉS, 1987, p. 20-21, 54)

Conforme o que pudemos entender, o autor nos informa que o gênero literário

conto, por ter certa brevidade dramática por essência e narrativa simples, é um

gênero muito cultivado. Também definido pela pouca quantidade de personagens,

cenários limitados, espaço e tempo restritos. Nesse estilo, o diálogo se sobrepõe à

descrição e à narrativa, para assim demonstrar os conflitos entre as personagens. O

conto também não tem compromisso com a realidade e sim com a verossimilhança,

sendo um flagrante de um fato inusitado na vida das personagens, em geral histórias

carregadas de tensão, o que constitui a situação dramática o núcleo do conto.

Essa escolha pautada na suposta simplicidade do gênero conto acabou não levando

em conta os alunos que iríamos encontrar na escola. O cenário vislumbrado por nós

na criação do projeto acabou afetando o resultado final, não pelas apresentações

dos trabalhos em si, mas pela exploração muito “rasa” do implícito dos contos.

Pelo fato de este projeto fazer uso da transposição de histórias curtas para histórias

em quadrinhos e para um jogo do tipo “ludo”, os elementos do conto se adequam

melhor. Para que um aluno ou grupo de alunos consigam montar uma história em

quadrinhos de seis a dez quadros é necessário que a história não seja muito longa,

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bem como tenhamos poucos personagens, se possível, no máximo três ou quatro e

muitos diálogos, para que, se os alunos não caracterizarem bem os personagens

(atitude esperada, pois eles não são desenhistas profissionais), possamos distinguir

quem é quem, por meio de seus “balões” de falas e pensamentos.

No que se refere ao jogo, é necessário espaço e cenário reduzido, pois será sobre

esse espaço/cenário que o desenho e a pintura do local por onde passará o caminho

com questionamentos sobre o conto será construído. Dessa forma, o gênero conto

encaixa-se de maneira excepcional aos trabalhos pretendidos neste projeto.

Também, espera-se que, devido à “leveza” do conto, bem como uma leitura feita

com um propósito já definido anteriormente, o trabalho desenvolva-se

produtivamente, tentando demonstrar uma alegria em “dominar” o texto proposto,

para com isso executar os próximos passos (HQ e jogo), com desenvoltura e

conhecimento de causa. Com isso, o aluno passa a apreciar a leitura, a se deleitar

no universo proposto por este ou aquele autor, ou pelo menos passa a entender que

a leitura é necessária para além de ler os textos, ler o mundo, e que ele necessita

dela para várias outras atividades na vida.

Dessa forma, desmistificamos o uso da leitura, retirando dela o caráter meramente

acadêmico e transformando-a em um agente facilitador na interpretação do mundo,

seja ele o mundo da escola, o mundo do trabalho, o mundo das brincadeiras, o

mundo do amor etc. A partir daqui, seja qual for o mundo que o aluno consiga

desvendar com brincadeiras e criatividade, mesmo com o incentivo do professor,

isso passa a ser uma escolha pessoal que deve resultar de uma prática significativa.

De qualquer maneira, de agora em diante o aluno deixa de ver a leitura como uma

atividade complicada ou chata, para vê-la como uma ferramenta libertadora e muito

importante para desvendar o mundo.

Objetivamos principalmente fazer que o educando:

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a) retextualize textos com a mudança do gênero discursivo;

b) passe a ter maior interesse pela leitura, se não tiver muitas dificuldades;

c) melhore a qualidade da leitura e da interpretação, quando apresenta

dificuldades;

d) use estratégias para aprimorar a interpretação, mesmo que com o uso de

dicionários, ao ler o texto proposto;

e) consiga entender e socializar o que compreendeu por meio de textos escritos

e por meio da oralidade na explanação para os colegas na interação dentro

dos jogos propostos, depois de internalizar o texto lido;

f) conheça e utilize estratégias de retextualização para compreensão desses

textos;

g) use os recursos de retextualização adequados aos gêneros, ao suporte, ao

destinatário e ao objetivo da interação;

h) desenvolva a interpretação de textos e relacione-os entre si;

i) reflita sobre as formas textuais usadas em um conto, em uma História em

Quadrinho e em um Jogo de Tabuleiro, com instruções e regras;

j) compare diferentes estruturas textuais;

k) identifique características das modalidades oral e escrita necessárias nos

diferentes suportes textuais;

l) desenvolva práticas cooperativas, colaborando e respeitando os colegas;

m) aprenda de modo mais fácil e agradável.

Para isso, usamos as duas atividades já mencionadas que serão mais detalhadas

posteriormente: a primeira delas é a leitura de contos curtos em sala de aula com

posterior confecção de histórias em quadrinhos sobre o conto. A segunda atividade

é a transferência de contos curtos para jogos de tabuleiro.

Vale ressaltar que a ordem das atividades foi escolhida à medida que os alunos

melhor assimilavam. Nesse caso específico, as duas atividades foram caminhando

concomitantemente. Os conceitos utilizados para desenvolver nossas atividades

nesta prática foram:

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Gênero Literário “Conto”: Segundo Massaud Moisés (1987), o “conto” é uma

narrativa simples e com certa brevidade dramática. É também definido pela pouca

quantidade de personagens, cenários limitados e espaço e tempo restritos. O

diálogo se sobrepõe à descrição e à narrativa, demonstrando os conflitos entre as

personagens, não tendo o “conto” compromisso com a realidade.

Histórias em quadrinhos: Segundo a enciclopédia livre Wikipédia (2011), é uma

forma de arte que conjuga textos e imagens com o objetivo de narrar histórias dos

mais variados gêneros e estilos. . Também a enciclopédia livre Wikipédia informa

que o quadrinista famoso Will Eisner define: “Arte sequencial: é o arranjo de fotos ou

imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma ideia”.

Jogo de tabuleiro Ludo (conhecido também como: “devagar se vai ao longe”):

Segundo a enciclopédia livre Wikipédia (2011), o jogo de tabuleiro Ludo é uma

versão do jogo indiano “Pachisi”, que é um jogo de corrida entre dois ou mais

participantes, no qual o objetivo é ser o primeiro a chegar com seu marcador (pino,

cavalo etc.), desde a casa de origem até a casa final, devendo para isso o jogador

dar a volta pelo caminho proposto no tabuleiro e chegar antes dos adversários ao

final do jogo.

2 Implementação

Partimos, neste artigo, da escolha do tema e de instrumentos já usados pelo

professor PDE em sala de aula, mas agora devidamente fundamentados conforme

já exposto anteriormente.

Essas atividades tiveram como norte o recorrente problema notado em toda rede

escolar, em que o educador, seja das séries finais do Ensino Fundamental, seja no

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Ensino Médio, depara-se com a dificuldade nos seus educandos, em ler e

principalmente interpretar, por dificuldades de leitura ou por desinteresse.

Devido a isso, mostrou-se pertinente o estudo de estratégias, que pudessem ajudar

os educadores no ensino e aprendizagem da leitura e enfrentamento desse tipo de

problema na escola.

Decidimos aplicar essas ações diretamente em sala de aula com os alunos de 6.º

ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professora Maria Luiza Franco

Pacheco, no município de Balsa Nova – Paraná.

Cabe informar que junto com a implementação deste projeto na escola, nós, os

professores PDE, tivemos que participar de um curso de formação de Professores-

Tutores para Educação a Distância na plataforma “moodle/e-escola”. Tal curso foi

necessário para sermos tutores de um curso a distância destinado aos professores

da rede estadual de educação. O curso no qual fui tutor, intitulado “GTR” (Grupo de

Trabalho em Rede), teve como pauta o projeto de que trata este Artigo. Foram dois

meses de curso no final do ano de 2011, período em que disponibilizei aos 14

participantes o Projeto, a Produção Pedagógica bem como a intenção de como

estaríamos implementando-o na Escola. Os professores cursistas puderam opinar, e

debater o projeto no fórum disponibilizado. Também puderam, na medida do

possível e do escasso tempo, tentar implementar alguma parte do projeto em suas

Escolas.

No que se refere às ações desenvolvidas na nossa Escola de atuação, iniciamos

com algumas reuniões com a direção da escola e com a equipe pedagógica, que

demostraram disposição em ajudar no que fosse necessário. Em consenso, foi

decidido que o 6.º ano A (5.ª série A) seria o escolhido para a implementação do

projeto. É importante ressaltar que a direção da Escola informou que mais dois

professores PDE estariam implementando seus projetos em outras áreas do

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conhecimento, mas que todos eram muito bem vindos. Já a Equipe Pedagógica se

prontificou a dar todo tipo de suporte, inclusive servindo como “elo” junto aos alunos

e demais educadores da Escola.

O próximo passo foi conversar com os alunos com a presença da Equipe

Pedagógica, para verificar a aceitabilidade das atividades junto à turma. Todos os

alunos mostraram interesse. Com isso, coletamos os nomes de todos para o

controle dos participantes.

No que se refere à retextualização de contos em Histórias em Quadrinhos (HQs),

começamos apresentando vários gibis aos alunos para que eles se familiarizassem

com o gênero “História em Quadrinhos”, pois, por mais que pareça improvável,

muitos alunos não tinham acesso a esse tipo de literatura ou, se tinham, nunca se

interessaram. Mas, com certa dose de insistência e paciência, os alunos começaram

a se adaptar a esse gênero textual, que reúne imagem, palavra, símbolos e signos,

e mesmo para os alunos que já têm o hábito de leitura, as histórias em quadrinhos

precisam ser aprendidas, pois combinam diversos planos semióticos para expressar

diversos pontos de vista, drama, humor, num só texto.

Em seguida, repassamos pequenas histórias em quadrinho, com a falta de alguns

diálogos, para que os alunos os reconstruíssem, garantindo, além da completude

textual, a sua coesão e coerência. Foi muito proveitoso, pois estimulou muito a

criatividade, embora alguns alunos tenham tido certa dificuldade em criar os

diálogos. Esse exercício ajudou na discussão da estrutura de início, meio e fim de

uma história para uma boa redação. Nessa atividade, houve uma criação

espontânea e empírica dos educandos. Mas essa ferramenta rende muito também

quando esses mesmos educando são apresentados a um “gibi” anteriormente, e o

leem, pois então há uma atividade de concentração nesse tipo de leitura, fazendo

com que o educando capte melhor a concepção da HQ.

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Foi solicitado aos alunos para que retirassem de algumas HQs os tipos de balões

encontrados, reproduzissem-nos em seus cadernos para que analisássemos as

suas aplicabilidades no gênero que estava sendo objeto de estudo. Nesse item,

tivemos a necessidade de um atendimento mais específico sobre as onomatopeias,

e como eram retratadas na HQ.

Nesse momento, solicitamos aos alunos que escolhessem uma HQ curta e

tentassem transformá-la em uma narrativa, valendo-se apenas do texto verbal,

demonstrando que era possível a retextualização. Aqui os alunos tiveram um pouco

de dificuldade para entender a intencionalidade de cada personagem, mas, no geral,

todos conseguiram realizar satisfatoriamente a atividade.

Como última ação, antes de partirmos para o trabalho final de retextualizar um conto

em uma HQ, passamos por uma atividade em que repassamos aos alunos uma

pequena história e disponibilizamos vários recortes de figuras ligadas ao texto para

eles tentarem, por meio de colagens, textos e diálogos, criar sua primeira HQ. O

trabalho ficou muito bom, mas nem todos tiveram facilidade na montagem, até

porque o ritmo de entendimento dos alunos não é padrão, o que ocasionou um

pouco de agito. Devido a esses problemas, fui solicitando a cada aluno que

terminava para tentar ajudar seus colegas que estavam com dificuldades. A

princípio, essa atitude não diminuiu o agito, até piorou, mas à medida que os que

sentiam mais dificuldades foram conseguindo fazer a retextualização, eles foram

envolvendo-se cada vez mais e o trabalho terminou de maneira satisfatória. Mas

como em toda sala houve casos em que dois ou três alunos não se empenharam no

trabalho por terem problemas de motivação em quase todas as aulas. Esses casos

foram devidamente passados para a equipe pedagógica, que conversou com os

alunos.

No que se refere à transferência de contos para jogos de tabuleiro, iniciamos com a

apresentação de vários jogos de tabuleiro aos alunos para que estes se

familiarizassem e os incentivamos a jogar apresentando-lhes o básico das regras.

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Tentamos descobrir alguns jogos que eles já conheciam, listando-os no quadro de

giz. Como nenhum aluno citou o jogo tipo “ludo”, listei-o e insisti para que eles o

conhecessem, discutissem suas regras e o jogassem.

Por mais que possa parecer estranho, os alunos também não tinham intimidade

nenhuma com os jogos de tabuleiro, pois o interesse atual deles parecem ser

apenas os jogos interativos eletrônicos. Com isso, usamos o laboratório de

informática para que eles pesquisassem sobre os jogos apresentados. Isso fez com

que o interesse deles pelos jogos de tabuleiro melhorasse muito.

Levei para a sala de aula alguns jogos desse tipo, que imprimi da internet, e joguei

com os alunos. Também eles jogaram entre si e com isso entenderam um pouco

mais sobre o jogo, suas peças e regras.

Propus aos alunos que cada um tentasse construir seus próprios jogos, sem maiores

preocupações com estética, apenas para que entendessem como poderiam ser

feitos os “caminhos”, como seriam as regras, bem como eles inseririam as

penalidades, já pensando em utilizá-los estrategicamente para as atividades de

leituras de contos.

Como última ação, antes de nos encaminharmos para a criação de um jogo de

tabuleiro derivado de um conto, solicitamos que duplas de alunos transportassem

uma historinha de quadrinhos de um gibi em um jogo tipo “Ludo”, com a criação de

questionários sobre a história, penalidades, bônus e regras. No caso das regras,

fizemos um texto coletivo, discutindo os itens, o tipo de texto e a forma de expressar

os comandos, vendo também o uso do imperativo. Passamos então para o jogo

efetivamente. Percebemos algumas falhas no encaminhamento das atividades

nesse momento, pois os alunos têm um pouco de dificuldade em seguir as regras,

mas no geral foi bem proveitoso.

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A partir desse momento, passamos para a etapa final das atividades. Para isso,

foram formados grupos de quatro alunos para colocar em prática a criação das HQs

e dos jogos de tabuleiro. Esse número de alunos foi pensado para que, em cada

grupo, após escolher um conto, dois deles ficassem responsáveis pela criação da

HQ e dois ficassem responsáveis pelo Jogo de Tabuleiro, e assim aconteceu. Para

essas tarefas, houve muita dificuldade dos alunos para fazerem um planejamento de

trabalho, eles queriam ir de imediato para a execução, sem prever o número de

questões para o questionário, sem prever o número de quadros para a HQ, sem

pensar que partes da história seriam retratadas ou questionadas, sem decidir quem

ia ficar responsável por qual atividade, e foi difícil fazê-los entender que, com

planejamento, o trabalho ficaria mais fácil e organizado. No entanto, com muitos

questionamentos, já esperados, e com muita paciência, os trabalhos foram

apresentados. Houve muita intervenção positiva do professor, interação entre eles,

correções de possíveis distorções, mas o trabalho foi finalizado, com a apresentação

das HQs e dos contos de cada equipe, bem como com a realização de partidas de

jogos de tabuleiro entre os integrantes da mesma equipe, com a devida supervisão

do professor.

Antes de passarmos à criação da HQ e do Jogo de Tabuleiro propriamente dita,

tivemos que escolher os contos. Tal atividade foi feita, solicitando que os alunos

trouxessem alguns livros de contos para a sala de aula. Junto a estes livros também

trouxe alguns contos impressos em folhas A-4. Houve uma troca de livros e folhas

entre as equipes. As escolhas foram feitas pelas equipes, levando em consideração

dois conselhos dados por mim: 1) escolher textos que não fossem muito longos: 2)

que escolhessem contos que versassem sobre coisas que eles conhecessem, ou

seja, que não escolhessem temas muito complexos. Com isso a escolha foi dentro

do esperado e cada equipe escolheu o conto com o tema que lhe era mais familiar.

3 Considerações finais

No que se refere à retextualização de contos em HQs, é importante dizer que foi um

trabalho muito árduo, porque a transposição de um texto escrito para uma HQ não é

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uma tarefa muito fácil, já que necessita de uma quase “tradução”, pois temos nos

contos apenas a escrita, enquanto em uma HQ devemos reinventá-los usando duas

linguagens: a escrita e o desenho. Conforme afirma Cirne:

Transpor uma obra de uma dada prática estética para outra prática estética

implica assumir semiologicamente os signos de uma nova linguagem.

(CIRNE, 1972, p. 93)

Já na escolha dos contos, relatados na “Implementação”, tive uma grata surpresa

que eu não havia previsto no meu projeto, pois, os alunos, ao trazerem e trocarem

os seus livros sobre contos e meus textos, houve uma troca “mini feira” de livros

onde todos queriam ler a maior quantidade, para achar aquele que satisfizesse o

grupo. Com isso muitos alunos leram vários contos. Com certeza não foi uma leitura

de boa qualidade, pois foram rápidas, mas esta superexposição dos alunos aos

contos foi com certeza benéfica para sua aguçar a vontade de ler deles.

As onomatopeias criaram dificuldades na criação das HQs, pois ao darem uma ideia

visual dos sons, muitas vezes acabavam suscitando estranheza aos alunos.

A escolha do gênero literário conto foi proposital, pois se trata de um gênero literário

simples e breve, mas na prática os alunos não tinham o amadurecimento literário

necessário para entender e se aprofundar em certos contos, caso que acabei não

levando em conta no planejamento das atividades. Acabei vislumbrando alunos sem

problemas e com certa bagagem literária, o que eu sabia de antemão que não é o

retrato de nossos alunos. Devido eu ter superestimado os alunos, as Histórias em

Quadrinhos ficaram pobres no que se refere a captar a essência da história.

A diagramação dos quadros nas páginas também não foi muito bem elaborada pelos

alunos, pois eles não seguiram um padrão muito definido. Padrão este que eu defini

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antes dos trabalhos, como sendo uma folha de papel A-4, no sentido “retrato”

dividida em quatro ou seis quadrinhos. Para dirimir este problema poderá ser

disponibilizado esses papéis previamente divididos, para que fosse seguido um certo

padrão.

De maneira geral, os alunos se interessaram pelas atividades e as realizaram. O

problema maior foi que acabei criando expectativas muito altas, esquecendo-me que

cada aluno tem seu ritmo e sua história escolar e que eles não gostam muito de

seguir padrões pré-estabelecidos. Apesar disso todos gostaram das leituras e das

atividades. Pudemos notar que, se trabalhado de acordo com o proposto no projeto,

vislumbramos mais um benefício nas Histórias em Quadrinhos: O de escrever,

pesquisar e criar em qualquer área de conhecimento. Além do benefício sobre o qual

este artigo versa: o de motivar os professores a utilizar as Histórias em Quadrinhos

como uma ferramenta de trabalho na sala de aula, visando desenvolver as

habilidades de leitura e de compreensão de textos.

No que se refere à transferência de contos para jogos de tabuleiro, sua execução foi

mais dentro do esperado, pois os questionamentos se detinham em pergunta e

respostas do andamento da história em si, além de nome do autor, ano de

publicação, personagem principal, personagens secundárias, locais e datas

apresentadas na história, que são itens muito mais diretos e objetivos para um aluno

de 11, 12 ou 13 anos de idade. Cabe lembrar que os alunos também deveriam criar

questões sobre a história e o rumo que ela tomava. Nesta parte do questionamento

é que pude notar que eles preferiram questionar sobre os fatos explícitos do conto,

sem questionar o implícito, fora raros casos. Notei também, que houve uma boa

qualidade nas informações existentes, nos símbolos e figuras usadas para a

confecção do tabuleiro bem como dos “peões” e “dados”.

Para melhorarmos o aproveitamento dessas duas atividades, vislumbro o uso de

fábulas no lugar dos contos, que são mais contempladas em um 6.º ano do Ensino

Fundamental, são instrutivas, valendo-se de personagens que representam valores

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e comportamentos humanos, como animais etc. Seria adequado também usar um

modelo de diagramação dos quadros para as HQs, fazendo com que os trabalhos

fiquem esteticamente mais apresentáveis. Mas é inegável a exigência insistente da

criatividade em todas as atividades bem como o mínimo de concentração na leitura

dos textos literários.

No que tange ao interesse pela leitura, é um canal muito fértil, pois o aluno mergulha

nos desenhos, nos diálogos, nos “sons visuais”, nos questionários, sem se dar conta

de que está lendo. Tal procedimento pode levar muitos deles a se contagiar com o

“vírus” da leitura e transformar a educação. Tendo sempre em mente que esses

instrumentos aqui apresentados e aplicados na prática são uma pequena

demonstração do que o lúdico pode fazer de bem à educação. Existem muitos

outros instrumentos lúdicos, cabe a nós, educadores, criá-los, modificá-los,

reinventá-los e oferecê-los aos nossos alunos, como um “elixir” que pode melhorar

muitos os problemas na educação.

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