24
./‹.44.7".A.1-YSIS 2196 A luta dos sem terra no oeste catarinense* O anta Catarina tem sido apontado como modelo de implantação da Reforma Agrária no Bra- sil. Foi o que afirmou o ex-ministro Dante de Oliveira em Outubro de 1986, quando visitou o oeste catarinense: "Santa Catarina é um dos Estados mais adiantados do Plano Nacional de Reforma Agrária". Uma grande questão porém paira no ar: Como isto aconteceu? Foi por acaso que a Nova República se preocupou com a Reforma Agrária e atuou com ta- manha eficiência? A Reforma Agrária foi uma das grandes promessas da Nova República que veio ao encontro dos traba- lhadores. Milhares de agricultores se viram na proe- minência de terem seus conflitos de terra resolvidos e finalmente poderem trabalhar para sua auto-susten- tação. Porém, o debate em torno do PNRA logo compro- vou o jogo de forças conservadoras contido na Nova República, frustrando esta esperança. A proposta inicial da Nova República de fazer de- mocracia com a participação do povo foi logo substi- tuída por fazê-la "para" e "no lugar" do povo. O presente trabalho se propõe analisar estas ques- tões e procura mostrar que em Santa Catarina o fator decisivo para acelerar o processo de Reforma Agrária foi, a organização, união e pressão dos agricultores pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Este movimento tem se destacado como um "Novo Movimento Social" entre outros, que vão se empenhan- do na luta por uma sociedade mais democrática, mais justa, onde as diferenças sociais não sejam tão gritan- te; onde os direitos e a dignidade da pessoa humana sejam respeitados, sobretudo o direito à terra e o direi- to à vida. Pois, apesar de Santa Catarina ser conhecida como Teresa Kleba Lisboa ** * O presente trabalho é uma síntese da Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Ilse Scherer - Warren ** Mestre em Ciências Sociais/ UFSC; Professora do Departamento de Serviço Social/UFSC.

A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

./‹.44.7".A.1-YSIS2196 •

A luta dos sem terra nooeste catarinense*

O anta Catarina tem sido apontado comomodelo de implantação da Reforma Agrária no Bra-sil. Foi o que afirmou o ex-ministro Dante de Oliveiraem Outubro de 1986, quando visitou o oestecatarinense: "Santa Catarina é um dos Estados maisadiantados do Plano Nacional de Reforma Agrária".

Uma grande questão porém paira no ar: Como istoaconteceu? Foi por acaso que a Nova República sepreocupou com a Reforma Agrária e atuou com ta-manha eficiência?

A Reforma Agrária foi uma das grandes promessasda Nova República que veio ao encontro dos traba-lhadores. Milhares de agricultores se viram na proe-minência de terem seus conflitos de terra resolvidos efinalmente poderem trabalhar para sua auto-susten-tação.

Porém, o debate em torno do PNRA logo compro-vou o jogo de forças conservadoras contido na NovaRepública, frustrando esta esperança.

A proposta inicial da Nova República de fazer de-mocracia com a participação do povo foi logo substi-tuída por fazê-la "para" e "no lugar" do povo.

O presente trabalho se propõe analisar estas ques-tões e procura mostrar que em Santa Catarina o fatordecisivo para acelerar o processo de Reforma Agráriafoi, a organização, união e pressão dos agricultorespertencentes ao Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra.

Este movimento tem se destacado como um "NovoMovimento Social" entre outros, que vão se empenhan-do na luta por uma sociedade mais democrática, maisjusta, onde as diferenças sociais não sejam tão gritan-te; onde os direitos e a dignidade da pessoa humanasejam respeitados, sobretudo o direito à terra e o direi-to à vida.

Pois, apesar de Santa Catarina ser conhecida como

Teresa Kleba Lisboa **

* O presente trabalho é uma sínteseda Dissertação apresentada aoPrograma de Pós-Graduação emCiências Sociais da UniversidadeFederal de Santa Catarina.Orientador: Ilse Scherer - Warren** Mestre em Ciências Sociais/UFSC; Professora do Departamentode Serviço Social/UFSC.

Page 2: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

IC."1:1".éLLYSIS1/96

um Estado minifundista, nãopodemos esquecer que aconcentração de terras nas mãos depoucos é grande. Segundo aSecretaria do Movimento dos SemTerra, em 1986 existiam 140 milfamílias sem terra em nosso Estado.

Movimentos sociais -evolução dos paradigmas

A partir da década de 70,observa-se no Brasil, a irrupção denovos sujeitos sociais no cenáriopolítico, que vem colocando emgestação uma nova compreensão dapolítica, da sociedade e da vida.

Segundo DE LA CRUZ (1987),três grandes rupturas ocorreram nasociedade que contribuíram para osurgimento dos Movimentos Sociais:

Ruptura Cultural: O desenvol-vimento do Capitalismo, a cres-cente industrialização e urbani-zação provocou crise na famíliados casais, das relações entrepais e filhos, da dupla ou triplajornada de trabalho da mulher,e perda de fé nas crenças tradi-cionais o que ocasionou:- individualização da sociedade- desestabilização das relaçõeshumanas.Ruptura do Modelo Estatal: Acrise econômica e a complexi-dade da sociedade assinalaramos limites para o funcionamen-to do Estado interventor edesenvolvimentista.

Causas:- insuficiência administrativo- incapacidade de prestar servi-ços- deterioração da legitimidade

3. Ruptura do Modelo Desenvolvimentista: A crise econômica,o desemprego em massa,recessão, efeitos ambientais daindustrialização vieram desmas-

carar o sonho desenvolvi-mentista.'

O primeiro movimento expressivocontestador dessas rupturas foi oMovimento dos "hippies" quecomeçou nos Estados Unidos, maslogo se erradicou também no Brasil.

Outros movimentos que surgemmais tarde colocando em gestaçãouma nova compreensão da política,da sociedade e da vida são:Movimentos feministas, raciais, demoradores das periferias urbanas,dos sem terras, juvenis, ecológicos,pacifistas, as Comunidades Eclesiaisde Base e outros.

Estes Movimentos Sociais surgemcomo novos autores do cenáriopolítico e são apresentados comofontes de possíveis transformaçõesna sociedade e de questionamentosà estrutura de dominação vigente.2

Almejam a construção do novo,um novo que se define pela crítica àspráticas organizativas,centralizadoras e burocratizadas jáexperimentadas. Não possuem umprojeto claro de futuro. O vir a serdeve ser construído a partir dopróprio presente, com experiênciaprópria.'

Atualmente, a experiênciacotidiana do autoritarismo vividoem nosso sub-continente fez com queo Movimento Popular descobrisseque a Democracia é algo essencial, enão de valor relativo', e que a lutacontra o autoritarismo torna-se umaluta pela ordem social alternativa edemocrática.

LEFFORT (1983), coloca que éda essência do totalitarismo recusaros direitos do homem, ao mesmotempo que esses direitos são um dosprincípios geradores dademocracias

Para DURHAM (1984), naanálise da categoria dos direitos,

está implícito o problema dacidadania, quando diz que atransformação de necessidades ecarências em direitos que se operadentro dos Movimentos Sociais,pode ser vista como um amploprocesso de revisão e redefinição doespaço de cidadania. 6 Passa-se alegitimar o Estado na medida emque este for capaz de respeitar epromover os direitos que apopulação está se atribuindo.

Os Movimentos Sociais nãoesperam mais uma solução globaldos conflitos pela conquista ou adestruição do poder estabelecido.Entendem que o poder não estáconcentrado apenas numdeterminado ponto (O ESTADO),mas presente em todo o tecidosocial, em todas as relações que aspessoas estabelecem entre si.

Para transformar profunda eradicalmente a sociedade énecessário construir um poder novo,antes de tomá-lo. Construí-lo apartir das bases da sociedade, nocotidiano da população.

O "novo" dos NovosMovimentos Sociais

consiste exatamente nacriação de pequenos

espaços de prática social,nos quais o poder em seu

sentido estatal,tradicional não é

fundamental.

Nestes espaços os movimentosformam sua identidade e lutam porautonomia, entrando em conflitocom as estruturas autoritárias quecolocam resistência àsdiversidades. 7

Outro aspecto fundamental nosNovos Movimentos Sociaisressaltado por DURHAM, (1984), é

Page 3: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

.1C.A. TAL -2•SIS2/96

a ênfase na igualdade, naconstituição da coletividade.' Istoocorre através da vivência emcomunidade, onde indivíduos com omesmo tipo de carência, passam ater uma relação comunitária deigualdade.

HEIEROGENEIDADSDESIGUALDADE

RELAÇÃO comuNrrÁRIA

MESMA CARÊNCIA

IGUALDADE

Por exemplo, as famílias semterra provenientes de diversaslocalidades fazem parte de ummesmo acampamento onde seestabelece uma relação comunitária.Estão ali por causa de uma mesmacarência, a terra, e através destarelação ocorre uma igualdade naidentidade.

A vivência em comunidadeimplica uma novidade muitoimportante: o reconhecimento dapessoa no plano público: oindivíduo que somente eraconhecido na esfera privada(família, parentes, amigos, vizinhos)passa a ser conhecido também naesfera pública, através do mútuoreconhecimento, pois, nosMovimentos Sociais de cunhocomunitário se valoriza aparticipação de todos e de cada um,todos podem falar; opinar, decidir9

Até a década de 60 osMovimentos Sociais eramconcebidos como práticassubordinadas aos partidos esupunha-se que os únicos sujeitossociais eram os sujeitos de classe.

Os Movimentos Sociais somentetinham duas alternativas:

A eles caberia o papel de movi-mento de massa pouco estru-turados, devendo integrar-se àsorganizações dos trabalhadorescomo o movimento social doproletariado;Ou teriam a função de 'frontspolíticos" subordinados aospartidos, único organismo au-torizado a fazer política."'

Este reducionismo" passou a serum obstáculo dentro do paradigmamarxista, dificultando acompreensão do conceito dedemocracia relacionado aosocialismo, e a compreensão dosignificado dos Movimentos SociaisContemporâneos. (Num, 1983).

O reducionismo classista reduztodas as contradições a umacontradição de classe." E umclassismo reducionista não"consegue incorporar categoriascomo nação, povo, democracia ouMovimentos Sociais.

É necessário entendermos arealidade como uma totalidadecomposta de diferentes níveis emomentos com especificidadespróprias que se interrelacionam.

Assim, as relações sociais nãopodem decorrer unilateralmente dasrelações de produção, pois osMovimentos feministas, raciais,ecológicos, pacifistas, CEB's eoutros possuem bases sociais quenem sempre ou não somente estãoligados à produção.

As referências de análise passama ser múltiplas: políticas,organizacionais, culturais e outras.

Estes Novos Movimentos Sociaispassam a redefinir suas relações como marxismo pois:

- afirmam que a democracia é umvalor fundamental;- pretendem uma nova prática po-lítica fundada numa nova concep-

ção de poder - criando pequenosespaços de prática social;- reconhecem sua identidadecomo Movimento num espaçopolítico;- e a presença da religião é pro-funda com o papel da Igreja Po-pular através da CEB's.

Assim, o marxismo passa a serconsiderado como um inspirador devalores igualitários, porém não maiscomo paradigma predominante quegoverna a ação."

E a dialética e o materialismohistórico continuam trazendocontribuições para os MovimentosSociais contemporâneos, masperdem sua exclusividade.I4

Neste contexto pois, de crise dasociedade industrial moderna, decrise do pensamento político e deirrupção de novos autores sociais,percebemos que surge um novoparadigma de análise social que nospermite compreender o significado eos rumos do atual momento,particularmente dos movimentossociais contemporâneos.

Alguns autores têm contribuídosignificativamente para este novoparadigma. Vejamos:

CAPRA" coloca que nossasociedade se encontra numa crise depercepção que deriva de estarmostentando aplicar os conceitos deuma visão de mundo mecanista daciência cartesiana, newtoniana - auma realidade que já não pode serentendida em função dessesconceitos.

A solução que o autor apresentaé a construção de um novoparadigma, uma nova visão derealidade, uma mudançafundamental em nossa análise douniverso.

O novo paradigma sugerido peloautor é holístico, abrangente, onde

Page 4: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

1/96

são valorizados aspectos comointerdisciplinaridade,sistematização, prudência,humildade, onde a ciência começa aser exercida com base em novosvalores. Toda a relação do homemcom a biosfera começa a mudar. Umaverdadeira revolução cultural esocial passa a operar no cotidianodas pessoas.

CAPRA'6 diz que é necessárionos preparamos para esta grandetransição:

"Necessitamos de um profundoreexame das principais premissas evalores de nossa cultura, de umarejeição daqueles modelosconceituais que duraram mais quesua utilidade, e de um novoreconhecimento de alguns valoresdescartados em períodos anterioresde nossa história cultural".

Esta mudança na mentalidade dacultura, segundo o autor, tambémrequer profundas alterações nasrelações sociais e formas deorganização social.

LACLAU" por sua vez, colocaque os conflitos sociais estãoassumindo dimensões e formasradicalmente novas, o que vemocasionando uma crise doparadigma tradicional das CiênciasSociais.

Para esclarecer o novoparadigma, o autor se reporta a trêscaracterísticas que tipificaram asconceituações tradicionais deconflitos sociais.

1. A determinação da identidadedos agentes era feita através decategorias pertencentes à estru-tura social. As lutas eram clas-sificadas com unidade empírico-referencial do grupo. Ex: Lutas"camponesas", "burguesas",etc.

O tipo de conflito era determi-nado em termos de um para-digma diacrônico-revolucioná-rio. Não dependia da conscien-tização dos agentes, e sim deum movimento subjacente daHistória. Ex: Transição da soci-edade tradicional para a socie-dade de massas.A pluralidade de espaços doconflito social era reduzida, namedida em que os conflitos sepolitizavam, a um espaço políti-co unificado, onde a presençados agentes era concebidacomo uma "representação de in-teresses".

Para LACLAU o que caracterizaos Novos Movimentos Sociais é queatravés deles, rompeu-se a unidadedestes três aspectos do paradigma.

Para o novo paradigma, asposições do agente social tornaram-se autônomas (base daespecificidade dos NovosMovimentos Sociais); o ponto devista da análise política, em seatribuir cada aspecto da realidadesocial e econômica aos estágiossucessivos da sociedade foisubstituído; e a identidade dosagentes sociais não é maisconcebida como constituída numúnico nível da sociedade.

O espaço político unificado(fechado e homogêneo), dá lugar auma proliferação de espaçospolíticos.

Os Novos Movimentos Sociaispassam a ser caracterizados por umacrescente politização da vida social.

LACIAU's salienta ainda que ofato marcante dos NovosMovimentos Sociais que emergiramna América Latina é que:

"as mobilizações populares nãomais se baseiam num modelo desociedade total ou na cristalização

em termos de equivalência de umúnico conflito que dividia atotalidade do social em dois campos,mas numa pluralidade de exigênciasconcretas conduzindo a umaproliferação de espaços políticos".

Para Calderon GUTIERREZ' 9 osmovimentos sociais vivem ummomento de inflexão entre asorientações e característicastradicionais da sociedade e osurgimento de novas práticas eorientações.

Aponta a necessidade deconstruir um corpo técnico novo e seesforça para reconhecer e integraras contribuições dos NovosMovimentos Sociais a umareconstituição da teoria geral doestado, como sistema político ecultural dotado de racionalidade.Diz que as diretrizes anteriores,nacionalistas, industrialistas emodernizantes não atraem mais abase social de legitimação quesustentou no passado os regimespopulistas, liberais oudesenvolvimentistas. É precisodescobrir novas diretrizes.

A sugestão do autor é que osmovimentos sociais passem primeiropor um momento formativo deexperiências particularistas,constituindo novas identidadescoletivas centradas na autogestão,solidariedade, etc., para poderemretornar ao espaço político"reconstituindo o sistema deoposições e viabilizando areconstrução de sujeitoshistóricos"."

Além desses, outros autorestambém possuem contribuiçõesquanto à mudança dos paradigmas,porém optei em destacar somentetrês.

Page 5: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

KA.77ALYSIS1/96

Os novos movimentos sociaise suas características

Os Novos Movimentos Sociaisnão se diferenciam dos velhos outradicionais por sua temporalidade,mas, sim, por suas características.

Atualmente, ainda encontramosMovimentos reivindicatóriosimediatistas - Ex: Um grupo que sereúne para reivindicar água, luz,etc., e depois se desfaz.

De um modo geral os velhos ouantigos Movimentos:

privilegiam objetivos materiais;- relações instrumentais;- orientações para com o Estado;

organização vertical."Exemplo, Os sindicatos

"pelegos" ou partidostradicionalistas dialogam com oEstado por intermédio de seusorganismos legalmente conhecidos.Os Conselhos Comunitários sãomovimentos que possuem umaorganização formal - exigemmecanismos de representação,eleição de diretoria, e estaencaminha as reivindicações para oórgão responsável, no caso aFUCADESC que coordena a políticados Conselhos Comunitários deSanta Catarina.22

Os Novos Movimentos Sociaispor sua vez enfatizam a organizaçãocomunitária, evitando ainstitucionalização derepresentantes e exigindo umaparticipação permanente de todos,tanto no processo de tomada dedecisões como na própria execução.

A sociedade civil passa a ser umnovo local de se fazer política eproporciona espaço para criar eexperimentar diferentes formas derelações sociais.

Neste espaço se enfatiza aigualdade, o mútuo reconhecimento- criando-se espaço e oportunidade

de participação para todos; ocorreuma vivência comunitária esobretudo uma revisão e redefiniçãodo espaço de cidadania, que passa aser conquistada através de uma lutaconsciente.

Enfim, os Novos MovimentosSociais procuram orientar-se por:

- critérios de afetividade;- relações de expressividade;- orientações comunitárias;

-organização horizontal."Abre-se espaço para a criação de

um novo sujeito histórico, pois, arelação entre o indivíduo e ocoletivo é retrabalhada,comprometida socialmente; e estecoletivo pela força da união passa aser um dos agentes de transformaçãosocial."

No Brasil, a Igreja Popular25acumulou experiência neste sentidoe sempre cedeu seu teto para gruposorganizados. Através das CEB's26exerce uma função e missão políticana medida em que ajuda afundamentar uma sociedade maisigualitária e democrática. (BOFF,1986).

Particularmente no meio rural aIgreja através de sua metodologia,que visa democracia e igualdade,rompeu a chamada "cultura dosilêncio"27 que durante muito tempofoi marcante - pois tudo era ditadode cima para baixo pelas classesdominantes (coronéis fazendeiros).

O homem do campo que semprefoi tido como submisso, resignado,humilde e ignorante passa a ter vez evoz. Participando dos MovimentosSociais ele descobre espaços nosquais é reconhecido e valorizado;percebe que deve lutar para serdono do seu destino pessoal.

Atualmente, vários MovimentosSociais têm mostrado umavinculação muito forte com a Igreja,

seja porque ela sempre os acolheuou pela ênfase na democracia eigualdade de direitos que estáempregando.

Para SCHERER-WARREN, osMovimentos Sociais estãocontribuindo e desenvolvendo umanova cultura política, de base, ondea contribuição do ideárioanarquista como democracia debase, livre organização, autogestão,direito à diversidade, respeito àindividualidade, de liberdadecoletiva, tem sido valiosa.2R

Nos Novos Movimentos Sociais,as relações de poder sãotrabalhadas e questionadas. Nãoanseiam pela conquista oudestruição de poder estabelecido,mas "por uma pluralidade deexigências concretas que vãoconduzir a uma proliferação deespaços políticos ".29

Se tem claro que a estratégia écomeçar pelas pequenastransformações, microrevoluções docotidiano; as relações inter-pessoais, os valores machistas danossa sociedade, direitos humanos,igualdade social, etc., para aospoucos atingir uma transformaçãomais global.

A conquista da cidadania vaiestabelecer uma nova relação com oEstado, que passa a ser legitimadona medida em que este é capaz derespeitar e promover os direitos quea população está se atribuindo.

Por isso, o discurso dosMovimentos Sociais de puracontestação do Estado, não cabemais na atual realidade.

"Com seu exemplo dedemocracia e transformação dacultura política, os NovosMovimentos Sociais estãolevantando ao Estado os desafios, osestímulos e a iniciativa que

Page 6: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

KAT-4417-1,51S2/96

corresponde exatamente a sua(deles) esfera de competênciaparticular"."

Os Movimentos Sociais devemassegurar aos poucos, condiçõespara interferir efetivamente narealidade dos partidos e dasestruturas estatais, mantendo suaautonomia e independência.

Isto pode ocorrer:- Engajando-se nos partidos políti-

cos e exigindo propostas coe-rentes para suas realidades enecessidades;

- Abrindo espaço junto às institui-ções estatais, obtendo audiên-cias nas quais podem ser ouvi-dos e respeitados;- Fazendo-se representar nestasinstituições cobrando os "de-veres" que o Estado tem paracom o cidadão. etc.

Através da nova consciênciaproduzida no interior dosMovimentos Sociais de uma novacultura política, as estruturasinstitucionais germinarão umprocesso de mudança queincorporará valores e implicará emuma nova relação com o Estado esociedade.3'

1.2 Movimentos sociais no campoA história das lutas pela terra

nos mostra que no interior doconjunto dos trabalhadores rurais,existem diferenciações de classeresultantes da expropriação impostapela expansão do Capitalismo.

As principais categorias quecompõem o campesinato brasileirosão: sitiantes, colonos, parceiros,meeiros, arrendatários, moradores,agregados, posseiros, sem terra,peões, bóias-frias, índios, todos elestrabalhadores rurais que combinamdiferentes condições sociais,econômicas, políticas e culturais.32

Estes trabalhadores na sua

grande maioria foram expropriadosde suas terras formando uma massade lavradores que se transformam emproletários rurais ou trabalhadoressem terra.

E como trabalhadores livres,"não sendo mais proprietários nemdos instrumentos de trabalho, nemdos objetos, matérias-primas, nãotêm outra alternativa senão a devender sua força de trabalho aoCapitalismo do patrão.33

Perdem sua autonomia eliberdade.

Atualmente já se apresentamalternativas. Os próprios sem terraescolhem lutar para conseguir suaprópria terra ao invés de seproletarizar.

Durante muito tempo porém, noBrasil, os trabalhadores do campopermaneceram resignados a estaexploração. Até a década de 70 seconheciam poucos movimentos nocampo:

Movimentos messiânicos comoGuerra de Canudos na Bahia(1896) e Guerra do Contestadoentre Paraná e Santa Catarina(1912-16).As Ligas Camponesas no Nor-deste (década. de 60) que foramdizimadas com o golpe de 64.

- E o MASTER (Movimento deAgricultores Sem Terra do RioGrande do Sul) fundado peloentão governador LeonelBrizola.

A partir da década de 70 osagricultores passam a seconscientizar das contradições, deter suas condições de trabalho evida subordinados e dependentes daagroindústria, do modelotecnológico que ela impõe, e comisto tentam criar novas bases parasua reprodução, formando grupos ese organizando em Movimentos."

Algumas possíveis causas damobilização dos agricultores na regiãosul, especificamente em Santa Catarina,podem ser encontrados nos seguintesfatos:

O avanço do Capitalismo, ouseja, a industrialização no cam-po incrementou a monoculturada soja, cana-de-açúcar, fumo eoutros, expropriando pequenosproprietários e levando inclusi-ve a uma concentração de ter-ras."Em 1978/79 ocorreu a chamada"peste suína" que os colonosacreditaram ser "forjada" pelasmultinacionais que na épocaquiseram impor suas "matrizes"ao país. Muitos colonos se des-fizeram de toda a criação fican-do praticamente sem o produtode sua subsistência."O aumento das Empresas Ru-rais ou agro-indústrias - aves,suínos, fumo, maçã, etc. - obri-garam o agricultor a trabalharnum sistema integrado."O papel da Igreja Popular quepassou a atuar no campo atra-vés da Comissão Pastoral daTerra - CPT e das CEB'sconscientizando os agricultoressobre a importância da partici-pação e democratização, avan-çando cada vez mais na defesados direitos humanos."O projeto de construção dasBarragens ao longo da bacia doUruguai que deixará milhares defamílias desalojadas, sem ter-ra. 39

A influência do "Novo Sindi-calismo" dos metalúrgicos doABC, e outros fatores fizeramcom que os agricultores se or-ganizassem e lançassem umaoposição sindical no campo.4°

Além destes fatores, osmovimentos no campo assimilam os

Page 7: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

•IN "ci." 77,11.1,1"SIS1/96

novos modelos culturais, a novacultura política através de umprocesso de desterritorializaç ão41

ou seja através dos meios decomunicação de massa e dalocomoção de seus integrantes.

MARTINS (1984), D'INCAO

(1984), GRZYBOWSKI (1985) eSCHERER-WARREN ( 1986)

apontam os movimentos sociais nocampo que mais se tem destacadoatualmente:

Movimento dos Assalariados:São milhões de pessoas para asquais não prevalecem nem pre-dominam relações contratuais,reguladas por um direito escri-to e possíveis de serem apreci-ados objetivamente por tribu-nais legais.A partir da abertura, os assala-riados rurais iniciaram uma lutasistemática pela concretizaçãode direitos trabalhistas, queacabou se transformando numaluta pelo respeito à lei, pela le-galidade." (MARTINS, 1984).Movimentos dos Trabalhado-res Assalariados Temporáriosou bóias-frias: Trabalhadorescontratados para executar tare-fas específicas, temporariamen-te. Lutam pela fixação de cláu-sulas relativas a salário, direi-tos trabalhistas, condições detransporte e formas de avalia-ção da produção e de pagamen-to" (D'INCAO, 1984).

3. Movimento de Posseiros: Pos-seiros são ocupantes de terrassem título legal. Lutam contra umtipo de legalidade que garante aprepotência e a impunidade degrileiros e fazendeiros, aos quaisdá condições de regularizarem,com mais facilidade do que ostrabalhadores, a situação dasterras que disputam.

A luta dos posseiros é uma luta peloinstrumento de produção que éa terra. Envolve relações de pro-priedade e não as relações detrabalho como os assalariados.O problema não é o da explora-ção, mas da expropriação."Movimento dos Sem Terra: Sãoos lavradores sem terra própriapara trabalhar como meeiros,parceiros, pequenos arrendatá-rios, filhos de pequenos propri-etários cujas terras são insufi-cientes para as famílias exten-sas.Questionam a legalidade da pro-priedade e consideram injustoalguém possuir mais terra doque pode trabalhar.' Sua pau-ta de luta é "Terra para quemnela trabalha".

Movimento de Mulheres Agri-cultoras ou Mulheres Trabalha-doras Rurais: Suas reivindica-ções estão concentradas no re-conhecimento social e legal desua situação como mulheres etrabalhadoras: direito à sindica-lização, à terra, à previdênciasocial, e o direito das mulheresserem classificadas comoagricultoras" e não "do lar"."

6. Movimento contra as Barra-gens: É uma luta contra a expro-priação das terras para constru-ção de projetos de irrigação ougeração de energia elétrica."O Movimento recusa a redu-ção praticada na ação desapro-priatória que vê tudo o que vaiser perdido sob as águas dolago como possível unicamen-te de uma avaliação e indeniza-ção monetária"."O Movimento contra as Barra-gens no sul do Brasil evoluiuem torno de três propostas po-líticas como pauta de luta:

- Indenização justa;- Terra por terra na região;- Não às barragens"Lutas Indígenas: Trata-se deuma maioria, uma fração do he-terogêneo campesinato brasi-leiro, para o qual a preservaçãode suas terras é fundamental.É condição para a sua reprodu-ção material de valores étnico-culturais. Estancar o extermíniodos povos indígenas é garantiras suas terras."Sindicatos Rurais "autênticos"ou "combativos": Surgem ins-pirados nas lutas dosmetalúrgicos no ABC paulistae se norteiam com as seguintesorientações:- Participação democrática dasbases, inclusive especial ênfa-se à participação da mulher;- Contestação ao atrelamentodo Sindicato com o Estado ecom os partidos evitando o"peleguismo";- Incentivo ao engajamento dosSindicatos com os movimentossociais no campo, respeitandosua autonomia.Estes movimentos representama emergência de uma nova cul-tura política. Através deles, ostrabalhadores rurais se consti-tuem em sujeitos com identida-des próprias afirmando e acen-tuando a sua diversidade."

Como já mencionamos, estesmovimentos incorporam os valoresdos Novos Movimentos Sociais,possuem características similares elutam todos por uma maiordemocratização da sociedade.

Page 8: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

ICATALYSIS1/96

Histórico do movimento dostrabalhadores rurais sem

terra de Santa Catarina e dooeste catarinense

O Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra de Santa Catarina

teve início em Maio de 1980, com a

ocupação da Fazenda Burro Branco

no município de Campo Erê, por

mais de 300 famílias. A ocupação

despertou a opinião pública para aquestão dos Sem Terra do Estado, eno dia 12 de Novembro do mesmoano o governo desapropriou a área,e as famílias passaram a produzir naterra em sistema comunitário.

A vitória dos colonos de CampoErê, passou a ser exemplo para osSem Terra que começaram a seorganizar, com preponderância nooeste do Estado.

Em Janeiro de 1983 aconteceu oprimeiro encontro dos Sem Terra dosEstados do Sul. Neste Encontro elesdefiniram as diretrizes básicas doMovimento e decidiram que aocupação de terra é uma das formasde fazer pressão para a solução doproblema.

Em Junho do mesmo ano,aconteceu a primeira assembléia dosSem Terra com a participação dossindicatos combativos, Foi eleita acomissão regional do movimento.

Com a comissão formada, osintegrantes passaram a fazerreuniões nos municípios e formarcomissões municipais. A partir daí, oMovimento se espalhou por 17municípios do Estado.

Em Dezembro/84 (dias 5 e 6) foirealizado um Congresso Estadual,no qual discutiram os problemas dosSem Terra no Estado e levantaramsugestões para serem debatidas noPrimeiro Congresso Nacional dos

Ainda em 1984, o Movimento faz

sua primeira manifestação pública

no dia 26 de Julho em frente à sede

do INCRA de Florianópolis. Em

Chapecó, na mesma ocasião,

representantes do Movimento

mantêm audiência com o

governador Espiridião Amin e

Coordenador Regional do INCRA,

quando apresentam um

levantamento dos latifúndios

improdutivos passíveis dedesapropriação.

Após o primeiro CongressoNacional, o Movimento dos SemTerra se fortificou e tomou vultoespecialmente no oeste catarinense,onde devido ao término doscontratos de arrendamento, muitosagricultores ficaram sem trabalho esem alojamento.

Em decorrência da discussão eapresentação do PNRA, em Maio de1985, e do clima político do Estado -aliança Jaison Barreto e Amin - maisvoltada às negociações políticas, oMovimento passou a planejar aocupação de terras improdutivasposteriormente desapropriação.

Assim, a 25 de Maio de 1985,cerca de 2.000 famílias ocuparamterras do oeste catarinense, numaação conjunta, organizada eplanejada. Aí permaneceramacampadas quase 2 anos (algumasmais) à espera de assentamento.

Do oeste catarinense25 de Maio de 1985 - O dia da posse

Todos os anos, no mês de Maio,comemora-se na cidade deGuaraciaba (extremo-oestecatarinense) a festa de NossaSenhora do Caravágio, que atraimilhares de peregrinos. Estes,organizam caravanas e formam

O Movimento dos Sem Terra,

organizado pelas Comissões

municipais, aproveitou a ocasião

para deflagrar a "operação

integrada de ocupações

simultâneas". Fazendo-se passar por

romeiros, o comboio de caminhões

com os Sem Terra não despertou

suspeitas em nenhum município e

eles puderam ocupar as

propriedades quase sem resistência.

As famílias que estavamorganizadas para as ocupações,saíram de 18 municípios da regiãooeste catarinense: Abelardo Luz,São Domingos, Gaivão, SãoLourenço do Oeste, Campos Erê,Ipumirim, Águas de Chapecó,Pinhalzinho, Saudades, Quilombo,Coronel Freitas, alibi, Anchieta,São Miguel do Oeste, Palmitos,Caxambú do Sul, Romelândia eDescanso.

Segundo depoimento de algunsacampados, o dia da ocupação foimuito marcante, pois exigiu grandesacrifício por parte dos Sem Terra.Dezenas de famílias em cima decaminhões, inúmeras crianças,mulheres grávidas viajando à noiteinteira para chegar ao localdeterminado. O frio era intenso, emalguns lugares chovia. Optaram porviajar à noite para não despertarsuspeitas, apesar da festa de NossaSenhora de Caravágio. Muitoscaminhões se perderam dos demais erodaram a noite inteira sem achar olocal. Este fato causou medo eangústia nos sem terra, pois estavamsujeitos a toda a sorte deacontecimentos.

As 1000 famílias que se dirigirampara Abelardo Luz foram barradasquase na chegada da Fazenda,quando homens armados colocaram

Page 9: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

IC44.7-44.1-1"SIS1/96 •Porém, imediatamente, as mulheresdesceram dos caminhões ecomeçaram a apagar o fogo, comlençóis, panos, galhos de árvores eoutros. Tudo isso aos olhos dos"homens dos Fazendeiros" que nãotiveram coragem de agredi-las.

Quase todas as famílias,

chegaram ao local de destino por

volta da madrugada, e, segundo os

acampados, não foi fácil

descarregar todos os caminhões,

montar as barracas em baixo de uma

chuva fria, num frio intenso, muitas

crianças chorando, outras

dormindo, todos com fome e sono

depois de terem viajado à noite

inteira sob tensão.

A preparação para este dia de

posse foi fruto de muita discussão e

planejamento nos grupos de reflexão

pelos sem terra de cada comunidade,

ao longo de mais de 2 anos.No dia 7 de Maio de 85, duas

semanas antes da posse, a ExecutivaNacional do Movimento dos SemTerra manteve uma audiência com onovo ministro da Reforma eDesenvolvimento Agrário, NelsonRibeiro e com o Presidente Nacionaldo INCRA, José Gomes, na tentativade sugerir solução para a questãodos sem terra e cobrar dasautoridades a imediata solução doproblema.

Na ocasião, o Movimento doEstado entregou um documentominucioso sobre a situaçãofundiária de Santa Catarina,sugerindo áreas de latifúndiosociosos passíveis de desapropriaçãopara fins de Reforma Agrária.

Nos dias que antecederam aposse, o PNRA estava sendodiscutido e apresentado em nívelnacional, e os Sem Terra perceberam

Também em função do climapolítico do Estado no início de 85,aliança Jaison Barreto e EspiridiãoAmin, que estava concentrando suasatenções na política sucessória aogoverno municipal da Capital, oMovimento decidiu não esperar as

definições de gabinete.

Os agricultores Sem Terra

também tinham conhecimento de que

o Governador Espiridião Amin se

instalaria com sua comitiva em São

Miguel do Oeste para fins políticos

na mesma data da posse.

E por último, em decorrência do

término dos contratos de

arrendamento deixando centenas de

famílias desalojadas e sem trabalho,

além das que já estavam sem

alternativas de sobrevivência por

falta de terra, o Movimento decide

realizar as ocupações que estavam

em preparação, aproveitando a festade Nossa Senhora de Caravágio -dia 25 de Maio.

2.2. Repercussões da posse,negociações, acordos

A posse das terras pelosagricultores sem terra do oestecatarinense teve grandesrepercussões nos meios decomunicação em nível nacional. Foimanchete em todos os jornais doEstado que alertaram para o perigode incidentes armados entrelatifundiários e agricultores,receando um conflito armado.

As autoridades políticastentaram logo tomar uma atitudeinterferindo a favor: o governadorEspiridião Amin entrou em contatocom o ministro Nelson Ribeiro quepediu para tentar mediar um acordopara que se mantivesse ordem, atéque o ministro tivesse uma soluçãourgente para o problema; o prefeito

e ao MIRAD pedindo apoio parasolucionar o problema.

Por sua vez, os agricultores semterra que tomaram posse,organizaram uma comissão e sedirigiram ao INCRA pedindo

agilização para desapropriação das

terras por interesse social. Também

se dirigiram ao Governador,

pedindo que cumprisse a proposta

subscrita por ele a Jaison Barreto

no documento "Bases para um

Programa Comum para Santa

Catarina".

Quatro dias depois das

ocupações, o Governador e o

Secretário da Agricultura reuniram-

se com nove membros da comissão

dos Sem Terra para comunicar que o

INCRA já tinha proposto

desapropriação das terras da viúva

Anair Motta, de Amilton Viana e

Eunice Gondin (duas propriedades

com mais de 10 mil hectares).A 03 de Junho de 1985 em

reunião realizada com o Governo doEstado, representantes do MIRAD,INCRA, Secretaria da Agricultura erepresentantes do Movimento dosSem Terra, foi firmado um acordo.Este acordo previa que ogovernador do Estado comprometer-se-ía a comprar mil hectares deterras, duas áreas, uma situada nomunicípio de Abelardo Luz e outraem São Miguel do Oeste para nelasassentar provisoriamente as famíliasque ocupam terras até esta data.

O INCRA se encarregaria deagilizar a desapropriação de momínimo 20 mil hectares em 90 dias aassentar as famílias em 120 dias. Emtroca, o Movimento participaria detodas as etapas do processo eestancaria novas ocupações.

A 05 de Junho, onze dias depois

Page 10: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

KA.274,11.LYSIS1/96

de trabalhadores rurais sem terrapara as áreas de assentamentoprovisório: 500 famílias em 300 haem São Miguel do Oeste; 1.500famílias em 340 ha em Abelardo Luz.

Três dias após o deslocamento oadvogado de Anair Motta desfez atransação de compra e venda com oEstado. A mesma decisão atingiu acompra das terras do espólio deFrancisco Werneck que não quismais vender suas terras.

Com isso os agricultoresacampados em Abelardo Luz foramdespejados e o Governo do Estadoprovidenciou outra área - 6 Km dedistância da atual, com 15 ha deextensão, que foi alugadaprovisoriamente.

Ao mesmo tempo adquiriu emSão Miguel do Oeste mais umapropriedade de 166,6 ha paracolocação provisória dos sem terra.O transporte das famílias durouquatro dias e teve a solidariedadedos pequenos proprietários daregião que emprestaram seuscaminhões.

No dia 12 de Junho, a ComissãoEstadual dos Sem Terra distribuiuextenso documento advertindo : "Ouo Governo leva a cabo a suapromessa de assentar osagricultores, conforme acordoselado no dia 03 de Junho, ou elesretornarão às invasões".

Somente em 27 de Junho, oGoverno do Estado conseguiucumprir sua parte no acordo firmadono início do mês com os Sem Terra,alugando 750 ha da Fazenda ÚrsulaFlorestal Ltda de Chapecó: dosquais 650 ha estão localizados emFaxinai dos Guedes e 100 ha emAbelardo Luz. Conforme o acordo, oINCRA continuaria se mobilizandopara encontrar 20 mil ha paraassentamento definitivo.

A transferência dostrabalhadores Sem Terra para osdois locais de assentamentotemporário durou 8 dias e teveauxílio dos Sindicatos deTrabalhadores Rurais e dasparóquias do oeste.

Depois de vários diasacampados, a morte de dois recém-nascidos comprovaram as péssimascondições em que se encontravam osagricultores, a falta de atendimentomédico, remédios e alimentação.

Durante o período deacampamento, o Movimento dos SemTerras promoveu duas grandesmanifestações públicas pela ReformaAgrária no oeste catarinense,aglutinando dezenas de sindicatos emilhares de manifestantes: emFaxinai dos Guedes, a 21/07 e emSão Miguel do Oeste e, 28/07.

Os atos públicos tiveram apoiode sindicatos de trabalhadoresrurais e urbanos, da ComissãoPastoral da Terra e outrasentidades. Buscaram polarizar aatenção da sociedade para esteproblema sensibilizando-a emotivando-a para colaborar napressão da implantação da ReformaAgrária.

O mês de Agosto de 85,apresentou-se para os acampadoscomo um dos mais duros, poisacabou a alimentação arrecadadapelas paróquias e comunidades eeles começaram a passar fome deverdade.

Em vista disso, foi realizada umareunião de representantes dos SemTerra, CUT, secretário daAgricultura, do DesenvolvimentoSocial, do Trabalho, da Saúde eLADESC. Ficou combinado quesemanalmente o Governo do Estadoentregaria aos acampados uma cotade alimentos sob forma de sacolão,via Programa "Olha o Peixe".

Os trabalhadores rurais SemTerra acampados mantinham forteexpectativa em relação ao prazo - 03de Setembro de 1985 - concedidopelo INCRA para identificação edesapropriação ou aquisição de 20mil ha para assentamento.

Chegou o dia 4 de Setembro, umdia depois do prazo estabelecidopara o cumprimento do acordo eeste não foi cumprido. Uma comissãode trinta colonos acampados veioaté o INCRA de Florianópolis fazerum ato de protesto para pressionar oGoverno. Vários agricultores,inclusive uma senhora grávida de 7meses, ficaram nas dependências doINCRA, dormindo no chão ecomendo somente sanduíche, emvigília até obterem uma resposta.

No dia seguinte, o PresidenteSarney assinou decreto dedesapropriação de cerca de 13 milha em 11 áreas do oeste catarinense.Isto implicou no assentamento desomente 100 famílias, enquantohavia mais de 2000 cadastrados.

A comissão dos Sem Terracontinuou sua vigília no INCRA,aguardando confirmação oficial.

A 10 de Setembro o MIRADdivulgou as 11 áreasdesapropriadas em Santa Catarina:

Rabo de Galo - São Miguel doOesteEntre Rios - São Miguel do OesteSanta Rosa I - Abelardo LuzParolim - ItaiópolisSanta Rosa II - Abelardo LuzPapuan - Abelardo LuzDerrubada - Ponte SerradaSandra- Abelardo Luz

9. Barra Escondida - São José doCedro

10 Jacutinga - São Miguel do Oeste11. Lageado Grande - São José do

Cedro

Page 11: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

ic.A.7-44.1..-YSIS1/96 •

Duas semanas depois dadivulgação, as primeiras famíliasforam assentadas entre 4localidades, as demais dependiamda "emissão de posse".

O assentamento foi feito emcaráter emergencial, para que asfamílias não perdessem o período deplantio.

Ainda era grande o número defamílias que permaneciamacampadas em situação precária.Chegou Novembro, o final do ano seaproximando e não se definiu maisnada em relação a outrasdesapropriações. Assim, os SemTerra decidiram em assembléia, queprecisavam tomar uma providência.Uma comissão de vinte e seiscolonos entrou na sede do INCRA deChapecó e prometeu permanecer noescritório até que a "emissão deposse" das demais terrasdesapropriadas fosse repassada.Além desta reivindicação, pedirampara que fosse cumprido o critériodo Movimento: assentamentoscoletivos e terras para os jovenssolteiros com mais de 18 anos.

Desta vigília somente obtiveramcomo resultado positivo, ainformação de que fora "emitida aposse" de uma área com extensão de5. 536 ha no município de Itaiópolis.

Chegou o final do ano de 1985 eos Sem Terra ficaram semassistência, pois nesta época osorganismos praticamente param asatividades devido às festividades.

A 27 de Fevereiro de 1986, outracomissão de acampados veio até aoINCRA de Chapecó, reclamar oacordo firmado no ano anterior queteve seu prazo final encerrado em30/10/85.

A 05 de Março de 86, o INCRArealizou uma reunião comrepresentantes do Movimento dos

Sem Terra e propôs uma trégua. Estatrégua foi obtida com acomprovação de que o Institutoestava desenvolvendo todos os atosnecessários ao encaminhamento dosproblemas fundiários. O INCRAmencionou que há 21 áreas comdesapropriação decretada em SantaCatarina, perfazendo mais de 22 milha, aguardando "emissão de posse".

A 30 de Março de 86, mais de 50representantes dos Sem Terra sereuniram em Chapecó para eleger osnovos coordenadores do Movimento.No mesmo encontro, foramescolhidos os nomes dos delegadosque participariam do 2o CongressoEstadual dos Sem Terra, que seriarealizado nos dias 8 e 9 de Abril emChapecó.

Até Março de 86, somente 248famílias haviam sido transferidaspara as áreas definitivas, sendoassim, os Sem Terra resolveramtomar mais uma medida.

Durante a realização do 2oCongresso Estadual dos Sem Terra,42 deles se dirigiram aFlorianópolis para mais um ato deprotesto: acamparam no centro dacapital, em frente à catedral comoforma de despertar atenção dasautoridades e comunidade, e exigiro atendimento de suas reivindica-ções.

Foi realizado um ato público emapoio aos agricultores Sem Terra, nolargo da catedral de Florianópolis,com a presença de aproximadamente300 pessoas.

Os colonos decidirampermanecer acampados em frente àcatedral até que todas asreivindicações fossem atendidas.Apesar das condições precárias,chão de cimento, falta de colchões, achuva molhando todos os pertences,falta de alimentação, o barulho

durante a noite, etc., elescontinuaram firmes; quem passavaem frente aos barracos via umgrande cartaz com os dizeres:"Precisamos de arroz, feijão, açúcar;carne, farinha, verdura e azeite. Suasolidariedade é importante. Comterra vamos produzir tudo isso".

Os Sem Terra voltaram para ooeste sem obterem o totalatendimento de suas reivindicações(permaneceram aproximadamente 4semanas acampados em frente àcatedral). Distribuíram à populaçãouma nota de esclarecimentoexplicando os motivos da sua volta:

- "Conseguimos arrancar doINCRA e do Governo Federal acerteza de que o acordo assinado nodia 03 de Junho de 85 serácumprido".

- "Nossa luta continua para quesejam desapropriadasimediatamente 5. 600 ha que jáestão com o Presidente daRepública".

- "Nesse sentido, a partir deagora nossa pressão será direta emBrasília".

Neste período, os Sem Terraforam informados de que o BNDES -Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social, repassariaauxílio financeiro, destinado àmanutenção, custeio, preparo dosolo e aquisição de equipamentosagrícolas, para as famíliasassentadas.

A 24 de Junho de 86, o presi-dente Sarney assinou decretodesapropriando 37 áreas em 12Estados do país. Em Santa Catarinaforam desapropriadas 03 áreas:Fazenda Boa Esperança em MajorGercino, Fazenda Rio dos Patos emLebon Régis e Fazenda Rio da Prataem Ibirama.

Page 12: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

IG.1.77,41..YSIS1/96 •

A 27 de Junho foi anunciada adesapropriação de mais 4 áreas: asFazendas Putinga, Rio Timbó, RioMansinho e Rio dos Patos.

As famílias que estavamacampadas provisoriamenteaguardando assentamento,continuaram em situação precária.Alguns depoimentos comprovam osentimento de inutilidade a queestavam destinados:

- "O INCRA não nos autoriza aplantar e não podemos derru-bar mato. Assim, ficamos na de-pendência de quem nos traz ran-cho todo o mês...""Não estamos acampados paraganhar comida, queremos terrapara trabalhar...""Essa vida é pior que cadeia, fi-camos sem poder trabalhar equando arranjamos serviço osfazendeiros abusam de nossasnecessidades..."

No início de Julho de 86, 80 fa-mílias acampadas em AbelardoLuz, na Fazenda Úrsula, recebe-ram o aviso de que precisavamsair imediatamente do local por-que a área havia sido leiloada, eos compradores, família Ferro-nato de Xanxerê, deram um pra-zo de 15 dias para se retiraremdo local.

Duas semanas depois do aviso asfamílias foram despejadas pelajustiça e foram para a FazendaPapuan II que já estava em processode desapropriação.

A 06 de Agosto, 250 famílias deacampados entraram na FazendaCapão Grande, também em AbelardoLuz. O imóvel fica localizado entreas Fazendas Papuan II e Santa Rosae possui 4. 087 ha.

A 02 de Janeiro de 85, opresidente Sarney havia assinadodecreto de desapropriação de 1. 285

ha da Fazenda Capão Grande,porém o proprietário Nei BarbosaLima, impetrou mandato desegurança no Supremo TribunalFederal. Os efeitos do decreto foramsustados e até meados de 87 o casoainda estava à espera dejulgamento. O Proprietário entroucom ação judicial pedindoreintegração de posse da área, e asfamílias foram despejadas.

Destas, 130 foram para um lotecomunitário de 5 ha, pertencentesao INCRA que fica na FazendaPapuan I, desapropriada há poucotempo. As outras 110 famílias, semterem para onde ir e como forma deprotesto, armaram seus barracos emfrente ao Fórum e à Prefeitura deAbelardo Luz onde permanecerampor mais de um mês.

A 22 de Agosto de 86, foiinstituída na sede do INCRA deFlorianópolis, a Comissão Agráriade Santa Catarina com o objetivo de"acelerar o processo de ReformaAgrária e alterar a atual situação devida do homem rural". Nenhumrepresentante dos Sem Terraparticipa da Comissão. O mesmoacontece com os Conselhos AgráriosMunicipais, criados paradescentralizar o trabalho daComissão Agrária Estadual.

A 14 de Setembro foi realizada a1 a Romaria da Terra de SantaCatarina, na localidade deTaquaruçú em Fraiburgo com apresença de mais de 20 mil pessoas.O local foi escolhido peloMovimento Popular, exatamentepara resgatar o passado e mostrar aluta histórica pela Reforma Agrária.

A 17 de Setembro, 200 famíliasde acampados foram transferidospara a Fazenda Parolim deItaiópolis. A comunidade local os

recebeu com festas.A 25 de Setembro uma comissão

de Sem Terras de Santa Catarina foia Brasília e juntamente com os SemTerra de Mato Grosso do Sul,Paraná e Rio Grande do Sulmantiveram contato com o Ministroda Reforma Agrária pedindo maioratenção aos assentamentos e adesapropriação definitiva dasFazendas Capão Grande e Estrelade Abelardo Luz bem como a Rio dosPatos em Lebon Régis.

A 10 de Outubro, Chapecórecebeu a visita do ministro daReforma Agrária Dante de Oliveira,que cumpriu extenso programa,porém não visitou nenhumacampamento nem assentamento dosSem Terra.

Dante de Oliveira se apresentouotimista e em sua fala à imprensadisse que "Santa Catarina é um dosEstados mais adiantados noPrograma Nacional de ReformaAgrária". Pediu confiança aos SemTerra dizendo: "Não se desesperem,acreditem na sua força, na suaorganização e no compromissoassumido em praça pública pelopresidente Sarney".

Ainda em Outubro de 86, 56famílias acampadas entraram naFazenda Santa Rosa II depropriedade de E. W e, três semanasdepois se juntaram a estas mais 60famílias provenientes doacampamento de Faxinai dosGuedes.

Assim, estas famílias, mais as 150acampadas defronte à Prefeitura deAbelardo Luz, eram as que aindaaguardavam assentamentodefinitivo.

Em Novembro de 86 melhoraramas perspectivas de assentamento:dos ocupantes da Fazenda SantaRosa, 62 famílias foram para

Page 13: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

1CA.7-51.1.- -IPS S1/96 OFraiburgo e 14 para Lebon Régis.Das famílias acampadas defronte àPrefeitura de Abelardo Luz, 35 forampara 670 ha doados pelaproprietária da Fazenda Santa Rosae 62 famílias se juntaram com outras100 que estavam acampadas naFazenda Estrela, aguardando novasdesapropriações.

A família Werneck deveriareceber indenização do INCRA,correspondente a 1200 ha. Porém,destes, resolveu doar 670 ha, umcaso realmente inédito no processode Reforma Agrária do Estado.

Algumas famílias e jovenssolteiros fizeram parte de um acordoentre o Movimento dos Sem Terra eComissões Agrárias Municipais:voltariam para suas terras deorigem, e assim que o INCRA tivesseem mãos a emissão de posse denovas áreas, eles seriam assentados.

Nos dias 19, 20 e 21 deDezembro de 86, representantes doMovimento dos Sem Terras,Coordenadores dos acampamentos edos assentamentos se reuniram emChapecó para fazer a avaliação doano de 1986.

Neste encontro foi tirada umanota à imprensa e à população como objetivo de tornar público o nãocumprimento por parte do Governoda Nova República, das metasestabelecidas no la Plano Nacionalde Reforma Agrária.

As metas de assentamentosprevistos no Plano Regional deReforma Agrária para o Estado deSanta Catarina foram os seguintes:

ANO N°deFam HA1985/86 2.900 50.0001987 5.800 90.0001989 29.000Dados: INCRA/Florianópolis

O número de famílias assentadasem Santa Catarina pelo INCRA

ANO N°deFam HA1985/86 1.453 29.1451987 70* 2.127

* Este dado é de setembro de 1987Dados: INCRA/Florianópolis,Setor: Colonização

O movimento dostrabalhadores sem terra do

oeste catarinense -organização e forma de luta

O Movimento dos Sem Terra vemaos poucos sendo conhecido emnível nacional e até internacional.

É um movimento social que vemse projetando com característicaspróprias, e alcançando forçasignificativa no campo, com adesãode um número cada vez mais elevadode agricultores.

Atualmente, diferentes tipos depessoas vêm se interessando pelomovimento e manifestando suaopinião.

Transcrevo aqui, o que elerepresenta na opinião de umpolítico, um intelectual, dois bispos,os coordenadores do Movimento eos próprios agricultores sem terra.

Para A.P.S., superintendente doINCRA: "O Movimento dos SemTerra é um movimento muito bemorganizado, é um ato político, umaforma de pressão. Possui semelhançacom um partido político. Emboratenha uma linha partidária, não seidentifica como partido. Está tendogrande repercussão em nível deBrasil. Formaram uma secretaria doMovimento com representantes daCPT, do Sindicato e até da CUT Arepercussão tem surtido efeito emnível federal. Devido às pressões queestavam exercendo foi feito até umacordo interministerial paraamenizar o problema ".51

Para José de Souza Martins,sociólogo, professor da USP "aorganização dos Sem Terrarepresenta o surgimento de um novosujeito histórico e define um quadrode conflito, de questionamento dopoder, é anúncio de uma novalegitimidade ".52

Dom Tomás Balduino, bispo dadiocese de Goiás coloca:

"Sou testemunha de solidarie-dade na esperança de "cresci-mento do Movimento no chãodo Brasil todo, para que as mas-sas de manobras possam darsua plena medida na constru-ção da nova Pátria. O Movimen-to Sem Terra representa hoje, agrande transformação destepaís"."

Dom José Gomes, bispo deChapecó - SC diz que:

"O Movimento dos Sem Terra éprovidencial e necessário paraque se crie no Brasil uma Refor-ma Agrária justa e que atendaas necessidades de milhões detrabalhadores sem terra dopaís"."

Para os coordenadores doMovimento, que apoiam eassessoram os Sem Terra, este possuiuma luta específica de grandesignificado:

"O MST hoje á um Movimentoa nível nacional e representaalgo muito importante para ostrabalhadores Sem Terra. É umMovimento que está conse-guindo, através da luta, da or-ganização e da união dos traba-lhadores Sem Terra, mostrarpara toda a Sociedade que aReforma Agrária só aconteceráa partir da organização e da lutados trabalhadores; principal-mente daqueles que são os in-teressados imediatos na coisa,

Page 14: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

1‹..4.1-14.1.1,151-S1/96

que somos nós, os Sem Terra"."Para mim ele é o Movimentomais avançado, mais bem arti-culado dentro do país. É umMovimento que tem tão poucotempo de vida e já conseguiudespertar a consciência dos tra-balhadores, justamente porquetem luta específica que é a lutapela terra. E a luta pela terra nãofica somente na luta pela terra,é a conquista da questão políti-ca mais ampla".

Para os próprios Sem Terraacampados, o Movimento representaalgo de muito importante, umaverdadeira transformação em suasvidas: através dele, vislumbram umaNova Sociedade, liberdade,igualdade, luta conjunta, espaçopara reivindicar seus direitos,organização.

Para ilustrar, apresento algunsdepoimentos que considerei maissignificativos:

- "O MST significa luta. A partirda luta vem a vontade e esperançade vencer. O MST proporciona voz evez para os acampados. Pessoas queeram inibidas conseguem hoje secolocar com muita coragem.Estamos caminhando para uma novasociedade. Sociedade igualitáriaque o povo precisa. Formação degrupos coletivos, ter tudo em comumonde o cidadão possa ter vez e voz".

- "O MST para mim representauma grande alegria porque par-ticipando dele a gente fica livreda escravidão. A gente apren-de a trabalhar no Movimento ea passar para os outros essa for-ma, animar os outros a fazer omesmo...""É um Movimento que repre-senta o futuro da gente. O MST;e encaminhar os filhos para umanova sociedade...""É uma união de todos, esperan-

do a mesma coisa que é a ter-ra...""O Movimento é um grande va-lor para mim. Os ricos não dãovalor para a gente, esse pessoaldo MST sim...""O MST é de grande importân-cia. Se não esse Movimentocontinuaríamos explorados. É oinício de uma nova sociedadeque representa igualdade paratodos, sem exploração nem ego-ísmo, é viver mais honestamen-te..."

Os depoimentos dos acampadosconcretizam o que DURHAM colocasobre o "reconhecimento mútuo",através do qual o indivíduo passada esfera privada para a pública,podendo ouvir, opinar e decidir.Além disso, todos passam a se sentirnum mesmo nível de igualdade, oque ocorre em função da mesmacarência - terra, e através davivência em comunidade.55

O Movimento proporciona aogrupo uma identidade social, e osacampados passam a se sentirsujeitos da história.

As relações sociais sãovalorizadas com ênfase na união eformação de grupos que tenhamtudo em comum.

A autonomia é vista como o fimde exploração e conquista daliberdade.

Almejam uma sociedade maisdemocrática, remetendo-a ao futuroe aos seus filhos.

O Movimento conquista aospoucos a confiança dostrabalhadores Sem Terra pois vem semostrando algo permanente, quenão se extingue com a simplesconquista da terra. Continua aolado dos Sem Terra apoiando eassessorando também osassentamentos, repercutindo nas

organizações mais amplas para queas necessidades básicas como infra-estrutura, saúde, educação, etc.,também sejam atendidas.

Como se forma

Segundo depoimentos doscoordenadores do Movimento, ele seestrutura basicamente com a mesmametodologia em todo o país.

Algumas lideranças jápertencentes ao Movimento,percorrem as comunidades agrícolasfazendo um levantamento doscolonos que não possuem terra.Através de contratos e entrevistasestes colonos são convidados acomparecer nas reuniões realizadaspelo Movimento.

Estas reuniões são realizadasnas Escolas, Igrejas ou Sede doSindicato da Comunidade, com orespectivo apoio destas Entidades.

O grupo passa a se reunirperiodicamente para discutirassuntos de seu interesse, ler aBíblia e planejar possíveisestratégias.

Atualmente, o Movimento jápossui coordenação em nívelNacional, Estadual e Regional.

Até o início de 1986 ssomente nooeste catarinense, 40 localidades jápossuíam Movimento dos Sem Terraorganizados.

Também no litoral algunsmunicípios já contam com oMovimento como Tijucas, Joinville,Tubarão, Criciúma, Rio do Sul,Ituporanga e Aurora.

A Secretaria do Movimento doOeste, nos informou que para umalocalidade iniciar um núcleo doMovimento dos Sem Terra, basta terno mínimo 06 famílias organizadascom a coordenação de um líder.

Os líderes passam por umtreinamento. Quando os sindicatos

Page 15: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

.rcit T51. Z.-VS.1S1/96

são "autênticos", apoiam a luta eestão do lado dos Sem Terra, sãomembros do próprio sindicato quedão os treinamentos. Se não,membros da executiva se deslocamaté os locais ou as pessoas vem até ooeste participar dos treinamentos.

Quem abrange

Como o próprio nome diz,abrange os agricultores Sem Terra.

Segundo GRZYBOWSKI,"Sem Terra são antigos proprie-tários e filhos de proprietários,parceiros, arrendatários e agre-gados que, com exceção de umpequeno número reintegradocomo assalariados permanentesde granjeiros, não têm mais con-dições de se inserir na nova or-ganização social da produçãono campo e não se sujeitam àproletarização e à favelizaçãonas cidades". 56

Por sua vez José de SouzaMartins coloca que:

"é possível distinguir dois gran-des grupos de Sem Terras: um, omais antigo resultante de constru-ções das barragens nos grandesrios e o outro, o número crescentede lavradores sem terra própriapara trabalhar, como os meeiros,parceiros, pequenos arrendatá-rios, cujas terras são insuficientespara famílias extensas como sãoas dos colonos do sul"."

Entre os Sem Terra entrevistadosno acampamento aparecem duascategorias: arrendatários e peão.

Por arrendatário eles entendemtodos os que trabalham para umpatrão como parceiro, meeiro ouagregado, não fazem distinção, àsvezes o patrão só aluga a terra pordinheiro, outras vezes combina emdar a meia, terça ou quarta parte da

colheita. Sempre moram em cima daterra do patrão. Nem sempreganham as ferramentas ou carroçapara trabalharem a terra. Às vezesganham uma junta de boisemprestada ou uma vaca leiteirapara o sustento da família.

A outra categoria, peão, maiscomumente usada aqui no sul, sedistingue do bóia-fria. O peão éaquele que tem sua casa perto ou emcima da terra do patrão, e somenteganha pelo que trabalha (salário).Não ganha produção ou colheita.

Bóia-fria vem de longe (deônibus ou caminhão) tambémtrabalhar somente pelo salário semdireito a mais nada.

Entre os acampados do oestecatarinense, a grande maioria foramarrendatários. Os peões ou bóias-frias somam apenas uns 20%.

Há uns dois ou três casos deminifundistas que não possuíamterra suficiente para plantar; isto é,menos de 5 ha.

Segundo a Secretaria doMovimento dos Sem Terra de SantaCatarina, em 1986 existiam 140 milfamílias Sem Terra no Estado.

Acampamentos - uma novaforma de luta pela terra

A Estratégia de Acampar

Os acampamentos representamuma nova forma de luta e resistênciapor parte dos trabalhadores ruraisque reivindicam terra.

No final do ano de 1986somavam mais de 100, osacampamentos dos Sem Terra emtodo o Brasil, ressaltando uma formainédita de manifestação de ummovimento social, ou seja, um novomodo de luta pela terra.

Existem diferentes formas deacampamento. Eles podem surgiratravés de planejamento a longo

prazo como foi o caso dos Sem Terrado Oeste que se reuniram durantedois anos para organizar asocupações conjuntas, das quaisparticiparam agricultores de toda aregião.

Outros são frutos de expulsões deterras ou ainda para reivindicarregularização de títulos de terrasque foram tomadas.

E como falou o ex-ministroNelson Ribeiro na SBPC emCuritiba - Julho/86: "Oacampamento é a greve dotrabalhador rural, que se encontradestituído de tudo. 'É uma grevecatalítica, ou seja, pela sua própriapresença: eu estou aqui, incomodo,causo um choque mas existo".

Os acampamentos são uma formade pressão pacífica e ordeira que osagricultores exercem sobre asautoridades e toda a sociedade,para garantirem seus direitos:

"São centenas de pessoas per-manentemente a discutir (...) Umacampamento não envolve ape-nas homens. As mulheres tam-bém passam a ter um papel ati-vo na decisão sobre os rumosdo Movimento. Elas não ficamem casa esperando os homens"voltarem da luta" mas vão comseus maridos e seus filhos paraa frente de batalha.(...) Um acam-pamento não é apenas o produ-to da revolta e do desespero,ou um aglomerado disforme degente que não tem mais nada aperder. Ao contrário. A decisãode acampar supõe grande ma-turidade política, organização,coesão, disciplina e sobretudofé e esperança". "

O acampamento é uma forma dedar vida ao corpo do Movimento dosSem Terra. É mostrar que existem

Page 16: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

ICA.2"."11-1PSIS2/96

forças ativas à espera da ReformaAgrária.

Acampando, os agricultores setransformam através do Movimentoem agentes de construção de suaprópria identidade política, setornam sujeitos ativos do processode Reforma Agrária.

O cotidiano nos acampamentos

Os acampamentos são sempreformados por famílias deagricultores Sem Terra que chegamjuntos a um mesmo local e vãomontando seus barracosordenadamente um ao lado dooutro.

Na montagem dos barracos, oscolonos procuram ficar próximosdos parentes, amigos ou vizinhos damesma comunidade que vieram.

Os locais escolhidos para osacampamentos são sempre em voltade uma fonte de água ou riacho.

Os barracos são feitos comsuporte de toras de madeiras oubambu, e cobertos por uma lona deplástico preta (usada para protegerplantações do sol ou da geada). Éum material pouco resistente queaos poucos vai rompendo.

Dentro dos barracos osagricultores improvisam mesas,prateleiras e cadeiras de bambu. Ascamas também são feitas da mesmaforma, porém erguidas do chãodevido às chuvas e insetos rasteiros.

Alguns possuem móveis, armário,cômoda ou fogão. Outros, somenteuma chapa de ferro segura portijolos.

Observa-se uma diferença nosbarracos dos que eramarrendatários e dos peões. Osprimeiros possuem pertences, àsvezes um pouco de comida estocada(cebola, batata, açúcar), mandadapelos pais ou parentes que moramno sítio, ou comprada.

Alguns possuem galinhas ouporcos, presos em pequenasproteções de madeira ou bambu poreles mesmos improvisadas. Outrospossuem uma vaca leiteira, cujo leiteserve à família e o que sobravendem, ou distribuem para ascrianças recém-nascidas.

Cachorros também é o que nãofalta nos acampamentos. Alguns ex-arrendatários possuem umaseconomias guardadas para compraralimentos que não vêm com ocaminhão do INCRA e para viajarperiodicamente a visitar osfamiliares.

Os ex-arrendatários geralmentesão descendentes de imigrantesalemães ou italianos, possuem a tezclara, estatura média forte e aspectosadio.

Os peões por sua vez têm osbarracos menores e as lonas em mauestado de conservação. Quase nãopossuem pertences. Somente umacama com colchão improvisado, umamesa e uma chapa de ferro comofogão. A grande maioria édescendente de índio ou caboclo.

Uma vez que a alimentação quevem com o caminhão do INCRA éinsuficiente, principalmente quandoa família é numerosa, alguns homensvão trabalhar fora, nas fazendasvizinhas, por dia, hora ouempreitada.

Os que permanecem nosacampamentos trabalham naslavouras que eles própriosimprovisam. Plantam milho, arroz,feijão e às vezes batatinha.

-A horta fica aos cuidados dasmulheres que nem sempre tinhamsorte com as verduras por causa dotempo muito seco e quente e adificuldade de regar.

O dia-a-dia das mulheres se resumeem, após levantai; fazer fogo a lenha

para esquentar água para chimarrão(que é um hábito diário) e café.

Tomam café e servem às crianças.Quando não têm pães, geralmenteimprovisam bolinhos, às vezes comovos (muito raro) e quase sempre detrigo, sal e água, o que chamam desequilhos.

Arrumam o barraco e vão para afonte lavar roupa em alguns tanquestambém improvisados.

Em seguida cuidam do almoço.Enquanto preparam o almoço,novamente a cuia de chimarrão éuma constante. Quase nunca étomada sozinha, sempre empequenos grupos. As mulheres dosbarracos mais próximos se juntam eformam uma roda onde vai passandouma mesma cuia.

Quando os homens chegam daroça, perto do meio dia, também vãodireto ao chimarrão, antes dealmoçar.

Depois do almoço, que consistebasicamente de arroz e feijão, aspessoas descansam à sombra dosbarracos, principalmente no verãoquando o sol é causticante.

Por volta das duas ou três horas, oshomens voltam para a roça, e asmulheres continuam a lide da casa(barraco). Fazem pão, costuram,cortam lenha para o fogo, buscamágua da fonte, cuidam das crianças,etc.

As crianças por sua vez são emgrande número e logo se"enturmam" formam amizades comas dos barracos vizinhos. Correm odia inteiro pelo acampamento eimprovisam brinquedos commadeiras, galhos, folhas, pedras, etc.

Em alguns acampamentosexistem professores (tambémacampados) que dão uma espécie deaula para as crianças em idadeescolar. Além da alfabetização eles

Page 17: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

ICAT-51.1.,'Y'SIS1/96

aprendem músicas com letras sobreo problema da terra e a ReformaAgrária, passando a entendermelhor porque estão ali.

As aulas são dadas ao ar livre, àsombra das árvores.

As crianças são as que maissofrem nos acampamentos emconseqüência das precáriascondições de saúde, higiene,alimentação, expostas ao calor oufrio excessivo sem proteção a não seras lonas de plástico. Brincam nobarro, na lama, na chuva ou novento e ficam expostas aos maisdiversos tipos de doenças.

Apesar disso tudo, elestransparecem satisfação, pois estãojunto com os pais lutando por aquiloque um dia também irão usufruir: aterra.

Nos domingos a rotina semodifica nos acampamentos. Pelamanhã, ocorre uma celebraçãoreligiosa coordenada pela comissãode liturgia, onde é lido um trecho doevangelho. Refletem sobre ele, ecantam cantos cujas letras dizemrespeito à realidade pela qual estãopassando. Às vezes vem um padredas redondezas e celebra missa, oque no início era mais freqüente.

O almoço no domingo geralmenteé um pouco diferente, com algumacoisa comprada, pelos que trabalhamfora, ou mandada pelos parentes.Outros matam galinha.

À tarde formam-se rodas deconversas e chimarrão. As mulheresficam numa roda e os homensnoutra.

O chimarrão de domingo às vezestambém é diferente. Quando temaçúcar sobrando, faz-se mate docequeimado, que consiste em queimarnuma panela e colocar água quentepor cima. Esta mistura é colocadana cuia que está preparada com

mate, camomila ou hortelã. Quandotem mate doce, as crianças tambémtomam chimarrão. As famílias quepossuem vaca leiteira fazem matedoce com leite. É só substituir aágua pelo leite com açúcarqueimado. Porém, isto é muito raronos acampamentos.

Nas conversas de roda dasmulheres saem fofocas doacampamento. Elas também gostamde relembrar o passado, como eramos domingos no local ondemoravam. Os domingos eram bemdivertidos. De manhã iam à missa ouculto e de tarde visitavam osparentes. Além disso sempre tinhamuma coisa gostosa para comer comobolos, roscas ou sobremesa, os quaisnos acampamentos faz tempo quenão vêm. Recordam tembém quequando eram mocinhas, sempre iamdançar nas "domingueiras".

Aos domingos, algunsacampados também saem paravisitar seus parentes que moram emlocais mais próximos e outrosrecebem visitas.

Os homens geralmente passam odomingo à tarde jogando futebolnum campo das proximidades, oubaralho. Outros ficam conversandono boteco da vila.

Algumas comissões aproveitam odomingo para se reunir, avaliar ereplanejar as atividades.

Quando chega uma pessoadesconhecida no acampamento, todosficam com desconfiança e cautela como que vão falar. Depois que a pessoapassa pelo "crivo" da comissãocentral, conversa com as pessoas, vaise identificando, dependendo dasimpatia por parte dos acampados,ela é tratada muito bem.

Convidam para a roda dechimarrão, oferecem bolinhos,insistem que ela almoce com eles no

barraco, etc. Dizem que gostammuito quando vem visita de fora queos apóia, pois ficam sabendonovidades, aprendem coisas, enfim, arotina do dia-a-dia se torna menosmonótona.

Uma vez por semana chega aoacampamento uma camioneta que éuma espécie de mercado ambulante.Vende cigarros, balas, chinelos deborracha, fermento, sal, e às vezesbanana ou repolho.

No próprio acampamentotambém existem famílias que fazemde seu barraco um pequenocomércio vendendo cigarros, balas,cachaça, etc.

No início a cachaça eraproibida, mas depois foi sendo aospoucos liberada com a promessa deque ninguém iria fazer confusão nosacampamentos quando bebia.

Vez por outra acontecempequenas brigas, discussões entrevizinhos, fofocas, o que é comum emqualquer comunidade.

A maioria dos acampados temconsciência da necessidade de teremuma convivência pacífica e ordeiraaté alcançarem a vitória deconseguir terra.

Principais dificuldadesnos aampamentos

1 Alimentação: A base daalimentação fornecida pelo INCRAatravés da Secretaria da Agriculturado feijão, arroz e farinha. Portanto osacampados sentiram muita falta delegumes, verduras, frutas, ovos,manteiga ou algo para passar nopão. As crianças ficaram meses semleite.

As mulheres que ganharamneném nos acampamentos nãopuderam amamentá-los por muitotempo por falta de alimentação maisforte.

Page 18: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

../G4.7:Ai...-ysts1/96

Alguns homens se queixavam quejá pela manhã eram obrigados acomer "virado de feijão" (feijãoamassado com farinha demandioca). Faziam um esforçoenorme para engolir, ganhando aténáusea, e por volta das dez horastinham que parar de trabalhar naroça porque estavam sem forças esentindo tonturas.

Também as crianças a partir demeses de idade, tinham que comercaldo de feijão porque não tinhaoutro alimento.

2 Calor, frio: Os barracoscobertos de lona de plástico, no verãoeram sufocantes porque não deixavampassar o ar. Era quase impossívelpermanecer debaixo da lona.

No inverno (caiu até neve nosacampamentos, em 85) a lona nãoaquecia o suficiente e o chão estavasempre úmido. Não podiam fazerfogo dentro do barraco (paraesquentar) por causa da fumaça e doperigo de queimar os pertences.

Os cobertores e agasalhos eramescassos e as gripes, resfriados eoutras doenças eram constantes,principalmente nas crianças.

Barracos de lona: Aexperiência de morar em barracosde lona foi uma dificuldade paramuitos. Por mais simples que fosse acasa onde moravam antesapresentava aconchego, limpeza esegurança.

Nos barracos, ao contrário, afamília dorme amontoada, o chão éde barro, há o perigo entrar animaisrasteiros como ratos, cobras. Quandochove muito, molha tudo por dentro enão podem deixar sozinho o barracoporque não tem como fechar

Falta de assistência médica:No início dos acampamentos, algunsmédicos e enfermeiras prestavam

assistência aos acampamentos, maslogo desapareceram.

Pelo menos dez criançasmorreram nos acampamentos porfalta de assistência médica.

Também quando os acampadosnecessitavam ser atendidos emhospitais, passavam muitadificuldade pois a maioria não sãoinscritos no INPS ou FUNRURAL.

5. Indefinição e demora nocumprimento do acordo: Segundoum acampado, "se o cumprimento doacordo fosse tratado com maisrespeito, consideração e dignidade,os outros problemas menores seriamsuperados com muito maisfacilidade. Todos os problemasadvêm desta indefinição, destaenrolação que as autoridades eórgãos fazem".

Para a grande maioria dosacampados, a demora nocumprimento do acordo, que eraassentá-los nas terras definitivas, afalta de apoio dos políticos eautoridades que só se preocupamcom eles "quando é para caçarvotos", gerou insegurança, incertezae desânimo.

O desânimo é manifestado namaioria das vezes pela vontade dedesistir do acampamento, ir emborapara outro lugar ou voltar paracasa dos pais.

Para os acampados, estasdificuldades representam grandesacrifício, pois muitos se submeterama situações inferiores as que estavamacostumados.

A maioria dos acampados nãoesperava que fosse passar por tantosofrimento; Uns achavam que operíodo de acampamento seria bemmais curto, outros vieram mesmo porextrema necessidade, pois nãotinham para onde ir, sem saber o queos esperava.

Durante o tempo deacampamento, alguns fatos sedestacaram. Segundo depoimentos,estes fatos foram muito marcantespara os Sem Terra:

O sofrimento que passaram, aansiedade, as privações, en-quanto não recebiam respostasobre a terra;As crianças que nasceram du-rante o acampamento, a maiorianos próprios barracos (calcula-se quase 100 crianças);As crianças que morreram por fal-ta de assistência médica, que sãochamados "os mártires deacampamento"(em tomo de dez);

- Os 55 batizados realizados nummesmo domingo nos acampa-mentos;A neve que caiu no inverno de85. O chão ficou branquinho.Muita gente viu neve pela pri-meira vez. O frio foi intenso!A organização, a união, a ami-zade e a solidariedade entre osacampados;A participação do povo nas de-cisões, tudo foi decidido em as-sembléias;A religião, a devoção e fé do povoque fizeram até um símbolo dosSem Tema, uma cruz de madeira;Enfim, a vitória de ter consegui-do terra, saber que toda a luta esofrimento não foram em Vão,vai ficar marcada para sempre!

Características do movimentodos trabalhadores rurais sem

terra do oeste catarinense

Estas características foramobservados ao longo de minhapermanência nos acampamentos ecolocadas pelos própriosacampados durante as entrevistas:

Page 19: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

I■CA_T-24.1.,YSIS1/96 •

Descentralizaçãodo poder - organização

Desde o início dosacampamentos, os líderes doMovimento procuraramdescentralizar o podei; formandocomissões, distribuindo cargos etarefas e realizando assembléiaspara todas as decisões que deveriamser tomadas.

Esta descentralização propiciouuma organização em torno da qualos Sem Terra passaram a teroportunidade de se tornaremsujeitos do processo, participandoativamente da luta pela ReformaAgrária.

No período em que visitamos osacampamentos, os Sem Terraapontaram 14 comissões internas,comissão de saúde, da alimentação,da segurança, de recepção, etc.

Estas comissões foramconsideradas muito importantespelos acampados, pois participandodelas se sentem valorizados, úteis,co-participantes do que estáacontecendo.

Também são feitos rodízios entreas pessoas das comissões para quetodos tenham oportunidade departicipar e desenvolver suasaptidões. É uma oportunidade paraemergirem lideranças internas quecertamente sem este espaçopermaneceriam abafadas.

Além das comissões, oacampamento está organizado emgrupos de estudo. Cada 5 barracasformam um grupo de estudo com afinalidade de discutir o acordofirmado com o governo e o INCRA,encaminhar ocupações para osrespectivos assentamentos, falarsobre a Reforma Agrária e planejaro assentamento coletivo.

Cada grupo destes indica duaspessoas que vão representá-los nas

assembléias gerais, levando o quefoi discutido por eles.

Esta organização desencadeiaum forte sentimento de coletividade,sabem que todos ali presentes estãopassando pelo mesmo sacrifício edificuldades e estão lutando por ummesmo objetivo, o de conseguirterras.

Relação comunitária

A solidariedade é um aspecto dacultura camponesa muitovalorizada. No meio rural, asgrandes distâncias, a dificuldade deacesso aos hospitais, mercados, etc.,faz com que a ajuda necessáriasempre seja solicitada ao vizinhomais próximo.

No acampamento estasolidariedade se desenvolve commais intensidade, uma vez que asituação é precária e as dificuldadessão muitas. Além disso, há maiordisponibilidade de tempo por partedas pessoas, que não estão namesma "lida" da roça do local ondemoravam.

Todos são considerados iguaispois estão passando pelo mesmoproblema, o da falta de terra paraplantar e sobreviver. Além disso, otempo de espera para a solução doproblema, ou seja asdesapropriações, é grande e todossabem que se não reinar harmoniaentre eles, a convivência fica difícil.Desta forma, se esforçam para haveruma boa relação comunitária.

Projeto de uma nova sociedade

Estas características deorganização, união e solidariedadeestão presentes nos acampamentoscomo fatores imprescindíveis para aconstrução de uma Nova Sociedade,que para eles significa relaçõessocietárias diferenciados das atuais.

Os acampados estão cientes deque na sociedade atual existe muitadiferença, discriminação,exploração e miséria. E ali noacampamento estão tendo umaexperiência de liberdade, igualdade,união, e esta relação comunitáriapara eles, é o primeiro passo para aconstrução de uma Nova Sociedade.

Quando perguntamos o quesignifica para eles o Movimento dosSem Terra muitos respondiam:

"É o caminho para uma NovaSociedade, igualitária, com for-mação de grupos coletivosonde se possa ter tudo em co-mum, onde o cidadão possa tervez e voz"."Estou neste acampamento coma esperança de ter um pedaçode terra e construir uma NovaSociedade, mais igualitária, semexploração".

Luta pela autonomia - liberdade

A luta pela autonomia pode servista sob dois aspectos:

A primeira é a autonomiaindividual, associada à liberdadeque a maioria dos acampadosprocuram no Movimento dos SemTerra - se livrar do patrão, daexploração. Anseiam pela liberdadede possuir seu pedacinho de terraonde possam plantai; colhei; enfim,trabalhar da maneira como quereme não como o patrão manda;

A outra autonomia é a almejadapelo grupo como um todo, ou sejapelo Movimento em relação àsinstituições, Igreja, partidos,autoridades e políticos.

GOHN coloca a respeito disso:"A autonomia nos MovimentosPopulares não é algo dado, umestado de ser, mas algo a serconquistado. Trata-se da bus-ca, da conquista do novo, da

Page 20: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

2/96

luta contra o velho (os privilé-gios, a manifestação, a coopta-ção).

Ela se manifesta na criação denovas formas de ação, organização,consciência; é importante aosMovimentos Populares - porque umavez conquistada - tornará osmovimentos mais fortes e dinâmicos,os quais saberão resistir àsinvestidas das classes dominantes nosentido de desarticulá-las.59

Apesar de receberem apoio dealgumas entidades, os acampadosfazem questão de frisar que oMovimento dos Sem Terra éautônomo, que "caminha com suaspróprias pernas" em depoimentocomo este:

"Não sei porque é que todo omundo pensa que quando "osagricultores fazem alguma coisa,sempre têm que ter um padre, umaorganização ou um intelectual portrás. Eles nos julgam incapazes, nosdesconsideram completamente, nãoentendem que temos capacidadepara caminharmos com as própriaspernas."

Deslegitimação do Estado

Os trabalhadores rurais SemTerra vão aos poucosdeslegitimando o poder do Estado, oGoverno, deputados, dirigentes doINCRA, à medida que vãopercebendo que os mesmos nãopossuem barganha para resolver oproblema da Reforma Agrária naregião do oeste catarinense, ondeestão situados os acampamentos.

Depois de muitas reuniões com oGovernador; com o INCRA, depoisda falta de cumprimento de umacordo solenemente assinado eprometido, os agricultores perderama pouca confiança que aindadepositavam no Estado.

JACOBI coloca a respeito disso"Em relação ao Estado, marcan-do as diferenças entre o "podercentral e o poder estadual, veri-ficamos que, apesar das promes-sas feitas pelos governos deoposição de projetos alternati-vos, apontando para a necessi-dade de incorporação de amplossegmentos da sociedade na de-mocratização do Estado, muitopouco tem se concretizado."

A participação passa a ter umafunção apenas lubrificanteocorrendo de uma forma inorgânicae procurando atender uma dimensãopuramente institucional edesconsiderando as formas deexpressão da sociedade. "6"

Assim, os acampados têm claroque somente conseguirão terra,mediante sua organização eexercendo pressão nos órgãoscompetentes.

luta pela cidadania

"A formação dos MovimentosSociais Latino-Americanos seassocia também com a formaçãoda cidadania e a constituição danossa luta por afirmar-se e con-solidar-se.6'

O Movimento dos Sem Terra temclaro que ao lado de sua lutaespecífica pela terra está a luta maisampla da conquista dos direitos, ouseja, a luta pela cidadania.

Apesar de não saberem muitobem o que significa o conceito decidadania - ser cidadão para algunsSem Terra é ser o homem da cidade,o granfino, o homem rico, que tempoder - os agricultores têm claro queeles possuem direitos e estes não sãorespeitados, bem como não lhes épermitida participação na política

do Estado.Os colonos possuem uma

concepção do direito àsnecessidades básicas mais prementescomo saúde, educação, alimentação,transporte e principalmente a terra.

Para eles, todos os agricultoresSem Terra deveriam ter direito à tem,para dela tirarem seu sustento esegundo eles, se tornariam cidadãosdepois que ganhassem a terra.

Resistência ativa não violenta

Os índices de violência eassassinato no campo estãoalarmantes e quase sempre vemacompanhados de estímulo político-institucionais.62

Face a esta política de violência,o Movimento dos Sem Terra sepropôs a adotar outro tipo deestratégia: a resistência ativa nãoviolenta, que pode ser comparada àdesobediência civil:

"Em princípio, a desobediênciacivil pode ser definida como sen-do a desobediência dos cida-dãos em suas respectivas socie-dades frente a certas condiçõesconsideradas injustas. É, acimade tudo, uma atitude de cidadãospossuidores de direitos e obri-gaçõesperante o Estado. Funda-menta-se no princípio da açãonão violenta e visa a destruiçãoda injustiça, da violência e dasegregação bem como a defesada vida a qualquer preço."63

Os integrantes do Movimento dosSem Terra adotaram esta estratégia,em parte, porque é um movimentooriundo da Igreja. Portanto, umprincípio cristão é não usar daviolência para com o seu irmão,qualquer que seja o motivo ouproveniência.

Outro fato que pesou muito é quealguns políticos e autoridades

Page 21: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

1CélT:A. S S2/96

formaram e espalharam um conceitosobre os acampados, chamando-osde ladrões, criminosos, dizendo queabriram todas as portas das cadeiasdo oeste, de onde saíram os SemTerra.

Assim, para provar o contrário,que são pacíficos e ordeiros, osacampados têm como "questão dehonra" não praticar nenhumaviolência, por mínima que seja, paranão prejudicar a fama do Movimentodos Sem Terra.

A principal característica doMovimento da resistência ativa não--violenta, adotada pelos acampadosé a pressão que se expressa dasseguintes formas:

ocupação de terras improduti-vas, porém, como donos, queacarreta uma providência porparte das autoridades;ocupação de órgãos relaciona-dos com a questão da terra, ex:INCRA. Ocupam uma sala e alipermanecem até obterem umaresposta ou solução para deter-minado problema;realização de pequenos acam-pamentos (ex: em frente aoINCRA, Prefeitura de AbelardoLuz ou catedral de Floria-nópolis) também até obteremresposta ou solução de acor-dos, etc;quando "jagunços" ou poli-ciais chegam apontando armascom ordem de despejo, orde-nando para que se retirem, asmulheres e as crianças vão nafrente como um "escudo" dosdemais.

Para os acampados esta resis-tência ativa não-violenta é muitoimportante. Colocam: "A fama dosSem Terra tem que permanecerlimpa, pois ainda temos muitasconquistas a alcançar".

Valorização do papel da mulher

"A opressão da mulher, queexistiu em todos os sistemas"sócioeconômicos, tem um ca-ráter especial no Capitalismo.Este sistema dá às mulheres umpapel na família e utiliza a famí-lia para reproduzir-se e manter-se como um sistema de domina-ção.""

FERRO mostra a opressão damulher em três aspectos:

No aspecto econômico, a mulheré dependente da economiamasculina e o seu trabalhodoméstico não tem nenhum valoreconômico reconhecido. No campoela é o suporte da economia popular(possui três jornadas de trabalho),porém sem ter o controle daprodução. É geradora de riquezas ereprodutora da força de trabalho,pois no campo são necessáriosmuitos braços.

No aspecto político a mulhertambém está marginalizada. Éexcluída de cargos diretrizes e nãose leva em conta sua participaçãonas decisões. Não se ofereceeducação à mulher, pois não éconsiderada sujeito político. A suadupla ou tripla jornada de trabalhocontribui para impedir a suaorganização.

No aspecto ideológico-cultural,a mulher sofre toda a influência daideologia burguesa, onde a mulher éconsiderada objeto, decoração,prazer..

As mulheres acampadas,participantes do Movimento SemTerra do oeste catarinense, confessamque antes das ocupações, a vidadelas era muito difícil, passavamsofrimento e exploração por partedos patrões, e algumas dos maridos.

Porém, a maioria delas colocaque depois de acampnehn, suasvidas mudaram: Os maridos estãosendo menos machões,reconhecendo seus valores, que amulher tem o mesmo direito. Estãodando chance de elas participaremdas reuniões e assembléias; algunsficam cuidando das panelas no fogoe dos filhos enquanto elas saem.

Colocam que, através daexperiência de participação emcomissões, assembléias, adquiriammaior conscientização daimportância e significado desta lutaque é conseguir terra.

Algumas que eram tímidas,nunca falavam, conseguiram sesoltar e agora ocupam lideranças dedestaque.

Com o desenrolar dosacontecimentos, foi aparecendo aforça e a coragem das mulheres queenfrentam as barreiras, foram deencontro aos jagunços e soldadoscomo verdadeiro "escudo" dosdemais acampados.

Dois depoimentos (entre osmuitos que escutamos) ilustraramesta constatação. O primeiro de umhomem e o segundo de uma mulher:

"Eu acho que se a gente conse-guiu alguma vitória foi "graçasà participação de toda a família,principalmente da mulher. Quan-do ela quer entrar na luta, quan-do ela quer desenvolver isso,tem mais capacidade que o ho-mem. Uma coisa que estou ven-do aqui nos acampamentos éque as mulheres estão seguran-do a barra da família. O maridopor ele, já teria ido embora, maselas bateram o pé e disseram:não, agora que nós já sofremosaté aqui, vamos ficar firmes, sequiser pode ir embora, que nósvamos ficar."

Page 22: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

KAT:A.L;Y~1/96 •

"É um papel muito importanteassumir junto porque não é umaconquista só dos homens. Aquino acampamento estamos des-cobrindo o valor que a mulhertem. Se não fosse as mulheres eas crianças não teríamos nementrado nos acampamentos,nem iniciado a nossa luta. Asmulheres ainda estão muito mar-ginalizadas na família e na soci-edade. Elas ainda não chegaramonde deviam chegar."

A fé como suportepara enfrentar a luta

Todos os acampadosentrevistados colocam que a fé foi oprincipal motivo de eles agüentarema luta: se não fosse a fé, eles játeriam desistido.

A fé aqui, simboliza a esperança,segurança, certeza de que Deus vaiatender seus pedidos.

A fé dos acampados não é maisaquela fé ingênua. Todos sabem quenão basta ficar sentados esperandoque Deus vá resolver todos os seusproblemas. Eles sabem que é precisolutar, se organizar, se unir paraconseguir o que tanto esperam, queé a terra.

E desta união fazem parte ascelebrações. No início dasocupações elas eram muitofreqüentes. Vinham padres, freiras,irmãs religiosas para participar dasmesmas, para animá-los falandopalavras encorajadoras.

Todos os acampadosparticipavam das celebrações. Elasfaziam parte do dia-a-dia. Todas astardes, antes de escurecer; os SemTerra se reuniam numa clareira ondeestava improvisado o altar. Umagrande cruz de madeira e umaimagem de Nossa Senhora. Ali, todoscantavam e liam trechos da Bíbliacondizentes com a realidade.

As celebrações significavam paraos acampados nova força,esperança, confiança de que iamreceber a terra logo, ao mesmotempo em que simbolizava a união:todos juntos ali reunidos, comoirmãos, passando pelo mesmoproblema, partilhando asdificuldades. Era ali o ponto deencontro, onde todos se animavammutuamente e onde ficavam sabendoquem estava precisando de ajuda,em relação aos filhos ou ao barraco.

A grande cruz de madeira passoua ser o símbolo dos Sem Terra -símbolo de luta e de vida, e cada vezque morria alguém nosacampamentos amarravam um panobranco na cruz e aquela pessoa eraconsiderada mais um "mártir dacaminhada".

As celebrações sempre foramfeitas adequadas à realidade dosacampados, com leituras, cantos eencenações que dizem respeito àterra, e isto os animava, conformepodemos ver nos depoimentos.

"A gente percebe nas celebra-ções a fé das pessoas; as cele-brações são participativas eadequadas à nossa realidade.Na hora do ofertório oferecemterra, a cruz da caminhada, neveno dia em que caiu, ferramen-tas, etc."

Com o passar do tempo ascelebrações foram diminuindo epassaram a ser feitas somente aosfinais de semana. A presença dospadres e religiosas tambémdiminuiu. Alguns atribuíram o fatoao longo tempo de espera (2 anos) eoutros colocaram que as liderançasestão sempre fora para reuniões econtatos. Atualmente as celebraçõessão feitas pela comissão de liturgiaquando não há sacerdotes.

Conclusão

O Movimento dos Sem Terra estásendo visto pela maioria dosagricultores que dela fazem parte,como sinônimo e projeto de umaNova Sociedade.

Durante muito tempo o homemdo campo foi consideradoresignado, submisso, humilde eignorante.

Participando do Movimento dosSem Terra ele descobre espaços nosquais é reconhecido, aceito,valorizado e respeitado. Passa a sesentir sujeito da sua própria históriae vai descobrindo seus direitos,lutando pela cidadania.

O papel da mulher tambémpassou a ser valorizado noMovimento.

Para os participantes doMovimento Sem Terra, conquistar aterra para dela tirar seu sustento é oprincipal objetivo da luta esofrimento pela qual estãopassando.

Eles têm claro porém, que aincorporação da cidadania plenapassa por uma Reforma Agráriaampla, que vai além da meradistribuição da terra, e suaparticipação econômica-socialdependerá do tipo de ReformaAgrária a ser implantada no País.

O jogo de forças favorável aogrande proprietário é muito maisforte na Nova República. Os grandesdonos da terra estão presentes naConstituinte, pressionando a favorde seus interesses: em suma, aReforma Agrária no país temdeixado transparecer o jogo dopoder.

O surgimento da UDR seapresenta hoje como um grandecontramovimento. Se apresentacomo um "opositor de classedisfarçado em protetor da

Page 23: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

•KeiTel.1."YSIS1/96

propriedade rural "pois vai aoencontro de pequenos proprietáriostentando convencê-los de que aReforma Agrária será feita nas suasterras. Coloca os pequenosproprietários frontalmente contra aReforma Agrária e contra os SemTerra, que com isso passam a somarforças para sua entidade em defesade seus interesses.

Neste contexto, nosperguntamos: Ainda há chances deconseguir alguma mudança?

É cada vez mais explícito quenum país como o nosso, marcadapela tradição de prepotêncialatifundiária, as mudanças sociaisno campo vão depender dos setoresnelas interessados, vão depender daunião e força política do MovimentoPopular articulado.

O Movimento dos Sem Terra temse projetado em nível nacional erecebe adesão de um número cadavez mais significativo deagricultores.

O seu êxito como Movimentoorganizado e suas vitóriasalcançadas têm causado temor aosgrandes proprietários.

A participação dos agricultoresnos Movimentos dos Sem Terra nãose extingue quando recebem a terra,ou com os assentamentos. OMovimento continua apoiando eassessorando também osassentamentos nas suasreivindicações mais amplas comoinfra-estrutura, assistência à saúde,educação, etc.

O papel dos mediadores (Igreja,CPT, Partidos e Sindicatos) é muitoimportante neste processo. Elespossuem a difícil tarefa de apoiar eassessorar o Movimento sem tirar aautonomia.

São veículos de integração,participação, informação e

aprendizagem para os agricultores,e somam forças diante de qualquerrepressão ao Movimento.

Os trabalhadores rurais, por suavez, se colocando receptivos paraesta integração com os mediadores,estarão facilitando a articulaçãoentre os Movimentos Sociais paraque juntos possam vir a constituir aforça política capaz de efetuarmudanças na sociedade.

Palavras-chaves: sem temi, movimen-to social, reforma agrária, cidadania,assentamentos, participação.

NOTAS

DE LA CRUZ, Rafael. MovimentosSociais. Encontros e Desencontros coma democracia. In: SCHERER-WARREN,I & KRISCHKE, P (org.) Umarevolução no Cotidiano? Os NovosMovimentos Sociais na AméricaLatina. São Paulo, Brasiliense. 1987.p. 89-95.

2 CARDOSO, Ruth C. L. MovimentosSociais na América Latina, RevistaBrasileira de Ciências Sociais. SãoPaulo, ANPOCS, 1 (3), fev. 1987.

3 DOIMO, Ana Maria et alii. OsMovimentos Sociais, Teoria e Prática.São Paulo, ANPOCS, 1985, p.8(Mimeo).

Sobre o assunto ver "Seminário sobreDemocracia e Movimento Popular".Lima, DESCO, 1981.

LEFFORT, Claude. A invençãodemocrática. Os limites dototalitarismo. São Paulo, Brasiliense,1983, p. 57.

DURHAM, Eunice. MovimentosSociais: a construção da cidadania.

. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo,(10): 29, Out. 1984.

EVERS, Tilman. Identidade, a faceoculta dos Novos Movimentos Sociais.NLACLAU,Ernesto. Democracia e LutaSocialista na América Latina. AQuestão da Democracia. São Paulo &

Rio de Janeiro, CEDEC &ovos EstudosCEBRAP, São Paulo, 2(4): 12, Abril1984.

9 DURHAM, Eunice, op. cit.!). 28

9 Ibidem, p. 28.

10 EVERS, Tilman. op. cit. p. 12.

11 Sobre o conceito de reducionismo ver:NUN, José. O outro reducionismo.Revista Ensaios. Marx hoje São Paulo,5(11/12): 231, 1983, Edição Especial.

12 LACLAU, Ernesto. Democracia e LutaSocialista na América Latina. AQuestão da Democracia. São Paulo &Rio de Janeiro, CEDEC & Paz e Terra,1980. 132 p.

13 LANDI, O. Sobre Lenguages, IdentidadesY cidadanias políticas. In LECHNER, N(org) Estado Y Política en AméricaLatina. México, Siglo XXI, 1981, p. 197.

14 SCHERER-WARREN, Ilse. O Caráterdos Novos Movimentos Sociais. InSCHERER-WARREN, I. & KRISCHKE,P. (org) op. cit. p. 38.

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação.São Paulo, Cultrix, 1986.

Ibidem, P. 31.

17 LACLAU, Ernesto. Os NovosMovimentos Sociais e a pluralidade dosocial. Revista Brasileira de CiênciasSociais. São Paulo, ANPOCS, no. 02Out/1986, p. 41.

" Ibidem, p. 47.

" GUTIERREZ,Fernando Calderon. OsMovimentos Sociais frente à crise. In.SCHERER-WARREN, 1. & KRISCHKE,P. (org.) op. cit. p. 191.

20 Ibidem, p. 213.

21 VIOLA, E. J. & MAINWARING, S. NovosMovimentos Sociais, Cultura Política eDemocracia: Brasil e Argentina. In:SCHERER-WARREN, I & KRISCHKE, P(org.) op. cit. p. 109.

22 Sobre Conselhos Comunitários ver:Conselhos Comunitários. Decreto no.2840 de 16 de Junho de 1977. Diário

Page 24: A luta dos sem terra no oeste catarinense - Dialnet · na sociedade e de questionamentos à estrutura de dominação vigente.2 Almejam a construção do novo, um novo que se define

ICAT14.1.."1"SIS1/96 •

Oficial do Estado de Santa Catarina.Fpolis. 28/Jun.1977.

" VIOLA, E. J. & MAINWARING, S. opcit. p. 109.

24 SCHERER-WARREN, Ilse & REIS,Maria José. As Barragens do Uruguai:a dinâmica de um Movimento Social.Boletim de Ciências Sociais,Florianópolis, UFSC, Abr/Maio/Jun/1986. p. 28

25 Sobre o conceito de Igreja Popular ver:BOFF, Leonardo. E a Igreja se fez povo;Eclesiogênese: A Igreja que nasce da fédo povo. Petrópolis, Vozes, 1986, p. 116.

26 Sobreobre Comunidades Eclesiais de Basever: Ibidem, p. 93.

27 Sobre a Cultura do Silêncio ver:FREIRE,Paulo. Cultural action forfreedom. Middesex, Penguiem Books,1972, Apud.SCHERER-WARREN, I O caréter dosNovos Movimentos Sociais. InSCHERER-WARREN, I & KRISCHEKE,P (org) op. cit. p. 49.

" SCHERER-WARREN, 1. O caráter dosNovos Movimentos. op. cit. p. 40.

29 LACLAU,Ernesw. op. cit. p. 47." KIRSKE,Paulo. Movimentos Sociais e

transações políticas, contribuições dodesenvolvimento de base. In. ref. 1 p.277.

DOIMO, Ana Maria et alii. op. cit. p. 24

32 LANN1, Octávio. Revoluçõescamponesas na América Latina, In.Santos, José V. T (org.) RevoluçõesCamponesas na América Latina. SãoPaulo, Icone, 1985, p. 15

3' MARTINS, José de Souza. Oscamponeses e a política no Brasil.Petrópolis, Vozes, 1981. p. 152.

' GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos edescaminhos dos Novos MovimentosSociais no Campo. Petrópolis, Vozes;Fase, 1987 p. 46.

35 Sobre o assunto ver:GRZYBOWSKI,Cândido. A ComissãoPastoral da Terra e os colonos no sul doBrasil. In: PANA, Vanilda (org.). Igreja eQuestão Agrária. São Paulo, Loyola,

1985, p. 250 e SILVA, César A. E SantaCatarina, Reforma Agrária nela. Boletimda Associação Brasileira da ReformaAgrária - ABRA, Campinas, SP 12(6):37. Nov/Dez 1982.

36 Sobre o assunto ver: SERRÃO,Ubiratan M. et alii. Peste suína. Boletimde Defesa Sanitária Animal. Brasília,Ministério da Agricultura. EdiçãoEspecial, p. 22-35.

37 Sobre o assunto ver: PAULILO,Maria'pia. A Integração no Sul do Estado deSanta Catarina. Tese de doutoramentoapresentada ao Programa de Pós-Graduação ém Antropologia Social noMuseu Universidade Federal do Rio deJaneiro, Rio de Janeiro, mimeo. 1987,p. 7-14.

33 Sobre o assunto ver: SCHERER-WARREN, lhe, M. J. O Movimento dosTrabalhadores Rurais do Sul do Brasil.Florianópolis, 1985, p. 10 (Mimeo).

" Sobre o assunto ver: SCHERER-WARREN, lhe & REIS, M. J. AsBarragens do Uruguai: a dinâmica deum Movimento Social. Boletim deCiências Sociais Florianópolis, UFSC,Abr/Maio/Jun/1986.

4° Sobre o assunto ver: SCHERER-WARREN, lhe. O caráter dos NovosMovimentos Sociais. In: SCHERER-WARREN, Ilse & KRISCKE, P. (org.)op. cit. p. 44 e ALMEIDA, M. HermíniaT Sindicalismo Brasileiro, entre aconservação e a mudança. In: SORJ.B. & ALMEIDA, M. H. T SociedadePolítica no Brasil pós -64. São Paulo,Brasiliense, 1983 p. 192.

41 Sobre esta desterritorialização ver:SCHERER-WARREN,Ilse. O caráter dosNovos Movimentos Sociais. In:SCHERER-WARREN, Ilse & KEISCKE, P.(org.) op. cit. p. 39

42 MARTINS, José de Souza. AMilitarização da questão Agrária.Petrópolis, Vozes, 1984. p. 88

43 D'INCAO, MariaConceição. A questãodo bóia-fria. São Paulo, Brasiliense,1984, p. 80.

44 MARTINS, José de Souza, op. cit. p. 90.

45 Ibidem, p. 98.

46 GRZIBOWSKI,Ctindido. op. cit. p. 47.

07 1BIDEM, P. 25

48 CHERER-WARREN,lise & REIS, M. J.,op. cit. p. 29.

GRZIBOWSKI, Cândido. op. cit. p. 30.

5° SCHERER-WARREN, Ilse. O caráter dosNovos Movimentos Sociais. In:SCHERER-WARREN, I & KRISCHKE, P.(org.) op. cit. p. 58.

51 Depoimento obtido em entrevista com oassessor do INCRA de Chapecó A.S. em27/Nov de 1985.

52 Agenda do Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra - 1987,Executiva do Movimento, São Paulo.

53 Ibidem.

54 Ibidem.

55 DURHAM, Eunice. Movimentos Sociais.A construção da cidadania. NovosEstudos CERRAP. (10): 28 Out. 1984.

56 GRZYBOWSK1,Cândido. A ComissãoPastoral da Terra e os colonos do sul doBrasil. In PAIVA, Vanilda (org.) op. cit. p.215.

52 MARTINS,José de Souza. op. cit. p. 98.

" ABRAMOVAY, Ricardo. Nova forma deluta pela terra: Acampar. Revista daABRA, 15 (2):55, Maio/Jun/Jul/85.

59 GOHN, Maria da Glória. A força daperiferia. Petrópolis, Vozes, 1985, p. 40

60 JACOBI, Pedro. Movimentos Sociaisurbanos e a crise. Da exploração socialà participação popular autônoma. In:Política e Administração. MovimentosSociais no Brasil. FESP, Rio de Janeiro,1(2): 236, Jul/Set, 1985.

61 SANTOS, Theotonio dos. A crise e osMovimentos Sociais no Brasil. Política eAdministração. Movimentos Sociais noBrasil, op. cit. p. 155.

62 IBASE, Violência no Campo.Campanha Nacional pela ReformaAgrária. Petrópolis, Vozes, 1985, p. 19.

KOLTAI, Caterina. Por que Pacifismo?São Paulo, Moderna, 1987, p. 24.

64 FERRO, Cora. A Mulher latinoamericana; a práxis e a teologia dalibertação. In: TORRES, Sérgio. A Igrejaque surge da Base. São Paulo, Paulinas,1982, p. 50.