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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA – UMA ABORDAGEM ACERCA DA LAVAGEM DE DINHEIRO E ALGUNS MECANISMOS DE REPRESSÃO MARIA DE FÁTIMA MEIRA BARBOSA DE OLIVEIRA Itajaí , junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA – UMA ABORDAGEM ACERCA DA LAVAGEM DE DINHEIRO E ALGUNS MECANISMOS

DE REPRESSÃO

MARIA DE FÁTIMA MEIRA BARBOSA DE OLIVEIRA

Itajaí , junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA – UMA ABORDAGEM ACERCA DA LAVAGEM DE DINHEIRO E ALGUNS MECANISMOS

DE REPRESSÃO

MARIA DE FÁTIMA MEIRA BARBOSA DE OLIVEIRA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Msc Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

Itajaí , junho de 2007

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AGRADECIMENTO

Agradeço a todas as pessoas que me

incentivaram a consolidar mais esta etapa da

minha vida, mencionar nomes significaria sopesar

meus agradecimentos a alguns entre tantos que

contribuíram para que aqui chegasse.Contudo,

registro meus agradecimentos especialmente ao

meu namorado pelo incentivo a finalização do

curso acadêmico, a família Ramos que de sua

morada fizeram o meu lar e a minha orientadora

Professora Adriana Spengler.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho acadêmico a minha mãe Lígia

Maria Meira de Oliveira (in memoriam) que ensinou-me

a escrever minhas primeiras palavras e ao meu pai

José Washington Barbosa de Oliveira, por todas as

vezes que esqueceu de si para exercer o significado da

palavra pai.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí , junho de 2007

Maria de Fátima Meira Barbosa de Oliveira

Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Maria de Fátima Meira Barbosa de

Oliveira, sob o título A Macrocriminalidade Econômica e a Lavagem de Dinheiro,

foi submetida em 29/06/07 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: Profª. Msc. Adriana Maria G. S. Spengler (Presidenta), Profº. Msc.

Osmar Diniz Fachini (Membro), Profº. Msc. Renato Massoni Domingues (Membro)

e aprovada com a nota Dez.

Itajaí , junho de 2007

Profª.Msc Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

Orientador e Presidente da Banca

Profº. Msc Antonio Augusto Lapa

Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Crime

“Crime é fato típico e ilícito, segundo a definição bipartida, ou seja, a culpabilidade

não integra o seu conceito”. [CAPEZ, 2005, p.112]

Crime de Lavagem de Dinheiro

“A operação se caracteriza pela transformação do dinheiro sujo em limpo-

simulação de licitude de ativos originados de um crime – geralmente se utilizam

na definição vocábulos que denotam limpeza”. [MENDRONI , 2006, p.08]

Crime Organizado

“As organizações criminosas, como regra, possuem uma organização

empresarial, com hierarquia estrutural, divisões de funções e sempre direcionadas

ao lucro. Elas possuem algo mais do que um programa delinqüencial.

Consubstanciam-se em um planejamento empresarial (custos das atividades e de

pagamento de pessoal, recrutamento de pessoas etc) com firmas constituídas

formalmente ou não. Quanto mais rica e firmemente estruturada a organização,

menores os riscos nas suas atuações”. [LAVORENTI, 2000, p.19]

Direito Penal Econômico

“É um sistema de normas que defende a política econômica do Estado,

permitindo que esta encontre os meios para sua realização”. [GULLO, 2001, p.05]

Fase de Colocação

“A primeira etapa do processo é a colocação do dinheiro no sistema econômico.

Objetivando ocultar sua origem, o criminoso procura movimentar o dinheiro em

paises com regras mais permissivas e naqueles que possuem economia liberal. A

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colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis

ou compra de bens”. COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)

Fase de Ocultação

“Nesta segunda etapa, o agente desassocia o dinheiro de sua origem passando-o

por uma serie de transações, conversões e movimentações diversas. Tanto mais

eficiente a lavagem quanto mais o agente afastar o dinheiro de sua origem.

Quanto mais operações, tanto mais difícil a sua conexão coma ilegalidade e tanto

mais difícil a sua prova”. MENDRONI [2006, p.60]

Fase de Integração

“Nesta última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao sistema

econômico.As organizações criminosas buscam reinvestir em empreendimentos

que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestarem serviços entre

si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro

ilegal”. COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)

Macrocriminalidade

“O que chamamos de macrocriminalidade é primafacialmente o crime organizado,

á semelhança de empresas que, combina pessoas, capitais e tecnologia para

consecução de determinados fins, sob a direção de um chefe, que se equipara a

empresário em sentido próprio”. [SILVA, 1980, p.45]

Microcriminalidade

“A microcriminalidade é aquela resultante do clima de adversidades e mesmo

violência que impregna a desvairada sociedade de consumo, suscitando injustiças

sociais e desigualdades econômicas, sendo sempre mais visível e diz respeito

aos delitos corretivos, violentos ou não, que, isoladamente, em todas as camadas

sociais, acontecem de dia e de noite, durante todas as horas (latrocínio,

homicídio, lesões corporais, roubo, furto, estupro, ameaça, estelionato, calunia,

injuria etc.)”. [FERNANDES, 2002, p.505]

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................ X

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4

MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA........................................... 4 1.1 DIREITO PENAL ECONÔMICO .......................................................................4 1.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA MACROCRIMINALIDADE ...............6 1.3..DISTINÇÃO ENTRE A CRIMINALIDADE CLÁSSICA E A MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA.............................................................11 1.4 VITIMIZAÇÃO DIFUSA...................................................................................14 1.5 CONEXÃO COM O PODER PÚBLICO ..........................................................15 1.6 MODUS OPERANDI .......................................................................................18 1.7 ESTRUTURA HIERÁRQUICA........................................................................20 1.8 CARÁTER TRANSNACIONAL ......................................................................22 1.9 DO EMPREGO DE VIOLÊNCIA.....................................................................23

CAPÍTULO 2 .....................................................................................25

LAVAGEM DE DINHEIRO COMO MACROCRIME ECONÔMICO....25 2.1 LAVAGEM DE DINHEIRO..............................................................................25 2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES À LEI 9.613/98................................................31 2.3 SUJEITO ATIVO DO CRIME..........................................................................35 2.4 FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO...........................................................36 2.5 DA NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE UM CRIME ANTECEDENTE AO DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO................................................................42 2.5.1 DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES OU DROGAS AFINS ..............................44 2.5.2 DO TERRORISMO E SEU FINANCIAMENTO...........................................................45 2.5.3 DO CONTRABANDO OU TRÁFICO DE ARMAS .......................................................46 2.5.4 DA EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO ..............................................................47 2.5.5 DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O SISTEMA FINANCEIRO

NACIONAL...............................................................................................................48 2.5.6 PRATICADO POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ......................................................50 2.6 DELAÇÃO PREMIADA ..................................................................................50

CAPÍTULO 3 .....................................................................................54

O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS E OS MECANISMOS NECESSÁRIOS À REPRESSÃO DO DELITO ............................................................... 54 3.1 JULGADOS DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS ......................................................54

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3.2 MECANISMOS NECESSÁRIOS À REPRESSÃO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO.......................................................................................................59 3.2.1 ALTERAÇÃO NA LEGISLAÇÃO ..........................................................................60 3.2.2 MAIOR CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL........................................................61 3.2.3 MAIOR PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DOMINUS LITIS).............63 3.2.4 CRIAÇÃO DE VARAS ESPECIALIZADAS PARA CONHECER, PROCESSAR E JULGAR OS

DELITOS PERPETRADOS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS..........................................67 3.2.5 A EFETIVA NECESSIDADE DA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E INTERCEPTAÇÃO

TELEFÔNICA COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVAS ...................................................69

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................76

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...........................................79

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RESUMO

Esta monografia foi concebida sob a perspectiva de

demonstrar o significado da macrocriminalidade econômica com o conseqüente

estudo do cometimento do crime de lavagem de dinheiro. Em realidade, o

trabalho trata de explanar sinteticamente sobre a estrutura da macrocriminalidade

econômica, entendendo-se a lavagem de dinheiro como uma de suas

modalidades criminalmente organizada. A argumentação acima consignada

encontra respaldo na doutrina do Direito, na legislação criminal aplicável à

espécie, precipuamente nas leis específicas de combate ao crime de lavagem de

dinheiro e ocultação de bens e capitais. Naturalmente, para tanto, quer ao abordar

a macrocriminalidade, quer ao abordar o crime de lavagem de dinheiro

propriamente dito, destacou-se os requisitos necessários às suas ocorrências.

Ressalta-se que o reconhecimento do crime de lavagem de dinheiro, a priori,

importa em reconhecer a prática de crimes antecedentes, os quais também foram

objetos de estudo, ainda que de forma superficial, haja vista não ser este o

escopo principal do trabalho. Destarte, com uma conceituação de

macrocriminalidade e com a prática dos crimes antecedentes a de lavagem de

dinheiro propriamente dito, pode-se fazer uma análise, frise-se, ainda que

superficial, da aplicação de toda a teoria que envolve a matéria à pratica hodierna

de repressão à criminalidade organizada, incluindo mecanismos que podem e

devem ser buscados para melhor alcançar tal desiderato, tais como a quebra de

sigilo bancário e interceptação telefônica.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a

macrocriminalidade econômica, entendida esta como crime organizado voltado à

prática dos nomeados crimes econômicos, com ênfase à lavagem de dinheiro.

Tem por objetivo institucional, a confecção de monografia

para a obtenção de Título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI.

O seu objetivo geral é demonstrar a ocorrência do crime de

lavagem de dinheiro, nos moldes da macrocriminalidade econômica, com suas

peculiaridades.

A escolha do tema justifica-se pela observação cada vez

mais presente das organizações criminosas que, por vezes, na prática não só do

crime de lavagem de dinheiro, mas também de diversos outros tipos penais,

considerados como crimes antecedentes, movimentam vultuosas somas em

dinheiro e capitais dos mais variados. Também, justifica-se o tema pela

necessidade de pesquisa e estudo acerca dos métodos atuais de combate ao

crime organizado nesse particular, bem como de meios futuros que podem

efetivamente solucionar ou diminuir consideravelmente a atuação de tais

organizações criminosas.

Para tanto, no Capítulo 1 aborda-se-á a Macrocriminalidade

Econômica, com breves lineamentos do Direito Penal Econômico, conceitos e

características que lhe são inerentes, bem como apontamentos sobre vitimização

difusa, a conexão do crime organizado com o Poder Público, o modus operandi

dos agentes ativos do delito, sua estrutura hierárquica, o caráter transnacional do

crime e emprego de violência.

No Capítulo 2, será analisado o crime de lavagem de

dinheiro propriamente dito, trazendo à baila seu conceito, considerações sobre a

legislação de regência, sujeito ativo do delito e as fases para a consumação da

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lavagem de dinheiro e, ainda, a necessidade da ocorrência de um crime

antecedente ao de branqueamento e ocultação de bens e capitais.

No Capítulo 3, será abordada a questão prática em relação

ao crime de lavagem de dinheiro e aqueles que o antecedem, isso na visão dos

Tribunais Pátrios, tudo com o escopo de aliar a teorização dos capítulos

antecedentes à prática diuturna à repressão da criminalidade organizada,

finalizando com os meios de obtenção de provas, tais como a quebra de sigilo

bancário e a interceptação telefônica.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a Macrocriminalidade econômica com ênfase na lavagem de dinheiro.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

� A Macrocriminalidade econômica visa atacar bens jurídicos supra

individuais.

� Há lavagem de dinheiro somente quando, no casos concreto, for

verificada a ocorrência das três etapas.

� A Macrocriminalidade econômica, por suas peculiaridades, requer

métodos de provas que flexibilizam o Direito à intimidade.

Quanto à Metodologia1 empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

1 “Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de

investigação e técnica”. [PASOLD, 2002, p. 87] 2 “Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção

ou conclusão geral.” [PASOLD, 2002, p. 104] 3 “Base lógico-comportamental proposta por Descartes, muito apropriada para a fase de Tratamento

dos Dados Colhidos, e que pode ser sintetizada em quatro regras: 1. duvidar; 2. decompor; 3.

ordenar; 4. classificar e revisar. Em seguida, realizar o juízo de valor”. [PASOLD, 2002, p. 237]

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Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa

Bibliográfica.

4 “Referente é a explicação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance

temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”.

[PASOLD, 2002, p. 62] 5 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”

[PASOLD, 2002, p. 31] 6 “Conceito operacional (cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que

tal definição seja aceita para efeitos das idéias que expomos”. [PASOLD, 2002, p. 56]

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CAPÍTULO 1

MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA

1.1 DIREITO PENAL ECONÔMICO

Hordienamente, a sociedade assiste a construção de uma

economia de traços ilícitos, alicerçada na delinqüência.

A complexa ordem econômica e o avanço de seu poder

deram margem à fragilização da economia estatal, alvo de vultuosos desfalques,

decorrentes de ações criminosas especializadas, sobretudo, os macrocrimes

financeiros, lesionando a própria coletividade, pois diferentemente dos crimes

tradicionais, a macrocriminalidade econômica atinge bens jurídicos supra-

individuais.

Com a evolução das relações econômicas e a velocidade

de transformação desse setor, sentiu-se a necessidade de criação de uma

ramificação do direito, ou seja, de uma legislação penal econômica como forma

de limitar ou obstar o crescente poder econômico e, também, estirpar as brechas

que existem na lei o que, de fato, vinha e vem beneficiando o crime organizado

nesta seara do Direito Penal Econômico.

Portanto, o bem jurídico tutelado por este ramo do Direito

Penal é a ordem econômica

Nos ensinamentos de GULLO [2001, p. 18] “o Direito Penal

Econômico trata de algo mais especifico, abrangendo bens e interesses

relacionados com a política econômica do Estado”.

PINHEIRO JÚNIOR [2003, p. 51] diz que:

[...] surgiu o Direito Penal Econômico, fruto do entrelaçamento

entre o Direito Econômico e o Direito Penal, visando a recobrir a

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Ordem Econômica com sua proteção, de forma a evitar que o

avanço do Poder Econômico a comprometa de tal modo, que o

próprio Estado, em última análise, venha a sucumbir frente O

Poder Econômico Privado.

De conceituação simples e didática, PIMENTEL [1973, p. 10]

define o Direito Penal Econômico como “o conjunto de normas que tem por objeto

sancionar, com as penas que lhes são próprias, as condutas que no âmbito das

relações econômicas, ofendam ou ponham em risco bens ou interesses

juridicamente relevantes”.

E, ainda, assinala PIMENTEL [1973, p. 42]:

A disciplina Direito Penal Econômico, constitui-se em um sistema

de normas que defende a política econômica do Estado,

permitindo que encontre os meios para sua realização. São,

portanto, a sua regulamentação no âmbito administrativo, embora

não se prestigie esse ramo do Direito na defesa da Economia.

Para GULLO [2001, p.05] “o direito penal econômico,

portanto, é um sistema de normas que defende a política econômica do Estado,

permitindo que esta encontre os meios para a sua realização”.

No entender de SIQUEIRA [2005, p. 01]:

O Direito Penal Econômico é um ramo do direito penal que trata

das infrações contra a ordem econômica, ou seja, é uma área do

direito penal que sanciona determinadas condutas que afetam

sensivelmente as relações econômicas lesando bens jurídicos

penais, ultrapassando as raias do mero ilícito administrativo

econômico.

Os danos advindos da delinqüência econômica atingem a

ordem financeira, não existindo dados precisos acerca das somas em dinheiro,

incluindo aí transações bancárias, negociações de títulos, mercadorias etc., no

entanto, faz-se certo que são quantias vultuosas, que no Brasil são milhões de

reais por ano. [CALLEGARI, 2003, p. 23]

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O Direito Penal Econômico tem por escopo diplomar uma

nova realidade jurídica, resultante da intervenção estatal na economia,

especificando-se como ramo do Direito Penal limitador do poder econômico,

coibindo a criminalidade econômica hordiena, por não mais ser possível a

aplicação dos aparatos legais do Direito Penal Clássico como mecanismos de

prevenção e repressão aos crimes contra a ordem socioeconômica.

1.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA MACROCRIMINALIDADE

A macrocriminalidade é um fenômeno criminológico inserido

na problemática do Direito Penal Econômico, sendo que os autores deste ilícito

penal organizam-se em similitude com verdadeiros complexos empresariais, pois,

formam toda uma estrutura organizacional a fim de obter lucro, através de

atividades antijurídicas, ou seja, trata-se de crime organizado.

SILVA [1980, p. 45] assevera:

O que chamamos de macrocriminalidade é primacialmente o

crime organizado, à semelhança de empresas que, combina

pessoas, capitais e tecnologia para a consecução de

determinados fins, sob a direção de um chefe, que se equipara a

um empresário em sentido próprio. Aí, não se trata mais de crime

episódico, cometido por agentes isolados – ou eventualmente

ligados – porém, de verdadeiras sociedades delinqüenciais, tendo

por base essencialmente à divisão de trabalho entre os seus

integrantes, exatamente como se passa nas empresas

econômicas legítimas.

Para SZNICK [1997, p.15] :

O crime organizado apresenta algumas notas básicas que

permitem diferenciá-la da criminalidade grupal e da simples co-

autoria. Assim, entre esses dados típicos temos: 1) Societas

sceleris – sociedade de criminosos [...] a expressão crime

organizado traz insíta em si a noção básica de associação de

pessoas, em grupo, com finalidade de, através de práticas

criminosas (animus delinquendi) tirarem, quase sempre proveitos

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patrimoniais ou políticos. 2) Origens históricas – De início, esses

grupos criminosos se associavam com objetivos políticos. [...] Hoje

até as pessoas físicas se reúnem para isso, mesmo as legalmente

constituídas, caso da “criminalidade do colarinho branco”, uma

evolução do crime organizado. 3) Associação – Crime organizado

implica em associação de várias pessoas, em um acordo

criminoso de vontades, de maneira permanente, com caráter de

estabilidade, continuação diversas da sociedade no crime. 4)

Estrutura – A associação já possui uma incipiente organização; o

crime organizado é, por definição, um setor estruturado com,

chefias, equipes e funções determinadas e seus membros [...].

Por seu turno, SILVA [2002, p. 17] afirma:

Doutrinariamente a macrocriminalidade pode der dividida em

quatro grande grupos distintos, a saber: a) grupos mafiosos que

depois de passar por um período de violência investe na

corrupção como forma de dar sustentação às suas empreitadas e

aos seus negócios, aparentemente legítimos [...] b) os criminosos

profissionais que atuam dentro do país, normalmente dedicados

aos crimes contra o patrimônio. c) os criminosos do colarinho

branco integram o terceiro grupo. Utilizam empresas de fachada,

normalmente instituições financeiras, através das quais cometem

crimes contra o sistema financeiro, contra a economia popular,

consumidores, meio ambiente, etc; d) O quarto grupo compõe-se

da facção corrupta de funcionários do Estado, que agem

impunemente sob o manto da autoridade a que estão investidos;

Sabe-se que o lucro e a impunidade representam dois dos

maiores fatores da macrocriminalidade. O lucro propriamente dito movimenta a

grande criminalidade, vez que assemelha-se a um empreendimento econômico. O

desiderato primário da macrocriminalidade é a obtenção de lucro. Ademais, existe

um notável estímulo à impunidade dos macrocriminosos e, por isso, este binômio

lucro-impunidade, explica a ascensão das organizações criminosas em larga

escala SILVA [1980, p. 70].

Com GOMES [2000, p. 75] apud FRANCO tem-se:

O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter

transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de

cada país e apresenta características assemelhas em várias

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nações; detém um imenso poder com base em uma estratégia

global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as

fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social

de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma

gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas

difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia;

apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos

delinqüenciais e uma rede subterrânea de ligações com os

quadros oficiais da vida social, econômica e política da

comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de

corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e,

em resumo, é capaz de inerciar ou fragilizar os poderes do próprio

Estado.

Já para LAVORENTI [2000, p. 19]:

As organizações criminosas, como regra, possuem uma

organização empresarial, com hierarquia estrutural, divisões de

funções e sempre direcionadas ao lucro. Elas possuem algo mais

do que um programa delinqüencial. Consubstanciam-se em um

planejamento empresarial (custos das atividades e de pagamento

de pessoal, recrutamento de pessoas etc.) com firmas

constituídas formalmente ou não. Quanto mais rica e firmemente

estruturada a organização, menores os riscos nas suas atuações.

Ao tecer comentários sobre as características do crime

organizado, GOMES [2000, p. 05] anota:

Assumem, ainda, importante destaque, como traços

característicos do crime organizado, a utilização de meios de

violência para a intimidação de pessoas ou exclusão de

obstáculos, com a imposição do silêncio que assegura a

clandestinidade, ocultação e impunidade das ações delituosas

praticadas e o que de maior relevo para o objeto deste trabalho: a

conexão estrutural ou funcional com o poder público ou seus

agentes, ingrediente necessário para assegurar sua existência e o

sucesso de suas atividades, bem como possibilitar o alcance de

outros de seus objetivos, a obtenção, manutenção e ampliação do

poder.

No escólio de CERQUEIRA [2002, p. 51], também sobre os

pressupostos característicos da macrocriminalidade:

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Trata-se, primeiramente, do fato de que as vítimas da nova

criminalidade não se localizam, necessariamente, junto ou nas

proximidades do sujeito ativo, podendo se situar em locais

distantes de onde foi praticado o delito e distantes de onde se

encontre o autor. Portanto, autor e vítima podem se achar

fisicamente em locais diversos e longínquos, mesmo no momento

da consumação do delito. Por derradeiro, a nova criminalidade

reúne, eventualmente, a singularidade do emprego da corrupção,

especialmente de membros do poder público, para a consumação

de certas práticas delituosas.

E, agora, utilizando a definição dada pelo FBI (Federal

Beareu of Invetigation) norte-americano, declina MENDRONI [2002, p.06]:

Qualquer grupo tendo algum tipo de estrutura formalizada cujo

objetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades

ilegais.Tais grupos mantêm suas posições através do uso de

violência, corrupção, fraude ou extorsões, e geralmente têm

significativo impacto sobre os locais e regiões do País onde

atuam.

Por fim, MENDRONI [2002, p. 06] menciona o conceito

utilizado pela Interpol (Polícia Internacional):

Qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo

principal objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades

ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor e a prática de

corrupção.

Sobre o desenvolvimento da atual delinqüência organizada,

GULLO [2001, p. 08] assinala:

[...] a tendência da delinqüência atual é desenvolver sua atividade

ilícita de maneira organizada e planificada, e passar, sob esta

forma, da ação violenta à sub-reptícia, buscando mediante a

corrupção e o assessoramento, apoio legais, policiais e políticos.

O incremento da delinqüência se produz principalmente nos

países mais desenvolvidos, de melhor nível econômico, industrial

e urbano. E no relativo à delinqüência econômica, se afirma a

característica sobressalente de sua impunidade, ao ponto de que

as estatísticas nunca refletem a realidade de sua extensão.

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Percebe-se, pois, ser tarefa árdua conceituar o crime

organizado, não se admitindo, ante sua amplitude, apenas uma definição

doutrinária acerca dos mecanismos de atuação das organizações criminosas.

Em que pese o entendimento doutrinário, observa-se a

existência de uma definição legal sobre o que seria o crime organizado,

precipuamente quando o Brasil, ratificando a Convenção das Nações Unidas

(ONU – Organização das Nações Unidas) contra o crime organizado

transnacional, promulgou o Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.

Infere-se do artigo 2º, alínea “a” do diploma acima indicado:

“Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais

pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente

com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou

enunciadas na presente Convenção, com a intenção, de obter,

direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro

benefício material.

Importante, ainda, transcrever as definições de outros

termos associados à definição de grupo criminoso organizado, dispostas

respectivamente no artigo 2º, alíneas “c”, “d” e “e” do mesmo texto normativo,

senão veja-se:

c) “Grupo estruturado” – grupo formado de maneira não fortuita

para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus

membros não tenham funções formalmente definidas, que não

haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma

estrutura elaborada;

d) “Bens” - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos,

móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou

instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros

direitos sobre os referidos ativos;

e) “Produto do crime” - os bens de qualquer tipo, provenientes

direta ou indiretamente, da pratica de um crime;

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11

Observa-se então, a existência de uma definição legal

acerca do crime organizado, o que vem corroborar sobremaneira a prevenção e

persecução criminal da delinqüência organizada.

1.3 DISTINÇÃO ENTRE A CRIMINALIDADE CLÁSSICA E A

MACROCRIMINALIDADE ECONÔMICA

A macrocriminalidade atinge interesses transindividuais,

sendo que a coletividade acaba por ser a grande vítima de sua sofisticada

conjuntura criminal, cujos autores delitivos atuam mediante contínuo emprego e

aperfeiçoamentos tecnológicos. Assim, não há se falar em vítimas

individualizadas, como ocorre na tradicional criminalidade.

A pouca visibilidade das ações delitivas praticadas na esfera

macrocriminal é um traço característico da moderna criminalidade intrínseca no

contexto social, cujas vítimas não mais são atingidas unilateralmente por um

simples criminoso, ao contrário, são os agentes de maior periculosidade e

inteligência que ionizam-se à finalidade de atuações bem elaborada, de poucos

vestígios, colocando obstáculos à investigação criminal.

Noutro norte, a criminalidade clássica, também referida

como microcriminalidade, atinge bens jurídicos individuais e, por isso, ao contrário

da macrocriminalidade, deixam maiores evidencias no que concerne à autoria e

materialidade delitivas, logo, goza de maior repúdio social, pelo simples fato de

possuir maior visibilidade.

Sobre a distinção entre os modos de criminalidade,

LAVORENTI [2000, p. 17] aponta:

Ao simplificarmos e adotarmos uma divisão doutrinária da

criminalidade, em microcriminalidade e macrocriminalidade,

entendendo-se a primeira como sendo a criminalidade visível, não

organizada, e que diz respeito aos delitos comuns, que ocorrem

diariamente em todas as classes sociais, e a segunda espécie

como sendo uma criminalidade estruturada e pouco transparente

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(crime organizado, “colarinho branco”), perceberemos que,

atualmente, os instrumentos jurisdicionais de atuação podem ser

válidos para a primeira espécie de criminalidade, mas não são

adequados para a segunda, que possui métodos de atuação e

organização totalmente diferenciados.

Por sua vez, CERQUEIRA [2002, p. 51] aduz:

A criminalidade tradicional, conforme se reconhece com facilidade,

é aquela para cujo controle, dentro dos estritos limites da lei, foi

concebido, inicialmente, no Direito Penal Iluminista. Seu exame

revela que produz um número limitado de vítimas, as quais, via de

regra, são perfeitamente reconhecíveis podendo-se distingui-las e

até nomeá-las. Além disto, permite que se possa perceber a

existência de um vínculo entre o autor e a vítima, possibilitando,

na maior parte das transgressões penais, que através da

investigação deste vínculo se desvende a autoria do ilícito

praticado.

E ainda arremata CERQUEIRA [2002, p.53]:

Hordienamente, nota-se uma clara dicotomia entre a criminalidade

tradicional ou massificada, caracterizada pelo emprego de

violência física, imediatidade e pessoalidade em suas ações e as

novas espécies de comportamentos criminosos, caracterizados

pelo emprego de alta tecnologia, esmerada astúcia, anonimato e,

especialmente, diluição de seus efeitos [...].

Outrossim, FERNANDES [2002, p. 505] ensina:

A microcriminalidade é aquela resultante do clima de adversidade

e mesmo violência que impregna a desvairada sociedade de

consumo, suscitando injustiças sociais e desigualdades

econômicas, além do taciturno horizonte de niilismo em que a vida

perde seu significado maior e pouco ou nada representa. Ao

contrário da macrocriminalidade, a microcriminalidade é sempre

mais visível e diz respeito aos delitos corretivos, violentos ou não,

que, isoladamente, em todas as camadas sociais, acontecem de

dia e de noite, durante todas as horas (latrocínio, homicídio,

lesões corporais, roubo, furto, estupro, ameaça, estelionato,

calúnia, injúria etc.). Inescondível, contudo, que existe uma

significativa associação entre microcriminalidade violenta e a

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miséria socioeconômica, consubstanciando um cenário opressor e

de verdadeira segregação moral.

No que diz respeito ao critério de distinção entre a

criminalidade clássica e a macrocriminalidade disserta SILVA [1980, p.10]:

[...] distinguiremos entre a criminalidade tradicional –

microcriminalidade, e a criminalidade avançada –

macrocriminalidade, uma vez que esta se contrapõe àquela,

máxime sob considerações de tamanho, intensidade e natureza,

dela fazendo um agregado bastante diferenciado da antiga. Ao

passo que esta se externava em atos isolados, fruto o mais das

vezes de impulso súbito do agente, a macrocriminalidade se

apresenta sob formas empresariais, produtos da organização e da

cooperação dos criminosos, que copiam por assim dizer os

métodos dos empresários, à diferença dos criminosos de ímpeto,

ou improvisados, que agiam como artesões.

Interessante notar como característica da criminalidade

hordiena, a atuação dos denominados criminosos profissionais, que

contrariamente aos autores da criminalidade tradicional, ocupam posição de

destaque na sociedade, apresentando-se como pessoas de conduta ilibada, não

raras vezes prestando ações sociais, corroborando a promoção da auto imagem.

E neste sentido, aponta CALLEGARI [2001 p.11] aduz:

Outro fator que deve ser mencionado é que geralmente a pessoa

que comete um delito econômico tem uma boa imagem perante a

sociedade, pois habitualmente são pessoas que colaboram com

instituições de caridade, educacionais. Assim, a imagem que se

tem deste tipo de criminoso é positiva, como se as boas obras

compensassem o delito praticado.

Já LAVORENTI [2000, p. 11] aduz:

Ao lado dos criminosos que freqüentam as páginas policiais da

imprensa e destacam-se pela destreza ou violência e que, como

garantia de impunidade, e melhor forma de estratégia,

eventualmente associam-se para cometer seus desideratos

criminosos, encontram-se criminosos que mimetizam atividades

econômicas normais e apresentam-se como homens de sucesso

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com organizações empresariais multifárias e que se

especializaram em economia globalizada.

Conclui-se, portanto, que distintamente da criminalidade

clássica, a macrocriminalidade atinge bens transindividuais, podendo sr

considerada uma criminalidade refinada, técnica e emoldurada pela habilidade e

inteligência de seus atores, garantindo uma atuação de difícil identificação e

pouca visibilidade social.

1.4 VITIMIZAÇÃO DIFUSA

Importante a análise no que concerne aos enfoques das

singularidades apresentadas pelas vítimas na macrocriminalidade e, assim,

consoante assevera CERQUEIRA [2002, p. 59] “a primeira e fundamental

característica da nova criminalidade e que, portanto, a distingue da criminalidade

tradicional, é sua capacidade de produzir algo definido pelo neologismo

vitimização difusa”.

E destaca CERQUEIRA [2002, p.60]:

[...]algumas práticas ilícitas causadoras da vitimização difusa são

possibilitadas pelo emprego de modernas tecnologias, como é o

caso de computadores da utilização da Internet, e do trabalho de

telefonia celular, entre outros meios de comunicação[...]

Nos macrocrimes econômicos, a lesividade patrimonial não

incide potencialmente em vitimas individualizadas, posto que os danos advindos

das atividades ilícitas atingem diretamente a ordem econômica estatal, causando

prejuízos alastrantes à sociedade, retirando de famigerados o direito a

dignidade.Contudo, a pouca visibilidade das danosidades provenientes de tal

prática delituosa, não conduzem a coletividade ao repúdio aos clamores de uma

reação adequo-social, recaindo ainda hoje a atenção sobre os delitos tradicionais,

cujos vestígios são de fácil identificação e maculados pelo emprego de violência

contra vítimas individuais.

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Neste sentido, colaciona-se o entendimento de HASSEMER

[2001, p.45]:

Esse tipo de criminalidade não tem vitimas individuais, ou melhor,

as vitimas individuais só existem de forma mediata. Toda

criminalidade moderna, de regra, não tem vítimas

individualizadas.; as vítimas são ou o Estado ou comunidades,

como o caso da Comunidade Européia.

Na mesma esteira, leciona LAVORENTI [2000, p.16]:

Hordienamente continua-se a proteger pessoas e seus bens

naturais e individuais; contudo, o sistema penal passa a se

preocupar com bens que são impessoais e complexos como, por

exemplo, as relações de consumo [...]

Percebe-se , então, que a vitimização difusa é uma nota

inerente ao fenômeno criminógeno macrocriminalidade, firmado sob o manto da

invisibilidade e inexistência de um sujeito passivo determinado, vez que essa

nova criminalidade lesiona a coletividade por um todo, atacando a ordem

socioeconômica, fator este, desencadeador de desigualdades sociais de longa

escala.

1.5 CONEXÃO COM O PODER PÚBLICO

Não se pode olvidar que dentre as práticas delitivas

atinentes ao crime organizado, existem, efetivamente, várias ligações com o

Poder Público que, através de seus agentes, facilitam a conduta delituosa das

organizações e, até mesmo, estão intrinsicamente ligados à composição dessas

verdadeiras facções criminosas.

Além disso, sabe-se que, por vezes, a ligação dos

delinqüentes de organizações criminosas, não fica restrita aos agentes públicos,

mas também aos órgãos de vários setores do Poder Público.

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A necessidade de conexões na rede do crime organizado

deita raízes nos vários objetivos que este persegue, mas que, em síntese,

resume-se na obtenção de poder, alcance de um mercado de reciprocidade e

impunidade ou manutenção da clandestinidade de seus negócios. [FERNANDES

GOMES, 2000, p. 08]

Preleciona FERNANDES GOMES [2000, p. 08]:

A força e a violência são meios que não interessam, a princípio,

pois acabam por atrair indesejável atenção da imprensa, de parte

das autoridades e da própria população que sempre exerce

influência nas iniciativas dos políticos. Se ambas, de alguma

forma, possuem inegável aptidão para intimidar, por outro lado

podem gerar repulsa, revolta e conseqüente ação inesperada e

contrária.

No entender de CAVINATO [1997, p. 118]:

A corrupção e a infiltração, em órgãos ou autoridades do poder

público, parece ser um dos pontos vitais das organizações

criminosas, que tanto podem daquele fazer parte integrante, direta

ou indiretamente, como podem se favorecer das benesses,

conivência e cobertura que ele pode oferecer.

Já CERQUEIRA [2002, p. 67] aduz:

O poder público tem se tornado presa fácil da corrupção

promovida pela nova criminalidade, conforme se observa pelo

noticiado através da mídia do mundo todo. Não há dúvidas de que

estratégias no sentido de obtenção de colaboração de

governantes e outros detentores do pode público têm sido

desenvolvidas pela nova criminalidade [...]

Outrossim, no entender de SZNICK [1997, p. 24] “é a

organização criminosa ligada a setores do Estado (político e policial) formando

uma cultura de corrupção, de maneira sistemática e globalizante, constituindo-se

em um ponto nevrálgico para o crime organizado”.

Explana, ainda, SZNICK [1997, p.] :

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Essa cultura chega a uma interrelação, no mais das vezes

funcional e, até, estrutural, com o Poder Público e seus agentes

(político, membros da cúpula da Polícia e, até, por influência do

Poder Judiciário). As funções do Estado acabam, em uma

simbiose quase perfeita, a se confundir com os interesses da

criminalidade organizada quer pelos envolvimentos que enleiam,

como círculos concêntricos, as atividades de ambos, quer pelo

poder de influência que a organização envolve o Estado (com

seus eleitos – deputados e senadores – constituindo um lobby),

quer pelo próprio poder de corrupção do grupo, com a ajuda

financeira para eleger membros do Parlamento e do Executivo

(desde prefeitos até governadores). Há uma contaminação de

atividades do grupo criminoso que os agentes públicos acabam

defendendo.

Registre-se que, como já asseverado, o crime organizado,

dependendo de seu grau de desenvolvimento, acaba por formar uma conexão

com o Poder Público, quer pelo alto poder de corrupção, quer em virtude de sua

grande influência e, nesse sentido, GOMES [2000, p. 97] ensina:

Pode dar-se que da própria estrutura da organização tomem parte

agentes do Poder Público. Pode ocorrer, de outro lado, que seu

funcionamento seja favorecido pelo Poder Público. Em ambas as

hipótese temos um sinal patente de organização criminosa, que,

para alcançar a impunidade, busca a todo custo união com os

poderes estabelecidos (políticos e/ou jurídicos).

Extraí-se dos apontamentos de LAVORENTTI [2000, p. 23]:

Em algum momento, a organização criminosa procura a simbiose

com o Estado e acaba por encontrar um reduto no próprio

arcabouço estatal, não se tornando um poder paralelo, mas

usufruindo o poder oficial e garantindo, assim, sua impunidade e

otimização de trabalho. A organização criminosa não objetiva a

busca do poder estatal, mas o comprometimento dos agentes

públicos e infiltração dos seus homens, influenciando e,

dependendo de sua força e desenvolvimento, até determinando

postura e condutas oficiais que favoreçam a organização que

desfrutará, de forma oculta e sub-reptícia, as benesses ofertadas.

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Existem variadas formas de conexão das facções criminosas

organizadas com o Poder Público e seus agentes, desde indiretas como o

financiamento de campanhas políticas e pela corrupção que se dá através do

pagamento em dinheiro de suborno ou propina. Já as formas diretas traduzem-se

pela inserção de profissionais em áreas específicas das estruturas estatais, bem

como pela utilização dos chamados intermediários – figura aparentemente neutra

que faz a intermediação de interesses – e, a principal das formas, deveras, a mais

nociva, que é a formação criminosa dentro do próprio Poder Público,

transmudando-se em verdadeiro braço criminoso do Estado, popularmente

conhecido como “banda podre”. [FERNANDES GOMES, 2000, p. 12]

Outrossim, objetivamente, SZNICK [1997, p. 25] anota:

Há a colaboração direta com o crime organizado de duas

maneiras: favorecimento – ainda nessa área, o funcionário

favorece, ajuda, “fecha o olho”, colabora, dentro das suas funções;

participação – é a fase mais aguda, da corrupção, em que o

agente toma parte ativa, participa da organização criminosa

diretamente, como membro da mesma. Nesse último caso, é que

a cultura da corrupção atinge seu ponto mais alto.

Uma vez angularizada a conexão da delinqüência

organizada com vários órgãos do Poder Público, associação criminosa passa a

usufruir de facilitações do poder estatal, sendo quase inconcebível dissociar a

atuação macrocriminalidade econômica sem a sua mácula da capacidade de

corrupção e participação obscura do estado em sua estrutura conjetural.

1.6 MODUS OPERANDI

Imprescindível a análise da forma de atuação das

organizações criminosas, conhecido como modus operandi que, no conceituar de

PLÁCIDO E SILVA [2002, p. 537] “é o modo de agir, de operar, em terminologia

jurídica”.

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A estrutura organizacional de uma associação criminosa

vale-se de um complexo de operações executadas por profissionais

especializados que agem sob liderança , atuando sob divisões de tarefas e grau

de hierarquia, em um plano-diretor delineado similarmente a uma empresa. Para

tanto, empregam o uso de avançados recursos tecnológicos, obstando as

investigações policiais.

Ao tecer comentários sobre a forma de atuação do crime

organizado, SZNICK [1997, p. 23] afirma que é “estruturada (como uma empresa),

com liderança, usando da violência para aglutinar o grupo, a organização

criminosa tem nesses pontos a sua base organizacional”.

E, ainda, aduz SZNICK [1997, p.]:

O modus operandi de um grupo organizado criminoso, [...] se

baseia no uso de profissionais, o emprego de subdivisão de

tarefas e encargos, e, como anotado, usando de profissionais não

só competentes mas de nomeada (médicos, advogados,

economistas, consultores, entre outros).

Registra BETTI [2000 p. 27]:

Os critérios de divisão e avaliação do trabalho numa organização

empresarial dificultam a detectação e prova dos ilícitos penais ali

cometidos, favorecendo a impunidade. A pessoa jurídica tem, com

certeza a finalidade de realizar atividades lícitas, mas no

desenvolvimento de suas operações podem estar encobertos

comportamentos delitivos. Nessas condições, é difícil imputar-se a

um alto diretivo um procedimento criminoso realizado no seio da

organização e executado por empregados.

No tocante aos sofisticados meios tecnológicos empregados

pela delinqüência organizada na consecução delitiva GOMES [2000, p. 95] leciona:

O crime organizado caracteriza-se também, muitas vezes, pela

sofisticação tecnológica dos meios operacionais. Valem-se de

meios de informática e de telecomunicação que nem mesmo o

Estado possui. Aparelhos parabólicos de escuta telefônica a

distancia, circuitos internos e externos de televisão, aparatos de

comunicação telefônica e radiofônica intercontinentais, câmeras

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fotográficas auxiliada por raio laser, teleobjetivas, gravadores

capazes de captar sons a grande distância, atravessando

inclusive paredes, comunicação por microondas ou satélites etc.

As formas de atuação da criminalidade organizada são

revestidas de técnicas e recursos tecnológicos de complexo grau operacional,

caracterizando-se pela distribuição de tarefas em patamares hierárquicos, e

constantes mutações que influem diretamente na formação de sua base

estrutural, logo, na configuração de novas atividades ilícitas.

1.7 ESTRUTURA HIERÁRQUICA

Como a própria acepção do termo estrutura permite concluir,

ou seja, a forma como algo se organiza, nas associações criminosas não poderia

deixar de existir uma estruturação propriamente dita, resultando em uma escala

hierárquica, com divisões de tarefas nos mais diversos níveis de atuação.

No escólio de MENDRONI [2002, P. 06], a estrutura das

organizações criminosas divide-se em graus hierárquicos sob os seguintes

aspectos:

As organizações criminosas tradicionais revelam estrutura

hierárquico-piramidal (chefe, sub-chefes, gerentes e aviões) com

no mínimo três níveis; Chefes: pessoas que ocupem cargos

públicos importantes, que possuam muito dinheiro, posição social

privilegiada por qualquer razão, etc...., podendo conter chefe, na

posição suprema da organização e sub-chefes logo abaixo e no

mesmo nível; mas, adotando um sistema presidencialista”, apenas

um comandará.Os sub-chefes existem, basicamente”, para

transmitir as ordens da chefia para os gerentes e tomar decisões

na sua eventual ausência.Os chefes e sub-chefes quase nunca

aparecem, pois comandam através de “testas de ferro” ou

“laranjas” que, na maioria das vezes, coincidem com as pessoas

dos gerentes, prejudicando sobremaneira a produção de prova

criminal contra eles; Gerentes: pessoas de confiança do chefe,

com capacidade de comando, a quem aqueles delegam algum

poder. Recebem as ordens da cúpula e as repassam aos Aviões

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[..] Os gerentes servem também, na maioria das organizações,

como “testas de ferro” ou “laranjas”.Transações são realizadas em

seus nomes, empresas são abertas em seus nomes (com a

finalidade de lavagem de dinheiro); são aqueles que para todos os

efeitos, emitem ordens, protegendo, fielmente a figura de seus

chefes [...]

Da lição de SZNICK [1997, p.23] colhe-se:

Liderança - Na estrutura do crime organizado, a mesa se compõe

de grupos, subgrupos, grupo menor, além da cúpula, com os

principais e o “chefão”, numa divisão herdada da máfia italiana,

passando pela norte-americana. Dentro desse esquema, a

organização precisa de cooperação de muitos especializados que,

se não a integram, dão assessoria [...]

E arremata o mesmo autor:

Da necessidade de dividir, conforme as tarefas, em grupos, surge,

de um lado a liderança e, de outro, a subordinação, que se

constitui na hierarquia. Uma hierarquia que, nascida natural, hoje

se apresenta como estrutural, pois integra a organização desses

grupos, especialmente os maiores e bem sucedidos. A hierarquia

faz com que esses grupos operem como verdadeiras empresas.

No que concerne aos característicos atinentes ao

planejamento das organizações criminosas, a estrutura hierárquica geralmente

está compilada como um dos elementos basilares de sua formação. Todavia, há

que registrar que nem sempre será constatada uma formação hierarquizada nas

associações criminosas, mas, quando detectada, configura, inequivocamente, um

forte indício de algo organizado. [GOMES, 2000, p.95]

Com estrutura interna rígida e respeito dos subordinados

aos seus “chefes”, as facções do crime organizado praticam as atividades ilícitas

em um esquema tipicamente empresarial, utilizando-se de pessoal altamente

capacitado, que por sua vez, obedecem aos desígnios de um comando superior ,

na consecução das operações traçadas em um panorama delinqüencial.

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1.8 CARÁTER TRANSNACIONAL

Dentre as características mais expressivas das organizações

criminosas na atualidade, merece destaque como traço distintivo de suas

peculiaridades, a tendência cada vez mais acirrada de sua internacionalização,

aliando entre outros fatores preponderantes a sua expansão territorial a facilidade

dos meios de comunicação, a globalização dos mercados na circulação de bens

e serviços entre nações e o rompimento das fronteiras geográficas.

Anota SZNICK [1997, p. 27]:

Ademais, uma das características da criminalidade organizada

moderna é o não respeito pelo espaço físico: respeitam-se de

acordo com as atividades que exercem, e um grupo local, logo

passa a regional, estadual e nacional. Enquanto o grupo é

pequeno, se local faz cooperação com o regional e estadual; à

medida que se amplia se contacta com grupo de maior

abrangência espacial. A tendência cada vez mais é de

internacionalização de grupos criminosos, conservando da origem

apenas o nome (Cartel de Cali, de Medelin).A facilidade das

comunicações, o término das fronteiras geográficas, a economia

globalizada são fatores que fornecem a internacionalização do

comércio e, porque não dizer, da criminalidade também, que se

apresenta como um negócio.

E continua Sznick [1997, p.]:

Daí que o crime organizado adquire um caráter internacional já

que não respeita mais fronteiras, realizando colaboração e

conexão com ao mais diversos grupos, de outros países. E, dentro

desse grupo de colaboração, as organizações no que se refere a

estrutura, modo de atuação, objetivos e assemelha a troca de

experiências e de membros das mesmas. Fornecem material,

apoio logístico e ate seus elementos para atividades não só em

conjunto, mas de cooperação com o outro grupo [...]

Dos ensinamentos de GOMES [1997, p.77] extrai-se :

São grupos que atuam universalmente, favorecidos hoje pela

globalização da economia, comércio livre, desenvolvimento das

telecomunicações, universalização financeira, colapso do sistema

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comunista, unificação das nações (que provoca rompimento das

fronteiras) etc [...].

O caráter supranacional é a marca mais importante dos

delitos do crime organizado, desenvolvendo-se em ambiente macro, as operações

ilícitas não limitam-se a fronteiras geográficas estatais, estendendo suas

atividades por diversos países, face as facilidades de comunicação e integração

das relações econômicas entre nações, provenientes de um modelo econômico

global.

1.9 DO EMPREGO DE VIOLÊNCIA

No que concerne ao emprego da violência, as organizações

criminosas a utilizam, via de regra, como meio de fazer surtir os efeitos de seu

alto poder de intimidação. Entretanto, à medida que as facções evoluem, a

utilização de meios violentos tendem a ser praticada tão somente em ultima

instancia, quando esgotados outros recursos praticados sem êxito. No dizer de

MENDRONI [2002, p. 20]:

O uso da violência é aceitável e utilizado sempre e quando seja

necessário para que o objetivo seja alcançado. Todavia, é

normalmente determinado pelo(s) chefe(s). A ordem é

especificada quanto a pessoa a cumprir, contra quem deve ser

executada a violência e a maneira de execução.Em uma

organização bem estruturada este expediente é utilizado último

recurso, precedendo-lhes as ameaças e corrupções - sempre que

possíveis.Isto porque a prática de crimes violentos causa repulsa

por parte da população e dos investigadores, fazendo nascer um

sentimento de revolta que dá propulsão ao ânimo da própria

investigação e alimentando a vontade de atuação firme da justiça.

Os assassinatos, quando acontecem, na grande maioria das

vezes, seja pela própria ação criminosa seja por “queima de

arquivo” da testemunha chave, são praticados geralmente sob

“dissimulação” ou executados de forma a deixar poucos vestígios

de autoria.

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Destarte, verifica-se que o uso de violência no crime

organizado associa-se a garantia de ordem interna entre seus membros,

especificamente o dever de fidelidade dos subordinados aos seus superiores

hierárquicos, e por vezes também utilizada como forma de asseverar sua

influência na conexão com o poder público.

Após breves apontamentos inerentes à macrocriminalidade

econômica e a estrutura dessas organizações criminosas, dessume-se a

necessidade de transmutação do lucro proveniente de atividades ilícitas em

justificável enriquecimento lícito, o que torna imprescindível camuflar a origem

obscura do montante arrecadado mediante a lavagem de dinheiro, que será

objeto de estudo do Capítulo 2.

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CAPÍTULO 2

LAVAGEM DE DINHEIRO COMO MACROCRIME ECONÔMICO

2.1 LAVAGEM DE DINHEIRO

A globalização econômica possibilitou a difusão desenfreada

de práticas delituosas, que aliadas a artifícios de sofisticados recursos

tecnológicos dinamizam e favorecem o crescimento dos macrocrimes, que

operam ilícita e organizadamente sob a forma de empresas criminosas,

congregando uma atuação livre, sem maiores impedimentos e em breve espaço

de tempo entre fronteiras geográficas.

Dentre as formas de criminalidade que permeiam a

sociedade contemporânea, o fenômeno da lavagem de dinheiro, também

denominada branqueamento de capitais, assola o mercado econômico financeiro

mundial, pondo em risco a ordem econômica de diversos países, alvos de

poderosas facções do crime organizado, que movimentam uma economia negra

em escala gigantesca e, por conseguinte, disseminando a desigualdade social.

A lavagem de dinheiro, como a própria acepção do termo

confere, constitui um processo ilustrado de “limpeza” de dinheiro sujo em capital

lícito, transformando a origem ilícita de numerários obscuros em dinheiro limpo.

Neste sentido, colaciona-se a anotação de MENDRONI [2006

p. 08]:

Tendo em vista que a operação se caracteriza pela transformação

do dinheiro sujo em limpo – simulação de licitude de ativos

originados de um crime -, geralmente se utilizam na definição

vocábulos que denotam limpeza.

Embora congratulada pelo uso, a denominação “lavagem de

dinheiro” invoca divergências entre doutrinadores, argumentando-se que a

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expressão nominada ao crime não designa um significado fiel ao que

efetivamente o delito representa.

Como assinala BARROS [1998, p. 05]:

Convém consignar que nomen iuris – denominação legal – do tipo

penal é decorrência de uma opção do legislador, pois a

denominação legal lavagem (substantivo feminino) não é uniforme

entre paises que já tipificaram a conduta.Assim, na França e

Bélgica fala-se em Blanchiment d’ argent; na Espanha o crime é

conhecido como Blanqueo de dinero; em Portugal chama-se

Branqueamento de dinheiro; estes são os paises que designam

os crimes tendo em vista o resultado da ação. Fazendo parte de

outro grupo, há os que adotaram, como critério definidor, a

natureza da ação praticada, partindo do verbo referido no tipo

penal (lavar).Entre os paises que preferiram essa forma de

denominação estão os de língua inglesa, que o denominam

Money laundering ; a Argentina, Lavado de dinero; a Suíça,

Blanchissage d’argent; a Itália (Riciclaggio).

O artigo 1º da Lei 9613, de 03 de março de 1998 define a

lavagem de dinheiro como ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos e valores

provenientes direta ou indiretamente de crimes

Ao definir a lavagem de dinheiro ALVARENGA afirma:

O conceito de lavagem de dinheiro enfrenta pouca divergência na

doutrina estudada. Sabe-se que envolve recursos provindos de

atividades ilegais, e que a finalidade primordial é disfarçar tal

origem ilícita e integrar o dinheiro no sistema bancário ou

negocial. São, portanto, elementos essenciais para que se

configure a lavagem de capitais a existência de atividade ilícita

prévia, que gere lucros, e que haja a preocupação em se disfarçar

a origem destes lucros através de transações que evitem o

rastreamento de sua origem[...]

Já LILLEY [2001, p.17] leciona:

“A lavagem de dinheiro é o método por meio do qual os recursos

provenientes do crime são integrados aos sistemas bancários e ao

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ambiente de negócios do mundo todo : o dinheiro’negro’ é lavado

até ficar mais branco (de onde decorre a esclarecedora

denominação francesa blanchiment d’ argent – alvejamento de

dinheiro).é através desse processo que a identidade do dinheiro

sujo – ou seja, a procedência criminosa e as verdadeiras

identidades dos proprietários desses ativos - é transformada de tal

forma que os recursos parecem ter origem legítima.As fortunas

criminosamente amealhadas, mantidas em locais e/ou moedas

instáveis são metamorfoseados em ativos legítimos que passam a

ser mantidos em respeitáveis centros financeiros. Dessa forma, as

origens dos recursos desaparecem para sempre e os criminosos

envolvidos podem colher os frutos de seu (des) honrados

esforços. O dinheiro é sangue vital de todas as atividades

criminosas; o processo de lavagem de dinheiro pode ser encarado

como o coração e os pulmões de todo o sistema, já que permitem

que o dinheiro seja depurado e colocado em circulação pelo

organismo todo, garantindo assim sua saúde e sobrevivência.”

Utilizando a definição dada pelo Financial Crime

Enforcemente Networks (FinCen7), comenta MENDRONI [2006, p.07]:

“A lavagem de dinheiro envolve dissimular os ativos de modo que

eles possam ser usados sem que se possa identificar a atividade

criminosa que os produziu. Através da lavagem de dinheiro o

criminoso transforma recursos monetários oriundos da atividade

criminal em recursos com uma fonte aparente legitima.”

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF)

define:

Lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso

transforma recursos ganhos em atividade ilegais em ativos com

uma origem aparentemente legal. Essa prática geralmente

envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos

ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem

comprometer criminosos. .A dissimulação é, portanto, a base para

toda operação de lavagem de dinheiro proveniente de um crime

antecedente.

7 Unidade de Inteligência dos Estados unidos da América.

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Acerca do delito de lavagem de dinheiro registra o Conselho

da Justiça Federal [2002, p. 25]:

Esse crime configura-se como um processo de transformação de

uma renda cuja origem é criminosa, em fontes aparentemente

lícitas. Sem dúvidas, trata-se de um crime que atinge tanto a

ordem jurídica, como as empresas legítimas e, em última analise,

afeta a organização da economia dos países.

Em resumo, lavar dinheiro significa reciclar produto de crime

em dinheiro aparentemente lícito.

Ainda que não se possa dispor de estatísticas precisas

acerca do numerário negro manuseado pelos lavadores de dinheiro, estima-se

que a circulação de dinheiro sujo transitando em sistemas financeiros mundiais

ultrapassa o montante de um trilhão de dólares, superando o PIB de diversos

países desenvolvidos, o que torna vulnerável a segurança econômica e financeira

da quase totalidade das nações mais ricas do mundo. [BARROS, 1998, p.04]

Merece transcrição os seguintes dados extraídos da

reportagem realizada pelo Jornal do Brasil, de 13.07.2003, quando o jornalista

KISCHINHEVSKY informou:

“Dois terços dos recursos mantidos por brasileiros no exterior

estão em paraísos fiscais.São US$ 40,127 bilhões, dinheiro

equivalente aos valores de mercado da fabricante Ford e do

banco Santander, somados. Estes são os dados oficiais, do

próprio Banco Central, e parte desse montante tem origem

perfeitamente legitima. Na verdade, a fortuna verde-amarela que

transita pelo exterior é bem maior.O Brasil figura numa incomoda

20 posição no ranking dos principais paises de origem do dinheiro

sujo, remetendo ao exterior anualmente US$ 16,7 bilhões para

serem lavados . No topo da lista, os Estados Unidos, com 46,3%

de todos os recursos ilícitos do planeta, com US$ 1,32 trilhão. Em

todo o mundo, são movimentados clandestinamente US$ 2,85

trilhões.”

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Observa-se, então, que o delito da lavagem de dinheiro é

uma preocupação de toda a sociedade internacional, possuindo na maioria das

vezes como agentes da infração as associações criminosas.

Para MENDRONI [2006, p.10]:

As organizações criminosas operam sempre sobre o eixo dinheiro-

poder. O dinheiro atrai o poder e vice-versa. Assim, pode-se dizer

que toda organização precisa e necessariamente pratica a

lavagem de dinheiro, mas o inverso não é sempre verdadeiro, pois

nem sempre quem lava dinheiro pertence a uma organização

criminosa.É possível imaginar um funcionário publico que recebe

alto valor de corrupção e pratica algum ato de ocultação ou

dissimulação, o que significa que, sem pertencer a organização

criminosa qualquer, praticou a lavagem de dinheiro.

E, ainda, acerca da correlação entre o crime organizado e a

lavagem de dinheiro aponta MENDRONI [2002, p.26]:

Embora não sejam casos exclusivos, os crimes de lavagem de

dinheiro são normalmente decorrentes das atividades das

Organizações Criminosas, pois estas necessitavam lavar dinheiro

e, conseqüência disto – obterão a estrutura necessária para tanto.

Portanto, impossível conceber que volumosa monta

procedente de atividades ilícitas praticadas pelo crime organizado retornem ao

circuito de capitais sob aparente legitimidade sem que em parte, ou em grande

parte, justifiquem-se pela lavagem de dinheiro.

Outra nota de destaque entre as principais características da

lavagem de dinheiro está ligada à internacionalidade do delito, favorecida pelo

mercado de capitais globalizado e os avanços cibernéticos que, deveras, facilitam

a realização de transações internacionais on-line entre todas as partes do mundo

financeiro. Assim, pode-se afirmar que os mentores do delito podem estar à longa

distancia do local da ação delituosa perpetrada.

Neste sentido CALLEGARI [2003, p. 41] discorre:

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[...] a lavagem de dinheiro tem como uma de suas características

o fato de ser um delito internacional e assim exigir um tratamento

especializado.Daí que as técnicas e os procedimentos de lavagem

devem ser necessariamente sofisticados no sentido de poderem

elidir a ação dos paises que os combatem,e devem cambiar e

evoluir continuamente na medida que seus organismos

encarregados de sua expressão vão identificando e neutralizando

as vias já existentes [...].

Como ilustra LILLEY [2001, p. 13]:

A globalização dos mercados e dos fluxos financeiros, é

evidenciada ao máximo na ascensão da Internet. A criação de um

mercado único significa que o dinheiro (não importa seu pedigree)

pode viajar ao redor do mundo em nanossegundos, tornando

assim lugar comum seus saltos sobre múltiplas jurisdições. A

lavagem de dinheiro virtual é uma realidade [...].

Para BARROS [1998, p.08]:

Os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens são

marcados por características próprias. De certo modo eles estão

integrados a um conjunto de atos que habitualmente não são

praticados em território de único país. Essa modalidade criminosa

pode ultrapassar- e a grande massa desses crimes ultrapassa – o

espaço territorial, marítimo e aéreo de soberania de qualquer

Estado.Trata-se de crime de crime que não curva a fronteiras, por

isso configura uma das múltiplas atividades criminosas

transfronteiriças, ou seja, uma infração penal que é típica da nova

onda de neocriminalização que nos últimos anos instalou-se no

mundo. Todavia, não quer isto dizer que os crimes de lavagem só

se caracterizem quando presente essa ligação internacional.

Deste modo, não pairam duvidas de que trata-se de

modalidade criminosa transnacional, cuja expansão encontra respaldo sobretudo

nos constantes avanços tecnológicos e nas sofisticadas operações realizadas

pelas grandes facções do crime organizado agregadas a viabilidade de (tendo

como pano de fundo as facilidades de) um cenário econômico global.

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2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES À LEI 9.613/98

Decorre da própria Exposição de Motivos nº 692/MJ, que,

por lógica, precedeu a Lei 9613/98 a soma de fatores que fez com que o poder

legiferante formulasse um diploma especifico sobre o combate à lavagem de

dinheiro, veja-se:

[...] 2. o Brasil ratificou, pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991, a

“Convenção contra o Trafico ilícito de Entorpecentes e de Substâncias

Psicotrópicas”, que havia sido aprovada em Viena em 20 de dezembro de

1988.

3.A aludida Convenção dispõe:

Art.3º Cada uma das partes adotará as medidas necessárias para

caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos

internacionalmente:

I) a conversão ou a transferência de bens...;

II) a ocultação ou o encobrimento...;

4. Desta forma, em 1988, o Brasil assumiu, nos Termos da Convenção,

compromisso de direito internacional, ratificado em 1991, de tipificar

penalmente o ilícito praticado com bens, direitos e valores oriundos do

narcotráfico

5. Posteriormente, coma participação do Brasil, a XXII Assembléia-Geral

da OEA, em Bahamas, entre 18 e 23 de maio de 1992, aprovou o

“Regulamento Modelo sobre o delito de Lavagem Relacionado com o

Trafico ilícito de Drogas e Delitos Conexos”, elaborado pela Comissão

Interamericana para o Controle do abuso de Drogas- CIDAD.

6. Em dezembro de 1994, Vossa Excelência, convidado pelo então

Presidente Itamar Franco, participou da “Cúpula das Américas” reunião

essa integrada pelos Chefes de Estado e de Governo dos Países

Americanos, no âmbito da OEA, realizada em Miami. Foi firmado, então,

um plano de ação prevendo que:

Ös Governos:

Ratificarão a Convenção das Nações Unidas sobre o Trafico de

Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sancionarão como

ilícito penal a lavagem dos rendimentos de todos os crimes graves.”

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7. Finalmente, em 2 de dezembro de 1995, em Conferencia Ministerial

sobre a Lavagem de Dinheiro e Instrumento do Crime, realizada em

Buenos Aires, o Brasil firmou Declaração de Princípios relativa ao tema,

inclusive, quanto à tipificação do delito e sobre regras processuais

especiais.

8.Portanto, o presente projeto se constitui na execução nacional de

compromissos internacionais assumidos pela Convenção de Viena de

1988.[...]

Nas palavras de MENDRONI [2006, p.15]:

A convenção de Viena teve, portanto, o propósito de gerar a

conscientização dos Estados de que, tendo a criminalidade

organizada tomado forma empresarial globalizada, seria

necessário o seu combate através de uma cooperação

internacional em relação às questões ligadas ao tráfico de

entorpecentes.

Percebe-se em um primeiro momento, que a luta contra a

lavagem de dinheiro teve marco inicial na Convenção de Viena, momento em que

a atenção da comunidade internacional voltou-se à união de esforços entre vários

países no combate e criminalização da lavagem de dinheiro, tendo como base

propulsora do delito, enriquecimentos indevidos (dinheiro, bens e valores) apenas

quando decorrentes do tráfico de entorpecentes ou drogas afins.

Os inaugurais diplomas legais acerca do tema são

considerados legislações de primeira geração, isso porque a tipificação da

lavagem de capitais limitava-se à conexão com o crime antecedente do tráfico de

drogas.

No transcurso do tempo, verifica-se a amplificação das

modalidades típicas precedentes a lavagem de dinheiro, listadas categoricamente

nas legislações, agora tidas como de segunda geração, e adotada por diversas

nações, dentre elas o Brasil, culminando com a elaboração da lei 9613/98.

Por derradeiro, sobrevieram as legislações ditas de terceira

geração, cuja criminalização da conduta da lavagem não necessita estar

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vinculada a um elenco de crimes antecedentes encartados em lei, bastando para

tanto, a correlação de qualquer delito antecessor a lavagem de dinheiro.

Sucintamente, Barros [2004, p.94] aduz:

Logo após a realização da mencionada Convenção de Viena,

alguns paises começaram a criminalizar a lavagem de dinheiro,

configurando-a somente quando a ocultação de bens, direitos ou

valores tivesse como fato ilícito anterior o trafico de entorpecentes.

Pode-se dizer que esta foi a linha primária de legislação sobre a

matéria. Todavia, nos paises que adotaram tal sistemática,

verificou-se que a lavagem também esta sendo usada como fase

conclusiva de outras modalidades de criminosas.a partir disso, o

rol de crimes anteriores passou a ser ampliado, sendo que, em

algumas legislações, sua abrangência confirmou-se de forma

plena para alcançar todo o sistema repressivo penal, figurando

como exemplos desta ordem as legislações dos Estados Unidos

da América, Bélgica, Franca, Itália e Suíça, as quais admitem a

conexão da lavagem a qualquer atividade anterior.

Indispensável à cooperação internacional no combate ao

crime de lavagem de dinheiro foi a criação do Grupo de Egmont, fruto de uma

reunião em Bruxelas, no ano de 1995, tendo por escopo gerar diretrizes de

controle e diminuição dessa vertente macrocriminosa, disponibilizando com

agilidade a coleta de dados e trocas de informações extremamente seguras

entre paises através de atividades coordenadas pelas principais unidades de

inteligência financeira (FIU), interligadas e assessoradas internacionalmente

através Grupo Egmont, responsável pela transmissão dados de possíveis

movimentações/transações suspeitas.

Segundo definição dada pelo COAF (Conselho de Controle

de Atividades Financeiras):

O Grupo de Egmont é um organismo internacional informal, criado

por iniciativa da Unidade Financeira de Inteligência belga (CTIF)

para promover, em nível mundial, a troca de informações, o

recebimento e o tratamento de comunicações suspeitas

relacionadas a lavagem de dinheiro proveniente dos outros

organismos financeiros.

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O objetivo do Grupo é promover um foro onde as unidades

financeiras de inteligência – FIU encontrem soluções para ampliar

o apoio a seus respectivos programas nacionais de combate ä

lavagem de dinheiro. Esse apoio inclui a expansão e a

sistematização do intercambio de informações financeiras,

ampliação dos programas de capacitação de funcionários das FIU,

e aperfeiçoamento de uma melhor comunicação entre as FIU

através da aplicação da tecnologia. No âmbito do Grupo de

Egmont, os grupos de trabalho estão concentrados eem três

principais áreas; assuntos legais, tecnologi/treinamento e

assistência a criação de novas FIU.

Já o Grupo de Egmont define uma unidade de inteligência

financeira como:

[...] agência nacional, central, responsável por receber (e

requerer), analisar e distribuir às autoridades competentes as

denuncias sobre as informações financeiras com respeito a

procedimentos presumidamente criminosos conforme legislação

ou normas nacionais para impedir a lavagem de dinheiro.

Insta salientar que o COAF (Conselho de Controle de

atividades Financeiras) passou a integrar o Grupo de Egmont no ano de 1999,

após a VII Reunião de Plenária, em Bratislava, República da Eslováquia.

Neste enredo, nota-se que a rede de informações entre as

unidades de inteligência financeira são promovidas em breve espaço temporal

pelo Grupo de Egmont, o que torna viável a precaução e medidas protetivas

eficazes ao controle e diminuição do delito de lavagem de dinheiro, cuja natureza

transnacional, como já mencionado, aproveitando-se de brechas de um mercado

econômico globalizado atinge não isoladamente a estrutura econômica de um

país, ao contrário, incide sobre o sistema econômico-financeiro mundial.

Para a consecução do processamento da lavagem de

dinheiro, alguns setores são muito bem vistos pelos agentes lavadores, optando

muita vezes pelas facilidades viabilizadas pela remessa de capitais a centros off-

shore e paraísos fiscais, resumidamente pela baixa tributação e pela garantia de

um caráter bancário sigiloso aos proprietários dos capitais investidos.

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A Receita Federal define como paraísos fiscais:

[...] países ou dependências que tributam a renda com alíquota

inferior a 20%. O país, cuja legislação protege o sigilo relativo à

composição societária das empresas, também é considerado pelo

Brasil como “paraíso fiscal”.

No tocante a constituição de uma companhia offshore

disserta Harada [2005, p.02]:

Uma offshore company é uma entidade situada no exterior, sujeita

a um regime legal diferente, ‘extraterritorial’ em relação ao país de

domicílio de seus sócios. Contudo, na realidade atual, a

expressão é aplicada mais especificamente às sociedades

constituídas em ‘paraísos fiscais’que gozam de privilégios

tributários (impostos reduzidos ou até mesmo isenção de

impostos). E isso só se tornou possível, quando alguns países

adotaram a política da isenção tributária, para atrair investimentos

e capitais estrangeiros. Na América Latina, o Uruguai é um

exemplo típico dessa política.

Desta forma, verifica-se que a estruturação de uma empresa

offshore ocorre em paraísos fiscais situados em um país distinto ao domicílio de

seus sócios, e por conseguinte, sujeitando-se a uma legislação diferenciada.

Dado o caráter confidencial da offshore, cria-se um ambiente propício à lavagem

de dinheiro, vez, que, sob o manto do anonimato dificultam a descoberta da

origem e propriedade do dinheiro ilícito.

2.3 SUJEITO ATIVO DO CRIME

Considera-se autor do crime da lavagem de dinheiro

qualquer pessoa que venha a praticar alguma das condutas descritas na Lei

9613/98, isto porque o legislador não fez menção à qualidade ou especificação

acerca do sujeito ativo. No entanto, registra-se que, por vezes, poderá o agente

criminoso do crime precedente a lavagem de capitais ser diverso do agente

lavador.

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Nesta esteira contempla-se o entendimento de MENDRONI

[2006, p.32]:

Pode, por outro lado, ser autor dos delitos de lavagem de dinheiro

qualquer pessoa que não aquela que praticou o delito

antecedente, como na hipótese de quem, conhecendo a

procedência ilícita do dinheiro (dolo direto), ou desconfiando e

devendo suspeitar, mas assumindo o risco, promova, em nome

daquele, o processamento dos ativos, passando-o por alguma ou

por todas as fases que integram os estágios da lavagem -

colocação, ocultação e integração.

No dizer de CALLEGARI [2003, p. 97]:

[...] ao examinarmos o art.1º da Lei 9613/98, chega-se a

conclusão de que qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do

delito de lavagem de dinheiro, já que o legislador brasileiro não

estabeleceu nenhuma restrição nesse ponto. Por essa razão,

pode-se concluir que o legislador brasileiro não exclui do circulo

de possíveis sujeitos ativos aquelas pessoas que tenham

participado como autores ou partícipes do delito prévio que deu

origem aos bens jurídicos.objetos de lavagem [...]

Nota-se então, tratar-se de modalidade criminosa a ser

perpetrada por qualquer agente criminoso, não lhe sendo atribuído especificações

ou qualidades para a caracterização do delito.

2.4 FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO

Entre as técnicas utilizadas no processo de lavagem de

capitais, predomina entre os doutrinadores do tema ao menos três grandes

etapas básicas empreendidas pelos lavadores para mascarar e promover a

reciclagem dos ativos obtidos em atividades ilegais (ilícitas), quais sejam: a

colocação, a ocultação ou estratificação e a integração.

Acerca das fases do crime de lavagem de dinheiro BARROS

[1998, p .48] aponta:

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Podemos aceitar, como regra geral, a idéia de que a lavagem

possui algumas fases típicas, as quais podem ser sintetizadas em

três momentos fundamentais e comuns: a) a inclusão do dinheiro

sujo no sistema financeiro; b) a ocultação da efetiva origem e

referencia disto c) o reinvestimento, como dinheiro aparentemente

limpo e insuspeito. Estas fases concretizam-se por variáveis e

múltiplos métodos [...]

A primeira etapa do processo de lavagem de dinheiro,

denominada fase de colocação, compreende um estágio embrionário (primário)

de inserção do capital ilícito no sistema financeiro através de aplicações em

entidades financeiras ou não, investimentos no setor imobiliário, em empresas de

fachadas entre outros negócios de condições diversas.

Objetivando menor visibilidade, nesta fase os agentes

encontram maiores empecilhos para ocultar o produto de crime e o desvincular de

sua fonte ilegal sem levantarem suspeita em possíveis investigações, para tanto,

necessitam transferi-lo a localidades diversificadas da zona criminógena de

origem, vez que, via de regra, referidos recursos constituem-se em volumosos

somatórios em espécie (moeda), sendo facilmente detectada a ligação física entre

o criminoso e o montante oriundo do crime antecedente. Por isso, afirma-se que a

fase colocação é o período mais suscetível ao desmantelamento da lavagem.

MENDRONI [2006, p.58] leciona:

Nesta etapa, utilizam-se as atividades comerciais e as instituições

financeiras, tanto bancarias, como não bancarias, para introduzir

montantes em espécie, geralmente divididos em pequenas somas,

no circuito financeiro legal. Na maioria das vezes, o agente

criminoso movimenta o dinheiro em paises com regras mais

permissivas naqueles que possuem um sistema financeiro liberal

(paraísos fiscais e centros off-shore). A introdução de dinheiro em

espécie é normalmente direcionada para instalações de atividades

comerciais que, tipicamente, também trabalham com dinheiro vivo.

Assim, os recursos ilícitos se misturam aos recursos obtidos em

atividades legais e são posteriormente depositados em bancos.

Os criminosos normalmente recebem o dinheiro sujo em espécie

(cash), que dificulta o registro de sua origem. Entretanto, na

sociedade atual também são muito utilizadas as formas de

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pagamento através de cheques, cartões de credito ou títulos

outros de credito, especialmente para a transferência ou

pagamento de grandes quantias. Aliás, grandes quantias

registradas podem gerar a suspeita das autoridades incumbidas

de fiscalizar as suas remessas. A colocação é o estagio primário

da lavagem, por assim dizer, e portanto, mais vulnerável à sua

detectação. As autoridades, por isso mesmo, devem centrar o

foco dos maiores esforços de sua investigação nesta fase da

lavagem de capitais [...]

E acresce ALVARENGA:

É nesta fase que se criam empresas de fachada, contas bancarias

ditas ‘fantasmas’, ou, ainda que se utilizam os chamados ‘laranjas’

– pessoas físicas com cadastro regular, cujas contas são abertas

por um empregador ou patrão que é quem na verdade as

movimenta.

No escólio de CALLEGARI [2003 p.47]:

A primeira fase corresponde à colocação de material proveniente

do crime e pode ocorrer através de uma serie de operações.É

nesta fase que os criminosos procuram livrar-se materialmente

das importantes somas que geraram suas atividades ilícitas.O

efetivo arrecadado é normalmente transferido a uma zona ou

localidade distinta daquela de onde se originou, colocando-se, em

seguida, em estabelecimentos financeiros tradicionais ou não

tradicionais (casa de câmbio, cassinos, etc.), ou ainda, em outros

tipos de negócios de variadas condições (hotéis, restaurantes,

bares, etc).

O COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)

descreve a conduta como:

Colocação – a primeira etapa do processo é a colocação do

dinheiro no sistema econômico. Objetivando ocultar sua origem, o

criminoso procura movimentar o dinheiro em paises com regras

mais permissivas e naqueles que possuem economia liberal. A

colocação se efetua por meio de depósitos, compra de

instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para dificultar a

identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam

técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o

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fracionamento dos valores que transitem pelo sistema e a

utilização de estabelecimentos comerciais que trabalham com o

dinheiro em espécie.

Após a colocação do numerário no sistema financeiro, os

agentes lavadores procuram camuflar sua procedência ilegítima, mediante o

procedimento conhecido como etapa da ocultação.

A ocultação é a segunda etapa do procedimento da

lavagem de dinheiro. Nesse estágio, a preocupação dos lavadores volta-se a dar

ares de aparente legitimidade ao produto do crime introduzido no setor

econômico. Desta forma, desencadeiam-se sucessivas operações,

movimentando o capital auferido até a decomposição de seu ato ilegal.

Disserta MENDRONI [2006, p.60] sobre a fase da ocultação:

Nesta segunda etapa, o agente desassocia o dinheiro de sua

origem passando-o por uma serie de transações, conversões e

movimentações diversas. Tanto mais eficiente a lavagem quanto

mais o agente afastar o dinheiro de sua origem. Quanto mais

operações, tanto mais difícil a sua conexão coma ilegalidade e

tanto mais difícil a sua prova.

A Cartilha de Lavagem de Dinheiro do Ministério da Fazenda

(COAF) descreve:

Ocultação - a segunda etapa do processo consiste em dificultar o

rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a

cadeia do dinheiro. Os criminosos buscam movimenta-lo de forma

eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas -

preferencialmente em países amparados por lei de sigilo bancário

- ou realizando deposito em contas “fantasmas”.

Ao tecer comentários sobre a etapa da ocultação CALLEGARI

[2003, p.56] infirma que nesse procedimento as complexidades que circundam as

transações bancárias realizadas, têm por fim desvincular os ativos de sua

nascente ilícita, empregando-se técnicas aprimoradas como a mescla de

transações misturadas e sobrepostas, torna difícil sua identificação.

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40

Na terceira etapa do processo de lavagem, nominada fase

da integração, o capital ilícito já esta disponibilizado legalmente no sistema

financeiro sem maiores suspeitas, vez que não mais contaminado em sua origem.

Nesta etapa, há a necessidade de justificar vultuosos somatórios em edificada

legitimidade, para sua consecução, os lavadores atuam integrando o dinheiro sujo

em investimentos variados.

O Conselho da Justiça Federal explana sobre a fase da

integração:

A última etapa é a “integração”, ou seja, o capital ilícito retorna ao

mercado através da compra de bens, da aquisição e/ou

investimento em empresas e estabelecimentos lícitos, assim como

através do reinvestimento desse capital obtido em negócios ilícitos

na própria atividade delituosa, criando-se um autêntico ciclo

econômico.

A Cartilha da Lavagem de Dinheiro publicada pelo Ministério

da Fazenda enfatiza:

Integração – nesta última etapa, os ativos são incorporados

formalmente ao sistema econômico.As organizações criminosas

buscam reinvestir em empreedimentos que facilitem suas

atividades – podendo tais sociedades prestarem serviços entre si.

Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar

o dinheiro ilegal.

No dizer de MENDRONI [2006, p.61]:

O agente cria justificações ou explicações aparentemente

legitimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na

economia legítima, sob forma de investimentos ou compras de

ativos. Nesta última etapa, o dinheiro é incorporado formalmente

aos setores regulares da economia.Essa integração permite criar

organizações de fachada que prestam serviços entre si.[...]

E continua o autor:

É extremamente difícil para as autoridades conseguir detectar os

fundos de origem ilícita nesta fase do procedimento da lavagem,

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41

pois já passaram outras duas etapas e a essa altura estarão com

aparência significativamente “limpa”.

Ao atingir a etapa da integração, a lavagem de dinheiro

consolida fortuitamente sua execução, posto que, os fundos ilícitos já

ultrapassaram duas etapas anteriores, e possíveis rastros tornam-se de difícil

detectação, haja vista a mistura do capital licito ao obtido ilicitamente, salvo

descobertas nas fases qua a antecede. [CALLEGARI, 2003, p. 60]

A título de exemplificação do processo de lavagem de

dinheiro, segue o caso extraído do acervo de registros do Grupo de Egmont:

Marc, um cidadão da Europa ocidental contratado como

representante de uma empresa americana, depositou dois

cheques no banco da empresa na América. Os cheques eram

ambos no valor de US$ 7.500.000. Subseqüentemente, Marc deu

ao banco instruções para transferir o dinheiro para uma série de

contas bancárias em diversos países europeus. Os favorecidos

desses recursos eram indivíduos da Europa ocidental ou oriental.

Dada a respeitabilidade da empresa americana, a instituição

financeira não questionou essa transferência tão volumosa.

Entretanto, depois da transferência inicial de US$ 2.200.000, o

banco americano descobriu que os primeiros cheques eram falsos

e bloqueou o restante das transações solicitadas. Nesse meio

tempo, uma FIU do leste europeu recebeu comunicações de dois

bancos diferentes. Bob e Karen haviam recebido uma grande

quantia de dinheiro da empresade Marc. Bob deu ao seu banco

instruções para transferir o dinheiro para outras contas na Europa

e na Austrália. Karen avisou ao seu banco que iria retirar parte do

dinheiro em espécie. A outra parte seria investida em seu negócio

de jóias. Ambos os bancos decidiram adiar a execução das

ordens dadas pelos clientes, e protelaram as transações por 24

horas. Enquanto isso, comunicados foram enviados à FIU

nacional.Pouco depois desses comunicados, a FIU, que não sabia

que o dinheiro era produto de cheques falsificados, recebeu um

documento do banco americano. O banco informava a FIU que

parte do dinheiro que Marc havia obtido ilegalmente tinha sido

enviado para o país dessa FIU. Esta imediatamente iniciou uma

investigação financeira.A análise financeira de ambas as contas

levou a FIU à conclusão de que Bob e Karen estavam de posse

de recursos ilícitos e que estavam tentando ocultar essa origem

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ilícita do dinheiro. A FIU os acusou de ‘suspeita de lavagem de

dinheiro’ e os recursos de ambas as contas foram congelados.

Nota-se a configuração de todo o processo de lavagem de

dinheiro. Inicialmente a preocupação do agente lavador concentrava-se em

colocar no sistema financeiro o capital ilicitamente arrecadado. Após a inserção

do numerário, as atenções recaiam em seu mascaramento, o que verificou-se

mediante inúmeras transferências bancárias, tornando cada vez mais difícil

possível verificação da origem criminosa do recurso. Posteriormente, a

reintegração dos valores na economia dar-se-ia sob a forma de investimentos em

negócios de jóias, garantindo assim, plausível justificativa ao auferimento de

volumosos somatórios.

2.5 DA NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE UM CRIME ANTECEDENTE AO

DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Impende salientar que, via de regra, há a necessidade da

ocorrência de um ou mais crimes antecedentes ao delito da lavagem de dinheiro

propriamente dito.

Por essa razão, mister que sejam analisados alguns dos

tipos penais previstos na legislação pátria, aos quais se imputa o status de crimes

antecedentes à lavagem de dinheiro.

Vale dizer, sucintamente, que crime é fato típico e ilícito,

segundo a concepção bipartida, ou seja, a culpabilidade não integra o seu

conceito. [CAPEZ, 2005, p. 112]

Com essa idéia geral de conceito de crime, pode-se analisar

os tipos penais que, segundo a Lei 9613/98 (lei que dispõe sobre os crimes de

lavagem ou ocultação de bens e valores) são considerados como delitos que

precedem essa lavagem.

Preceitua o art. 1º, da Lei 9613/98:

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1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direito ou

valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II – de terrorismo e seu financiamento;

III –de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material

destinado à sua produção;

IV – de extorsão mediante seqüestro;

V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si

ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem,

como condição ou preço para a prática ou omissão de atos

administrativos;

VI – contra o sistema financeiro nacional;

VII – praticado por organização criminosa;

VIII – praticado por particular contra a administração pública

estrangeira.

Dessume-se, então, que a legislação que racionaliza acerca

do crime de lavagem e ocultação de bens e valores listou alguns delitos que são

tidos por antecedentes à lavagem propriamente dito, todavia, imperioso ressaltar

que o elenco do art. 1º da Lei 9613/98 (incisos I usque VIII) não é exemplificativo

e exauriente em seu próprio teor, haja vista a possibilidade de outros delitos lá

não arrolados também serem considerados precedentes ao de lavagem de

dinheiro.

É fácil a tarefa de conjugar as hipóteses abstratas dos tipos

legais previstos nos incisos acima citados com a prática deles que,

corriqueiramente, fazem parte do cotidiano nacional, aliás, isso será melhor

abordado no terceiro capítulo deste trabalho.

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44

2.5.1 Do tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins

Sem maiores ilações, é consabido que os crimes que

envolvem a fabricação e mercancia de substâncias entorpecentes,

hodiernamente, tomam conta do cenário internacional e envolvem todos os tipos

de pessoas, do homem médio aos grandes políticos, empresários, servidores

públicos etc., precipuamente por sua rentabilidade.

Logo, por consectário lógico, essa rentabilidade precisa ser

transformada em produto lícito e, justamente nesta fase é que entra em cena o

crime de lavagem de dinheiro.

Ora, os agentes ativos do tráfico ilícito de entorpecentes ou

drogas afins precisam transformar todo o numerário arrecadado, produto “sujo” do

crime, em algo lícito que possa ser normalmente utilizado e que circule livremente

no cenário nacional e internacional das finanças, ou seja, em outras palavras,

dinheiro “limpo”.

Acerca do tráfico de drogas como delito que precede a

lavagem de dinheiro, GOMES [1997, p. 199] preleciona:

O tráfico de drogas se afigura como um dos mais rentáveis

investimentos da organização criminosa, muito embora outras

atividades ilegais tenham sua rentabilidade em alta, como fica

claro ao se verificar, por exemplo, que a máfia chinesa fatura nove

milhões de dólares por mês extorquindo comerciantes na fronteira

entre Brasil, Paraguai e Argentina. Para compreender o universo

de dinheiro envolvendo o narcotráfico, menciona-se que, somente

nos Estados Unidos, anualmente, os valores são de ordem de

duzentos e quarenta bilhões de dólares. Vale dizer: uma soma

trinta e cinco vezes superior à dívida externa do Uruguai e mais do

dobro da brasileira.

Registra o informe disponibilizado pela ONU que o Brasil

ocupa a terceira posição no ranking dos países consumidores de drogas no

mundo, incluindo-se, entre estas, as anfetaminas e medicações controladas.

FERNANDES [2002, p.515]

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45

Tamanha é a preocupação no combate ao crime de tráfico

de substâncias entorpecentes e drogas afins, logo, irá também atingir a lavagem

de dinheiro propriamente dita, que no dia 24 de agosto de 2.006 foi publicada no

Diário Oficial da União a Lei 11.343, atualmente em vigor, que instituiu o Sistema

Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD.

2.5.2 Do terrorismo e seu financiamento

Outro crime que precede e está intrinsicamente ligado à

lavagem de dinheiro é o terrorismo e seu financiamento. Isso porque, o

terrorismo, para que seja financiado e colocado em prática, necessita de vultuosa

soma em dinheiro, sendo que esse capital, essencialmente pelo caráter

internacional dos atos terroristas, precisa estar “limpo” para que possa circular e

transcender as barreiras e fronteiras dos mais diversos países do Globo.

No entender de FERNANDES [2002, p. 539]:

Trescalando odores de crime organizado, o terrorismo, quer de

coloração político-ideológica, quer exibindo as cores fortíssimas

do fanatismo religioso, gradual e paulatinamente vem espalhando

os seus tentáculos pelo mundo, através de atos de violência,

muitas vezes inusitada, a cargo de suas organizações, que

possuem seus quartéis generais em diversas partes do mundo.

Importante a lição de DAL RI JÚNIOR [2006, p. 296] sobre o

tema:

O início deste século XXI ficou marcado pela consolidação de um

novo e imponente inimigo da segurança do Estado no imaginário

da sociedade globalizada. A figura do terrorista internacional,

delineada sobretudo pelo governo norte-americano na última

década, assumiu tal papel, obtendo a sua consolidação após o

atentado de 11 de setembro de 2.001. O processo de construção

deste novo inimigo do Estado, inicialmente no imaginário coletivo

norte-americano, passou por diversas fases durantes as décadas

de 80 e 90 do século passado. Vários atentados e ataques,

perpetrados principalmente por grupos fundamentalistas islâmicos

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contra alvos civis e militares americanos, em todo o mundo e no

território da grande potência, marcaram o início de tal construção

simbólica.

Não se olvida, então, que o terrorismo é um dos crimes

antecedentes mais praticados que, junto com o tráfico ilícito de entorpecentes,

lavam volumosas montas em dinheiro para que possam alcançar seus

desideratos, ou seja, fazem com que os numerários oriundos do tráfico de drogas,

armas, extorsões, roubos por facções criminosas etc., transformem-se em capital

lícito, “limpo”, para que possam colocar em prática seus planos nas diversas

células terroristas espalhadas pelo mundo.

2.5.3 Do contrabando ou tráfico de armas

Como já dito anteriormente, o contrabando ou tráfico de

armas e munições também está relacionado, via de regra, ao crime de terrorismo

e, ambos, são considerados delitos que precedem à lavagem e ocultação de bens

e dinheiro.

Inobstante a isso, o crime de contrabando ou tráfico de

armas, munições e seu comércio ilegal são alvos de árduo combate e repreensão,

quer pela legislação, quer pelo Poder Público instituído para esse fim,

precipuamente porque sabe-se que este delito é extremamente maléfico e

também deita raízes na lavagem de dinheiro, ou seja, o comércio ilegal de armas

e munições é um dos ramos mais rentáveis da criminalidade, logo, precisa

transformar o capital “sujo” levantado em dinheiro lícito.

Do mesmo modo que o tráfico de substâncias

entorpecentes, o contrabando, a fabricação e a venda ilegal de armas, munições

e afins são objeto de legislação especial, qual seja, a Lei 10.826/2003, conhecida

como o Estatuto do Desarmamento.

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47

2.5.4 Da extorsão mediante seqüestro

Com a devida licença, imperioso dizer que a extorsão

mediante seqüestro também é um dos crimes mais lucrativos às organizações

criminosas e, aliás, pela estrutura desenvolvida para o desiderato deste delito, ele

assemelha-se ao crime de terrorismo propriamente dito.

Diz-se isso porque, com o avanço e crescimento do crime

organizado, a prática da extorsão mediante seqüestro, hodiernamente, é realizada

por células – grupos de pessoas – cada qual com uma função especializada

dentro de um grupo de atividades, que possibilitam uma organização e hierarquia

invejável no planejamento e execução dos seqüestros que visam a obtenção de

vantagem econômica.

Ao tecer comentários sobre o crime de extorsão mediante

seqüestro, na qualidade de crime antecedente à lavagem de dinheiro, MENDRONI

[2006, p. 45] destaca que a legislação que pune este delito (art. 159, do Código

Penal) é severa na fixação da pena, além do que, a Lei 8.072/90 o torna um crime

hediondo e, ao arremate, diz o autor:

Para viabilizar melhor combate a essa repugnante ação criminosa,

o legislador reforçou-a com um plus da possibilidade de punição,

também pela prática de crime de lavagem de dinheiro obtido em

decorrência do resgate (exaurimento do crime de extorsão

mediante seqüestro), estabelecendo assim um mecanismo mais

eficiente à disposição dos órgãos de persecução.

Aliando a teoria à prática, é possível lembrar de alguns

casos célebres da ocorrência do crime de extorsão mediante seqüestro e que,

com certeza, serviria de delito antecedente à lavagem de dinheiro. Cita-se, para

tanto, os seqüestros de Abílio Diniz, um dos empresários mais conceituados do

país e, também, do jornalista Washington Olivetto.

Não pairam dúvidas que estes dois crimes de extorsão

mediante seqüestro, acaso tivessem alcançado seus objetivos, teriam gerado

vultuosas somas a título de resgate. Destarte, é justamente neste momento que

entra o crime de lavagem de dinheiro, ou seja, tem-se o dever de transformar o

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produto do crime, que está sujo, ilícito, em capital “limpo”, disponível, que possa

livremente circular no mercado para gerar riquezas aos mentores e executores

das organizações criminosas e, também, financiar novas ações delitivas.

2.5.5 Dos crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro

Nacional

Nos dias atuais, os crimes perpetrados contra a

Administração Pública tomaram uma proporção que, talvez, possam levar o

Estado a um total descontrole administrativo, causando um abalo sem

precedentes à sua estrutura como ente político.

Insta salientar que os crime cometidos em face da

Administração Pública movimentam vultuosas quantias em dinheiro e, como já

assinalado anteriormente, este delito não foge à regra de ser antecedente à

lavagem de capital, pois, o acúmulo de riquezas ilícitas precisa ser transformado

em numerário “limpo”, lícito, acima de qualquer suspeita.

No sentir de MENDRONI [2006, p. 45]:

Sendo os crimes de maior proporção numérica de obtenção de

ganhos destinados à lavagem, não poderiam deixar de estar

previstos. O dinheiro perdido às custas da prática dos crimes

contra a administração pública abala as estruturas públicas do

Estado, provocando o direcionamento de erros nas questões da

administração de justiça, provocando inconsertáveis injustiças e

causando descrédito da população na justiça. Decorre o

sentimento de revolta do cidadão que acaba procurando a justiça

pelas próprias mãos ou, quando menos, a omissão da informação

ao poder público – e gerando, finalmente, a sensação geral de

impunidade e desconsolo.

Há se ressaltar que os crimes contra a Administração

Pública envolvem, praticamente, metade de todo o dinheiro lavado no Brasil, algo

que só obsta o objetivo do Estado em transmudar-se para um país dito de

primeiro mundo. [MENDRONI, 2006, p. 45]

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De igual modo e proporção, há os crimes cometidos contra o

Sistema Financeiro Nacional, os quais também precedem à lavagem de dinheiro

propriamente dita e estão tipificados em legislação específica, como a Lei

7.792/86 (Define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e dá outras

providências), a Lei 8.137/90 (Crimes contra a ordem econômica) e a Lei

10.028/2000 (que racionaliza acerca dos crimes de responsabilidade).

Um clássico exemplo sobre crime que lesa a ordem

econômica é aquele praticado por empresários que se reúnem para a formação

de um cartel – ou seja, acerto de condições e preços de venda de um

determinado produto – algo que causa uma lesividade considerável à ordem

econômica. [MENDRONI, 2006, p. 46]

Outrossim, no intuito de se buscar uma alternativa ao

combate dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e a Ordem Econômica

é que foram criados diplomas legais para a repressão destas condutas delituosas,

aliás, buscou-se fundamentos constitucionais para que fossem tipificadas as

condutas lesivas perpetradas.

BITTENCOURT [2002, p. 27] assevera nesse sentido:

A partir da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/92), com

a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000),

complementada pela Lei 10.028/2000, que criou novos tipos

penais – crimes contra as finanças públicas -, tornam-se efetivos

princípios constitucionais da Administração Pública (art. 37 da

CF). Princípios constitucionais, disciplinados em lei ordinária e lei

complementar, acabam sendo tipificados como crimes.

É de fácil observação a prática destes crimes contra a

Ordem Econômica e o Sistema Financeiro Nacional, precipuamente se verificadas

as reiteradas condutas dos agentes públicos e políticos, as quais, atualmente, são

exibidas às escâncaras na mídia escrita e televisiva, haja vista os inúmeros

escândalos que envolvem a corrupção e a desenfreada corrosão do Sistema

Financeiro Nacional e à Ordem Econômica do país.

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50

2.5.6 Praticado por organização criminosa

Permissa venia, entender os crimes praticados por

organização criminosa como antecedentes à lavagem de dinheiro é reportar a

tudo o que já foi consignado nos subitens acima expostos, pois, o tráfico ilícito de

entorpecentes, o terrorismo, o tráfico e contrabando de armas, a extorsão

mediante seqüestro, os delitos contra a Administração Pública, o Sistema

Financeiro Nacional e a Ordem Econômica, deveras, são realizados, via de regra,

por típicas organizações criminosas, mormente se considerados seus aspectos

característicos e grau de complexidade.

Logicamente, há outros delitos não previstos naquele rol de

incisos do art. 1º da Lei 9.613/98 que são praticados por organizações criminosas

e precedem à lavagem de dinheiro, v.g, os grandes roubos articulados por bando

ou quadrilha, os crimes de estelionato cometidos por facções criminosas, alguns

grupos de extermínio etc.

2.6 DELAÇÃO PREMIADA

O instituto da delação premiada está previsto na Lei

Antilavagem como uma faculdade que dispõe o autor, co-autor ou partícipe de

mediante esclarecimentos corroborar com Poder Judiciário na persecução e

finalização das investigações acerca de infrações penais e sua autoria, ou ainda,

viabilizar à localização dos bens, direitos ou valores decorrente do crime.

Segundo MENDRONI [2002, p.57]:

O objetivo da delação premiada é alcançar dados inéditos a

respeito do crime de lavagem de dinheiro, considerando a sua

autoria e os fatos demonstrativos, ou então a localização de

bens, direitos ou valores objetos do crime, evidentemente

ocultados em decorrência de sua prática delituosa.

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Como já adotada em outras legislações especiais pátria, a

delação premiada oportuniza um certo perdão judicial ao delator que contribuir

sobremaneira com as autoridades no desenlace das infrações penais. [CALLEGARI,

2003, p.178]

Neste sentido colaciona-se a seguinte lição de MENDRONI

[2002, p.56]:

Em outras palavras, o co-autor ou partícipe que indicar por

exemplo nomes, condutas, locais etc., - e isto levara a apuração

de infrações penais por si praticados e coligados aqueles que lhe

são imputados, estes sim poderão receber o beneficio, cuja

analise todavia será levada ao crivo do Poder Judiciário. Por

outro lado, indicações vagas e abstratas, como por exemplo:“

afirmo que há muita corrupção em tal repartição pública”, não

podem merecer o beneficio. Espera-se que sejam fornecidos

dados concretos, ao menos indicadores de provas que – à

apuração das infrações penais e da sua autoria. Mais uma vez, é

a contraprestação da Justiça àquele que admitiu colaborar

eficientemente.

No conceituar de JESUS [2005, p. 01]:

Delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito,

investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou

em outro ato). "Delação premiada" configura aquela incentivada

pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios

(redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime

penitenciário brando etc.).

Sobre a eficiência da delação premiada nas investigações

criminais MARCÃO [2005, p.01] aduz :

Embora a legislação esteja sujeita a críticas variadas, a intenção

revelada é positiva, não obstante a só adoção da delação

premiada já exponha o reconhecimento da incapacidade do

Estado frente as mais variadas formas de ações criminosas, e

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demonstre a aceitação de sua ineficiência ao apurar ilícitos

penais, notadamente os perpetrados por associações criminosas,

grupos, organizações criminosas, quadrilha ou bando,

alicerçados em complexidade organizacional não alcançada pelo

próprio Estado.

Noutra ponta, acerca do valor probante do instituto da

delação discorre JESUS [2005, p.01]:

[...] Não se pode dar a ela valor probatório absoluto, ainda que

produzida em juízo. É mister que esteja em consonância com as

outras provas existentes nos autos para lastrear uma

condenação, de modo a se extrair do conjunto a convicção

necessária para a imposição de uma pena.

Por sua vez, MENDRONI [2006, p.115] comenta sobre o

momento processual oportuno a ocorrência da delação premiada:

Como a lei não estabelece o momento processual, as indicações

(esclarecimentos), segundo interpretamos, devem ainda

necessariamente ser prestadas no máximo em período de tempo

próximo ao seu interrogatório judicial, para que não sirva de

“tábua de salvação” àquele acusado que esteja prestes a ser

sentenciado, viabilizando assim a devida apuração e

comprovação por parte da Polícia e do Ministério Público, ainda

no decorrer do processo.

Com previsão legal na Lei Antilavagem e outras legislações

especiais brasileiras, verifica-se que a delação premiada permite ao co-autor do

crime de lavagem de dinheiro colaborar concretamente com a Justiça, podendo

vir a gozar de benefícios na redução da aplicação da pena, iniciando seu

cumprimento no regime semi-aberto ou até mesmo obter o perdão judicial ou

substituição da pena por restritiva de direito, conforme o merecimento das

informações probatórias fornecidas as autoridades na apuração e elucidação das

infrações por ele cometidas em conluio com demais parceiros.

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53

Destarte, a delação premiada é um forte mecanismo ao

combate a lavagem de dinheiro, facilitando o aceleramento das deficitárias

investigações criminais acerca desta astuciosa e bem arquitetada modalidade

criminosa.

Encerradas as disposições concernentes às principais

características do crime de lavagem de dinheiro, no capítulo derradeiro capítulo

serão citados alguns julgados dos tribunais pátrios, correlacionando a norma

abstrata ao caso concreto, bem como serão dispostas algumas medidas

necessárias a sua repressão e alguns meios de obtenção de provas desse ilícito.

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54

CAPÍTULO 3

O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS E OS MECANISMOS NECESSÁRIOS À

REPRESSÃO DO DELITO

3.1 JULGADOS DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

Não basta teorizar acerca da macrocriminalidade

econômica, do crime de lavagem de dinheiro propriamente dito com suas

características, dos crimes antecedentes, sem que se faça um estudo de sua

efetiva aplicação prática, através de alguns julgados destacados.

Extrai-se de um julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, da lavra do Desembargador Federal Néfi Cordeiro, a exata dimensão da

associação que existe entre o crime de lavagem de dinheiro e a o tráfico de

entorpecentes como crime antecedente:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO

DE ENTORPECENTES E LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIMES

CONEXOS. COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA.

PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PARTICIPAÇÃO EFETIVA.

CABIMENTO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Sendo certa a

conexão entre o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e o

de lavagem de dinheiro – pela cumulação objetiva e por

conexão probatória -, justificada está a competência da Vara

Especializada. 2. É cabível a prisão cautelar para garantia da

ordem pública, ante a reiteração delitiva de organização

criminosa e a continuidade dos crimes, revelando-se prudente

a manutenção da prisão dos principais agentes da organização. 3.

Presentes os requisitos obrigatórios da prisão preventiva, bem

como o requisito alternativo da garantia da ordem pública, não há

ilegalidade no decreto de prisão preventiva, sendo correta a

manutenção da medida coercitiva. (sem destaque no original)

(BRASIL, Porto Alegre, TRF-4. HC 2006.04.00.034638-1/PR. Des.

Federal Néfi Cordeiro. j. em 21.11.06. DJU de 10.01.07)

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E, aliando toda a teoria despendida nos capítulos anteriores

deste trabalho com a prática, extrai-se do bojo do julgado acima citado:

“[...] Na espécie, certa é a conexão entre o crime de tráfico

internacional de entorpecentes e o de lavagem de dinheiro e

por duplo fundamento. Primeiro, em razão da cumulação

objetiva, pois o segundo crime (de lavagem de dinheiro) foi

praticado para ocultar ou conseguir impunidade em relação

ao primeiro (de tráfico). Segundo, por conexão probatória, pois

um crime (de tráfico) é elementar do outro (de lavagem de

dinheiro, que somente existirá com o reconhecimento do

prévio tráfico). A vinculação entre os delitos é inclusive narrada

na denúncia, como se vê: ‘Outrossim, para além da lavagem de

dinheiro, sem a participação de CARLOS EDUARDO e

WANDERLEI não seria possível a organização e o

cometimento do tráfico de entorpecentes da forma narrada na

denúncia, dado que a movimentação dos valores seria facilmente

rastreável pelos órgãos públicos, de forma a impossibilitar a

autuação da organização no nível em que se encontrava. Os

altíssimos valores provenientes do tráfico movimentados por e

através de CARLOS EDUARDO e WANDERLEI possibilitaram,

sem sombra de dúvidas, a continuidade das operações da

organização [...]”. (sem destaque no original)

Deste modo, fica evidente, então, como já dito à exaustão no

Capítulo 2 deste trabalho acadêmico, que o crime de tráfico de drogas é uma das

modalidades de delito antecedente ao de lavagem de dinheiro.

Veja-se a seguinte decisão do Tribunal Regional Federal da

4ª Região sobre o cometimento de crime contra o Sistema Financeiro Nacional e,

por conseguinte, de lavagem de dinheiro:

PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA

FINANCEIRO. COMPETÊNCIA. INFRAÇÕES PRATICADAS NO

EXTERIOR. SEDE DA INSTITUIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO.

CRIME ANTECEDENTE. EVASÃO DE DIVISAS. LOCAL

INDETERMINADO. CONEXÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Segundo

descrito na denúncia, a Paciente e outros acusados utilizavam-

se de "casa de câmbio estabelecida no Brasil e quatro

titulares de contas bancárias nos EUA, para operar

aqui e no exterior como instituição financeira ilegal e

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fraudulenta, com recursos financeiros brasileiros, de

procedência duvidosa", atuando em "um sistema de crédito e

débito para clientes e de compensação internacional entre

doleiros, totalmente alheio aos mecanismos e regulamentos

oficiais". 2. Considerando que a sede da suposta instituição

financeira clandestina situava-se em São Paulo/SP, onde eram

centralizadas as respectivas operações, sendo os valores

movimentados no exterior, não se insere na competência territorial

da Justiça Federal do Paraná o processo e julgamento das

infrações tipificadas nos arts. 4º e 16 da Lei 7.492/86. 3. No

tocante aos demais ilícitos imputados (formação de quadrilha,

falsidade, evasão de divisas e lavagem de dinheiro) embora os

fatos sejam semelhantes aos de outros inquéritos e ações penais

em andamento perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba,

não há tecnicamente conexão processual, nos termos do art. 76

do CPP, de modo que o exame da ação penal compete à

Subseção Judiciária de São Paulo. 4. Precedente da Turma. (sem

destaque no original) (BRASIL, Porto Alegre, TRF-4. HC

2006.04.00.004581-2/PR. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro. j.

em 19.04.06. DJU de 26.04.06)

Faz-se excerto do venerando acórdão supra:

Depreende-se da denúncia que as supostas ilicitudes foram

efetivadas por intermédio dos gestores de diversas

instituições financeiras sediadas no exterior (as

CLEVELAND FINANCIAL, MILANO FINANCE INC, PELICAN

HOLDING GROUP e FLORIDA FINANCIAL GROUP) bem como

através da pessoa jurídica brasileira DISKLINE CÂMBIO E

TURISMO LTDA, estabelecida em outros Estados da

Federação. Destarte, LEILA foi acusada, dentre outros crimes,

de operar sem a devida autorização e gerir fraudulentamente

instituições financeiras. Cabe ressaltar que apenas a DISKLINE

foi constituída nos termos da legislação pátria, possuindo sede no

País, mais exatamente em SÃO PAULO/SP, com filial na cidade

do RIO DE JANEIRO/RJ. [...] Contudo, o fato da origem das

investigações estar relacionada ao Banco do Paraná e de

algumas pessoas residentes naquele Estado terem realizado

transações com as contas investigadas, consoante mencionado

na decisão que recebeu a denúncia, não justifica, , a

competência do Juízo impetrado, até porque expressivo número

das citadas operações diz respeito a indivíduos que residem, a

maioria, em São Paulo e no Rio de Janeiro conforme consignado

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às fls. 36-38 e 50-51 da peça acusatória (fls. 42-4 e 56-7 deste

HC). Portanto, grande parte da remessa ilegal de recursos ao

exterior, no caso dos autos, não era proveniente de Foz do

Iguaçu, mas de clientes da DISKLINE, que centralizava suas

atividades em São Paulo (fl. 45 da denúncia). Da mesma

forma, a circunstância da peça exordial impugnada "

naquele juízo, não constitui base

suficiente para atrair a competência jurisdicional, pois, consoante

referido, os valores movimentados pelos denunciados não

provinham unicamente daquelas fontes. Vale dizer, além das

transações envolvendo os mencionados "doleiros", há notícia

de outros delitos em tese praticados por agentes diversos,

que também utilizavam a rede de "branqueamento de

capitais" propiciada pelos réus, cujo centro de operações,

como visto, era a capital de São Paulo. Destarte, os "crimes

antecedentes" à lavagem de dinheiro, na espécie, certamente

são muitos e com sua localização indeterminada. Nesse

contexto, com a devida vênia, tenho que não se encontram

presentes, , as hipóteses previstas no artigo 76 do CPP [...].

(sem destaque no original)

Clarividente, mais uma vez, a indubitável ligação entre os

crimes antecedentes contra o Sistema Financeiro Nacional, precipuamente a

evasão de divisas, e a lavagem de dinheiro propriamente dita.

Por fim, alia-se a parte teórica com a prática mediante

julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região acerca da absolvição dos

acusados do cometimento de diversos crimes precedentes à lavagem de dinheiro,

tais como corrupção ativa e passiva, em acórdão assim ementado:

PROCESSO PENAL. PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.

PROCEDIMENTO. LEI 9.296/96. SEPARAÇÃO DE PROCESSOS

(CPP, ART. 80). CARTA PRECATÓRIA E DEMORA NA

DEVOLUÇÃO (CPP, ART. 222, §§ 1º E 2º). EMPRESA DE

FACHADA. PROVA. CRIMES DE QUADRILHA. ESTELIONATO.

CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. CONTRABANDO. LAVAGEM

DE DINHEIRO. CONCUSÃO. CRIME MEIO. DOSIMETRIA DA

PENA. PENA DE PERDIMENTO DE BENS. BENS PRODUTO DE

CRIME. DISCRIMINAÇÃO. PERDA DE CARGO. [...] 8. As

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fiscalizações da empresa pela Receita Federal constituem

elementos demonstrativos não ser ela de fachada. 9. Crime de

quadrilha. Comumente, a acusação imputa aos acusados, de

uma maneira geral e absurda, o crime de quadrilha. É um meio

que encontra para agravar a situação dos réus. Não é o caso dos

autos, onde há comprovação de uma bem montada e

estruturada organização para a prática do crime de

contrabando de produtos acabados, prontos para a

comercialização. Prova do conluio entre os acusados,

existência entre eles de um vínculo psicológico. 10.

Estelionato. Induzimento do Fisco em erro, com emprego de

ardil, com aplicação ilícita de benefício dos incentivos fiscais

obtidos para importação de insumos, a fim de manter uma

linha de produção. 11. Consunção. Crime meio. Crime de

falsificação meio para a prática do crime de contrabando.

Aplicação do princípio da consunção. O crime de

contrabando absorveu (crime consuntivo) o crime falso

(consunto). Lex consumens derogat legi consumptae. 12.

Corrupção passiva. Não comprovação que os acusados,

servidores públicos, tivessem recebido para si, diretamente,

em razão de sua função, vantagem indevida, dinheiro, para

permitir a efetivação da importação ilegal, ou seja, a

realização da prática do crime de contrabando. 13. Corrução

ativa. Não comprovação que os acusados, empregados da

empresa tivessem dado alguma vantagem ou algum dinheiro

aos acusados servidores públicos para facilitarem o

contrabando. 14. Crime de contrabando. Divergência entre a

Declaração de Importação - DI - insumos e os bens apreendidos,

aparelhos prontos e acabados, que não poderiam ser

desembaraçados como insumos. 15. Lavagem de dinheiro. Não

comprovação da prática do crime de lavagem de dinheiro.

Pode o patrimônio do acusado não ser condizente com o que

ganha licitamente. Inexistência de prova de que tenha o

acusado, em razão dos fatos apurados, recebido dinheiro

ilícito [...]17. Absolvição. Absolvição pela prática dos crimes de

estelionato (CP, art. 171), falsidade ideológica (CP, art. 299),

uso de documento falso (CP, art. 304), corrupção passiva (CP,

art. 317), corrupção ativa (CP, art. 333) e lavagem de dinheiro

(Lei 9.613/98, art. 1º III). 18. Perda de perdimento de bens. A

absolvição da prática do crime de lavagem de dinheiro faz

cair a pena de perdimento [...]. (sem destaque no original)

(BRASIL, TRF-1. ACR 2002.32.00.000571-6/AM. Des. Federal

Tourinho Neto. j. em 18.07.06. DJU de 10.08.06)

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Pela análise da decisão supra de Segunda Instância,

observa-se que, apesar da prática do crime de estelionato perpetrado contra o

Fisco, não existiu prova cabal em relação aos demais crimes que eram imputados

aos acusados, precipuamente sobre aqueles considerados antecedentes à

lavagem de dinheiro, tais como, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica,

uso de documento falso etc.

Esta é uma pequena amostra da prática enfrentada por um

dos Poderes constituídos da República – o Judiciário – e, também, do Ministério

Público como titular indelegável da ação penal pública, no combate,

processamento e condenação dos agentes ativos do delito que, ao formarem

suas organizações criminosas, empenham diversas condutas típicas e

antijurídicas, muitas delas que precedem à lavagem de dinheiro e ocultação de

bens, estes oriundos de atividades ilícitas.

3.2 MECANISMOS NECESSÁRIOS À REPRESSÃO DO CRIME DE LAVAGEM

DE DINHEIRO

É consabido que a constante evolução da sociedade, da

tecnologia e do poderio econômico, infelizmente, acabam por gerar

conseqüências no âmbito da criminalidade, porquanto os agentes ativos dos mais

diversos delitos e, principalmente, daqueles que envolvem as organizações

criminosas também acabam por evoluir e desenvolver técnicas cada vez mais

apuradas para extorquir, furtar, roubar, traficar etc., sempre com vistas a dificultar

o trabalho das Policias (em qualquer de suas esferas) e também do Ministério

Público e do Poder Judiciário, tudo com o único escopo da impunidade.

Assim, diante deste cenário, não se olvida que, por vezes,

os mecanismos à repressão aos diversos tipos de crime, especialmente os

praticados por organizações criminosas, tornam-se obsoletos ou insuficientes

para extirpar todo esse mal que assola a sociedade contemporânea.

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Logo, mister o desenvolvimento de novos mecanismos

repressão à criminalidade e o aprimoramento daqueles já existentes, dentre os

quais destaca-se:

3.2.1 Alteração na Legislação

Existem muitas lacunas na legislação criminal acerca dos

mais diversos tipos delitivos e, também, algumas imprecisões legislativas, fatos

estes que acabam por dificultar a função precípua do Estado na seara criminal,

qual seja, o exercício do inarredável e indelegável direito de punir (ius puniendi), o

qual é efetivado por intermédio da prestação jurisdicional.

Exemplo claro é a disposição do art. 1º, inc. II, da Lei

9.613/98, que racionaliza sobre os crimes de lavagem e ocultação de dinheiro e

bens, pois, no dispositivo em comento, tem-se que o crime de terrorismo é

antecedente ao de lavagem de dinheiro propriamente dito.

Ocorre que, hodiernamente, não existe na legislação pátria

nada que defina o que vem a ser o crime de terrorismo.

Nesse particular, imperioso trazer à baila a anotação de

JESUS [2002, p.2] de que, “não possuímos lei ordinária definindo o delito de

terrorismo. Assim, se for introduzido no Brasil bem proveniente de terrorismo

cometido no estrangeiro, não incide na Lei 9613/98”.

Já o inciso IV do art.1º da Lei 9613/98 faz referência ao

delito de extorsão mediante seqüestro como modalidade criminosa prévia ao

crime de lavagem de dinheiro, o que significa notoriamente uma brecha da lei na

persecução criminal.

Neste condão JESUS [ 2002, p.2] aponta:

Suponha-se que o dinheiro lavado seja proveniente de crime de

extorsão indireta (CP, art.160). A lavagem não configura delito,

tendo em vista que o inciso menciona extorsão mediante

seqüestro (CP, art.159).

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Outrossim, o inciso V do artigo 1º da Lei Antilavagem prevê

no rol de crimes precedentes à lavagem de dinheiro aqueles perpetrados contra a

Administração Pública, conferindo ao dispositivo legal um exaurimento, ante a não

previsão de o delito ser cometido contra a Administração Publica de um país

estrangeiro, descaracterizando-se a lavagem de capitais. JESUS [2005, p. 02]

Vale destacar a seguinte observação de MENDRONI [2006,

p.101] a Lei 9.613/98:

Então, com a enumeração taxativa, o legislador brasileiro deixou

de permitir o processamento de crimes de lavagem de dinheiro

em relação à associação de outros delitos que, entendemos, não

poderiam ter sido deixados de fora. Indesculpavelmente, por

exemplo, a falha da lei brasileira em não prever expressamente,

no rol de crimes preexistentes à lavagem – a receptação, o roubo

qualificado, o estelionato, crimes econômicos, como a formação

de cartel e sos crimes fiscais. Evidentemente que estes também

ensejam grande quantidade de dinheiro e como tal deveriam

estar previstos.

Após esses breves apontamentos, verifica-se a

necessidade de alterações na Lei 9.613/98, vez que, o agente criminoso caminha

facilmente nas falhas da lei, o que favorece o cometimento de vários delitos que

não estejam encartados ao rol de crimes antecedentes e poderiam redundar no

crime de lavagem de dinheiro, ficando isentos de penalização.

3.2.2 Maior controle da atividade policial

É dever do Ministério Público realizar o controle externo da

atividade policial, aliás, este mister possui previsão constitucional, precisamente

no artigo 129, inciso VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de

1.988.

Neste sentido leciona MARQUES [2000, p. 1]:

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[...] a nação brasileira ordenou ao Ministério Público, como função

ou dever institucional, o controle externo da atividade policial, Isto

é, do mesmo modo que o Ministério Público é controlado nas suas

atividade-fim pelo Poder Judiciário, a Constituição Federal

incumbiu ao Ministério Público o controle por igual da atividade-fim

da polícia. Estendeu à polícia o sistema regra geral dos freios e

contrapesos, sob o protesto e a contragosto de muitos,

notadamente daqueles que se acostumaram à liberdade de agir

sem observar limites, nem os legais nem os morais. (in

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1598, acesso em

22.05.07, às 15:31h)

Oportuno também o escólio de FAZZIO JUNIOR [2001, p. 67]:

Quando o constituinte de 1988 atribuiu ao Ministério Público o

controle externo da atividade policial (art. 129, inciso VII), não lhe

conferiu uma autorização ou um poder (KannFormulierung) mas

uma determinação de dever (Muss-Bestimmungen). [...] A

atribuição do controle externo da atividade policial ao Ministério

Público não é simples programação constitucional abstrata. Trata-

se da imposição concreta de um dever material que não comporta

juízos discricionários de oportunidade e conveniência [...]. Com

efeito, a plenitude do exercício da legitimação ativa para a ação

penal pública não se satisfaz com o mero repasse de elementos

probatórios ao órgão jurisdicional. [...] Por derradeiro, ao

imperativo constitucional de controlar a atividade policial, imposto

ao Ministério Público, corresponde o direito subjetivo pessoal, cujo

titular é qualquer cidadão, de exigir que o parquet faça.

Em suma, tem-se que o Ministério Público tem o dever de

controlar a atividade policial, logo, é possível dizer que uma maior atuação da

Instituição ministerial teria o condão de coibir e reprimir o desvio de finalidade e

conduta das Policias, incluindo aí seus agentes, investigadores, delegados etc.,

que, por vezes, são corrompidos pelo crime organizado com vistas a facilitar e

ocultar o cometimento de crimes.

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3.2.3 Maior poder investigativo do Ministério Público (dominus litis)

Recentemente, a possibilidade do Ministério Público passar

a investigar a prática de crimes causou grande celeuma no Poder Legislativo, no

Judiciário, no âmbito das Policias e dentro da própria instituição do parquet.

Isso porque, entendeu-se que o Ministério Público iria

substituir a atividade da autoridade policial, especificamente da Polícia Judiciária,

na análise e apuração da autoria e materialidade dos crimes investigados,

todavia, mostrou-se como equivocada esta premissa, porquanto a postulação do

Ministério Público por maior poder de investigação, por seus próprios meios, em

nada prejudicaria a estrutura policial e investigativa já existente, aliás, viria apenas

para ajudar e desafogar um sistema, por vezes, sobrecarregado de trabalho.

Em que pese opiniões contrárias, a atribuição investigatória

do Ministério Público é perfeitamente possível à luz da Constituição Federal, pois,

como pondera TEMER [1.999, p. 27] “constituição é o conjunto de preceitos

imperativos fixadores de deveres e direitos, distribuidores da competência que

dão a estrutura social, ligando pessoas que se encontram em dado território em

época certa”.

Ao tecer comentários sobre o poder investigatório criminal

do Ministério Público, ANDRADE MOREIRA assevera:

O tema em epígrafe diz respeito a uma das mais importantes

atribuições do Ministério Público, em fase anterior ao processo

criminal e, muitas vezes, de fundamental importância para a

persecução criminal. Nada obstante opiniões em contrário, o certo

é que tal atribuição transparece suficientemente clara à luz dos

textos constitucionais, além de outros textos legais, como

procuraremos demonstrar a seguir. Com efeito, diz o art. 129, da

Constituição Federal que são funções do Ministério Público,

dentre outras: II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos

e dos serviços de relevância pública dos direitos assegurados

nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua

garantia; VI – expedir notificações nos procedimentos

administrativos de sua competência, requisitando informações e

documentos para instrui-los, na forma da lei complementar

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respectiva; VIII – requisitar diligências investigatórias e a

instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos

jurídicos de suas manifestações processuais; IX – exercer outras

funções que lhe sejam conferidas, desde que compatíveis com

sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a

consultoria jurídica de entidades públicas. (in

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1055. acesso em

21.05.07, às 16:47h)

Infere-se, então, que são fundamentos constitucionais que,

interpretados em um sistema, permitem a atuação do Ministério Público no âmbito

das investigações criminais.

Neste diapasão, pertinente a lição de POLASTRI LIMA [1.997,

p. 88]:

Trata-se à saciedade, de coleta direta de elementos de convicção

pelo promotor para elaborar a opinio delicti e, se for o caso,

oferecimento de denúncia, uma vez que, como já asseverado, não

está o membro do Ministério Público adstrito às investigações de

Polícia Judiciária, podendo colher provas em seu gabinete ou fora

deste, para respaldar a instauração da ação penal.

Por seu turno, MAZZILLI aduz [1.996, p. 239-400]:

Tanto na área cível como criminal, admitem-se investigações

diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado. Para

fazê-las, não raro se valerá de notificações e requisições. [...] Em

matéria criminal, as investigações diretas ministeriais constituem

exceção ao princípio da apuração das infrações penais pela

polícia judiciária; contudo, há casos em que se impõe a

investigação direta pelo Ministério Público, e como exemplos mais

comuns dizem respeito a crimes praticados por policiais e

autoridades.

Em realidade, há se dizer que com uma atribuição de maior

poder investigatório ao Ministério Público não se pretende substituir ou

menosprezar o trabalho das Policias, especialmente a Judiciária, mas tão

somente contribuir para retirar a sobrecarga de trabalho existente e,

principalmente melhorar a qualidade e serenidade das investigações.

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A título de ilustração e, novamente para aliar prática à teoria

expendida neste trabalho, colaciona-se alguns tópicos existentes no ATO

001/2004/PGJ/CGMP, ou seja, um ato administrativo conjunto da Procuradoria

Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina com a Corregedoria Geral do

Ministério Público do mesmo estado, o qual racionalizada acerca da instauração

dos procedimentos de investigação criminal.

Eis a exposição de motivos do ATO 001/2004/PGJ/CGMP

Considerando que o exercício da ação penal não depende

exclusivamente de prévio inquérito policial; Considerando o que

dispõem o art. 26 da Lei no 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 - Lei

Orgânica Nacional do Ministério Público -, o art. 8o da Lei

Complementar no 75, de 20 de maio de 1993 - Lei Orgânica do

Ministério Público da União -, o art. 83, I e XVII, d, da Lei

Complementar Estadual no 197/00 - Lei Orgânica do Ministério

Público de Santa Catarina - e o art. 4o, parágrafo único, do Código

de Processo Penal; Considerando que o Brasil, como Estado-

parte de Convenções Internacionais de Direitos Humanos e de

outros instrumentos internacionais, comprometeu-se a promover,

em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos

direitos humanos e às liberdades fundamentais; Considerando

que os Estados-membros do Brasil devem, na defesa dos direitos

humanos, priorizar a investigação e o combate aos delitos que

ameacem ou impeçam a concretização dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, a exemplo de

tortura, execuções sumárias, sonegação fiscal, lavagem de

dinheiro, corrupção etc; Considerando que a atual realidade social

está cada vez mais a exigir que o Ministério Público se posicione à

frente das investigações criminais, sobretudo aquelas que

apresentem um maior grau de complexidade ou de sofisticação no

seu processo de execução ou em relação às quais tenha havido

omissão ou insuperável deficiência da autoridade responsável

pela investigação; Considerando a necessidade de disciplinar, no

âmbito do Ministério Público de Santa Catarina, a instauração e

tramitação do Procedimento Investigatório Criminal - PIC;

Considerando a orientação expedida pelo Conselho Nacional de

Procuradores-Gerais de Justiça no sentido de se uniformizar os

procedimentos investigatórios criminais conduzidos pelo Ministério

Público; e Considerando a necessidade de efetivar-se o combate

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à criminalidade, primando pelo resguardo do poder punitivo

estatal,

E, dentre as mais relevantes, são estas as funções

investigativas do Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

Art.1º O procedimento investigatório criminal - PIC - é instrumento

de natureza administrativa e inquisitória, instaurado e presidido

pelo Ministério Público, tendo por fim a obtenção dos

esclarecimentos necessários à apuração de infrações penais de

ação penal pública.

Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não exclui

a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos

da Administração Pública e não constitui pressuposto processual

para o ajuizamento de ação penal. [...] Art.2º O procedimento

investigatório criminal poderá ser instaurado: I - de ofício, pelo

membro do Ministério Público com atribuições criminais, ao tomar

conhecimento de infração penal, por qualquer meio, entre os

quais: a) comunicação originada de outro membro do Ministério

Público, de autoridade judicial ou policial ou ainda de qualquer

outra autoridade; b) requerimento de qualquer pessoa; e

c) representação da vítima ou de seu representante legal quando

a lei a exigir; II - pelo Procurador-Geral de Justiça ou pelo membro

do Ministério Público por ele designado, em caso de discordância

da promoção de arquivamento de peças informativas ou do

indeferimento do pedido de instauração. §1o Da decisão que

indefere o requerimento de instauração de procedimento

investigatório criminal, caberá recurso ao Procurador-Geral de

Justiça, no prazo de 10 (dez) dias. §2o A designação a que se

refere o inciso II deverá recair sobre membro do Ministério Público

diverso daquele que promoveu o arquivamento. [...] Art. 6o Sem

prejuízo de outras providências inerentes à sua atribuição

funcional e legalmente previstas, o membro do Ministério Público,

ao presidir as investigações, poderá: I - fazer ou determinar a

execução de vistorias e inspeções; II - nomear peritos e tomar

deles o respectivo compromisso; III - requisitar informações,

exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e

entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, do

Estado e dos Municípios, acompanhando as diligências, quando

necessário; IV - requisitar informações e documentos a entidades

privadas; V - notificar testemunhas e requisitar sua condução

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coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as

prerrogativas legais; VI - acompanhar buscas e apreensões

deferidas pela autoridade judiciária; VII - acompanhar o

cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária

expedidos pela autoridade judiciária; [...] Art. 15. Os atos e as

peças do procedimento investigatório criminal são públicos, nos

termos deste Ato, salvo disposição legal em contrário ou por

razões de interesse público. Parágrafo único. A publicidade

consistirá: I - na expedição de certidão, mediante requerimento da

parte diretamente interessada, do Poder Judiciário, do Ministério

Público e de outros órgãos públicos; II - na concessão de vista dos

autos, nos termos do inciso I deste artigo; III - na extração de

cópias, nos termos do inciso I deste artigo; e IV - na prestação de

informações ao público em geral, a critério do presidente do

procedimento investigatório criminal, observados o princípio da

não-culpabilidade e as hipóteses legais de sigilo.

Não se olvida, então, que o poder investigatório do Ministério

Público obedece a todos os ditames legais, zelando pela aplicação efetiva e

respeito à legislação pertinente, incluindo as de cunho processual e

constitucional, demonstrando-se que a Instituição não pretende a usurpação ou

supressão de outros poderes ou, ainda, a substituição ou menosprezo à atividade

policial, mas sim colaborar e aprimorar o combate à criminalidade, especialmente

a organizada.

3.2.4 Criação de Varas Especializadas para conhecer, processar e julgar os

delitos perpetrados por organizações criminosas

Atualmente, se considerado o aumento da atuação das

organizações criminosas na prática dos crimes de lavagem de dinheiro e

daqueles que o antecedem, vislumbra-se, sem maiores dificuldades que o

Judiciário, um dos Poderes constituídos da República, não mais dá conta do

avassalador número de demandas que chegam à sua apreciação, e isso não só

na esfera criminal. [SALUSTIANI, 2006, p. 13]

Deste modo, tendo em vista a desproporção entre o número

de processos e as condições de aparelhamento estatal, incluindo aí a deficiência

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de equipamentos, sedes das Comarcas, reduzido número de serventuários,

magistrados e promotores de justiça, uma das saídas para o combate à

criminalidade organizada é a criação de Varas Especializadas para conhecer,

processar e julgar esta matéria.

Ademais, também se justifica esta medida pelas próprias

características do crime de lavagem de dinheiro e seus antecedentes, pois, são

delitos de fácil e rápida perpetração, que envolvem vultuosa soma em dinheiro,

logo, necessário se faz uma resposta rápida e eficiente da Justiça, sob pena da

eventual reprimenda aplicada se tornar ineficaz.

No dia 3 de maio de 2.006, o Conselho Nacional de Justiça

(CNJ) expediu a Recomendação nº 3 aos Tribunais Estaduais e Federais,

justamente no sentido de que criem varas especializadas para o combate dos

delitos perpetrados por organizações criminosas, veja-se:

CONSIDERANDO a necessidade de o Estado combater o crime

organizado, mediante a concentração de esforços e de recursos

públicos e informações; CONSIDERANDO a necessidade de

resposta judicial ágil e pronta, em relação às medidas especiais

de investigação aplicáveis no combate ao crime organizado, nos

termos da Lei nº 9.034/95 e da Convenção de Palermo;

CONSIDERANDO que a especialização ao combate ao crime

organizado já foi levada a efeito pelo Ministério Público e pelas

Forças Policiais; CONSIDERANDO que a especialização de varas

tem se revelado medida salutar, com notável incremento na

qualidade e na celeridade da prestação jurisdicional, em especial

para o processamento de delitos de maior complexidade, seja

quanto ao modus operandi, seja quanto ao número de pessoas

envolvidas; CONSIDERANDO que os Tribunais Regionais

Federais possuem autorização legal para especializar varas, de

acordo com o disposto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 5.010/66, c/c

o artigo 11, parágrafo único, da Lei nº 7.727/89 e que os Tribunais

de Justiça dos Estados estão também autorizados a especializar

varas nos termos da legislação de organização judiciária local,

resolve

Incumbe, então, aos Tribunais Estaduais e Federais a

criação de unidades especializadas para julgamento dos delitos praticados por

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organizações criminosas, no entanto, para a efetividade da medida se faz

necessário o repasse de maiores recursos ao Poder Judiciário, a fim de que

possa efetivamente criar, estruturar e dar condições de trabalho às Varas

Especializadas.

3.2.5 A efetiva necessidade da quebra de sigilo bancário e interceptação

telefônica como meios de obtenção de provas

Entre os mecanismos de repressão a lavagem de dinheiro, a

coleta de dados mediante a interceptação telefônica e a quebra de sigilo bancário

vêm sendo utilizada como meio de obtenção de provas para fins de investigação

e instrução processual criminal.No entanto, tais modalidades flexibilizam a

intimidade do particular, bem jurídico salvaguardado pela Constituição como

direito fundamental.

No tocante interceptação telefônica, cumpre informar que

sua autorização dar-se-á em caráter restrito pela autoridade judicial, quando

indispensável à produção de provas em casos de fundamentadas suspeitas de

ilicitude, o que significa um grande avanço às investigações criminais, que

mediante o rastreando das comunicações entre criminosos consegue agir

preparada e planejadamente.

Neste sentido disserta MENDRONI [2002, p.92] discorre:

A interceptação telefônica também conhecida por “escuta

telefônica” atualmente tem considerável grau de importância como

meio de produção de prova, já que planejamento, ordens e

execuções de crimes invariavelmente passam por necessidade de

comunicação entre os agentes, principalmente tratando-se de

Organização Criminosa.

No que tange a interceptação telefônica, por força da Lei

9.296/96 que regulamenta a parte final do inciso XII do artigo 5º da Constituição

Federal, percebe-se que poderá ser autorizada nesses estritos ditames:

Art.5º [...]

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XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no

ultimo caso, por ordem judicial , nas hipóteses e na forma que a lei

estabelecer para fins de investigação ou instrução processual

penal.

Estabelecendo hipóteses para a autorização da

interceptação telefônica, referida lei também racionaliza acerca dos meios de

comunicação de informática e telemática, frisando-se sempre que sua utilização

como veículo de obtenção lícita de prova deve revestir-se de justa causa.

Para tanto, há necessidade de prévia constatação dos

requisitos concernentes à autorização da interceptação telefônica, merecendo

registro os seguintes apontamentos destacados por STRECK [2001 p. 43]:

Em primeiro lugar, a autorização da interceptação - escrita e

fundamentada - deve ser concedida pelo juiz que for competente

para a apreciação da ação principal; juiz competente para

apreciação da ação principal; juiz competente significa que, na

hipótese de o investigado ter prerrogativa de foro, a autorização

da interceptação somente pode ser deferida pelo juiz natural. Em

segundo lugar, a interceptação somente pode ser autorizada para

constituir prova em investigação criminal ou em instrução

processual penal. O terceiro ponto – o sigilo do procedimento de

interceptação – aparentemente poderá suscitar alguns problemas,

sendo que isto é decorrente da própria natureza da diligencia,

visto que se este tiver conhecimento do procedimento de

interceptação jamais efetuaria qualquer comunicação

comprometedora, bem pelo contrário.

O artigo 2º, (incisos I usque III) da Lei 9.296/96 preconiza, in

verbis:

Art.2º Não será admitida a interceptação de comunicações

telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em

infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

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ÏII - o fato investigado constituir infração penal punida, no Maximo,

com pena de detenção

Nesta esteira, verifica-se que o dispositivo supra elenca três

hipóteses para o indeferimento de interceptações telefônicas, sendo que qualquer

destas ocorrências previstas em lei acarretará em sua não autorização .

Destaca-se ainda que, uma vez realizada a quebra de sigilo

telefônico, deve-se assegurar ao acusado o insofismável direito de que as

informações obtidas sejam direcionadas exclusivamente ao âmbito das

investigações criminais, pois, se forem compartilhadas ou divulgada, ao invés de

restrição, estar-se-ia diante de uma violação direta à intimidade.

Ademais, outras formas de comunicação monitoradas

favorecem a obtenção de provas de atividades criminosas, entre as quais

destacam-se as gravações clandestinas, a interceptação e gravação ambiental, a

interceptação ou captação de imagens, a obtenção de extratos telefônicos e a

interceptação de mensagens transmitidas via internet.

Noutro norte, desponta a quebra de sigilo bancário como um

eficaz meio de obtenção de prova em um panorama criminoso transnacional,

sobretudo no rastreamento de crimes de lavagem de dinheiro, uma vez que a

disposição de informações referentes a transações bancárias (saques e depósitos

bancários), evidenciam os meios empreendidos na consecução de atividades

ilícitas perpetradas pelas grandes facções criminosas.

Neste sentido BELLOQUE [2003, p.85] enfatiza:

Na atualidade, os indivíduos e as empresa utilizam-se largamente

dos serviços oferecidos pelas instituições financeiras, sendo muito

freqüente o direcionamento do provento da prática delitiva a um

estabelecimento bancário. De outra parte, com a sofisticação dos

meios dos meios operacionais da criminalidade, as transações

financeiras passaram a representar o locus de graves condutas

criminosas, como a lavagem de dinheiro e os crimes contra a

ordem econômica e o sistema financeiro. Sem falar nos crimes

contra a ordem tributária e previdenciária, cuja única prova

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concludente, por vezes, resulta da documentação da conduta da

documentação financeira a agasalhada pelo sigilo.

O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal preceitua:

Art.5º [...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo

dano material ou moral decorrente de sua violação.

Em que pese os ditames constitucionalmente assegurados

à proteção da intimidade da pessoa, sua inviolabilidade não reina absoluta nem

pode servir de escora a práticas criminosas, vez que embora admitida em caráter

de exceção, a quebra de sigilo das operações financeiras realizadas em torno de

pessoas suspeitas, fundamenta-se como provimento a viabilização da obtenção

de provas, sobretudo na macrocriminalidade econômica, cujo sigilo bancário

representa um óbice insuperável à eficácia das investigações criminais.

Preleciona MENDRONI [2002 p.110]:

Uma vez obtidos os dados da movimentação bancária do

investigado ou processado, será possível realizar minuciosa

análise, cruzando dados de valores , e datas de depósitos, que

viabilizam melhor compreensão de eventual estratagema

existente. Muitas vezes a análise mais aprofundada requer a

solicitação de microfilmes de cheques ingressados em contas, que

permitam a obtenção de informações a respeito da conta corrente

originária, do seu correntista, data da emissão do cheque, etc.

Salienta-se que a quebra de sigilo bancário igualmente a

interceptação dos meios de comunicações, dar-se-á em segredo de justiça,

competindo à autoridade judiciária que autorizou a quebra a qualidade de

depositária das informações coletadas, utilizando-as tão somente para a

realização dos seus fins.

O artigo 38, § 1º da Lei 4.595/64 elencava as hipóteses de

autorização concernentes à quebra de sigilo bancário, senão vejamos:

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Art. 38. As Instituições financeiras conservarão sigilo em sua

operações ativas e passivas e serviços prestados.

§1º As informações e esclarecimentos prestados ordenados pelo

Poder Judiciário , prestados pelo Banco central da Republica

Federativa do Brasil ou pelas instituições financeiras, e as

exibições de livros e documentos em juízo, só podendo a eles ter

acesso as partes legitimas na causa, que deles não poderão

servir-se para fins estranhos à mesma.

Contudo, o supracitado artigo foi revogado pela Lei

Complementar Nº 105, de 10 de janeiro de 2.001, que manteve o mesmo teor do

caput do artigo 38, todavia, ampliou-se às hipóteses referentes às informações

de caráter sigiloso disponibilizadas a terceiros.

Preconiza o artigo 1º da Lei Complementar nº 105:

Art.1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas

operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos

desta Lei Complementar:

I – os bancos de qualquer espécie;

II – distribuidoras de valores mobiliários;

III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários;

IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos;

V – sociedades de crédito imobiliário;

VI – administradoras de cartões de crédito;

VII – sociedades de arrendamento mercantil;

VIII – administradoras de mercado de balcão organizado;

IX – cooperativas de crédito;

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X – associações de poupança e empréstimo;

XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros;

XII – entidades de liquidação e compensação;

XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas

operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho

Monetário Nacional

Outro importante apontamento a ser destacado é o poder

que dispõe o Ministério Público no exercício de suas funções, para determinar a

requisição da quebra de sigilo bancário de pessoas jurídicas, conforme dispõe o

artigo 26, incisos Ib e II c da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério

Público):

Art.26 - No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de

autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos

órgãos e entidades da administração direta, indireta ou

fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do

distrito Federal e dos Municípios;

c) omissis

II - requisitar informações e documentos a entidades privadas,

para instruir procedimentos ou processo em que oficie.

Desta forma, a quebra de sigilo bancário da pessoa jurídica

por requerimento do Ministério Público, confere um maior dinamismo às

investigações criminais

Outrossim, acerca da quebra do sigilo bancário da pessoa

física a requerimento do Ministério Publico, os entendimentos doutrinários e

jurisprudenciais vêm posicionando-se assentes a sua determinação.[MENDRONI,

2002, p. 113].

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Denota-se do exposto, que a quebra dos sigilos telefônicos

e bancários previamente autorizadas por autoridade judiciária, despontam como

importantes avanços à obtenção de provas nas investigações criminais,

possibilitando mecanismos eficazes na repressão aos macrocrimes econômicos,

sobretudo nos crimes de lavagem de dinheiro, que dependem dos meios de

comunicação e das bem sucedidas transações bancárias como pontos basilares

de sua estrutura delinqüente.

Por fim, como medida de coação processual penal, incidente

sobre o direito à intimidade, relevante desdobramento da liberdade individual, a

quebra de sigilo bancário e interceptação telefônica devem obedecer a uma série

de ponderações e valorações prévias, na aplicação prática ao caso concreto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciou-se este trabalho científico com o estudo da

macrocriminalidade econômica, entendida como sinônimo de criminalidade

organizada.

Diante da temática proposta, fez-se necessário adentrar em

seus lineamentos primordiais, a fim de demonstrar seu conceito, características,

diferenciação com a criminalidade clássica e, principalmente, traçar as

considerações necessárias no que tange ao modo de operação dos agentes

ativos do crime organizado e sua estruturação hierárquica.

No desenvolver do trabalho, abordou-se o crime de lavagem

de dinheiro propriamente dito e a ocorrência dos delitos que, via de regra,

necessariamente o antecedem. Foi trazido à apreciação, ainda, as características

peculiares desse crime (lavagem de dinheiro), também denominado de

branqueamento de dinheiro e capitais.

Neste contexto, passou-se à análise da aplicação da teoria

que gravita em torno da macrocriminalidade econômica, como meio à perpetração

dos crimes de lavagem de dinheiro e aqueles que o antecedem, e isso foi possível

através de decisões dos Tribunais Pátrios. Ainda, apreciou-se, mesmo que com

breves considerações, acerca dos mecanismos necessário à repressão da

lavagem de dinheiro.

A Macrocriminalidade econômica, via de regra, é cometido

por organizações criminosas, as quais utilizam toda uma estrutura bem elaborada

para atingirem seus fins, movimentando vultuosas somas em dinheiro e capitais

oriundos da perpetração de suas atividades ilícitas, causam danos em grande

escala à coletividade, vez que contrariamente a criminalidade clássica, os

macrocrimes econômicos não visam atingir uma vítima em potencial, ao contrário,

a lesão patrimonial incide em bens supra-individuais, atacando diretamente a

ordem econômica estatal.

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Destarte, confirmou-se a primeira hipótese levantada de que,

a Macrocriminalidade econômica visa atacar bens jurídicos supra individuais.

Já quanto à necessidade da ocorrência de um crime

antecedente ao de lavagem de dinheiro propriamente dito, apurou-se que, em

regra, há de existir um delito precursor ao de branqueamento de dinheiro e

capitais, no entanto, ainda que não exista materialidade cabal do crime

antecedente, mas apenas indícios dele, mostra-se como possível o

reconhecimento e julgamento da prática da lavagem de dinheiro.

No tocante as fases da lavagem de dinheiro, a doutrina é

assente na identificação de ao menos três etapas utilizadas pelos agentes

lavadores na transmutação de dinheiro sujo em dinheiro limpo, denominadas

fases de colocação, ocultação e integração, posto que, trata-se de modalidade

criminosa astuciosa e planejada, convalidada na inteligência de seus mentores

para a consecução de ilícitos, dificultando possíveis rastreamento acerca da

origem obscura de vultuosas cifras auferidas.

Contudo, registra-se que a constatação da ocorrência de

apenas uma das etapas supra citadas seja aplicada ao caso concreto, para a

consumação do crime de lavagem de dinheiro, confirma-se a segunda hipótese

sobre a necessidade ou não da ocorrência das três etapas da lavagem de

dinheiro.

A interceptação telefônica e a quebra de sigilo bancário vêm

sendo utilizadas, ainda que em caráter restritivo, como significativos meios de

obtenção de provas nas investigações criminais, sobretudo na apuração dos

macrocrimes econômicos, cujos meios de comunicação e as movimentações

financeiras são fontes precípuas de seu todo o seu operacionismo ilegal.

Neste condão, a macrocriminalidade econômica, por suas

peculiaridade, requer métodos de provas que flexibilizem o Direito à intimidade do

particular em nome do interesse público, tais como a interceptação telefônica e a

quebra de sigilo bancário, devendo obedecer a uma série de ponderações e

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valorações prévias a sua autorização, confirmando-se a terceira hipótese

levantada neste trabalho científico.

Por fim, urge como necessário destacar a dificuldade

encontrada na feitura da presente monografia, no que tange ao pouco material

disponível sobre a macrocriminalidade econômica e o delito de lavagem de

dinheiro, mas na medida em que a pesquisa tomou corpo, não constituiu óbice ao

desiderato de confirmar as hipóteses levantadas neste trabalho, ressaltando

sempre que o presente trabalho científico não tem o condão de aprofundamento

do tema e, principalmente, de esgotá-lo.

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