A Maçonaria Gaucha (Eliane Lucia Colussi)

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATOLICA DO RIO GRANDE DO SUL Instituto de FiIosofia e Cincias Humanas Curso de Ps-Graduao em Histria PIantando Ramas de Accia:a maonaria gacha na segunda metade do scuIo XIX EIiane Lucia CoIussi TeseapresentadaaoCursodePs-GraduaoemHistriadaPontifcia UniversidadeCatlicadoRioGrandedo Sul,comorequisitoparcialefinalpara obteno de grau de Doutor em Histria na readeconcentraoemHistriado Brasil. Orientador: Prof. Dr. Braz Augusto Aquino Brancato Porto AIegre, junho de 1998

famiIia que nasceu com este trabaIho,Astor e Antnio AGRADECIMENTOS Nadifciltarefaqueresultouaelaboraodestatese,devemos agradecimentos a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contriburam e que merecem especial gratido: .UniversidadedePassoFundo(UPF),pelacompetentee incentivadora poltica de capacitao do seu corpo docente; .CoordenaodeAperfeioamentodePessoaldeNvelSuperior (Capes) e ao Programa Institucional de Capacitao Docente e Tcnico (PICDT), pelo subsdio financeiro que viabilizou a realizao do curso. .aocursodePs-GraduaoemHistriadaPontifciaUniversidade CatlicadoRioGrandedoSul(PUCRS),pelaoportunidadedeintegrarseu corpo discente;.aJaquelinePedroso,peloauxlionapartetcnicadedigitaoeMaria Emilse Lucatelli pela competente reviso de linguagem; .aMrciaeMariaElizabeth,peladisponibilidadeecontribuiona coleta de muitas informaes; .aoscolegaseamigosdoDepartamentodeEstudosSociais, especialmenteaoprofessorFernandodaSilvaCamargo,pelaamizadee permanente incentivo. UmagradecimentomuitoespecialamigaAnaLuizaSetti Reckziegel,pelocompanheirismoedisponibilidadenasmuitasconversassobre este trabalho e sobre nossas vidas. AoprofessorAstorAntnioDiehlque,deformapermanente,foi consultado e colaborou em muitos momentos difceis de construo desta tese.DevoagradecerespecialmenteaoprofessorBrazAugustoAquino Brancato,peloincentivoquandodaescolhadatemtica,pelaorientao competenteeseguraemtodosospassosdestetrabalhoepelasuaconfianana minha capacidade para desenvolver esta tese. RESUMO Amaonaria,instituiodecarterinternacionalecomobjetivos filantrpicosehumansticos,foiparticipante,diretaouindiretamente,nos grandesmovimentospolticoseculturaisdossculosXVIIIeXIXemdiversas partesdomundo.NoRioGrandedoSul,suainstalaosedeunadcadade 1830,masfoinasegundametadedomesmosculoqueainstituiose consolidoueseexpandiu.AsuainfluncianestapartedoBrasilsevinculou especialmenteaocampodosposicionamentosliberaisecientificistasdosquais foi uma das receptadoras e divulgadoras. Esses correspondiam tambm adeso damaonariagacha vertente conhecida como latina e que foi hegemnica no restantedoBrasildosculoXIX.Assim,osposicionamentosabertamente polticos e anticlericais desenharam em muito a presena manica na vida social gacha,detalmodoque,mesmoquedeformagenricaemuitasvezes superficial,oshomensilustradosadeptosdamaonariacombateramo clericalismonasuaversoultramontanae,principalmente,osjesutas, consideradososgrandesinimigosdoprogressoedasluzes.Enfim,nasegunda metade do sculo XIX, os pedreiros-livres gachos, integrantes da elite regional, participaramativamentedavidapoltica,socialeculturalquandodadefesada laicizao da sociedade brasileira, principalmente na luta pela separao Estado e Igreja, confirmada em 1889. ABSTRACT TheMasonryisaninternationalinstitutionwithphilanthropicand humanisticobjectives.Itparticipated,directlyorindirectly,inthegreatest political and cultural movements in the 18th and 19th centuries at different parts oftheworld.ItsestablishmenthappenedinthestateofRioGrandedoSul- Brazil,inthe1830s.However,itwasonlyinthesecondhalfofthesame century that the institution has consolidated and expanded itself. The influence of the Masonry in that part of Brazil was specially linked to te cintificist and liberal fields, issues which were received and divulged by the Masonry. Those positions also corresponded to the adding to the Gacha Masonry (gacho/a is a word that indicates people or something else from Rio Grande do Sul - a state in the south ofBrazil,nearArgentina)tothemasonic party known as Latin, the party which hadhegemonyintherestofBrazilinthe19thcentury.Itwastherefore,the clearypoliticalandanticlericalpositionsmarkedthemasonicpresenceinthe Gachasociallife.Evenifinagenericandsometimessuperficialway,the ilustrated,masonicmenfoughttheclergyinitsultramontanaversion(papal politicsinthesecondhalfofthe19thcentury).TheymainlyfoughttheJesuits, who were considered the major enemies of the progress and the enlightnment. In short, in the second halg of the 19th century, the gacho free-masons, who were membersoftheregionalelite,hadactivelypartipatedinthepolitical,socialand culturallife,duringthedefenseofthelaicizationoftheBraziliansociety.That happened, especially in the fight for the separation of state and church which was confirmed in 1889. ABREVIATURAS AHRGS: Arquivo Histrico do Rio Grande do Sul GOB: Grande Oriente do Brasil GOBend.: Grande Oriente dos Beneditinos GOL: Grande Oriente do Lavradio GOP: Grande Oriente do Passeio GORGS: Grande Oriente do Rio Grande do Sul GOU: Grande Oriente Unido IHGB: Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro IHGRGS: Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul PC: Partido Conservador PL: Partido Liberal PLP: Partido Liberal Progressista PRR: Partido Republicano Rio-Grandense ABREVIATURAS MANICAS Aug: Augusta Ausp: Auspcios Cl ou Cir: Crculo Cons: Conselho Const: Constituio E V: Era Vulgar Gr:Grande Gr Mest: Gro-Mestre Gr Or: Grande Oriente GGr OOr: Grandes Orientes Gr Tes: Grande Tesoureiro Ir: Irmo IIr: IrmosKad: Kadosch L: LuzLL: LuzesLoj: Loja Ma: Maonaria MMa: Maons OOff: OficinasOr: Oriente Ord: Ordem Pod Gr Mest: Poderoso Gro-Mestre PPot: Potncias PPran: Pranchas R L: Real Luz Sap: Sapientssimo Sob: Soberano Subl: Sublime Sup Cons: Supremo Conselho 1 Vig: Primeiro Vigilante Val: Vale V L: Verdadeira Luz SUMRIO DE CARTOGRAMAS E QUADROS Cartografia 1: Lojas em funcionamento na provncia em 1857 / 193 Cartograma 2: Lojas em funcionamento da provncia em 1861 / 198 Cartograma3:Lojasemfuncionamentonaprovnciaem1875porpoder central/204 Cartograma 4: Lojas em funcionamento no estado em 1898 por poder central/234 Quadro 1: Distribuio de lojas manicas no Brasil no ano de 1873 / 200 Quadro2:FundaodelojasmanicasnoRioGrandedoSulde1872a 1882/201 Quadro 3: Dirigentes maons e parlamentares da Assemblia Provincial / 209 Quadro4:Distribuiosetorialdosdirigentesmaonsnasegundametadedo sculo XIX/258 Quadro5:Estatsticamanicabrasileirasobreacomposiosocialdosseus filiados / 263 Quadro 6: A participao dos dirigentes maons enquanto polticos / 283 Quadro 7: A formao escolar de maons gachos / 301 Quadro 8: Ocupaes intelectuais e/ou culturais dos dirigentes maons / 304 Quadro 9: Dirigentes maons/ jornalistas/ rgos de imprensa / 309 Quadro10:ArrecadaodedonativoseesmolaspelalojaHonraeHumanidade de Pelotas / 390 SUMRIO AGRADECIMENTOS / 3 RESUMO / 4 ABSTRACT / 5 ABREVIATURAS / 6 ABREVIATURAS MANICAS / 7 SUMRIO DE CARTOGRAMAS E QUADROS / 8 INTRODUO /11 I.ASLUZESILUMINAMOBRASIL:AMAONARIABRASILEIRANO SCULO XIX / 37 1. Consideraes iniciais / 38 2. A maonaria sob a tica das fontes e da historiografia / 40 2.1. A maonaria sob a perspectiva dos historiadores descomprometidos/41 2.2. A maonaria sob a perspectiva dos historiadores comprometidos/55 3.Maonariaehistria:dasprimeiraslojasaomovimentofederalista manico / 67 3.1.Acolniasepreparaparaaemancipaoeamaonariaencontraseu espao primitivo / 68 3.2. Maonaria brasileira como agremiao poltica da independncia / 76 3.3. Maonaria brasileira: em busca de um perfil nacional / 97 3.4. Da ciso de 1863 ao movimento federalista manico / 109 3.5. A presena manica no Brasil e o anticledsricalismo / 126 II.ASLUZESEMTERRASGACHAS:HISTORIOGRAFIAE HISTRIA/144 1. Aspectos iniciais /145 2. A maonaria gacha sob a tica da historiografia e das fontes / 148 2.1. O espao da maonaria na historiografia descomprometida / 148 2.2. O espao da maonaria na historiografia comprometida / 165 3. Maonaria gacha e histria: das primeiras ramas de accia consolidao do Grande Oriente do Rio Grande do Sul / 169 3.1. Maonaria, sociedades secretas e Revoluo Farroupilha / 174 3.2. A pacificao do Rio Grande e a afirmao da maonaria / 184 3.3. As ramas de accia se espalham pelo Rio Grande / 194 3.4.OfederalismomanicoeoGrandeOrientedoRioGrandedoSul /219 III.QUEMERAMEONDEATUAVAMOSFILHOSDAVIVADORIO GRANDE DO SUL / 247 1. Questionamentos iniciais / 246 2.Origemeconmico-socialeparticipaopolticadospedreiros-livres gachos / 256 2.1. O enfoque da perspectiva econmica / 256 2.2. Os maons e a poltica / 278 2.2.1. Os polticos locais / 284 2.2.2. Os polticos regionais / 287 2.2.3. Os polticos nacionais / 293 3. Os maons e sua escolaridade: ocupaes intelectuais e culturais / 299 3.1.Aimprensaeojornalismocomoocupaespreferenciaisdos pedreiros-livres gachos / 307 3.2. AliteraturaeParthenonLitterario:marcodaintelignciagachae centro intelectual da maonaria / 321 IV.ASRELAESENTREMAONARIAEIGREJACATLICANORIO GRANDE DO SUL NA SEGUNDA METADE DO SCULO XIX / 334 1.Consideraes iniciais / 335 2.A Igreja Catlica no territrio gacho no sculo XIX / 340 2.1. A presena do clero catlico nas oficinas manicas / 352 2.2. D. Sebastio Dias Laranjeira e as repercusses da questo religiosa no Rio Grande do Sul / 357 2.3. As penalidades catlicas dirigidas aos maons: excomunhes e negao de sepultamento / 368 2.4.Agestode d. Cludio Jos Gonalves Ponce de Leo no contexto do final do sculo XIX / 373 3.Aquempertenceafilantropia?:ospedreiros-livrescumpremseu objetivo/385 3.1. A filantropia manica externa /386 3.2.Asolidariedadeinternamanica:oauxliomtuoprotegendoos pedreiros-livres / 394 3.3. As mulheres como elo manico das aes filantrpicas /398 4. A maonaria e a defesa do ensino laico: as escolas manicas /404 CONSIDERAES FINAIS / 421 LOCAIS DE PESQUISA, FONTES E BIBLIOGRAFIA / 438 1. Locais de pesquisa / 438 2. Fontes /438 2.1. Imprensa manica / 438 2.2. Imprensa catlica / 439 2.3. Constituies e regulamentos / 439 2.4. Discursos e conferncias / 439 2.5. Outras fontes / 440 3. Bibliografia / 441 3.1. Bibiliografia especfica / 441 3.2. Bibliografia complementar / 455 ANEXOS / 460 1. Quadro de dirigentes maons no Rio Grande do Sul / 461 2. Quadro de filiados em lojas manicas gachas / 485 INTRODUO Otemadestetrabalhorefere-sepresenadamaonarianoRio GrandedoSul,especialmentenasegundametadedosculoXIX,esua provvelinfluncianaformaodeumtipoparticulardeculturapoltica1. Referimo-nosinflunciamanicanaconstruoedefesadopensamento liberal2 e cientificista3 no Rio Grande em contraposio ao pensamento catlico-conservador.Paratanto,identificamosamaonariagachanonecessariamente comooconjuntodosmembrospertencentesinstituio,ouseja,mapeamos seusdirigentes-intelectuaiscomoumdosgruposdaeliteintelectualgacha, claramente definido e com posicionamentos laicizantes e anticlericais.Como objeto especfico de anlise, a maonaria um dos temas ainda ausentesnahistoriografiaacadmicaemgeral.Asrefernciassobreapresena manicaso,namaioriadasvezes,genricas,fragmentadas,dispersase

1Cf.GiacomoSANI,culturapoltica o conjunto de atitudes, normas e crenas, mais ou menos largamente partilhadas pelos membros de uma determinada unidade social e tendo como objeto fenmenos polticos. In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCI, Nicola e PASQUINO,Gianfranco.Dicionriodepoltica.Braslia:EditoradaUnB,1986. p.306. 2Oconceitodepensamentoliberalutilizadonestetrabalholevaemcontaacomplexidadedeum fenmenohistrico,polticoeideolgicocomvriaspossibilidadesdedefinio.Conforme MATTEUCCI,Nicola.In:Dicionriodepoltica.Op.cit.p.686-687,entreasordensdemotivosque dificultam uma nica definio para liberalismo se encontra: tal termo pode, conforme o caso indicar um partidoouummovimentopoltico,umaideologiapolticaouumametapoltica(ouumatica),uma estruturainstitucionalespecficaouareflexopolticaporelaestimuladaparapromoverumaordem poltica melhor, justamente a ordem liberal. Entendemos pensamento liberal de forma bastante genrica, enquanto um conjunto de idias polticas norteadas por princpios de liberdade individual, de supremacia darazoedademocraciaemcontraposioaoabsolutismo.Emtermosreligiosos,sustentaaliberdade individual de crena. 3PorcientificismoentendemosumatendnciadepensamentodosculoXIX,identificadaapartirda crena de que a cincia capaz de resolver todos os problemas de valor e de implementao de valores na vida humana; prever e controlar at certo ponto o comportamento humano baseando-se na observao emprica.KOLB,WilliamL.In:Dicionriodecinciassociais.RiodeJaneiro:EditoradaFundao GetlioVargas,1986.p.186.VertambmWEHLING,Arno.Ainvenodahistria:estudossobreo historicismo.RiodeJaneiro/Niteri:EditoriaCentraldaUniversidadeGamaFilho/Editorada Universidade Federal Fluminense, 1994, principalmente as pginas 41-49. unilaterais.Mesmoassim,otematemsuscitadoumgrandenmerodeobras, caracterizadaspelapolmica,ondeparecemequilibrar-seobrasdeexaltaoe dereprovao4.Amaonariaumainstituiointernacionalcomquasetrs sculosdehistriaequefoiparticipantediretaeindiretadosprincipais acontecimentos polticos, sociais e culturais sobretudo nos sculos XVIII e XIX. Oseucartersigiloso,omitoemtornodoseusegredo,aobscuridadedeseus propsitosearelaopolmicaeconflituosacomaIgrejaCatlicaforam garantindoinstituiomuitasreferncias,inclusivereveladorasdaforte presena de um imaginrio de obscuridade para o pblico em geral.Para efeito deste estudo e de tudo aquilo que o cerca, constatamos que nemsempreasconvicesouintenesiniciaisdohistoriadorseconfirmamno transcorrerdotrabalhodepesquisadocumentalebibliogrficae,mesmo,na interpretaodasinformaes.Essasituaotorna-semaisgravequandoa temticaescolhidaapresenta-sepordemaiscomplexa-complexanosentidode serumobjetodepesquisaaindaestranhoaoshistoriadoresbrasileiros,isto, aindanoreconstitudo.Acrescente-seaissoofatodeserumtemamuito presentenoimaginriosocialporestarpermeadodemitos,indefiniese polmicas. No nosso caso, optamos por esse objeto de pesquisa mesmo antes de sabermosexatamenteondepretendamoschegar;ditodeoutraforma,no sabamos,deincio,oquequeramossaber.Maisainda,asleituraspreliminares nodavamcontadenenhumacertezaquantodefinioeproblematizaodo tema,tampoucosobreotempohistricoaquedeveriaestardelimitadaa pesquisa.Numprimeiromomento,essasituaosuscitoudvidasemrelao verdadeiraimportnciaqueumtrabalhodessetipopoderiarepresentar.Por exemplo:se,noBrasil,eespecialmentenoRioGrandedoSul,amaonaria permaneceunoanonimato,sendoreferidaemrarasocasiespelahistoriografia disponvel,talvezelanomerecesse,defato,estudosespecficos.Chegou-sea cogitartambmquepudesseterocorridoocontrriodasexperinciasestudadas emalgunspaseseuropeus,ouseja,elateriasidoapenasumainstituioque

4 TOURRET, Fernand. Chaves da franco-maonaria. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 7. estivera presente em determinado momento e que sobrevivera atravs do mito da obscuridade,construdoporelamesmaeporseusinimigos.Ainda, concretamente,asuainseronarealidadehistricagachapoderiater-se resumidoaofatodesuaslojasouoficinasseremumespaodeconvivncia social e de lazer no sculo XIX, sem qualquer significao maior alm dessa.Poroutrolado,asuapresenaesignificadohistricopoderiam simplesmentenotersidocontempladospelahistoriografia,oquesignificaria, ento,queatemticanosemanteveannima,mas,sim,indita.Assim, confirmar-se-ia a mxima de que quem confere sentido e significncia histrica a determinadosacontecimentos,conjunturasprocessosouinstituieso historiador.Oshistoriadoresacadmicosenoacadmicos,tantonacionais quantogachos,poderiamnoterseinteressadopelotemaemrazodas dificuldadesdeacessosfontesdocumentaismanicas.Alis,essahiptese mostra-seconsistenteseconsiderarmosqueotodivulgadocarterfechadoou secreto da maonaria pode ter inibido muitos profissionais a qualquer iniciativa. Outroaspectodesanimadorpoderiaseraprpriaproduo historiogrficamanicaeantimanicadisponvel.Se,porumlado,atemtica permaneceinditaparaahistoriografiatradicionaleacadmica,poroutro,ela temsidotrabalhadaemlargaescalaporhistoriadoresdamaonariaepor inimigos dela. Existe, na verdade, uma grande variedade de obras, traduzidas ou produzidasnoBrasilenoRioGrandedoSul,sobreoquemaonaria,seus rituais,smbolos,administrao,organizaojurdica,relaocomaIgreja Catlica,etc.Nessas,estoincludastambmmuitasobrasdehistriada maonaria em nvel internacional e de Brasil. Por que razo, ento, tal produo historiogrficaseriadesanimadoraparaumhistoriadordescomprometidocoma ordem? Acreditamos que o carter apologtico, quase sempre demasiadamente parcial,semcrticahistricaedenaturezapolmica,damaioriadessasobras possaserapontadocomoumajustificativa.Apolmicapresentenelasno desmerece,contudo,umconjuntodeobrassobreahistriadamaonariaque fogem em muito desse padro. que foram exatamente esses livros - trabalhados no primeiro captulo do estudo - fundamentais na opo por desenvolvermos este objetodepesquisa.Novamente,ocarteremgrandeparteinditodatemtica poderia apresentar um outro perigo, ou seja, o de invertermos a situao: ao invs denosdebruarmossobrealgunsaspectosdamaonarianoRioGrandedoSul, conferindo-lheomximodeprofundidade,desenvolvermosumavisoquase panormica da sua histria nesse espao. Arespeito,asfontesexistentesedisponveis,principalmentea documentaodeorigemmanica,nosconvenceramquesepoderiaconhecer sobreapresenadamaonarianoestadomuitomaisdoqueoaparente ineditismodemonstrava.Portanto,apardoriscodeestetrabalhosetornar generalistademais,optamosporvalorizar,dopontodevistaheursticoede crtica,aspotencialidadesdasfontesdocumentaisprimriaseasuariquezade informaes.Avalorizaodasfontesfoiumaopotambmemrazode revelarem,comumacoernciaestruturaldeconjunto, os passos, os conflitos, as contradieseaexpansodamaonarianoRioGrandedoSuldosculoXIX. Comisso,pensou-se,avisoumtantopanormicadotrabalhoabriria comunidade de historiadores um leque de possibilidades para futuras pesquisas. Assim,dopontodevistametodolgico,optamospordesenvolvero temacombaseemumavisoomaisdocumentvelpossvel,apresentandouma sriedeconhecimentosnecessriosparaquesepossaentenderapresenada maonarianoBrasilenoRioGrandedoSulnoperododelimitado.Amatriz principalparaaanliseapoltico-cultural-religiosa,isto,arelaoprincipal queestabelecemos,apartirdaleituraecrticadocumental,aquese desenvolveu entre maonaria e Igreja Catlica atravs do confronto das correntes depensamentoliberalecientificistacontraocatlico-conservador.Como protagonistas desse confronto, os intelectuais maons - uma parcela significativa daintelignciagacha-deramasdiretrizesaoprocessodelaicizaoda sociedade gacha. Opassoinicialdesteestudoconsistiunaanlisedefontes bibliogrficas sobre o tema. Nesse processo, o critrio que nos direcionou para a seleo/separao das fontes foi procurar saber o que j havia sido escrito sobre a maonaria, quem o escrevera e com quais objetivos. Nesse sentido, observamos e cartografamostrsconjuntoshistoriogrficos:oprimeiro,compostodeobras comcontedosdeusointernodaordem5;osegundo,constitudodeobras relacionadascomahistriadamaonaria,escritasporhistoriadores descomprometidosideologicamente coma instituio, e o terceiro grupo, aquele querenehistoriadorespreocupadoscomahistriadamaonariaemrazode umcomprometimentoouengajamentoideolgicofavorveloucontrrio instituio.Em relao ao primeiro conjunto de obras, as de uso e carter interno da maonaria, detivemo-nos nelas somente com a finalidade de compreenso dos parmetros administrativo-organizacionais internos da instituio, ou seja, no as observamoscompreocupaodefazersuacrticaouanlise.Elasaparecemno transcorrerdo trabalho apenas como fontes de informao e esclarecimento para situaesrelacionadasaovocabulriomanico,aosrituais,simbologiae organizaointernadainstituio6.Naverdade,foipormeiodaproduo historiogrfica dos dois grupos cartografados em seqncia que nos introduzimos verdadeiramente na temtica. Ahistriadamaonaria,mesmoque,noBrasil,aindanoesteja contemplada nos estudos acadmicos, vem sendo escrita desde os seus primeiros temposporhistoriadoresdescomprometidosoucomprometidoscomaordem. Entreosprimeiros,identificamosedefinimososacadmicoseosno

5Emcontedointernodaordem,foramincludasobrasdirecionadasaosprpriosmaons,queversam sobreadministrao,direito,doutrina,esoterismo,ticaemoral,filosofia,simbolismoeritualismo manico:tambmobrasqueexplicitamarelaomaonariaereligiosidade,principalmenteasque tentam explicar a relao com a Igreja Catlica. 6Dopontodevistaquantitativo,esseconjuntodeobrasmaissignificativonumericamenteemais facilmentelocalizvelemlivrariasebibliotecas.Aspublicaessoconstitudastantodetraduesde autoresmaonsconsagradosinternacionalmentequantodemaonsbrasileiros.Paraonossotrabalho, foramutilizadosprincipalmenteosseguintesautores,almdos constantesna bibliografia complementar: ARAJO, Waldir Jacinto de. Manual de administrao de loja. Rio de Janeiro: Essinger, 1987; ASLAN, Nicola.Estudosmanicossobresimbolismo.RiodeJaneiro:Aurora,1980;ASLAN,Nicola.Grande dicionrio enciclopdico de maonaria e simbologia. v. 4. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1975; BRANDO, DanteDomingues.Ensaiodefilosofiamanica.PortoAlegre:Infinito,1975;CAMINO,Rizzardoda. Reflexesdeumaprendiz.Londrina:ATrolha,1992;CARVALHO,FranciscoAssis.Cargosemloja. Londrina:ATrolha,1982;CASTELLANI,Jos.Cursobsicodeliturgiaeritualstica.Londrina:A Trolha,1991;CASTELLANI,Jos.Dicionriodetermosmanicos.Londrina:ATrolha,1989; CASTRO,Boanerges Barbosa.Osimbolismo dos nmeros namaonaria. Rio de Janeiro: Aurora, 1977; NOGUEIRAFILHO,Samuel.Maonaria,religioesimbolismo.SoPaulo:Trao,1984;PINTO, ValdemiroLiberato.Teoriaeprticadaregularidademanica.RiodeJaneiro:Ctedra,1984; acadmicos,denominando-osaquitambmcomotradicionais.Nogrupodos acadmicos,asprincipaisrefernciasselocalizaramemobrasdehistriada maonariaproduzidasapartirdadcadade1970emalgunspaseseuropeus7. Longe de repetir os vcios de um tipo de historiografia apologtica ou de combate ordem, esses autores tm procurado observar e analisar a maonaria sob novas ticas. Significativo, nesse sentido, para demonstrar os rumos dos novos estudos sobre o tema, o direcionamento que lhe dado por Molleda, que afirma: estaperspectivadeinsercineimbricacindela Orden en la dinmica conflictiva de la sociedad de su tiempo,queponeencontrasteelplanoidealdela Instituicin esta con el plano real de su incardinacin enlohistrico,hasidofrecuentementeolvidada.No obstante,parecaevidentequeslo unplanteamiento metodolgicoorientadoaestablecerlainterrelacin de la Orden con las estructuras materiales y mentales desumediopodapermitirunareflexinterica explicativa de su funcin en la sociedad espaola 8. Ainda sobre isso, contamos com outra justificativa importante: eltemadelaMasonerasepuedeenfocardemuy diversas maneras, pero todas ellas es emprescindible conocerafondosuhistoria.Lapolmicay demagogiaenproyencontrasonmuyfciles,pues no faltan elementos que la abonen en ambos sentidos. Ahorabien,sinunasanacrticahistricaquede perspectivaalproblemaesmuifcilcaerenla apologamsridculaoenlamsinjusta denigracin9.

SANTOS,SebastioDodeldos.Dicionrioilustradodemaonaria.RiodeJaneiro:Essinger,1984; SENNA, Vanildo de. Fundamentos jurdicos da maonaria especulativa. Rio de Janeiro: Manica, 1981. 7 Entre essas obras, destacamos as produzidas em Portugal, Espanha e Frana, em razo da proximidade e semelhana com a histria da maonaria brasileira. As obras so as seguintes: DIAS, Graa e J. S. da. Os primrdios da maonaria em Portugal. v. 2. Lisboa: Imprensa de Coimbra, 1980; FERRER BENIMELI, JosAntnio.Lamasoneraactual.Sardanyola/Barcelona:EditorialAHR,1977eMasonera,Iglesiae ilustracin:unconflictoideologico-politico-religioso.Madrid:FundacionUniversitariaEspanla,1977. (4.v.);MARQUES,A.H.deOliveira.AmaonariaportuguesaeoEstadoNovo.Lisboa:Publicaes Dom Quixote, 1983; MOLLEDA, Maria Dolores Gmez. La masonera en la crisis espanla del siglo XX. Madrid: Taurus Ediciones, 1986; NAUDON, Paul. La franc-maonnerie. Paris: P.V.F., 1963; ZAVALA, Iris M. Masones, comuneros y carbonarios. Madrid: Siglo XXI Espan Editores, 1971. 8MOLLEDA, Maria Dolores Gmez. Op. cit. p. 8.9FERRER BENIMELI, Jose Antonio. La masonera actual. Op. cit. p. 22 Osestudossobremaonarianomundo,principalmentenaEuropa, vmsendoredimencionadossobretudonasltimasdcadas.Novasperspectivas terico-metodolgicaspossibilitamentendereexplicarasuahistoricidade, levandoemcontaainstituiocomoparticulareautnoma,aomesmotempo atuando e recebendo influncias das realidades histricas em que esteve inserida, construindo um conjunto de conhecimentos prprios e em muito partilhados pela sociedade.Almdisso,amaonariapossuiuorganizao,linguagemesmbolos prprios nem sempre compreendidos de forma correta, gerando, por isso mesmo, uma verso historiogrfica em muito mitolgica.Nocasobrasileiro,apresenadamaonarianahistoriografia acadmicaquaseinexistenteenquantoobjetoespecficodepesquisa.A exceodeinmeraserpidasreferncias,sobretudoemdoismomentos especficosdahistriapolticabrasileira,aindependnciaeaquestoreligiosa de1872-1875,amaonariapermaneceannima.Assim,noBrasil,amaonaria mantm-se ainda muito nebulosa e obscura10 em razo da prpria marginalizao aqueahistoriografiaacadmicaarelegou,oquepermitiuqueaviso bipolarizada-oriunda,deumlado,dahistriaescritapelosprpriosmaonse, deoutro,dosseusinimigos,quasesemprecatlicos-se tornassepredominante. Attulodeexemplo,citamosaobradeJooJosReis11,quetratadarevolta popularconhecidacomoCemiterada,ocorridanaBahiaem1836emotivada pelaaprovaodeumaleiquealteravaasprticasrelativasaossepultamentos. Nessa obra, aparece o seguinte:

10Cf.FERRERBENIMELI,JoseAntonio.Lamasoneraactual.Idem.p.72:en primer lugar, no cabe duda que todo lo relacionado con las sociedades secretas y con la masoneraenparticularhasidosiempreparaelgranpblicoalgonebuloso.Elsiglo pasado fue la poca del ocultismo. Asociaciones secretas de todos los matices actuaron en la sociedad con fines muy diversos, aunque a veces se unan para una causa comn (...).Oqueseconfundieraalosmasonesconloscarbonarios,osimplementequeel trmino sociedade secreta fuera sinnimo de impiedade, complot o ataque a la Iglesia y a los gobiernos legtimos.11REIS,JooJos.Amorteumafesta:ritosfnebreserevoltapopularnoBrasil do sculo XIX. So Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 15-16. Assimnofoisomenteopovoquedeuincio violncianapraa,masgenteorganizadaem irmandades.Enquantoapedrejavam,davamvivas sIrmandadesemorrasaosPedreiroslivres,ede repenteapareceuummorra ao Cemitrio!. De novo aimagemfnebreaanimarumalutareligiosa reveladaaindanaagressoverbalaosmaons,que emsuassociedadessecretaspareciamameaaras associaes comprometidas com a religio12. Essetipodemenoparticipaodepedreiros-livresem determinadasocasiesousituaeshistricasconfirma,nomnimo,oprprio imaginriodapopulaoemgeralsobreainstituio13.Outroshistoriadores acadmicos,commaioroumenorintensidade,tambmfazemreferncia presenamanicanoBrasil,osquaisseroanalisadosnoprimeirocaptulo deste trabalho.Importante,porm,nesseponto,salientarotrabalhodeAlexandre MansurBarata,nicoestudoacadmicoespecficosobreamaonariabrasileira quefoilocalizadoatopresentemomento14.Objetivandoexplicaraatuaoda instituio no contexto da recepo do pensamento liberal e cientificista no Brasil da segunda metade do sculo XIX, o autor reconstitui a trajetria de implantao eexpansodaordememterrasbrasileiras,bemcomoasuaparticipaoem algunsdosmaisimportantesmovimentospolticosesociaisdoperodo.Utiliza, paratanto,fontesbibliogrficasedocumentaisquesetornaramumareferncia importanteparanossoprocessodepesquisa,almdoqueanfasedada presenamanica,comoumdosgruposintegrantesdailustraobrasileirae

12Idem,p. 15-16. Cabe destacar que a meno aos maons se resume apenas citao transcrita.Aquestodoscemitriosfoiumadasbandeirasdelutadamaonariano sculo XIX, objetivando a secularizao da sociedade. 13 Exemplar, nessa mesma perspectiva, a obra de LEVINE, Robert M. O serto prometido: o massacre de Canudos. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1995. A maonaria mencionada diversas vezes, sem que, no entanto, seja aprofundada a questo. Por exemplo, na pgina 320, o autor afirma: Os ltimosanosdosculoXIXtambmtestemunharamumdistanciamentoentreaculturadanovaelite nacionalemergenteeaculturadasociedaderural.Osbrasileirosdolitoralsimplificavamareligioou, sobainflunciadaslojasmanicasedossalesdehumanistasseculares,simplesmenteaignoravam, enquanto (...).14BARATA,AlexandreMansur.Luzesesombras:aaodospedreiros-livresbrasileiros(1870-1910). Dissertao de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 1992. divulgadoresdopensamentoliberalnoBrasil,contribuiuparaadelimitaodo nosso estudo. Aindadopontodevistadaliteraturamanicabrasileiradeorigem acadmica, importante mencionar que a instituio aparece, quando isso ocorre, sobremaneiranombitodahistriapolticabrasileira.Ovnculodiretoentre maonariaepolticapodeserumadasrazesdasdificuldadesemabordar-sea temtica.Ditodeoutraforma:asabordagenssobremaonaria,porficarem restritasesferadahistriapoltica15,acabaramapresentandomuitosdos problemasquelevaramaqueessegnerohistrico fossemarginalizadoporboa parte da historiografia mundial a partir da dcada de 1930. Um desses foi no ter explicado como uma instituio com influncia sobre os acontecimentos polticos nopossuaumacoernciapoltica,vistoquepartidriosdegruposepartidos diferentes sempre atuaram no espao comum das lojas manicas.Nesseponto,inserimostambmogrupodehistoriadoresno acadmicosoutradicionais,quecaracterizaramsuasobrasprincipalmentepor restringiremamaonariaaocampodapoltica.Nasobrasdehistoriadores brasileirosqueseroanalisadasnotranscorrerdestetrabalho,apresena manicafocalizadaemdoisnicosmomentos:oprimeironoprocessode independncia e o segundo, quando da ecloso da questo religiosa na dcada de 1870.Apesardemuitasindefiniesacercadaespecificidadedainstituio, algunsautorestradicionais16recuperarammuitosdocumentosmanicos

15Sobreognerohistriapoltica,JULLIARD,Jacques.Apoltica.In:LEGOFF, Jacques e NORA, Pierre. Histria: novas abordagens . Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.p.180.diz:Ahistriapolticatemmreputaoentreoshistoriadores franceses. Condenada, faz uma quarentena de anos, pelos melhores entre eles, um Marc Bloch,umLucienFebvre,vtimadesuasolidariedadedefatocomasformasasmais tradicionaisdahistoriografiadocomeodosculo,elaconservahojeumperfume Langlos-Seignobosquedesviadelaosmaisdotados,todososinovadoresentreos jovenshistoriadoresfranceses.Oque,naturalmente,nocontribuiparamelhoraras coisas. 16 Entre esses autores, sero analisados os seguintes: MONTEIRO, Tobias do Rego. Histria do Imprio, aelaboraodaindependncia.RiodeJaneiro:1927;Idem,HistriadoImprio,oPrimeiroReinado. RiodeJaneiro:F.Briguiet&Cia.,1939;OLIVEIRALIMA,Manuel.Omovimentodaindependncia (1821-1822).SoPaulo:Melhoramentos,1922;Idem,D.JooVInoBrasil.v.2.RiodeJaneiro: Melhoramentos,1927;ROCHAPOMBO,JosFrancisco.HistriadoBrasil.v.4e5.SoPaulo: Melhoramentos,1941;VARNHAGEN,FranciscoAdolfo.HistriadaindependnciadoBrasilato reconhecimentopelaantigametrpole,compreendendoseparadamenteadossucessosocorridosem algumas provncias at essa data. So Paulo: Melhoramentos, 1957. atualmenteinacessveis,transcrevendo-osemsuasobras.Talvezsejaessaa principal contribuio desse grupo historiogrfico.Aoladodasobrasacadmicasdeautoreseuropeus,ogrupo historiogrficoquemaiscontribuiuparaaconstruodestetrabalhofoi constitudoporaquelasdenominadascomprometidasouengajadas ideologicamente.Nessesentido,excludasasobrasdecartermaissimplista, fantasiosoecaricaturaldaliteraturadisponvel,restouumgrupodeautores importantesesrios.Ocarterideologicamentecomprometidopodeser observadoemduasverses:aprimeira,atravsdehistoriadoresmaons,ea segunda, de autores da antimaonaria. O carter de parcialidade e de ausncia de crticahistricanoprejudicouacontribuiodessasobrasenquantofontes bibliogrficasfundamentaisparaestudossobreamaonaria,sobretudoporse basearememlevantamentosdocumentaisoriundosdasprpriaslojasoucorpos manicos.Entreoshistoriadoresmaons,aqueleaquemmaisrecorremos,no casoda maonaria brasileira, foiManuelAro, cuja obra, escrita e publicada no incio do sculo XX, foi em muito influenciada pelo evolucionismo da Escola de Recife. quase um tratado abrangendo desde os primrdios da instalao oficial de lojas manicas no Brasil, mais ou menos no ano 1800, at as repercusses da questo religiosa no Par, em Olinda e no Rio Grande do Sul. A preocupao do autorcomaobjetividadehistrica,comumnascorrenteshistoriogrficasde cunhomaterialistaepositivistadaviradadosculo,trazcomoconseqnciaa incansveltranscriodedocumentospertencentesespecialmenteaoGrande OrientedoBrasil.suasemelhana,outrosautores,contemporneosouno, tambmtiveramapreocupaoderecuperardocumentosedetranscrev-losem suas obras17. Seahistoriografiamanicapermitiuquepudssemosconstruir hipteses sobre a presena dessa instituio no Brasil e no Rio Grande do Sul no sculoXIX,asobrasantimanicasnosserviramdecontrapontoaosprovveis exageroscometidosemnomedocomprometimentoouengajamento.Nesse

17 A obra de ARO, Manoel. Histria da maonaria no Brasil. Recife: edio do autor, 1926. (primeiro volume). sentido, e conveniente que se diga de antemo, a literatura antimanica no se constituiuexatamentenombitodahistriadamaonaria,masutilizoucomo recursodeconvencimentoaoseupblicoaspectosdahistriadainstituio. Almdisso,cabedestacarque,apesardetodaumafortetradiodessetipode literatura,sobretudonaeuropadosculoXIX,noBrasil,suasrepercussesno foram quantitativamente importantes18.Mesmoassim,doisnomessetornaramexpressodoantimaonismo no pas: Gustavo Barroso, que explica na sua principal obra a presena manica nahistriabrasileiraapartirdeseusposicionamentosanti-semitas19,e BoaventuraKloppenburg,padreedepoisbispocatlico,identificadopelos prpriosmaonscomoseuinimigopermanenteequefezdocombate maonaria o principal tema de suas publicaes20. O objetivo de sua obra o de alertaroscatlicossobreoperigoeasseduesdamaonariae,paralelamente, explicarasverdadeirasintenesdospedreiros-livres;ainda,visavareforaro aspecto contraditrio de algum ser, ao mesmo tempo, catlico e maom.Asfontesbibliogrficasreferentesaosdoisgruposhistoriogrficos queserviramcomobaseinicialparaonossotrabalho,oshistoriadores descomprometidos,acadmicosoutradicionais,ecomprometidos,maonse antimaons,ofereceramumaquantidadedeinformaesimportantesemtermos damaonarianacionaleinternacional.QuantoaoRioGrandedoSul,espao geogrficoepolticodelimitadoemnossoestudodecaso,ahistoriografia regionalbastanteescassanoquesereferetemtica.Oshistoriadores acadmicosetradicionaismencionamamaonaria(comalgumasexcees) apenas quando tratam do perodo da Revoluo Farroupilha (1835-1845).

18 Segundo FERRER BENIMELI, a literatura antimanica teve como autores de maior expressoGRANDIDIER,Ph.A.,EssaihistoriqueettopographiquesurlEglise cathdraledeStrasbourg,Strasbourg:Levrault,1782,eMAISTRE,Josephde.La franc-Maonnerie. Mmoire indit au duc de Brunswick (1782). Introduccin de Emile Dermenghem.Paris:Rieder,1925.In:Masonera,Iglesia...Op.cit.v.1.p.29-31.O terceiro grande expoente desta literatura e responsvel pela vinculao entre maonaria esatanismofoiLeoTaxil,quepublicoudiversasobrasantimanicasnofinaldo sculoXIX.FERRERBENIMELI,JoseAntonioeALBERTON,Valrio.Gafese mancadas manicas e antimanicas. Londrina: A Trolha, 1991. p. 85-89. 19 BARROSO, Gustavo. Histria secreta do Brasil. v. 3. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.20 A principal obra A maonaria no Brasil: orientao para os catlicos. Rio de janeiro: Vozes, 1956. Entreogrupodoshistoriadorescomprometidos,foramlocalizados doisautorescomumaproduobibliogrficamaisrelevanteparaopresente estudo.MorivaldeCalvetFagundeseCarlosDienstbach21desenvolveram exaustivapesquisanosarquivosmanicosnoestado,quesetraduziuemobras derefernciadaperspectivafactualaoestudodamaonariagacha.Contudo, taisobrasnodocontadeumavisodeconjuntodessahistria,resumindo-se muitasvezesadadoseinformaes:quantitativas,porexemplo,quando relacionamonmerodelojasefiliados;biogrficas,quandotratamde personalidades da histria poltica regional que teriam sido maons, e factuais ao referiremalgumacontecimentodequeamaonariafoiprotagonista,comona abolio da escravatura. EmsetratandodamaonarianoRioGrandedoSul,foram importantesasfontesdocumentais,especialmenteasmanicas,que possibilitaramadefinioeoprpriodesenvolvimentodatemticainicial.As fontesprimriasmanicasdelinearamoquesepoderiaconhecer,a plausibilidade e a riqueza das informaes. O problema do acesso a essas fontes, anteriormentemencionadocomoumaspectoquepoderiadesanimaro historiador,foiresolvidopeladisponibilidadedessesmateriaisemarquivose bibliotecasdaordemeemoutrosforadela.Sojornais,boletins,relatrios, revistas,manifestos,circulares,regulamentos,constituieseinmerosoutros documentosqueregistraramapresenadamaonarianoestadoenoBrasil22. Essa documentao, quase toda na forma impressa por ter sido dirigida a filiados e simpatizantes, apenas uma pequena parte de um acervo ainda inexplorado.Foi,portanto,adocumentaomanicaabaseprincipaldeste trabalho,queapresentaapenasoprimeirocaptulocomodecunhomais bibliogrfico.Aleiturapreliminardessematerialimpresso,especialmentedos boletins,jornais,revistaserelatrios,revelouapermanncia,duranteoperodo estudado,deummodelosemelhantedeorganizaotemticaedeinformaes quantitativas.Nessesentido,destacamososseguintesaspectosquecompemo

21Osdoisautoresesuasobrasaparecemdurantetodootranscorrerdotrabalho,jqueforam exaustivamente utilizados neste. 22Essadocumentaoserdescritanotranscorrerdotrabalhoenasuapartefinal,juntamentecoma discriminao dos locais onde se encontra. acervo:asdiretrizes,aspreocupaes,asorientaespoltico-culturais,a formaodoutrinria,astranscriesdetextosclssicosdepensadores iluministaseliberaiseuropeus,aevoluoadministrativa,ocrescimentooua diminuio do nmero de lojas e de filiados, etc.Airregularidadeeosperodoslacunaresnacirculaodessasfontes impressas-emvirtudedemuitasiniciativasemtermosdedivulgaode informaesseremoriginriasdospoderesmanicosconstitudosou,mesmo, de maons individualmente - no inviabilizaram a sua plausibilidade informativa. Foipossvel,noprocessoheursticoedecrticaaosdocumentos,observara presena de um fio condutor que garantiu uma viso global da atuao manica noRioGrandedoSul,especialmenteapartirdadcadade1870.Essefiofoi, semdvida,adefesadospilaresdopensamentolaico,combasenaspremissas genricasdoiderioliberalecientificistaemcontraposioaopensamento catlico-conservador.Odiscursomanicofoi,ento,essencialmenteanticlericalnoRio GrandedoSuldasegundametadedosculoXIXeprimeirasdcadasdoXX. Poderamosaquiquestionararecepodessediscurso,elaboradoporum pequeno grupo de intelectuais maons no conjunto dos filiados ordem; contudo, optamosemnofaz-lodiretamentejqueosindciosapontavamparauma tendnciadeposicionamentosanticlericaisnoconjuntodaintelectualidadesob influncia liberal. Assim, nesse momento, a compreenso da instituio como tal, asuarelaocomosmovimentospolticoseculturaisinternacionais,as diferentes maonarias e as vertentes geradas nos conflitos em mbito mundial se tornaram primordiais.Amaonarianopasenoestadodesenvolveucaractersticase particularidadesemrelaoaoutras,nacionaiseinternacionais,ea documentao manica utilizada revela isso de forma bem ntida. A sua origem est, certamente, relacionada a outras maonarias e a outras realidades histricas; contudo,nosetratadecompreenderumanicamaonaria,universale homognea,e,sim,explicarasdiversasformasecaractersticascomqueela apareceunasrealidadeshistricasemqueestevepresente.Assim,helementos universais, como ritos, smbolos, aspectos jurdicos, e particulares que compem ahistoricidadedainstituioelheconferemuma complexidade histrica muitas vezesignorada.Anaturezadainstituioimpsquesedefinisseumconceito, seusobjetivosemotivaes,acaracterizaosocioeconmicadeseuquadrode filiados e, especialmente, as divergncias internas e seu alcance na sociedade. Asdificuldadesparadefinirainstituiosedevemsvriasfeies que ela assumiu em diferentes perodos e partes do mundo. Dito de outra forma, amaonarianoapareceupronta;foi-sefazendo,isto,foi-seexplicitandoe concretizando, sob o impulso da sua dialtica interna e ao sabor dos estmulos ou trovesquelhevinhamdoprocessohistricoglobal23.Assim,mostra-semais coerente, historicamente, falar em maonarias.Emtermosgenricos,podemosdefinirmaonariacomouma associaofraternal,possuidoradeumaorganizaobaseadaemrituaise smbolos na qual o segredo ocupa papel fundamental. uma instituio que foi e permanecesendoacessvelprincipalmenteaosexomasculinoequetempor objetivosoaperfeioamentointelectualdasociedade,deseusfiliados,ea promoodaaofilantrpicainternaeexterna;caracteriza-sepornoorientar poltica e religiosamente seus membros. Nasuaformamoderna,amaonarianasceunaauroradosculo XVIII,maisprecisamenteem1717,quandodafundaodaGrandeLojade Londres.Essafase,inauguradanaInglaterra,conhecida comoada maonaria especulativa.Entretanto,eapesardasdiferentesversesarespeitodassuas origens,hojeconsensualentreoshistoriadoresmaonsqueainstituio remontaaossculosfinaisdaIdadeMdia,sendooriundadasassociaesde construtores de catedrais, as corporaes de franco-maons24. A essa fase inicial, denominadademaonariaoperativa,queseencontramligadasasbases ritualsticasesimblicasquepermanecemaindaemnossosdiaseque, inicialmente,tinhamporobjetivodarsentidoegarantirentreosmembrosdas

23 DIAS, Graa e J. S. da Silva. Os primrdios da maonaria em Portugal. Op. cit., v. 1. t. 1. p. 4. 24 O termo maonaria vem, provavelmente, do francs maonnerie, que significa uma construo qualquer feitaporumpedreiro,omaom.SegundoFERRERBENIMELI,JosAntonio.Masonera,Iglesiae ilustracion.Op.cit.,v.1.p.36:onomefranco-maomapareceupelaprimeiraveznaInglaterrae significavaotrabalhadorlivrequetrabalhavaa pedrade adorno, distinguindo-se dostrabalhadores mais toscos. oficinasdepedreiros-livres,especializados,omonopliodosconhecimentosda arte de construir. Na passagem para a fase especulativa, que deve ser entendida a partir do contexto de transformaes profundas ocorridas na Europa dos sculos XVI e XVII, a maonaria assumiu novos contornos e um novo tipo de filiado. A fuso, em1717,dequatrolojasmanicasinglesasmarcouumnovoperodoparaa instituio, ejnofinaldosculoXV,outrosprofissionais,estranhosao ofcio, passaramaseraceitosnaslojasdemaonsoperativos.Aadesodemembros aceitos,normalmentealtaspersonalidadesaoqueparece,objetivavaa manutenodosprivilgiosadquiridospelaassociao.Foram,assim,sendo incorporados s lojas arquitetos, prncipes e bispos; depois, foi a vez de grandes notveis,suscetveisdeintervirfavoravelmenteparaaobtenodasgrandes obras de construo25. A nova fase da maonaria manteve em muito os rituais e smbolos do perodomedieval,perpetuadosprincipalmentepelatradiooraleporescritos esparsos.Arecuperaodessatradioeescritosresultouemdoisdocumentos jurdicos principais que fundamentaram, a partir daquele momento, a organizao legaldamaonarianomundo:oschamadosLandmarkseaConstituiode Anderson.OsLandmarkssoasnormasouregrasdecondutadamaonaria, escritasouno,deorigemremotaequeadquiriramumcarterimutvel26; consistemnumalistade25regras,contendodesdeosmeiosdereconhecimento deummaom,divisoemgrausdamaonariasimblicaataafirmativade queamaonariaumasociedadesecretadepossede segredos que no podem ser divulgados27.

25 TOURRET, Fernand. Op. cit. p. 18. 26 Conforme SENNA, Vanildo de. Fundamentos jurdicos da maonaria especulativa. Op. cit. p. 29-30: a palavradeorigeminglesaesignificamarcanaterra;nousomanico,adquiriuosentidoderegrae norma. A origem no perodo inicial da maonaria especulativa se deu em 1720, quando George Payne, na segundagestocomogro-mestredaGrandeLojadeLondres,compilouosregulamentosgerais,que foramadotadosem1721comoleiorgnica.Assim,cadacorpomanicopossuiautonomiapara modificarosregulamentosdesdequesejammantidososLandmarks.Asregrasforamincorporadas tambm na Constituio de Anderson.27 MELLOR, Alec. Dicionrio da franco-maonaria e dos franco-maons. Op. cit. p. 159-161. Osfundamentosjurdicosmaiscompletoseimportantes,noentanto, estocontidosnaConstituiodeAnderson,publicadaem172328equevem pautando desde ento a organizao da maonaria. Ela contm, ao mesmo tempo, ahistrialendriadainstituio e seus preceitos bsicos; foi a partir dela, que a maonaria teve mais por objetivo a construo de edifcios. Transpondoalegoricamenteoconceitode arquitetura,oseunovoobjetivoerasomentea construo perfeita do homem. O templo de Salomo, tomadoemprestadodaBbliaporgeraesde precurssores,assumiaaformadeumideal.Um significadosimblicoseriadado,dalipordiante,ao esquadro,aocompasso,aomaodecarpinteiro,ao cinzelesoutrasferramentasveneradaspelos ancestrais,eapedrabrutadestinadaasetornar cbicatransformava-senaimagemdohomemque empregaessasferramentasparamudarasiprprio. Alm disso, o que era o mundo? Um imenso canteiro eternamenteemobra.Quempoderiat-loconcebido seno o Grande Arquiteto do Universo?29 AConstituiodeAndersonmarcouoinciodaexteriorizaoda maonariaefoifundamentalporapresent-lacomoumainstituiounaemsua universalidade, uma confraria moral que deveria unir homens de bem de todos os pases,detodasaslnguas,detodasasraasedetodasasposiessociais, apesardassuasdivergnciasdeopiniespolticasereligiosas30.Nesseponto, avaliamosbemaimportnciaadquiridapelamaonariaprincipalmentenos sculosXVIIIeXIXnaEuropa e, depois, no mundo. Referimo-nos tolerncia poltica e religiosa, que permitia a reunio num mesmo espao de sociabilidade -

28JamesAnderson(1684-1739),pastorprotestantenascidoemAberdeen,naEsccia.Formadopela Universidade de sua cidade natal, tornou-se, em 1734, ministro de uma capela presbiteriana de Piccadilly. Sobre a Constituio de Anderson, FERRER BENIMELI, Jose Antonio. Masonera, Iglesia e ilustracion. v. 1. Op. cit. p. 54-55, destaca: esta carta magna da maonaria especulativa est composta de trs partes: a primeira uma narrao pseudo-histrica da arquitetura, sem grande valor nem interesse; a segunda um cdigoqueregulamentaamaneiradefundaraslojas,seufuncionamentoeseudireitodisciplinar.Entre essasduaspartes,encontram-sealgumasreflexespropostascomocaractersticasindispensveis,entre elas a crena em Deus e na moral natural. O terceiro captulo um cdigo dividido em duas partes: uma deontolgica e outra administrativa, o Regulamento Geral. 29MELLOR,Alec.Dicionriodafranco-maonariaedosfranco-maons.SoPaulo:MartinsFontes, 1989. p. 17. 30 PALOU, Jean. A franco-maonaria simblica e inicitica. So Paulo: Pensamento, s/d. p. 53. as lojas manicas - de homens de convices radicalmente opostas. Isso ocorria numaconjunturahistrica deintolernciaseperseguies,oriundasdosEstados absolutistas em decadncia e de uma Igreja Catlica enfraquecida, mas resistente. NoprocessodeexpansodamaonariaespeculativapelaEuropa,essa caracterstica,emmuitospases,aproximousegmentosmanicosaoiderio iluminista-liberal.AexpansodamaonarianaEuropae,depois,paraoutraspartesdo mundonossculosXVIIIeXIXocorreurapidamente.Eaomesmotempoem queumarededelojasseinstalava,cresciamasdificuldadesearepresso instituio, visto que poderes civis e eclesisticos condenaram a ordem desde os seus primrdios. Na opinio de Silva Dias: A expanso da maonaria to antiga como a reao dasociedadeexistentecontraela.Osesforospara seubloqueioouabafamentomultiplicaram-se (emboracomvariantessensveisdemoderaoe fluidez) nos Pases Baixos, na Frana, na ustria, na ItliaenaEspanha,aumentandodeintensidade medidaqueaOrdem,porseuturno,aumentava tambmdeimplantaoouinfluncia.Eosmodos concretosdarepresso(sebemdisformesnos lugares e nas pocas) foram mais ou menos violentos. Envolveram,emtodoomundocatlico(enos), prises,medidasdesegurana,ferretespolticos, buscasdomicilirias,vigilnciasdepolciabastante diversificadas,aeseventuaisoumetdicasde antipropaganda, etc31. Apesardeascondenaesearepressomaonariasedeverem tambmamuitosgovernosdepaseseuropeus,foramascondenaespapaisas que provocaram, por um largo perodo de tempo, um clima de confronto entre as duas instituies. O primeiro documento papal dessa natureza data de 28 de abril de 1738 - a bula de Clemente XII, In Eminenti Apostolatus Specula; a partir da, outrosforameditadosconsecutivamenteatasprimeirasdcadasdosculo

31 DIAS, Graa e J. S. da Silva. Op. cit. p. 11-12. XX32. Ao princpio, a Igreja condenava a maonaria por tudo aquilo que nela era desconhecidoeduvidoso;atolernciareligiosaeaexistnciadosecreto manicoeramumaafrontaaocatolicismo,que,naquelecontexto,sedebatia com as seitas protestantes e com a sua fragilizao poltica, advinda das vitrias liberaisemdiversospases.SegundoDias,aprimeiracondenaopapalfoi justificada por Clemente XII por cinco razes: Aprticadeestadosnoitalianos;apromiscuidade de religies e de seitas que no seu grmio se verifica; ainviolabilidadedosegredoqueenvolveassuas atividades; as perverses que brotam dela e o perigo queconstituemparaaseguranadosestadosea salvao das almas; outras razes, enfim, que o papa acha dever calar33. ArepercussodoposicionamentooficialdaIgrejaCatlicacontraa maonaria e outras sociedades secretas de cunho abertamente poltico cresceu no transcorrerdosculoXIX.Esseacirramentosedeveu,entreoutrascausas, eclosodediversosmovimentospolticosnaEuropaequepuseramfim predominnciadaIgrejaemassuntospolticos;ditodeoutraforma,cresceu medidaqueocorriaoprocessodelaicizaodosEstadosatravsdasrevolues decarterliberal.Aliadoaisso,aexistnciadeduasvertentesmanicasjna segundametadedosculoXVIII-umaortodoxa,apolticaearreligiosa(a inglesa),eoutracadavezmaispolticaeanticlerical(alatina)-impulsionoua continuidade das condenaes catlicas. O crescimento no nmero de documentos pontifcios que reafirmavam ascondenaesmaonaria,bemcomoaoutrassociedadessecretas, perceptvelsobretudonasegundametadedosculoXIX.Quantitativamente,os nmeros so os seguintes: de 1738 a 1846, quando nove papas estiveram frente

32 As principais condenaes papais referentes maonaria foram, alm da mencionada: a de 18 de maio de1751,dopapaBentoXIV,denominadaProvidasRomanorumPontificum;ade13desetembrode 1821,pelabulaEcclesiamaJesuChristo,dePioVII;aconstituioQuoGraviora,de13demarode 1825, do papa Leo XII; a carta encclica Traditi, de 24 de maio de 1829, pelo papa Pio VIII. Durante o papado de Pio IX, as seguintes: Qui pluribus, de 9 de novembro de 1846; a alocuo Quibus Quantisque, de 20 de abril de 1849; a carta encclica Nostis et Nobiscum, de 8 de dezembro de 1849; a carta encclica QuantaCura,de1864;aconstituioApostolicaeSedis,de12deoutubrode1869;acartaencclica Humanun Genus, de 20 de abril de 1884; a encclica Vehementer Nos, de 11 de fevereiro de 1906. daIgreja,foipublicadoumtotalde14documentospapais;de1846a1903, duranteospontificadosdePioIXeLeoXIII,forameditados201documentos condenatriose,noperodoseguinte,de1903a1966,referenteaseispapados, foram11osdocumentos34.Ocortetemporaldestetrabalhocorresponde exatamenteaoperododospapadosdePioIXeLeoXIII,ouseja,afasede maior conflito entre as duas instituies.Nasgestesdosdoispapasmencionados,quecorrespondeupoca urea da poltica ultramontana35 catlica, o acirramento nas relaes entre Igreja emaonariafoiapenasumdossintomasdoembateentreliberalismoe clericalismonombitodapolticaedasidias.Oclimadeconflitoediose espalhoupelomundo,quasesempreprotagonizadopelasduasinstituies.Os acontecimentosemtornodaanexaopelaItliadoEstadopontifcio,aao vitoriosademuitassociedadessecretaspolticas,especialmenteoscarbonrios, eramrazesmaisquesuficientesparaacondenaopapal.Arespeitodos carbonrios,oseutrabalhonaFrana,naItlia,naEspanhaenoutrospases afetava diretamente a Igreja Catlica. Estavam em jogo, em termos do pensamento e do iderio europeu e do mundo,doisprojetosantagnicos:opensamentocatlico-conservadoreo pensamento liberal-cientificista, responsveis pela principal diviso da maonaria mundial.NaopiniodeAlecMellor,semprehouveumatendnciadese construirumavisomonolticadainstituio;poroutrolado,asrealidades histricas comprovam que a ausncia de unidade da maonaria, tanto em termos nacionais como internacionais, tem diversas origens, entre elas: as divergncias e diversidadederitos,quepodiamserdefinidosdediversasformas,asquais

33 DIAS, Graa e J. S. da Silva. Os primrdios da maonaria em Portugal. Op. cit. p. 20-21. 34 FERRER BENIMELI, Jose Antonio. La masonera actual. Op. cit. p. 126-127. 35 O termo ultramontano ou o movimento do ultramontanismo designa, no universo catlico, que os fiis atribuemaopapaumpapelexcepcionaldadireodafenocomportamentodohomem.Segundo AZEVEDO,AntonioCarlosdoAmaral.Dicionriodenomes,termoseconceitoshistricos.Riode Janeiro:NovaFronteira,1990.p.389-390:Otermoadvmprecisamentedacircunstnciadopapa residir almdas montanhas (em relao Frana). O ultramontanismo antepe-se ao galicanismo. (...) O ultramontanismopregaasubordinaodoreiaopapaeanegao daindependncia da IgrejaFrancesa. NosculoXVIII,oultramontanismogozoudecertainflunciaeaceitaoentreanobrezaeocleroda Frana, defendido pela monarquia que, necessitando do apoio de Roma, admitiu a presena de elementos ultramontanosnaadministrao.Astendnciasseparatistasdogalicanismoacentuaram-secoma RevoluoFrancesa(...).Em1870,quandooconclioVaticanoIproclamouainfalibilidadepapal,o justamentedistinguemumamaonariadaoutra36;asdivergnciasjurdicas, como, por exemplo, as relacionadas natureza dos poderes manicos, de serem maisoumenosdemocrticos,eoproblemadaprpriaterritorialidadeou jurisdio desses poderes. Assim,frenteaoentendimentodequenotratamosdeumanica maonaria, mas de diversas maonarias, localizamos e identificamos a brasileira eagachadasegundametadedosculoXIX,portanto,nasuafasede consolidao e expanso, no campo da chamada maonaria irregular ou poltica eanticlerical.Nessesentido,amaonariabrasileirarecebeuforteinfluncia especialmentedafrancesa,que,notranscorrerdaquelesculo,foiassumindo gradativamenteposicionamentospolticosliberais,anticlericais,laicizistase racionalistas.ExemplodissofoioGrandeOrientedaFrana,que,jem1877, excluiudeseusestatutosaobrigao,atentoexigidaparaquemquisesseser umverdadeiromaom,dacrenaemDeus,naimortalidadedaalmaedo juramento sobre a bblia, considerada expresso da palavra e da vontade de Deus.AsmaonariasdaInglaterra e dosEstadosUnidos reagiram a isso de formaradicale,juntamentecomoutrospases,romperamrelaescomada Franaedemaispasessobasuainfluncia.Assim,consolidaram-seduas principaisvertentesmanicasquejhmuitasdcadasatuavamcom perspectivasdiferentes:aconsideradaporalgunshistoriadorescomomaonaria regular, ou ortodoxa, e a outra, a maonaria irregular, heterodoxa37. TantonoBrasilcomonoRioGrandedoSul,semelhanadeoutras partes do mundo, as lojas manicas se constituam num espao de sociabilidade privilegiado,sobretudo,ouexclusivamente,paraaselitespoltico-econmicase

ultramontanismo saiu fortalecido e definitivamente consolidado com a separao entre o Estado francs e a Igreja a partir do sculo XX. 36 Os rituais esto relacionados prpria organizao da maonaria. Alis, a diversidade de ritos implica tambm diversas formas de organizao administrativa. A diferena fundamental entre os diversos ritos onmerodegrauscomaqualtrabalham,indodetrsat33.KLOPPENBURG,Boaventura.A maonarianoBrasil:orientaoparaoscatlicos.Op.cit.p.44-45,refere-sea72ritospraticadosem diversospases.Entreeles,destacam-se:Adonhiramita(13graus);AltaObservncia(10graus); Americanooudeyork(9graus);Cabalstico(9graus);EscocsAntigoeAceito(33graus);Francsou Moderno (7 graus); Noaquitas (6 graus); Perfeio (25 graus); Schrnoeder (7 graus), etc.37Pormaonariaregularentendem-seasquesemantiveramfiissorigenseseguemessadireo: Inglaterra,EstadosUnidos,aFilipinas, aGrande Loja NacionalFrancesa easmaonariasda Alemanha, ustria,escandinavaeholandesa,irlandesa.Entreasirregulares:oGrandeOriente da Frana,o Grande Oriente da Blgica, a maonaria italiana, algumas sul-americanas, a portuguesa e a espanhola. intelectuais.Amaonariagachafoi,noperodoemquesto,umespaopor ondecirculavamprincipalmenteospolticos,osintelectuais,osricoseseus afilhados, os quais formavam um grupo no a parte do restante da elite, mas que era parte da elite regional.A anlise da presena e influncia da maonaria no Rio Grande do Sul noperododelimitadoserabordada,buscando-seevidenciarasprovveis influnciasnaformaodopensamentoliberalecientificistae, conseqentemente,acontribuioconstruodeumtipoparticulardecultura poltica.Paratanto,otrabalhofoidivididoemquatropartes,nosquaisse intencionaofereceramaiorquantidadedeinformaesepossibilidadespara novosestudosemvistadoineditismodatemtica.Asduasprimeiraspartes foram organizadas de forma assemelhada, pois nelas se procura traar o pano de fundonecessriocompreensodapresenamanicanopasenoestado. Nessesentido,foramobservadostantoaspectosdasrepresentaes historiogrficas,isto,comoseescreveuequemescreveuahistriada maonaria, como os de cunho factual.A primeira parte, As luzes iluminam o Brasil: a maonaria brasileira nosculoXIX,constitui-senumaintroduoaoestudodamaonaria brasileira e est dividida em trs captulos, contemplando o perodo que se estende desde o final do sculo XVIII, quando das primeiras iniciativas manicas, at o final do sculoXIX,caracterizadopelosurgimentodomovimentofederalistamanico. Nessaparte,inicialmente,analisaram-seasfontesbibliogrficasedocumentais maisimportantesedisponveisparaodesenvolvimentodotema.Aseguir, aborda-seapenetraodopensamentoiluministafrancsedoiderioliberalna colnia brasileira como antecedentes indispensveis implantao da maonaria no Brasil. Foi nesse momento que se definiram alguns dos pilares da estruturao daordemnocontextodoinciodoprocessodeemancipaopolticanacional. Referimo-nosatuaodosmaonsnombitodapolticaedacultura, caractersticaquesemantevecomintensidadediferenciadaatpraticamenteo finaldosculoXIX.Porltimo,sistematiza-seapresenadamaonariano Brasildemodoaoferecerumavisopanormicasobreosprincipaisperodos, acontecimentos,tendnciaseconflitos,internoseexternos,emqueelaesteve envolvida.Damesmaforma,contudorecorrendomaisafontesdocumentaisdo que a bibliogrficas, a segunda parte, As luzes em terras gachas: historiografia e histria, foi organizada com o objetivo de introduzir o estudo da maonaria no estado.Comomencionamosanteriormente,aspoucasfontesbibliogrficas disponveisnooferecemaindaumavisodeconjuntoou,mesmo,de conjunturassobreainstituionoestado;mesmoassim,julgamosimportante partirdaanlisehistoriogrfica,nesse caso especfica da histria do Rio Grande doSul.Procedendo dessaforma,emprimeirolugar,procuramosobservar oque foi escrito ou como era mencionada a instituio manica rio-grandense para, a partir disso, analisar e tecer as linhas gerais da sua evoluo histrica. De forma geral,hpoucasrefernciassuaparticipaonahistoriografiaacadmicae tradicional,restringindo-seessasquasequeexclusivamenteamencion-lacomo uma das personagens envolvidas na Revoluo Farroupilha.Emseqncia,recorremosdocumentaointernadainstituio como principal fonte de pesquisa, face tambm escassez bibliogrfica originria daprpriamaonaria.Identificamostrsfasesdistintas na histria da maonaria gacha no sculo XIX. Essa periodizao, antes de pretender ser definitiva, serve somentecomoreferencialnatentativadesistematizaodasprincipais conjunturaseacontecimentosdembitopoltico,socialecultural,internose externos ordem e que demarcaram o prprio ritmo da histria da maonaria no RioGrandedoSul.Internamente,asdiviseseosdesentendimentosocorridos comospoderesmanicoscentrais-issoemtermosnacionais-repercutiam tambm politicamente em escala regional, alm de que os posicionamentos mais oumenosradicaistambmtinhamecoentreospedreiros-livresgachos. Externamente, as guerras civis internas, a exemplo da Revoluo Farroupilha em 1835 e da Federalista em 1893, tinham efeito devastador nas oficinas manicas. Na poltica, a bipolarizao da estrutura partidria tambm influenciou a tomada de posio de muitos maons. Enfim, os conflitos de carter externo, sobretudo a GuerradoParaguai,repercutiramnegativamentesobreonmerodelojasem funcionamento e o nmero de maons ativos.Asfasesdahistriadamaonariagacha,divididasemquatro, obedecem,assim,aalgunsdosaspectoselencados.Aprimeirafaseabrangea instalaooficialdaprimeiraoficinaemPortoAlegre,em1832,portanto relativamentetardiaemrelaoaosoutroscentrosimportantesdoBrasil, estendendo-seportodaafasefarroupilha.Nesseperodo,asiniciativas manicas foram isoladas, relativamente anrquicas e se mantiveram com muitas dificuldades. Na segunda fase, a partir da pacificao rio-grandense, ocorreu uma estruturaomanicamaisefetiva,ouseja,dasegundametadedosculoXIX emdiante,mesmoquetenhamseconstatadoproblemasquecaracterizavamo crescimentoquantitativodainstituiocomoirregular,dopontodevista qualitativo,amaonariaseconsolidouempraticamentetodooRioGrandedo Sul.Nessesentido,adcadade1870foiexemplar em termosdepotencialidade de expanso e de influncia da maonaria na vida social gacha.Altimafasecorrespondeaoconturbadoperododetransiodo regime imperial para o republicano, quando a instituio sofreu influncias desse processo.Nessa,oacirramentonombitodapolticadividiumaons monarquistasemaonsrepublicanosefoiresponsvelpelofechamentode muitaslojasatprincipalmenteofinaldaRevoluoFederalistade1893.Alm disso, a vitria do sistema federalista impulsionou muitas maonarias estaduais a romperemrelaescomoGrandeOrientedoBrasileafundaremgrandes orientesregionaisautnomos.Foiocasodeumaparceladamaonariagacha, quefundou,em1893,oGrandeOrientedoRioGrandedoSul.Iniciava-se, assim,umlongoperododedisputasentreosdoispoderesmanicos constitudosequeresultou,entreoutrasconseqncias,numcrescimento quantitativo muito grande.Independentementedasdivisesmanicasinternasedasinfluncias externasdeconjunturaspolticasnacionaiseregionais,oaspectopermanentee unificadordapresenamanicanoRioGrandedoSulfoi,semdvida,a tendnciaaosposicionamentosanticlericaisassumidospelosmembrosda instituio.Oanticlericalismonoeraexclusividademanica;nosculoXIX, essesposicionamentoserampartilhadosporoutrosgruposousegmentos intelectualizados sob a influncia do pensamento liberal e cientificista. Poder-se-iaatafirmarqueamaiorpartedoshomensilustradosbrasileiroserio-grandenseseramadeptosdessasconcepes;oque,entretanto,diferenciavaos maons,integrantesdaelitecultural,eraoseupoderdeorganizaoe,at mesmo,oseuprestgiointernacional.Maisainda,foramelesosmaisatacados pela Igreja Catlica e, portanto, mais combativos nesse embate. O anticlericalismo manico norteou boa parte da sua atuao no Rio GrandedoSul,temaqueserabordadoapartirdedoisenfoquesdiferentesna terceiraequartapartesdesteestudo.Naterceiraparte,intituladaQuemerame onde atuavam os pedreiros-livres gachos, de forma mais indireta, mas no nosso entendimentofundamental,traaremosumperfilsocioeconmicoeculturaldos dirigentes maons gachos. A partir da montagem de um quadro que contm 978 nomesdedirigentesmaonslocalizadosespecialmenteentre1850e190038,foi possveldesenhar,emlinhasgerais,operfilbiogrficodessegrupo,bemcomo situ-losnosdiversosespaospblicosdoestadonoperodo.Otrabalhode mapeamentoquantitativoseefetivoucombasenasituaoeconmicadesses maons,nasuaparticipaonapolticainstitucional,formaoescolare ocupaes intelectuais e culturais. Acompanhando a anlise dos dados quantitativos, inserimos exemplos detrajetriasdevidarepresentativasdessegrupopormeiodebiografiasde algunsdirigentesmaonsgachos.Chamouaateno,nodesenvolvimentodo trabalho,apresenaexpressivadasprincipaislideranasmanicas,oudasde maior destaque, atuando de maneira direta ou indireta no campo da poltica e nas atividades intelectuais ou culturais39. Nesse sentido, a principal referncia terica utilizadaparaacrticaeanlisedosdadoseinformaesconstantesneste captulofoiadeJosMurilodeCarvalho40,cujoestudosobreaelitepoltica

38 Todos os nomes esto arrolado neste trabalho, ver Anexo 1. 39FizemosoarrolamentodosfiliadosemlojasmanicasnoRioGrandedoSul,quandosituamosde 1873 a 1900 cerca de 5 327 maons, ver Anexo 2.40 CARVALHO, Jos Murilo de. A construo da ordem: a elite poltica imperial; Teatro de sombras: a polticaimperial.2.ed.rev.RiodeJaneiro:EditoraUFRJ,Relume-Dumar,1996.Aobrautilizada corresponde primeira parte desta edio, A construo da ordem. imperialofereceuelementostericosemetodolgicosindispensveis compreensodasuaformaosocioeconmicaeintelectual.Osaspectos unificadores dessa elite, tais como o nvel educacional, os locais dessa formao, apredominnciadosmagistrados,etc.,serviramdeparmetroparaaanliseda elite regional gacha, segmento da elite nacional.Acaracterizaosocioeconmicaeculturaldosdirigentesmaons, desenvolvidanaterceiraparte,permitiuumadefiniodosparmetrosgerais sobreaorigemsocial,aparticipaonapolticainstitucional,bemcomoa influncia desse grupo na construo do pensamento liberal e cientificista no Rio GrandedoSuldasegundametadedosculoXIX.Com isso, passamos ltima parte do trabalho, As relaes entre maonaria e Igreja Catlica no Rio Grande doSuldasegundametadedosculoXIX.Ovnculoentreiderioliberale cientificistaemaonariaseestabeleceuespecialmentenosposicionamentos,em algunsmomentosradicais,abertamenteanticlericais.Amaonaria,deforma maisespecficaosintelectuaismaonsadeptosdessascorrentesdepensamento, transformou-senoprincipalbaluartedecombateaopensamentocatlico-conservador.Asrelaesconflitantesentreasduasinstituies,percebidas especialmenteapartirdadcadade1870,quandodosacontecimentosemtorno daquestoreligiosa,repercutirammuitonoestado.Mesmoantesdisso, j havia indcios de um clima de disputa tpico da poca da poltica catlica ultramontana. Nessa parte do trabalho, buscou-se descrever o relacionamento entre maonaria e IgrejaCatlica,destacandoafragilidadedaltimanoestadoempraticamente todo o sculo XIX, a presena de sacerdotes naquela e o acirramento das relaes duranteasgestesdosbisposSebastioDiasLaranjeiraeCladioJos GonalvesPoncedeLeo.Noperodoqueabrangeessesdoisbispados,com maioroumenorintensidade,osataques,principalmenteviaimprensa,eas ameaas e denncias foram permanentes de ambos os lados.A seguir, na parte final, elegemos alguns temas reveladores da atuao manicanosentidodadisputaeocupaodeespaosemcontraposiocoma IgrejaCatlica.Essestemas,osmaisdivulgadosnaimprensamanicado perodo,emborativessemseuenfoqueintensificadoapartirdofinaldosculo XIXeprimeirasdcadasdosculoXX,jvinhamsendoelaboradose construdos, enquanto propostas, ao longo das dcadas anteriores em resposta ao avanodocatolicismogacho.Afilantropiamanica,externaeinterna,a presenadasmulheresnasatividadesdainstituioeacriaodeescolas manicasseconstituramemdiretrizesfundamentaisparaqueamaonaria gacha angariasse simpatias e ampliasse a influncia laica na vida social gacha. Concluindo,oobjetodesteestudoimpsumadelimitaotemticae temporalrelativamentealeatria,poisoseucarteraindainditotrouxemuitas dificuldadesemrelaosprincipaisdefiniestericasemetodolgicas.Por outrolado,aopopordesenvolverumtrabalhoqueenvolvesseaatuao manicanoRioGrandedoSuldeformamaisabrangentee,emalguns momentos,atmesmopanormica,contribuir,comcerteza,parao desenvolvimento de novos trabalhos.Arespeito,emdiversosmomentos,percebemosaimportnciade seremaprofundadasoutrashipteses,talvezmaiscomplexasemaisrelevantes, entreasquaispoderamossalientar:osestudossobreoimaginriopolticoem torno da atuao manica na vida social gacha, a anlise do discurso manico atravsdasuaimprensa,ainflunciadainstituionoprocessodeconstituio domovimentoabolicionistagacho,apresenamanicanasregiesde colonizaoalemeitaliana,opapeldasmulheresnamaonaria,entreoutras. Fica,assim,ocaminhoabertoparaqueoutrosseaventuremnesseveio historiogrfico que recm se descobre. I AS LUZES41 ILUMINAM O BRASIL: A MAONARIA BRASILEIRA NO SCULO XIX

41SegundoMELLOR,Alec.Dicionriodafranco-maonariaedosfranco-maons.Op.cit.p.174:a prprianoodeLuznossituanocoraodaFranco-maonaria.Opontoculminantedainiciaoa recepo da luz. Todo o ensinamento manico se encontra no vocbulo luz. A prpria expresso filho da luz aplicadaaos maons eloquente. A iluminao vinda desta luz no ritual de iniciao de um maom corresponde descoberta de conhecimentos, de ilustrao. 1. CONSIDERAES INICIAIS A maonaria uma instituio internacional com quase trs sculos de histria,participantediretaouindiretadosprincipaismovimentosou acontecimentos polticos, sociais e culturais, principalmente nos sculos XVIII e XIX.Mesmoassim,elanotemdespertadoentreoshistoriadoresacadmicos brasileirosinteresseenquantoobjetoespecficodepesquisa.Bastaverqueos principaistrabalhosquefocalizamasuapresenanahistriabrasileiraincluem-senumtipodehistoriografiabastantecomprometidaideologicamente.Soeles historiadoresmaonseantimaonsquesededicaramcomempenhotarefade reconstituir a trajetria da maonaria no Brasil, porm com objetivos opostos: os primeiros,apologticos,eossegundos,comointuitodecombateaosinimigos, foramosresponsveis pela permanncia de uma certa nebulosidade em torno da temtica. A maonaria se instalou oficialmente no Brasil nos primeiros anos do sculoXIX,norastrodapenetraodascorrentesdepensamentoeuropias, iluministaseliberais,tornando-se,apartirdeento,umreferencialpolticoe culturaladeptodesseiderioeparticipandoativamentedealgunsdosprincipais acontecimentos da nossa histria. A intensidade dessa participao ainda no foi estudada,pormnopodemosmencionardeterminadasconjunturassem, necessariamente,referirmosaatuaomanica.Osexemplossomuitos:a independncia,aabdicaoded.PedroI,adifusodopensamentoliberalno Brasil,aquestoreligiosa,alutapelaseparaoEstado/Igreja,oabolicionismo, o movimento republicano e outros. Estapartedotrabalhotemporobjetivointroduziroestudosobrea instituiomanicanoBrasil,ouseja,naverdade,eletemafunodeserum panodefundoquesustentaralgumasdashipteseaseremdesenvolvidasnos captulosreferentesmaonarianoRioGrandedoSul.Aqui,ainstituio acompanhouasgrandestendnciasdodesenvolvimentodaordememtermos internacionaise,sobretudo,noBrasil;poroutrolado,suainseronessa realidadehistrica,portanto,imbricadanasrelaespolticas,sociais, econmicaseculturaisespecficasdessapartedopas,conferiu-lheumafeio prpria.Osmaonsgachosforamreceptoresdemuitoselementoshistricos regionais e produtores de um projeto poltico e cultural nem sempre bem-acabado e perceptvel pela prpria sociedade gacha.Paraalcanaressesobjetivos,dividimosestaparteemtrscaptulos, abordandoalgunsdosaspectosimportantesdamaonariabrasileiranosculo XIX, perodo em que ocorreu a sua instalao oficial, consolidao, expanso de suasatividadesesuamaiorinfluncia.Iniciaremosabordandoaquesto historiogrficaedasfontesdocumentaissobreotemanopas.Issoequivalea perguntar: como se tem escrito, efetivamente, a histria da maonaria no Brasil? Para efeitos de anlise historiogrfica, dividimos a bibliografia em dois grupos, a saber:ahistoriografiadescomprometida,incluindoosacadmicoseno acadmicosoutradicionais,eahistoriografiacomprometidaouengajada, composta de obras manicas e antimanicas. Emseqncia,trataremosdocontextohistricoedosantecedentes relacionados com as condies de penetrao do movimento manico no Brasil. Nesse sentido, a influncia do pensamento iluminista francs sobre o grupo mais intelectualizadobrasileirodofinaldosculoXVIIIeaconseqentedifusodas sociedadessecretassofenmenosinterligados.Porltimo,deforma periodicizadaesintetizada,apresentaremososaspectosmaisrelevantesda presenamanicanoBrasildosculoXIX,dosquaisfazemparteatendncia permanenteaciseseramificaesdospoderesmanicoscentrais,avocao paraapoltica,oanticlericalismoe,nafasefinal,osurgimentodomovimento federalista manico. 2.AMAONARIASOBATICADASFONTESEDA HISTORIOGRAFIA Aquaseinexistncia,noBrasil,detrabalhosdecunhoacadmico especficos sobre a maonaria demostra que a temtica permaneceu numa espcie deanonimatonasuniversidadesecentrosdepesquisa.Asrefernciasmais comunspresenamanicanahistriabrasileiranotranscorrer do sculo XIX sefixam,deformageral,emdoismomentosconjunturaisespecficos:no processodeindependncia,principalmenteentre1820e1822,equandoda ocorrncia da questo religiosa ou dos bispos, entre 1872 e 1875. Nessas breves referncias,observamos,almdisso,quenoexisteumapreocupaocoma especificidadedaatuaodainstituio,quecolocada,namaioriadasvezes, comoumgrupomeramentepoltico,desconsiderando-seasprovveisou possveis influncias em outros campos da realidade histrica brasileira. Parafinsdesistematizaoeanlisedasfontesbibliogrficas disponveis-jqueasfontesdocumentaisdeorigemmanicaseroinseridas duranteaanlise-eindispensveisaoestudodamaonarianoBrasil42, cartografamosdoisblocoshistoriogrficosprincipaiscombaseemsuas caractersticastericas.Assim,trataremosdogrupoqueserdenominadode historiografiadescomprometida,atradicionaleaacadmica,para,aps, analisarmos a historiografia comprometida ou engajada, dividida em manica e antimanica.Cabedestacarque,paraefeitosdestetrabalho,noseusouo critrio temporal, isto , no se observou, prioritariamente, o desenvolvimento da cinciahistricaapartirdetendnciasouescolastericasdossculosXIXe XX43.

42 A mesmaorganizao e metodologiasero utilizadasno segundo captulo deste trabalho, focalizando, ento, o caso da maonaria no Rio Grande do Sul. 43SegundoDIEHL,AstorAntnio.Aculturahistoriogrficabrasileira:doIHGBaosanos30.Passo Fundo: Ediupf, 1998, foram as seguintes: a tendncia da construo de uma identidade nacional iluminista apartirdaperspectivadeumahistriacientfica,cujosrepresentantesforamoIHGB,Varnhagene CapistranodeAbreu;atnicadaconstruodaidentidadenacional,agoracomabasedoautoritarismo 2.1.Amaonariasobaperspectivadoshistoriadores descomprometidos Oshistoriadoresqueaquiestoincludosnasobrasdecunho descomprometido,nosentidodenopossuremumareconhecidavinculao orgnicaouideolgicacomamaonaria,desenvolveram,deformageral,uma versogenricaefragmentriadaparticipaodainstituionahistria brasileira,noobservando,namaioriadasvezes,asuaespecificidade.Desse modo,assuasrefernciasouabordagensselimitaramespecialmenteaocampo dapolticaformal,tendoabordadoapenasdeformasuperficialoprocessode construodopensamentoliberalnoBrasil.Apesardisso,algunsautores oferecem indicaes factuais ou tericas que so indispensveis para o estudo de um tema to original. Ahistoriografianoacadmicaoutradicional44,constitui-senuma fontebibliogrficaimportanteparaonossoestudo,aindaqueosautoresdessa linhatenhamabordadootemadeumaperspectivaligadaexclusivamente histriapoltica,identificandoainstituioapenasapartirdosinteresses meramentepolticosdeumgrupodeindivduos-osmaons-semumperfil definido.Nocontedodasobrasanalisadas,destaca-seainstituio principalmente, seno exclusivamente, na primeira fase do Imprio brasileiro, em especialnosperodosimediatamenteanterioreposteriorindependncia45.

conciliador, das correntes ecletista, positivista e evolucionista. Ver tambm WEHLING, Arno. A inveno da histria: estudos sobre o historicismo. Op. cit.44Porhistoriografiatradicionalentende-seaquelaquePeterBurkeresumiuemseiscaractersticas:o paradigma tradicional diz respeito essencialmente poltica; a histria essencialmente uma narrativa dos acontecimentos;oferecendoumavisodecimaeseconcentrandonosfeitosdosgrandeshomens;os documentossoabasedahistria;asperguntasqueoshistoriadorestradicionaiselaboramso insuficientes,jqueoseuinteressesocomosheris,e,finalmente,paraoparadigmatradicional,a histria objetiva. BURKE, Peter. Abertura: a nova histria, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (Org.).Aescritadahistria:novasperspectivas.SoPaulo:EditoradaUniversidadeEstadualPaulista, 1992. p.10-15.45 Foram analisadas as seguintes obras: MONTEIRO, Tobias do Rego. Histria do Imprio, a elaborao daindependncia. Op. cit.;Idem,Histriado Imprio, o Primeiro Reinado. Op. cit.; OLIVEIRA LIMA, Manuel.Omovimentodaindependncia(1821-1822).Opcit.;Idem,D.Joo VI noBrasil.v. 2.Op cit; ROCHAPOMBO,JosFrancisco.HistriadoBrasil.v.4e5.Opcit.;VARNHAGEN,Francisco Adolfo. Histria da Independncia do Brasil at o reconhecimento pela antiga metrpole, compreendendo separadamente a dos sucessos ocorridos em algumas provncias at essa data. Op cit. Nessegrupo,incluiu-setambmaproduobibliogrficaoriundadoInstituto HistricoeGeogrficoBrasileiro,criadoem1838equereuniu,nosculo XIX, alguns dos mais importantes intelectuais brasileiros46. Ascrticasscaractersticasdecunhotericodessatendncia historiogrfica,qualseja,anfaseaospersonagenseaosepisdios,oelitismo das suas interpretaes, a ausncia de uma problemtica a ser solucionada, entre outras, no invalidam a sua contribuio. Para tanto, deve-se ter em mente o fato dequeaspreocupaeseosinteressesdaqueles intelectuais, no tempo histrico em que as obras foram escritas, eram diferentes dos atuais. Ento, a leitura dessas obras,nomnimo,umapreciosafontedeinformaofactual,documentale, mais importante, da viso testemunhal de muitos desses intelectuais.Amaiorpartedasobrasanalisadasdessegrupohistoriogrficoforam produzidasnosculoXIXenasprimeirasdcadasdosculoXX,tendo contribudo, na fase inicial desta pesquisa, especialmente como fontes primrias. Apreocupaocomaveracidadedosdocumentos-paraosautoresemfoco, reflexodaprpriahistria-possibilita-nosalocalizaodefontesmanicas importantes.Algumasdessas,hojedestrudasoudedifcillocalizao,sse tornaramacessveisporcausadessesautores,testemunhosprximosdaqueles tempos,queastranscreveramouindicaramasuapossvellocalizao.Alm disso,mesmoqueelessejamrepresentantesdeumavertentetericaquetinha como pressuposto a objetividade histrica47, as suas posies e juzos de valores, freqentesnostextos,nosalertamparaaspectosimportantesdeanlise.Os posicionamentos desses historiadores nos servem como um ponto de referncia e deequilbriofrentesupervalorizaodosprimeiroshistoriadoresmaons;dito deoutraforma,osaspectosquenosoabordadosouvalorizadosdevidamente

46AproduodoIHGB,publicadonaRevistadoInstitutoHistricoeGeogrficoBrasileiro,cujo primeiro nmero circulou em 1839 (de circulao trimestral). Localizamos os seguintes artigos especficos ou muito prximos sobre maonaria: Alvar, de 30 de maro de 1818, fulminando a maonaria e todas as sociedades secretas, elivros, catecismos,e qualquer outras instrues impressas ou manuscritas relativas as ditas mesmas. In: Revista do IHGB, 1885 V. 48, 2 parte, p. 323-327; FLEIUSS, M. Centenrio da sesso do Grande Oriente de 20-8-1822. In: Idem, 1922, Tomo Especial, p. 299-314; LEAL, Aureliano. ComemorativadoManifestode1-8-1822,ded.PedroaospovosdoBrasil,redigidoporJoaquim GonalvesLedo.In:Idem,1922,Tomoespecial.p.247-268;BARATA,ManueldeMelloCardoso.A primeira loja manica no Par. In: Idem. v. 77, 1914. p. 127-?; RIZZINI, Carlos. Dos clubes secretos s lojas manicas. In: Idem. v. 190, 1946. p. 29-44. 47 Referimo-nos aqui s correntes materialistas s quais, direta ou indiretamente, os autores se integram. pelosautoresmaonssodescritosdeformadiversapeloshistoriadores clssicos.Os autores desse grupo trataram do tema em questo especialmente no perodo da independncia brasileira e, com menor nfase, nos acontecimentos em tornodaquestoreligiosa,cinqentaanosdepois.Comisso,ovazio representadoporessescinqentaanosdeatividadescrescentes damaonariano Brasil foi ignorado pela historiografia tradicional. Esse vazio, que se estendeu do perodofinaldoprocessodeindependncia,comofechamentodoGrande OrientedoBrasil,emoutubrode1822,coincidiucomofimdeumcicloda histriadamaonariabrasileira.Nessaprimeirafase,referimo-nosaumtipode atuaoqueseconfundiacomadeumpartidopoltico,ouseja,seusmembros eramconhecidosouidentificadospublicamente;suasreunieseramde conhecimentoaberto;suasresolueseramfacilmenteidentificadasnaao poltica concreta. Apartirdeento,atadcadade1870,houveumaredefiniodas atividadesmanicasnoBrasil,especialmentenoquetangeparticipao polticadosmaons,quediminuiusensivelmente,comoreflexodofatodeseus integrantes,atividadesediretrizesteremsetornadomaisdispersose,decerta maneira,maisdiscretos.Oshistoriadores,maispreocupadosemdescreveros episdios que caracterizavam a construo de uma identidade nacional, deixaram deladoumgrupoque,muitasvezes,duranteoImprio,foiconsiderado extremado.Muitoslderespolticos,identificadospublicamentecomomaons, questionavamomodelomonrquicocentralizador,vitoriosocoma independncia,defendendoumrompimentomaisradicalcomaherana civilizadora colonial advinda de Portugal. A produo bibliogrfica tradicional se concentrou, de forma especial, noprocessodeemancipaopolticadoBrasil,noqualaparticipaoda maonariafoiinquestionvel.Ostestemunhos,osdocumentoseasprimeiras obras publicadas no deixam dvidas de que algumas das principais articulaes, negociaesemanifestaesdecarterpblicoepopular,imediatamente anterioresindependncia,partiramdaslojasmanicas.Amaioriados historiadoresinclui,assim,amaonariacomoumdosgruposintegrantesdo processo, algumas vezes mais valorizada; outras, menos. Um exemplo disso Oliveira Lima, que dedicou um captulo48 de sua obraparanarraraatuaodamaonariaemumdosepisdiosderradeirosda independncia. O autor afirma que a participao manica no Fico j fora notvel, mas ondeelaapareceverdadeiramenteconspcuaa13 de maio de 1822, quando, por ocasio de celebrar-se oaniversrio natalcio de el-rei, Dom Pedro recebeu ahonrosssimainvestiduradedefensorperptuodo Brasil (...)49. NaobradeOliveiraLima,ficapatenteumacaractersticarecorrente emoutrosautores:odesconhecimentoouafaltadeinformaessobreas particularidadesdaorganizaointernadaordemnoBrasil,comotambmem nvelinternacional.Osequvocosveiculadosnormalmentesedeveram prpria nebulosidadeemtornodainstituio.Dopontodevistadaexistnciadeum corpo administrativo, jurdico e simblico prprio, o exemplo que se apresenta a seguir, a respeito das razes para a criao do Grande Oriente do Brasil em 1822, constitui um demonstrativo das verses presentes nas obras analisadas. Onmerodeiniciados,queeramportantooutros tantosaderentesdacausadoBrasil,cresceutanto quea28demaiode1822alojaComrcioeArtes tevequesedividiremtrsefundar-seoGrande Oriente do Brasil, continuando a loja-me com o seu nomeprimitivo,quesignificavaaidadedeouro,e sendo dados s outras duas que se desmembraram os ttulosdeUnioeTranqilidade,palavras atribudas ao prncipe para sossegar o povo no dia 9 dejaneiro,eEsperanadeNiteri,designao simblicadaprojetadaemancipaodoreino americano50.

48Trata-sedocaptulointituladoOtrabalhodaslojasmanicas.Oprncipedefensorperptuoea convocao da Constituinte, que faz parte da obra O movimento da independncia. Op. cit. p. 206-220. 49Idem, p. 207. 50Idem, ibid, p. 207. Conforme abordaremos mais adiante, a razo para o desmembramento daslojasmanicasreferidasteriasidoaexigncialegalemvigornaquele perodonospreceitosjurdicosemescalainternacional,deapenasserem reconhecidospoderesdirigentescentraisseessestivessem,nomnimo,trs oficinasematividaderegular.Aessetipodeincorreoseagregamoutras, relacionadas tanto a informaes quanto a datas e episdios. Varnhagentambmsereferemaonariaempartedeumdeseus trabalho,particularmenteemumdoscaptulosdesuaobra51,nofazendo, contudo,refernciasaqualqueratuaoanteriora1821.Emrelaoaessa conjuntura, a das principais definies do processo de independncia, ele afirma: emtodasestasdecisestinhajgrandeparteamaonaria,decujoGrande Oriente o Ministro Jos Bonifcio era ainda gro-mestre52. Poroutrolado,aidentificaodosgrupospolticosparticipantesda luta poltica foi, na maioria dos casos, muito bem descrita pelos historiadores do grupotradicional.Pormeiodosseustrabalhos,observa-seaidentificaobem explcitadapresenade dois grupospolticosdisputandoasdefiniesquanto independnciadoBrasil:opartidoportuguseobrasileiro53.Maisimportante, no entanto, em termos do nosso trabalho, a descrio que fazem das diferentes visesdefendidasnaindependnciaeapercepodequeogrupomanico representava o setor mais radical entre os liberais brasileiros.Varnhagen,porexemplo,demonstrasuapoucasimpatiacausa liberalmanica,quandoincluiosmaonsnogrupoliberalexaltado,paraele extremado.Defensordamanutenodaordemedeumrompimentopoltico pacficocomatradiocivilizadoraportuguesa,oautordescreveoquadro poltico complexo que se desenhava naquele processo: osquenoBrasilseocupavamdepolticaseviram entomuidesconformesemopinies.Emalguns

51OcaptulosedenominaDesdeapartidadeAvilezataprofissomanicadoprncipe,depoisdos seusdoismanifestosIn:Op.cit.p.107-130.VARNHAGEN,FranciscoAdolfode.Histriada independncia do Brasil. Op. cit. 52Idem, p.127. 53OsautoresqueutilizamcommaisfreqnciaestaterminologiaoudenominaosoRochaPomboe Varnhagen. predominavamossentimentosemfavorda monarquiapura,emoutrosdaconstitucional,no faltandojalgunsqueseinclinavamdemocraciae aorepublicanismo.Ecadaumadestastrs comunhesfracionava-seainda,inclinando-seuns uniocomPortugaleoutrosindependncia. necessrioter-seemcontaojogodesencontrado destestrselementos,paraexplicarparaodiante muitos fatos e o como umas vezes se apoiavam de um modoeoutrasdeoutro.Demodoqueestavam verdadeiramente em jogo cinco partidos54. Os maons se encontravam, via de regra, entre os setores liberais mais exaltados,dosdefensoresdademocraciaedaRepblica.Ainclusoda maonarianahistriapolticabrasileiraseencerrouhistoriograficamente,paraa maioriadostradicionais,nomomentoemquesedefiniuomodelode independncia.Comoogrupoextremadoforaderrotado,osdefensoresdo republicanismoedastransformaesmaisradicalizadas,incluindoao rompimentocomaheranacivilizadoraportuguesa-enissoseenquadravam tambmmuitosmaons-,noteriammaisespaodestacadonasobrasdesses historiadores. Com isso, entendem-se as razes do porqu de, cinqenta anos depois daindependncia,nafamosaquestoreligiosa,de1872a1875,quandoa maonariafoi,semsombradedvida,umdospersonagensprincipais,a bibliografiatradicionalapresentarvagasrefernciasarespeitoounemmesmo mencion-la.Umexemploimportantedano-inclusodamaonarianaqueles acontecimentosodaobradeRochaPombo,que,tratandodosantecedentesda proclamaodaRepblica,dedicouumnicopargrafoparacaracterizaraquele conflitopoltico-religioso55.OoutroTobiasMonteiro,quesequermencionaa questoreligiosacomoummomentoimportantedacrisequepreparouos caminhos para a proclamao da Repblica56.

54VARNHAGEN, Histria da independncia do Brasil. Op. cit. p. 77. 55ROCHA POMBO. Op. cit. v. 5. p. 306. O autor nem sequer menciona os conflitos manico-religiosos.56MONTEIRO,TobiasdoRego.Pesquisasedepoimentosparaahistria.RiodeJaneiro:Francisco AlveseCia,1913.Op.cit.ParadescreverosantecedentesdaproclamaodaRepblica,elepriorizao movimento abolicionista e a questo militar. Ahistoriografiatradicional,deformafragmentria,isoladae permeadaporvalorespolticosemoraisdeseusrepresentantes,inseriua maonarianahistriabrasileiraespecialmentenoperododoprocessode emancipaopoltica.Nessetpico,amenoaalgumaslojasmanicas (somente assituadasnoRiodeJaneiro)que tiveram participao no processo, a presenaeidentificaodaslideranasmanicas(quasesempreasfigurasde JosdoBonifcioeGonalvesLedo),asdecisestomadasnointeriordessas lojasmereceramdestaquedoshistoriadorestradicionais.Almdisso,trouxeram luzaumapartedadocumentaoporeles utilizadas,principalmenteasatas que restaramdocurtoperododefuncionamentodoGrandeOrientedoBrasil57eas primeiras obras publicadas por maons58. Aindanaperspectivadaproduobibliogrficadescomprometida,o segundo grupo de historiadores analisados, os acadmicos, tambm no enfoca a maonariaenquantoobjetodepesquisaespecficooudedestaque.As universidadesecentrosdepesquisahistricadecarteracadmicobrasileiros, aquinosentidodecientfico,marginalizaramotema,oque,deformageral, tambmocorreuapartirdadcadade1970comognerodehistriapoltica. Como,tradicionalmente,a maonariaesteveinseridaemestudosde poltica,ela sofreuasconseqnciasdessamarginalizao,deformaqueamaioriados autoresqueamencionamofazemdeformaindiretae,muitasvezes, superficialmente59.

57citadanessasobrasadocumentaoreferentesatasdas19primeirasenicassessesdoGrande OrientedoBrasil(correspondenteaospoucosmesesdeseufuncionamento)equeforamtranscritasnos AnaisFluminenses,publicadoem1832e,maistarde,transcritastambmemobrasdemaonsena imprensa manica. 58Asprimeirasobrasdehistriadamaonariaseronominadasquandodaanlisedahistoriografia comprometida ou engajada. 59Relacionamosalgunsdessestrabalhos:BARRETO,CliadeBarros.Aodassociedadessecretas. In: HOLANDA, Srgio Buarque de (Org.). Histria geral da civilizao brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 1993. v. 3. p.191-206;BARROS, Roque Spencer M. de. A questo religiosa. In: Idem. So Paulo: Difel, 1985.v.6.p.338-365;BARROS,RoqueSpencerM.de.VidaReligiosa.In:HOLANDA,Srgio Buarquede(Org.).Histriageraldacivilizaobrasileira.SoPaulo:Difel,1985.v.6.p.317-337; BEIGUELMAN, Paula. Pequenos estudos de cincia poltica. So Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1968. p.103-106;COSTA,EmiliaViottida.IntroduoaoestudodaemancipaopolticadoBrasil.In:. MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. So Paulo: Difel, 1982. p. 64-125; HOLANDA, SrgioBuarque.Farturaecrise.In:HOLANDA.Op.cit.v.7.p.150-175;Idem.Damaonariaao positivismo.In:Idem.p.289-305;VIEIRA,DaviGueiros.Oprotestantismo,amaonariaeaquesto religiosa no Brasil. Braslia: Editora da UnB, 1980. Nesse sentido, uma exceo o trabalho de Alexandre Mansur Barata, queestudouaaodamaonariabrasileiranoperodode1870e191060ecuja abordagem leva em conta a insero da instituio no campo do confronto entre o pensamentoliberalecientificistaeopensamentocatlico-conservador.Em outraspalavras,oautoridentificouogrupomanicoentreosintegrantesda chamada ilustrao brasileira, sobretudo na segunda metade do sculo XIX. Para tanto, descreveu e analisou, inicialmente, os aspectos intrnsecos ordem, como, porexemplo,asuaestruturaorganizacional;emrelaoaoBrasil,estudoua introduodasidiasmanicas,oconflitocomaIgrejaCatlicae,porfim,as principais aes da maonaria no pas. Barata, utilizando uma bibliografia direcionada para a temtica e uma ampladocumentaodeorigemmanica,conseguiudesenharumavisogeral dapresenamanicanoBrasilnoperodo,inclusivecomamontagemde quadrosquantitativosbastantesignificativos.Ainda,aprofundoucom consistncia as indicaes j observadas pelos historiadores acadmicos, mas at ento insuficientes. Um exemplo desse aprofundamento se observa na explicao dada compreenso dos maons sobre os princpios liberais: apartirdacrenanauniversalidadedanatureza humanaenoracionalismo,pressupostosfundamen-tais do movimento ilustrado, que o discurso manico seestrutura.Aosedefinircomoumaescolade formaomoraldahumanidade,ensinandoas virtudescardeais-aliberdadedepensamentoea independnciadarazo-,aMaonariaassumiao compromisso das Luzes, de combater as Trevas, representadas pela ignorncia, pela supertio e pela religiorevelada.Durante osltimosanosdo sculo XIXeprimeirosdoXXapresenadamaonaria brasileiranosdebatesquevisavamconstruiruma novanoodeidentidadenacionalfoiuma constante61.

60BARATA,AlexandreMansur.Luzesesombras:aaodospedreiros-livresbrasileiros(1870-1910). Op. cit. 61 Idem, p. 108. Nessemesmosentido,outraexceoaobradeDavidGueiros Vieira62, na qual, mesmo tratando com menor especificidade a maonaria, o autor tematizoucomdestaqueoprotestantismoeaquestoreligiosanoBrasil.Asua principalcontribuioprende-serevelaodeumpossvelvnculode cooperaoentreprotestantesemaonsquandodoepisdioeclodidoem1872 que envolveu principalmente a Igreja Catlica e a maonaria. Entre as concluses aquechegouVieira,amaisimportanteadequeacooperaoentre protestantesemaonssedeudemodo bastante limitado, pelo fornecimento, por exemplo,delivroseliteraturaanticatlicaaosescritoresmanicos.Almde reunir