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A mais distante explosão

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Pesquisa FAPESP - Ed 116

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Page 1: A mais distante explosão

Ciência e Tecnologia eno Brasil

Outubro 2005' N° 116

PARTíCULASSOB O OLHARBRASilEIRO

CORTINAANTICAlOR

A maisdistante I ,.". exp osao

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Page 3: A mais distante explosão

A IMAGEM DO MÊS

VOAN DO NA CH INA

Duas novas espécies de pterossauro foram identificadas no nordeste da China. Os fósseisdos répteis voadores foram descobertos por paleontólogos da Academia de Ciências Chinesa,do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)e do Museu de Ciênciasda Terra do Departamento Nacional de Produção Mineral. O nome de um dos fósseis,o Nurhachius ignaciobritoi (a/to), relembra o paleontólogo brasileiro Ignacio Brito, professorde paleontologia da UFRJfalecido em 2001. O outro, o Feilongus youngi (abaixo), homenageiao paleontólogo chinês C. C. Young, pioneiro da pesquisa de pterossauros em seu país.

PESQUISA FAPESP 116 • OUTUBRO DE 2005 • 3

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www.revistapesquisa.fapesp.brPeiqeT~nüisa

FAPESP

40 CAPABrasileiros participamda descoberta da mais antigaexplosão de uma estrela

45 Observatório PierreAuger capta raioscósmicos de alta energia

REPORTAGENS CI~NCIA

POLíTICA CIENTíFICAE TECNOLÓGICA 50 IMUNOLOGIA

30 PATENTESProteção da propriedadeintelectual ampliabenefíciossociais da pesquisa

34 BIOSSEGURANÇADecreto regulamentalei e permite a retomada dasatividades da CTNBio

Butantan testa novosoro e uma pomadacontra as picadasda aranha-marrom

35 FINANCIAMENTORegulamentaçãode fundo reforçaráatuação da pastade Ciência e Tecnologia

54 GEOLOGIARio Taquari muda de cursoe inunda permanentemente6 mil km2 no Pantanal

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1-----------------------------------------------------

14 ENTREVISTAO neurocientistaMiguel Nicolelis falados avanços no usodo cérebro para moverpróteses e robôs

TECNOLOGIA

7° MEDICINA NUCLEARCristal desenvolvidono Ipen detecta tumorese auxilia cirurgias

72 ENGENHARIA DE MATERIAIS

Filme plástico aplicadoem cortina bloqueiaraios solares e reduzconsumo de energia

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26 DIFUSÃOBiblioteca SciELO Brasilganha visibilidadee novos patrocinadores

BIOQuíMICANovo tipo de proteína vegetaltem ação mais eficaz nocombate a pragas agrícolas

HUMANIDADES

80 CIÊNCIA POLíTICAComo o Partido dosTrabalhadores passoua enfrentar problemasinternos e grandes polêmicasao chegar ao poder central

86 CIÊNCIA POLíTICA .ENTREVISTA

Leôncio Martins diz quea crise de hoje teve iníciohá tempos, quando o PTpassou a conquistar pedaçosdo aparelho do Estado

46 MEDICINAA descobertade marcadoresbiológicos estáajudando a ampliaro resultado deterapias contraa artrite reumatóide

90 SOCIOLOGIA

z

v

Consulta popular sobrearmas pede debatede mentes desarmadas

64 FíSICAVelocidade na internete centenas de computadoressão o passaporte brasileiropara estudo de partículassubatômicas

SEÇÕES

A IMAGEM DO MÊS 3CARTAS 6CARTA DO EDITOR 9MEMÓRIA 10ESTRATÉGIAS ...........•......... 20LABORATÓRIO 36SCIELO NOTíCIAS 58LINHA DE PRODUÇÃO 60RESENHA························94

LIVROS .............•.......•.... 95FICÇÃO··························96CLASSIFICADOS 98Capa: Hélio de AlmeidaFoto: Nasa/GSFC/Dana BerryTratamento de imagem: José Roberto Medda

PESQUISA FAPESP 116 • OUTUBRO DE 2005 • 5

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[email protected]

As águas vão rolar

A edição 112 de Pesquisa FAPESPtraz reportagem sobre o projeto detransposição do rio São Francisco,na qual fui um dos entrevistados. Naedição 114 o geólogo José do Patro-cínio Albuquerque apresen-ta críticas àquela entrevista,concluindo sobre o teor doque não foi dito, de formadescortês e enviesada. Ra-zão pela qual rebato os ar-gumentos do ilustre profes-sor para melhor informar osleitores desta revista.1. Alcançar 37% da popula-ção do Polígono das Secascom um único projeto, aocontrário de ser limitado, éalgo incomum, que de-monstra a relevância doprojeto de transposição parao país. Nenhum outro em-preendimento hídrico no

ordeste pode influenciarpositivamente uma popula-ção tão expressiva, daí ser eleum projeto estratégico;2. O professor reclama pelo destinode 2 milhões de trabalhadores, quesofrem com as secas da região dosemi-árido, considerando que a cria-ção de 540 mil empregos na regiãopelo projeto de transposição é insufi-ciente. Também diz que não há umprograma de mitigação dos efeitosdas estiagens sobre a produção agrí-cola. Será que a criação de mais de500 mil empregos não constitui umefeito expressivo para essa mitigação?3. Concordo que as cisternas sãoobras paliativas, emergenciais, quenão vão solucionar o problema dasustentabilidade da população dosemi-árido. Entretanto, o sentido doque afirmei na entrevista foi o deque é preciso implementar projetosestruturantes, como a transposição,pois não basta ter água para beberem alguns meses do ano. É precisoágua para produzir!

4. Realmente afirmei que só uns cemaçudes valem a pena no Nordesteporque eles dão garantia de águapara a população, em especial para os80% que residem nas cidades, mes-mo na ocorrência das grandes secas.Os pequenos açudes são necessários

6 • OUTUBRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 116

EMPRESA QUE APÓIAAPESQUISA BRASILEIRA

lJ) N OVART I STroplNet.org

para distribuir a água no meio rural,mas não garantem a sustentabilidadeda produção nas secas plurianuais,comuns na região. A proliferação depequenos açudes, grandes evaporí-metros, retira água dos açudes queficam rio abaixo e que são responsá-veis pelo abastecimento da área maispopulosa da região. A produção hí-drica das bacias decrescerá com aproliferação dos pequenos açudes;5. Jamais afirmeique os pequenos pro-dutores e os minifúndios serão desa-propriados. Muito menos onde indicao professor, pois os canais do projetonão atingirão as áreas por ele mencio-nadas, apenas colocarão água nos riosque abastecem boa parte da produçãoda agricultura familiar da área. O In-era só fará desapropriações ao longoda faixa dos canais, onde houver lati-fúndio e terras aptas à agricultura, evi-tando que uns poucos sebeneficiem deum investimento pesado da sociedade.

Espero que o professor Patrocí-nio possa refletir sobre essas coloca-ções e colaborar para que o empreen-dimento que critica seja otimizadoem benefício daqueles a quem visatrazer melhores condições de vida.

JOÃo URBANO CAG IN

Engenheirode Recursos Hídricos

Brasília,DF

Getúlio e Juscelino

Em nome do CPDOC/FGV agradeço a nota "Getú-lio por inteiro na internet"(edição 115), sobre a digita-lização dos documentos doarquivo pessoal de GetúlioVargas. Só tenho a informarque o CPDOC não possui oacervo do ex-presidente Jus-celino Kubitschek, mas arti-gos de pesquisadores sobre operíodo. De ex-presidentes,além de Getúlio Vargas, oCPDOC possui os arquivosde Wenceslau Brás, Café Fi-

lho, Eurico Dutra, João Goulart, Er-nesto Geisel, Costa e Silva (somentefotos) e Tancredo Neves.

SUELY BRAGA

CPDOC/FGVRio de Janeiro, RJ

Reciclagem correta

Na reportagem "Aproveitamentototal" (edição 114), a informação deque o processo de reciclagem da em-balagem longa-vida aproveitava ape-nas o papel e direcionava para osaterros sanitários os dois outroscomponentes (plástico e alumínio)não corresponde à realidade. Bemantes da tecnologia de plasma, à qualse refere a reportagem, a Tetra Pak jáhavia desenvolvido no Brasil outrasformas de reciclagem do plástico e doalumínio das embalagens longa-vida.O plástico e o alumínio das embala-gens pós-consumo são usados desde

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1999 na fabricação de utensílios,como telhas, placas para construçãocivil, canetas, brindes e até móveis.

CARLA COELHO

Diretora de Comunicações - Tetra PakSão Paulo, SP

Acupuntura

Na reportagem "A quuruca daacupuntura" (edição 113) afirma-seque a acupuntura "já se mostrou efi-ciente no combate à dor e às inten-sas náuseas provoca das pelo uso demedicamentos contra o câncer ...um potente aliado no tratamento daasma, do acidente vascular cerebral edo uso abusivo de drogas': A afirma-ção não é verdadeira. Não existe evi-dência clara em favor da acupunturapara nenhuma dessas condições (vejao site www.jr2.ox.ac.uk/bandolier/booth/booths/altmed.html). Mes-mo em relação ao freqüentem ente ci-tado "P6 para náusea e vômito» (e.g.[Lee et al. Anesth Analg 1999 88:1362-9]), a evidência existente nãoé satisfatória, pois a grande maioriados trabalhos no tópico não se uti-lizou de controles adequados (nãocontrolou por "acupuntura falsa").Além disso, recente estudo de altaqualidade não foi capaz de detectaresse efeito [Streitberger et aI. Anes-thesia 2004 59: 142-149]. É interes-sante que a reportagem cite um exce-lente trabalho, publicado no fama[Linde et al. fama 293(17) 2005], quenão foi capaz de detectar efeitos espe-cíficos para a acupuntura para tratarcefaléia. Isso ilustra uma caracterís-tica que a acupuntura partilha coma homeopatia: trabalhos em que ummaior cuidado é tomado em relaçãoà randomização e blinding em geraltêm resultados negativos.

RENAN M. V. R. ALMEIDA, PH.D.Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, RJ

Resposta do pesquisador Luiz Eu-gênio Araújo de Moraes Mel/o:

o texto publicado indica, de fato,que "a acupuntura já se mostrou efi-ciente': Esta afirmação pode ser en-contrada no site http://nccam.nih.gov/health/acupuncture/#work dosInstitutos Nacionais de Saúde dosEstados Unidos. Dentro dessa linha, aargumentação daquela frase não foicabal, mas indicativa, baseada eminformações da agência do governonorte-americano, o maior centro depesquisa médica em todo o mundo.A parte mais expressiva dos experi-mentos relatados na matéria foi reali-zada em animais de experimentaçãoem estudos com grupos de controlebem constituídos, eliminada dessaforma a perspectiva de explicaçõesbaseadas em efeito placebo.

Correções

Na reportagem "Laços estreitos»(edição 115) foi atribuída equivocada-mente a Ricardo Baeza Yates a decla-ração segundo a qual para competircom um bom programa de pós-gra-duação brasileiro precisaria unir-se aoutro importante grupo de seu país.Na verdade, comentários sobre a pro-dutividade da pesquisa brasileira emcomputação foram feitos por outroslatino-americanos presentes no eventoda Microsoft.

Em "Médicos ou monstros?" (edi-ção 110) a frase "os manuais ensina-ram comandantes de negreiros a seabastecer com verduras e sucos defrutas cítricas para evitar a doença(escorbuto)" está errada. Só na pri-meira década do século 20 provou-seque sucos de frutas cítricas trataramcom sucesso a doença. Silvia Lara, su-pervisora do projeto, integra o De-partamento de História da Unicampe não da USP como foi publicado.

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-rnall [email protected]. pelo fax (11)3838-4181ou para a rua Pio XI. 1.500. São Paulo. SP.CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

PesqeTecnülial'APESP

As reportagens dePesquisa FAPESPretratama construção do conhecimentoque será fundamental para odesenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

• Números atrasadosPreço atual de capa da revistaacrescido do valor de pastagem.Tel. (11)3038-1438

• Assinaturas, renovaçãoe mudança de endereçoLigue: (11)3038-1434Mande um fax: (11)3038-1418Ou envie um e-mail:[email protected]

• Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redaçãode Pesquisa FAPESPRua Pio Xl,1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11)3838-4181ou pelo e-mail:[email protected]

• Site da revistaNo endereço eletrônicowww.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos dePesquisa FAPESPna íntegrae um arquivo com todas as ediçõesda revista, incluindoos suplementos especiais.No site também estãodisponíveis as reportagensem inglês e espanhol.

• Para anunciarLigue para: (11)3838-4008

oque a ciênciabrasileira praduzvocê encontra aqui

PESQUISA FAPESP 116 • OUTU BRO DE 2005 • 7

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Rádio Eldorado AMSintonize 700 kHz

Apresentação Tatiana FerrazComentários Mariluce Moura

Diretora de redaçãode Pesquisa FAPESP

Sábados, às 12h30Reprise aos sábados às 19h30e aos domingos às '14h

PeiqeT~iiisã.FAPESP

www.revistapesquisa.fapesp.br

Toda semana,em meia hora,você tem:

• Novidades deciência e tecnologia

• Entrevistas com pesquisadores

• Profissão Pesquisa

• Memória dos grandes momentosda ciência

E o que não poderia faltar:sua participação nas seções

• Pesquisa Responde

• Promoção da Semana

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Page 9: A mais distante explosão

Pesquisa CARLOS VOGT

PRESIDENTE

MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, HUGO AGUIRRE ARMELIN,

I OS É ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR. VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO).

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO,

JOAQUIM j. DE CAMARGO ENGLER, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,

RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLÜ

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOU N

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES),

CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICACST), HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)

EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA

EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÂO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

FOTÓGRAFOS EDUARDO CE5AR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES ADILSON AUGUSTO. ALESSANDRA PEREIRA, ANA LIMA,

ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ. EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), LAURABEATRIZ, LAURA TEIXEIRA,

MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, PENHA ROCHA, SÍRIO |. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO (ON-LINE),

TONY MONTI E YURI VASCONCELOS

ASSINATURAS TELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 - FAX; (li) 3038-1418 e-mail: [email protected]

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GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP

FAPESP RUA PIO XI. N? 1.500, CEP 05468-901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181

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NÚMEROS ATRASADOS

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

CARTA DA EDITORA

Uma explosão estelar

No início de setembro, a peque- na mas aguerrida comunidade de astrofísicos brasileiros co-

memorou um feito que atesta mais uma vez sua alta qualificação: no dia 4, me- nos de sete horas depois de um satélite da Nasa ter enviado um alerta para to- dos os astrofísicos de plantão sobre pos- síveis indícios de uma explosão de raios gama nos confins da constelação de Pei- xes, o jovem pesquisador paulista Eduar- do Cypriano, ligado ao Soar, captou as primeiras imagens do que adiante se ve- rificaria ser uma explosão estelar muito mais importante do que se supunha. Na verdade, tratava-se simplesmente - como se constatou a partir das medições do Soar, observatório do qual o Brasil é um dos sócios majoritários e que conta com um apoio importante da FAPESP - da mais antiga e distante explosão de uma estrela já captada na Terra. E toda essa história está muito bem contada pelo editor especial Marcos Pivetta, a partir da página 40.

Aliás, há mais nesta edição sobre esse tipo de participação importante de pes- quisadores do país em grandes projetos científicos internacionais: o editor de tecnologia, Marcos Oliveira, conta como físicos brasileiros estão envolvidos num gigantesco estudo de partículas subatô- micas, a partir da página 64.

O Partido dos Trabalhadores tam- bém é objeto de reportagem de Pesquisa FAPESP, e por uma razão muito simples, seja do ponto de vista jornalístico, seja do ponto de vista acadêmico: é que des- de o seu nascimento em 1980, o parti- do que agora protagoniza uma crise que atrai os olhos da nação inteira para Bra- sília, foi uma das instituições políticas do país mais estudadas por sociólogos, cien- tistas políticos e filósofos, daqui e dalhu- res. A propósito, ainda lembro do pensa- dor francês Felix Guattari, no auditório do Ceas, Centro de Estudos e Ação So- cial, em Salvador, numa noite no come- ço dos anos 1980, saudando a fundação do partido como um fato efetivamente novo na história da esquerda, mais ain-

da, na história da política, se é que pode- mos dizer assim, em nível mundial. E explicando, explicando incansavelmen- te, essa sua visão a um auditório lotado de rostos ansiosos em torno dos 30 anos que queriam, depois de tanto sofrimen- to imposto pela ditadura militar, recupe- rar a fé na capacidade transformadora da ação política. Mas volto ao trilho da ex- posição: se tem sido tão estudado, ima- ginamos, talvez a academia tenha algu- ma luz nova a jogar sobre a natureza, as razões imediatas e mais profundas des- sa crise, e seus possíveis desdobramen- tos. De fato - tinha... E é exatamente isso que se poderá conferir na irrepreensível reportagem do editor de Humanidades, Carlos Haag, a partir da página 80.

Há muitas outras reportagens desta edição que mereceriam destaque neste espaço. No entanto, desta vez vou usá- lo para destacar uma parte essencial da identidade desta revista que quase sem- pre permanece na sombra: a arte. Sugi- ro um olhar mais atento que de hábito ao visual de Pesquisa FAPESP, que tem no comando um finíssimo artista, Hélio de Almeida, nosso diretor de arte, apoia- do por uma equipe competente forma- da por Tânia Maria dos Santos, a chefe da arte, mais Tose Roberto Medda e Mayumi Okuyama, mais os fotógrafos Miguel Bo- yayan e Eduardo César. Reparem, por exemplo, nas fotos das entrevistas pin- gue-pongue, em preto-e-branco, nas pá- ginas 15 e 87. Elas não criam uma at- mosfera diferente nessas páginas? E o que dizer das ilustrações da reportagem sobre o desarmamento, nas páginas 91,92 e 93? São verdadeiras esculturas criadas pelo próprio Hélio para esta edição e depois fotografadas. Bem perto, nas páginas 81, 82 e 85, um olhar demorado nas ilus- trações de Laurabeatriz vai com certeza acrescentar fruição estética à leitura da revista. Enfim, Pesquisa FAPESP é pen- sada para oferecer leitura relevante sobre a ciência, a tecnologia e a pesquisa de hu- manidades em nosso país, num suporte de indiscutível plasticidade estética.

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAçãO

PESQUISA FAPESP 116 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ 9

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MEMóRIA

Tecnologia e arte Há 511 anos, o italiano Aldo Manuzio começava a reinventar o livro impresso

NELDSON MARCOLIN

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Hzcinfimtmhocltbro. Tliwcriti Edoga; crigmca. GmitfThcomo&dcmuennonebucolicorum. CatoniiRomaJUÍcaucittucparaEncacdCciiftidH. SeiiccaciiC íepcem üpicnrum. Defmiuiu. Thcogütdis mcgircnfis üculi fcntcno\f clcgúac.

Manuzio e trecho de Églogas,

de Teócrito, edição bilíngüe em grego

e latim, de 1497

os seus primeiros 50 anos de história o livro impresso pouco mudou. O alemão Johannes Gutenberg inventou os tipos móveis em 1442 e publicou, em 1455,

provavelmente com Peter Schoffer, a Bíblia, tida como o primeiro livro impresso do Ocidente. Até 1494 foram publicados milhares de outras obras, mas foi o tipógrafo, editor e livreiro italiano Aldo Manuzio o responsável por inovações que mudaram a forma de fazer livros no mundo nos 500 anos seguintes. Como editor, foi o primeiro a imprimir os clássicos greco-latinos, indicados por um conselho editorial - algo também inovador, que ganhou o nome de Academia Aldina -, com alguns dos proeminentes espíritos da

época, como Erasmo de Rotterdam. Esses eruditos não só escolhiam os melhores textos da Antigüidade para publicar como faziam a tradução, quando era o caso, os comentários e colaboravam na edição. Participavam da academia 32 intelectuais europeus escolhidos e convidados por Manuzio. Como tipógrafo criou o tipo cursivo - igualmente conhecido como manuscrito, itálico, inclinado ou aldino -, o formato de bolso, a página dupla como unidade formal e a lombada plana. Nas capas, substituiu a madeira pelo cartão, passou a usar pergaminho de cabra como revestimento e a gravar nele o título do livro com ouro aquecido. Por fim, como livreiro, fez o primeiro catálogo com a relação de obras publicadas e respectivos preços e criou o então inédito agrupamento de livros dentro de séries ou coleções. A maioria dessas inovações conserva-se ainda hoje na rotina da produção editorial em todo o mundo.

10 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 116

Page 11: A mais distante explosão

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qiieluíncxnmabiieràchira 6: copiofo cdéndo dei fuodúcotío imaginarioluuadifcriminaco,inIocodiCico gligranioun tenuifllmabraíreaargemea. Oltra di qucfto 3í ragioneuol-

mentthauea èão 8í alcunialcrimaiicrepací ,madi granelaturaimmaruri.ouehaucacópofKocum im- probocxquifitodicralTiunionedicandoreorienta'

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Aldo Manuzio nasceu por volta de 1450, em Bassiano di Sermonetta, e morreu em 1515, em Veneza. Em pleno Renascimento, as principais cidades italianas brilhavam com a renovação nas artes plásticas, letras e arquitetura, com os olhos voltados para modelos greco-romanos. Nesse ambiente repleto de escritores, pintores, escultores, filósofos, cientistas e - não menos importantes - mecenas, "Veneza toda era ciência e sabedoria", no dizer de John Ruskin, crítico de arte, pensador e escritor inglês do final do século 19. Foi lá que Manuzio se estabeleceu e onde freqüentava a oficina tipográfica de

Andréa Torresani em 1492, seu futuro sogro. Sob o incentivo do amigo e protetor, o nobre Giovanni Francesco Pico delia Mirandola, Manuzio tornou-se editor e imprimiu suas primeiras edições em 1494. Os dois amigos, apaixonados pela língua e literatura gregas, detestavam as péssimas traduções, impressões e edições daquele tempo, conta o catalão Enric Sauté, historiador das artes gráficas, no recém-lançado Aldo Manuzio: editor, tipógrafo, livreiro (Ateliê Editorial, 253 páginas). Foi esse tratamento rústico dado aos clássicos que levou o então tipógrafo a considerar seriamente uma velha idéia -

No alto, o excepcional Hypnerotomachia, de 1499. Acima, o logotipo da casa editorial: pioneirismo

a de oferecer a estudantes e estudiosos produtos literários e lingüísticos de primeira qualidade. Além da efervescência cultural de Veneza, havia dois motivos especiais para Aldo se estabelecer na cidade. O primeiro é que o local se tornara a capital mundial da tipografia, com centenas de profissionais na cidade e suas respectivas oficinas. Por volta de 1480, 410 cidades de seis países europeus tinham tipografia, a maior parte na Itália, "como se o país houvesse usurpado a invenção da Alemanha", comenta Sauté. O segundo motivo era que ali se estabelecera numerosa colônia de exilados gregos, algo muito conveniente para Manuzio, dada a

PESQUISA FAPESP116 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ 11

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maior facilidade para se encontrar revisores, calígrafos, tipógrafos, impressores e encadernadores para os textos originais que pretendia editar nessa língua. Antes de mergulhar em edições ambiciosas, Aldo teve o cuidado de editar tratados de gramática, vocabulários e opúsculos de iniciação para o estudo das línguas clássicas. Finalmente, para imprimir os gregos, era preciso, primeiro, conseguir os manuscritos disponíveis, porém dispersos por toda a Europa. Ler, entender e corrigir possíveis falhas em cópias manuscritas de textos milenares era tarefa árdua, especialmente porque a paleografia não estava desenvolvida.

Itálico - Determinado, Manuzio venceu um a um os obstáculos e imprimiu a obra completa de Aristóteles entre 1495 e 1498, em cinco volumes. E mais à frente, em 1513, fez o mesmo com Platão, além de publicar os demais pensadores, dramaturgos, historiadores e poetas da Antigüidade como Xenofonte, Eurípedes, Heródoto, Esopo, Plutarco, Homero, Teócrito, entre tantos outros. Tal produção impulsionou os estudos helenísticos na Itália renascentista e se disseminou pelos demais países, que passaram a publicar os clássicos gregos. Manuzio imprimia também muitos livros em latim e poucos em italiano. No primeiro caso, Ovídio, Virgílio, Cícero, Horácio, para ficar apenas em alguns. No último caso, basicamente Dante Alighieri e Petrarca. O holandês Erasmo de

"Efes do violino", a mais que provável influência da letra cursiva inventada por Manuzio para os livros de bolso

Rotterdam, o mais famoso humanista de seu tempo, por exemplo, escrevia em latim e chegou a ser seu contratado exclusivo por mais de um ano, algo totalmente inusitado para aquele período. Antes que os livros da casa editorial de Manuzio criassem um novo padrão de excelência na edição e impressão, os tipos de imprensa mais comuns eram moldados sobre alfabetos de tipologia gótica, "em variantes

pesadas e angulosas, de difícil leitura", explica Enric Sauté em seu estudo. Os primeiros tipos que Manuzio mandou entalhar foram do alfabeto grego, feitos por calígrafos e artesãos gregos radicados em Veneza. Quando começou a editar em latim, o melhor gravador de Aldo, Francesco Griffo, criou um tipo inédito, redondo, longe da tendência de engrossar os traços da letra para tentar obter o peso visual correto. A tipologia cursiva

(ou itálico, como é mais conhecido hoje) foi inventada por Manuzio em 1500, já pensando no lançamento das edições de bolso, projeto feito especialmente para sua adaptação ao formato pequeno. O sucesso do cursivo foi tão grande que suscitou imitações imediatas. Uma provável influência ocorreu num setor distante da tipografia. O violino de quatro cordas surgiu por volta de 1550, segundo todos os indícios, em Cremona ("a cidade dos lendários Amati, Guamieri e Stradivarius", lembra Sauté). O instrumento tem dois arabescos simétricos e característicos em ambos os lados da ponte, perfurando a tampa harmônica para obter a ressonância acústica correta. Esses arabescos têm a forma inconfundível de uma letra cursiva: os "efes do violino".

Êxito - As coleções de bolso com suas letras cursivas foram o maior êxito de Manuzio. As primeiras saíram em 1501, com três livros de Virgílio: Bucólicas, Geórgicas e Eneida. Foram mais de 50 títulos, o que significa que ele colocou na praça, entre 1501 e 1506, um título de bolso a cada 60 dias. O preço máximo era de 1 ducado (cerca de R$ 50) e a tiragem inicial de mil exemplares - sem contar as freqüentes reedições. "Era uma proeza, considerando-se que se trata de fenômeno cultural e comercial acontecido há mais de 500 anos", espanta-se Sauté em seu livro. O mesmo espanto com a qualidade das obras de Manuzio, que colocou em alto patamar o padrão

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Edição de As rimas (1533), de Petrarca, com marcas de nanquim. Hoje é possível ler através da tinta: censura efêmera

tipográfico, gráfico e editorial do livro, ainda se mantém entre os apaixonados pelo objeto livro. "Manuzio foi um gênio ao unir tecnologia e arte para melhorar o livro e torná-lo atraente e funcional", diz Cláudio Giordano, tradutor do texto de Sauté e criador da Oficina do Livro, entidade paulistana que procura preservar, recuperar e manter vivos obras, jornais e documentos esquecidos por editoras, críticos e

leitores. Giordano se refere aos primeiros livros impressos, grandes e pesados, difíceis de carregar e ler com capas de madeira revestida com couro.

Tempo e censura - O bibliófilo José Mindlin, dono do principal acervo particular de livros raros do país e grande admirador do editor e impressor, é talvez o dono do único exemplar do Hypnerotomachia poliphili, de Fernando Colonna, de 1499, no Brasil

{foto na página 11), a edição mais primorosa já feita por Manuzio. "Se fosse publicado hoje, esse livro ainda seria um sucesso, tal a clareza da leitura, a beleza das ilustrações e a qualidade da edição", acredita. Mindlin mostra uma reedição de 1533 de As rimas, livro de poemas de Petrarca em italiano - cuja primeira edição, de 1514, é de Manuzio -, com parte das linhas manchadas. "Como tem alguns sonetos contra

o papa, os editores da época foram obrigados a cobrir os versos com tinta nanquim. Ocorre que hoje é perfeitamente possível ler através da tinta desbotada", observa. Durante a ditadura brasileira, Mindlin usava a história desse livro como um pretexto para alertar: "O tempo venceu a censura". Como no livro de Petrarca, o tempo tratou de preservar a relevância da extensa obra inovadora de Aldo Manuzio.

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ENTREVISTA: MIGUEL NICOLEUS

O homem das múltiplas conexões

MARCOS PIVETTA

Referência mundial na neu- rociência, o irrequieto Mi- guel Nicolelis, um paulista- no que há mais de 15 anos mora nos Estados Unidos, se prepara para desfrutar seu primeiro ano sabático. Será um ano e tanto. E a programação dos próximos meses já está pronta. Vai passar um tempinho em

Natal, à beira-mar. Ficar uns dias em Lausanne, na Suí- ça. Visitar rapidamente São Paulo. E, quando sentir sau- dades de casa, voltar para a Carolina do Norte, estado que abriga a Universidade de Duke, onde chefia um la- boratório com mais de 30 subordinados e algumas de- zenas de milhões de dólares de orçamento. Ninguém pense que Nicolelis vai a todos esses lugares a passeio, embora a estada na capital paulista seja sempre uma oportunidade para visitar seus pais e, se possível, ver ao vivo um jogo do Palmeiras, uma de suas paixões. Aos 45 anos, o neurocientista tirou um ano sabático para ter mais tempo para trabalhar por seus projetos, em es- pecial a construção do Instituto de Neurociências de Natal. "Vou ficar na ponte área Estados Unidos, Brasil e Suíça", afirma o pesquisador, pai de três garotos e casa- do com a médica Laura, espécie de gerente administra- tiva das iniciativas do marido. Na terra dos relógios e do chocolate o brasileiro vai montar, a pedido dos hel- véticos, um novo centro de neurociências.

Nesta entrevista, concedida durante uma recente passagem por São Paulo, Nicolelis fala do início de sua carreira, ainda no Brasil, da mudança para os Estados Unidos e dos progressos de suas pesquisas, que abriram caminho para a criação de modernas interfaces cére- bro-máquina. No futuro próximo, esses dispositivos, movidos por sinais extraídos do cérebro do próprio pa-

ciente, talvez permitam que pessoas deficientes se loco- movam com o auxílio de robôs. "Queremos que seja um brasileiro o primeiro ser humano a se beneficiar dessa tecnologia", afirma ele.

■ Quando você começou a pensar em ser pesquisador? — Foi depois de ter acabado o terceiro ano na Facul- dade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM/USP), onde eu era diretor esportivo do clube dos alunos. Queria fazer algo diferente, e não a medicina tradicional. Gostava de medicina, ainda gosto, mas não achei o dia-a-dia da parte clínica tão excitante quanto havia imaginado. Então comecei a procurar um traba- lho em pesquisa. Fui falar com o professor César Timo- Iaria [neurofisiologista que trabalhava no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP], que faleceu recen- temente e foi o meu grande mentor. E pedi uma bolsa de iniciação científica da FAPESP para trabalhar com computação. Era 1982 e a primeira geração de micro- computadores estava chegando ao Brasil. Eu me inte- ressava por epidemiologia, por modelos matemáticos de interação bacteriana. Mas já tinha curiosidade mui- to grande de pensar no cérebro como um grande com- putador. Quanto mais eu estudava computação, mais percebia que o interessante realmente era estudar o cé- rebro. Quando terminei a faculdade, em 1984, fui um dos dois alunos da minha turma que optaram por não fazer exame de residência. Fui fazer doutorado direto.

■ De que tratava o doutorado? — Era uma tese estranha. Metade dela era um projeto de computação, de análise de conexões neurais. No tér- mino do doutorado, cheguei à conclusão de que a neu- rociência estava num dilema. Não dava mais para olhar para um neurônio só de cada vez. Era preciso ver vá- rios ao mesmo tempo. Foi essa sensação que tive lendo toda literatura científica da área. Uma vantagem de estar

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no Brasil era que, se havia dificuldades de fazer coisas experimentais, era possí- vel ler pra burro. Havia tempo para isso.

■ O que você fez depois? — Terminei a tese em 1988 e comecei a procurar no mundo algum lugar onde existisse alguém que tivesse pelo menos alguma idéia parecida com a minha. Depois de conversar com o dr. César, comecei a escrever para um monte de gente. Acho que recebi umas 40 cartas de rejeição. Essa era a norma. E de re- pente encontrei na revista Science dois anúncios interessantes. Um era de um cara da Universidade Yale, o Gordon Shepherd, e o outro de John Chapin, da Universidade Hahnemann. Ambos me aceitaram, mas acabei indo para a Hah- nemann. Yale queria que eu fizesse algo mais tradicional, interessante, mas não era o meu sonho mesmo. O John, da Hahnemann, uma universidade peque- na da Filadélfia, tinha a mesma idéia que eu. Ele chegou à conclusão de que o caminho era esse mesmo, registrar centenas de células nervosas ao mesmo tempo. O John me pediu para ir lá fazer uma entrevista e eu fui. E, no final do dia, me ofereceu um pós-doutorado na universidade. Três meses depois fui para a Filadélfia. Anos mais tarde, após a minha saída da Hahnemann, essa universidade foi comprada, mudou de perfil e hoje é parte do que se chama MCP (Medicai College of Pennsylva- nia-Hahnemann University). Mas, du- rante um período, ela investiu pesado em neurociência e pôs muito dinheiro na área.

■ Como era a vida na Hahnemann? — Por seis meses, deixei minha família no Brasil, minha mulher Laura e meu primeiro filho, o Pedro, que tinha 6 meses. Eu tinha apenas uma bolsa da FAPESP de pós-doutorado (só mais tar- de fui contratado pela universidade). Foi uma loucura. Cheguei sozinho num mundo diferente e estava aprendendo a falar inglês. Mas sempre fui muito bem tratado. Ter ido primeiro para um lugar pequeno, sem a pressão de Yale ou Har- vard, foi ótimo. Afinal, não era um lu- gar em que se esperava que você fosse, de cara, fazer alguma coisa importante. Mas, para mim, o fracasso não era uma opção. Ou eu dava certo, fazia a coisa direito, ou não ia ter chance alguma de

fazer o que eu queria no Brasil. Era tu- do ou nada.

■ Mas era bom fazer pesquisa lá? — Era um paraíso. O John abriu a por- ta de um laboratório, que já era um dos centros de ponta em neurofisiologia do mundo, e me falou "é seu". Me deu uma Ferrari na mão e falou "aprende a diri- gir". Na América é assim. O chefe não fica em cima de você todo o dia. Ele quer resultado, mas a liberdade é total. Ele dá os meios, dá tudo, mas o negó- cio é o seguinte: "Se vira, meu amigo". E foi exatamente o que o John fez. Só consigo trabalhar desse jeito. Com li- berdade. Aqui no Brasil, no laboratório do dr. César, eu tinha isso. Mas na USP, na época, não era possível ter.

■ Por quê? — As posições eram muito mais hie- rárquicas, fixas. Tive um chefe na pato- logia da USP que era um cara muito duro. Tinha de fazer do jeito dele ou ir para a rua. Não havia alternativa. Não se podia questionar nada. Na América um aluno de High School (ensino mé- dio) questiona o que eu falo. E ele está certo em questionar. Só porque eu falo não quer dizer que seja verdade. Aqui não se pode questionar o chefe. Ele é deus. Essa postura mata a ciência. Não é só falta de dinheiro que mata a ciên- cia. Quem está em pesquisa e não con- segue ter autonomia vai virar técnico. Não vai virar um pesquisador-chefe. Na Hahnemann também aprendi a ge- renciar meu tempo. Tinha que dividir o meu dia entre fazer experimento e ler. Posso dizer que fiz um curso de neuro- ciência em três anos na Hahnemann como jamais teria feito na minha vida. Estava tudo lá: literatura científica, li- vro e a internet, que começava a apare- cer. Acho que nunca li tanto na minha vida como de 1989 a 1993.

■ O que você aprendeu nesse período? — Sabia o que estava acontecendo na neurociência de trás para a frente. Co- nheci todo mundo que estava na van- guarda da área. Foi quando descobri o que tinha acima das nuvens. Esse é o grande problema da ciência. Não é chegar nas nuvens, mas ver o que está acima, qual é o horizonte. Descobrir qual é a pergunta fundamental que tem que ser feita em sua área. Isso é muito

difícil. Levou quatro, cinco anos para eu conseguir ter uma idéia.

■ E qual foi a sua idéia? — Estava interessado em entender as leis fisiológicas que regem a interação entre grandes populações de neurônios. Se entendermos isso, entenderemos tu- do. Poderemos entender como o cére- bro funciona, explicar a consciência e até como as doenças neurológicas des- troem essa noção. Isso é o Santo Graal da neurociência. Hoje sinto que esta- mos muito perto de criar uma teoria unificadora que una tudo isso numa única base mecanicista.

■ Como você se transferiu da Hahne- mann para a Universidade de Duke? — Um dia apareceu na Hahnemann um cara que era o chefe de um novo departamento de neurobiologia da Duke, Dale Purvis, que era famoso e eu conhecia de nome. Dale tinha ouvido falar do meu trabalho porque eu tinha dado uma palestra, uma das primeiras da minha vida, num congresso e por- que um grande amigo dele conhecia um dos professores da Hahnemann que estava trabalhando comigo. Ele, que estava ali para dar uma palestra, fa- lou que queria conversar comigo. Para minha surpresa, o cara passou três ho- ras comigo, vendo meus experimentos. Um mês depois recebo um convite dele para dar uma palestra na Duke. Nunca tinha dado uma palestra fora de con- gresso, dessas em que você é convidado para falar. Achei demais. Dei minha pa- lestra na Duke e passei o dia falando com esse professor.

■ Nessa época você já fazia referências ao futebol brasileiro em suas palestras? — Já. Mas ainda não havíamos ganho a Copa de 1994. Dei a palestra e fiquei conversando o dia inteiro com um mon- te de professores do departamento. O último encontro do dia era com o Dale. Então ele me disse que o pessoal havia gostado muito da palestra e que ele es- tava ali com as impressões de todos. Achei estranhíssimo. Mas o Dale pros- seguiu e disse que as impressões eram excelentes e me ofereceu um emprego.

■ Era um processo de avaliação? — Era. É o que eles chamam áejob talk ou job interview. Mas não me falaram

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nada sobre isso porque acharam que eu ia ficar nervoso, que eu ia tentar im- pressionar as pessoas na entrevista. E eles queriam me ver ao natural. Quan- do terminou o dia, eu tinha uma ofer- ta de emprego num dos maiores de- partamentos de pesquisa do país com coisas que nem sabia que existiam. Por exemplo: quando você consegue um emprego na América, eles dão uma verba para você criar o seu laboratório. Uma quantidade de dinheiro que eu nunca tinha visto na minha vida. E dão xis anos de suporte. Pagam a sua mu- dança e o que for necessário para você se instalar.

■ Eles fazem um grande investimento na pessoa. — Brutal. Eles selecionam bem as pes- soas. Não contratam por concurso. Não há essa coisa de banca examinado- ra. Eles varrem o país em busca do cara que case perfeitamente com o que eles querem. Isso é feito olhando o currícu- lo e a produção do candidato, pedindo carta de recomendação das pessoas que interagem com o candidato e entrevis- tando-o, é claro. É assim que funciona. E, aliás, funciona muito bem. Quando cheguei na Duke, eu e a Laura, que imediatamente virou minha manager de laboratório, havia apenas o chão das salas que ocuparíamos, um escritório e muito dinheiro para equipamentos. E mais nada. Gosto de falar que montar um laboratório é como criar uma pa- daria. Você é um homem de negócios. Tem de fazer tudo, ir atrás de aluno, de pós-doc, de técnico, de equipamento, de animais de laboratório. E conseguir dinheiro. A universidade investe em vo- cê, faz uma espécie de empréstimo, mas quer retorno. A pressão é muito gran- de. Eu não sabia como era. No começo levei pedradas. Na Hahnemann eu es- tava num ambiente quase familiar, com seis pessoas no meu laboratório.

■ Como era essa pressão? — Você passa seis anos sendo revisado e avaliado continuamente. Depois des- se prazo, ou você fica lá, ou eles o man- dam embora.

■ Não há cobrança em termos de publi- cação de artigos científicos? — Claro. Cobram publicação. E sempre perguntam o que você está fazendo e

quais são suas idéias. Você rotineiramen- te dá seminários para a universidade. Quando cheguei na Duke, era realmen- te um cucaracha. Os caras me pergun- tavam: "Você estudou na Universidade de São Paulo? Em que lugar da Califór- nia fica isso? Perto de San José, Santa Barbara? São Paulo fica onde?". Eu fala- va que era mais ao sul. É verdade. Tive de enfrentar isso.

■ Foi na Duke que começaram os im- plantes de eletrodos em animais? — Não. Foi antes, ainda na Hahne- mann. Minha idéia era desenvolver uma técnica cirúrgica e um método que, desde o início, permitissem o registro de múltiplos lugares do cérebro. Fiz is- so primeiro em ratos. Como o espaço na cabeça do animal é muito pequeno, tinha que criar técnicas para pôr múlti- plos conectores nos roedores. Na épo- ca os conectores eram grandes. Hoje temos microconectores. Quando saí da Hahnemann, já tinha feito experimen- tos que renderam um artigo para a Sci- ence. Mas foi na Duke, depois de 1995, quando publiquei meu segundo artigo na revista, que o meu trabalho explo- diu. Nesse artigo apresentamos pela pri- meira vez o registro total de uma via neural sensorial, desde o primeiro neu- rônio no gânglio trigeminal até o cór- tex. Nunca ninguém tinha visto essa imagem. É como mirar um telescópio para uma galáxia nunca observada.

■ Qual foi a repercussão desse trabalho? — Acho que até hoje é o meu trabalho mais citado na literatura científica. Foi uma revolução. Ele mostrou que a di-

nâmica do circuito cerebral como um todo não podia ser prevista pelos regis- tros de um único lugar. E que, na realida- de, todos os componentes do circuito contêm informação das outras estrutu- ras. Ou seja, todas as estruturas estão co- nectadas, e com múltiplas fibras. Uma informação que aparece numa estrutu- ra é rapidamente disseminada para as demais do circuito. Em vez de ser um processo hierárquico, onde cada estru- tura desempenha uma função, é um processo compartilhado. Todas as estru- turas têm funções compartilhadas. Foi um trabalho que me abriu as portas. Evidentemente, quando fizemos um ne- gócio desse porte, metade da neurociên- cia falou que era loucura.

■ E outra metade achou sensacional. — A outra metade ficou de queixo caí- do e começou a investir na área. Mas foi um período muito difícil. Meu primeiro aluno no laboratório da Duke era um americano filho de pais paquistaneses, Asif Ghazanfar. De brincadeira, eu e ele chamávamos nosso laboratório de la- boratório de lugar nenhum. Isso por- que o orientador era brasileiro e o alu- no era paquistanês [hoje há mais de 30 pessoas no laboratório de Nicolelis, das quais 8 brasüeiras]. Só que o Asif foi um moleque - hoje ele é professor de Prin- ceton - que comprou o sonho. Ele me ajudou muito. Nossa produção foi mui- to grande. Mas em 1997 reparei que não adiantava ficar só na área tátil, sensorial, que é a minha especialidade. Para mos- trar que esse conceito de como o cére- bro funciona era geral e fundamental, tínhamos que ir para outras áreas. Pre-

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cisávamos de uma demonstração vi- sual, concreta, dessa idéia. Criamos en- tão uma interface cérebro-máquina.

■ No que vocês pensavam exatamente? — Naquele momento, ainda não tinha a noção de que esse trabalho iria gerar uma possibilidade de terapia clínica. Não dava para prever. Eu queria era de- monstrar que era possível ler sinais elé- tricos do cérebro, extrair um código motor e usar esse sinal para controlar um braço mecânico, que reproduziria um movimento que o animal fazia. Es- se era o conceito a ser demonstrado. Voltando à Hahnemann, ainda com o John Chapin, quando fizemos o pri- meiro experimento em rato, vimos que estávamos diante de algo gigantesco, muito maior do que uma simples de- monstração de uma teoria. Podíamos es- tar realmente abrindo uma comporta. E foi realmente isso. Logo em seguida eu fiz o primeiro trabalho com maca- cos, na Duke, e os bichos conseguiram controlar um braço mecânico com a in- terface cérebro-máquina. Então a coisa realmente explodiu. Havia um potencial não só em pesquisa básica, que conti- nua a ser uma área quente, mas tam- bém em termos de aplicações clínicas.

■ Quais são as perspectivas de aplicação da interface cérebro-máquina no homem? — Há uns dois anos testamos a interfa- ce em 11 pacientes humanos enquanto eles eram submetidos a uma cirurgia para aliviar sintomas do mal de Parkin- son. Ela funcionou bem. Implantamos temporariamente 32 microeletrodos numa região do cérebro e captamos atividade elétrica suficiente para mover uma prótese. Mas existem várias possi- bilidades de aplicações. Temos de in- vestir em múltiplas direções ao mesmo tempo, inclusive em mais pesquisa bá- sica. Depois que demonstramos o po- tencial dessa abordagem, vários grupos de pesquisa nos Estados Unidos come- çaram a trabalhar na área. Mas algumas pessoas já querem ganhar dinheiro com isso e essa é uma postura que eu abomino. Há duas ou três companhias que dizem abertamente que não é ne- cessário fazer mais pesquisa, que basta colocar o implante, com fios e tudo, nas pessoas. Isso é uma loucura. Há várias perguntas para as quais ainda não te- mos respostas. Como o cérebro vai res-

ponder a um implante que dure anos? Nós, por exemplo, temos lá nos Estados Unidos dois macacos-coruja que estão há quatro anos com o implante. Os ani- mais estão bem e o implante continua funcionando. Estamos publicando um trabalho sobre esse experimento.

■ Um dos maiores problemas da interfa- ce cérebro-máquina ainda é miniaturi- zar todos os seus componentes? — Sim, mas miniaturizamos boa parte do que usei no primeiro experimento com seres humanos. Agora quase tudo está num chip, uma plaquinha menor que um cartão de crédito, que no futu- ro teoricamente o paciente vai usar na cintura, como se fosse um celular. Esta- mos agora implantando por seis meses em macacos uma série de equipamen- tos. Pode até não ser a versão da inter- face que vai ser usada por um ser hu- mano, mas é muito próxima dela. Agora tudo é wireless, sem fio. Os sinais captados no cérebro vão ser transmiti- dos por onda de rádio. Tudo vai para essa placa, que manda os sinais, como um celular, para o robô, que está do lado do paciente. Fora isso, também co- meçamos a testar um exoesqueleto, uma veste de metal que botamos no macaco para ele se mexer numa esteira.

■ Como é esse projeto do exoesqueleto? — É uma veste completa, de corpo in- teiro, que carregaria a pessoa deficiente. Já existem exoesqueletos, só que eles são muito pesados e complicados e ninguém nunca pensou em controlá- los com sinais vindos do cérebro. Na realidade, o que já existe é um robô que anda, mas que não faz a curva nem pára quando você quer. Ou seja, uma pessoa, por exemplo, tetraplégica entra num aparelho e é ele que anda. Minha idéia é adaptar esse robô, que foi criado para ser usado em Marte, onde um as- tronauta não teria forças para andar de- vido ao desgaste da viagem. Ninguém duvida de que conseguiremos tirar os sinais do cérebro necessários para controlar as articulações desse robô. O que ninguém sabe é como vamos man- ter essa pessoa dentro desse exoesque- leto. Isso porque quando o robô anda o equilíbrio é perturbado e ele não con- segue mais manter a postura erétil de quando está parado. Esse é um grande desafio de controle, um problema de

engenharia. Nessa situação, o cérebro também vai ter que prover sinais de equilíbrio para o robô. E ninguém nun- ca fez isso.

■ A pessoa tem que reaprender a andar, só que por meio do robô? — Exatamente. E o robô também tem que reaprender. Será preciso criar uma engenharia adaptativa, modelos adap- tativos que aprendem como uma crian- ça. A idéia é exatamente essa. Foi isso que me motivou a conversar com pes- quisadores da Suíça e do Japão, onde estão os deuses da robótica em certas áreas. Também foi isso que me fez ter a idéia de criar uma rede internacional de institutos de neurociência, com sede na Suíça, da qual o projeto de Natal fará parte. A neurociência cresceu tanto ho- je que está quase na mesma situação da física 40 anos atrás. É impossível fazer algo de enorme impacto num único lu- gar. É preciso um grupo de pessoas das mais diversas especialidades, de onde for necessário.

■ Aliás, como surgiu a idéia do Instituto de Neurociências de Natal? — Surgiu em 2002 de três brasileiros, eu, o Sidarta Ribeiro, da minha equipe na Duke, e o Cláudio Melo, da Oregon Health and Science University. Chega- mos à conclusão de que o Brasil tinha que investir em ciência de ponta feita dentro de um modelo diferente, mais ágil, e com uma visão social. O modelo universitário de pesquisa brasileira é tra- dicional, complicado e enfrenta muitos problemas. Queríamos criar algo como os Institutos Max Planck, da Alema- nha, que formam uma rede de institu- tos dentro do país em áreas vitais.

■ Não é uma idéia megalomaníaca? — Claro. Sem dúvida nenhuma. Mas a minha avó sempre me dizia, e vou re- petir isso até morrer, que sonhar pe- queno e sonhar grande tomam o mes- mo tempo. Só que o produto final do sonho pequeno é muito pequeno com- parado com o sonho grande. Por isso é melhor sonhar grande. Não tenho a am- bição de concretizar essa rede em dois ou três anos. É um projeto para uma ge- ração, que está começando agora com o Instituto de Natal. Esse modelo não existe em lugar nenhum. A ciência po- de ser um agente de transformação so-

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ciai, educacional, de prestação de servi- ços clínicos. O cérebro tem a ver com esporte, ciência, arte, é uma coisa revo- lucionária. Hoje essa visão não é só mi- nha. Outras pessoas em outros países começaram a olhar para essa idéia co- mo algo avassalador, de tal maneira que hoje a maior parte dos recursos de por- te para o projeto de Natal está vindo de fora do Brasil.

■ O que há de recursos até o momento? — Primeiro, recebemos algumas fontes de recursos do governo federal, prove- nientes de convênios com diferentes ministérios. Algo entre R$ 4,5 milhões e R$ 5,5 milhões. Parte dos recursos já está em Natal, parte ainda estamos es- perando receber. Mas, de repente, por exemplo, nós estabelecemos uma im- portante parceria com o Hospital Sírio- Libanês, de São Paulo, que vai fazer parte dessa rede internacional de insti- tutos em neurociência. O Sírio será o centro clínico por excelência da rede e, em contrapartida, fez uma doação de US$ 1 milhão para a parte social do projeto em Natal. Também consegui le- vantar, lá nos Estados Unidos, contra- tos de pesquisa para o Brasil da ordem de US$ 2 milhões para os próximos dois ou três anos. Há pouco tempo fi- zemos um leilão beneficente de obras de arte em São Paulo e conseguimos numa noite R$ 350 mil. Quando levei o projeto de Natal para o pessoal da Suí- ça, eles me disseram o seguinte. Se eu criasse um instituto de neuroengenha- ria em Lausanne e fixasse a sede da rede internacional de neurociência lá, eles me ajudariam a levantar US$ 6 milhões pa- ra o projeto de Natal. Topei. Até agora, acho que conseguimos um total de US$ 10 milhões para Natal.

■ Está tudo certo com o terreno em Ma- caíba, nos arredores de Natal, onde vai funcionar a sede do instituto? — Está e já temos um outro terreno, doado pela prefeitura de Macaíba, onde vamos construir a escola e o cen- tro de saúde mental ligados ao institu- to. Mas, enquanto não iniciamos as obras da sede definitiva do projeto, ao lado do qual também funcionará um complexo poliesportivo, não ficamos parados. Decidimos alugar um prédio em Natal para abrigar os primeiros la- boratórios do instituto e também o pri-

meiro componente social de nosso pro- jeto, que serão aulas de educação cien- tífica para o público infanto-juvenil. O Sidarta já está se instalando em Natal para começar a tocar o instituto.

■ Qual será o papel de Natal e do Brasil nessa rede de pesquisas? — Quero fazer aqui a parte final dos testes clínicos, com o apoio da Duke. Por que aqui? Assim que o projeto de Natal começou a andar, chegamos à conclusão de que precisaríamos de um centro clínico para trabalhar com essa rede internacional. Apesar de a Duke ter um centro clínico de grande porte, queríamos fazer essa parte da pesquisa clínica no Brasil. Queremos fazer histó- ria aqui. Daí a parceria com o Sírio. Queremos que seja um brasileiro o pri- meiro ser humano a se beneficiar dessa tecnologia a ponto de voltar a andar ou mexer os braços.

■ Em quanto tempo isso será possível? — É difícil prever, mas planejamos ter condição de fazer isso nos próximos três anos. Não posso descartar a hipó- tese de alguém ter sucesso antes de nós.

De repente aparece uma descoberta re- volucionária. Mas nosso prazo é esse. O importante é que haja um benefício real durante os testes clínicos. Quero que os primeiros pacientes possam ao menos sentir a restauração motora e realizar tarefas. Um tetraplégico, por exemplo, usaria um robô para pegar um copo ou um garfo. Ninguém vai sair da cama andando logo de cara.

■ O Instituto de Natal estará aberto à participação de pesquisadores das uni- versidades brasileiras? — O instituto é um projeto privado, mas aberto à colaboração com todo mundo. Tenho sido procurado muito por uma nova geração de neurocien- tistas. Recebo e-mail do Brasil inteiro. Mas a visão da geração mais sênior de cientistas brasileiros é muito feudal. Acha que os territórios são impenetrá- veis. Cada um tem seu feudo e não quer que apareçam outros feudos, porque, desse modo, haverá mais competição. Sentir que isso ainda existe no Brasil foi uma decepção muito grande. Não pre- ciso de nenhum feudo no Brasil. Minha intenção nunca foi essa. Nunca quis dis- putar recursos com os pesquisadores brasileiros no CNPq, na FAPESP ou na Finep, de forma alguma.

■ Você sente que esse foi o tom dominan- te da reação ao seu projeto em Natal? — Houve um medo totalmente exage- rado, em especial no começo do proje- to. Se houve uma grande decepção, foi ver que pessoas com altas posições na hierarquia científica brasileira mostra- ram ter uma mentalidade muito peque- na. Isso é da natureza humana e nunca me influenciou. Mas também houve o oposto, a reação de pessoas que me re- ceberam com entusiasmo.

■ Como são as reações hoje? — Acho que as pessoas não têm muito o que falar. No começo achavam que o Instituto de Natal era uma utopia mui- to bonita, mas que eu iria tirar o time de campo assim que provasse da reali- dade brasileira. Mas não tirei. A atitude que eu tenho é a mesma que tive quan- do fui para a América: falhar é inconce- bível. Pode demorar 20 anos. Nunca disse que iria fazer isso em dois, três ou quatro anos. Mas a palavra desistir não consta do meu vocabulário. •

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I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

■ Sob o céu da Argentina

China e Argentina acabam de estabelecer uma cooperação na pesquisa em astronomia. O Observatório Nacional da Academia de Ciências da Chi- na vai instalar um equipa- mento astronômico de preci- são na Universidade San Juan, na Argentina. Trata-se de um Satellite Laser Ranging (SLR, na sigla em inglês), cuja fun- ção é medir com precisão, por meio de emissões de raios la- ser, distâncias entre telescópios em terra e refletores de saté- lites em órbita. O tempo de viagem de ida e volta é medido e serve para calcular a distân- cia. Além de mostrar a órbita exata do satélite, o equipa-

mento permite, por exemplo, monitorar a rotação do pla- neta, tomando-se medidas de diversas estações na superfí- cie terrestre. A tecnologia exis- te desde a década de 1950.0 aparelho construído na Chi- na pertence à terceira geração dos SLR e tem precisão maior do que a maioria dos equipa- mentos existentes, boa parte deles instalada no hemisfé- rio Norte. A Província de San Juan, nos Andes argentinos, é local privilegiado no hemis- fério Sul para abrigar o ins- trumento. Técnicos chineses passarão uma temporada na Argentina, para ajustar o ins- trumento. Os resultados cien- tíficos serão compartilhados pelos dois países. {Xinhuanet, 9 de setembro) •

Gente que faz... satélites

Sessenta universidades de vários cantos do mundo uniram-se num objetivo co- mum: povoar a órbita ter- restre com centenas de mi- nissatélites de baixo custo, próprios para realizar ex- periências científicas. Sob a liderança de Robert Twiggs, professor do Departamento de Aeronáutica e Astronáu- tica da Universidade Stan- ford, constróem protótipos dos CubeSats, minissatéli- tes em forma de cubo, com apenas 10 centímetros de la- do e 1 quilo de peso, capazes de trabalhar em baixas órbi- tas, entre 400 e 600 quilôme- tros da superfície terrestre. "Somos um grupo interna- cional devotado a compar- tilhar publicamente infor- mações e aprimorar uma tecnologia", diz Twiggs. "So- mos, para os pequenos sa- télites, o equivalente ao que a comunidade Linux repre- senta para os sistemas ope- racionais de computadores." No final de agosto, a comu- nidade aumentou com a vi- sita a Stanford de um grupo

de cinco estudantes da Uni- versidade de Bucareste, ca- pital da Romênia. Twiggs coordenou uma semana de treinamento que mostrou aos jovens como construir CubeSats - que prometem ser os primeiros satélites lançados pelo país do Leste Europeu. Os estudantes ro- menos planejam realizar vá- rios experimentos com seus CubeSats, como a detecção de poeira de meteoros e a medição de radiações. Espe- ram lançar os artefatos em 2007. "Coordenar uma mis- são completa de um satéli- te, passando pela construção e o lançamento, é um exce- lente desafio para jovens pesquisadores, com ímpeto de seguir carreira tecnoló- gica", diz Marius-Ioan Piso, chefe da Agência Espacial da Romênia. O objetivo da comunidade CubeSat é es- timular estudantes de gra- duação e pós-graduação a iniciar-se na tecnologia dos satélites. A construção de cada protótipo custa US$ 25 mil, uma barganha perto do

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preço de grandes satéli- tes, que saem por até US$ 400 milhões. O baixo cus- to é premissa importante. "Há liberdade para fa- lhar", diz Twiggs. Em ju- nho de 2003, os primei- ros seis CubeSats foram lançados ao espaço a par- tir de uma base russa, a bordo de um foguete ale- mão. Até o final deste ano, outros três devem ser lançados. Cada pequeno cubo pode carregar dois instrumentos científicos. Participam do projeto, além dos Estados Unidos, instituições de países como o Canadá, Japão, Suíça, Austrália, Dina- marca, Coréia do Sul, Alemanha, Colômbia, Portugal, Taiwan, No- ruega, Turquia, Argenti- na, Malásia, África do Sul e China. O Brasil também participa da co- munidade, por meio de um grupo da Universi- dade Norte do Paraná (Unopar). (Stanford Re- port, 7 de setembro) •

■ Esforço concentrado

O governo da Tailândia pla- neja criar um superministé- rio da Pesquisa e Desenvolvi- mento, por meio da fusão dos atuais ministérios da Ciência e Tecnologia e da Tecnologia de Informação e Comunica- ção. A mudança busca ajudar a indústria do país a alcançar um novo perfil com o desen- volvimento massivo de pro- dutos inovadores. De acordo com o governo, as duas prin- cipais agências de fomento do país financiaram mais de 2 mil projetos entre 1998 e 2003. Outra estatística mostra que, quase no mesmo período, en- tre 1998 e 2002, apenas 122 inovações foram patentea- das. No primeiro semestre de 2004 a Tailândia gastou US$ 9 bilhões com a importação de produtos com tecnologia agre- gada. "O desafio para o novo ministério consiste em fazer com que o investimento pú- blico se traduza em benefícios concretos e dê uma direção clara ao futuro da nossa pes- quisa", diz Tossaporn Sirisam- pan, autoridade tailandesa envolvida na fusão dos minis- térios. As agências de fomento passarão a funcionar sob um

mesmo comando e um grupo de propriedade intelectual se- rá criado para estimular e pro- teger as inovações. Pairash Thajchayapong, secretário- geral do Ministério da Ciência e Tecnologia, diz que a reforma vai também desburocratizar a estrutura dos laboratórios e permitir que os pesquisado- res trabalhem com mais flexi- bilidade. (SciDev.Net, 12 de setembro) •

■ 0 primeiro reajuste em 22 anos

Cerca de 22 mil professores de universidades públicas do Peru receberam em setembro um aumento de salário entre 10% e 12%, no primeiro rea- juste salarial dos últimos 22 anos. Para conseguir o aumen- to, foram necessários quatro meses de negociação e 40 dias de greve, o que provocou um atraso no segundo semestre acadêmico. O salário médio de um professor universitá- rio peruano com dedicação exclusiva e dez anos de expe- riência é de 1.550 sóis (cerca de US$ 470). Um professor com a mesma experiência nu- ma boa universidade privada recebe entre US$ 2 mil e US$ 3 mil. O presidente do Peru,

Alejandro Toledo, concedeu o reajuste na forma de abono especial, que não pode ser in- corporado às aposentadorias. A grande reivindicação dos professores, não atendida pe- lo governo, era a regulamen- tação de uma lei de 1983 que estabelece paridade entre o salário dos docentes e o dos juizes federais. Se a velha lei saísse do papel, o aumento chegaria a 332%. (SciDev.Net, Io de setembro) •

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ESTRATéGIAS MUNDO

A responsabilidade de cada um

O olho do Katrina: a ciência previu, mas ninguém fez nada

A tragédia do furacão Katri- na, que inundou a cidade de Nova Orleans e matou mais de 800 pessoas, havia sido prevista pela ciência. Um do- cumento de 1998 alertava pa- ra a necessidade de restaurar manguezais que protegiam a zona costeira, consumidos a uma razão de 60 quilômetros quadrados por ano. Também era sabido que o sistema de di- ques que mantinha Nova Or- leans seca não suportaria fu- racões de categoria superior a 3 na escala Saffir-Simpson (o Katrina alcançou a categoria 5, a mais destrutiva). Em 2004, outro levantamento mostrou que 21% da população da ci- dade, sobretudo os mais po- bres, não sairia de lá na passa- gem de um furacão. Mas, se as autoridades agora fazem a autocrítica - a mais comum dá conta de abandonarem a prevenção de catástrofes na- turais para se preocupar ape- nas com o terrorismo -, os pesquisadores não se sentem isentos no balanço da tragé- dia. Roger Pielke, diretor do Centro de Pesquisa em Políti-

cas de Ciência e Tecnologia da Universidade de Colorado, argumenta que o papel dos cientistas não pode limitar-se a produzir informações para quem quiser usá-las. Eles preci- sam direcionar suas investiga- ções também para necessida- des práticas. "Esse é o desafio, mas as universidades não es- tão preparadas. Torço para que, após o desastre, os res- ponsáveis pelas políticas pú- blicas exijam mais dos cien- tistas", afirma. De todo modo, pesquisadores que antevi- ram a tragédia não escondiam a frustração. Nedra Korevec, da Universidade do Estado de Louisiania, já havia analisa- do os efeitos devastadores de um furacão categoria 4 em Nova Orleans. Na iminência da chegada do Katrina, con- seguiu convencer familiares a deixar a cidade e fugir para sua casa em Baton Rouge, onde chegou a hospedar dez pessoas. "Tentamos fazer as coisas acontecerem, mas tudo esbarra na lentidão das auto- ridades", afirma. (Nature, 8 de setembro) •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico

para [email protected]

http: / /www. revista macrocos mo.com

A edição de setembro da revista eletrônica de astronomia trata, entre outros temas, da detecção de planetas extra-solares e da Estação Espacial Internacional.

http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/ A Biblioteca Virtual Adolpho Lutz disponibiliza a produção científica de um dos fundadores da medicina tropical e sua correspondência - são 4 mil cartas.

Wíl&PMDZTi f/iapping the Worlcfs Spscies

\tm% http://www.worldwildlife.org/wildfinder/ 0 banco de dados do WWF (Fundo Mundial para a Natureza) mapeia a distribuição geográfica de 30 mil espécies de anfíbios, répteis, mamíferos e pássaros.

22 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP116

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■ Segredos dos lepidópteros

Estão abertas até o dia 15 de novembro as inscrições pa- ra um programa de fomento a estudantes de graduação e pós-graduação que realizam pesquisas sobre lepidópteros, ordem de insetos que reúne as borboletas e mariposas. O programa, recém-criado pela Lepidoptera Research Foun- dation e pelo Journal of Re- search on the Lepidoptera, vai distribuir inicialmente US$ 5 mil (cerca de R$ 11,5 mil) pa- ra cinco projetos selecionados. Será dada prioridade a candi- datos de países em desenvolvi- mento. Segundo os organiza- dores do programa, a decisão de apoiar jovens pesquisado- res resultou da alta qualida- de dos estudos apresentados no Encontro sobre Lepidopte- ra Neotropicais (I Elen), rea- lizado na Universidade Esta- dual de Campinas (Unicamp), em abril. Três membros da Lepidoptera Research Foun- dation estiveram nesse even- to. "É gratificante saber que

Para melhorar o SUS

O programa Pesquisa para o SUS: Gestão Comparti- lhada em Saúde receberá propostas de projetos de pesquisa até 18 de outubro. Lançado pela FAPESP em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, o programa é uma iniciativa conjunta do Mi- nistério da Saúde, do Con-

selho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do governo paulista. O objeti- vo é financiar projetos in- terdisciplinares sobre os temas Qualificação da Atenção à Saúde (estudos comparativos de custo e efetividade entre as ações de saúde) ou Gestão Des-

centralizada do SUS (aná- lise de compromissos assu- midos pelos gestores e a di- visão de poder entre eles). O valor global para finan- ciamentos é de R$ 2 mi- lhões - cada projeto rece- berá, no máximo, R$ 250 mil. Os escolhidos serão anunciados até o início do mês de dezembro. •

nossos esforços em realizar o encontro criaram oportuni- dades para uma nova geração de especialistas em lepidop-

Mariposa: fomento

terá", diz Marcelo Duarte, jo- vem pesquisador da FAPESP, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos organizado- res do Elen. Outras informa- ções podem ser obtidas com Rudi Mattoni no e-mail mat- [email protected]. •

■ Inserção na pesquisa ambiental

Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesqui- sas Espaciais (Inpe), foi es- colhido para comandar entre 2006 e 2008 o Programa In- ternacional Geosfera-Biosfe- ra (IGBP, na sigla em inglês),

que reúne estudiosos de todo o mundo em investigações in- terdisciplinares sobre mudan- ças ambientais globais. "Será uma excelente oportunidade para articular políticas cientí- ficas e estimular uma maior inserção dos países em desen- volvimento nas pesquisas am- bientais", diz Nobre. Um escri- tório regional do IGBP será instalado na sede do Inpe, em São José dos Campos. Uma das metas de Nobre é criar um escritório também na China. "Esses dois escritórios, adicionados à secretaria do programa, na Suécia, darão a verdadeira cobertura e di- mensão global do IGBP." •

PESQUISA FAPESP 116 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ 23

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■ Conselho Superior tem novo membro

Giovanni Guido Cerri, dire- tor da Faculdade de Medi- cina da Universidade de São Paulo (FMUSP), é o novo membro do Conselho Supe- rior da FAPESP. A nomeação foi anunciada no dia 22 de se- tembro. Professor titular do Departamento de Radiologia da FMUSP, Cerri é doutor e li- vre-docente pela USP e tem especializações pela universi- dade norte-americana do Ala- bama e pelo Centre Hospi- talier et Universitaire Saint- Antoine, na França. Ele irá complementar o mandato de Carlos Henrique de Brito Cruz, que deixou o conselho para assumir a diretoria cien- tífica da Fundação. O Conse- lho Superior é formado por 12 membros com mandato de seis anos. Seis vagas são de livre escolha do governador

Bichos e plantas da Mata Atlântica A Fundação Biodiversitas e o Centro de Pesquisas Am- bientais do Nordeste (Ce- pan) lançaram o edital de 2005 do Programa de Es- pécies Ameaçadas, que vai oferecer R$ 320 mil a pes- quisas sobre proteção e ma- nejo das espécies da fauna e flora ameaçadas de extin- ção da Mata Atlântica. As

propostas, orçadas em até R$ 25 mil, podem ser apre- sentadas por professores e pesquisadores de universi- dades e outras instituições, estudantes de pós-graduação, organizações não-gover- namentais ligadas à con- servação ambiental e em- presas privadas. O prazo para a inscrição de propos-

tas vai até 28 de outubro. É o terceiro ano consecutivo que o programa seleciona projetos. Ao todo, já foram aprovadas 32 pesquisas, que contemplam 39 espécies em perigo da Mata Atlânti- ca em 13 estados brasileiros. Mais informações podem ser obtidas no site www.bio diversitas.org.br. •

do estado - a de Cerri é uma delas. As demais são também preenchidas pelo governador, a partir de listas tríplices elei- tas pelas universidades esta- duais paulistas e por institui- ções de ensino e pesquisa, públicas e particulares, sedia- das no Estado de São Paulo. •

■ Reconhecimento à divulgação

O presidente da FAPESP, Car- los Vogt, recebeu o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, concedido pe- la Sociedade Brasileira de Es- tudos Interdisciplinares da Comunicação, no dia 8 de se- tembro, em cerimônia na Uni- versidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A Fundação foi premiada na categoria Ins- tituição Paradigmática pela iniciativa de instituir progra- ma especial de comunicação científica e tecnológica por

meio de veículos como a re- vista Pesquisa FAPESP e Agên- cia FAPESP. "No meio próprio das atividades acadêmicas, esse prêmio significa um destaque e o reconhecimento do cum- primento da missão estatu- tária da Fundação, que é dar ampla divulgação social às pes- quisas produzidas em São Pau- lo e no país", afirma Vogt. •

Prêmio Luiz Beltrão

■ Quinhão restabelecido

A FAPESP decidiu reduzir pa- ra 15% a parcela da reserva técnica calculada sobre o va- lor das concessões em moeda estrangeira previstas nas vá- rias modalidades de auxílios. A regra vale também para as importações em andamento. Em agosto de 2002, em fun- ção da crise cambial, a FA- PESP passou a utilizar uma parte da reserva técnica para cobrir custos de importação. Esse contingenciamento, equi- valente a 25% do valor con- cedido para bens ou serviços importados, tinha como ob- jetivo garantir a cobertura das despesas em compras ex- ternas sem a necessidade de suplementações administra- tivas. "O restabelecimento da- rá aos pesquisadores apoia- dos pela FAPESP melhores condições para cuidar das

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despesas referentes à infra- estrutura de pesquisa", afir- ma Carlos Henrique de Bri- to Cruz, diretor científico da Fundação. •

■ Luzes sobre os imigrantes

Brasil e Portugal se reaproxi- mam em iniciativas de suas instituições de pesquisa. En- tre os dias 7 e 11 de novem- bro, 12 pesquisadores portu- gueses irão ao Rio de Janeiro participar de um encontro sobre a emigração lusitana pa- ra o Brasil, que reunirá espe- cialistas do campo da história e da documentação na Uni- versidade Federal Fluminen- se. Entre os nomes lusitanos já estão confirmados Eugênio dos Santos, da Universidade do Porto, e Fernando Souza,

diretor do Centro de Estu- dos da População, Economia e Sociedade (Cepese). O con- gresso é um dos primeiros frutos de um convênio cele- brado em julho entre a Fun- dação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e o Cepese, vinculado à Univer- sidade do Porto. O objetivo da cooperação, programada para durar os próximos dois anos, é aproximar as comu- nidades científicas dos dois países em pesquisas relacio- nadas com a população, eco- nomia e sociedade. Também está prevista a organização de um portal na internet, que reunirá uma base de dados sobre a imigração portugue- sa a partir de documentos de ambos os países. Pesquisado- res lusitanos já levantam da-

dos nos distritos que emitiam passaportes entre os séculos 19 e 20. No Brasil, começam a ser trabalhados documentos datados até 1842, já tratados no Arquivo Nacional. •

■ Limites do jornalismo científico

O jornalismo científico é o tema do terceiro volume da coleção Formação & informa- ção - Jornalismo para inicia- dos e leigos (Summus Edito- rial, R$ 24,00). A obra discute os conhecimentos de que o comunicador necessita para produzir jornalismo de qua- lidade sobre ciência dirigido a públicos de vários tipos. Organizado por Sérgio Vilas Boas, o livro traz artigos dos jornalistas Alicia Ivanisse- vich, Eduardo Geraque, Mar- tha San Juan França, Mau- rício Tuffani, Verônica Falcão e Vinícius Romanini. Os tex- tos abordam os riscos do sensacionalismo no trata- mento de temas científicos, assim como os perigos do ex- cesso de encantamento dos repórteres com os assuntos que cobrem. Também estão contempladas discussões so- bre os limites entre divulga- ção científica e jornalismo, as formas possíveis de coo- peração entre comunicado- res e acadêmicos e a história do pensamento científico, entre outros. •

■ Refinamento da prática acadêmica

O Conselho de Cultura e Ex- tensão Universitária da Uni- versidade de São Paulo (USP) lançou o primeiro número da Revista de Cultura e Extensão. A publicação, que será edita- da semestralmente em papel e em meio eletrônico, será

fCULTtlRi

um "espaço para a discussão de idéias, de narrativas de ex- periências e práticas, em que diferentes pontos de vista en- contram diálogo", diz Adilson Avansi Abreu, pró-reitor de Cultura e Extensão Universi- tária. O primeiro número da revista traz uma entrevista com Alfredo Bosi, artigos e comentários sobre projetos e programas desenvolvidos pe- la universidade. De acordo com Abreu, a revista "con- tribuirá para o refinamento doutrinário da prática acadê- mica e aperfeiçoamento me- todológico da interação entre universidade e sociedade". •

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POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

DIFUSÃO

Artigos na vitrine Com 134 revistas científicas, a biblioteca SciELO Brasil ganha mais visibilidade e atrai novos patrocinadores

FABRíCIO MARQUES

O programa SciELO Brasil, biblioteca eletrônica cria- da em 1997 com a função de reunir as melhores revistas científicas do país, está alcançando um novo patamar de impor- tância entre os pesquisa- dores brasileiros. Numa reunião realizada em São Paulo no final de agosto,

representantes de várias instituições assumiram o compromisso de fortalecer, com ajuda financeira e institucional, a operação da coleção publicada em linha na Internet, confirmando sua vocação de pro- jeto de âmbito nacional. O SciELO Brasil (a sigla sig- nifica Scientific Electronic Library Online) surgiu graças a uma parceria entre a FAPESP e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), vinculado à Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) e à OMS (Organização Mundial da Saúde). Nos últimos anos já havia ampliado o leque de patrocinadores, atrain- do o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvi- mento Científico e Tecnológico (CNPq). Agora há o compromisso de participação também da Financia- dora de Estudos e Projetos (Finep), das fundações de amparo à pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e do Rio de Janeiro (Faperj), da Fundação Oswaldo

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Cruz (Fiocruz), do Ministério da Saú- de e da Coordenação de Aperfeiçoa- mento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Edu- cação. O formato do apoio será defini- do em novas rodadas de conversas.

Para entender o interesse dessas instituições pelo SciELO Brasil é preci- so enumerar algumas marcas do pro- grama. Criado há oito anos com uma coleção de apenas dez títulos piloto, que serviram para desenvolver uma metodologia de indexação, o SciELO hoje alcança uma seleção de 134 perió- dicos cujo conteúdo é disponibilizado gratuitamente pela internet. A coleção abrange todos os campos do conheci- mento, inclusive as ciências humanas, que ostentam mais de 30 títulos. Esse conceito de acesso aberto, na contra- mão do mercado editorial científico dos países desenvolvidos, garantiu uma vi- sibilidade que as revistas brasileiras ja- mais tiveram antes. "Foi notável como aumentou a oferta de artigos para nos- sa revista depois que ela ingressou no SciELO. Mais pesquisadores interes- saram-se em publicar conosco atraí- dos pela visibilidade que a coleção con-

fere", diz Renato Procianoy, editor do Jornal de Pediatria e professor da Fa- culdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Tam- bém percebemos que, como o SciELO tem divulgação internacional, a revista passou a ser mais bem vista lá fora." A publicação, de periodicidade bimen- sal, é editada desde 1934. José Renato Zanini, editor da revista Engenharia Agrícola, diz que ingressar na bibliote- ca virtual tornou-se questão de sobre- vivência para um periódico científico. "Quem está fora do SciELO está fora do padrão internacional", afirma Za- nini, professor do Departamento de Engenharia Rural da Universidade Es- tadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal. "Nossa inclusão serviu para colocar a casa em ordem e nos dá ferramentas importantes para avaliar o impacto de cada trabalho publicado", afirma. A re- vista Engenharia Agrícola existe desde 1972 e foi admitida na coleção há cer- ca de dois anos.

Outro efeito benéfico foi o aperfei- çoamento dos títulos. Para ser admiti- do e depois se manter na coleção cada periódico precisa cumprir uma série de

exigências rígidas, em relação à quali- dade de conteúdo, à originalidade das pesquisas, à regularidade da publica- ção, à revisão e aprovação por pares das contribuições publicadas e à existência de um comitê editorial de composição pública e heterogênea. Também devem seguir certas formalidades, como por exemplo a apresentação, em inglês, de resumo, título e palavras-chave, quando esse não é o idioma do artigo.

Um comitê consultivo monitora o cumprimento dessas exigências e já ex- cluiu publicações que perderam quali- dade. Para honrar o lugar que ocupam no SciELO, os periódicos tiveram de fa- zer a lição de casa. Alguns títulos ganha- ram consistência graças ao empenho de grupos ou sociedades científicas, que passaram a prestigiar a publicação com artigos de peso em vez de dispersarem esforços em revistas diferentes ou dis- putarem espaço em revistas internacio- nais. O efeito observado foi uma pro- gressiva reorganização dos periódicos. "Se o país quer ter boa ciência, deve ter boas revistas", diz Abel Packer, diretor da Bireme e coordenador operacional do SciELO Brasil. "Essa é a essência do

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que acontece lá fora. O Brasil quase fe- chou o ciclo de fazer ciência de bom ní- vel. Falta fazer boas revistas, mas esta- mos começando a mudar isso."

Uma análise feita por Rogério Me- neghini, professor aposentado do Insti- tuto de Química da Universidade de São Paulo e coordenador-geral do Sci- ELO, dá a dimensão do salto de quali- dade. Ele analisou a trajetória de sete tí- tulos que participam tanto do SciELO quanto da base norte-americana Thom- son ISI (Institute for Scientifíc Infor- mation), a mais importante do mun- do científico, que congrega cerca de 8 mil publicações. Meneghini observou que, entre 1998 e 2004, os fatores de impacto dessas revistas, que eqüivalem ao número de citações que seus artigos tiveram em outros periódicos, cresce- ram em média 2,15 vezes. "Esse salto, não tenho dúvidas, foi provocado pela visibilidade do SciELO", afirma Meneghini. "Agora se constrói um cír- culo virtuoso. As revistas são mais re- conhecidas e cuidam mais de sua qua- lidade", diz.

A interface do SciELO proporciona acesso a mais de 60 mil artigos de sua

coleção de periódicos. "Fazemos um grande e contínuo esforço para sintoni- zar o SciELO com o estado da arte inter- nacional e evitar qualquer tipo de iso- lamento", diz Abel Packer. "Se você entra em qualquer base de dados e encontra um artigo ou revista do Sci- ELO terá um link para o texto completo. É a filosofia de colocar a produção bra- sileira em contato com os fluxos internacionais", afir- ma. Os organizadores acre- ditam que a coleção brasi- leira está chegando a seu limite, reunindo o núcleo de publicações com excelência para in- tegrar o acervo. "Temos indicadores de que a coleção é representativa das pu- blicações de qualidade", diz Packer. Em cienciometria, área de pesquisa que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência, esse princípio é conhecido como a Lei de Bradford, segundo a qual existe um núcleo de revistas que abrange o gros- so dos artigos de repercussão. Outras publicações até podem acrescentar al-

go, mas não de modo significativo. "É preciso ser cuidadoso para manter a qualidade e evitar gastos desnecessá- rios", diz Meneghini.

ma grande utilidade da base SciELO é reunir dados empíricos sobre o desempenho das re- vistas indexadas. A metodologia adotada

dá ao editor de cada publicação e tam- bém ao estudioso de cienciometria fer- ramentas para ver o quanto cada artigo é acessado, quem cita, qual a repercus- são. Esses instrumentos, vitais para nor- tear a política editorial das publicações, permitiram evidenciar a existência de dois tipos de título. Um deles, mais centrado no campo da ciência básica, é mais reconhecido em citações de revis- tas internacionais. Alguns exemplos são o Journal ofthe Brazilian Chemical Socie-

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ty, o Brazilian Journal of Medicai and Biological Research, o Brazilian Journal of Physics, Genetics and Molecular Bio- logy ou os Anais da Academia Brasileira de Ciências, que freqüentemente são ci- tados na base Thomson ISI. E há uma segunda categoria de publicações, no campo da agronomia, da veterinária, da medicina tropical e da saúde pública, que são pouco citadas no exterior, mas têm notável impacto no Brasil e em paí- ses em desenvolvimento. São exemplos a Pesquisa Veterinária Brasileira, as Me- mórias do Instituto Oswaldo Cruz ou a Pesquisa Agropecuária Brasileira. O achado coincide com a tese de W. Wayt Gibbs, que em 1995, num artigo na re- vista Scientiftc American, pontificou so- bre a existência de uma "ciência perdida do Terceiro Mundo", não indexada em bases de dados internacionais, mas de interesse para os países pobres. Com o advento do SciELO, a ciência perdida já não é tão invisível.

O paradigma do SciELO já rendeu frutos em outros países, que se inspira- ram na experiência brasileira. Adota- ram a mesma metodologia, fornecida pela Bireme com apoio de agências de

fomento locais, e passaram a compor uma rede internacional de mais de 300 revistas científicas franqueadas ao pú- blico. Cuba e Chile foram os que mais investiram na idéia, a ponto de terem coleções certificadas. Outros países en- traram mais recentemente e têm cole- ções ainda em desenvolvimento, caso da Argentina, Colômbia, Venezuela, Méxi- co, Portugal e Peru. A Espanha parti- cipa, por enquanto, com uma coleção na área da saúde pública, mas promete ingressar no sistema em outros campos do conhecimento, o que deverá confe- rir uma nova escala à biblioteca. Os es- panhóis publicam duas vezes mais arti- gos científicos do que o Brasil, atual líder da rede e responsável pela metade da produção de toda a América Latina.

O modelo SciELO tem três compo- nentes. Um deles é o desenvolvimento de metodologia para editar, armazenar, criar hyperlinks na internet, publicar, divulgar e avaliar revistas científicas. O segundo é a aplicação da metodologia para operacionalizar as coleções de re- vistas eletrônicas. O terceiro é o desen- volvimento da rede de sites através da promoção de parcerias e comunicações

científicas - autores, editores científicos e técnicos, instituições e agências finan- ciadoras, com o conseqüente melhora- mento da comunicação científica.

Embora não tenha nascido com essa marca, a biblioteca virtual tornou- se um exemplo para um movimento que ganha corpo na comunidade cientí- fica: o open access, que propõe o acesso livre e gratuito à informação científica. O movimento contrapõe-se às regras do mercado editorial dos países desen- volvidos, que cobram tanto do pesqui- sador que consegue publicar seu artigo quanto do usuário para ter acesso a ela. "Não é apenas um movimento econô- mico, é ético", diz Rogério Meneghini. "A ciência é um bem da humanidade e seus achados devem ser compartilhados para o bem de todos." O Brasü paga US$ 30 milhões por ano para que seus pes- quisadores e universidades tenham acesso a 8 mil revistas da base Thom- son ISI - a conta salgada é bancada pela Capes. "O SciELO Brasil é open access de nascença, pois a FAPESP e a Bireme, evidentemente, não aplicariam recur- sos no projeto se fosse para cobrar dos usuários", afirma Meneghini. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PATENTES

Proteger para multiplicar Proteção da propriedade intelectual amplia benefícios sociais da pesquisa

CLAUDIA IZIQUE

T rês anos antes de o Con- gresso Nacional aprovar a lei brasileira de paten- tes, a Empresa Brasileira

•JL_ de Pesquisa Agropecuá- ria (Embrapa) começava

a elaborar um conjunto de regras de proteção do conhecimento gerado nas mais de 500 linhas de pesquisa desenvolvidas ao longo de 32 anos. Tra- tava-se de um cuidado especial com o seu patri- mônio científico, prática na época bastante inco- mum entre as instituições públicas de pesquisa.

Quando o Brasil aderiu ao acordo Trips (Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights) - condição imposta para o país integrar a Organiza- ção Mundial do Comércio (OMC) - e quando foram editadas as leis de propriedade intelectual e de cultivares, a partir de 1996, a Embrapa já ti- nha criado um núcleo de inovação, elaborado as normas de proteção de seu material genético e de- finido as condições de relacionamento com par- ceiros públicos e privados para o desenvolvimento de novas variedades de plantas, lembra Elza Cu- nha, diretora da área da Propriedade Intelectual da Embrapa entre 1993 e 2002.

A preocupação de proteger o conhecimento e de criar regras para o relacionamento com parceiros públicos e privados não foi exclusiva da Embrapa. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciou a im- plantação de suas regras no final da década de 1980 e formalizou-as em 1994. Desde então os 63

projetos protegidos resultaram em 64 patentes já concedidas - 14 no Brasil e 50 no exterior - e 118 solicitadas - 54 no Brasil e 64 no exterior -, conta Maria Celeste Emerick, coordenadora de Gestão Tecnológica e Inovação da Fiocruz. No caso da Embrapa, a política adotada gerou 129 patentes, sendo 89 delas no exterior.

Esses resultados, além de dar a medida da di- nâmica e da qualidade das pesquisas nas duas ins- tituições, podem contribuir para a avaliação do papel estratégico da proteção da propriedade in- telectual na difusão do conhecimento.

Controle de preço - O registro de uma patente exi- ge a publicação detalhada da tecnologia. Em se tra- tando de invento original e com aplicação indus- trial, o produto do conhecimento ficará protegido no país de origem ou no exterior por um prazo de- terminado, em média de 20 anos, durante o qual o inventor poderá explorá-lo comercialmente ou li- cenciá-lo em troca do pagamento de royalties, antes que caia em domínio público. "Todos têm acesso à fórmula e isso ajuda no avanço do conhecimen- to", argumenta Sérgio Salles Filho, pesquisador do Departamento de Política Científica e Tecno- lógica do Instituto de Geociências da Universida- de Estadual de Campinas (Unicamp).

Além de contribuir para a disseminação de novas tecnologias, os exemplos da Embrapa e da Fiocruz demonstram que a patente pode ser uma ferramenta crucial para dar suporte a políticas

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públicas. A proteção de cultivares - uma modalidade de patentes sui generis -, por exemplo, conferiu à Embrapa uma posição estratégica no mercado brasilei- ro de sementes. A empresa detém, por exemplo, 23% das cultivares protegidas de soja e, se computadas as parcerias firmadas com dez fundações de produ- tores de sementes, esse porcentual che- ga a 36%. A presença forte da Embra- pa nesse mercado limitou o processo de desnacionalização e privatização do se- tor, deu fôlego e competência aos pro- dutores nacionais de sementes e ainda tem contribuído para o controle de pre- ços. Não fosse a política de patentea- mento, as grandes empresas multina- cionais prevaleceriam neste mercado.

No caso da Fiocruz, a política de patenteamento qualificou a institui- ção para transferir tecnologia a par- ceiros, licenciar o desenvolvimento de pesquisa e produzir imuno biológicos em suas duas fábricas e, com isso, garantiu o abasteci- mento de uma parcela do mer- cado de vacinas, diagnósticos e medicamentos, permitindo ao país negociar preços com grandes indústrias farma- cêuticas.

Avaliado nessa perspectiva, o impac- to social das políticas de propriedade in- telectual contradiz argumentos de alguns setores da academia para os quais a po- lítica de patenteamento é incompatível com o caráter público do conhecimen- to produzido nas universidades e insti- tutos de pesquisa. "Conhecimento é po- der. Se publicado sem proteção, à guisa de aumentar os benefícios sociais, quem o usará de forma mais rápida e eficien- te? Certamente serão aqueles mais bem posicionados para o uso desse conheci- mento que, em geral, não são os mais necessitados", afirma Salles Filho. É fun- ção do setor público, ele diz, oferecer tecnologia, protegê-la, criar e ampliar negócios para gerar riquezas e não para "alimentar desigualdades" de uso do co- nhecimento. "A questão fundamental é a da apropriação do valor gerado pelo conhecimento e não a apropriação do conhecimento per si."

No caso da Embrapa, a política de proteção à propriedade intelectual teve efeitos também sobre a receita. Não exis- tem restrições ao compartilhamento de patentes de invenção com parceiros pú- blicos ou privados, mas a Embrapa não divide titularidade de cultivares com empresas. Concede, nesse caso, licença de uso com exclusividade para a explo- ração comercial por um período de oito a dez anos, mediante pagamento de ro- yalties. A regra vale para os contratos firmados com as dez fundações de pro- dutores de sementes, como a Monsan- to, e valerá para os contratos em nego- ciação com a Basf, Syngenta, Bayer e Delta Pine.

s cultivares protegidas gera- ram, em média, 2 mil con- tratos por ano e resulta- ram em wyalties com valor entre R$ 11 mi- lhões e R$ 13 milhões,

um quinto do orçamento de custeio da empresa entre 1993 e 2002. "Adotamos uma política agressiva de licenciamen- to", lembra Elza Cunha. "E a Embrapa ainda não começou a licenciar produtos transgênicos. Dá para imaginar o que a empresa vai ganhar com isso?", indaga.

A Fiocruz iniciou a revisão das nor- mas de proteção da propriedade inte- lectual. Maria Celeste quer implementar regras mais rígidas de procedimento de operações padrão por reconhecer uma certa "informalidade" na relação com pesquisadores. "Vamos aprimorar a en- trevista com o inventor e transformá-la em notificação para a invenção e os me- canismos gerenciais", exemplifica.

A fundação já criou uma comissão para avaliar projetos que serão patentea- dos. "Temos oito patentes negociadas, mas algumas não têm licença de uso ex- clusivo." São patentes de baixo valor agre- gado que, do ponto de vista financeiro, têm resultados irrisórios, ela admite.

A Fiocruz também investe na quali- ficação de seus quadros. A pesquisa e de- senvolvimento ganhou status de dis- ciplina no curso de pós-graduação da Fiocruz e já existe um curso sobre Pro- priedade Intelectual e Interesse Público ministrado em parceria com a Faculda- de de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Temos ainda três projetos de pesquisa com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimen- to Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Am- paro à Pesquisa do Estado do Rio de Ja- neiro (Faperj): Propriedade Intelectual em Genômica, Proteômica e Informá- tica; Propriedade Intelectual em Nano- tecnologia; e Propriedade Intelectual e Células", conta Claudia Chamas, coor- denadora da disciplina Biociência, no Instituto Oswaldo Cruz.

Salles observa que os institutos pú- blicos de pesquisa não devem adotar políticas de patenteamento apenas co- mo uma forma de geração de receita. "Mas têm obrigação de trabalhar com a proteção do conhecimento gerado nas pesquisas, caso contrário estarão des- perdiçando dinheiro público. O licen- ciamento gera receita, aumenta a capa- cidade de investimento e, sobretudo, traz benefícios sociais maiores do que se simplesmente houvesse a liberação indistinta do conhecimento", ele diz.

A patente é também uma ferramenta estratégica para a transferência de co- nhecimento gerado nas universidades e institutos de pesquisa para dar suporte ao desenvolvimento da inovação empre- sarial. O Instituto de Pesquisa Tecnológi- ca (IPT), em São Paulo, e as universida- des federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio Grande Sul (UFRGS) e a Es- tadual de Campinas (Unicamp) estão entre as instituições que já adotaram políticas de proteção da propriedade intelectual e criaram núcleos ou agên- cias de inovação para estreitar o relacio- namento com parceiros estratégicos.

A Unicamp, por exemplo, criou a sua Agência de Inovação (Inova Uni- camp) há dois anos. Com 400 patentes depositadas - 46 já concedidas -, a Uni- camp manteve o primeiro lugar entre

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Cultivares protegidas geraram cerca de 2 mil contratos de licenciamento que renderam à Embrapa recursos equivalentes a um quinto do orçamento de custeio

os 20 maiores depositantes de patentes no Estado de São Paulo entre 1994 e 2001. Pelo menos 41 tecnologias já fo- ram licenciadas em diferentes setores do mercado durante os 25 meses de atua- ção da Inova, entre elas anestésicos; um sistema de tratamento de efluentes in- dustriais; um receptor de radiofreqüên- cia, entre outras, de acordo com Rosana Di Giorgio, diretora de Propriedade In- telectual. "Todos os contratos firmados entre as universidades e o mercado - e não apenas os de licenciamento - não representam receita significativa. Atin- gem, no máximo, 7% do orçamento das universidades", estima.

Os resultados financeiros registrados pela Unicamp corroboram a idéia de- fendida por Salles de que as instituições públicas de pesquisa não devem assentar sua política de patentes na expectativa de receita. "A missão estratégica da uni- versidade é difundir o conhecimento, e a patente é um dos instrumentos para essa difusão", sublinha Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

Utilizando dados das universidades norte-americanas, Brito estima que a patente acadêmica exige investimentos médios de US$ 1 milhão, em compara- ção com a média de US$ 100 mil para a patente industrial, que, na maior parte das vezes, é incrementai e defensiva. "Nos Estados Unidos, não mais que dez universidades ganham mais com pro- priedade intelectual do que gastam", diz. Para cada uma das 281 patentes depo- sitadas pela Universidade da Califórnia em 1999, por exemplo, foi necessário investir em pesquisa e desenvolvimen- to, em média, US$ 6,6 milhões. E cada uma das 715 tecnologias licenciadas na mesma universidade gerou, em média, US$ 102,6 mil ao ano, de acordo com estatísticas de 1999.

"A patente acadêmica deve ser ino- vadora porque derivada de descobertas científicas, enquanto as industriais, em geral, são incrementais. Pelo seu caráter potencialmente revolucionário, as pa- tentes acadêmicas são estratégicas para o avanço da inovação e essenciais para a proteção do investimento público que as gerou", lembra Brito. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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BIOSSEGURANÇA

A fila vai andar Decreto regulamenta lei e permite a retomada das atividades da CTNBio

eis meses depois de sancionada a Lei de Biossegurança, a Casa Civil da Presidência da Re- pública concluiu a sua regulamenta- ção. A expectativa era que o decreto presidencial fosse publicado no iní-

cio de outubro. A regulamentação per- mitirá a recomposição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e a retomada de suas ativi- dades, suspensas em maio. A nova co- missão terá pela frente uma tarefa ár- dua: colocar em movimento uma fila de espera com 398 processos: sete pedidos de liberação comercial de organismos geneticamente modificados (OGMs), quatro novos projetos de pesquisa e outros 52 pedidos de liberação de pes- quisa da casa de vegetação para o am- biente exterior e 41 solicitações de im-

portações, entre outras solicitações ain- da não analisadas.

A CTNBio será composta por 27 membros, 12 deles especialistas de no- tório saber científico, três de cada uma destas áreas: saúde humana, animal, vegetal e ambiente. Regulamentada a lei, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, constituirá uma co- missão ad hoc- formada por represen- tantes de sociedades científicas, Socie- dade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Academia Brasilei- ra de Ciências (ABC) - que terá 30 dias para elaborar listas tríplices de titulares e suplentes.

Também integram a comissão repre- sentantes de nove ministérios e outros seis especialistas nas áreas de defesa do consumidor, saúde, ambiente, biotecno- logia, agricultura familiar e saúde do trabalhador. Serão indicados pelos mi- nistros das diversas pastas e escolhidos em listas tríplices elaboradas por orga- nizações da sociedade civil.

Todos terão mandato de dois anos, renovável por mais dois. Órgãos e enti- dades da administração federal pode- rão solicitar participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto. O quorum das reuniões é de 14 membros, incluindo um representan- te de cada uma das áreas de especiali- zação. As decisões serão tomadas por maioria absoluta.

O decreto também regulamenta o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), formado por 11 ministros, que será acionado pela CTNBio para deci- dir sobre aspectos de conveniência e oportunidade socioeconômica da libe- ração comercial de OGMs ou avocar processo para análise e decisão no pra- zo de 30 dias contados da avaliação téc- nica da comissão. O conselho também arbitrará ações impetradas por órgãos e entidades de registro e fiscalização. •

CLAUDIA IZIQUE

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FINANCIAMENTO

Gestão modernizada Regulamentação do FNDCT reforçará atuação da Ciência e Tecnologia

missão original do Fun- do Nacional de De- senvolvimento Cien- tífico e Tecnológico (FNDCT) será res- tabelecida: volta- rá a ter natureza contábil e será formado por recursos or- çamentários,

incentivos fiscais, entre outros. A novi- dade é que o FNDCT também vai dis- por de receitas dos fundos setoriais para o financiamento de ações integradoras, independentemente da origem dos re- cursos. "Estamos aperfeiçoando a forma de gestão dos fundos", explicou Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecno- logia, em visita à FAPESP, no dia 26 de setembro. O novo modelo passará a va- ler tão logo o Senado aprove o projeto de lei que regulamenta o FNDCT, já chancelado pela Câmara.

O FNDCT foi criado em 1969, ex- tinto pela Constituição de 1988 e resta- belecido em 1991. Nos anos 1990, com a crise fiscal, o FNDCT praticamente desapareceu e, em 1999, passou a alocar 15 fundos setoriais formados com re- ceitas de contribuições incidentes sobre a exploração de recursos naturais per- tencentes à União, parcelas do Imposto sobre Produtos Industrializados de se- tores da produção, entre outros.

Desde o ano passado, as receitas dos fundos passaram a ser utilizadas para apoiar programas estratégicos do Mi- nistério da Ciência e Tecnologia (MCT), conhecidos como ações transversais, re- lacionados à política industrial, tecno- lógica e de comércio exterior. Os proje- tos da área de petróleo, por exemplo, são

apoiados com recursos do CT-Petró- leo; os de biotecnologia, com verbas do CT-Biotec; e assim sucessivamente. As áreas de pesquisa e desenvolvimento sem vínculo com fundos setoriais são financiadas com recursos do CT-Verde- Amarelo, de integração universidade- empresa. "Mas precisamos dar um pas- so à frente", afirmou o ministro. Para isso, a lei que regulamenta o FNDCT prevê que os recursos destinados pelos comitês gestores dos vários fundos para as ações transversais não precisam ter vínculo com a fonte de receita.

A lei de regulamentação também amplia a destinação dos recursos do FNDCT: poderão apoiar programas e

Rezende: aperfeiçoamento de gestão

projetos de ciência, tecnologia e inova- ção, transferência de tecnologia para empresas até o desenvolvimento de no- vas tecnologias de produtos e capaci- tação de recursos humanos. Serão uti- lizados, por exemplo, para apoiar a inovação empresarial. "Isso não podia ser feito até a aprovação da Lei da Ino- vação", lembrou o ministro. O FNDCT também vai subvencionar 50% das des- pesas de empresas com a contratação de pesquisadores com grau de mestre e doutor, autorizada pela Medida Provi- sória 252, conhecida como MP do Bem.

A programação orçamentária do FNDCT prevê uma liberação grada- tiva das receitas dos fundos setoriais

atualmente contigenciada por conta das exigências de superávit primário. Em 2006, a expectativa é contar com 70% das receitas dos fundos; em 2007, 80% e as- sim sucessivamente, até que em 2009 não haja mais limitação de empenho.

No próximo ano, no entanto, essa expectativa já foi frustrada: o Congresso bem que previu, na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), a liberação de apenas 60% da receita para o orçamento do FNDCT. "Mas o presidente Lula teve que vetar tudo porque esse porcentual valia para outras re- ceitas", disse o ministro que nego- cia com o Ministério do Planeja- mento o restabelecimento desse porcentual no orçamento do pró- ximo ano. "Se tudo der certo, isso vai representar um aumento de recursos do FNDCT de R$ 850 milhões para R$ 1,350 bilhão", calculou o ministro. •

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CIÊNCIA

■ Os demônios da floresta

Na Amazônia há clarões do- minados por uma só espécie de árvore, a duróia (Duroia hirsuta). São os chamados "jar- dins do diabo", cultivados por espíritos maus da floresta, se- gundo a crença dos nativos. A bióloga Deborah Gordon, da Universidade Stanford, Esta- dos Unidos, expôs uma expli- cação mais concreta na Na- ture de 22 de setembro: esses jardins são criados pelas pró- prias formigas que os habi- tam. Na Amazônia peruana, as formigas Myrmelachista schumanni, que fazem ninhos no caule oco da duróia, ma- tam as outras árvores liberan- do nas folhas ácido fórmico, que funciona como herbici- da. Crescem assim apenas du- róias e as próprias colônias, algumas com até 800 anos. •

Volta para casa: problemas psicológicos e físicos

As dores de quem sobrevive

Não se passa impunemente por um campo de batalha. Mesmo quem volta aparentemente ileso pode sofrer conseqüências psicológicas ou físicas. Um em cada qua- tro veteranos de guerra norte-americanos sofre de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), com medos e lembranças intensas de uma situação de peri- go que enfrentaram. Joseph Boscarino, da Academia de Medicina de Nova York, avaliou a saúde de 18 mil veteranos do Vietnã e verificou que a probabilidade de morrer por causa de acidentes ou pelo uso abusivo de drogas é maior entre os que desenvolveram TEPT em decorrência da guerra. Os ex-soldados também correm risco maior de ter doenças cardiovasculares e tumores. Em Israel, Yael Benyamini constatou que os veteranos da Guerra do Líbano apresentam propensão duas vezes maior de ter pressão alta, úlcera ou diabetes e cinco vezes maior de ter problemas cardíacos. Pode ser que o estresse excessivo da guerra cause alterações duradou- ras nos níveis de substâncias associadas ao compor- tamento de luta ou fuga, como cortisol e dopamina {NewScientist, 27 de agosto). Estima-se que 18% dos soldados no Iraque possam desenvolver TEPT.

■ Tumor de próstata flagrado mais cedo

O PSA, exame de sangue usado na detecção precoce do câncer de próstata, pode ga- nhar um reforço: um teste com 22 proteínas que, ana- lisadas em conjunto, distin- guem com mais precisão os homens com tumor em es- tágio inicial daqueles sem a doença (New England Jour- nal of Medicine). A eficiência do teste de PSA foi questio- nada em 2004 quando foram identificados casos de homens com tumor, mas com níveis normais de PSA. Se usado em associação com o PSA, o exa- me desenvolvido nas univer- sidades norte-americanas de Michigan e Harvard e no Centro Médico Diaconisa Beth Israel poderá reduzir a necessidade de biopsias para confirmar a doença. •

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■ Placebo aciona analgésicos naturais

Uma injeção inócua de água e sal não deveria amenizar a dor, mas a alivia quando quem a recebe imagina que ela pode ter ação analgésica. Acreditava-se que essa res- posta - o efeito placebo - fos- se apenas psicológica. Pode não ser. Jon-Kar Zubieta, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, confirmou que um composto sem ativi- dade farmacológica reduziu a dor por aumentar a liberação de analgésicos naturalmen- te produzidos pelo cérebro, as endorfinas. O pesquisador aplicou em 14 homens uma injeção dolorida e, em segui- da, outra injeção de um com- posto que dizia ser capaz de aliviar a dor. Após a segunda injeção (uma solução de água e sal), os voluntários afirma- ram sentir menos dor. Tomo- grafias do cérebro dos par- ticipantes revelaram que os níveis de endorfina em áreas ligadas à percepção da dor foram mais elevados que o normal após a injeção place- bo (Journal of Neuroscience). Segundo Zubieta, esses dados mostram que fatores cogniti- vos como a expectativa de alí- vio da dor podem modular estados físicos e emocionais ativando grupos específicos de neurônios do cérebro. •

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Ártico: derretimento acelerado altera o clima do planeta

■ Geleiras menores a cada inverno

Nunca as geleiras do oceano Ártico encolheram tanto. Em agosto, imagens de satélite mostram uma redução na co- bertura de gelo do hemisfé- rio Norte 18% superior à mé- dia para esta época do ano. A expectativa era que em setem- bro a cobertura de gelo oceâ-

nico na região - cerca de 7 milhões de quilômetros qua- drados - atingisse valores próximos ao mínimo já regis- trado: 5,2 milhões de quilô- metros quadrados, segundo Mark Serreze, do Centro de Informações sobre Gelo e Neve, nos Estados Unidos (The Independent, 16 de se- tembro). Para Serreze, esse é um sinal de que o gelo oceâ-

nico do Ártico está derreten- do mais rapidamente do que consegue se reconstituir no inverno. Se os dados se con- firmarem, o clima no hemis- fério Norte pode ter atingido uma fase de aquecimento ir- reversível que deve acelerar ainda mais a perda de gelo oceânico e das geleiras, res- ponsável pelo equilíbrio cli- mático no planeta nos últi- mos milhares de anos. Seria o início de um círculo vicioso de aquecimento e mais perda de gelo. Os efeitos mais ime- diatos seriam alagamento de regiões costeiras, além de tempestades e furacões mais intensos como o Katrina e o Rita, que castigaram recente- mente os Estados Unidos. •

■ Correr descalço reduz lesões nos pés

O que é melhor para evitar as lesões das corridas: um tênis com amortecimento no cal- canhar ou outro que aumen- ta a estabilidade do pé? Tanto faz. Estudos indicam que os tênis, independentemente da tecnologia que incorporam, não reduzem as lesões. "As le- sões não apenas persistem, mas, em alguns casos, são até agravadas pelo uso dos tênis", afirma Martin Schwellnus, da Unidade de Medicina do Esporte da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul. Segundo ele, a saída é alternar períodos de corrida calçado com outros descalço, sempre que possível em pisos diferentes. "Isso dá ao corpo a oportunidade de fazer os ajustes necessários para se adaptar ao terreno", diz Sch- wellnus. Ao analisar os movi- mentos do corpo nas corri- das, ele constatou que os pés fazem movimentos de rota- ção que diminuem o impac- to com o solo. •

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■ Perigo nas ruas de Londrina

A cidade paranaense de Lon- drina registra um dos mais elevados índices de acidentes de trânsito do país: 1.500 pa- ra cada grupo de 100 mil pessoas por ano. No Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma e às Emergências, pouco mais da metade das 26.954 pessoas atendidas en- tre 1997 e 2000 havia sofri- do acidente de trânsito. Três de cada quatro eram homens e 54% com 20 a 40 anos, se- gundo Yara Bastos, Selma Andrade e Darli Soares, da Universidade Estadual de Londrina. Possíveis explica- ções: os adolescentes e adul- tos jovens são mais inexpe- rientes e impulsivos, buscam emoções fortes e abusam do consumo de álcool e drogas. Mais motociclistas usam ca- pacete, mas ainda 40% dos motoristas dirigem sem o cinto. •

Araçari-de-nariz- amarelo: desde o México até o oeste do Brasil

Arco-íris de penas e sons

Há-ú... há-ú... Embora pareça o chamado de alguma rã, é o som típico da araçaripoca-de-natterer (Selenidera natte- rei), uma espécie de araçari de bico quase todo vermelho com manchas. Raac... raac... raac pode lembrar um papa- gaio, mas na verdade é o som característico do araçari- mulato (Pteroglossus beauharnaesü), outra espécie que pa- rece ter se banhado num arco-íris. Tanto nestas páginas quanto, melhor ainda, no livro Tucanos das Américas (Edi- tora M. Pontual) pode-se perceber quão variados são os tucanos e os araçaris, aves exclusivamente neotropicais: as 44 descritas pelo ornitólogo Herculano Alvarenga e ilustra- das por Eduardo Brettas impressionam pela diversidade de cores, a começar pelos bicos - alguns com refinamentos como uma faixa amarela ou azul na base, como no tuca- no-de-bico-preto (Ramphastos vitellinus teresae), que faz uííí... uííí... uííí. Há es- pécies mais discretas, como o araçari- de-nariz-amarelo (Aulachorhynchus pra- sinus dimidiatus), que vive em florestas a até 3.500 metros de altitude e pode ser reco- nhecido pelo seu uét-uét-uét. Já o araçaripoca- de-bico-riscado (Selenidera maculirostris) vive na Mata Atlântica, da Bahia ao Rio Grande do Sul, e faz ogô, ogô, ogô. Alvarenga é detalhista como todo cientista, mas não deixa de escrever apaixonada- mente sobre as aves cujo comportamento também varia: os tucanos vivem em bando em florestas, mas al- guns, como o tucano-toco {Ramphastos toco), preferem os campos abertos, solitários ou em poucos casais. •

Tucano-de-bico- preto (acima) e um casal de araçaripoca- de-natterer: na Floresta Amazônica

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■ Polinizadores nas escolas do Pará

Morador da comunidade pa- raense de Piquiatuba, Fer- nando é um menino curioso que vive contando histórias fantásticas. Misturando fic- ção e realidade, o garoto con- duz seus amigos pela floresta e conversa com "enormes cria- turas e minúsculos voadores" - são aves, morcegos e insetos que espalham o pólen das ár- vores. Essa é idéia central de Polinizadores, escrito e dese- nhado por D'Arcy Albuquer- que e que faz parte do proje- to Dendrogene, coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental. Destinado ao pú- blico infanto-juvenil, o livro será distribuído em escolas da rede oficial do Pará. É o segundo título lançado pelo projeto. O primeiro, Piquiá, sobre a árvore homônima, saiu em 2003. •

■ No Sul, a gripe das galinhas

Há uma nova bactéria nas granjas: é a Ornithobacterium rhinotracheale, que se espa- lha facilmente e causa uma doença respiratória em gali- nhas, patos, gansos e perus. Não ameaça os seres huma- nos, mas é sinônimo de pre- juízo econômico: as aves in- fectadas crescem menos e põem menos ovos, algo nada desejável em um país que é um dos maiores exportado- res de frango do mundo. A Ornithobacterium rhinotra- cheale, que já havia sido en- contrada nos Estados Uni- dos, na Europa, na África e no Japão, foi identificada no país pela equipe do veteriná- rio Cláudio Canal, da Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a Universidade

Araçari-mulato: Brasil, Bolívia e Peru

Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e com o Cen- tro de Diagnóstico Veteriná- rio Brasil Sul. Em todos os 50 lotes de frangos de nove empresas avícolas gaúchas havia indícios de contamina- ção pela bactéria. Um artigo publicado na Avian Diseases descreve essa contaminação e outro na Research in Vete- rinary Science caracteriza a bactéria encontrada no Rio Grande do Sul, o maior pro- dutor de frangos do país. A confirmação abre a possibi- lidade de o Ministério da Agricultura autorizar a im- portação de vacinas, já usa- das em outros países. •

■ Como fazer um bom café

Prefere um café naturalmen- te adocicado e encorpado ou saboroso e cheiroso? No pri- meiro caso, peça um expres- so; no segundo, peça um fei- to calmamente em coador de papel tradicional ou em ca- feteira elétrica. Depois, deli- cie-se. O prazer depende não só da sensibilidade de cada um, mas também do modo de preparo: quanto maior a temperatura e me- nor o tempo de filtragem,

menor a quantidade de açú- cares, de acordo com um es- tudo realizado no Instituto de Botânica de São Paulo. Os amantes do café não suspei- tam, mas a bebida mais con- sumida no Brasil contém até 60% de açúcares. Não se pre- ocupe porque são açúcares não-calóricos, como a galac- tose, a manose e a arabinose - são eles que dão um toque levemente adocicado ao café. Boa parte desses açúcares es- palha-se no café na forma de cadeias longas, os polissaca- rídeos - galactomananos e arabinogalactanos -

Duas araçaripo- cas-de-bico-riscado: a fêmea é vermelha

que não são aproveitados pe- lo sistema digestivo, mas aju- dam a reduzir a absorção de colesterol. O café expresso, feito com água bem quente (até 130°C), extrai 3,5 vezes mais açúcares, proteínas e li- pídeos (gorduras) que a ca- feteira elétrica e 1,8 vez mais que o coador de papel - é, portanto, o mais concentra- do, mesmo com menos po- lissacarídeos, que ajudam a dar corpo à bebida. "Por cau- sa do tempo maior de filtra- gem e da menor temperatu- ra da água", diz Marcos Buckeridge, pesquisador do Instituto de Botânica e um dos orientadores desse estudo, realizado por Marina Câma- ra Martins, "o café de coador preserva mais as moléculas e contém mais açúcares livres do que polissacarídeos". O tempo de filtragem mos- trou-se mais decisivo que a temperatura para extrair os dois tipos de açúcares (sol- tos e em cadeia): o coador de papel, cuja filtragem le- vou 17 minutos, retira 60% mais polissacarídeos por grama de pó que a cafeteira.

Vem daí o sabor suave desse café. •

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CAPA

í Brasileiros vêem a mais antiga e distante explosão de uma estrela

ARIES

MARCOS PIVETTA

s 3 horas, 7 minutos e 21 segundos do dia 4 de setembro, o satélite Swift, da Nasa, a agência espacial norte-americana, mandou um alerta para os astrofísicos de plantão: aparelhos a bordo da espaçonave tinham acabado de captar indícios do que poderia ser uma explosão de raios gama nos confins da constelação de Peixes.

Podia ser um evento estelar importante ou mais uma ocorrência sem maiores predicados. Telescó- pios baseados em terra, situados nas mais diversas latitudes, deram uma pausa em suas observações de rotina e voltaram rapidamente seus espelhos para as coordenadas cantadas pelo Swift (equipa- mentos profissionais não dispõem de lentes, mas de espelhos). Oitenta e seis segundos após o aviso, o Tarot, um observatório na Cote d'Azur, já regis- trava a região indicada pelo satélite. Um esforço em vão. Suas imagens não mostravam explosão al- guma e, às 7h23, os astrônomos franceses soltaram um informe do que haviam visto. Nada demais. Trinta e cinco minutos mais tarde, nova resposta negativa, agora do pequeno telescópio Palomar, na Califórnia.

O cenário começou a mudar às 10 horas, sem- pre no horário de Greenwich. Operado por um jo- vem astrofísico paulista, Eduardo Cypriano, o Sou- thern Observatory for Astrophysical Research, ou simplesmente Soar, um telescópio localizado no começo do deserto de Atacama, mais precisamen- te no Cerro Pachon, uma montanha de 2.700 me-

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tros de altitude dos Andes chilenos, sol- tou um informe alvissareiro: tinham captado as primeiras imagens do possí- vel estouro estelar. Ainda não dava para dizer há quanto tempo o misterioso fe- nômeno havia acontecido, nem preci- sar exatamente de que se tratava. E o evento só era avistável nos comprimen- tos de ondas equivalentes ao infraver- melho, mas não nas freqüências ópticas, de luz visível. Por isso havia incertezas em torno de sua natureza. "Podia ser poeira cósmica ou uma explosão com alto redshift (em português, desloca- mento para o vermelho, jargão para de- signar eventos siderais muito longín- quos)", diz Cypriano, que contou com a ajuda de outra astrofísica de São Paulo, Elysandra Figueredo, sua mulher, no trabalho de processamento das imagens. A pedido de Daniel Reichart, da Univer- sidade da Carolina do Norte, caçador de explosões de raios gama, a dupla de brasileiros redirecionara os espelhos do telescópio, que tem o Brasil como um de seus sócios majoritários, para a conste- lação de Peixes na esperança de obter al- gum registro. Como se veria logo depois, esse movimento rendeu dividendos.

No dia 12 de setembro, após uma série de medições e observações fei tas de forma pioneira pelo Soar e ratificadas posteriormente por outros telescópios, houve o anúncio formal: a explosão de raios gama GRB 050904, assim chamada pelos pesquisado- res, ocorrera a 12,7 bilhões de anos-luz da Terra (um ano-luz eqüivale a cerca de 9,5 trilhões de quilôme- tros), "apenas" 1 bilhão de anos após o Big Bang, o evento primordial que provavelmen- te deu origem ao Universo. Era o mais distante e antigo estouro cósmico já de- tectado pelo homem, que sinalizava a morte de uma estrela com massa deze- nas de vezes maior que o Sol e o nasci- mento de um buraco negro a partir de seus despojos. "Estamos entrando em território não mapeado", disse Rei- chart, na entrevista coletiva que divul- gou a descoberta. "Finalmente estamos vendo os remanescentes de alguns dos objetos mais velhos do Universo." O re- corde anterior pertencia a uma explo- são 500 milhões de anos mais nova que a GRB 050904.

Imagens captadas pelo Soar: três registros do brilho residual da mais distante explosão cósmica (acima) e dois registros do cometa Tempel 1, antes e depois da colisão com espaçonave

morte de uma estrela massi- va provoca uma explosão de raios gama extremamente fugaz, que dura em geral não mais que dez segun- dos. O GRB 050904 foi

uma exceção à norma: prolongou-se por 200 segundos. Alguns astrofísicos estimam que, em pouco mais de três minutos, a explosão confirmada pelo Soar gerou 300 vezes mais energia que o Sol liberará ao longo de seus prová- veis 10 bilhões de anos de vida. A rigor, não foi esse rápido e descomunal even- to que os espelhos dos telescópios de todo o planeta perseguiram, mas, sim, os remanescentes da explosão. O seu brilho residual, que, em sua longa jor- nada cósmica, demorou os tais 12,7 bi- lhões de anos para chegar até nós. Du- rante três noites seguidas, de 4 a 6 de setembro, Cypriano, um dos integran-

tes do time internacional de astrônomos residentes no Chile que opera o Soar, observou o brilho residual da explosão se esvaindo. "Estava no lugar certo, na ho- ra certa", diz esse paulistano de 34 anos.

As imagens originais do fenômeno, feitas em vários comprimentos de onda, não são tão nítidas como as pu- blicadas nesta reportagem. Antes do anúncio público da descoberta da mais antiga explosão cósmica, Elysandra passou uma semana removendo ruídos instrumentais de informação que difi- cultavam a análise dos registros obtidos do remoto colapso estelar, num esfor- ço conjunto com os pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte. "Por ser muito brilhante no infraverme- lho, o céu é a parte mais difícil de tratar nas imagens", comenta Lys, como gosta de ser chamada essa paulista de 32 anos, nascida em São Vicente. No final do trabalho, deu tudo certo. O flagrante da mais antiga explosão cósmica é uma luz num período marcado pelas trevas. Há menos informações sobre as estre- las que surgiram na infância do Univer-

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so do que sobre o próprio Big Bang. Mesmo sem estar totalmente operacio- nal, as imagens do GRB 050904 produ- zidas pelo Soar, uma alta aposta da as- trofísica nacional, fizeram história.

Inaugurado em abril de 2004, após ser projetado e construído por mais de uma década, o observatório possui um espelho principal de 4,1 metros de diâ- metro, 6,6 vezes mais potente que o maior dos telescópios instalados no Brasil. Embora situado numa zona de- sértica, não está sozinho na montanha. Divide o Cerro Pachon com um vizi- nho ilustre, a unidade sul do Observa- tório Gemini, localizada a 400 metros de distância e que também foi utiliza- da nas observações do GRB 050904. O Soar custou US$ 28 milhões, valor ra- teado pelos quatro parceiros do em- preendimento. Três sócios são dos Es- tados Unidos - a Universidade da Carolina do Norte, a Universidade de Michigan e a National Optical Astro- nomy Observatories (Noao) - e o ou- tro é o Brasil, que investiu na iniciativa US$ 12 milhões. O Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecno- lógico (CNPq) entrou com US$ 10 mi- lhões e a FAPESP com US$ 2 milhões.

Acesso privilegiado - O montante alo- cado ao Soar facultou à comunidade científica nacional o acesso a 30% da escala de uso do telescópio, a maior fa- tia entre os participantes do empreen- dimento. Algo como 127 noites de ob- servação por ano. Em nenhum outro empreendimento astrofísico de primei- ra linha o Brasil dispõe de tanto tem- po. Ao lado de seis nações, o país, por exemplo, faz parte do consórcio Gemi- ni, que conta com dois telescópios de 8,1 metros, maiores que os do Soar, um no Chile e outro no Havaí. Mas o Brasil só tem à disposição os equipa- mentos do Gemini por menos de 3% de seu tempo de uso. "Entre as gran- des infra-estruturas recém-criadas para a ciência brasileira, o Soar e o Labora- tório Nacional de Luz Síncrotron (em Campinas) são as de maior relevân- cia", afirma o astrofísico João Evangelis- ta Steiner, da Universidade de São Pau-

lo (USP), presidente do consórcio e do conselho diretor do Soar. "Esse teles- cópio será a ferramenta mais valiosa para a astronomia nacional", comenta Albert Bruch, diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Ita- jubá, Minas Gerais.

A rigor, o uso do verbo no futuro se justifica. Apesar de já ser capaz de pro- duzir resultados espetaculares, como a detecção em primeira mão da mais an- tiga explosão de raios gama, passando a perna em telescópios de todo o mundo, o Soar funciona atualmente a meio pau. Sua maior contribuição à ciência (nacional) ainda está por vir. Hoje a maior parte do tempo de operação de seus equipamentos é consumida em ajustes de engenharia. Uma fração das horas de trabalho é dedicada à obten- ção de dados para projetos científicos. Depois de ser inaugurado, todo telescó- pio passa por essa fase de testes e refina- mentos, em que o tempo direcionado para a pesquisa científica aumenta gra- dativamente à medida que os proble- mas de engenharia são resolvidos. Se

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não houver atrasos em seu cronogra- ma, o telescópio brasileiro-norte-ame- ricano estará totalmente operacional no segundo semestre de 2006.

As observações feitas pelos espelhos do Soar servem a variadas linhas de pesquisa astronômica tocadas por bra- sileiros. Por ora, os achados não são tão espetaculares como o flagrante de uma explosão de raios gama em razão do colapso de uma estrela supermassiva. Nem por isso são desinteressantes. No início de julho, por exemplo, a pedido de Enos Picazzio, do Instituto de Astro- nomia, Geofísica e Ciências Atmosféri- cas da Universidade de São Paulo (IAG- USP), o telescópio captou imagens do cometa Tempel 1, uma massa de gelo, rocha e poeira, com idade estimada em 4,6 bilhões de anos, que passou a 133 milhões de quilômetros de distância da Terra. Os registros foram feitos antes e depois de esse corpo celeste ser atingi- do por um projétil lançado pela sonda norte-americana Deep Impact (Impac- to Profundo). "Pudemos ver que antes da colisão o cometa tinha uma estrutu- ra com quatro zonas ativas (jatos de ga- ses) e depois do choque apresentava somente três", comenta Picazzio, que também avistou o Tempel 1 do Obser- vatório do Pico dos Dias, onde há o maior telescópio em funcionamento em solo nacional. Situado a 1.860 me- tros de altitude, em Brasópolis, Minas Gerais, onde o céu não é tão límpido e sem nuvens como o dos Andes, o Pico dos Dias tem um espelho principal com 1,6 metro de diâmetro, modesto se comparado ao do Soar.

Ápice de uma missão que custou U$ 333 milhões à Nasa, o momento do choque entre o Tempel 1 e o projétil disparado pela sonda Impacto Profun- do ocorreu, conforme fora programa- do, na noite de 4 julho, não por acaso a data nacional dos Estados Unidos. A colisão, portanto, não pôde ser vista por telescópios localizados fora da América do Norte. Ainda assim, a pas- sagem do cometa, que viaja pelo espaço a 37 mil quilômetros por hora, era uma boa chance para se testar o Soar num trabalho de observação de um objeto que se desloca a uma velocidade apa- rente muito maior que a das estrelas e galáxias (movimento sideral). Foi a pri- meira vez que o telescópio foi usado para perseguir um alvo com movimen-

to não-sideral. "Com o Soar, também podemos ver cometas de elevada mag- nitude aparente, com pouco brilho", diz Picazzio. "Temos muito mais oportu- nidades de observação." A olho nu, um observador da Terra, num dia com ex- celentes condições para observação, consegue enxergar no máximo estre- las ou planetas que tenham brilho equivalente à magnitude 6. Com o Soar, é possível produzir imagens de objetos celestes de magnitude 26. Quanto maior a magnitude de um as- tro, menor a quantidade de luz que chega a nosso planeta emanada desse corpo.

Anãs brancas pulsantes - Outra linha de pesquisa em que o Soar já se mostra bastante útil é o estudo de um tipo raro de objeto astronômico, as ZZ Cetis, também chamadas de anãs brancas va- riáveis ou pulsantes, que podem ser en- caradas como fósseis de estrelas que, no passado remoto, foram exuberantes. Em artigo a ser impresso na edição de dezembro da revista científica Astro- nomy&Astrophysics, a equipe do pes- quisador Kepler de Souza Oliveira Fi- lho, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reporta a des- coberta de 14 novas anãs brancas pul- santes com o auxílio do telescópio bra- sileiro-norte-americano situado nos Andes chilenos. Num outro trabalho, ainda não publicado, Barbara Casta- nheira, aluna de doutorado de Kepler, identificou, com os espelhos do Soar, outras três ZZ Cetis (e mais sete com o telescópio do Pico dos Dias, em Brasó- polis). São números consideráveis, ain- da mais quando se leva em conta que, até agora, são conhecidas cerca de cem anãs brancas pulsantes.

Mas esse tipo de objeto sideral é exatamente o quê? No crepúsculo de sua existência, quando deixam de pro- duzir as reações termonucleares que lhes fornecem energia, estrelas peque- nas ou medianas, de pouca massa, mais ou menos como o Sol, encolhem de ta- manho, tornam-se corpos densos e mais frios. Viram anãs brancas. O des- tino final de 98% das estrelas é, um dia, se transformar num astro senil com esse perfil acanhado. Se durante o pro- cesso de contração e perda de calor uma anã branca exibe instabilidades periódicas - em outras palavras, emite

pulsações a intervalos fixos, que alte- ram o seu brilho —, ela é classificada como uma ZZ Cetis. Para captar essas tênues mudanças de luminosidade, os astrofísicos fazem várias séries de fotos das estrelas candidatas a serem anãs brancas pulsantes. "Essas variações são as únicas pistas que temos sobre a com- posição interna das estrelas", explica Kepler, que este ano está morando no Chile, onde é um dos astrônomos res- ponsáveis pela operação do Soar. "Da mesma forma que se analisam as ondas dos terremotos para estudar o interior da Terra, podemos usar as variações das anãs brancas para medir seu interior."

Antigas e longínquas explosões de raios gama, velozes cometas que cru- zam a órbita da Terra, os cambiantes e fracos pulsos das anãs brancas variáveis - esses e outros fenômenos do Cosmos agora estão mais ao alcance dos pesqui- sadores brasileiros com o acesso privi- legiado que o país tem ao Soar, um te- lescópio de primeira linha. Ainda que pequena, a participação em outros gran- des projetos internacionais também é, sem dúvida, importante, bem como a manutenção de equipamentos mais modestos instalados em território nacio- nal. Mas nada se compara a ser sócio do Soar. "Podemos, de fato, jogar na pri- meira divisão do campeonato da astro- física", afirma Steiner. "E marcar gols, mostrando que podemos fazer ciência de fronteira." Como fizeram Eduardo Cypriano e Elysandra Figueredo. •

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Chuva de partículas Observatório Pierre Auger capta raios cósmicos de alta energia

ocalizado na de- sértica Malar- güe, cidade de 20 mil habitan- tes próxima aos Andes argenti-

nos, o Observatório Pierre Auger, maior projeto internacional concebido para captar raios cósmicos de alta energia, um tipo raro de partícula subatômica que viaja quase na velocidade da luz an- tes de cair sobre a Terra, acaba de man- dar as primeiras notícias. Animadoras, por sinal. Apesar de estar funcionando com pouco menos da metade de sua ca-

pacidade total, o empreendimento re- gistrou, entre janeiro de 2004 e julho deste ano, 3.525 eventos em que os raios cósmicos tinham energias colossais. Em 20 ocasiões, as partículas exibiam níveis de energia próximos ou superiores ao chamado corte GZK, de 5 x 1.019 elé- trons-volts (eV). O GZK marcaria o li- mite máximo de energia que os raios poderiam apresentar ao chegar a nosso planeta. Teoricamente, seria impossível flagrar partículas com energia acima desse teto. Teoricamente. Mas o Auger, do qual o Brasil é um dos sócios, e ou- tros experimentos menores já mediram eventos com raios mais energizados que o corte GZK. Isso não dizer que o limi- te não faça mais sentido. Longe disso. Até porque essas ocasiões foram tão pouco freqüentes que não geraram da- dos com relevância estatística para for- mular julgamentos definitivos.

As informações fornecidas pelo Au- ger foram apresentadas em julho à co- munidade de físicos, num congresso so- bre raios cósmicos na índia. "Daqui a dois anos, quando o observatório esti- ver totalmente pronto, vamos ter uma quantidade de dados sete vezes maior que hoje", comenta Vitor de Souza, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), um dos pes- quisadores brasileiros que participam do projeto internacional. "Nossa mar- gem de erro será bem menor e podere-

Detector de fluorescência do experimento montado nas cercanias dos Andes argentinos e mapa dos arredores do centro de nossa galáxia, com fluxos de raios cósmicos mais quentes em vermelho e mais frios em azul: primeiros resultados animadores

mos responder as questões que dizem respeito à natureza dessas partículas."

Uma das indagações que mais in- trigam os físicos é a polêmica sobre a existência (ou não) de fontes pontuais de raios cósmicos, objetos siderais, co- mo um buraco negro, que emanariam enormes quantidades de partículas energizadas. Quando se registra siste- maticamente numa determinada região do céu raios com muito mais energia do que em outras partes do firmamento, essa medida pode indicar que naquela direção do Cosmos, a milhões de anos- luz de distância, existe um corpo celes- te emitindo as partículas. Por ora, o Au- ger ainda não detectou nenhuma fonte pontual. Aparentemente, os raios cós- micos captados pelo experimento em Malargüe vêm de todas as direções do Universo, e não de pontos específicos. Essa percepção, no entanto, pode ser ilusória. A direção original das partícu- las pode ter sido alterada durante a via- gem a caminho da Terra.

Projeto de US$ 47 milhões, que en- volve instituições de 18 países, o obser- vatório nos Andes argentinos é o primei- ro a juntar dois métodos de observação de raios cósmicos de alta energia: detec- tores de superfície, chamados tecnica- mente de tanques Cerenkov, e de fluores- cência, um tipo especial de telescópio. Assim que estiver concluído, o empreen- dimento, no qual o Brasil por meio da FAPESP e do Ministérios da Ciência e

Tecnologia investiu cerca de R$ 2,5 milhões, vai contar com 1.600 tanques, espalha- dos por uma área de 3 mil quilômetros quadrados, e 24 telescópios abrigados em quatro prédios. Hoje, 700 de- tecto res de superfície e 18 de fluorescência estão funcio- nando. Tudo para tentar en- tender a natureza dos raios cósmicos, fenômeno cuja compreensão pode alargar o conhecimento sobre a consti- tuição da matéria e a forma- ção do Universo. "Nenhum experimento futuro com es-

sas partículas poderá ser menor ou igual ao Auger", comenta o físico Carlos Esco- bar, da Universidade Estadual de Cam- pinas (Unicamp), supervisor da equipe brasileira no empreendimento. "Para se justificar, terá de ser maior." •

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CIÊNCIA

MEDICINA

Freio na corrosão A artrite reumatóide não tem cura, mas a descoberta de marcadores biológicos está ajudando a ampliar o resultado dos tratamentos

FABRíCIO MARQUES

o início, os sintomas são vagos. Despon- tam dores, cansaço e emagrecimento. Em seguida, as articula- ções das mãos infla-

mam. Progressivamente, o incômodo compromete juntas em todo o corpo. Pode haver deformações e, na parcela de casos mais graves, incapacidade físi- ca. Para uma em cada dez vítimas da artrite reu- matóide, tarefas singelas como sair da cama ou se vestir são estações de um calvário particular. A doença, que atinge um exército de 1,8 milhão de brasileiros, resulta de um processo inflamatório corrosivo nas articulações desferido pelo próprio sistema imunológico do paciente. Conforme avan- çam na compreensão da moléstia, os pesquisado- res constatam que o quebra-cabeça tem mais peças do que se calculava. Sabe-se que há uma contribui- ção genética importante e que fatores ambientais também são necessários para desencadeá-la, mas não se conhece ao certo a seqüência de eventos que deflagra a agressão. Na ausência de respostas sobre as causas, uma linha de investigação prolífica tem sido a identificação precoce das vítimas que vão apresentar evolução mais grave - e que merecem ser tratadas com remédios que podem custar até R$ 5 mil mensais - e aquelas cujos sintomas são controláveis por drogas mais simples.

Pesquisas realizadas em várias universidades do país dedicam-se a procurar sinais genéticos ou bio- lógicos que permitam antever a eclosão da doença ou mostrar quem sofrerá a forma mais agressiva. Manoel Bértolo, professor de Reumatologia da Fa- culdade de Ciências Médicas da Universidade Es- tadual de Campinas (Unicamp), está concluindo um estudo que rastreará marcadores genéticos da artrite reumatóide em brasileiros com ascendência

africana. O estudo deve ser concluído até o final do ano, mas a equipe de Bértolo já observou que os marcadores são diferentes dos encontrados numa amostra de 60 pacientes de ascendência européia, analisada em 1996. Ambos os estudos pesquisam a classe de genes ligada à histocompatibilidade imu- nológica que, sabe-se há décadas, tem um papel no surgimento de diversos males reumáticos.

Polimorfismo - Tais genes, situados no braço curto do cromossomo 6, codificam as moléculas HLA (antígeno leucocitário humano). Estas moléculas são altamente polimórficas, ou seja, podem apre- sentar-se com várias configurações (seqüências de aminoácidos) diferentes. A literatura internacional indica que o alelo HLA-DR4, uma dessas configura- ções, está vinculado à doença em diferentes popu- lações e etnias, mas em outros grupos também ob- servou-se um aumento de freqüência do alelo HLA-DR1 nos pacientes. Em 1993 encontrou-se uma seqüência de aminoácidos na região 70-74 da molécula do HLA-DR que seria comum a todos os alelos vinculados à artrite reumatóide - entre eles, os mais comuns são o DRB1*0101, *0404 e *0401. Este pequeno trecho recebeu o nome de epítopo compartilhado e é alvo de intensa pesquisa para compreender sua associação com a doença. Mas, em populações africanas, essa seqüência não está ligada à moléstia, abrindo a suspeita de que exis- tem outros genes envolvidos. A incidência da artri- te reumatóide varia entre grupos populacionais di- ferentes. Certas tribos indígenas norte-americanas têm prevalência de 10%. No Brasil, os estudos en- contraram uma prevalência de 0,2% até 1,0%.

As pesquisas de Bértolo buscam, de forma pioneira, as raízes genéticas do problema nos brasileiros. "Não adianta mirar-se em estudos de polimorfismo feitos em outros países, pois os mar-

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cadores genéticos variam segundo o grupo populacional", diz Bértolo. No estudo feito com os brasileiros descen- dentes de europeus a equipe de Bértolo concluiu que os alelos HLA-DRB1*0101 e *0102 estavam associados com a sus- cetibilidade da artrite reumatóide, en- quanto os alelos HLA-DRB 1*0401 e *0404 estavam vinculados às formas mais graves da doença. Já na pesquisa feita com os afro-brasileiros, dados pre- liminares sugerem que o HLA-DRB 1*09 é que está vinculado à suscetibilidade da moléstia.

A investigação das origens genéticas da artrite reumatóide será alvo de uma pesquisa nacional, prevista para iniciar-se em 2006. Equipes das universidades de Brasília, Federal do Rio Grande do Sul, Federal do Ceará, Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, vão acompanhar 300 pacientes. Cada centro estudará pelo me- nos cinco genes polimórficos relevantes na compreensão dos mecanismos da doença. "O objetivo é conjugar genes com influência parcial para obter um painel que dê respostas de maior utili- dade clínica", diz Luis Eduardo Coelho Andrade, professor de reumatologia da Unifesp, que vai coordenar o estudo.

Consórcios de pesquisadores de vá- rias partes do mundo tentam desven- dar o intricado processo que conduz à doença. No caso dos países em desen- volvimento, a procura de marcadores tem importância extra. Como o custo das terapias tem um peso crescente no

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orçamento de saúde, conhecer o trata- mento adequado para cada tipo de pa- ciente é uma forma de racionalizar gastos e oferecer assistência a mais víti- mas. Há uma classe de medicamentos que bloqueia uma proteína chamada fator de necrose tumo- ral, causadora de grande parte da inflamação e da dor nas articulações. Pes- quisa da Universidade de Nebraska revelou me- lhora de 20% dos pacien- tes graves que não res- pondiam à cortisona. O tratamento custa R$ 5 mil mensais.

Apenas uma parcela das vítimas precisa de drogas como essa. Ministradas preco- cemente, elas evitam a evolução mais dramática da doença. Os pesquisadores buscam ferramentas que distingam es- ses pacientes da imensa maioria que consegue controlar os sintomas recor- rendo a antiinflamatórios e corticóides. Estudo realizado pela Unifesp calculou em R$ 1.100,00 o custo anual por pa- ciente de artrite reumatóide atendido pelo SUS. O levantamento levou em conta, entre outros, gastos ambulato- riais e de internação, além do custo dos remédios, que corresponde a 70% do total. Os R$ 1.100,00 parecem pouco

quando comparados aos custos dos pa- cientes em outros países. Na Inglaterra e na França esse gasto chega a US$ 9,3 mil (cerca de R$ 22,3 mil). Mas se trata de um gasto considerável no limitado orçamento de saúde brasileiro.

ão se sabe ao certo quan- tas das 900 mil presu- míveis vítimas brasilei- ras da doença têm acesso a tratamento adequado, mas um cálculo feito pe-

la Unifesp analisou dois cenários. Num deles, 20% dos pacientes estariam rece- bendo tratamento no SUS. Nesse caso o custo seria de R$ 92 milhões por ano, ou 0,2% do orçamento para uma única moléstia. Num outro cenário, o índice dos bem atendidos chegaria a 70%. O custo seria de R$ 300 milhões anuais, ou 0,63% do orçamento de saúde. "É essencial racionalizar gastos", diz Mar- cos Bosi Ferraz, diretor do Centro Pau- lista de Economia da Saúde (CPES), da Unifesp, que orientou a pesquisa, de- fendida como dissertação de mestrado do médico Gustavo Chermont.

A artrite reumatóide costuma ser denominada impropriamente apenas de artrite e, às vezes, é confundida com outra doença, a artrose. Mas artrite é um nome genérico de qualquer infla- mação que acometa as juntas. Há, por exemplo, artrites provocadas por lesões traumáticas, pela gota ou por bactérias. Essas são pouco comuns e atingem com maior freqüência os homens. Já a artri- te reumatóide é uma moléstia auto- imune, que não distingue sexo, mas tem picos de incidência em mulheres entre 50 e 70 anos. A artrose, por sua vez, é um desgaste das juntas relacionado sobretudo à idade avançada.

O papel de um outro tipo de mar- cador da doença foi o objeto de uma tese de doutorado defendida em julho passado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pelo reuma- tologista Charles Lubianca Kohem. O marcador é o CCR5, um receptor de proteínas que leva os leucóticos a sair do sangue e rumarem para as articula- ções. Algumas pessoas têm uma muta- ção genética que as leva a não expressar esse receptor. A pesquisa de Kohem comparou 92 vítimas da artrite reuma- tóide com 160 pessoas saudáveis para saber se os portadores dessa mutação estariam imunes à doença ou a desen- volveriam de forma mais branda. Não foram, contudo, observadas diferenças

Há três mil anos, um terço das po- pulações adultas de pescadores, coleto- res e caçadores que viviam no litoral do Rio de Janeiro poderia sofrer de artrose, a destruição progressiva dos tecidos das articulações que pode prejudicar os movimentos. Atualmente o desgaste da cartilagem das mãos, braços, coluna vertebral, quadril, joelhos ou pés costu- ma se manifestar com maior freqüên- cia a partir dos 50 anos, mas naqueles tempos seus primeiros sinais poderiam aparecer bem mais cedo, antes dos 30 anos. A artrose precoce era um resulta- do do desgaste das articulações promo- vido pelas atividades cotidianas desses grupos pré-históricos, de acordo com os estudos conduzidos por Claudia Ro- drigues Carvalho, bioantropóloga do

Destruição precoce Museu Nacional da Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro (UFRJ), em seu trabalho de doutorado desenvolvido na Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro.

"Essa pesquisa demonstra que a ar- trose não é um problema exclusivo do homem contemporâneo", diz Claudia. Seu trabalho, que se baseia na análise de 78 esqueletos mantidos no museu da UFRJ, indica que os problemas arti- culares eram mais comuns nos ho- mens que nas mulheres. "Não significa que as mulheres trabalhassem menos", ressalta. Mas os padrões de artrose e os indicadores de desenvolvimento mus- cular observados nos esqueletos suge- rem que os homens cuidavam das ta-

refas que exigiam mais esforço físico, como remar, moer, triturar, raspar, ar- rastar redes, carregar objetos pesados ou fazer longas caminhadas. Hoje é o inverso: também chamada de osteoar- trose, osteoartrite ou doença articular degenerativa, é mais comum nas mu- lheres. Por sorte, diferentemente da- queles tempos, atualmente se pode contar com analgésicos, antiinflama- tórios, derivados de cortisona ou mes- mo cirurgias para aliviar a dor que se intensifica à medida que a cartilagem - uma espécie de almofada entre os os- sos - desaparece, causando atrito entre os ossos, que então entram em conta- to direto.

Havia diferenças também entre as diversas populações estudadas. As arti-

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entre os dois grupos. Na pesquisa tam- bém foram analisadas amostras do lí- quido sinovial, que lubrifica a cartila- gem das articulações, de oito pacientes com artrite reumatóide. Esse líquido é produzido pela membrana sinovial, o revestimento da parede da cápsula que envolve a articulação. Quando a molés- tia eclode, a membrana passa a fabricar uma agressiva substância inflamatória. Constatou-se que havia mais recepto- res CCR5 no líquido sinovial do que no próprio sangue dos pacientes, sinal de que eles têm um papel na evolução da doença. Trata-se do primeiro estudo desse tipo na população brasileira.

Outro campo de pesquisas é a bus- ca de marcadores de diagnóstico soro- lógicos, capazes de detectar a existência de anticorpos que agridem o organis- mo e levam à artrite reumatóide. Em 1948 foi descrito o primeiro auto-anti- corpo (anticorpos que atacam o pró- prio organismo) vinculado à doença. Batizado de fator reumatóide, ele era,

no entanto, pouco específico - aparecia num vasto espectro de patologias. Nas décadas seguintes foram identificados dois auto-anticorpos, contra proteínas epiteliais, relacionados ao ataque às ar- ticulações. Nos anos 1990 descobriu-se que os dois anticorpos tinham algo em comum: reagiam contra uma proteína chamada filagrina. Depois constatou- se que a região da célula reconhecida pelo auto-anticorpo era rica num ami- noácido, a citrulina. Fechou-se o elo: a filagrina é rica em citrulina.

Identificado este alvo, o peptídeo ci- trulinado, a indústria pôde desenvolver kits com controle de qualidade para pesquisa dos anticorpos. O teste é co- nhecido como Anti-CCP (peptídeo ci- trulinado cíclico, na sigla em inglês) e consegue identificar a doença em está- gios iniciais, permitindo o controle dos danos. Essa evolução deu-se nos últi- mos cinco anos. Tais anticorpos têm sensibilidade de 70% e especificidade de até 95% para artrite reumatóide.

pPPp

A tese de doutoramento do médico Alberto Max Colônia Nieto, defendida em 2004 na Unifesp, procurou um elo entre a presença dos anticorpos anti- peptídeos citrulinados e as vítimas mais graves. Constatou-se que a presença dos anticorpos, isoladamente, não é ca- paz de diferenciar a evolução grave e a benigna. "Mas o tema é polêmico", diz Coelho Andrade, da Unifesp, orienta- dor da tese. "Estudos fora do Brasil su- gerem que pacientes com anticorpos têm evolução mais grave." Numa dis- sertação de mestrado defendida neste ano a médica Renata Trigueirinho Alar- cón investigou se os doentes apresenta- vam mais proteína filagrina do que as pessoas sadias. Viu-se que, ao contrá- rio, eles têm menos filagrina. Parece pa- radoxal que a proteína alvo da agressão apareça em quantidade diminuída nas vítimas, mas há outras formas de inter- pretar esse dado. "O sistema imunoló- gico, quando tem antígeno que se ex- pressa muito, fica tolerante a ele. Mas, quando a expressão é diminuída ou inade- quada, pode ocorrer um favorecimento da resposta auto-imune. Pode ser tam- bém que o verdadeiro alvo seja uma outra proteína citrulinada e que a fila- grina seja uma pista fortuita", diz Coe- lho Andrade. Ainda há muitas peças faltando no quebra-cabeça das causas da artrite reumatóide. •

culações dos braços e das pernas - em especial o joelho - começavam a se de- generar relativamente cedo, entre os 20 e 29 anos, nas populações pré-his- tóricas de Ilha Grande e Guaratiba, no litoral sul, e um pouco mais tarde, en- tre os 30 e 39 anos, nas comunidades de Saquarema, na Região dos Lagos, hoje o paraíso dos surfistas, com suas ondas fortes e águas cristalinas. Tais conclusões sugerem que os antigos mo-

radores de Ilha Grande tinham uma vida mais árdua, com mais exigências físicas - de fato, ainda hoje se trata de uma ilha de difícil acesso e navegação do litoral do Rio. "O grupo que habi- tou Ilha Grande deve ter navegado com muito mais freqüência em águas agita- das que os de Saquarema", diz a pes- quisadora.

Hoje o esforço físico repetitivo - dirigir muito ou passar muitas horas

Populações antigas do litoral fluminense sofriam de artrose já a partir dos 20 anos

digitando no computador, por exemplo - também pode lesar ten- dões e articulações. Pouco comum antes dos 40 anos, mas freqüente a partir dos 60 e predominante nos octogenários, essa doença pode ser

agravada por uma peculiaridade do mundo moderno, a obesidade, já que o excesso de peso força o desgaste das ar- ticulações, especialmente dos joelhos. "Esses resultados confirmam que op- ções sociais e comportamentais refle- tem na nossa qualidade de vida", diz ela. "Tudo que o homem faz tem um custo biológico."

PENHA ROCHA, do Rio de Janeiro

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CIÊNCIA

IMUNOLOGIA

O veneno sobre longas pernas

dentro de casa

Equipe do Butantan testa novo soro e pomada contra lesões causadas pelas picadas de aranha-marrom

ALESSANDRA PEREIRA

ez anos atrás, ao começar a estudar as aranhas-mar- rons, as espécies mais ve- nenosas do Brasil, a biólo- ga Denise Tambourgi ficou três noites em claro, mor-

rendo de medo de levar uma picada. É que ela havia en- contrado uma delas escondida no baú ao pé de sua cama, durante uma expedição de coleta realizada em uma fazenda no município de Telêmaco Borba, no Para- ná. Hoje ela ainda não se acostumou com esses animai- zinhos de pernas longas e finas, às vezes tão pequenos a ponto de quase não serem vistos. Mesmo que não sejam agressivos e só ataquem quando tocados, causaram cer- ca de 8 mil casos de envenenamento por ano em 2003 e 2004 no Brasil, com duas mortes, uma em Santa Catari- na e outra em Goiás.

Mas nesse tempo Denise avançou bastante na pes- quisa dessas aranhas. Com sua equipe do Laboratório de Imunoquímica do Instituto Butantan ela decifrou os principais componentes do veneno, descobriu como agem e desenvolveu dois novos tratamentos capazes de

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neutralizar a ação das toxinas no corpo humano. Um deles é um novo soro, já em fase de testes in vitro e em animais, específico contra o veneno de espécies de aranha-marrom encontradas no Bra- sil. Produzido à base de esfingomielina- se, a proteína que realmente provoca os danos no corpo humano, descoberta em 1998 pela equipe do Butantan, o novo soro antiloxoscélico poderá se tornar uma alternativa ao atualmente usado, o antiaracnídico, preparado apenas com o veneno extraído de uma delas, a Lo- xosceles gaúcho, e empregado também contra a picada de escorpiões e ara- nhas-armadeiras.

O outro tratamento é uma po mada para as lesões provocadas pelo veneno dessas aranhas no local da picada e que podem de- morar até oito meses para cu- rar - dependendo da exten- são da necrose é necessário implante de pele. O estrago pode ser ainda maior: ao cair na circu- lação sangüínea, alguns microgramas da substância são capazes de destruir as células vermelhas do sangue - as hemá- cias -, comprometer o funcionamento dos rins e levar à morte. A pomada do Butantan contém tetraciclina, um anti- biótico que age como inibidor das enzi- mas acionadas pelas toxinas da aranha, e reduziu em 75% o desenvolvimento de necrose da pele, de acordo com tes- tes feitos em coelhos. Atualmente a le- são é tratada por meio da aplicação de soro e medicamentos específicos como os corticosteróides. "O tratamento ideal contra a picada da aranha-marrom será um soro bastante específico e poliva- lente para neutralizar a ação do veneno de várias espécies, somado a antiinfla- matórios e a um inibidor de protease (enzima capaz de quebrar proteínas)", afirma Denise.

Os soros atuais neutralizam as to- xinas em circulação no organismo hu- mano, mas não são muito eficazes para tratar as lesões na pele. A razão é que, como a picada da aranha-marrom é in- dolor e a reação local não se manifes- ta imediatamente, as pessoas só procu- ram ajuda quando a lesão na pele já se encontra instalada. Então a necrose dos tecidos não é mais uma conseqüência do veneno, mas das reações do próprio organismo. Como a equipe do Butan- tan verificou, uma proteína do veneno

da aranha-marrom, a esfingomielinase, exerce um papel-chave na morte dos tecidos da pele. Essa toxina aciona ou- tras proteínas no interior das células da pele, que destroem as próprias células e, conseqüentemente, o tecido, de acor- do com um estudo conduzido por Da- nielle Paixão Cavalcante, integrante da equipe de Denise, publicado em maio deste ano no Journal of Investigative Dermatology.

tualmente, o soro antiarac- nídico não consegue impe- dir completamente a ação do veneno das três espé-

cies de aranha-marrom que mais causam aci-

dentes no Brasil: a Loxosceles interme- dia, a L. laeta e a L. gaúcho. E há outro problema, que dificulta sua produção: a quantidade de veneno extraído de uma Loxosceles é muito pequena, em torno de 30 microgramas - para imunizar um cavalo durante a preparação do soro é preciso aplicar cerca de 20 mili- gramas, uma quantidade quase 700 ve- zes maior. O farmacêutico Matheus Fer- nandes Pedrosa, em colaboração com Paulo Lee Ho e Inácio Junqueira, do Centro de Biotecnologia do Butantan, resolveu esse problema em 2002 ao clo- nar o gene que contém a receita de pro-

OS PROJETOS

Mecanismos moleculares da hemólise induzida pelo veneno da aranha Loxosceles intermedia e Loxosceles na área cárstica do Vale do Ribeira: Identificação da fauna, caracterização biológica e imunoquímica dos venenos, estudo dos mecanismos de ação das toxinas

COORDENADOR DENISE VILARINHO TAMBOURGI - Instituto Butantan

INVESTIMENTO

R$ 162,221,96 e R$ 251.402,01 FAPESP R$ 500.000 Wellcome Trust

dução da proteína esfingomielinase de L. laeta, uma espécie encontrada no sul do Brasil, em diversos países das Amé- ricas do Sul, Central e do Norte, cujo ve- neno é o mais tóxico entre todas do gê- nero. O trabalho, publicado naquele ano no Biochemical and Biophysical Re- search Communication, foi a primeira clonagem do gene de esfingomielinase no mundo.

No ano passado, Denise, colegas de sua equipe e da Faculdade de Medicina da Universidade de Wales, em Cardiff, Reino Unido, deram mais um passo im- portante para aumentar a produção de toxinas e de soro: conseguiram copiar o gene de duas proteínas esfingomielina- se de Loxosceles intermedia, responsável por mais de 95% dos casos de envene- namento no país, a maioria deles no Paraná - nesse estado, essa espécie está em toda parte: nas casas e nos edifícios. Descrito na Molecular Immunology, esse processo de clonagem ampliou a pro- dução de veneno em 5 mil vezes: cada litro de solução com as bactérias gene- ticamente modificadas, a cujo genoma se acrescentou o gene da esfingomieli- nase, rende em torno de 15 miligramas de proteína.

Testado em coelhos, o soro feito a partir das proteínas das espécies L. lae- ta e L. intermedia funcionou. O próxi- mo passo é obter um antídoto que reú- na as esfingomielinases de vários tipos de aranha-marrom. "Um soro polivalen- te é a maneira mais eficaz de neutrali- zar o veneno de cada uma das espécies", afirma Denise. Sua equipe, associada ao grupo de Hisako Higashi, da Divisão de Produção do Butantan, já começou a comparar o grau de eficiência do novo soro polivalente com o antiaracnídico tradicional, produzido no Butantan e distribuído para o país todo. São esses estudos que vão indicar se realmente vale a pena substituir o atual e fabricar o novo composto em larga escala.

Contra as hemácias - Foi também com a colaboração de uma equipe da Uni- versidade de Wales que Denise, Rute de Andrade e Fábio Magnoli, do Bu- tantan, desvendaram há cinco anos o mecanismo pelo qual a esfingomielina- se causa a destruição das células verme- lhas do sangue. A esfingomielinase, que havia sido identificada por Denise dois anos antes, faz com que as hemácias se-

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jam percebidas como um agente estra- nho no organismo e, por essa razão, eli- minadas pelo sistema imunológico, de acordo com artigo publicado em 2000 na revista Blood.

Quando uma pessoa sofre uma pi- cada da aranha-marrom, a esfingomie- linase do veneno se liga às hemácias, quebra um lipídio - um tipo de gor- dura -, chamado esfingomielina, e altera o funcionamento dessas células. Essa bagunça química coloca em ação algumas en- zimas, que cortam outras proteínas, as glicoforinas. Ao serem quebradas, as glicoforinas perdem ácido siálico, que faz com que um dos me- canismos de defesa do organismo, o chamado sistema complemento, veja as hemácias como invasoras e as destrua. "Todas as proteínas con- sideradas importantes na regulação de um compo- nente do sistema imune, o sistema complemento, esta- vam intactas na superfície das hemácias", comenta Denise. A desco- berta desse mecanismo redimensionou o papel das glicoforinas nas hemácias e no controle dessa parte do sistema de defesa do organismo.

Ao entender o mecanismo de ação do veneno e clonar o gene de diferen- tes esfingomielinases, ficou mais sim- ples obter a estrutura molecular dessa proteína, que se apresenta em forma de barril. A equipe de Denise, em cola- boração com o grupo chefiado pelo biofísico Raghuvir Arni, da Universi- dade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto, fez um cristal da proteína obtida a partir de Loxosceles laeta. Por meio desse trabalho, publi- cado em abril deste ano no Journal Bio- logical Chemistry, pode ser possível identificar os pontos ativos da proteí- na e, daí, projetar outros medicamen- tos capazes de combater o veneno da aranha-marrom.

A gravidade do envenenamento va- ria de acordo com o tipo de aranha e da própria vítima da picada. As aranhas adultas costumam provocar acidentes mais graves do que as mais jovens por- que o volume e a concentração de toxi-

nas no veneno aumentam com o tem- po de vida. O veneno dos machos tem menos poder de ação do que o das fê- meas, em geral mais robustas. Os casos mais brandos são causados por machos da espécie L. gaúcho e os mais sérios por

fêmeas de L. laeta. Por parte das pes- soas, o grau de envenenamento varia de acordo com a idade da vítima, sua cons- tituição genética e local atingido. Por motivos ainda não totalmente entendi- dos por especialistas, algumas pessoas apresentam reações generalizadas, como coagulação disseminada e ruptura das hemácias, que podem resultar em falên- cia renal e até morte.

Na América Latina, a maior parte das vítimas fatais é formada por crian- ças, em especial as picadas pela L. laeta. No Brasil, a mortalidade parece ser me- nor e geralmente é causada pela ara- nha-marrom da espécie L. intermedia.

"Cerca de 80% dos acidentes do Pa- raná são provenientes da cidade de Cu- ritiba", diz Marcelo Santalucia, da Fun- dação Nacional de Saúde (Funasa), órgão do Ministério da Saúde que recebe os casos notificados pelos municípios. "Depois de realizada a investigação, metade dos casos é descartada, mas não é feita a limpeza no banco de da-

dos, que só o município pode fazer." Denise Tambourgi, no entanto, acredi- ta que os sintomas provocados pela pi- cada da aranha-marrom muitas vezes são confundidos com os causados por infecções bacterianas ou por reações alérgicas. "Em muitas regiões", diz ela, "os casos de envenenamento provavel-

mente são tratados como uma infec- ção bacteriana".

Diferenças à parte, ninguém que conheça as aranhas-mar-

rons põe em dúvida seu po- tencial tóxico, que os moradores de Curitiba e de outras cidades do Paraná já aprenderam a respeitar. Mas os turis- tas e guias do Parque Estadual e Turístico do Alto Ribeira (Petar), no sul do Estado de São Paulo, não sabiam que

aquelas cavernas tam- bém eram habitadas por

essas aranhas. Os pesqui- sadores do Butantan não

sabiam se o veneno da Loxos- celes adelaida, que vive em am-

bientes silvestres, como as caver- nas, era tão perigoso como o das

outras espécies de ambientes urbanos. A bióloga Rute de Andrade confirmou que havia, sim, aranhas dessa espécie no Petar, após percorrer 22 cavernas desse parque e encontrar exemplares de L. adelaida em todas. Ela e o zootecnó- logo Fernando Pretel confirmaram que seu veneno é tão tóxico quanto o das demais aranhas do mesmo gênero. Foi uma descoberta importante que os pes- quisadores do Butantan trataram de es- palhar, com o apoio, no próprio institu- to, da equipe do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos Centros de Pesquisa Inovação e Difusão (Cepid) financiado pela FAPESP. No ano passa- do, os biólogos alertaram sobre o peri- go conversando com guias turísticos e distribuindo folhetos nas prefeituras, nas pousadas e nos hotéis do próprio parque, cujas cavernas recebem 16 mil turistas por ano. "As Loxosceles adelaida têm um comportamento diferente das outras aranhas-marrons. São extrema- mente ativas e entram nas mochilas e nas roupas", alerta Denise. "É impor- tante fazer o trabalho científico chegar à sociedade." •

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CIÊNCIA

GEOLOGIA

Nômade invasor O rio Taquari muda de curso e inunda permanentemente uma área de 6 mil quilômetros quadrados no Pantanal

Até o final da década passada, a fazenda Aguapé, uma proprie- dade de 15 mil hectares dedi- cada à pecuária e situada na

_ região de Paiaguás, no nor- te do Mato Grosso do Sul,

estava em paz com o regime de cheias e secas que ca- racteriza o Pantanal, a maior planície úmida do mun- do. De novembro a março, época mais chuvosa, uma parte de suas terras era inundada pelas águas que transbordavam do Taquari, um dos grandes afluentes do rio Paraguai, o maior corpo de água do Pantanal. Entre abril e outubro, período de estiagem, a pluvio- sidade diminuía e as parcelas da Aguapé que tinham tomado um banho prolongado e revigorante estavam secas novamente. Ano após ano era assim, ali e em tantas outras fazendas pantaneiras, onde a fauna, a flora e o homem estavam acostumados ao cíclico vai- e-vem das águas. Ao chamado pulso de inundação do Pantanal. Há uns oito anos, as águas vieram na esta- ção de cheia e não mais saíram de 3.200 hectares da fazenda. "Essa área agora está permanentemente ala- gada", afirma Emilio César Miranda de Barros, dono da Aguapé e presidente do Sindicato Rural de Co- rumbá, no Mato Grosso do Sul. O culpado pelo de- sastre: o rio Taquari, que não pára mais em seu leito principal devido ao acúmulo de sedimentos e man- tém submersa, agora durante os 12 meses do ano, uma área de 6 mil quilômetros quadrados de sua ba- cia, equivalente a quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

Não se trata apenas de um caso de rio assoreado que escapa de seu curso e causa estragos temporários e localizados. É mais do que isso: em razão do mate- rial acumulado no fundo de seu canal, o Taquari, cuja extensão total é de cerca de 800 quilômetros, pratica- mente deixou de ser navegável em sua porção de pla- nície há duas ou três décadas, tem cada vez menos pei- xes e suas águas rompem em inúmeros pontos as margens de contenção de seu leito, invadindo impor-

tantes segmentos de terra destinados à pecuária ou que servem de morada para a fauna. Nos últimos 30 anos houve uma retomada na intensidade das chuvas que caem sobre a parte de planalto da bacia do Ta- quari, condição climática que torna ainda mais difícil manter as águas do rio em seu trecho mais baixo, dentro do Pantanal, circunscritas ao seu curso atual.

Mudança na foz - No momento, a destruição mais ex- pressiva das bordas do rio ocorre nos arredores das fazendas Santa Luzia e Coronal, trecho do canal do Taquari com maiores níveis de assoreamento. Nesses setores, uma parte das águas do rio permanece em seu leito principal enquanto outra, de volume nada des- prezível, escorre pelos buracos abertos nas margens do Taquari, cai nas terras baixas da região de Paiaguás e dá origem a uma sucessão de novos e extensos ca- nais {veja mapa na página 57). Na prática, a partir da fazenda Coronal, o rio se dividiu em dois. Com o tempo, restará apenas um Taquari. O outro, provavel- mente o que corre por seu leito atual, vai secar. No passado recente, rompimentos nas margens do rio perto da região chamada Zé da Costa fizeram a foz do Taquari, que deságua no rio Paraguai, mudar de lugar. Em 1973, a desembocadura era próxima à localidade de Porto da Manga, no sudoeste da região conhecida como Nhecolândia. Hoje está 30 quilômetros acima e, segundo certas previsões, pode se deslocar mais uma centena de quilômetros ao norte nas próximas déca- das, rumo à Lagoa de Mandioré.

A obstrução progressiva do canal do Taquari, que corta de leste a oeste o coração de uma região única no mundo, é considerada por alguns estudiosos o maior problema ambiental do Pantanal, com reper- cussões negativas também sobre o agronegócio e o turismo local. Um problema federal e complexo. Fe- deral, porque a área integral da bacia do Taquari, de aproximadamente 79 mil quilômetros quadrados, se espalha por dois estados, o Mato Grosso do Sul, em 95% de sua totalidade, e o Mato Grosso, nos restantes

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Áreas do Pantanal alagadas durante todo o ano devido à mudança de direção do Taquari: problema é causado por fatores naturais e pela erosão decorrente da ocupação humana nas terras altas da bacia

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5% - e qualquer intervenção no desti- no do rio precisa do aval de Brasília. Complexo, porque há fatores naturais e humanos contribuindo para que o rio tenha uma índole irrequieta e suas águas estejam sempre à procura de um novo leito. "Devido às características fí- sicas de sua bacia, o Taquari é um rio nômade por natureza, cujo leito histo- ricamente muda de lugar de tempos em tempos, em algumas centenas ou milhares de anos", diz o geólogo Mario Luis Assine, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, que estuda essa questão num projeto patrocinado pela FAPESP. "Mas a ação do homem na área de planalto do rio, situada fora da planície sedimentar que caracteriza o Pantanal, acelera esse pro- cesso." Por ação, leia-se o desmatamen- to e as atividades de agricultura e so- bretudo de pecuária que se iniciaram nessas terras altas desde os anos 1970. "A criação de gado não tem cultura de manejo das pastagens e isso favorece a desagregação e a erosão do solo", expli- ca o pesquisador Carlos Padovani, da Embrapa Pantanal, de Corumbá, co- autor de estudos com Assine e coorde- nador de um amplo diagnóstico da si- tuação do Taquari. "Esse material acaba indo para o rio." Na região de Coxim, ainda no planalto, cerca de 36 mil tone- ladas de sedimentos são descarregados diariamente no curso d'água.

Errante por natureza - Uma pincelada de história e geografia ajuda a entender por que o Taquari, um rio essencial- mente sem leito fixo, se torna ainda mais errante nas últimas três décadas. Aproximadamente um terço do curso d'água, justamente a sua porção inicial, da nascente no Mato Grosso até um pouco depois da localidade de Coxim, no Mato Grosso do Sul, atravessa terras de planaltos. Nesse trecho, em torno do qual se forma a bacia do Alto Taquari, a altitude do terreno varia de pouco me- nos de 900 metros a cerca de 200 me- tros. O rio se encontra bem contido em seu leito, mas o desmatamento e a ero- são das terras que compõem sua bacia, um indesejável subproduto da nova fronteira agropecuária, produzem to- neladas de sedimentos que, levados pela correnteza do Taquari, vão acelerar o processo de assoreamento do curso d'água. Depois de vencer a escarpa que

Mudança de curso: surgem novos braços e canais do Taquari

marca o fim do planalto e o início da planície sedimentar, o rio entra em sua porção pantaneira, em seu médio e bai- xo cursos que representam dois terços de sua extensão. Essa porção menos elevada da bacia - que forma o chama- do megaleque aluvial do Taquari, uma feição geológica lapidada pelo transpor- te de sedimentos do rio e facilmente re- conhecível em imagens de satélite (exi- be, de fato, o formato de um grande leque) - cobre 50 mil quilômetros qua- drados, 37% do território do Pantanal em terras brasileiras. Aqui o Taquari é um sistema frágil, carregado com mui-

O PROJETO

Dinâmica sedimentar atual e evolução quaternária do leque aluvial do rio Taquari, Pantanal Mato-Grossense

MODALIDADE Linha Regular de Auxílio à Pesquisa

COORDENADOR MARIO LUíS ASSINE - Unesp, Rio Claro

INVESTIMENTO R$39.205,00 e US$ 4.450,00

to sedimento vindo do planalto, que corre num canal principal ladeado por margens apenas ligeiramente mais altas que suas águas.

Para complicar ainda mais a situa- ção, as terras em torno do atual leito do rio são mais baixas que a calha do mes- mo. É como se, a exemplo de um aque- duto, o Taquari fosse um rio que corres- se por um canal suspenso. Isso faz com que, depois de romper as margens do rio, as águas do Taquari tomem conta rapidamente dos terrenos vizinhos, de altitudes menos elevadas, iniciando as- sim uma busca sem fim por um novo e mais cômodo leito. Esse processo acon- tece há milhares de anos - e a prova disso é a existência de uma rede de an- tigos canais do Taquari impressos na paisagem pantaneira, leitos por onde o rio fluiu um dia e hoje não flui mais. "O Taquari é um rio realmente instável", afirma Padovani. Qualquer mudança, de ordem natural ou humana, ou uma conjunção de ambas, rompe o delicado equilíbrio do rio. Essa, aliás, é uma das principais conclusões apresentadas num artigo científico de Assine, recentemen- te publicado na revista internacional Geomorphology.

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Trecho assoreado do rio: força das águas rompe as margens

PAI ÁGUAS Rompimento das margens

Fazenda temprocesso) Caronal

o> '# Porto da Manga

Caminhos alternativos: o rio saiu de seu leito e invadiu a

região de Paiaguás, e sua foz, que era em Porto da Manga em

1973, subiu 30 quilômetros

MATO GROSSO

CUIABÁ

■< MATO S GROSSO

■00 SUl / 1 C"

De seminários e conversas com a po- pulação local e outros interessados no assunto, a Embrapa Pantanal, o Institu- to Alterra, da Holanda, e o Sindicato Rural de Corumbá formularam doze diferentes propostas para tentar mini- mizar as inundações permanentes de- correntes do assoreamento do Taquari. Algumas sugestões não são excludentes e, se aprovadas, podem vir a ser adota- das concomitantemente. Há quem de- fenda, por exemplo, a idéia de que o rio deveria ser dragado, tarefa que poderia custar entre R$ 70 milhões e R$ 180 mi- lhões e demoraria de dois a dez anos para ser concluída. Outros acham que deveria ser construída uma barragem na área de planalto do Taquari para evitar que os sedimentos das terras altas che- gassem até a porção pantaneira e baixa do rio. Reflorestar as margens do Ta- quari em sua porção de terras altas tam- bém é uma alternativa lembrada, bem como adotar um melhor manejo do solo no planalto a fim de diminuir a erosão. Para alguns ambientalistas, uma medida interessante seria desapropriar as áreas hoje permanentemente inun- dadas pelas cheias do Taquari e trans- formá-las em parque nacional.

Existem até proposições diametral- mente opostas: uma linha de pensa- mento advoga a reconstrução dos pon- tos estourados das margens do Taquari, em especial perto da fazenda Coronal, para que o rio deixe de fluir para os seus canais alternativos e volte ao seu leito central; outra preconiza que o homem deveria adotar medidas no sentido de facilitar, e não dificultar, a tendência na- tural do rio de mudar de trajeto de tem- pos em tempos, fazendo com que o Ta- quari se conforme mais rapidamente ao seu novo leito em terras mais baixas. Argumentos contra e a favor a cada uma das idéias não faltam. "Para mim, o úni- co jeito de resolver o problema é redu- zir a erosão na área de planalto por meio do manejo adequado da terra, ou talvez acelerar o processo de acomodação do rio em seu novo leito", diz Rob Jong- man, do Instituto Alterra. "Seria im- portante adotar essas medidas, mas elas não vão acabar com as inundações do Taquari", pondera o geólogo da Unesp. "Rios em leques aluviais mudam cons- tantemente de curso." •

MARCOS PIVETTA

PESQUISA FAPESP 116 • OUTUBRO DE 2005 ■ 57

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Biblioteca de

Revistas Científicas

disponível na internet www.scielo.org

A partir dos critérios para certificação de sites SciELO, dois deles ganharam nova classificação. SciELO Venezuela, anteriormente classificado como "em desenvolvimento", foi certificado como "em operação regular". O site SciELO Uruguai passou a ser classificado como "iniciativa em desenvolvimento" e sua coleção de periódicos encontra-se disponível a partir da Rede SciELO (www.scielo.org). Nos dois casos, a certificação representou a elevação da qualidade de apresentação e operação dos sites.

■ Saúde

Epidemia de cesáreas

O artigo "Parto normal ou cesárea? O que toda mulher deve saber (e todo homem tam- bém)", de autoria da pesquisadora Daphne Rat- tner, do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, do Ministério da Saúde, reflete so- bre os números de partos normais e cesáreas realizadas em todo o mundo. O estudo mostra que a cesariana é a cirurgia de grande porte mais efetuada nos Estados Unidos e também a mais freqüente operação feita sem necessidade. "Muitas dessas operações, que apresentam ris- cos de complicações maternas, inclusive morte, são medicamente desnecessárias", diz a pesqui- sadora Daphne. "É impensável que a cirurgia cesariana desnecessária seja realizada em milha- res de mulheres, esbanjando valiosos milhões de dólares dos serviços de saúde, enquanto quase 40 milhões de americanos não têm acesso aos serviços básicos de saúde", afirma. Se no he- misfério Norte valores assim elevados de cesa- rianas são considerados ultraje ao bom exercício da obstetrícia, que podemos dizer do Brasil? A autora do artigo responde: "Infelizmente, a si- tuação brasileira é ainda mais grave: já há algu- mas décadas essa epidemia contagiou nosso país, e pesquisas mostraram que a prática obsté- trica em nossos hospitais não é nada exemplar. No Estado de São Paulo alguns hospitais che- gam a praticar taxas de até 100%", diz. A auto- ra ressalta que, apesar das medidas adotadas pelo governo federal e até por alguns seguros- saúde para coibi-las, o número de cesáreas des- necessárias continua a crescer, alertando que outras estratégias se fazem necessárias. "É in- questionável que a indicação de cirurgia é atri- buição dos médicos. Mas até que ponto as mu- lheres não foram involuntariamente cúmplices, por absoluto desconhecimento de como seu corpo funciona ou por terem embarcado na moda de que cesárea é parto "tecnologicamen- te avançado"?

INTERFACE - COMUNICAçãO, SAúDE, EDUCAçãO - VOL. 9 - N° 17 - BOTUCATU MAR./AGO. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Si4i4- 32832oo50oo20oo20&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Saneamento

Conseqüências da privatização

Concessões privadas de saneamento no Bra- sil: bom negócio para quem? O estudo de au- toria de Marcelo Coutinho Vargas e Roberval Francisco de Lima, da Universidade Federal de São Carlos, procura analisar o papel que a ini- ciativa privada pode desempenhar no abasteci- mento de água e no esgotamento sanitário das cidades brasileiras. Segundo o artigo, a ativida- de pode contribuir para melhorar a qualidade e expandir a oferta dos serviços e aumentar a exclusão dos mais pobres. Foram apresentados estudos de caso sobre privatizações ocorridas nesse setor na Região Sudeste: a concessão dos serviços de água e esgotos de Limeira (SP), Niterói (RJ) e cinco cidades fluminenses da Região dos Lagos a grupos nacionais e estrangeiros. "A idéia é analisar as conse- qüências da priva- tização sobre a qua- lidade, o alcance social, os custos e o impacto ambiental desses serviços, en- fatizando os arranjos institucionais e os meca- nismos de regulação que permitem (ou não) aos poderes públicos e à sociedade exercer al- gum grau de controle sobre o desenvolvimen- to do setor durante a vigência da concessão", dizem. Os estudos de caso apresentam resulta- dos ambivalentes, que permitem estabelecer li- mites e condições para a sustentabilidade social, econômica e ambiental do envolvimento de operadores privados neste setor nos países em desenvolvimento. Com relação à política nacio- nal de saneamento, os estudos de caso contri- buem para demonstrar que a participação pri- vada neste setor, sob determinadas condições, pode contribuir para ampliar a cobertura e melhorar a qualidade dos serviços.

AMBIENTE E SOCIEDADE - NAS - JUL./DEZ. 2004

VOL. 7 - N° 2 - CAMPI-

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Si4i4- 753X20040002oooo5&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

58 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP116

Page 59: A mais distante explosão

■ Ambiente

Impactos da mineração

As atividades de extração mineral são de grande im- portância para o desenvolvimento social, mas igual- mente responsáveis por impactos ambientais negati- vos, alguns muitas vezes irreversíveis. Nesse sentido, o estudo "Perfil ambiental qualitativo da extração de areia em cursos d'água", escrito por Leandro Camillo de Lelles, Elias Silva, James Jackson Griffith, Sebastião Venâncio Martins, da Universidade Federal de Viço- sa, teve como objetivo central avaliar os impactos am- bientais decorrentes da extração de areia em cursos d'água no Brasil. "Cerca de 2 mil empresas se dedicam à extração de areia no Brasil, na grande maioria pe- quenas empresas familiares, gerando cerca de 45 mil empregos diretos", aponta o estudo. Porém, a minera- ção de areia possui baixo valor econômico devido ao transporte. A atividade torna-se problemática por se constituir na busca de matéria-prima de baixa relação preço/volume, sendo seu principal fator limitante a distância do mercado consumidor. Desse modo, as mi- neradoras procuram áreas próximas dos centros de consumo, o que potencializa situações de conflito en- tre a mineração e o uso urbano do espaço. Os pesqui- sadores identificaram e caracterizaram qualitativa- mente os impactos ambientais utilizando o método do check-list. Os resultados possibilitaram identificar 49 impactos, sendo 36 negativos (73%) e 13 positivos (26%). A principal conclusão é que os resultados po- dem ser utilizados como referencial teórico para sub- sidiar o processo de licenciamento ambiental desse tipo de empreendimento.

REVISTA ARVORE - VOL. 29 2005

N° 3 - VIçOSA - MAI./JUN.

www. scielo.br/scie Io. php?script=sci_arttext&pid=Soioo-

676220050003000ii&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Cardiologia

Risco de sobrepeso

Estabelecer a prevalência de hipertensão arterial, ris- co de sobrepeso, sobrepeso, sedentarismo e tabagismo em jovens da cidade de Maceió (AL). Este é o objetivo do estudo "Prevalência de fatores de risco cardiovascu- lar em crianças e adolescentes da rede de ensino da ci- dade de Maceió", escrito por um grupo de pesquisado- res da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de Alagoas (UFAL). "Em todos os estados brasileiros, considerando-se o conjunto de todas as faixas etárias, as doenças cardiocirculatórias são responsáveis pelo maior contingente de óbitos, de- correntes de doença arterial coronariana, doenças ce- rebrovasculares e insuficiência cardíaca", justificam os autores. Foram analisadas crianças e adolescentes en- tre 7 e 17 anos, de ambos os sexos, da rede pública e privada de ensino de Maceió. O projeto de pesquisa foi

aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universi- tário da UFAL. Ao todo, dos 1.253 estudantes que par- ticiparam do estudo, 1.172 não praticavam atividade física. Além disso, foi verificado risco de sobrepeso e so- brepeso em 116 e 56 indivíduos, respecti- vamente. "Os dados obtidos com o estu- do reforçam a ne- cessidade da obten- ção de informações individualizadas nas diferentes cidades brasileiras, em razão da grande heterogeneidade apresentada pelo Brasil nos mais diversos aspectos, que determinam modificações incontestáveis no perfil de saúde dos grupos populacionais."

ARQUIVO BRASILEIRO DE CARDIOLOGIA ■ SãO PAULO - MAIO 2005

VOL. 84 - N° 5 -

www. scie lo.br/scielo. php?scri pt=sci_arttext&pid=Soo66-

782X200500050ooo7&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Sociedade

Saúde desigual

Evidências empíricas nas áreas de educação, traba- lho e justiça indicam que a discriminação racial é fator importante das desvantagens econômicas e sociais en- frentadas por minorias étnico-raciais no Brasil. Apesar disso, as desigualdades étnico-raciais, no âmbito da saúde, têm sido pouco investigadas. Este é o pano de fundo do artigo "Aspectos epidemiológicos das desi- gualdades raciais em saúde no Brasil", que apresenta indicadores que demonstram como as categorias ra- ciais predizem, de forma importante, variações na mortalidade. "A mortalidade precoce predomina en- tre indígenas e pretos, os níveis de mortalidade mater- na e por doenças cerebrovasculares são mais elevados entre as mulheres pretas, além de que no capítulo das agressões os homens jovens pretos apresentam ampla desvantagem", apontam as autoras Dora Chor, da Es- cola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, e Claudia Risso de Araújo Lima, da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde. Entre as possíveis causas das desigualdades étnico-raciais em saúde, des- tacam-se as diferenças socioeconômicas que se acu- mulam ao longo da vida de sucessivas gerações. O ar- tigo propõe que a análise do impacto, na saúde, das inter-relações entre classe social e raça é um campo promissor para a investigação e intervenção nas desi- gualdades de saúde.

CADERNOS DE SAúDE PUBLICA - JANEIRO - SET./OUT. 2005

VOL. 21 - N° 5 - RIO DE

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soio2-

3iiX20050oo500033&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 116 ■ OUTUBRO DE 2005 • 59

Page 60: A mais distante explosão

I TECNOLOGIA

■ Parceria cria luz solar híbrida

O governo norte-americano anunciou que uma nova em- presa da cidade de Oak Rid- ge, no Estado do Tennessee, a Sunlight Direct, lançou um sistema híbrido de aprovei- tamento da energia solar, em parceria com a estatal federal Tennessee Valley Authority. O sistema usa um coletor de 1,22 metro de diâmetro e fios de fibra óptica para transferir a energia solar captada para uma instalação híbrida que alimenta lâmpadas elétricas. A vantagem do invento, des- tinado basicamente a instala- ções comerciais ou públicas, é a economia proporcionada por um dispositivo de con- trole: quando faz sol forte, a luz das lâmpadas é automa- ticamente enfraquecida, de modo que a luminosidade se mantém sempre a mesma. Chamado de HSL 3000, o sis- tema, que também pode ali- mentar condicionadores de ar, foi criado com o apoio do La-

Hélice nanometnca

Perfeição nas formas e estrutura para compor vários nanoaparelhos

Uma nanoestrutura em forma de hélice que lembra a configuração do DNA é o novo material que poderá ser usado para a produção de sensores, transformado- res elétricos e outros apare- lhos envolvidos em cone- xões eletromecânicas no âmbito dos nanômetros (1 milímetro dividido em 1 milhão de vezes). Baseado em uma treliça composta de tiras de cristais com poucos nanômetros de lar- gura, a nanoélice é produ-

zida com oxido de zinco e argônio sob condições de vácuo e alta temperatura e sobre um tubo de alumina. A forma de crescimento do oxido de alumínio poli- cristalino, nome do mate- rial desse tipo de nanofita, foi publicada na revista Science de 9 de setembro. A pesquisa foi conduzida por pesquisadores do Ins- tituto de Tecnologia Geór- gia (Geórgia Tech), dos Estados Unidos, e teve o fi- nanciamento da Fundação

Nacional de Ciência, NSF na sigla em inglês, da Agên- cia Espacial Norte-Ameri- cana (Nasa) e do Departa- mento de Defesa, Pesquisa e Engenharia (DDR&E), além da Academia Chinesa de Ciência. "Essa estrutura vai disponibilizar uma no- va forma de construir na- noaparelhos", disse o pro- fessor Zhong Lin Wang, em um comunicado do Geórgia Tech. "A nanoélice é perfeitamente uniforme", disse Wang. •

boratório Nacional de Oak Ridge e o Departamento de Energia dos Estados Unidos. A empresa vendeu os primei- ros seis sistemas experimen- tais para prédios comerciais nas cidades de Mineápolis, Nova York e San Diego. Se- gundo um estudo do Progra- ma de Tecnologias de Ener- gia Solar do país, 1 milhão de unidades de sistemas híbri- dos desse tipo deverão estar em uso por volta de 2020. •

■ Marcadores para sinalizar doenças

O Centro de Nanotecnolo- gia Biológica e Ambiental da Universidade de Rice, em Houston, no estado norte- americano do Texas, revelou ter criado um tipo de sinali- zação celular que identifica certas doenças. Centenas de vezes menor que uma célu- la humana, o sinal lumino- so só aparece na presença de

certas enzimas catalisadoras (que aceleram as reações quí- micas), as proteases. Altera- ções na expressão dessas en- zimas indicam a ocorrência de câncer, aterosclerose e ou- tros males. O projeto foi co- mandado pelas pesquisado- ras Jennifer West e Rebekah Drezek. Elas desenvolveram uma nanoestrutura inteli- gente que é escura na forma original, mas brilha intensa- mente na presença de ativi-

60 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP116

Page 61: A mais distante explosão

Marcador vermelho brilhante indica célula cancerosa

dade enzimática associada a determinado processo infla- matório e patológico. •

■ Formigueiro de microrrobôs

Um formigueiro de mil mi- crorrobôs capazes de inspecio- nar dutos de petróleo ou com- bustíveis, pontes e verificar possíveis problemas dentro de motores, além de desempe- nhar tarefas como diagnósti- cos e procedimentos médicos dentro do corpo humano. Esse é o objetivo do projeto I-Swarm, que reúne pesqui- sadores de oito países euro- peus e é coordenado por uma equipe de micromecatrônica

e microrrobótica da Univer- sidade de Karlsruhe, na Ale- manha. Desenhados em com- putador, os microrrobôs são chips com sensores e detecto- res que exercem, cada um, uma função diferente. Quan- do um robô identifica um ob- jeto, por exemplo, ele se co- munica com o outro que está ao seu lado, e esse, por sua vez, envia a mensagem para outro mais próximo e assim por diante até uma central de monitoramento. O proje- to, de € 4,4 milhões finan- ciados pela União Européia, já possui dois protótipos: Jasmine e Micron. Eles já de- monstraram ser possível a comunicação entre eles. •

BRASIL

De Campinas para a França

Montagem final dos componentes e do amplificador no LNLS

Componentes para amplifi- cadores de radiofreqüência produzidos em Campinas pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) já co- meçaram a ser instalados no Synchrotron Soleil, o novo la- boratório desse tipo de radia- ção que está sendo construí- do na cidade de Saint-Aubin, a 20 quilômetros de Paris, na França. "O Soleil vai entrar em funcionamento no pri- meiro trimestre de 2006 e será o primeiro do mundo a utilizar amplificadores de alta potência com transistores no lugar de válvulas", diz Cláu- dio Pardine, coordenador do laboratório de radiofreqüên- cia do LNLS. Os amplificado- res têm a função de fornecer energia ao feixe de elétrons usado na composição do es- pectro de luz utilizado por pesquisadores em experimen- tos que buscam um melhor entendimento das caracterís- ticas biológicas, físicas e quí- micas de moléculas e de áto- mos. "Foram entregues cinco combinadores de potência de

200 kilowatts (kW)", diz Par- dine. O domínio dessa tec- nologia, que começou com estudos teóricos dos enge- nheiros do Soleil, em 1998, permite que a equipe técnica do LNLS futuramente cons- trua os seus próprios ampli- ficadores para substituir as atuais válvulas do equipa- mento em Campinas. A equi- pe do laboratório Soleil optou por desenvolver e empregar a tecnologia de transistores porque ela proporciona van- tagens em matéria de econo- mia de energia e em durabi- lidade, se comparados aos amplificadores valvulados uti- lizados atualmente em todos os outros laboratórios síncro- trons do mundo. O Synchro- tron Soleil é mantido pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica, CNRS na sigla em francês, e pela Comissão de Energia Atômica (CEA) fran- cesa. Ele vai se juntar a outros 42 síncrotrons existentes no mundo e deixar de ser um dos 30 em construção ou em planejamento. •

PESQUISA FAPESP116 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ 61

Page 62: A mais distante explosão

Marcador vermelho brilhante indica célula cancerosa

dade enzimática associada a determinado processo infla- matório e patológico. •

■ Formigueiro de microrrobôs

Um formigueiro de mil mi- crorrobôs capazes de inspecio- nar dutos de petróleo ou com- bustíveis, pontes e verificar possíveis problemas dentro de motores, além de desempe- nhar tarefas como diagnósti- cos e procedimentos médicos dentro do corpo humano. Esse é o objetivo do projeto I-Swarm, que reúne pesqui- sadores de oito países euro- peus e é coordenado por uma equipe de micromecatrônica

e microrrobótica da Univer- sidade de Karlsruhe, na Ale- manha. Desenhados em com- putador, os microrrobôs são chips com sensores e detecto- res que exercem, cada um, uma função diferente. Quan- do um robô identifica um ob- jeto, por exemplo, ele se co- munica com o outro que está ao seu lado, e esse, por sua vez, envia a mensagem para outro mais próximo e assim por diante até uma central de monitoramento. O proje- to, de € 4,4 milhões finan- ciados pela União Européia, já possui dois protótipos: Jasmine e Micron. Eles já de- monstraram ser possível a comunicação entre eles. •

BRASIL

De Campinas para a França

Montagem final dos componentes e do amplificador no LNLS

Componentes para amplifi- cadores de radiofreqüência produzidos em Campinas pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) já co- meçaram a ser instalados no Synchrotron Soleil, o novo la- boratório desse tipo de radia- ção que está sendo construí- do na cidade de Saint-Aubin, a 20 quilômetros de Paris, na França. "O Soleil vai entrar em funcionamento no pri- meiro trimestre de 2006 e será o primeiro do mundo a utilizar amplificadores de alta potência com transistores no lugar de válvulas", diz Cláu- dio Pardine, coordenador do laboratório de radiofreqüên- cia do LNLS. Os amplificado- res têm a função de fornecer energia ao feixe de elétrons usado na composição do es- pectro de luz utilizado por pesquisadores em experimen- tos que buscam um melhor entendimento das caracterís- ticas biológicas, físicas e quí- micas de moléculas e de áto- mos. "Foram entregues cinco combinadores de potência de

200 kilowatts (kW)", diz Par- dine. O domínio dessa tec- nologia, que começou com estudos teóricos dos enge- nheiros do Soleil, em 1998, permite que a equipe técnica do LNLS futuramente cons- trua os seus próprios ampli- ficadores para substituir as atuais válvulas do equipa- mento em Campinas. A equi- pe do laboratório Soleil optou por desenvolver e empregar a tecnologia de transistores porque ela proporciona van- tagens em matéria de econo- mia de energia e em durabi- lidade, se comparados aos amplificadores valvulados uti- lizados atualmente em todos os outros laboratórios síncro- trons do mundo. O Synchro- tron Soleil é mantido pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica, CNRS na sigla em francês, e pela Comissão de Energia Atômica (CEA) fran- cesa. Ele vai se juntar a outros 42 síncrotrons existentes no mundo e deixar de ser um dos 30 em construção ou em planejamento. •

PESQUISA FAPESP116 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ 61

Page 63: A mais distante explosão

LINHA DE PRODUçãO BRASIL

Biorreator na produção de mudas Multiplicar plantas em la- boratório com mais higie- ne, segurança e economia

o que promete o biorrea- tor desenvolvido pela Em- presa Brasileira de Pesquisa Lgropecuária (Embrapa).

O equipamento funciona por meio de um sistema de

ascos de vidro interliga- dos por tubos de borracha que recebem ar e solução

utritiva para o cultivo de células ou embriões de plantas. O biorreator acele- ra o ciclo de produção e aumenta a produtividade, sendo importante para em- presas de fruticultura, na produção de plantas orna- mentais e no reflorestamen- to. Ele é adaptável a várias espécies vegetais, útil na uni- formização da produção de

é

Ô

d<

Variedades híbridas de café validam novo equipamento da Embrapa

mudas e na geração de es- pécimes isentos de pragas e doenças. O novo equipa- mento já se mostrou eficaz na clonagem de híbridos de café arábica conforme ficou demonstrado em experi-

mentos realizados na Em- brapa Café, com sede em Brasília. O produto surgiu nos laboratórios da Embra- pa Recursos Genéticos e Bio- tecnologia, unidade loca- lizada também na capital

federal, e já foi patenteado. A estatal espera agora firmar uma parceria de transferên- cia tecnológica com uma empresa privada interessa- da na produção e comercia- lização do biorreator.

■ Resíduos do campo para a construção

Cinzas de casca de arroz e de bagaço de cana-de-açúcar, de- vidamente tratadas, podem ser utilizadas em substituição parcial da areia fina e mesmo do cimento utilizados na con-

fecção de argamassas, com- pósitos e solo-cimento des- tinados à fabricação de pla- cas, painéis, blocos e tijolos de construção. Pesquisas con- duzidas na Faculdade de En- genharia Agrícola da Univer- sidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a coordena-

ção do professor Wesley Jorge Freire, mostraram que cor- pos-de-prova elaborados com diferentes misturas de cimen- to, areia e cinza e tijolos con- feccionados com solo, cimento e cinza apresentaram satisfa- tório comportamento físico- mecânico depois de ensaiados

em condições de laboratório, indicando a possibilidade de substituição parcial da areia por até 20% de cinza de casca de arroz ou de bagaço de ca- na-de-açúcar, sem prejuízo da resistência à compressão sim- ples e da capacidade de ab- sorção de água. •

62 ■ OUTUBRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 116

Page 64: A mais distante explosão

■ Diagnóstico nacional para hantavirose

Um kit para diagnóstico da hantavirose, doença transmi- tida por roedores silvestres, desenvolvido pelo Instituto de Biologia Molecular do Pa- raná (IBMP), órgão ligado à Fiocruz, já foi testado e vali- dado em laboratórios de refe- rência brasileiros. A estimati- va do Ministério da Saúde é que até o final do ano os kits nacionais comecem a ser dis- tribuídos em todo o país. Além de identificar anticor- pos produzidos em todas as fases da doença nos seres hu- manos, ele também detecta o vírus em seus reservatórios naturais. Uma das vantagens do nacional em comparação com o concorrente norte- americano, que está no mer- cado, é ser 17% mais sensível no diagnóstico de IgG, anti- corpo presente em uma fase mais tardia da doença. •

■ Informações sobre a produção de bebidas

O setor de produção de bebi- das alcoólicas e não-alcoóli- cas é retratado em amplo le- que de temas por 30 autores, entre pesquisadores e profis- sionais originários de univer- sidades e de empresas. São textos que tratam desde a pro- dução de cerveja, de cachaça

e de vinho até a água-de-coco, refrigerantes e sucos, relacio- nando temas como legislação, matéria-prima, industrializa- ção, microbiologia, mercado e bibliografia. A coordenação é do professor Waldemar Gas- toni Venturini Filho, da Fa- culdade de Ciências Agrárias da Universidade Estadual Pau- lista (Unesp). •

■ Celulares com música regional

Imagens e músicas com te- mas regionais, produzidas por artistas da praia da Pipa, a 85 quilômetros de Natal (RN), poderão ser vistas e ou- vidas em telefones celulares do Brasil e do exterior. A Re- de Pipa Sabe, inaugurada em 2003 com a criação de um te- lecentro, é o primeiro proje- to, fora de São Paulo, da Cida- de do Conhecimento, ligada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Depois de dois anos de incubação, surgiu o Pipa Móvel, projeto que con- ta com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e tem como objetivo reinves- tir parte da receita gerada pe- los ãownloads das imagens e das músicas na comunidade local, principalmente em pro- jetos de capacitação em tec- nologias de informação e de comunicação. •

Patentes

Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Tratamento para PET reciclado

Um novo processo para tratamento de garrafas plásticas descartadas após o consumo e recicladas permite a descontamina- ção dos flocos de PET, como a resina poli (teref- talato de etileno) é mais conhecida, para remoção de substâncias perigosas absorvidas quando os va- silhames, antes de serem descartados, são reutili- zados para acondicionar combustíveis, pesticidas, produtos químicos e de limpeza. Desenvolvido por pesquisadores do Depar- tamento de Engenharia de Materiais da Univer- sidade Federal de São Carlos (UFSCar), o novo método utiliza um fluxo de ar seco quente duran- te 15 minutos, em tempe- raturas que variam de 130° a 220°C. O oxigênio contido no ar atmosféri- co interage com o PET e, pelo seu alto poder de di-

fusão, facilita a remoção dos contaminantes, com alta produtividade e bai- xo custo. Antes de aplicar o fluxo de ar seco quente, é necessário separar as embalagens pela cor. Em seguida, elas são prensa- das, moídas em flocos e, depois de passar por uma máquina de extrusão, transformadas em grânu- los. Só então é aplicado o novo processo, que viabi- liza o retorno dessa maté- ria-prima reciclada para aplicações como embala- gens em contato direto com alimentos.

Título: Processo

de descontaminação

de poliéster reciclado

e uso do mesmo

Inventores: Amélia

Severino Ferreira e Santos,

José Augusto Marcondes

Agnelti e Sati Manrich

Titularidade: UFSCar

e FAPESP

Grânulos descontaminados: de volta às garrafas

PESQUISA FAPESP 116 ■ OUTUBRO DE 2005 ■ 63

Page 65: A mais distante explosão

TECNOLOGIA

As ferramentas dos pesquisadores

brasileiros para participar

do gigantesco estudo

de partículas subatômicas

MARCOS DE OLIVEIRA

m dos grandiosos, com- plexos e custosos expe- rimentos científicos da atualidade, junto com a exploração espacial e os projetos genoma, é o es- tudo das menores partí- culas que constituem toda e qualquer maté- ria. Por mais paradoxal que pareça, os quarks e

os léptons, por exemplo, formadores dos prótons, dos nêutrons e dos átomos e tudo o que mais existe no Universo, exigem instrumentos imensos chama- dos de aceleradores, além de avançados sistemas de computação com alta capacidade de transmissão e de armazenamento de dados. Só mesmo uma coo- peração internacional, presente, por exemplo, na construção da estação espacial ou na transcrição

Page 66: A mais distante explosão

Resultado da colisão de partículas em simulação artística. Criação e espalhamento de novas partículas

dos genes, pode também concretizar a obten-

formação dessas partículas. É um conjunto de operações que também conta com dois grupos de pesquisadores brasileiros, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Eles estão fi- nalizando um complexo computacional que vai reunir o equivalente a 380 computadores trabalhando em conjunto e a mais rápida co- nexão via internet do país. Tudo isso para estar

tantes aceleradores de partículas subatômicas do mundo, o Fermilab, sigla de Fermi National Accelerator Laboratory, situado próximo à ci- dade de Chicago, nos Estados Unidos, e o Cern, Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, com sede em Genebra, na Suíça. Eles devem gerar 100 milhões de gigabytes (GB) de dados nos

próximos dez anos. Esse número eqüivale à ca- pacidade total de 2,5 milhões de discos rígidos com memória de 40 GB, os mais usados nos computadores atuais.

Ultima geração - Na capital paulista já está montado o Centro Regional de Análises de São Paulo, Sprace na sigla em inglês. Ele possui 114 unidades centrais de processamento (CPUs), ou processadores, e está finalizando, com fi- nanciamento da FAPESP, a instalação de mais 64, num total que deverá ter o equivalente a 178 processadores de última geração funcionando

dos no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, na capital paulista, num acordo com a Unesp, que possui o professor Sérgio Ferraz Novaes, do Instituto de Física Teórica (IFT), co- mo coordenador do projeto. Novaes, que traba-

Page 67: A mais distante explosão

lhou no Fermilab por dois anos, entre 2000 e 2002, lidera uma equipe de qua- tro pesquisadores: Eduardo de Moraes Gregores, Sérgio Morais Lietti e Pedro Galli Mercadante do IFT, vinculados ao projeto Jovem Pesquisador financiado pela FAPESP, e Rogério Luiz Iope, estu- dante de pós-graduação da Escola Po- litécnica da USP. No Sprace, a equipe possui, para armazenar os dados, dis- cos de memória com capacidade de 12 terabytes (TB), o equivalente a 12 mil GB e a mais de 18 milhões de CDs.

No Rio de Janeiro, sob a coordenação do professor Alberto Santoro, da UERJ, junto com 20 pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), da Universidade Federal do Rio de Ja- neiro (UFRJ), em colaboração também com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), foram instaladas, num projeto da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Minis- tério da Ciência e Tecnologia (MCT), 200 CPUs com 7 TB de disco. Santoro, que é um veterano nesse tipo de pes- quisa, trabalha com os dois grandes la- boratórios de aceleradores há mais de 20 anos. Ele es- tava na equipe que desco- briu, em 1995, no Fermi- lab, a partícula quark top, o último dos seis quarks pre- vistos pela teoria que des- creve as partículas elemen- tares e suas interações.

O Sprace e o grupo do Rio de Janeiro formam o High Energy Physics (HEP) Grid Brasil, com atuação tanto nos experimentos do Cern como do Fermilab. As duas instituições ado- taram recentemente uma das grandes inovações da área de informática sur- gidas nos anos 1990, que é o sistema Grid, um formato computacional que começa a se tornar uma ferramenta ca- da vez mais presente no processamento de dados científicos. No conceito grid, vários computadores estão em conexão num mesmo local, formando agrupa- mentos, também chamados de clusters, que podem estar ligados a outros gru- pos de computadores localizados tanto em um prédio ao lado como do outro lado do planeta.

Construção de um dos detectores do novo acelerador de partículas europeu. Ele mede 21 metros de comprimento e 15 de diâmetro, além de pesar 12 toneladas

os Estados Unidos, a Fundação Nacional de Ciência (NSF na sigla em inglês) investirá US$ 150 milhões nos próxi- mos anos para comple-

tar a ligação em forma de grid de todas as comunidades científicas e de enge- nharia do país. Chamado de TeraGrid, o sistema oferece uma série de recursos de hardware e de software que começa a ser usado na decodificação de geno- mas e de proteínas, no diagnóstico de doenças e na previsão do tempo e de terremotos. Na Europa, o governo ale- mão anunciou em setembro um inves- timento de € 17 milhões para a forma- ção de infra-estrutura nacional baseada na estrutura grid. A DGrid Network vai levar a todo o país a possibilidade de resolução de complexos experimentos científicos a distância. Estão incluídos

aí física de altas energias, que estuda as partículas produzidas nos acelerado- res, a observação da Terra, astronomia, pesquisas em medicina e aplicações em engenharia. O sistema grid deve assim superar o conceito de supercomputa- dor, equipamento caro e com pouca fle- xibilidade para aumentar ou diminuir a capacidade de processamento. No grid é só acoplar ou retirar um ou mais computadores.

"No sistema grid tudo funciona de forma automática e transparente, com as tarefas sendo direcionadas para os diferentes clusters que estejam com capacidade de processamento livre em um determinado momento", explica Novaes. Todos trabalham com softwa- res abertos de forma que cada grupo possa também contribuir para o aper- feiçoamento do sistema. O grid da físi- ca de altas energias irá utilizar no Cern, quando um novo acelerador for inau- gurado em 2007, uma arquitetura hie- rárquica que irá funcionar a partir de uma central, chamada de Tier 0, loca- lizada na sede do laboratório, de onde

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No interior do Compact Muon Solenoid (CMS), sensores vão captar o resultado das colisões entre prótons para tentar detectar o bóson de Higgs, provável responsável pela massa de outras partículas

os dados serão distribuídos por redes de alta velocidade para vários centros nacionais de nível 1 (Tier 1). A partir de cada Tier 1 os dados são distribuí- dos para centros nível 2 (Tier 2) a eles associados e destes para os de nível 3. O HEPGrid Brasil está na categoria Tier 2. "A evolução do nosso trabalho, junto com mais investimento, permi- tirá, dentro de alguns anos, transfor- mar nosso grupo em uma Tier 1", acre- dita Santoro.

Velocidade essencial - A conexão com os laboratórios de aceleradores de par- tículas exige uma excelente comunica- ção entre os vários grupos espalhados pelo mundo. Para isso a transmissão é toda feita por meio de fibras ópticas. Tanto os laboratórios da USP como os da Uerj recebem e enviam os dados via fibra óptica até os Estados Unidos, por meio de cabos submarinos. Estão pre- vistas para os próximos anos, com a inauguração do novo acelerador do Cern, o Grande Colisor de Hádron, LHC na sigla em inglês, transmissões

de pelo menos 2,5 gigabits por segun- do (Gbps). "Comparando-se com uma transmissão oferecida pelo sistema co- mercial de banda larga, com 256 kilo- bits por segundo (Kbps), poderíamos dizer que os pesquisadores estarão transmitindo numa velocidade 10 mil vezes maior ou que a mesma quantida- de de dados levaria um segundo para ser transmitida para o Cern enquanto pela banda larga comum levaria três horas", calcula Luis Fernandez Lopez, coordenador do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da FAPESP.

Hoje toda a comunicação que sai do laboratório do Sprace segue via la- ser por meio de fibras ópticas encapsu- ladas em cabos submarinos até Miami. Atualmente o Sprace já opera em 622 megabits por segundo (Mbps), embo- ra já esteja equipado para se conectar a 2,5 Gbps. "Em breve, com a entrada em operação do LHC, essa velocidade de transmissão será essencial para a continuidade das pesquisas nessa área", diz Novaes.

As exigências futuras fizeram a FA- PESP, que mantém a Rede Acadêmica de São Paulo (Ansp) e o Tidia, firmar um acordo com a NSF para financia- mento do projeto Western Hemisphe- re Research and Educational Network (WHREN) - uma rede para ligar pes- quisadores de todo o continente ame- ricano -, que deve ser inaugurado em dezembro deste ano com um cabo de fibra óptica para fazer a ligação São Paulo-Miami-Nova York com velo- cidades de 2,5 Gbps. Essa conexão vai suprir tanto a necessidade dos pesqui- sadores da área de física de altas ener- gias como a de outros laboratórios. Na WHREN, a FAPESP entra com US$ 1 milhão e a NSF com mais US$ 1 mi- lhão. O link com Nova York vai pro- porcionar velocidades de 10 Gbps den- tro dos Estados Unidos e uma conexão com a Europa em velocidade de 40 Gbps. No Rio de Janeiro, o grupo de Santoro já dispõe de 1 Gbps de veloci- dade de transmissão com São Paulo, em rede experimental mantida pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa

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(RNP) do MCT e também com finan- ciamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A RNP es- tuda ainda uma conexão externa em 10 Gbps num acordo com a Rede Cla- ra, sigla de Cooperação Latino-Ameri- cana de Redes Avançadas. Até o final do ano, uma interligação, na mesma velo- cidade, entre São Paulo e Rio de Janei- ro, vai beneficiar todas as instituições de pesquisa.

oda a estrutu- ra que permi- te a busca do conhecimento e do entendi- mento das par-

tes mais íntimas da matéria começa a funcionar quando duas partículas, co- mo dois prótons, por exemplo, são le- vadas a colidir dentro dos aceleradores. É como se dois objetos quaisquer fos- sem acelerados a altas velocidades den- tro de um anel metálico e se encontras- sem e se aniquilassem no meio de um detector recheado de sensores que fun- cionam de forma semelhante a câme- ras fotográficas. A destruição provoca como resultado a criação de um mon- te de estilhaços, ou, no caso, de partí- culas. O que os pesquisadores fazem é, comparativamente, analisar o tipo, a curvatura da trajetória dessas partícu- las produzidas e a energia que elas de- positam nos detectores.

No mundo das partículas existem comportamentos "estranhos" para o nos- so macro mundo, como o fato de que algumas possam conter partículas ain- da menores que se transformam em outro tipo de partícula até então im- pensável. Um dos problemas para os pesquisadores é que existem partículas raras e por isso os experimentos neces- sitam de bilhões de colisões para estu- dá-las. "Dentro dos aceleradores circula- res os prótons usados nos experimentos são impulsionados por radiofreqüên- cia e por eletroímãs supercondutores, instalados ao longo do círculo", explica Novaes. "As partículas viajam nas cris-

tas das ondas eletromagnéticas como surfistas", diz Santoro.

O trabalho dos pesquisadores é identificar tanto as raras como as mais comuns partículas nas informações captadas pelos sensores depois das colisões. "Recebemos do Fermilab e do Cem um conjunto de dados para iden- tificar as partículas, fazer as análises das interações e apresentar as conclu- sões", explica Novaes. Hoje ainda exis- tem partículas previstas na teoria e ainda não detectadas, como o bóson de Higgs, partícula que pode ser respon- sável pela massa de todas as demais. Outra possibilidade é a verificação ex- perimental de modelos alternativos tais como os modelos supersimétricos, com novas partículas que levam o nome de gluínos, squarks e sléptons, ou aqueles que prevêem a existência de dimen- sões extras.

Todo esse esforço resulta em pes- quisa sobre a formação e interação das partículas, mas também colabora no entendimento da formação do Univer- so, das estrelas e numa série de conhe- cimentos que são transportados para

tecnologias usadas no dia-a-dia. Uma delas foi a criação da World Wide Web, a conhecida www. Justamente para tornar mais amigável a interação entre os diversos pesquisadores que traba- lham com partículas em vários países foi que o pesquisador do Cern, Tim Berners-Lee, criou o sistema web, em que bastava clicar num link, por exem- plo, para ter acesso às informações. Os cientistas já trocavam dados por com- putador, mas isso era muito comple- xo, como lembra Santoro, que foi um dos primeiros brasileiros a usar o siste- ma www.

Imagens em pósitron - Na área médica, o estudo da física de altas energias le- vou ao aprimoramento do tratamento de tumores por meio de feixes de par- tículas e à tomografia por emissão de pósitrons (PET), cujo princípio funda- mental é a emissão pósitron (ou anti- elétron, que são partículas com a mes- ma massa do elétron, porém com carga positiva) e oferecer imagens de alta de- finição do interior do corpo humano. O avanço tecnológico de circuitos inte-

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Ao lado, simulação em computador do resultado da colisão entre prótons. Acima, telas metálicas que serão inseridas dentro da tubulação do anel do novo acelerador do Cern

grados para aquisição e processamen- to de dados e o uso da fibra óptica, que mais tarde se tornou generaliza- do nas telecomunicações, também ti- veram grande contribuição no estudo das partículas.

Obter ganhos no conhecimento científico e, de quebra, incentivar ino- vações tecnológicas fazem dos acelera- dores um experimento caro. Somente no funcionamento do Fermilab é gasto US$ 1 milhão por dia, que é suprido pelo Departamento de Energia norte-

americano e administrado por uma as- sociação de universidades. Enquanto o LHC europeu não começa a funcionar, o Tevatron do Fermilab é o maior ace- lerador de partículas em operação. O anel de colisão possui 6,3 quilômetros (km) de circunferência e 1 km de raio. O grupo brasileiro trabalha com da- dos de um dos dois detectores, o Dzero. Com uma estrutura de cinco andares de altura e 20 metros de comprimento, ele pesa mais de 5 toneladas e tem mais de 800 mil canais de leitura eletrônicos.

OS PROJETOS

Física experimental de anéis de colisão: SP-Race e HEP Grid-Brasil

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

SéRGIO FERRAZ NOVAES - Unesp

INVESTIMENTO

R$ 709.342,00 (FAPESP)

Física experimental de altas energias: os experimentos Dzero do Fermilab e CMS do Cern

MODALIDADE

Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes

COORDENADOR

EDUARDO DE MORAES GREGORES - Unesp

INVESTIMENTO

R$ 73-963.15 (FAPESP)

A colaboração científica reúne 18 paí- ses, além dos Estados Unidos e Brasil, como Canadá, Inglaterra, Argentina, Coréia do Sul, China, França, Rússia, Holanda e Alemanha. São 83 institui- ções, sendo 36 dos Estados Unidos, congregando 664 físicos, cerca da me- tade deles norte-americanos.

Era do exabyte - Com a entrada em funcionamento do LHC, em 2007, o número de pesquisadores envolvidos nessa área em todo o mundo deverá crescer. Em apenas um dos quatro de- tectores do LHC, o Compact Muon Solenoid (CMS), onde será produzido um montante de dados por segundo equivalente ao de 10 mil enciclopédias britânicas, já estão trabalhando mais de 2 mil pessoas, oriundas de 165 ins- tituições dos 36 países participantes. Todos os pesquisadores do Cern vão operar com o equivalente a 50 mil com- putadores interligados no processa- mento das informações que ele vai ge- rar. No período de cinco a oito anos, o laboratório vai inaugurar a era do exabyte (EB), com a produção de 1 EB em dados digitais, ou 1 quintilhão de bytes. Se fosse possível armazenar essa cifra fabulosa em CDs, que possuem capacidade para 700 megabytes (MB), teríamos cerca de 1,4 bilhão de disqui- nhos. Outra comparação é que esse 1 EB eqüivaleria a 20% de todo tipo de informação transformada para a via digital gerada no ano de 2002 no mun- do, entre internet, revistas, jornais, li- vros e filmes.

O CMS será o detector que os pes- quisadores brasileiros ligados ao HEP- Grid Brasil irão trabalhar. Mas outros três detectores, o Atlas, o Alice e o LHCb, também vão ter a colaboração de pes- quisadores brasileiros do CBPF, da UFRJ e da USP. Como instrumento de trabalho, nos seus 27 km de circunfe- rência, o LHC do Cern vai proporcio- nar colisões com sete vezes mais energia que o Tevatron do Fermilab. O norte- americano funciona com 2 trilhões de electronvolts (TeV) e o LHC vai operar com 14 TeV. Como ensina um texto no site do Cern:" 1 TeV é comparável à ener- gia que um mosquito usa para voar. O que faz o LHC tão extraordinário é que essa energia pode ser comprimida num espaço milhões de vezes menor que um mosquito". •

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I TECNOLOGIA

a aparência, o cristal de brometo de tálio lembra o âmbar- amarelo, a bela resina fóssil proveniente de pinheiros pré-históri-

cos extintos. A semelhança, no entanto, é só apa- rente, porque o cristal desenvolvido no Institu- to de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), colocado na ponta de uma sonda cirúrgica, au- xilia o cirurgião na incisão precisa dos tecidos afetados por células cancerígenas e na identifica- ção de linfonodos - os pontos de confluência da rede linfática - durante a cirurgia. Os vasos linfá- ticos fazem parte do sistema circulatório do cor- po humano e distribuem fluidos como água e células. No procedimento cirúrgico é necessário injetar, de duas a 24 horas antes, uma substân- cia radioativa no local do tumor, como o radio- fármaco tecnécio-99. "O radiofármaco emite ra- diação gama, que é captada pela sonda", explica o professor Renato Santos de Oliveira Filho, da disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que vai coorde- nar os estudos clínicos com a nova sonda. Ou- tras aplicações para o cristal de brometo de tá- lio estão sendo pesquisadas pelo Ipen para utilização na indústria como controladores de espessura de folhas de papel ou plástico, por exemplo, e na astrofísica como rastreadores cós- micos de emissores de raios X.

Os grandes centros de medicina nuclear do país dispõem de sondas radioguiadas feitas com outros cristais, como o iodeto de césio e o telu- reto de cádmio, mas elas são importadas e cus- tam entre US$ 20 mil e US$ 40 mil. A estimati- va é que o preço da sonda de brometo de tálio desenvolvida pelo Ipen fique em torno de US$ 6 mil, com o mesma qualidade. "O alto preço dos equipamentos importados e a falta de assistência técnica foram os motivos que levaram alguns médicos a nos procurar para desenvolver uma sonda nacional", diz a coordenadora da pesqui- sa, Margarida Mizue Hamada, do Laboratório de Desenvolvimento de Sensores de Radiação do Ipen. No laboratório trabalham vários gru- pos na área de crescimento de cristais e na pre- paração e caracterização desses materiais como detectores de radiação para diversas aplicações.

Cristais perfeitos - Os cristais de silício e germâ- nio são reconhecidos como excelentes detectores semicondutores de radiação, mas necessitam de baixas temperaturas para funcionar. Por isso os

pesquisadores envolvidos no projeto decidiram trabalhar com o cristal se- micondutor de brometo de tálio, que funciona à temperatura ambiente. Fazer os cristais crescerem com perfeição foi um desafio transposto com o desenvolvimento de uma nova metodologia para a purificação do sal de brometo de tálio. A primeira etapa desse processo é colocar o sal em um tubo de quartzo selado, que vai ao forno em temperatura de 500 a 555°C, para a purificação do material por um processo denominado refino zo- nal. "A pureza é um fator determinante na qualidade do cristal para atuar como detector de radiação com alta resolução energética", diz Margarida. Na seqüência o material vai para um outro forno, para o crescimento dos cristais. Depois o cristal é cortado em fatias de diferentes espessuras com uma serra de diamante e, em seguida, polido. Contatos elétricos são co- locados nessas fatias para que funcionem como de- tectores de radiação.

A radiação contida radiofármaco injeta-

MEDICINA NUCLEAR

Na mira do, r

cristal Sonda detecta tumores e auxilia em cirurgias

no do no organismo excita o detector de radiação e produz um pequeno si- nal elétrico. Esse sinal é amplificado, quantifica- do e transformado em um sinal sonoro, para orientar o cirurgião na localização da área afeta- da sem precisar recorrer à monitoração visual. A sonda é encapsulada em uma montagem cilíndri- ca de aço inoxidável, para garantir a assepsia. Co- nectada à unidade eletrô- nica de contagem - uma caixa metálica - e acopla- da a um computador, ela mostra a medida de ra- diação em cada foco do tumor. A técnica de utili- zação da sonda cirúrgica radioguiada, difundida mundialmente na úl- tima década, tem sido empregada em vários hospitais brasileiros.

A avaliação é feita a partir do linfonodo sentinela, o primeiro a rece- ber a drenagem da rede linfática. "O método apresenta alta eficácia para identificar metástases ocultas nos tumores de disseminação inicial prefe- rencialmente pela via linfática, como no melanoma cutâneo e no câncer de mama", diz Oliveira Filho. "A grande vantagem dessa técnica é mini- mizar a intervenção cirúrgica, porque só será retirada toda a cadeia de lin- fonodos se houver um efetivo comprometimento." Por enquanto tem sido utilizada principalmente para melanomas e câncer de mama. Estu- dos experimentais estão sendo conduzidos para estendê-la para outros ti- pos de tumor.

No projeto financiado pela FAPESP foram desenvolvidos dois protó- tipos de sondas cirúrgicas. Em um deles foi utilizada a tecnologia dos de- tectores semicondutores com o brometo de tálio e, no outro, a dos detec-

DlNORAH ERENO

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Cristal de brometo de tálio desenvolvido no Ipen interage com radiofármaco injetado em tumor e ajuda a identificar metástases

tores cintiladores com o iodeto de césio dopado com tálio. Os dois protótipos apresentaram bons resultados. A grande vantagem em utilizar o brometo de tá- lio é que ele não necessita de um com- ponente fotossensor (fotodiodo) para converter a luz em sinal eletrônico, en- quanto o iodeto de césio precisa desse material, classificado na lista de aplica- ções nucleares e, portanto, com restri- ções para ser obtido. E o que torna mais vantajoso o uso do brometo de tálio em comparação com o telureto de cádmio é o cristal possuir um número atômico ele- vado e, conseqüentemente, alta densida- de de elétrons na rede cristalina. Isso propicia alta eficiência na produção de cargas no interior do detector devido ao aumento da probabilidade de inte- ração da radiação com o meio material do detector. Com isso, mesmo cristais bem pequenos são suficientes para in- teragir com o radiofármaco injetado. Isso possibilita reduzir as dimensões da sonda radioguiada, tornando-a de mais fácil manuseio para os cirurgiões.

A metodologia para purificação e crescimento dos cristais de brometo de

tálio é tema de uma tese de doutorado de Icimone Braga de Oliveira, orientada pela professora Margarida e também fi- nanciada pela FAPESP. Toda a tecnolo- gia para criar a parte eletrônica do cris- tal, o módulo de processamento, de contagem da radiação, exibição e siste- ma de alarme sonoro faz parte da tese de doutorado de Fábio Eduardo da Costa. "Os testes técnicos, que antecedem os estudos clínicos, mostraram que a son- da de brometo de tálio apresenta as

0 PROJETO

Desenvolvimento do cristal semicondutor de brometo de tálio para aplicações como detector de radiação e espectrômetro de cintilação

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa

COORDENADORA

MARGARIDA MIZUE HAMADA- Ipen

INVESTIMENTO R$ 93783.75 (FAPESP)

mesmas características físicas das ou- tras existentes no mercado", diz Olivei- ra Filho.

A implantação no Ipen da tecnolo- gia de crescimento de cristais cintila- dores e sua caracterização como de- tectores de radiação teve início em 1992 com a vinda do professor visi- tante Shinzou Kubota, da Universida- de de Rikkyo, no Japão, por quatro meses, com auxílio da Fundação. Hoje o instituto fornece cristais para apli- cações diversas, como detectores para medidas de traçadores de mercúrio em organismos aquáticos marinhos e de radiação de origem cósmica. Com o desenvolvimento da sonda de bro- meto de tálio o Ipen responde a uma demanda profissional e espera contri- buir com a nova tecnologia para disse- minar o uso da sonda radioguiada nas cirurgias oncológicas. O protótipo que será utilizado na Unifesp foi produzi- do pelo instituto, mas assim que os testes clínicos forem realizados a tec- nologia deverá ser repassada para em- presas que demonstrarem interesse na produção da sonda. •

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I TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE MATERIAIS

Uma cortina econômica Filme plástico desenvolvido em incubadora da Unicamp bloqueia raios solares e reduz consumo de energia

ma cortina capaz de bloquear em 94% a passagem da radiação solar incidente sobre um edifício totalmente envidraçado mostrou

ser possível reduzir os gastos com energia elétri- ca dos aparelhos de ar-condicionado em até 60% no verão. Essa avaliação é resultado de tes- tes de simulação realizados pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) com o novo pro- duto desenvolvido pela VacuoFlex, empresa ins- talada na Incubadora de Empresas de Base Tec- nológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A inovação da empresa foi aplicar um filme plástico metalizado sobre uma corti- na, fabricada a partir de lona plástica ou tecido. "O custo de aplicação industrial do nosso pro- duto nas cortinas é pago pela economia obtida em três meses de verão", diz o engenheiro civil Antônio Sérgio Assunção Tavares, sócio e dire- tor da empresa.

Para produzir o filme metalizado, foi utili- zada a tecnologia RCF (Filmes de Controle de Energia Radiante, do inglês Radiant Energy Control Films), desenvolvida na década de 1960 pela Nasa, a agência espacial norte-americana, para o controle térmico de satélites e das roupas

dos astronautas. Baseada no uso de filmes plás- ticos com deposição de alumínio para refletir o calor incidente e impedir sua emissão no am- biente, a tecnologia, depois de guardada a sete chaves por duas décadas, tornou-se de domínio público no início dos anos 1990.

A simples deposição do alumínio não confe- re durabilidade para produtos destinados a usos terrestres, expostos à umidade e abrasão. Para garantir que sejam duráveis, é necessário fazer a deposição a vácuo utilizando o processo de pul- verização catódica (sputtering) - um método fí- sico de metalização que usa o gás argônio ioni- zado -, empregado na Europa e nos Estados Unidos em alguns produtos rígidos, como espe- lhos retrovisores de automóveis e lentes de ócu- los com propriedades anti-reflexo e antiemba- çante. Aqui no Brasil seu uso ainda está restrito aos laboratórios de pesquisa. E foi do Laborató- rio de Filmes Finos do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, que surgiu a solução tecnológica para a fabricação dos filmes plásti- cos flexíveis com propriedades de reflexão e emissão de radiações, que, de acordo com a apli- cação, podem ser tanto metalizados, e portanto opacos, como transparentes.

Desde 1979, quando entrou na Unicamp pa- ra fazer iniciação científica, o físico e sócio da

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VacuoFlex, Carlos Salles Lambert, estu- da a tecnologia de deposição em alto vácuo por pulverização catódica, que é a técnica de produção do filme plástico metalizado. Esse estudo foi essencial para transformar a idéia inicial de Ta- vares de produzir uma cortina que blo- queasse a radiação solar em um produ- to com várias aplicações.

Isolante térmico - A tecnologia RCF de- senvolvida pela VacuoFlex incorporou os avanços da deposição de filmes finos ao conceito original de isolamento ter- morrefletivo. E já resultou em um con- trato de licenciamento, assinado em abril com o grupo Rentank, instalado em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, líder no segmento de galpões de lona, que atua também no transporte e armazenagem de produtos quími cos e no setor de agronegócios. A empresa está fazendo investimen- tos iniciais da ordem de R$ 500 mil para aplicar o isolante térmi- co na lona de vinil de galpões de grande porte, utilizados em aviários e por empresas dos setores alimentício, siderúr- gico, de operações logísticas e eventos, tanto por pequenos como para longos períodos.

A eficiência do filme RCF foi testa- da pelo IPT em galpões de lona, cons- tatando redução da temperatura inter- na de até 7,5°C. Dessa forma, haverá uma significativa diminuição no consu- mo de energia utilizada para climatiza- ção do ambiente e nas perdas de produ- tos do setor alimentício, por exemplo. A lona plástica com o filme isolante tam- bém está sendo testada para cobrir ca- minhões abertos que transportam be- bidas e hortifrutigranjeiros "Com a aplicação do isolante na lona, a parcela de calor irradiada para a carga é pratica- mente eliminada, reduzindo significati- vamente as perdas ocorridas no trans- porte de produtos", diz Tavares. Além das cortinas e lonas de galpões, o filme plástico que controla as radiações sola- res ou térmicas pode ser empregado em telhados, caminhões frigoríficos, es- tufas agrícolas e capacetes.

A obtenção das diferentes proprie- dades depende da quantidade e dos materiais empregados. Nanopartículas de metais, óxidos e outros materiais são depositadas a vácuo em um filme

plástico, em camadas com espessura que varia de 5 a 70 nanômetros - uni- dade que corresponde a 1 milímetro dividido por 1 milhão. Para conseguir produzir os filmes em rolos, uma má- quina de uma empresa instalada em Campinas foi adaptada para trabalhar no processo de pulverização catódica com alto vácuo. "Nesse processo os átomos ou as moléculas penetram no substrato de filme plástico devido à energia cinética das partículas, por um processo físico e não químico", diz Lam- bert. Dessa forma é possível a união de materiais que por processos tradicio- nais não se juntariam.

cortina termorrefletora, des- tinada a barrar a radiação

solar, foi o primeiro pro- duto desenvolvido pela VacuoFlex no âmbito do Programa Inovação

Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), financiado pela FAPESP. Para avaliar a eficácia da cortina com filme RCF foi escolhido um andar inteiro de um edifício comercial recém-construí- do, todo envidraçado, localizado na Zona Sul de São Paulo. "O teste feito pelo IPT mostrou que as cortinas conse- guem barrar a radiação solar incidente muito mais do que qualquer alternativa conhecida", diz Tavares. "Trabalhamos inicialmente na determinação da emis-

O PROJETO

Otimização do desempenho térmico de cortina termorrefletora, visando ô redução de energia consumida em condicionamento térmico

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe)

COORDENADOR ANTôNIO SéRGIO ASSUNçãO TAVARES - VacuoFlex

INVESTIMENTO

R$ 74.900,00 (FAPESP)

sividade do filme, propriedade que me- de quanto de calor é irradiado por um produto", diz Fúlvio Vittorino, do La- boratório de Conforto Ambiental do IPT. No caso da cortina, quanto mais baixo esse índice, menos calor é trans- ferido para dentro do edifício.

Condições brasileiras - Nos testes foram feitas medições da temperatura do ar e da radiação solar incidente. "Os dados foram passados para um software que faz esse tipo de análise", diz Vittorino. Ele se refere à última versão do progra- ma Energy Plus, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, utilizado para simulação de consumo de energia de edifícios. O processo de validação do software, necessário para verificar se po- de ser aplicado às condições climáticas brasileiras, foi feito pelo IPT durante dois anos com recursos da Financiado- ra de Estudos e Projetos (Finep).

Os testes de avaliação de desempe- nho têm como objetivo determinar quanto um produto, aplicado em con- dições reais, vai melhorar o conforto térmico das pessoas e reduzir o consu- mo de energia elétrica do ar-condicio- nado. A próxima etapa da pesquisa será estender as medições a outras re- giões brasileiras, para verificar como a cortina metalizada se comporta sob outras condições climáticas. "No Nor- deste principalmente, onde há muito calor e se usa intensivamente o ar-con- dicionado", diz Vittorino. A cortina de algodão com filme metalizado pode ser usada em salas de reuniões e em quartos de hotéis, colocada entre a vi- draça e as cortinas decorativas. Uma outra versão, que está em estudos para uso em escritórios e residências, terá faixas translúcidas para deixar passar pelo menos uma quantidade mínima de luz, com pequena perda do rendi- mento energético.

Além da cortina termorrefletora e da cobertura para galpões, outros usos estão em testes. Um segmento que tam- bém poderá contar com o novo produ- to é o de criação de aves. Nas regiões mais quentes do país, nos galpões de galinhas matrizes já se utilizam telhas térmicas fabricadas com duas chapas de aço intercaladas com espuma de po- liuretano expandido. Essa cobertura, que custa cerca de R$ 60,00 o metro quadrado, proporciona diminuição de

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Placa de filme pode ser empregada em lonas de galpões, cobertura de caminhões e estufas agrícolas

temperatura, com aumento da produ- tividade, e redução da mortandade de aves a menos de um quarto.

Teste de campo feito na Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp em dezembro de 2004 comparou o desem- penho da telha metálica com aplicação RCF na face inferior com outros dois tipos de telha, a metálica simples, sem isolamento térmico, e a térmica, feita com duas chapas de aço e recheio de 50 milímetros de espuma de poliuretano, todas colocadas em galpões de dimen- sões idênticas. "Vimos que a telha com RCF teve um desempenho até um pou- co melhor que o da espuma de poliure- tano, sem contar que o preço cai pela metade", diz Tavares. A redução no cus- to de aplicação do termoisolante des- pertou o interesse de um fabricante de telhas térmicas, fornecedor de um pro- jeto que prevê construir mais de 1 mi- lhão de metros quadrados de galpões para aves no Brasil Central. Testes de campo estão sendo feitos para avaliar a viabilidade de empregar o produto nos aviários das galinhas comuns.

Filtro óptico - Foi a percepção das várias possibilidades de aplicação da tecnolo- gia, em distintos setores, que serviu de estímulo para que Tavares e Lambert criassem a VacuoFlex. E todas as alter- nativas estudadas até agora têm se mostrado promissoras, como a de pro- duzir um plástico transparente para es- tufas agrícolas. No caso, o produto fun- ciona como um filtro óptico, já que impede a entrada do infravermelho da radiação solar, diminuindo a tempera- tura interna, ao mesmo tempo que per- mite a passagem da luz. Testes prelimi- nares feitos com o filme indicaram 30% mais de luz e 30% menos de calor em relação ao plástico com tela de som- breamento, usado, por exemplo, em Holambra, cidade produtora de plantas e flores na região de Campinas.

"A indústria química pesquisa há dé- cadas, por meio do uso de aditivos, um plástico frio que deixe passar a luz ne- cessária à fotossíntese, mas que bloqueie o infravermelho da radiação solar", diz Tavares. "Mas os resultados obtidos até agora pelos meios químicos foram mo-

destos." Em países de clima quente como o Brasil, o aumento da temperatura em estufas agrícolas diminui a produtivi- dade do cultivo. Para que isso não ocor- ra, são utilizados sistemas evaporativos de resfriamento, que consomem ener- gia elétrica, além do recobrimento plás- tico com mantas de sombreamento para reduzir as temperaturas. Mas esse sistema também reduz a iluminação e retarda o crescimento das plantas.

Como no Brasil ainda não existem equipamentos para fazer as deposições a vácuo por pulverização catódica em filmes plásticos, Lambert está adaptan- do uma máquina para trabalhar exclu- sivamente com essa tecnologia, já que a importada custa cerca de US$ 2 mi- lhões. Por enquanto, a idéia dos sócios é fornecer os filmes plásticos tratados para as empresas que licenciarem os produtos desenvolvidos pela Vacuo- Flex. No futuro, eles poderão fabricar as máquinas, por encomenda, para as empresas licenciadas. •

DlNORAH ERENO

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I TECNOLOGIA

BIOQUÍMICA

Inseticida de proteína Nova toxina vegetal é eficaz no combate às pragas da agricultura

YURI VASCONCELOS

gricultores de to- do o mundo per- dem bilhões de dólares anual- mente com o ataque das

mais diversas pragas às suas lavouras. Alguns estudos revelam que, no Brasil, cerca de 30% das principais plantações são dizimadas por insetos e outras pra- gas, como ácaros e fungos. Para debelar o problema, os agricultores têm à dis- posição um vasto arsenal de inseticidas químicos, bioinseticidas e, mais recente- mente, as chamadas proteínas pesticidas. Quando inseridas no material genético das plantas - que, por isso, passam a ser organismos geneticamente modificados -, elas atuam como biopesticidas, ma- tando determinados tipos de insetos, fungos e até vírus. As toxinas protéicas mais empregadas hoje são produzidas por bactérias da espécie Bacillus thurin- giensis. Conhecidas como toxinas BT, elas são largamente utilizadas em cul- turas de milho, algodão e batata nos Es- tados Unidos e em outros países que permitem o uso de transgênicos. Ape- sar de eficientes no controle das pragas, as toxinas BT têm ação limitada, por- que oferecem proteção apenas contra um número restrito de insetos, às vezes uma única espécie de besouro, maripo- sa, borboleta, mosca ou mosquito.

O avanço nas pesquisas com esses biopesticidas levou um grupo de pes- quisadores do Laboratório de Proteínas Tóxicas (Laprotox) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a descobrir um novo tipo de proteína inseticida com ação muito mais ampla e segura do que a toxina BT. Trata-se de um grupo de proteínas, conhecidas co- mo ureases e produzidas pelas próprias plantas, com atividade inseticida con- tra besouros do tipo carunchos, perce- vejos e pulgões, insetos imunes à toxina BT. Esses animais são pragas importan- tes na agricultura brasileira. A soja, por exemplo, é atacada pelo percevejo verde (Nezara viridula), o algodão pelo per- cevejo-manchador {Dysdercus peruvia- nus) e o feijão-de-corda pelo caruncho Callusobruchos maculatus. "Os pulgões, além de se alimentar das plantas, são ve- tores de doenças", afirma a biomédica Célia Carlini, coordenadora do Lapro- tox e pesquisadora responsável pela novidade. A toxina protéica também é eficiente no combate a pragas urbanas, como cupins e baratas. Para esse fim, o produto pode ser pulverizado nos am- bientes desses insetos ou estar disponí- vel em armadilhas.

Nas lavouras, a proteína precisa ser inserida numa planta que se tornará geneticamente modificada. Para isso, os pesquisadores desenvolveram um gene

artificial que codifica apenas o pedaço da proteína que é tóxico para o inseto. Após ingerir a urease, enzimas do tipo catepsinas do próprio inseto quebram a proteína e um fragmento atravessa a membrana das células intestinais, atin- gindo tecidos ainda não identificados pelos pesquisadores e levando o animal à morte. "Nossa proteína apresenta uma grande vantagem relacionada ao aspec- to da biossegurança quando compara- da à toxina BT", afirma Célia. "Ela está presente em alimentos que são consu- midos diariamente pela população, como feijão e plantas da família das curcubitáceas, como melão, melancia, abóbora e pepino. Isso é uma sinaliza- ção de que ela não faz mal ao nosso or- ganismo." Assim, plantas como a soja modificada geneticamente, com a pro- teína inseticida, não causaria mal aos seres humanos.

Duas patentes - As pesquisas do grupo gaúcho resultaram em duas patentes, ambas associadas ao processo de pro- dução do fragmento da proteína com ação tóxica. Esse fragmento é um pep- tídeo, caracterizado assim por ser um composto formado por uma cadeia de 81 aminoácidos. Os pesquisadores de- ram a ele o nome de jaburetox, palavra formada por jack bean, nome em inglês do feijão-de-porco - vegetal em que a

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proteína foi identificada pela primeira vez -, mais urease e toxina. Como o gru- po sabia que o poder tóxico da proteína estava no fragmento formado durante a digestão do inseto, a decisão seguinte foi tentar produzir essa molécula em la- boratório. O resultado foi surpreenden- te: estudos mostraram que o jaburetox agiria numa variedade bem maior de culturas agrícolas e contra muitos ou- tros insetos, inclusive aqueles imunes à toxina BT. "Nossas duas patentes cobrem todos os processos de produção desse peptídeo, seja por meio da purificação das ureases e das enzimas do inseto, seja por meio da construção de um gene ar- tificial, que ensina a célula a fabricar esse peptídeo. Esse gene artificial pode ser introduzido numa bactéria ou leve- dura, para produção do peptídeo em tubo de ensaio, ou numa planta, num processo de transgenia", explica Célia.

A descoberta do peptídeo jabure- tox, que poderá se transformar em um importante aliado no combate às pra- gas do campo, é o coroamento de mais de duas décadas de pesquisa da biomé- dica Célia Carlini, especialista em biolo- gia molecular com ênfase em química de proteínas. "Nossas pesquisas tiveram início em 1981 com o estudo da proteí- na canatoxina (CNTX), encontrada no feijão-de-porco (Canavalia ensiformis). Esse tipo de feijão não é comestível,

mas largamente utilizado na adubação verde. Altamente produtivo e com ele- vado valor protéico, ele é plantado em lavouras com a finalidade de incorporar nitrogênio ao solo", explica a pesquisa- dora. De 1998 a 2005, Célia recebeu fi- nanciamento de R$ 295 mil oriundo de vários programas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacio- nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).

Família conhecida - "Durante o mestra- do, isolei a canatoxina e passei a estudar seu mecanismo de ação. Em 1997, du- rante meu pós-doutorado, no Centro de Ciência de Insetos da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, desco- bri que ela tinha atividade inseticida." Em um estudo com oito diferentes in- setos, ela mostrou-se eficaz no comba- te ao caruncho do feijão-de-corda e ao barbeiro Rhodnius prolixus. Foi apenas em 2001, no entanto, que a pesquisado- ra e sua equipe descobriram que a cana- toxina pertencia a uma família de pro- teínas bastante conhecida nas plantas, chamadas ureases. "Foi uma descober- ta importante, pois constatamos que existe uma oferta muito maior de genes, já que a urease é encontrada em vários

vegetais. Ao mesmo tempo, ficamos s mais confortáveis quanto à sua biosse- § gurança, porque essas plantas são co- 1 mestíveis, ao contrário do feijão-de-por- co, fonte original da canatoxina."

Os testes laboratoriais, segundo a pesquisadora, já revelaram que o peptí- deo não é tóxico em ratos e camundon- gos. "As primeiras plantas transgênicas já se encontram em testes no laborató- rio e os resultados devem sair até o final do ano. Estamos testando tabaco trans- gênico e estudando a ação da toxina so- bre lagartas Manduca sexta e pulgões da espécie Trips tabaci, que são pragas do tabaco." Ao mesmo tempo, o grupo, que já publicou mais de 50 artigos em periódicos nacionais e internacionais, está em contato com pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotec- nologia e da UFRGS especializados em transgenia de algodão e de soja, para a realização de experimentos com o pep- tídeo nessas culturas, e com pesquisa- dores da Escola Superior de Agricultu- ra Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, em Piracicaba (SP), para tes- tar a descoberta em cana-de-açúcar. Ca- so o resultado dos testes demonstre que a proteína tem ação tóxica contra pra- gas que atacam essas lavouras, o pró- ximo passo será encontrar um parceiro para iniciar a produção comercial do novo biopesticida. •

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Foi, para um deputara "Noite de São Bar[massacre de protestantses no século 16]. Pars (( O GOVERNO SÓ 1"noite das facadas". derrotado se a

A madrugada foi de não quiser", dizia aquicorre-corre para os líde: de domingo. A oposiçãnistas, que tentavam e muitos governistas qesfarelamento da candi ' também, só assim se exLuiz Eduardo Greenhalj os 300 votos que na mefiança do dia de antec de ontem entregaram a jsubstituída pelo deses cia da Câmara dos Depprimeiras horas da madi figura sempre secundá

Às 2h30, o anúncio dE nunca inofensiva, denas 207 deputados v01 Cavalcanti.Greenhalgh no primei A óbvia composição (contra a previsão de 27 vencedores não requeconclusão inevitável de exame para invalidar aprocesso de traição ,-e ~ õ' ~ c§: '6:.fkejante no comentari:curs~ ~a base ~iad~ ~ ~ ~l (') [~O, de que o "baixono, ~ rOOífWcWã~JM- :3.0 S ~ !intingente amorfo do!unhl~~~1ei:~9:~~~~~8 ~.~. ~tZVs marginalizados, .im.raIRíli~~~i r-. 9- t:; o liiieranças e aos dominado 'twu1oé'm:l~Mfiw~pí- novo poder na Câmarcput.@tirR~~~di- junto vencedor é muito I

P~~~ ~Ff,1You neo, o que faz com quese 'lY'!F~PtilJ..Cgn~m::nflfs~~~ nos um lado vencedor d,

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CuMfjil (5P)?~8 ~J!ffu:za do-se quanto o goverrEdW~8B~.wffóçzlf{m.Cla- nhou em cargos público.so reagir rápido. O ar promessas, em pressõesque os ruralistas fechar, nobras baixas dentro I

de Severino Cavalcanti t partidos, para ao final tnico, pois o PT dava cor ra e quase debochadam.apoio da bancada após < do. Mas derrota sobretu.dos sem-terra Greenhe tadora, em uma conuser contra "baderna" no mais ampla da política,

Alvos foram identific rando-se que se segue adeles era a parte do PF grande peso e em que ~Antônio Carlos Magali PT também jogava"! tu(BA). Genoino foi o en. rota de Marta Suplicy,da missão. A passos rá} nh~da 1'or outras degarro na mão, dirigiu-s eleitorais.",,,,i',,, rl" l~rl",•..,nr<l rl rv 'DI;

DA SUCURSAL DE BRASíUA

FOLHA DE S.PAUL(

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I .

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HUMANIDADES

CIÊNCIA POLÍTICA

O outono da estrela PT chega ao poder para

cair em "purgatório político". O que aconteceu?

CARLOS HAAG

lhando o caos, ao fim da batalha de Waterloo, Wel- lington lamentou: "Quase tão triste quanto uma ba- talha perdida, só mesmo uma batalha ganha". A fra- se pode ser reciclada para se tentar entender o "pur- gatório" político do Parti- do dos Trabalhadores ao chegar, enfim, ao poder. De "o fato político mais

importante no Brasil das últimas décadas" (como foi saudado por analistas políticos no seu surgimento), amarga, hoje, dizem pesquisas, um descrédito crescen- te, em especial naquilo que fazia dele a "grande novi- dade eleitoral": uma nova forma de ação política, com uma conduta ética, participativa, voltado para a luta contra as desigualdades e pela democracia. "A crise de hoje é um reverso negativo do aspecto 'virtuoso' do caráter inicial ideológico do PT: sectarismo e arrogâncias nasci- dos de mistificações ideológicas. Se cabe festejar o realis- mo eleitoral e a administração econômica, o 'esquemão' revelado mostra o destempero do realismo, comprome- tendo o capital ético do PT, numa espécie de 'maquiave- lismo tosco'", avalia o cientista político Fábio Wanderley dos Reis. Algo deu errado?

Talvez a resposta seja o mote machadiano de que "o menino é pai do homem". "A eleição de Lula foi a con- clusão de um processo iniciado em 1995, com a reto- mada da hegemonia interna pelos grupos mais mode- rados do PT, reunidos em torno da Articulação, após apenas dois anos de poder das correntes de esquerda", diz Pedro Ribeiro, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que está desenvolvendo uma pesquisa sobre partidos de esquerda em ambientes governativos, to- mando o governo Lula como referência. "Devemos evi- tar esse maniqueísmo simplista atual de que tudo foi feito tendo em vista um 'projeto de poder', o que, aliás,

é lícito para qualquer partido político. Outros fatores mais importantes agiram sobre o PT: crescimento elei- toral, fortalecimento organizacional, burocratização da máquina partidária, aproximação excessiva das esferas estatais, distanciamento das bases, aumento da partici- pação de mandatários eleitos e ocupantes de cargos de confiança entre os dirigentes partidários, falta de re- novação de quadro e dirigentes, desmoronamento da agenda da esquerda nacional e busca por maior com- petitividade eleitoral", analisa. "Nisso, as vitórias pesa- ram mais do que as derrotas para a moderação e prag- matização do partido."

Pragmatismo, centralização e moderação como pro- blemas do PT? Essas características não confirmam o senso comum que costuma ver o partido como ideológi- co, radical, um "saco de gatos" de tendências de esquer- da. Efetivamente o PT não é assim, se é que já o foi, há muito tempo. O ano de 1995, no entanto, é visto pelos analistas como um ponto de inflexão num longo pro- cesso de transformação que fez com que o PT saísse da categoria sartoriana de partido anti-sistema (a oposi- ção apriorística e permanente contra o Estado) a uma postulação pragmática de comandar o Estado, aceitan- do para isso a união com outras forças políticas não limitadas aos aliados tradicionais do partido. O para- doxo notável é que esse "desvio" de caminho só pôde acontecer graças a uma virtude do partido, vista, em geral, como a sua fragilidade: as lutas e divisões inter- nas e a união de várias tendências.

Lula - "O que distinguia o PT de outros partidos era o alto grau de participação da militância ante uma baixa autonomia das lideranças. Assim, antes de 1995, embo- ra Lula e seu grupo favorecessem uma moderação da linha do partido, eles, por causa dessa democracia in- terna, não puderam impor sua visão. Depois disso, o peso dos pragmáticos cresceu porque, entusiasmados com os resultados positivos nas urnas, a base do parti- do resolveu dar poder a eles", explica o brasilianista Da-

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vid Samuels. "Se, posteriormente, hou- ve um aumento na autonomia da lide- rança isso só ocorreu porque os mode- rados tiveram apoio geral e escolheu-se dar a Lula e seu grupo uma liberda- de adicional." Vítima de sua riqueza? "Esse é um cenário experimentado por partidos de esquerda na Europa, que se tornaram partidos eleitorais convencio- nais, com total independência de movi- mentos de mobilização. Assim, o mo- vimento de adaptação estrutural do partido para o poder nacional gerou a aceitação de que o executivo partidário detivesse um grau de poder discricioná- rio para as lideranças, isolando-se do controle mais firme pelos corpos parti- dários de base. Definiu-se, dessa forma, uma autonomização do grupo partidá- rio no governo ante a estrutura geral e as bases partidárias", avalia Rachel Mene- guello, da Unicamp. Em suma, o pró- prio partido escolheu, no momento em que se decidiu chegar ao poder, abrir mão de sua autonomia para o grupo que o dirigia, o que, no limite, gerou uma elite interna.

Fracasso - O catalisador dessa mudan- ça foi uma batalha perdida: o fraco de- sempenho na sua primeira prova elei- toral, em 1982, que só elegeu oito deputados. "O slogan 'Vota no 3, que o resto é burguês' refletia uma postura eminentemente ideológica, que enco- bria a precariedade de sua formulação programática. Dificuldades que não passaram despercebidas ao núcleo diri- gente do partido e, em 1983, iniciava-se um processo de rearticulação interna que procurava sanar a questão se o PT era uma 'frente' de organizações ou um partido", avalia Marco Aurélio Garcia, assessor de política externa do governo Lula. O fracasso nas urnas deu força à esquerda do PT, que não via com bons olhos a participação dentro do siste- ma, visto como um "desvio eleitoreiro". A resposta veio com a criação da Arti- culação dos 113, em 1983, o grupo de Lula, com forte predomínio de sindica- listas do chamado "neo-sindicalismo", de orientação pragmática. "Os sindica- tos (no caso petista, eram geralmente sindicalistas do setor estatal, que não sofriam tanta pressão como seus cole- gas da iniciativa privada) e os movi- mentos sociais da época estavam todos voltados para uma política menos ra-

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dical e de maiores resultados, o que in- cluía uma antes impensada relação com o Estado. Como eram uma força interna importante dentro do PT, e o partido tinha bases democráticas, deram im- pulso gradual a que a moderação de Lula ganhasse mais espaço", nota Sa- muels. Estava chegando a vez do "PT de resultados". "As derrotas de Lula em 1989,1994 e 1998 são importantes, por- que fizeram com que ele e a cúpula do chamado Campo Majoritário (união de centro-direita do partido em oposição ao campo minoritário esquerdista) exi- gisssem carta branca do partido para ampliar o arco de alianças, para se apro- ximar de setores do empresariado e para construir uma campanha eleitoral com- petitiva e moderna", diz Pedro Ribeiro.

Para isolar a esquerda, o Campo Majoritário instituiu eleições diretas na escolha dos dirigentes, con- fiando na moderação do pe- tista médio, ganhando ainda mais espaço para mudanças internas. A centralização deci- sória se deu na concentração de poderes na executiva, e não no diretório. A idéia era agili- zar as decisões do partido e refrear o impulso "assem- bleísta" que o caracterizava. "Houve uma enorme con- centração de poder na dire- ção, sem controle de outras instâncias partidárias, e o Campo Majoritário ga- nhou um peso desproporcional nos úl- timos anos", confirma Paulo Leal, autor do recente O PT e o dilema da represen- tação política (Editora FGV). "Mas não nos esqueçamos de que tudo isso acon- teceu dentro de normas democráticas, atendendo o desejo da maioria dos filia- dos que apoiaram essa guinada para o centro pragmático, que lhes permitiria ganhar eleições e poder", ressalta Sa- muels. "Concordo que as posições mode- radas nunca foram minoritárias, mesmo em 1993, quando a esquerda fez a maio- ria da direção. Afinal, ela nunca conse- guiu, mesmo guiando o partido, impe- dir que a lógica do mercado eleitoral se consolidasse no partido", nota Leal.

Mas a autonomização da Executi- va Nacional trazia as sementes de fu- turos problemas. Basta lembrar que até a eclosão da crise atual a corrente tinha sob seu comando os seis principais car- gos do PT: presidente e vice, secretarias

geral, de finanças, de organização e de comunicação, ocupados pelos princi- pais envolvidos nos casos de corrupção. E o processo tem até mesmo uma defi- nição na Ciência política: a lei de ferro, de Robert Michels, que mostra como organização leva à oligarquização. O crescimento de um partido traz com- plexidades que exigem profissionaliza- ção de alguns quadros, o que faz surgir uma elite de burocratas partidários, distanciada da massa, não submetida ao controle do resto do corpo partidário. "O interessante é que, se a crise petista confirma claramente a lei de Michels, não se observa, como esperado, uma burocratização nos procedimentos par- tidários, o que, somado ao surgimento de superburocratas, contribuiu para a permeabilidade do partido à corrup- ção", nota Ribeiro.

omo alertou Tarso Gen- ro, não se observaram os preceitos de formalis- mo, hierarquia de auto- ridade, documentação de processos e delimita-

ção de jurisdições, para usar jargões weberianos. Na centralização, houve uma informalidade e pessoalidade no trato das questões e decisões partidá- rias, observa o pesquisador da UFSCar, bem como no relacionamento com membros do governo Lula. "Não por acaso, as ações da direção que detona- ram a crise ocorreram exatamente quan- do o Campo Majoritário tinha tanto poder e as oposições externas estavam enfraquecidas. O que mostra o plura- lismo como uma tendência saudável. O que veio abaixo foi a tese do PT de que o partido tinha construído um sistema que dificultaria ou impediria a ação de oportunistas. Mas ele não foi capaz de coibir Delúbios", lembra Leal.

Ao deixar o partido, no mês passa- do, o petista histórico Plínio de Arruda Sampaio reclamou: "No atual PT, a mi- noria está reduzida à inglória tarefa de legitimar as decisões da cúpula".

"Creio que o partido nunca foi capaz de construir um projeto simultanea-

mente socialista e democrático. Quando era democrático, era social-democrata; quando era socialista, não era democrá- tico. O PT, em síntese, sempre foi leni- nista, uma concepção autoritária do fa- zer político", acusa Clóvis Bueno, da FGV, autor de A estrela partida ao meio. Isso se refletiu, em especial, na experiên- cia petista de administrar cidades e no Parlamento. "É preciso instrumentali- zar o partido para que dirija a política exercida pelos petistas nas administra- ções. Sem um trabalho nesse sentido, buscando afirmar o caráter dirigente do partido, o que veremos será a ampliação da distância entre o partido e as admi- nistrações", preconizava uma resolução do Sétimo Encontro do PT, em 1990. "A questão que se colocava era se o manda- to era do titular ou do partido. A medi- da que o partido se institucionalizava, o ingresso em seus quadros constituiu-se numa chance de se candidatar e alcan- çar um padrão de salário e status social muito superior", nota Eloísa Winter, au- tora do doutorado PT: impasses da es- querda no Brasil. Segundo ela, não é aci- dental que o partido exiba um grande número de eleitos que entram em con- fronto com o programa e os princípios do partido, em total incompatibilida- de. Um problema sério, já que o "jeito PT de governar" é uma de suas maiores bandeiras, responsável por seus sucessos administrativos, como as gestões parti- cipativas, uma das maiores inovações petistas.

Pragmatismo - "Isso também reforçou o pragmatismo e a centralização do PT em detrimento do ideológico. Ninguém se reelege com plataformas ideológicas: você precisa mostrar que é capaz de melhorar a vida das pessoas, o que se configura em política de resultados", avalia Samuels. Se o que é sólido se desmancha no ar, era preciso o novo discurso, algo moralista, da "ética na política e eficiência na administração". "Assim, não me espantou esse Lula quase neoliberal que é tão criticado como se surgisse do nada. Ele sempre foi o tipo de político que procurou jo- gar pelas regras. Não é um Chávez que não quer mudar apenas as regras, mas o jogo todo", diz o brasilianista. "Não se pode negar que a nova dinâmica eco- nômica mundial tem imposto a gover- nos de esquerda a necessidade de co-

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locar em prática políticas econômicas realistas, atentas para as dificuldades do keynesianismo velho no mundo novo e ninguém sabe como conciliar essas imposições com o compromisso social em termos afins ao ideário de es- querda", lembra Fábio Wanderley. Seja como for, esse pragmatismo, consolida- do pelas eleições passadas, foi um bom teste para que Lula pudesse se defrontar com o modelo presidencialista de coali- são que estruturou vários governos an- teriores. Em 2002, o PT só possuía 18% da Câmara. "Num Congresso fragmen- tado, governar só com a esquerda seria impossível e a costura com outros parti- dos foi inevitável sob pena de bloquear a agenda do Executivo", lembra Ribeiro. "O governo Lula buscou um apoio no varejo, atraindo PTB e PP por acordos e inflando o PTB e o PL. Mas tudo isso gerou enormes tensões na bancada pe- tista e em setores do governo que não viam esses acordos como legítimos." Daí, a lógica da facção, o "racha" do partido. Não faltou indignação pelo fato de a executiva fechar alianças sem consultar as bases, efeito indesejável da centrali- zação, concedida pelos fili- ados aos líderes de forma democrática.

"O PT, desde o início do governo, sofre um pur- gatório ideológico: o con- fronto das posições histo- ricamente defendidas pela legenda com as restrições e pressões a que se submete um governo que é respon- sivo perante a sociedade como um todo, não apenas com seu partido ou sua base", diz Ribei- ro. Uma repetição, em escala federal, dos dilemas de várias administrações, desde a experiência pioneira de Diade- ma. Nesse ponto, a virtude das várias tendências internas pode virar um transtorno sério. "O pluralismo de idéias e posições impede a mumifica- ção do partido, mas, por vezes, há um direcionamento muito grande de ener- gia em disputas internas por causa dis- so. Como oposição, isso é contornável. Mas, na hora de governar, a lógica do partido se transforma em lógica de fac- ção e fica difícil governar sem a certeza de contar com o apoio de seus partidá- rios", fala Ribeiro. "Ao chegar à fase ma- dura da vida, em que detém o poder

nacional, o PT mostra que não é imune às imposições do jogo entre partidos, da competição política e do exercício do poder. A experiência do partido no go- verno está mostrando os limites claros daquela inovação partidária original e, para além das irregularidades cometi- das por lideranças nesta crise, põe fim ao ciclo original de vida petista", asse- gura Rachel Meneguello. Expondo, tal- vez, como afirma Gianpaolo Baiocchi (da Universidade de Massachusetts), que o "PT claramente ainda não tem o know-how necessário para dirigir o país, muito menos levar adiante um projeto que traga a marca do partido". Há também, talvez, um outro tipo de inexperiência. "A administração falhou em dividir o poder com os partidos ali- ados e o PT ficou com bem mais do que merecia. Por exemplo, se Lula tem o apoio de partidos com 60% dos assen- tos no Congresso, o seu partido deveria ficar com apenas um terço do total de cargos. Mas não se fez isso, o que dei- xou os aliados insatisfeitos", avalia Sa- muels, para quem também faltou subs- tância ao governo.

a raiz dessa crise es- tá também a falta de políticas às quais os aliados poderiam aderir e, dessa for- ma, colher benefí-

cios políticos. Isso teria facilitado a cons- trução de uma coalizão a FHC. Vale lembrar que a administração do ex- presidente comprou seu apoio no mer- cado 'no atacado', ganhando o apoio sólido de partidos inteiros", explica o americano. "Lula preferiu comprar 'no varejo' e o tal mensalão é apenas um sintoma dessa estratégia. Comprava-se o apoio em nível individual e quando alguém de um partido se sentiu, leia-se Roberto Jefferson, menos 'mimado', le- vantou questões e criticou todo o pro- cesso." Para Samuels, a crise se explica pela estratégia do governo de tratar alia- dos e oposição não como um grupo de partidos, mas como uma coleção de in- divíduos. "Se a crise fosse só o mensa-

lão, não teria grandes repercussões. Mas é um problema profundamente enrai- zado na estrutura administrativa do PT e que infectou assim partido e governo. Acho que houve também um erro de cálculo: na medida em que a adminis- tração FHC tinha grande apoio da clas- se política, acusações de corrupção não eram exploradas seriamente. Penso que os líderes do PT acreditaram que iriam receber um tratamento igual."

"É claro que a corrupção governa- mental precede, em muito, o governo de Lula. O que diferencia petistas como agentes de corrupção é a sua inexpe- riência. Isso me recorda o caso Collor: por que ele caiu com tão poucos? Por- que ele era um outsider político. Como pessoas como ACM ou Jefferson estão há tanto tempo na política?", pergunta Baiocchi. "Se olharmos de forma não apaixonada para a natureza do Estado e da política do Brasil, o que chama a atenção nesse escândalo não é só a cor- rupção, mas que ela tenha sido feita por pessoas não acostumadas às re- gras informais do jogo." O mesmo não pode ser dito sobre a tão apregoada "fome"de cargos do PT. "O partido se aproximou demais do Estado e se afas- tou demais da sociedade civil. Com o fortalecimento do partido no espaço estatal surgiu um exército de quadros partidários com uma grande intercam- bialidade no desempenho de funções comissionadas, ou seja, eram pessoas convocadas a participar de vários go- vernos petistas em tempos diferentes", conta Ribeiro. "A formação desses qua- dros está ligada a concepções que dife- renciam o PT dos demais partidos: a importância dada à formação política de seus militantes e uma tentativa de criar um 'modo petista de governar' com a sistematização de experiências e práticas, levadas de uma administra- ção a outra." Em outros termos, o "par- tido-filtro" idealizado por Umberto Cerroni, do PC italiano. Logo, segundo o pesquisador, descontados os exage- ros da oposição e da imprensa, o PT realmente ocupou um grande número de cargos federais, num processo in- tenso de patronagem partidária. "O partido era o único que poderia ocupar com quadros próprios, experimenta- dos em gestões anteriores; daí o espan- to das outras legendas, acostumadas com a indicação de 'apadrinhados' e

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identificados com um determinado lí- der, e não com esta ou aquela legenda."

O problema é que, como grande parte do PT não via as alianças feitas pela liderança partidária como legíti- mas, continua o cientista político, tam- bém não via legitimidade na divisão do poder. "Assim a briga pelos mesmos es- paços estatais com líderes de legendas aliadas mais acostumadas com essa ocupação institucional, como o PTB e o PMDB", diz. "O cruzamento da tênue linha que separa patronagem da cor- rupção foi um dos fatores que levou a essa crise." O que se pode esperar do fu- turo? Um Lula fora do PT? "Embora um petista certamente vote em Lula, al- guém que goste dele não é necessaria- mente um petista. Isso indica que Lula é maior que o partido, mas também que ele não é essencial para o cresci- mento e sobrevivência do PT", pondera Samuels. "Ele não pode sobreviver sem o partido, a não ser como uma estrela sem rumo", avalia Clóvis Bueno. "Du- rante muito tempo, os petistas defini- am seu ethos a partir da recusa ao per- sonalismo. 'No PDT há brizolistas, no PT há petistas', dizia-se. É um paradoxo o que ocorre hoje: em nome de salvar o seu mandato e a reeleição, Lula ajuda a inviabilizar o PT", critica Paulo Leal. Deve-se festejar a desgraça petista?

Força política - "Só se alegra com a 'de- cadência' do PT quem não tem com- promisso com a democracia. Pois, ape- sar das ambigüidades, contradições, falta de clareza e mesmo a 'lambança' atual, o PT é o fato político mais im- portante do país em décadas", defende Clóvis Bueno. "O que se ganha com o PT é a força política que enfatiza a par- ticipação popular na política, num país em que a maioria não sabe diferenciar ideologias de direita das de esquerda. O PSDB e o PFL podem até oferecer um modelo de competência administrati- va, mas nunca conseguiram oferecer na- da no campo emocional da política, que não se deve desprezar", pondera Samu- els. "O eleitor brasileiro vai ficar mais cínico, pois o PT supostamente era a al- ternativa não-cínica, mas esperanço- sa. Agora não está claro o que o partido pode oferecer aos eleitores em termos de razões emocionais para apoiá-lo." Waterloos diferentes, mas com o mes- mo final. •

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(,(, E fácil ser ético na oposição •)•>

Ele foi o primeiro a mostrar que os reis não an- davam nus, mas até se vestiam bem. O cientis- ta político Leôn- cio Martins Ro- drigues estudou qual era a com- posição social

dos partidos brasileiros e descobriu que o partido podia ser dos trabalhadores, mas, em sua maioria, seus afiliados eram mesmo da classe média em busca de as- censão social. O ex-professor titular da USP e da Unicamp acompanhou as gre- ves que levariam ao surgimento do PT e é um crítico feroz da voracidade de muitos militantes do partido, que "vie- ram mais de baixo e estão se lambuzan- do mais com o poder". Afinal, explica, "as novas elites, por mais que se apre- sentem como radicalmente diferentes das antigas, tendem a reproduzir a con- duta dos grupos dominantes anterio- res". Nesta entrevista o pesquisador ad- verte que a crise de hoje iniciou-se há tempos, quando o PT começou a ganhar pedaços do aparelho do Estado até che- gar ao poder central.

■ Quais as causas da crise atual por que passa o PT? Elas são atuais ou refletem erros passados do partido? — Respondendo de um modo ao mesmo tempo ingênuo e cínico: a cri- se atual só aconteceu em razão da des- coberta do esquema de corrupção. Se não, se o esquema não tivesse se torna- do público, provavelmente tudo esta- ria muito bem, obrigado. Mas acho que a crise não reflete "erros" passados

da trajetória partidária. Os atos que, eufemisticamente, denominamos de "erro" só começaram a acontecer quando o PT passou a ganhar pedaços do aparelho do Estado, culminando com a tomada do governo federal. Portanto, foram efeitos colaterais do crescimento do partido e da conquista do poder.

■ Por que o senhor classifica de eufemis- mo o uso do termo "erro"? — Entendo que o uso do termo "erro" serve, de um modo semiconsciente, pa- ra atenuar a gravidade da conduta da alta direção do partido. Alguém diria que Maluf cometeu um "erro" ao enviar ile- galmente dinheiro ao exterior? Não creio que se possa falar de "erros" para designar casos de corrupção ou de con- duta eticamente condenável. Ações er- radas são aquelas que não se mostram adequadas para atingir um determi- nado objetivo. Dizem respeito a fins, e não a meios. No caso, o PT errou quan- do agiu de modo inepto permitindo que os atos ilícitos fossem descobertos. Os erros são habitualmente ações ou julga- mentos que não são desejados pelos au- tores, que acontecem contra a sua vonta- de. Não foi o caso da liderança petista, que sabia muito bem o que queria.

■ Então, o passado do partido mais à es- querda não responde pelos atos do pre- sente? — Entendo que as concepções doutri- nárias socialistas e as explicações teóri- cas do PT, desde a sua fundação, esta- vam equivocadas teoricamente mas não eram eticamente condenáveis.

■ Como entender a entrada tão intensa

da corrupção nos quadros históricos do partido? — Primeiramente, é preciso salientar que sempre existiu na política brasilei- ra um campo propício à corrupção. Se ele não existisse, a nova elite política que ascendeu por meio do PT teria se comportado de outro modo. Geral- mente as novas elites, por mais que se apresentem como sendo radicalmente diferentes das antigas, tendem a repro- duzir a conduta dos grupos dominan- tes anteriores.

■ Há chance de o partido conseguir espa- ço nas eleições de 2006 ou será uma der- rocada geral? — É difícil um vaticínio mais preciso. Muitas variáveis devem ser levadas em conta. O prognóstico mais seguro, mas, por isso mesmo, mais vago e próximo do óbvio ululante, é que o PT deve perder muitos votos e muitos dos seus atuais parlamentares, na Câmara dos Depu- tados e outras instâncias do sistema político, não serão reeleitos. Mas, no que toca ao partido enquanto organi- zação, o estrago está feito e dificilmen- te será recomposto. A máquina parti- dária já foi afetada e o partido está mais dividido do que nunca. Pior ainda: Lula e a liderança petista perderam legitimi- dade. Já a extensão do estrago nos re- sultados eleitorais do PT em 2006 é mais difícil predizer. Dificulta qualquer prognóstico a fratura da base de sus- tentação do Executivo no Congresso e da decomposição do governo Lula en- quanto governo petista.

■ Como assim? — O governo passou a depender, mais do que nunca, do PL, PP e PTB e de

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parte do PMDB e de lideranças políti- cas como os senadores José Sarney e Renan Calheiros. Os pequenos partidos de esquerda, como o PCdoB e o PSB, continuam com o Lula, mas a compo- sição do governo nem de longe lembra a de um governo de esquerda

■ Haveria outra forma de o PT sobrevi- ver sem optar pela lógica eleitoral? — A via revolucionária nunca foi uma opção nem poderia ser num partido cujo lançamento se deu à luz do dia no Colégio Sion, no elegante bairro de Hi- gienópolis em fevereiro de 1980, tendo a reunião de fundação se efetuado logo depois no Instituto Sede Sapientiae em São Paulo entre os dias 31 de maio e Io

de junho do mesmo ano. A tendência majoritária do PT, a começar pelos di- retores de sindicatos, sempre optou pela via eleitoral, embora a desconfian- ça com relação às instituições da demo- cracia representativa existisse em alta dose em muitas facções que vieram dos pequenos grupos leninistas. Por isso, o PT foi ao mesmo tempo um partido de militância, de rejeição da ordem bur- guesa (geralmente mais de palavras do

que de atos) e um partido eleitoral de ideologia nacionalista, antiliberal, colo- rida com pinceladas de um socialismo que mesclava cristianismo e marxismo. Excluído o caminho revolucionário, a lógica eleitoral se impõe. Ninguém en- tra numa disputa eleitoral com a in- tenção de perder sempre. Disputas elei- torais, nas democracias, custam caro. Segue-se daí que, não tendo o PT con- seguido se transformar no partido ma- joritário, cumpria fazer alianças. E elas não podiam ser estabelecidas só com partidos de esquerda. Incongruente, porém, do ponto de vista programáti- co, foi a coligação com o PL, quer dizer, esquerda com direita. Uma aliança com o PMDB, centro-direita, seria menos incongruente, mas ela, caso se realizas- se, custaria mais caro ao PT porque o PMDB é um partido muito mais forte do que o PL.

■ A grande pergunta que se coloca hoje é como e por que se deu a transformação do partido, sua burocratização, profissio- nalização e pragmatismo eleitoral. — O simples crescimento numérico impõe mudanças em qualquer organi-

zação, seja uma empresa, um sindicato ou um partido. Aumenta o número de funcionários, de departamentos, de ní- veis hierárquicos. Aumenta também a divisão de tarefas e, com isso, a estrati- ficação interna. O cientista político ita- liano Ângelo Panebianco assinala que as variações no tamanho não apenas afe- tam a coesão interna mas o estilo polí- tico dos partidos. Um partido grande tende a ser mais pragmático e acomo- datício nas relações com outros parti- dos. Além disso, entendo que uma variá- vel importante é a idade dos principais dirigentes. Os jovens mais radicais e contestadores da formação do PT, além de envelhecerem, conservaram a dire- ção do partido e/ou transformaram-se em parlamentares e ascenderam social- mente. Usando um jargão meio fora de moda: aburguesaram-se.

■ Isso pode explicar a institucionalização do PT, mas não o envolvimento em atos ilegais e a corrupção de alguns de seus principais dirigentes... — Tem razão, mas a explicação para esse aspecto que você aponta não é fá- cil. Talvez tenha havido uma combina- ção de vários elementos. Um deles pa- rece ser o projeto de reeleição de Lula em 2006. Para a efetivação desse proje- to era necessário muito dinheiro "não contabilizado", para usarmos o saboro- so eufemismo que o ex-tesoureiro pe- tista popularizou. Talvez as vantagens materiais que a conquista dos altos pos- tos da administração pública oferece te- nham contaminado muito rapidamente os petistas que, em comparação com po- líticos dos outros grandes partidos, vêm mais de baixo, das classes médias assa- lariadas ou das classes populares (pro-

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fessores da rede pública, bancários, al- guns trabalhadores industriais, alguns lavradores, todos eles ex-sindicalistas). Mas não quero dizer com isso que "rico não rouba", mas sim que os que vêm de baixo não são incorruptíveis e podem ser mais suscetíveis de ceder à tentação.

■ O PT mudou para sobreviver ou por oportunismo político, com vistas a um projeto vantajoso de poder no futuro? — Eu inverteria a relação de causa e efeito. Se observarmos bem, a profissão de fé socialista do PT não foi obstácu- lo para seu crescimento. Ao contrário. Serviu para atrair uma militância jo- vem que acreditava que todos os males do mundo vinham do capitalismo e do mercado. O PT mudou porque cresceu. Mais precisamente: o PT foi mudando à medida que crescia. Basta olhar as transformações nos programas de go- verno do partido, cada vez mais mode- radas. O PT se tornou ainda mais mo- derado em 2002 porque tinha crescido e a ocupação do Palácio do Planalto es- tava à vista. Uma aliança com o PL se- ria inimaginável se as chances de elei- ção do Lula fossem mínimas.

■ Qual a relação entre a transformação gradual do PT e a atual crise ética do partido e as ondas de denúncia? — Julgo que a atual crise ética do par- tido não tem relação com a moderação política. A crise ética atual vem da con- quista da Presidência e dos esforços pa- ra repetir a dose em 2006. Pela primei- ra vez as tentações do demônio foram oferecidas aos dirigentes petistas. Ser ético na oposição é fácil. O difícil é con- tinuar a ser quando se está no poder.

■ Havia, no início da vida do partido, uma inegável democracia interna. De que maneira essa democracia contribuiu pa- ra o atual estado do partido? — Primeiramente, é bom que se diga que partidos são instrumentos necessá- rios para a democracia, mas não são in- ternamente democráticos. Os mesmos dirigentes tendem a se eternizar no co- mando de qualquer partido porque faz parte da atividade política a existência de lideranças e um partido não pode a todo o momento mudar seus dirigen- tes. Dito isso, é preciso ver mais de per- to a questão da democracia interna pe- tista. Se formos medir a democracia

pela rotatividade na direção partidária, a liderança petista mudou pouco, da fundação aos tempos atuais, embora houvesse mudanças na ocupação da presidência e na secretaria. Mas o diri- gente máximo e único sempre foi o Lula. Já na questão do colégio eleitoral, a direção petista expulsou os deputa- dos que votaram em Tancredo Neves. Mas, para ir mais diretamente à sua questão: entendo que a maior ou me- nor democracia interna não é uma va- riável significativa na determinação dos índices de corrupção.

■ A forma de atuação quase neoliberal do governo de Lula é uma surpresa ou já se podia prever isso ao se observar o de- senvolvimento do partido? — Se seguirmos as mudanças nas pro- postas petistas de governo nas várias campanhas presidenciais, veremos um partido progressivamente mais mode- rado, de acordo aliás com o que acon- tecia com todos os partidos socialistas, social-democratas, trabalhistas e comu- nistas e ex-comunistas do mundo capi- talista desenvolvido. Além disso, se mais não for, somente os militantes mais crentes e ingênuos poderiam crer que o PT, com menos de 20% das cadeiras na Câmara dos Deputados e ainda menos no Senado, sem controlar os três prin- cipais estados da Federação, iria adotar uma orientação de tipo socialista. Ade- mais, cabe uma pergunta mais cínica mas não menos realista: por que os di- rigentes petistas iriam se arriscar a pôr em prática medidas de tipo socialista se já estavam no poder?

■ Qual foi o impacto das derrotas políti- cas iniciais do partido na sua transfor- mação em partido pragmático e centra- lizador? — É preciso matizar o que aparece como derrotas iniciais do PT. Elas pa- recem particularmente fortes nas dis- putas majoritárias por cargos executi- vos, especialmente para a Presidência da República, como as derrotas para o Collor e depois para o Fernando Hen- rique. Mas, se as examinarmos melhor, foram "derrotas vitoriosas", que esti- mulavam em lugar de desanimar. Nas eleições solteiras de 1989, para a Presi- dência, Lula obteve 17,2% de votos no primeiro turno. Foi derrotado por Col- lor, que teve 30,5%, mas chegou à fren-

te de grandes nomes da política nacio- nal. Convém relembrar: nessa ocasião, Lula venceu Brizola, por pequena mar- gem é certo, mas chegou bem à frente de Covas, Maluf, Afif Domingos, Ulys- ses Guimarães, Roberto Freire e Aurelia- no Chaves, para não falarmos de outros nomes menos conhecidos. [Nessa oca- sião, 16 candidatos concorreram.] Nas duas eleições seguintes [1994 e 1998], Lula foi derrotado por Fernando Hen- rique no primeiro turno, mais ficou muito à frente dos demais candidatos. Na Câmara dos Deputados, o PT que só havia elegido oito deputados em 1982 pulou para 16 em 1986, para 35 em 1990, passando a integrar o clube dos grandes partidos e se transformar, em 2002, no maior partido da Câmara, com 91 deputados. Assim, o pragmatis- mo e a centralização do PT me parece mais associados ao êxito do que ao ma- logro. A famosa Carta aos Brasileiros só aconteceu porque o PT percebeu que tinha chances de "chegar lá".

■ Podemos, talvez, pensar que o afasta- mento das lideranças petistas das bases, a centralização exacerbada das decisões no Diretório Nacional se deve à necessidade de negociar alianças, como a que fez com o PL sem consultar os filiados? — Consultas às bases são raras nos par- tidos. Não me lembro de ver o PSDB, o PMDB, o PFL, por exemplo, "consul- tando as bases". As decisões importan- tes, sempre, são adotadas pelos "grandes chefes" com auxílio de alguns assesso- res. A massa de filiados e simpatizantes engole (ou não engole) o que seus líde- res decidem. Não se deve deduzir daí que os dirigentes façam o que querem. Os líderes sempre têm que ter alguma sensibilidade para as expectativas dos liderados. Mas sempre, se deixarmos os discursos mistificatórios de lado, deci- sões são conchavadas por pequenos gru- pos. Mesmo nas assembléias, o que é le- vado à votação "democrática" é o que foi decidido nos bastidores. Em alguns casos, a assembléia opta por alguma proposta das lideranças. Entendo que tem que ser assim. De outro modo, o partido (ou qualquer outra organização de massas) perde eficiência. No caso do PT, acho até que a atual votação para a escolha do Diretório Nacional, inspira- da no modelo norte-americano das pri- márias, foi bastante democrático. Mas é

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um procedimento caro e demorado. De todo jeito, aos filiados só coube votar por um dos líderes das tendências.

■ Se o PT tivesse ganho a eleição de Col- lor, naquele momento do partido, tería- mos um governo diferente do atual? — Não sei. Mas, considerando o espa- ço ocupado pelo PT naquela ocasião na política brasileira, provavelmente tería- mos uma forte crise partidária resul- tante da necessidade de composição e alianças, por um lado, e as expectativas mais radicais da militância, de outro.

■ O pluralismo de tendências internas ao partido é apenas ruim ou pode ter efeitos benéficos à agremiação? — O pluralismo de tendências é um fato que se liga às origens do partido. O PT começou assim. Apesar de as diver- gências entre elas parecerem de caráter ideológico e programático, as tendên- cias servem de ponto de apoio para li- deranças menores na disputa de poder local. No final, acho que a existência das chamadas tendências acaba sendo positivo para o partido porque dá espa- ço para as lideranças emergentes que sempre começam muito radicais, mas vão se tornando mais moderadas quan- do ascendem ou quando ocupam al- gum cargo público.

■ A história do PT parece seguir a famo- sa frase de Lula, de que o "socialismo do PT era construído no dia-a-dia". Esse eterno improviso ou "espontaneidade" é a causa da atual deficiência de gover- nança que se percebe no governo Lula? — Não me parece. A frase do Lula, a meu ver, vem do fato de ele ter muito pouca informação sobre o socialismo e ter pouco interesse em debater esse tema com os intelectuais do partido. Já deficiência administrativa, ao meu ver, tem duas causas principais. A primeira vem da inexperiência do próprio Lula que nunca exerceu qualquer cargo ad- ministrativo de governo antes de che- gar à Presidência da República. Lula sempre foi um líder de massas de opo- sição, função na qual as palavras rara- mente são para valer. A segunda vem do grande número de ex-sindicalistas e de outros dirigentes petistas que estão no governo federal e outros cargos de alto escalão. Alguns tiveram experiên- cia em governos estaduais (caso do Olí-

vio Dutra, por exemplo), mas não tive- ram experiência de governo federal. Outros nem isso.

■ Podemos entender o processo de cor- rupção também em relação com esse pre- domínio de "sindicalistas pragmáticos" na direção do partido e no governo? — Efetivamente, alguns ex-sindicalis- tas da alta direção petista estão (ou es- tiveram) muito ligados aos "recursos não contabilizados" e pareceram muito deslumbrados com os encantos do po- der e do dinheiro. Mas outros que não tinham um passado sindical também es- tiveram, como o ex-deputado Genoino. É possível que — comparativamente às pessoas intelectualmente mais sofisti- cadas e com mais tempo de vivência nas classes altas — os que vieram mais de baixo e que ascenderam socialmente através do sindicalismo e da política tendam a ficar mais deslumbrados com o novo status e as novas posições de po- der. É uma hipótese que necessitaria ser mais bem trabalhada de modo a con- trolar algumas variáveis, tais como o tipo de sindicalismo, os valores domi- nantes no próprio meio sindical, no novo meio político em que adentra- ram, na sociedade nacional... Uma hi- pótese pertinente seria que em socieda- des com índices elevados de corrupção, mas de mobilidade social elevada, co- mo a brasileira, os recém-chegados fi- cam mais predispostos a imitar os gru- pos dominantes tradicionais, mais estimulados a subir na vida.

■ Lula hoje parece desejar se isolar do PT: como entender isso? Será uma ma- nobra política? — Poderia ser. O prestígio do Lula sempre foi maior do que o do PT. Um cenário, que não é de todo impossível

embora difícil de acontecer, seria Lula tentar a reeleição apoiado por uma co- ligação de partidos nos quais o PT não entraria ou, caso entrasse, não seria o partido dominante. Mas para que isso acontecesse o presidente precisa manter sua força eleitoral. Mas são apenas cogi- tações. Muita água ainda vem pela frente.

■ Que futuro há para o PT e o que ele precisa fazer para se renovar e retomar seu espaço? — No momento, relativamente poucos parlamentares e personalidades aban- donaram o partido. Alguns porque sus- peitam que a legenda do PT é ainda a mais segura para tentar a reeleição. Ou- tros porque temem não ter em outras legendas o mesmo espaço que têm no PT. (Uma alternativa não exclui a outra.) Ideologia conta secundariamente. O elemento principal é a possibilidade de reeleição e ascensão na classe política.

■ O fim da crença na política com ética, que se esperava do PT, pode gerar um amadurecimento no eleitor brasileiro ou um ceticismo que permita ascender ao poder um populista? — Provavelmente mais a primeira do que a segunda alternativa. A confiança com relação aos políticos, que nunca foi alta, declinou mais ainda. Mas o corpo eleitoral é heterogêneo. Em suas cama- das mais pobres e desprotegidas, a desi- lusão pode levar à crença no homem providencial. Junto com o repúdio aos políticos pode vir também a descrença com relação à democracia representati- va, o que poderia levar à aceitação, passi- va ou entusiasmada, de um governo au- toritário. Mas, no momento, parece mais provável que a democracia resista. •

CARLOS HAAG

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■ HUMANIDADES

SOCIOLOGIA

Cada cabeça uma sentença Referendo sobre armas pede debate de mentes desarmadas

CARLOS HAAG

ESCULTURAS HéLIO DE ALMEIDA

O referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo para civis acontece neste mês, mas o dilema da decisão é bem mais antigo. "Ser ou não ser, eis a questão.

Será mais nobre sofrer na alma as pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em ar- mas contra o mar de angústias e, combatendo-o, dar-lhe fim?",

já se perguntava Hamlet. Mesmo que pesquisas, como a da Unesco {Mortes matadas por armas de fogo), revelem que há algo de podre no reino do Brasil, onde, entre 1979 e 2003, mais de 550 mil pessoas morreram vítimas de ar- mas de fogo (índice de mortalidade que supera os óbitos no trânsito), a questão se apresenta como um palíndro- mo às avessas, em que cada cabeça tem sua sentença: mais armas, menos crimes; menos armas, mais crimes.

"No Brasil, vem ocorrendo um aumento de deman- da por armas de fogo, pois a população buscou na arma uma resposta a uma solução de insegurança", explica Maria Fernanda Tourinho, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) e coordenadora da pesquisa Violência por armas de fogo no Brasil. "A proibi- ção deve ser acompanhada de incentivo à redução da de- manda por armas e não só a redução da oferta", avisa. O estoque privado de armas de fogo no país é considerável: 15,1 milhões. Dessas, estima-se que 6,7 milhões estão re- gistradas, 4,6 milhões estão na informalidade e 3,8 mi- lhões no crime, afirma Pablo Dreyfus, coordenador do Projeto Controle de Armas Viva Rio/Iser.

Internamente, porém, o sucesso das empresas de ar- mas teve um alto custo. "O Brasil consegue exterminar

mais cidadãos pelo uso de armas de fogo do que muitos conflitos, como a Guerra do Golfo ou as várias intifa- das", revela Júlio Jacobo Waiselfisz, autor do relatório da Unesco. Entre 1979 e 2003, as vítimas cresceram 461,8%, enquanto a população cresceu 51,8%: as principais cau- sas de morte no Brasil são, em ordem: doenças do cora- ção, cerebrovasculares e armas de fogo. Das 550 mil mor- tes, 44,1% foram de jovens entre 15 e 24 anos: de cada três jovens mortos, um foi por arma de fogo. O Brasil, com uma taxa de 21,6 óbitos em 100 mil habitantes, per- de dos Estados Unidos, que, com a "cultura de armas", tem uma taxa de 10,3 mortes em 100 mil habitantes.

Os números impressionam, mas o controle de armas tem eficácia? O relatório "Vidas poupadas", dos ministé- rios da Saúde e da Justiça, avalia que sim. Os dados fo- ram obtidos após o recolhimento de armas de fogo ini- ciado em 2004 (foram recebidas 450 mil armas). "A estratégia de desarmamento não só anulou a tendência, anual de crescimento de 7,2% preexistente, mas também originou uma queda de 8,2% no número de óbitos re- gistrados em 2003. A ação gerou uma redução de 15,4%' nas mortes por armas de fogo, evitando, só em 2004, 5.563 mortes", diz a pesquisa. Defensores da proibição são menos otimistas. "Devemos ter cautela com os indi- cadores do desarmamento. A redução da criminalidade é para longo prazo", nota Fernanda.

Segundo ela, a proibição isolada é insuficiente. "É pre- ciso agir nos determinantes da demanda, fazer com que a população se sinta segura, capacitar os policiais e bloquear o mercado ilegal de armas." Eis um ponto importante. "As autoridades não sabem onde está metade das armas de fogo do país, nem quem as possui", avalia Dreyfus. Assim, há uma divisão social sobre o desarmamento. "Os defensores de armas dizem que o ideal seria que as

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'pessoas de bem' estivessem armadas e os bandidos não, e vêem uma inversão no processo, uma divisão entre armas do bem' e armas do mal'", o que é uma falácia, analisa Ignácio Cano, da Uni- versidade do Estado do Rio de Janeiro. Segundo os antiproibição, o desarma- mento eliminaria as "armas do bem", sendo inócuo com as "armas do mal". Para Cano, o ponto é o fluxo de armas do circuito legal para o ilegal. "99% das armas de fogo são legalmente produzi- das e um terço das armas apreendidas na ilegalidade saiu do mercado legal", diz a pesquisadora Josephine Bourgois.

T unte-se a isso o tato de que mais de 70% das ar- mas apreendidas em

^B V 2002 eram produzidas ^^^^r no Brasil. "Hoje somos o

único produtor latino- americano importante de armas de pe- queno porte", afirma Dreyfus. Assim, as armas são produzidas por indústrias conhecidas e não vale a tese de que cri- minosos usam armas importadas. "Só no Rio de Janeiro, entre 1951 e 2003, de cada três armas apreendidas na legali- dade, uma tinha sido comprada por gente de 'ficha limpa'", observa Josephi- ne. "Nesse Estado, a cada cinco horas uma arma legal é roubada e, em 27% dos casos, nos assaltos a residências. Em São Paulo, das 77 mil armas apreen- didas em 1998, 71.400 foram rouba- das e 5.500 extraviadas", conta. "Uma

sociedade que se arma para se defender pode estar armando seus agressores", avisa Cano.

Ou, na ironia de Millôr, chegamos ao ponto em que "estão apreendendo com militares armas de uso exclusivo dos traficantes". Cada militar ou PM tem direito a comprar livremente seis armas a cada dois anos, direto da in- dústria."Daí a importância do Estatuto do Desarmamento, que, para além da questão do referendo, regula isso, pois, até então, os registros de armas das For- ças Armadas e das polícias eram de controle restrito do Exército. Agora es- ses dados serão partilhados com a Po- lícia Federal, que vai poder, ao apreen- der uma arma do Estado, roubada ou vendida ilegalmente, descobrir o res- ponsável", diz Dreyfus. O pesquisador conta que a impunidade é tão grande que armas do Estado encontradas com bandidos às vezes estão com número de série e carimbos oficiais. "Armas adulteradas passarão por uma perita- gem da PF, que pode detectar, mesmo com registros 'raspados', o número de série. O controle dessas armas no Mi- nistério da Justiça vai minorar o pro- blema." O mesmo controle será feito em munições, cujos lotes serão numerados. "Daí o valor da aplicação da parte re- pressiva do estatuto, que prevê, enfim, penas pesadas para tráfico e venda ile- gal", diz. O volume de armas do Estado pegas com criminosos pode ser peque- no em quantidade (no Rio, de 50 mü ar- mas, 60 eram do Exército e 900 da polí- cia), mas são as que têm alto poder de destruição. E nem tudo é só corrupção. Muitos policiais são mortos apenas pelas suas armas. Além disso, afirma Dreyfus, é preciso controlar os chamados esto- ques excedentes do Estado (armas velhas

etc), que são as que acabam nas mãos dos criminosos. É preciso não só discu- tir o referendo, mas conhecer o estatuto, pois ele tem mais mecanismos contra o crime do que sonha nossa vã filosofia.

E não será a primeira vez que o país fará uma legislação para controle de ar- mas leves, embora a indústria domésti- ca de armas brasileira seja um fenôme- no recente, nascido nos anos 1930 com a substituição de importações. No Sul e Sudeste, os primeiros produtores priva- dos de armas foram imigrantes, como as empresas Boito, Rossi e a Fábrica Nacional de Cartuchos (hoje CBC) e, em 1937, a forja Taurus, atualmente uma das maiores produtoras mundiais de armas curtas. A primeira lei data de 1934, assinada por Getúlio Vargas, que apenas controlava a produção de armas e munições de guerra, deixando total li- berdade para as armas de uso civil. Foi no esteio da Doutrina de Segurança Nacional que a indústria interna de ar- mamentos cresceu, já que a indústria de defesa era vista pelos militares do pós-64 como catalisadora para o de- senvolvimento econômico e tecnológi- co, bem como uma forma de estabele-

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cer o poderio nacional. Os novos diri- gentes logo editaram um decreto (1965) que dava primazia ao Exército na fiscalização das armas. "A ditadura militar concentrou o controle da circu- lação de armas no Executivo e incenti- vou abertamente a indústria armamen- tista nacional", nota Carolina Dias, do Viva Rio/Iser. Bastava ser "cidadão idô- neo" para poder ter um arsenal. Não havia preocupação em controlar as ar- mas e seus donos, mas garantir a ex- pansão da indústria.

Ator global - Com o fim da ditadura, quebrou-se a parceria entre Estado e indústria privada de armas, incluindo- se os subsídios antes concedidos a essas empresas. Ainda assim, em 1990, o Bra- sil estava estabelecido como um ator glo- bal médio no mercado internacional de armas de pequeno porte. Mas a legisla- ção andava devagar: em 1980 promul- gou-se a primeira norma nacional do registro de armas. Não existia, porém, um controle efetivo, o que ocorreu ape- nas em 1997 com a lei 9.437, que esta- beleceu controle e cadastro de armas produzidas e importadas no Ministério

da Justiça, criando também o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), setor da Polícia Federal que congregaria as in- formações sobre as armas de civis. O próximo passo veio em 2003 com o Es- tatuto do Desarmamento. "Com isso, o Brasil é o país com a legislação mais avançada de controle de armas de fogo e munição", afirma Carolina Dias.

Se Hamlet falava em "palavras, pa- lavras, palavras", a questão do desarma- mento é movida a "números, números, números". Há pesquisas para todos os gostos: quais são as chances de ser ata- cado portando uma arma; quais as chan- ces de morte quando alguém é atacado e se defende com uma arma; os homi- cidas são ou não pessoas conhecidas; muitas armas geram ou não mais cri- mes; suicídios e acidentes são ou não diretamente ligados ao número de ar- mas. Em que estatísticas deve-se confiar? Uma pesquisa feita na Universidade de Yale revela que a posição de aceitar ou não o controle das armas depende mui- to pouco de se afogar nesses números e ainda menos se o cidadão é homem, mulher, branco ou negro, liberal ou conservador. "A posição dos indivíduos sobre o tema deriva basicamente de sua visão cultural. As pessoas vão aceitar ou rejeitar evidências empíricas dependen- do se elas confirmam ou entram em conflito com seus valores culturais", as- segura Dan Kahan, autor do estudo e professor da Yale Law School.

Na base do survey está a teoria cul- tural do risco, ou seja, do quanto de ris- co aceitamos segundo nossos valores. A sociedade poderia então ser dividida, em três perfis: igualitários (a favor de ações coletivas que equalizem riqueza, status e poder), individualistas (que privile- giam autonomia individual e rejeitam

interferência coletiva) e hierárquicos (pa- ra quem o Estado sabe o que faz e tem deferência pelas formas tradicionais de autoridade). Se o primeiro tipo apoia o controle de armas (pela aversão ao ar- quétipo individual do "macho" racista que usa armas e pela visão dessas como uma celebração da auto-suficiência in- dividual em detrimento da solidarie- dade social), os dois outros são contra. Individualistas e hierárquicos vêem o controle, ou seja, a sociedade desar- mando o cidadão para sua própria pro- teção, como um gesto de impotência individual. Ou, como diria o ator Clint Eastwood: "Sou a favor do controle de armas. Se há uma arma por perto, que- ro estar no controle dela".

Sintomaticamente, na pesquisa, 79% das pessoas que favoreciam o controle de armas concordavam com a afirma- ção: "Mesmo que a posse irrestrita de armas reduzisse a criminalidade eu não quero viver numa sociedade onde as pessoas se armam". E 87% dos que re- jeitam o controle afirmaram que seria errado banir armas, mesmo que a sua proibição reduzisse a criminalidade. "Logo, fatos sobre armas não vão gerar um consenso sobre como e se regular a posse de armas por civis. A visão que cada um tem sobre o que é uma boa so- ciedade vai modificar explicitamente a sua avaliação dos riscos implícitos no debate sobre as armas", diz Kahan. As- sim, segundo o estudo, tudo depende da visão pessoal que se tem sobre os riscos de se ter ou não armas. O debate ainda é a melhor arma. "Em vez de ouvir radi- cais de um lado ou outro, ou de ser en- golido pelas estatísticas, que por si têm grande valor, a melhor questão a se colo- car é em que tipo de sociedade eu pre- firo viver'", aconselha o pesquisador. •

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RESENHA

Um papel de enorme envergadura Coletânea de artigos aprofunda visão crítica da relação entre mídia e minorias

MARILUCE MOURA

O que são, de fato, mino- rias? Aí se encaixam enormes e já bem visí-

veis contingentes da população mundial, como as mulheres, os homossexuais e os negros, mas a palavra também abarca gru- pos de ativistas políticos que se visibilizam por ações espasmó- dicas, crispações de violência freqüentemente nomeadas terrorismo, como observa Ra- quel Paiva, organizadora, junto com Alexandre Barbalho, de Comunicação e cultura das minorias. Raquel vale-se de uma expressão do pensador francês Jean Baudrillard, de que o terror desponta como a fratura visível da sociedade contemporânea, para ressaltar em seguida que "ele é mar- cado pela tônica midiática, razão pela qual os atos são cada vez mais espetaculares, numa tentativa incontrolável de superação, por atos de crueldade, da linha que separaria ficção e realidade" {página 19). Esse encontro essencial com a mídia, sem o qual o terror não encontraria a dimen- são espetacular a que se alçou na sociedade contemporâ- nea, é apenas um, em meio a muitos possíveis, entre mi- norias e mídia. E são esses encontros/desencontros, na verdade, a questão investigada, teorizada e analisada de modo consistente na coletânea de artigos, mais reflexivos e menos factuais, que compõem Comunicação e cultura de minorias. Seus autores são pesquisadores conhecidos da área de comunicação, ligados a instituições de diferentes regiões do país e, em um caso, de Portugal (Universidade de Coimbra).

Mas voltando à indagação original, logo no primeiro capítulo do livro, "Por um conceito de minoria", Muniz Sodré propõe que "o conceito de minoria é o de um lugar onde se animam os fluxos de transformação de uma iden- tidade ou de uma relação de poder", depois de afirmar que "o que move uma minoria é o impulso de transformação", o que está, aliás, inscrito na idéia de "devir minoritário" dos franceses Giles Deleuze e Felix Guattari. Trata-se da "minoria não como um sujeito coletivo absolutamente idêntico a si mesmo e numericamente definido, mas como um fluxo de mudança que atravessa um grupo, na direção de uma subjetividade não capitalista. Este é na verdade um 'lugar' de transformação e passagem, assim como o au- tor de uma obra é um 'lugar' móvel de linguagem" {página 12). Pensada assim, a minoria também tem uma intencio- nalidade ético-política dentro da luta contra-hegemônica, segundo ele. E um partido político ou um sindicato, ain- da que de oposição a um regime dominante, não se enten-

Comunicação e cultura das minorias

Raquel Paiva Alexandre Barbalho (orgs.)

Paulus 219 páginas / R$ 29,00

dem como minorias "porque ocu- pam um lugar na ordem jurídico- social instituída". Em outras pala- vras, Muniz conclui que "minoria é uma recusa de consentimento, é uma voz de dissenso, em busca de uma abertura contra-hegemônica no círculo fechado das determina- ções societárias". E acredita, auspi- ciosamente, que seu conceito deve ser incluído "no capítulo da rein- venção das formas democráticas".

Essa visão percorre como uma espécie de luz de fundo os demais artigos do livro: os de Raquel Paiva, Alexandre Barbalho, Maria João Silveirinha, Márcio Gonçalves e Eduardo Coutinho, que tratam, como resume Raquel na apresentação geral do volume, de questões fundamentais das minorias, especialmente em sua relação com a mídia, sem cuidar especificamente de algum de seus movimen- tos; e os de Ângela Prysthon e Jeder Janotti Jr., relativos a movimentos juvenis, de Ana Carolina D. Escosteguy e Ju- liana Gonzaga Jayme, referentes a gêneros, e, por fim, os de Angela Schaun, Mohammed Elhajji e Liv Sovik, centra- dos na problemática étnica.

Entre esses vários textos de grande interesse para a pes- quisa em comunicação no país, chama atenção a aborda- gem muito nova de Elhajji relativa aos grupos étnicos e confessionais recém-estabelecidos no Brasil (japoneses, li- baneses, coreanos etc). Tratando de delinear um novo campo de estudo e investigação sociocultural que articula comunicação, cultura e conflitos, ele propõe, entre outras coisas, medir os movimentos e oscilações nos quadros sim- bólicos desses grupos, "tais como são refletidos por sua mí- dia comunitária" {página 198). E sugere que a comunica- ção seja colocada no centro mesmo dessa linha de estudos, e não num lugar periférico, na medida em que se admite que "o papel central da comunicação na nova ordem socio- tecnológica criou uma base material e discursiva tão iné- dita para o desenvolvimento das atividades humanas no sistema social e tão específica historicamente que acabou impondo a sua própria lógica à maioria dos processos so- ciais e condicionando, de maneira fundamental e irrever- sível, toda a estrutura da sociedade humana" {página 199).

O que se demonstra à exaustão em Comunicação e cul- tura das minorias é que a voz e o movimento destas, es- senciais a um conceito contemporâneo de democracia, jo- gam-se na mídia num jogo singular de aparecimento e ocultamento. E fundamental é entender de fato o lugar que aí a mídia assume, o seu papel, como diz Raquel Pai- va, "de tamanha envergadura" que é capaz de "definir de maneira cabal todas as antigas mediações sociais".

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LIVROS

Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia Valério Cruz Brittos e César Bolãno Paulus 376 páginas, R$ 33,00

Os 40 anos da Rede Globo merecem mais do que mera comemoração. Merecem também um estudo crítico

como se propõe este livro, uma coletânea de artigos de acadêmicos analisando os pontos altos e baixos da história da emissora e de como ela se confunde com a construção da democracia nacional. Boa parte dos artigos, portanto, fala da relação delicada da emissora com os vários governos e de como ela construiu os parâmetros de comunicação no país. Editora Paulus (11) 5087-3734 www.paulus.com.br

Partidos e coligações eleitorais no Brasil Silvaria Krause e Rogério Schmitt (orgs.) Editora UNESP/ Fundação Konrad Adenauer 144 páginas, R$ 29,00

Neste momento de crise institucional, em que se fala a todo

momento da necessidade de uma reforma política dos problemas das coligações entre partidos, a Fundação Konrad Adenauer reuniu um grupo de pesquisadores para discutir o tema em profundidade. Entre os tópicos, a lógica das coligações, a análise comparativa das estratégias eleitorais nas eleições majoritárias etc. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional Gilberto Agostino Mauad/Faperj 272 páginas, R$ 38,90

A frase que dá título ao livro foi dita por Mussolini em 1938, não na frente de batalha, mas pouco antes de uma partida de futebol da Azurra. A pesquisa mostrar de que forma o jogo se integrou com os modelos e sistemas políticos, bem como sua participação nos processos de construção de identidades nacionais, em especial no Brasil.

Editora Mauad (21) 2533-7422 www.mauad.com.br

Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil André Stolarsky Cosac Naify 112 páginas, R$ 36,00

Um livro-documentário que traz a história da vida e da obra do homem que foi o grande pioneiro do design moderno brasileiro. O texto discute aspectos do desenvolvimento de seu trabalho e é resultado de longas entrevistas com o designer, que, aliás, participou do belo projeto gráfico do estudo. Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br

0 pacto imperial: origens do federalismo no Brasil Miriam Dolhnikoff Editora Globo 336 páginas, R$ 39,00

Um estudo histórico profundo e invovador sobre a passagem política do Império para a República.

Na contramão de antigas interpretações, Miriam Dohlnikoff mostra que a consolidação do Estado nacional brasileiro resultou de uma negociação, antes não explorada pela historiografia, entre as elites políticas das províncias e o poder central, então a Corte no Rio de Janeiro. Assim, segundo a pesquisadora, o arranjo institucional determinou a forma da Federação até a proclamação da República, em 1889. Editora Globo (14) 3767-1000 www.globolivros.com.br

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Sortilégios do avesso: razão eloucura

Ckr/ na literatura brasileira Luzia de Maria Escrituras Editora 320 páginas, R$ 16,00

Uma análise fascinante de como a loucura perpassa,

em diversos momentos, a literatura brasileira. Passando por Álvares de Azevedo, Machado de Assis, Coelho Neto, Lima Barreto, Autran Dourado, Renato Pompeu etc. entendemos a loucura ficcional. Editora Escrituras (11) 5082-4190 www.escrituras.com.br

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Sono

TONY MONTI

Dentro das gaiolas, as calópias dormem. Perkins, nos Procedimentos gerais, recomenda que se aproveite o tempo livre, quando quase nada acontece, para fazer as reflexões sobre o contexto e o observador. Tenho dormido pouco. As calópias estão mais previsíveis. Dor-

mem, comem e, cada dia menos, se reproduzem. De noite, separadas por grades, já não gritam como faziam meses atrás. O campus é enorme. As salas de aula, as bibliotecas e os restaurantes estão vazios e fechados. Um ou dois carros por hora. Poucas janelas iluminadas, não a minha. Há uma sala ao lado para o caso de precisar de mais luz. Aqui, penumbra, escuro para as caló- pias dormirem e claro o suficiente para eu tomar nota da evolução do treinamento.

O Procedimentos recomenda alongamento e pequenas caminhadas durante a noite. O Handbook diz que, na idade em que estão as calópias, abandoná-las por mais de quinze minu- tos é correr risco de perder o eventual momento em que o doppelt aparece (fascinante, sem dú- vida). As caminhadas tornam-se então bem curtas. Devido também ao sono, deixo de lado os exercícios. Sei, por experiência, que resisto bem com café e coca-cola. Dormirei às oito, em casa.

O que me desagrada é que os turnos deixam pouco tempo para minha vida social. Quando entro, às dez, há quem esteja saindo para um bar, entrando no cinema, trepando ou, se assim escolher, dormindo. O sono me pressiona fisicamente, me deixa cansado e de mau humor. Mas amanhã, quando acordar, é a vida social que me fará falta.

Enquanto dormem, é pouco provável que as calópias se sintam oprimidas pelas grades que as isolam. Durante o dia, o gradil todo aberto, circulam pelo viveiro. Algumas ficam paradas por horas, olhando, olhando. Não quero insistir demais no assunto, as calópias têm dormido muito, às vezes também de dia. Não há nada no Handbook sobre elas sonharem ou não. Dois artigos alemães recentes dizem que sim, mas a interpretação das medidas da atividade cerebral não convenceu toda a comunidade.

Preciso acordar, preciso comer. Na copa há um microondas. Coloco para esquentar, juntos, café e uma torta pré-cozida. Volto ao meu posto de observação. É onde acabo o lanche. Passo os olhos em todas, uma a uma, como instrui o Handbook. A calópia do cubo dezessete está de olhos abertos. Por que acordada? Seis meses sem nenhum doppelt. Pouco razoável que apareça um no meio dessa noite cansada. "... interrompe a cadência a nota mais tensa... a novidade da descoberta se manifesta tantas vezes no susto", lembro desse trecho do mesmo Perkins num en- saio polêmico, tão inspirador quanto pouco científico. Manter os olhos abertos, mesmo nas noites mais paradas (num tom mais próximo ao do Procedimentos).

Ela não se mexe. Nunca vi uma calópia dormir de olhos abertos. Se ela notar o pouco espa- ço e as grades, poderá gritar e acordar todas as outras. O preto dos olhos brilha na penumbra, é como se ela me olhasse. Se está mesmo acordada, é provável que me olhe, que me procure, apesar da visão fraca desses bichos. Devo torcer para ela voltar a dormir ou, pelo menos, ficar em silêncio. Sinto-me estranho. Aguardar que algo aconteça não me parece, agora, tão científi- co. Nas últimas duas ou três horas do turno meu humor vacila um pouco. Costumo me con- centrar para não menosprezar os detalhes enquanto repito para mim que, depois de dormir, a vida volta a ter sentido.

De olhos fixos na gaiola dezessete, reconheço que é estranho que a calópia não seja, como eu, um animal de olhos abertos na frente do qual passa um mundo (que ela seja mais mundo e eu mais consciência). Torço pelo seu silêncio, torço pelo seu sono, não há o que fazer, apenas

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ficar sabendo, anotar, organizar, classificar. "Dopadas e com quatro dos cinco sentidos diminuí- dos, suas unhas afiadas ainda apontam rápido para a região do corpo que for tocada' (do Hand- book). Observo e anoto. Escrever bastante ajuda a ficar acordado, atento ao que se escreve. Duas horas para o fim do turno, vou perdendo a curiosidade pelo doppelt improvável e ganhando cu- riosidade pelos motivos da minha espera. Será que não há mesmo o que fazer? A calópia me observa enquanto escrevo. Percebi um movimento acoplado de olhos e de cabeça quando virei uma página.

A fêmea da gaiola doze está doente há dias. Nada específico, está velha. Uns suecos, na festa de encerramento do último congresso, disseram que a carne das calópias tem seus apreciado- res no meio acadêmico. Invento um personagem, que não sou eu, para dizer que poderia expe- rimentar a fêmea doze, que vai mesmo morrer em uma ou duas semanas. E imagino, agora eu mesmo, que seria menos estranho comê-la que observar sua morte. Observar e tomar nota. As coisas acontecem, uma fêmea morre, alguém abre os olhos durante a noite, mas não grita, e as- sim não assusta quem dorme - e eu fico sabendo. Comer a carne seria mais ativo que esperar um doppelt, que ninguém sabe se acontece mesmo ou se meia dúzia de nórdicos beberrões o inventaram durante uma noite sem dormir.

Me perdi de cabeça baixa olhando o papel por dois minutos. Os olhos pretos da calópia me acompanham. Quinze minutos, é o que diz o Handbook. Melhor eu me exercitar, em menos de dez minutos retomo caneta e papel. Retiro a camiseta e inicio a seqüência curta de alongamen- tos. Sentado no chão, busco as pontas dos pés enquanto, tenho certeza disso, a calópia me olha. É bom sentir o chão gelado na pele nua das costas. Tendo sempre a interromper a série. Hoje o que eu penso é que eu queria levantar para perguntar baixinho para a calópia o que é que ela está esperando. Cada dia tenho um motivo. Eu não falaria mesmo com ela, mas a vontade de perguntar é verdadeira. Ou eu falaria, mais uma vez inventando um personagem, sem esperar de verdade uma resposta. Quero muito uma resposta.

Porque quando eu olho a calópia da gaiola dezessete, eu espero, apenas espero, que ela faça alguma coisa nova. É como se o mundo se mexesse de uns modos, às vezes de outros, e eu ape- nas olhasse, anotasse, organizasse, sem que tivesse escolhido muita coisa, sem que eu matasse uma calópia que vai morrer em duas semanas. Minha mão corre e guarda umas linhas no pa- pel porque não é possível guardar tudo apenas na própria memória, e assim o papel e meu cé- rebro se assemelham, e também minha mão que corre o papel com uma caneta. E é como se eu observasse minha mão correndo, como se ela também estivesse do lado de lá, no mundo, em frente aos meus olhos e aos olhos da calópia sem que eu escolha demais o modo como tudo se move. Ainda assim, sei que em algumas horas, logo depois de dormir, terei a sensação de poder escolher e a vontade de continuar organizando, classificando e selecionando como se as minhas mãos se movessem por minha exclusiva escolha e como se eu não estivesse apenas esperando que algo interessante apareça do nada.

TONY MONTI é autor de O mentiroso (7 Letras, 2003), coletânea de contos vencedora do Projeto Nas- cente (USP) em 2002. É mestrando em Literatura Brasileira e escreve regularmente em www.monti. blogger.com.br

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REGIÃO NORDESTE • Agroindústria de extração de óleos vegetais acessível aos agricultores familiares: gerando renda, novas relações de trabalho eambiente saudável. Fundação de Formação, Pesquisa e Difusão Tecnológica para uma Convivência Sustentável com o Serni-Arido CE • Banco PalmasAssociação dos Moradores do Conjunto Palmeira. CE. • Biodigestor coletivo para atividades produtivas sustentáveis em assentamento. Winrock InternationalInstitute for Agricultural Development. BA. • Cabrito ecológico da caatinga: uma opção promissora para o seml-árido. Embrapa Semi-Árído. PE.• Projeto Barriga Cheia. PrefeituraMunicipal de TeotônioVilela.AL.

REGIÃO NORTE • Confecção de órteses e adaptações em PVC tubular e materiais de baixo custo. Universidade do Estado do Pará. PA. • CredlSelva- Microcrédito para manejadores florestais. Associação Andiroba. AC. • Manejo comunitário de camarão de água doce. Associação dosTrabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas - ATAIC. PA. • Manejo de açaizais nativos de várzea para comunidades ribeirinhas do estuário amazõnico.Embrapa Amazônia Oriental. PA. • Viver e produzir na Amazônia. Associação dos Pequenos Agrossilvicultores do Projeto Reca. RO.

REGIÃO SUDESTE • A conciliação para a solução de conflitos familiares. TriPunal de Justiça de Minas Gerais. MG. • Café com floresta -Criando suficiência alimentar e biodiversidade ecológica. IPt: - Instituto de Pesquisas Ecológicas. SP • Computação para deficientes visuais. Núcleode Computação Eletrônica da UFRJ. RJ. • Conquista de terras em conjunto: a experiência dos agricultores e agricultoras familiares de Araponga - MG.Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araponga. MG.• Empório Solidário. Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento. MG.

REGIÃO SUL • Cultivo do camarão-rosa Farfantepenaeus Paulensis: Uma alternativa para geração de emprego, renda e produção de alimento nosul do Brasil. Fundação Universidade Federal do Rio Grande. RS. • Farmácia comunitária. Associação Paranaense de Ensino e Cultura. PR.• FootScanAge: um sistema computacional para apoio a neonatologia. Universidade Federal do Paraná. PR. • Metodologia Themis de acesso à justiça.Themis Assessoria Jurldica e Estudos de Gênero. RS. • Tatames especiais destinados a pessoas portadoras de deficiências múltiplas.Pequeno Cotolengo do Paraná - Dom Orione. PR.

RECURSOS HIDRICOS • Implantaçãode um consórcio intermunicipal para realização da gestão ambiental utilizandoa microbacia hidrográfica como unidadede gestão. Consórcio Intermunicipal de Gerenciamento Ambienta!. SC.• Lago de múltiplo uso para proteção ambiental. Embrapa - Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária. MG.• Rio Ecobarreira. Fundação Getúlio Vargas. RJ.• Sistema de captação e armazenamento de água. Instituto de Permacultura eEcovílas do Cerrado - IPEC. GO.• Sistema de reuso de água de lavagem de roupa em descargas domésticas. Universidade Federal de Mato Grosso. MT.

EDUCAÇÃO • Coleção de educação ambiental "Cartilhas dos jogos ambientais da ema". Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. SP• Conexões de saberes. Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. RJ. • Educação para os direitos - Escritórios populares de mediação. JuspopuliEscritório de Direitos Humanos. BA. • Pedagogia da roda. Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento. MG.• TV Janela. Instituto de Desenvolvimento Social. CE.

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE • Acolhida, acompanhamento e reinserção familiar da criança com direitos violados e prevençãodo abandono. Creche Comunitária Jardim Felicidade/Casa de Acolhida Novella. MG. • Educação para a cidadania. Fundação Cidade Mãe. BA.• Escola ambulante. Associação Beneficente Santa Fé. SP • Jovens comunicadores - O estatuto da criança e do adolescente pelas ondas do rádio. Centro dasMulheres do Cabo. PE.· Rádio novela educativa em defesa do direito da criança e adolescente. Centro Artístico Cultural Belém Amazônía - CACBA. PA.

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