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A Mais Pura Viagem - Marcus Mausan

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Esta obra é parte do Livro/CD de Marcus Mausan. Uma obra em que o Autor conta a história de K-mon, um peregrino que percorre num mundo de descobertas e sabedoria. O cd que acompanha a obra é a trilha sonora da História!

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Prefácio

O homem, ou qualquer outro ser, não escolhe se quer ou não nascer e viver em um determinado mundo. A verdade é que, não estando satisfeito no mundo em que vive, ele simplesmente morre de alguma maneira.

Estamos mais certos do que nunca que somos escravos de um tempo, de uma era, de uma vida onipotente e determinante.

Neste conto, poderemos imaginar definições sobre a simplicidade da vida e sobre como as coisas acontecem despercebidas quando estamos es-tressados, ociosos e ou ansiosos…

A maioria das pessoas que assim vivem sente um autodesprezo que so-mente o próprio ser pode se definir! As pessoas passam a ter: raiva, ódio de Deus, nojo do corpo e também da alma. Mas a vida não é feita para ser instantaneamente pensada, pois mesmo os loucos têm o direito de mudar suas ideias inúmeras vezes, para, então, aprimorar um pensamento, e, se quiserem, podem até mudar seu plano natural, ou, devo dizer, se seus com-panheiros derem esta oportunidade, visto que não é certo entre os humanos a possibilidade de mudança sempre que se está a desejá-la.

O senhor K-mon é uma das pessoas mais vividas do mundo, contudo,

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como ele mesmo costuma dizer, não podemos, nem conseguimos, relatar toda a nossa experiência num simples trato ou conto, como queira!

Sempre que contamos uma história, apenas fazemos uma síntese do que realmente aconteceu – segundo senhor K-mon –, e, por este motivo, o caro leitor terá apenas um quê de um dos acontecimentos e aventuras do senhor K-mon.

Tiremos proveito, então, desta fantástica história contada por este incrí-vel homem que durante muito tempo tem guardado seus segredos!

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Parte I

Saudações caros amigos! Eu me chamo K-mon e terei agora o enor-me prazer de contar-lhes alguns fatos da minha vida que se deram durante minha morada num lugar que, para muitos, é muito longínquo. Um lugar onde as pessoas viviam para a erudição, para o aperfeiçoamento da vida.

Eu vivia num quarto pequeno e desarrumado, que dividia com três ou-tros de minha espécie. Apesar de toda discrepância da situação organiza-cional de nosso refúgio, nós conseguimos alimentar bem nossas mentes e nossos espíritos.

Todos sabem que uma vida coletiva é uma salsada de coisas. Assim é que nós, além de fazermos um campo de concentração mental intenso, aproveitávamos bem o lado errôneo que a natureza costuma propor. Certo estou que nós costumamos aderir aos erros como se fossemos fantoches de uma força enigmática.

Este lugar a respeito do qual derramo estas palavras continha a essência do saber que vinha das entranhas da terra. Respiravam ali pessoas de ambos os sexos, que externavam inusitadas índoles. Era comum ver uma vadia nua correndo nos corredores e ansiando entregar-se para o primeiro ser do sexo oposto que encontrasse e, às vezes, até para outro bicho humano do mesmo sexo. Os vadios também eram muitos, com as manias nem sempre todas explícitas. Havia também os quietos e os invisíveis (força de expressão, pois

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sem vê-los, não poderia eu aqui a eles fazer menção). É muito provável a curiosidade das pessoas de querer saber onde fica

este lugar que descrevo, mas, por senso de oportunidade (melhor seria dizer de seu oposto), não devo dizer.

Voltando à vaca fria, lá, no que devo chamar Eterna Casa, nós precisáva-mos de muita força espiritual para aguentar toda a espiritualidade presente; era muito forte! Os que lá estavam eram pessoas que haviam sido presas por muito tempo em suas casas por suas famílias ignorantes e inconsequentes, por isso, tanta perturbação! Muitos extravasavam seus sentimentos com prostituição, drogas e loucura mesmo! A mensurar pelo alto nível de sa-piência, todos que ali estavam eram gênios!

Verdade é que todas as coisas boas e ruins ali estavam. E, quando dali saia um, sabia-se que este estava pronto para qualquer missão na vida.

Durante o tempo que passei na Eterna Casa, aconteceu algo muito estra-nho comigo! Um sentimento doentio e psicótico, algo que eu não consigo explicar… Só sei que senti por muitas e muitas vezes… Era como se eu estivesse preso na minha própria mente. Eu comecei a ficar louco! Acho que foi o excesso de tudo! Tudo me causou estresse e ansiedade… Então chegou o dia em que eu realmente não suportei e enlouqueci! Eu dizia para as pessoas que estava louco, e ninguém acreditava, pois, apesar de tudo, eu não conseguia transparecer minha loucura que, silenciosa, encontrava-se somente dentro de mim. Mas eu sabia que estava louco! Totalmente louco!

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No inicio da loucura, passei três dias deitado, passando mal e sem con-seguir me levantar, até que decidi internar- me num hospital de loucos.

Quando cheguei ao hospital, o médico me pediu para que eu falasse um pouco da minha vida. Falei tudo sobre mim.

– Quem eu sou? Ah… isso é segredo! A única coisa que posso dizer é que eu sou um gênio! O pior de tudo é que ninguém acredita nisso, ainda!

Bom, sei que durante todo o meu alvoroço ao falar sobre minha vida, o doutor me freou:

– Pare! Tenho uma solução para você!Então eu indaguei:– Qual, doutor? – Tome essas pílulas todos os dias durante um mês; depois volte aqui.É claro que eu fiz, mas já não aguentava ficar tanto tempo dopado, como

se fosse um debiloide!Mas, enfim, um mês passou, e eu voltei ao médico. Ele me perguntou

como eu estava, ao que retruquei:– Muito bem! Mas a voz debilitada contradizia as palavras. Ele me examinou, aconselhou e, percebendo a melhora, liberou-me.

Não obstante, mais remédios! Logo que o sol passeou quatro vezes pelo arco celestial, os remédios desceram à lixeira! Certo é que esses remédios são mais alucinógenos que qualquer droga pesada! Sendo assim, decidi embria-

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gar-me de vez! Bem muito! Parecia o primeiro ato sexual, a maior fantasia do mundo. Mas logo caí num sono profundo, que me deu de presente um sonho um tanto estranho.

Naquele devaneio, via-me num lugar meio deserto com alguns amigos os quais nem eu mesmo sabia quem eram! E… de súbito, aparece um ame-ricano, sem saber falar direito o português, embora tenha eu conseguido traduzir tudo o que ele falava. O mais interessante é que eu não sei falar inglês! Ele me chamava de Jacobel. Eu não entendia o porquê! Eu enfatizava e insistia que meu nome era K-mon, contudo ele insistia, apontando em minha direção e falando de forma estranha:

– Mas, aqui jaz Jacobel! Preferi não entender.O que aquele estranho queria era saber a direção que o levaria ao Rio de

Janeiro. Não sabendo onde estávamos, perguntei a um homem que coçava a barba longa e suja dentro de um caminhão velho e cinzento parado perto de mim. O tempo não passou, e, se passou, não me dei conta do fato, mas estávamos eu e o dito americano já num posto de gasolina a abastecer um carro cujo dono não me era conhecido mas que certamente permitia o uso. Os sonhos têm dessas coisas…

Descobrimos então qual era o caminho e ele fez questão que eu fosse junto! Durante o trajeto, perguntei se ele era mesmo americano, e ele res-pondeu categoricamente com um “Yes, I am”, porém com um ar de quem

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estava mentindo. A verdade é ninguém lhe podia crê, e, até num sonho maluco, eu juraria que o homem era latino. Bem, conversa vai e vem… Quando me dei conta já estava muito longe, em direção ao Rio de Janeiro! Como não estava interessado em viagens para o Rio de Janeiro com ameri-cano nenhum, gritei, então:

– Preciso voltar! O estranho insistiu, argumentando que a viagem seria muito interes-

sante e que eu não me arrependeria… Decidi não ir. Não sei por que não fui. Nem sei por que estou contando este sonho! Mas já que comecei, vou terminar. O fato é que este sonho é apenas a estrada para a história que mais adiante contarei. Ainda no sonho, quando decidi voltar, aperreei-me por motivos como saudades de pessoas queridas. Foi nesse momento que saltei do sonho e percebi que fora um dos sonhos mais idiotas e mais in-críveis que já tive, pois com ele eu pude refletir sobre situações que só eu sei! Não existem coisas que, sem sabermos explicar, acreditamos serem tão significativas?

Quando dei por mim, estava deitado na minha cama, ao lado da grande janela que me fazia sonhar acordado… Pensei: “Vou embora! sem rumo, com o meu violão!”.

Coisa absurda, e estupenda, fora o fato de ter eu acordado falando in-glês, aptidão que nunca tivera, mesmo depois de tantas tardes consumidas diante de um sem-número de palavras e estruturas, estas que, muitas vezes,

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pareciam-me sem sentido! Ainda confuso com os eventos improváveis dos quais eu era a personagem principal, comecei a expor todo o meu senti-mento, todos os meus dons musicais e poéticos, e compus várias músicas na língua cuja ciência fora dádiva de quem não sei. À primeira, chamei-a “Chains”.

Chains

Chains in my handsIn fact I need much moreTo love youOh my lifeSo give me A chance to be trueI will love you

Mal um cometa rasgou o espaço de uma milha nalgum canto do uni-verso, virei o rosto e olhei para a minha grande janela. A inspiração me visitou novamente, antes mesmo de eu sentar em minha cama, onde pude contemplar a poesia que das minhas mãos escorria para o papel amarelado e um tanto roto em minha frente.

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The Cage

In a cageI amAll the parts are confusedEveryday I’m hereAll dayIn the confusion of mindA sign shows me, there through the windowA big world that I want to conquerNow I’m going goingTo show everything that I knowTo show my spirit Yes I know I don’t care I will disappear

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Parte II

Logo após meu surto pós-sono, vi-me atordoado e com pensamentos extremamente distantes dos convencionais. Meus pés e mãos suavam frio e a minha cabeça criara um tumor imaginário e hipocondríaco.

Não perdi mais tempo e resolvi andar, andar e andar. Comigo levei so-mente meu violão. Não é necessário dizer que me acompanhou também a roupa do corpo. A cada música que eu tocava, imaginava quatro ou cinco amigos me acompanhando. Uma verdadeira banda! Um grupo musical bri-lhante que expressava um oceano e meio de sentimento. Por mais que eu não soubesse tocar bem, ainda assim, achava-me estupendo! Era a música pulsando no meu interior. Era o ofegar das notas, que dançavam num rit-mo celestial. Era incrível como eu conseguia captar tudo aquilo no ar. Era mesmo a voz de Deus!

A música está em toda parte do universo, e nós é que precisamos des-frutar o que acontece e assimilar bem para expressar para o mundo. Se não precisarmos mostrar para os outros, guardamos somente em nossas cabe-ças. Mas creio que todo ser humano tem a necessidade de mostrar sua arte, embora nem sempre se acredite na própria criação. Esta arte que nos acom-panha é o vulto de Deus!

Violão comigo, saí cantarolando, sem pensar no quão improvável era a aventura em que me metera. O violão era meu único companheiro naquele

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momento, embora me seguisse a fantástica presença imaginária da minha banda.

Quando eu estava saindo da Eterna Casa, os companheiros da casa per-guntavam:

– Aonde estás indo, K-mon? Você não pode sair assim, sem permissão!Ao que retruquei:– Andar, andar e andar. Vou descobrir o que pode o mundo me mos-

trar, até onde eu aguentar! Posso passar um ano ou mesmo uma eternidade nesta viagem, mas também posso passar somente um dia. Tudo dependerá da minha disposição! Não sei! Só sei que estou indo e não sei quando volto! Adeus companheiros!

Ninguém acreditou que pudesse eu realizar o que acabara de dizer. Isso, porém, não fora suficiente para que deixassem de existir sérias preocupa-ções comigo, pois todos sabiam do meu estado psicológico.

Deixei tudo para trás, toda a vida que vinha construindo. Tudo para en-contrar a natureza. Era da natureza que eu precisava! Mas, antes de chegar ao primeiro ponto florestal, passei por vários pontos da cidade. Maceió era o nome da cidade em que eu estava, na Eterna Casa.

Na minha caminhada, passei por altos e baixos. Na minha vida, tam-bém! Acredito que esta proporção se perpetuará por um longo tempo, visto o estado espiritual no qual me encontro.

Como eu passei muito tempo enclausurado na Eterna Casa, não me

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lembrava do quanto era notável a desigualdade social nas ruas de Maceió. Tudo me vinha como uma descoberta, como algo que eu não conhecia.

Seguindo na minha caminhada, algumas pessoas me reconheciam e sa-biam que eu estava aprisionado na Eterna Casa na condição de aprendiz. Muitos queriam saber se eu já estava livre da Eterna Casa, outros pergun-tavam para onde eu estava indo. Eu já estava “famoso” por conta dos meus delírios e, assim, as pessoas se preocupavam comigo. Eu até dizia que estava em busca da verdade sobre mim e que esta verdade só encontraria na na-tureza. Mas eles não criam na minha verdade. As respostas à incredulidade alheia me vinham em forma de canção:

High and Low

High and low…Following the wordsAnd following the streetHigh and lowYou don’t believe meThe words that I saidSo, high and lowHigh and low

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Parte III

As pessoas que ali estavam me escutavam atentamente e, depois do meu canto, calaram a boca e apontaram seus olhos em minha pessoa.

Continuei andando sem rumo, e o que encontrei foi nada mais nada menos que a minha casa de novo! Não pensei nada e já cheguei à evidente conclusão: estava eu andando em círculos! Já não duvidava da minha lou-cura. Doravante minha ignóbil mente estaria ficando pior a cada momento vivido.

Parei um pouco. Pensei… Resolvi prosseguir… Decidi ser dono de mim e me livrar do enxerido destino que me levava de volta a casa. Não seria um fantoche daquela biltre atitude novamente. Pus-me a andar… Lembro que eu já tinha passado mais ou menos umas vinte quadras, até que avistei uma casa enorme, velha e abandonada, de cor verde e branca. Inicialmente, eu me assustei coa casa, devido ao apito que lá vibrava. Sim, o apito! Aparen-temente não havia ninguém lá, mas o apito berrava sem se cansar. Curioso, quis saber mais sobre a casa. Um homem velho que por ali passava contou-me que não entrava ninguém naquela casa há anos! Pensei: “Como pode este apito vir de lá?”. Disse-me o velho que há vinte anos ele morava por lá e desde sempre o apito não parava de soar.

– Nossa! – disse eu. – É incrível como ninguém tem a coragem de entrar nesta casa e ver o que acontece! Tudo bem, então chamaremos esta casa de

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“A Casa do Apito”! O senhor riu-se da minha cara, balançando a cabeça, e seguiu seu rumo! Tomei também minha direção, sem vacilar… Fui passando por ruas e

ruelas. Fui observando as pessoas que por mim passavam e constatei que perante a visão do povo e de Deus, o maior, melhor ou mais belo, é que se sobressai. Mas qual seria o segredo da conquista?

Uma das ruas mais interessantes que eu pude observar na cidade foi a Rua das Árvores, que deve seu nome ao grande número de árvores que lhe acompanha da cabeça até os pés, numa extensão que não passa de mil metros. As árvores são gigantes e velhas, são lindas pela idade. Camelôs, transeuntes, pedintes, ladrões, carros, carroças, bicicletas, frutas, ervas, bu-gigangas, odores e berros se misturam. Para mim tudo aquilo era lindo! Uma natureza totalmente urbana. Contudo não era ainda o que eu queria como alimento para a minha alma.

Subitamente, escuto um som belíssimo de cravo, acompanhado por ou-tros instrumentos que não pude identificar bem, mas sei, por ali tinha uma percussão. Era uma harmonia simples, com uma belíssima melodia, algo típico de música antiga. Acho que aquele som desfilava nalguma das casas antigas que havia por ali! Soube que morava por lá uma velha senhora que gostava de tocar ao cravo músicas como a que ouvi.

Nunca pude saber ao certo de onde jorrava aquela música, entretan-to, naquele momento, senti-me realizado, pelo prazer da audição que me

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transmitia a luxúria dos sons e das majestosas árvores. Um redemoinho de sentimentos passeou em todo o meu ser e transpirou através de meus dedos no violão em uma canção a qual me fez sentir um não sei que de regozijo, que se via pela porta aberta de meus olhos fitos no alto do firmamento.

A rua das arvores (instrumental)

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Parte IV

Depois de quase uma hora com minha mente estupefata e meus olhos petrificados, resolvi desnudar-me de um trocado que dormia em bolso e, ali mesmo num boteco da Rua das Árvores, comprei umas bolachas e cinco garrafas de vinho tinto. Vinho do Frei com bolacha, Vinho Gengibre com bolacha, Dom Bosco com bolacha: a flor fina dos manjares!

Fui bebendo aos poucos para não gastar tudo de uma vez. Andei em passos lentos como se apreciasse cada palmo da calçada mal conservada onde bêbados e vagabundos muitas vezes caem no fim do dia! Antes que andasse cem ou duzentos metros, o vento atira em minha cara um tíquete de trem, que alguém perdera no ruge-ruge daquela rua!

Após tentar encontrar, sem sucesso, o dono do bilhete de trem, o que me trouxe algo de tristeza, decidi encontrar outra coisa: a estação do trem. Esta sim seria mais fácil de topar, embora as informações fossem desencontra-das, o que me fez andar de um lado para o outro como um pobre diabo que o vento leva onde bem entende, se se pode afirmar que o vento tem discer-nimento. O “siga em frente” de um, o “vira à esquerda” de outro, o “não sei, mas acho que é para lá” de mais um, tudo me confundia mais e mais e só piorava meu estado psicológico já abalado, como já é sabido. Por fim, algo dentro de mim se opôs a qualquer manifestação externa e me disse:

– Siga seus pés e não olhe de lado.

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Eu já morava há algum tempo na cidade, mas não conhecia quase nada dela, pois eu estava enclausurado na Eterna Casa. O lugar que deveria me fornecer conhecimento e engrandecer-me como ser humano me fez louco!

No meio da minha caminhada encontrei a linha do trem e caminhei com ela até a estação. No meio do caminho, arrepiei-me demasiado quando o “pã-pã-pã” de um trem velho da cor de ferrugem me avisou que eu tinha apenas um punhado de segundos para salvar minha vida! Se o trem fosse uma cobra, ter-me-ia picado facilmente. Pulei para fora da linha, enquanto meu violão atordoado rosnou qualquer coisa.

Recobrado do susto, corri à estação, receoso de perder o trem, pois não sabia qual era o último daquele dia. O sol já se preparava para o descanso, e eu precisava tomar meu rumo, o qual me fora dado por aquela borrifada de vento, momentos antes, na Rua das Árvores, quando o bilhete de trem grudou em minha face.

Também me preocupava o fato de no bilhete está escrito “16h”, o que me fez correr ainda mais, pois o tíquete poderia perder a validade caso eu não tivesse chegado a tempo de tomar o trem das referidas horas.

Já na estação, a atendente me tranquilizou ao informar que ainda falta-vam quinze minutos para a partida e que eu não precisava me preocupar com o tíquete, pois era apenas uma contribuição para a manutenção da es-tação e que, mesmo sem nenhum bilhete, ainda assim, eu poderia embarcar.

– Aonde leva este trem?

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Ao que a moça da companhia me respondeu: – Ele passará por muitas cidades e condados, mas o fim da linha é na

pequena cidade de Rio Largo. Mas cuide de ir logo, porque este é o último do dia.

Minhas pernas mal esperaram o agradecimento pela informação da gentil madame e puseram no meu posto de passageiro.

– Até outro dia senhora. Talvez demore a eu voltar aqui, pois de lá segui-rei meu caminho pela primeira floresta que eu encontrar!

E ela balançou a cabeça sorrindo:– Acho que você é louco! – Sim, sou louco! Mas jamais perderia esta viagem! Saltei no trem que já largava e cantarolava a mesma canção de todos os

dias. Meu violão estremeceu no balanço do comboio e soou qualquer coisa. Olhei para ele, toquei uma corda suavemente, e ele:

– Hei, K-mon, cante para o nosso trem!

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Last train to Rio Largo

Last train to Rio LargoI know what I wantSome people are dying for loveSome people are stealing my money, Oh No!Last train to Rio LargoAmong the river and the mountains The old train is stronger on the tracksMy poor people listening to the sound Oh… The train to Rio Largo Oh is never late And drink the water of the lagoon

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Parte V

A viagem toda foi uma viagem!, se me permite o leitor manipular as palavras desta maneira, coisa que me agrada bastante, porque me liberta da linguagem seca da denotação. Last Train to Rio Largo entrou bem por ou-vidos alheios, que, aos pares e enterrados em cabeças velhas e novas, subiam e desciam em lugares vários naquela tarde que quase já era noite. Os mais velhos pareciam mais atentos à minha canção, enquanto os jovens se recrea-vam com toda espécie de coisas que atrai esta sorte de gente. Uma senhora, a mesma que me soqueara com o cotovelo enquanto subíamos apressados no trem e não se dignara a pedir-me desculpas, deu-me um trocado, poucas moedas, como se houvera eu pedido algo que fosse pela música que meu violão e eu executamos. Não pude evitar que a senhora fizesse aquele gesto, já que ela voltara a seu lugar em tempo mais breve que um instante. Ou-tros passageiros repetiram a gentileza daquela senhora de face deteriorada pelo tempo. Nunca soube se o fizeram por gostarem da minha arte ou se queriam mostrar ser gentis como a senhora. Uns que ofertaram quantias maiores pareciam exibir a oferenda ao colocarem lentamente o dinheiro perto de mim.

O caro leitor, sabendo que não solicitei dinheiro algum pela execução da minha arte, quererá perguntar-me se devolvi as ofertas. Eu, entretanto, pergunto antes: “Você o faria?”. Poucos homens devolvem dinheiro. Não sei

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se estou entre eles, mas naquele dia não estava. Percebi que minha arte tinha poder: o poder de tirar das pessoas aquilo que elas mais amam, isto é, a pe-cúnia. Neste momento pude sentir o brilho da embófia que surgia em meu humilde espírito. Tudo isso eu sentia simplesmente por ser conhecedor da situação que para mim sempre significou um quimera.

Algumas pessoas ficaram meio desconfiadas, pois eu estava um tanto quanto alcoolizado, depois de ter bebido mais de duas garrafas e meia de vinho, tempo em que já chamava José de Genário!

Com níquel já o bastante para duas garrafas dessas bebidas com um san-to popular no rótulo, desci daquele trem cinzento crente de que, por mais injusto que o mundo possa ser com certos profissionais, todo artista pode, de seu ofício, colher ao menos o da bebida que o faça esquecer seus males e o ajude a ver o mundo de maneira menos material.

A cachaça já me aguardava num bar pertinho da estação, quando o ti-lintar do níquel não se ouviu nos meus bolsos. Meti a mão na algibeira, e só peguei o vazio do furo que, sem nenhum remorso, pois fim à pretensão da aguardente de por mim ser tragada no pôr do sol daquele dia infrequente. Que pena!

Viagem de trem é sempre interessante para quem nunca teve sequer uma fotografia sua sacada com um vagão como pano de fundo. A viagem me fascinou demasiado. Logo que se sai da estação, varando Maceió em trilhos gastos, percebe-se, no tumulto de pessoas, os efeitos da “feira da

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troca”, onde também se vende. Ali, muitos comerciantes alienam produtos de todas as espécies e procedências. Já ouvi dizer que vendem até camisinha usada! Claro está que não me refiro a camisetas infantis…

É muito engraçado o percurso do trem, pois, no momento em que ele passa pela feira, muitos dos negociantes da feira desarmam suas tendas e correm para os lados, pois grande parte dos pontos de vendas ficam exa-tamente no meio da linha do trem, por falta de espaço por entre os lados. Assim é que, quando escutam o apito do trem, os camelôs desarmam tudo em grande velocidade para abrir alas para o trem. É incrível!

Logo após a cena descrita, o trem entra numa favela onde crianças brin-cam nos trilhos e só são incomodados pelo comboio quando este está muito perto. Os moleques correm rindo e pinoteando, sem se darem conta do perigo da brincadeira em local tão inóspito. O trem segue e passa por um lago, que, aos olhos de um artista bêbado, exibia alguma beleza. Outro lago nos observa mais adiante, mas não lhe dei nenhuma atenção e, se dei, dele não lembro o nome, por causa do vinho.

O trem corre, corre. Alguns passageiros agora dormem. Pela janela, veem-se grandes vales, montes e territórios exóticos. Observo comunida-des de rostos diversos. Uma plaquinha me conta que passamos por Fernão Velho, enquanto o vinho tomado me faz divagar sobre quem fora e como vivera a pessoa que emprestara o nome àquele lugar.

Enfim, chegamos em Rio Largo. Fiquei impressionado! Como aquela

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cidade é bonita e encantadora! Tem tudo de que precisamos! Quase sem explorar a cidade, segui em frente e peguei logo uma estrada

estranha que dava numa grande e maravilhosa floresta. Lá consegui ouvir o som do sapo na lagoa, ou, devo dizer, no brejo. Já não consigo informar muito bem, pois, a essa altura, estava altamente embriagado e cercado por bichos rezingueiros. Eu ali, crente que os besouros e mosquitos eram cor-de-rosa, que as mutucas eram broches enviados por Deus e que os vagalumes eram ETs. Era aí que eu parecia néscio e pacóvio. Já não respondia mais por mim!

Houve um momento em que eu ouvi um uivado, mas não era de lobo, era de besouro! Sim, um besouro! Algo me lembrou o besouro de Kafka. Então resolvi tocar mais e ignorar todo o medo contido no quengo! Co-meçou a anoitecer, e eu, num momento de reflexão, pensei, então: “O que estou fazendo?”.

Viandante cada vez mais, numa expressão vigorante, eu pulava, sorria e dançava como um louco, expressando, como sempre, desassiso e alarido em demasia, com minha banda imaginária.

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Darkness

The moon is there in the SkyAnd the sun said goodbye The trees around me Don’t speak about tomorrow And I’m going though the streetWith my soul and my guitarDarkness oh, oh, oh…Darkness oh, oh, oh…Without fear Without guns And I want more wineAnd I’m walking through the streetWith my soul and my guitarDarkness oh, oh, oh…Darkness oh, oh, oh…

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Parte VI

Naquele estágio da minha aventura, fui cantarolando durante todo o percurso, enquanto adentrava àquela floresta por mim desconhecida. As picadas dos mosquitos e de outros bichos que nem sei ao certo seus nomes não me incomodavam mais, pois a minha embriaguez era tamanha, tão muita, que não me deixava perceber bem todos os meus sentidos.

Num ponto especifico da floresta eu pude avistar uma trilha de pouca abertura, era notável que algumas pessoas passavam por ali, o que me indu-zia de alvitre a seguir aquele caminho. A mata era bem fechada e os galhos de arvores assaz me interrompiam durante a passagem d’alto da cabeça.

De quando em quando, eu percebia o quanto já tinha andado, o quanto já estava cansado e embriagado, mas não desisti de andar, pois sabia que, com mais algum esforço, chegaria num bom lugar para ficar.

Caído ao chão e fitando o belíssimo azul do céu, percebi o amanhe-cer como nunca o fizera. E pensei de Deus o que surgia d’alma: “Far-me-á vencer!”. Pensava na vida e em toda a dificuldade que ela propõe para nós. Mas… otimista!

Após a reflexão somente a mim cabível, andei mais um pouco e en-contrei um vale com enormes pés de eucaliptos e o chão coberto de folhas secas. Mais à frente, uma belíssima torrente que não sei de onde vinha, nem para onde ia. Separadamente, um pouco mais distante, um belíssimo lago,

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onde sentei e fiquei descansando por um bom tempo. Um momento sacro é o que posso dizer. D’água me fiz jovem; da escusa, engrandecia-me de divindade, aos últimos goles de vinho que restou na quinta garrafa. Daí, veio-me a percepção de que não parei de me movimentar nem de beber a noite inteira!

Se não me trai a memória, descambei ao chão de novo. Não demorou muito, ouvi vozes, que diziam:

– Levanta homem! Vai a busca de mais vinho! Os tocadores da floresta podem te ajudar! Eles têm tudo aqui! E mesmo que não te tragam vinho, terás o prazer de apreciar a verdadeira cor do céu!

Nossa! Acordei como um louco no meio do nada! Ou terá sido no meio de tudo?! Não sei exatamente o que estava sentindo; só sei que tudo aquilo que sempre sonhei encontrar estava sendo vislumbrado por mim, em todo aquele momento encantador, de plenitude com a natureza. Então fiquei cer-to de que basta almejar qualquer conquista na vida para poder consegui-la. Ainda assim, eu queria mais! E, com aquele sol que batia em meu rosto, não dava mais para esperar.

Levantei e meti a face no pequeno lago para tirar-lhe a terra acumula-do do dia. Comi as bolachas que restavam no meu bolso da calça e segui caminho…

De onde estava, eu podia avistar outra mata fechada, bem maior do que a antes encontrada. Logo pensei: “Se eu ouvir novamente aquelas vozes di-

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zendo que eu poderia conhecer muito mais nesta floresta, será uma festa!”. Sem parar momento nenhum, segui durante cinco horas, cálculo que

o quengo fez por sua conta, já que não havia relógio ali. O álcool já tinha saído pelo suor e eu já estava de cara novamente. Digo de “de cara”: com sede e fome.

A minha única esperança seria encontrar uma casa ou uma pessoa qual-quer. Já me sentia totalmente perdido e sem muita perspectiva diante de tudo aquilo que para mim era estranho. O desespero vinha de mansinho e com o intenso calor comecei a delirar e gritar por bardos! Talvez somente criaturas trovadoras das florestas fossem as portadoras da minha felicidade, pensava eu. Quiçá eram delas as vozes que eu tinha ouvido outrora.

Estes pensamentos me deram forças. Saquei meu violão e, com minha banda imaginária, comecei a tocar e cantar.

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A Mais Pura Viagem

After Midday

After middayI’m hungryAnd the way that it’s overJust as I amSo empty in lifeEmpty without love to loveInto the forest Meeting the bards Searching for the bottle I no longer want anything to eatBut empty in life Is the same empty forever Without love to loveIt’s all that I know now

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Marcus Mausan

Parte VII

Cantei até cansar, depois do que olhei para um lado e para outro, sem vislumbrar nada do que buscava. Somente a natureza era minha amiga. Pa-recia tudo muito ruim e, relativamente, era, realmente, muito ruim, se me permite o leitor dizer dizeres desta maneira. Hoje, no entanto, sei a impor-tância de toda aquela cena de fantasia e magia, pois, apesar de não ter tido grandes regalias na floresta, tive contato direto com Deus, um verdadeiro engrandecimento d’alma. Oh Deus, como é linda tu’arte!

Muitos animais silvestres, dentre eles, raposas e gatos do mato, abeira-vam-se a mim. Todavia somente as cobras me arrepiavam os pelos e a alma, talvez por ter eu, na infância, acreditado que estes viventes longos e astutos foram criados pela mente de Satã, como me diziam alguns adultos, em suas historietas infantis. Quando avistava ao longe as ditas criaturas, punha-me quietinho, até elas buscarem caminhos diversos do meu.

Não longe passavam os dias, eu já forte não era! Precisava fazer algo, ter uma grande atitude para manter o corpo em pé! Era hora de optar pela a famosa lei da natureza. De água estava fácil; de frutas, nem tanto. Sem mui-to conhecimento do que poderia comer ou não, decidi não arriscar muito nos frutos, e, como precisava de proteínas, achei que poderia matar algum animal com que me alimentar.

O primeiro bicho imprudente que meus olhos famintos entreviram foi

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A Mais Pura Viagem

uma rolinha, que, por ter feito um ninho muito baixo, facilitou a captura. Eu, com minha jactância, agarrei-a com ninho e tudo, matando, assim, um dos dois filhotes esmagado. A visão do filhote esmagado enojou minh’alma, e o remorso que tomou conta de mim devolveu a liberdade à rolinha. Co-loquei o ninho no mesmo lugar e desejei que a mãe voltasse o mais rápido possível para cuidar da cria que sobrou.

O assassínio do plumoso piorou minha situação, pois, até então, eu es-tava bem conectado com Deus. Talvez o desvio inebriante do álcool tivesse me colocado em uma situação não muito favorável a delicadezas. A fome continuou, mas o que mais pesou foi a consciência. Tão pérfido e desgos-toso me senti, por ter obrado como um predador. Isso destoava da vibra-ção do momento. Porém acredito ter sido tudo isso necessário para o meu aprendizado.

Não demorei muito e comecei a comer folhas das árvores, sem pensar no perigo que algumas deitam em suas entranhas. O alimento, entretanto, fez-me elevado bem, o que me permitiu andar meia hora e encontrar uma goiabeira donde pululava um sem-número de frutos. Antes que um relógio que ali estivesse comesse um quarto de hora, devorei todas as goiabas que pude, sem observar que engolia os frutos como o mar engoliu os homens no tempo de Noé! Agradeci muito a Deus! Um verdadeiro apanágio divino, que, de certa maneira, foi por mim considerado desmerecido.

Com a grande saliência abdominal que acabara de ganhar, segui minha

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trilha, de cabeça erguida e satisfeito, como se tivesse saído de um restau-rante fino.

Com trinta e cinco ou quarenta minutos de caminhada, a floresta co-meçou a se abrir… de forma que os vegetais lenhosos iam se afastando uns dos outros e uma fonte de vida humana começava a se tornar evidente. Ah… Os bardos?! Eram mesmo uma ilusão! Pelo menos nesta floresta. Mas neste local existia uma fonte suprema de energia que se apresentava a mim com todo esplêndido glamour! Era incrível como aquilo acontecia! Como eu pude vivenciar tantas coisas ao mesmo tempo! Era o encontro do rio com o mar! Foi isso o que vi! Não sei que rio era aquele, nem que mar! Mas era lindo! Além, é claro, de todas aquelas rochas brancas e enormes que se introduziam nas águas, como se fizesse parte do casamento da natureza.

O capim parecia um gramado bem cuidado, a areia era bem alva e mui-tas das pedras pareciam rubis e diamantes.

Foi o momento de maior reflexão de toda a aventura. Um momento ímpar, um ponto alfa!

O meu violão já estava todo arranhado e um tanto quanto destruído pela viagem. Não obstante, toquei para os Deuses tudo aquilo que eu sentia, enquanto pensava num grande amor que um dia por mim foi vivido e que ainda estava muito forte dentro de mim.

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A Mais Pura Viagem

A wedding of the god

Stand up and fight my cherished one‘Cause I’m going thereThe stones in the water are hereBetween the river and sea Like a wedding of the godAnother wave comes through Into my life

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Parte VIII

Mais que de repente, no tempo de um raio que desce da obscuridade de nuvens cerradas e assusta crianças, mulheres e homens de todos os tama-nhos e de todas as gentes, tive uma visão estranha, como se estivesse num lugar desconhecido, e minha imaginação aguçava uma música estranha aos ouvidos. Tudo era muito exótico. Tive um déjà-vu. As imagens e sons que deslizavam em minha cabeça, embora me fossem pinceladas um tanto sur-reais, remetiam-me a um lugar chamado Lago da Perucaba, que outrora visitara, na cidade de Arapiraca. A imagem do lago e a música surgiram em minha mente como num sonho. Aquela sensação sombria que sinto em muitos sonhos e devaneios.

O Lago da Perucaba (instrumental)

O casamento de Deus e, posteriormente, a força da minha imaginação me proporcionaram a vivência, a liberdade, a felicidade!

Caí nas águas do rio de boca escancarada para beber tudo que podia, mas quase me afogo de tão afoito que estava. Depois, deitei na margem para um descanso, e o sol já estava se pondo.

Quando abri os olhos já estava amanhecendo o dia seguinte. Eu estava certo de que já não precisava de mais nada, pois já tinha sentido a total

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A Mais Pura Viagem

energia cósmica em meu ser. Para mim, foi a mais pura emoção que um homem pode obter, a mais pura viagem!

A mais pura elevação está presente no próprio ser. Por isso é tão difícil de explicar.

A partir deste momento, decidi voltar para casa. Já era suficiente o que acabara de viver em minha viagem. Já não era mister a peleja da vida, na minha concepção. Tudo isso, pelo simples fato de que fui ao encontro da fonte da simplicidade!

Não é preciso está num lugar como aquele para sentir o poder do cos-mos. Nem mesmo ir tão longe para encontrar respostas sobre a vida. Basta encontrar em seu próprio eu. Este é o segredo! Aprendendo inteligentemen-te com os próprios erros e sabiamente com os erros dos outros. Procurando sempre a felicidade no que há de mais simples. Viver bem é simplesmente viver com simplicidade!

Muito conforto veio a mim através dos meus pensamentos nessa hora. Então, procurei o caminho de volta para casa. Todas as lembranças vinham à tona e sentia um desejo enorme para desfrutar de tudo que eu tinha dei-xado para trás.

Pelos meus cálculos, já passava das nove horas, pois o sol já estava um tanto forte. Com mais ou menos umas duas horas de andada, encontrei uma estrada de asfalto. Isso me fez feliz, pois sabia que logo poderia obter uma carona. Mas o tempo passava e nada de passar carros ou qualquer tipo

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Marcus Mausan

de transporte. Ali, somente árvores e eu. A pista deserta. A imagem daquele lugar era linda, uma obra de arte! Aos meus olhos, uma belíssima tela feita por um artista estupendo!

De repente se aproxima um caminhão, tão enorme de tamanho quanto de imundície! Acenei pedindo carona, porém aquele amontoado de ferro passou tão violento que quase me esmagou no meio da pista!

Com mais uns cinco motoristas do mesmo naipe, encontrei um que teve a boa vontade de parar. Era um senhor que dirigia com uma garrafa de pin-ga na mão. Dirigia um Corcel preto, ano de 1978, creio. Um carro acabado. O senhor que o dirigia falou:

– Então, forasteiro, procurando carona? – Sim. Pode me conceder esta graça? – Aonde vai você?– À cidade de Maceió. – Muito bem… Estou indo pra lá mesmo, meu jovem! Daqui para lá,

vamos percorrer uns duzentos e cinquenta quilômetros.Acredito que ele exagerara para me impressionar. Mas, por motivos ób-

vios, eu não quis contestar o que dissera o velho. E feliz da vida por ter encontrado alguém que me pudesse ajudar, disse apenas:

- Ótimo! Indagou o senhor: – Qual é o seu nome, cara?

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A Mais Pura Viagem

- K-mon. E o seu? Qual a vossa graça?– Florentino. Rebati:- Belo nome! – O que fazia por aqui?– Entrei nesta incrível floresta para refletir sobre mim! – Corajoso, hem!– É, mas agora quero voltar: já fiquei tempo suficiente aqui. Agora sinto

falta de tudo, principalmente do amor da minha vida! Ela é tudo que há de mais precioso para mim!

– Bom… E esse violão? Porque num toca aí, já que meu Corcelzinho não tem som?

– Às suas ordens, senhor Florentino! Tocarei para o senhor o que estou a pensar neste momento.

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Marcus Mausan

The end

I was aloneLast weekend With Just my own song around meI left my love on another pathBut now I miss herAnd I don’t want this adventure anymoreI want you to listen to my songI wantIt’s for youI want to love you Love you and love you and love youUntil the end of time

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A Mais Pura Viagem

Passei a viagem inteira cantando a mesma música. E o senhor Floren-tino sempre:

– Bis, bis!Eu tinha que tocar de novo, até chegarmos a Maceió. Ele me devolveu à

Eterna Casa. Todos me receberam com festa, e eu encontrei meu amor que lá estava a me esperar!

Tive que contar toda a história para todos. Mas sempre chegava alguém que queria saber mais sobre os detalhes e ainda me pedia para contar de novo!

Durante toda a viagem e toda viagem da vida, pude constatar que a mi-nha foi apenas mais uma no meio de infinitas outras que, juntas, formam uma só na concepção do cosmos. Por isso, digo: “Nesta ou em qualquer outra vida, viverei aflito, porém sem aflição! Eu só preciso viver! Quem po-derá dizer que a vida não é uma viagem? Bom, a minha, particularmente, é a mais pura viagem!”.

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AgradecimentosAo cosmos por fazer de mim seu instrumento para a realização desta arte

Ficha Técnica:Toda a obra foi escrita por Marcus Mausan no ano de 2006

A gravação da obra foi realizada no ano de 2012 no Sandrobass Studio

Produção Geral: Marcus Mausan

Co-Produção: Sandro BassRevisão: Jacob de Barros e Heather Dea JanningsArte gráfi ca, diagramação e fotos: Fernando Lopes

Gravação: Marcus Mausan: Todas as vozes, guitarras, cravo, piano,

percussão e orquestraçãoLuciano Falcão: GaitasSandro Bass: Contrabaixos

Eric Clapton: BateriaMike Sinter: participação especial nos teclados de Th e Cage e Lago da Perucaba

Produção Geral: Marcus Mausan

Co-Produção: Sandro BassRevisão: Jacob de Barros e Heather Dea JanningsArte gráfi ca, diagramação e fotos: Fernando Lopes

Gravação: Marcus Mausan: Todas as vozes, guitarras, cravo, piano,

percussão e orquestraçãoLuciano Falcão: GaitasSandro Bass: Contrabaixos

Eric Clapton: BateriaMike Sinter: participação especial nos teclados de Th e Cage e Lago da Perucaba