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Introdução à metafísica 2015 UFSCAR- FILOSOFIA DISCURSO DO BLOG SOBRE METAFÍSICA, TRANCENDENCIA E DIALÉTICA, A natureza da metafísica — algumas reflexões históricas, A metafísica como teoria categorial Artigo. A METAFÍSICA DE KANT

A Metafísica Como Teoria Categorial

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Sobre a metafísica de Kant.

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UFSCAR- FILOSOFIA

SinopseOs filsofos tm discordado acerca da natureza da metafsica. Aristteles e os medievais do-nos duas explicaes diferentes da disciplina. Por vezes caracterizam-na como a tentativa de identificar as primeiras causas, em particular deus ou o motor imvel; por vezes como a muito geral cincia do serenquantoser. Acreditavam, contudo, que estas duas caracterizaes identificam uma s disciplina. Os racionalistas dos sculos XVII e XVIII, por contraste, alargaram o mbito da metafsica. Entenderam que esta se ocupava no s da existncia e natureza de deus, mas tambm da distino entre mente e corpo, da imortalidade da alma e do livre-arbtrio.Os empiristas e Kant eram crticos quer quanto concepo aristotlica da metafsica quer quanto concepo racionalista, argumentando que estas procuram transcender os limites do conhecimento humano; mas mesmo Kant pensou que pode haver um tipo legtimo de conhecimento metafsico. O seu objectivo delinear as estruturas mais gerais que suportam o nosso pensamento acerca do mundo. Esta concepo kantiana da metafsica continua a gozar de alguma popularidade entre os filsofos contemporneos, que insistem que a metafsica tem por objectivo a caracterizao do nosso esquema conceptual ou enquadramento conceptual. Estes filsofos concordam tipicamente com Kant em que a estrutura do mundo nos em si prprios inacessveis e que os metafsicos tm de se contentar em descrever a estrutura do nosso pensamento acerca do mundo.A defesa desta concepo kantiana de metafsica no , contudo, particularmente impressionante; pois se h problemas em caracterizar o mundo tal como , devia haver problemas semelhantes em caracterizar o nosso pensamento acerca do mundo. Mas se concordamos que as metafsicas aristotlica ou racionalista no esto condenadas partida, temos de conceder que as duas concepes sugiram tpicos muito diferentes para um manual de metafsica. Neste livro, seguiremos a caracterizao aristotlica da metafsica como disciplina que se ocupa do serenquantoser. Esta caracterizao d lugar tentativa de identificar os tipos ou categorias mais gerais em que se subsumem as coisas, e delinear as relaes que se verificam entre estas categorias.A natureza da metafsica algumas reflexes histricasNo fcil dizer o que a metafsica . Se se olha para as obras de metafsica encontra-se caracterizaes bastante diferentes da disciplina. Por vezes estas caracterizaes procuram ser descritiva, dar-nos uma explicao daquilo que fazem os filsofos a quem se chama "metafsicas". Por vezes so normativas; representam tentativas de identificar o que os filsofos deviam estar a fazer quando fazem metafsicas. Mas, descritivas ou normativas, estas caracterizaes do explicaes to diferentes do objeto de estudo e metodologia adequados metafsica que provvel que o observador imparcial pense que tm de caracterizar disciplinas diferentes. O desacordo acerca da natureza da metafsica prende-se certamente com a sua longa histria. Os filsofos tm feito ou procurado fazer algo a que tm chamado "metafsica" durante mais de 2000 anos; e o resultado dos seus esforos tem sido explicaes com uma ampla diversidade de objetos de estudo e de abordagens. Mas a dificuldade de identificar um nico objeto de estudo e metodologia da metafsica no simplesmente imputvel longa histria da disciplina. Mesmo nas suas origens h ambiguidade acerca do que a metafsica supostamente , ao certo.O termo "metafsica", como nome da disciplina, retirado do ttulo de um dos tratados de Aristteles. O prprio Aristteles nunca se referiu ao tratado por esse nome; este foi conferido por pensadores posteriores. Aristteles chamou disciplina em causa no tratadofilosofia primeiraouteologia, esabedoriaao conhecimento que o objetivo da disciplina. Ainda assim, o uso subsequente do ttuloMetafsicatorna razovel supor que aquilo a que chamamos "metafsica" o gnero de coisa que se faz nesse tratado. Infelizmente, Aristteles no nos d uma nica explicao do que ali faz. Em alguns contextos, diz-nos que aquilo que procura no tratado um conhecimento deprimeiras causas. 1Isto sugere que a metafsica uma das disciplinas departamentais, uma disciplina com um objeto de estudo distinto do que objeto de considerao de qualquer outra disciplina. Que objeto de estudo identificadas pela expresso primeiras causas"? Talvez uma srie de coisas diferentes; mas aqui central deus ou o motor imvel. Pelo que aquilo que depois se veio a chamar "metafsica" uma disciplina que se ocupa de deus, e Aristteles fala-nos bastante acerca da disciplina. Diz-nos que uma disciplina terica. Ao contrrio das diversas artes que se ocupam da produo e das diversas cincias prticas (tica, economia, poltica) cujo fim orientar a ao humana, a metafsica tem por objetivo a apreenso da verdade por si prpria. Neste aspecto, concorda com as cincias matemticas e as diversas cincias fsicas. As primeiras tm por objeto de estudo quantidades (quantidades discretas no caso da aritmtica e quantidades contnuas no caso da geometria), e as segundas ocupam-se da natureza e estrutura das substncias imateriais ou fsicas (tanto as vivas como as inanimadas) que compem o mundo natural. A metafsica, por contraste, tem por objeto de estudo a substncia imaterial. 2E a relao entre a disciplina e o seu objeto de estudo d metafsica um estatuto intrigante. Ao contrrio das outras disciplinas, a metafsica no pressupe simplesmente a existncia do seu objeto de estudo; tem na verdade de provar que h uma substncia imaterial que seja o seu objeto. Pelo que o projeto de provar que h um motor imvel fora do mundo da natureza faz parte da prpria metafsica; mas uma vez que Aristteles pensa que s temos uma disciplina distinta quando temos um objeto de estudo distinto, est comprometido com a ideia de que os metafsicos podem estar seguros de que h uma disciplina na qual se empenharem desde que sejam bem-sucedidos em levar a cabo um dos projetos no programa da disciplina.Mas Aristteles no se satisfaz em descrever a metafsica como a investigao de primeiras causas. Tambm nos diz que a cincia que estuda o serenquantoser. 3 medida que se expande esta caracterizao, a metafsica acaba por no ser outra disciplina departamental com um objeto de estudo prprio. , ao invs, uma cincia universal, que toma em considerao todos os objetos que h. Nesta caracterizao, pois, a metafsica examina os itens que constituem o objeto de estudo das outras cincias. O que a metafsica tem de distinto omodocomo examina esses objetos; examina-os a partir de uma perspectiva particular, da perspectiva de serem seres, ou coisas que existem. Pelo que a metafsica considera as coisas como seres ou existentes e procura especificar as propriedades ou aspectos que estas exibem apenas na medida em que so seres, ou existentes. Consequentemente, procura compreender no s o conceito de ser, mas tambm conceitos muito gerais, como a unidade ou a identidade, a diferena, a semelhana e a dissemelhana, que se aplicam a tudo o que h. Tambm central para a metafsica, entendida como cincia universal, a delineao daquilo a que Aristteles chamoucategorias. Estas so os tipos mais elevados ou mais gerais em que as coisas se subsumem. Supe-se que a metafsica deve identificar esses tipos mais elevados, especificar os aspectos que so peculiares a cada categoria, e identificar as relaes que ligam entre si as diferentes categorias; e ao faz-lo, o metafsico d-nos supostamente um mapa da estrutura de tudo o que h.Encontramos ento duas explicaes diferentes do que a metafsica, em Aristteles. Por um lado, h a ideia de uma disciplina departamental ocupada com a identificao das primeiras causas em particular, deus; e, por outro lado, h a ideia de uma disciplina universal ou perfeitamente geral cuja tarefa considerar as coisas pela perspectiva de que se trata de seres ou existentes, e dar uma caracterizao geral de todo o domnio do ser. primeira vista parece haverem uma tenso entre estas duas concepes da metafsica. difcil compreender como uma nica disciplina pode ser ao mesmo tempo departamental e universal. O prprio Aristteles est aqui ciente da aparncia de tenso, e esfora-se por mostrar que a tenso apenas aparente. 4Por outro lado, sugere que uma cincia de primeiras causas ir identificar as causas subjacentes s caractersticas primrias das coisas, as caractersticas que so pressupostas por quaisquer outras caractersticas que as coisas possam exibir; e Aristteles parece disposto a afirmar que visto que o ser ou existncia de uma coisa primrio neste sentido, a cincia que estuda as primeiras causas ser apenas a cincia que investiga o serenquantoser. Por outro lado, parece defender que qualquer disciplina que examine qualquer coisa na medida em que um ser ir numerar deus entre os itens que procura caracterizar.Na tradio aristotlica medieval, deparamo-nos continuamente com esta caracterizao dual da metafsica; e, como Aristteles, os medievais acreditavam que as duas concepes da metafsica se realizam numa nica disciplina, que procura simultaneamente delinear a estrutura categorial da realidade e estabelecer a existncia e natureza da substncia divina. Mas quando encontramos os textos metafsicos dos racionalistas seiscentistas e setecentistas do continente, deparamo-nos com uma concepo da metafsica que alarga o mbito da empresa metafsica. Embora tenham rejeitado muitos detalhes da teoria metafsica de Aristteles concordaram que o que est em causa ao fazer-se metafsica so a identificao e caracterizao dos tipos mais gerais de coisas que h, e concordaram que uma parte central desta tarefa est na referncia substncia divina e ao seu papel causal. No obstante, veio-se a considerar como objetos adequados da investigao metafsica tpicos que no figuram como itens no programa metafsico aristotlico. Para Aristteles, o exame dos objetos fsicos mutveis, a delineao do hiato entre os seres vivos e os inanimados e a identificao do que peculiar aos seres humanos so tudo coisas que se deve levar a cabo no contexto da cincia natural, ou fsica, e no na metafsica.Mas os racionalistas, confrontados com uma paisagem intelectual em que a fsica aristotlica substituda pela explicao mais matemtica e mais experimental da nova fsica, pensaram que estas questes eram metafsicas. Do seu ponto de vista, a metafsica no se ocupava simplesmente da existncia e natureza de deus, mas da distino entre a mente e o corpo, a sua relao nos seres humanos e a natureza e extenso do livre-arbtrio.Uma pessoa formada na tradio aristotlica ficaria intrigada com este novo uso do termo metafsico e provavelmente faria a acusao de que, nas mos dos racionalistas, o que supostamente era uma nica disciplina com um nico objeto de estudo acaba por ser o exame de uma mistura confusa de tpicos ir relacionados. Evidentemente, os racionalistas eram sensveis a este tipo de acusao e procuraram dar uma justificao para o redesenhar das fronteiras disciplinares no interior da filosofia. O que da surgiu por ltimo foi um mapa geral do terreno metafsico. 5A afirmao a de que a metafsica tem um nico objeto de estudo; trata-se do ser. Pelo que o metafsico procura dar uma explicao da natureza do ser; mas h uma diversidade de perspectivas a partir das quais se pode dar essa explicao, e a estas diferentes perspectivas correspondem diferentes subdisciplinas dentro da metafsica. Em primeiro lugar, pode-se examinar o ser a partir da perspectiva de que precisamente isso ser. Como isto representa a perspectiva mais geral a partir da qual se pode considerar o ser, a diviso da metafsica que considera o ser a partir desta perspectiva foi designadametafsica geral. Mas os racionalistas insistiram que tambm podemos examinar o ser a partir de uma diversidade de perspectivas mais especializadas. Quando o fazemos, damos continuidade a uma ou outra diviso daquilo a que os racionalistas chamarammetafsica especial. Assim, podemos considerar o ser como o encontramos nas coisas mutveis; podemos, isto , considerar o ser a partir da perspectiva da sua mutabilidade. Faz-lo empenhar-se nacosmologia. Podemos, tambm, considerar o ser como o encontramos em seres racionais como ns. Considerar o ser a partir desta perspectiva dar continuidade a uma diviso da metafsica especial a que os racionalistas chamampsicologia racional. Por fim, podemos examinar o ser como se mostra no caso do divino, e examinar o ser a esta luz empenhar-se nateologia natural. bastante claro que as noes racionalistas de metafsica geral e teologia natural correspondem s concepes aristotlicas de metafsica como cincia verdadeiramente universal, que estuda o serenquantoser, e como disciplina departamental, que se ocupa das primeiras causas; ao passo que a afirmao de que a metafsica incorpora a cosmologia e a psicologia racional como divises exprime o mbito novo e alargado que o esquema racionalista associa metafsica.Mas no era apenas no objeto de estudo que a metafsica racionalista diferia da de Aristteles. A abordagem de Aristteles das questes metafsicas foi cautelosa. Ao delinear as categorias, Aristteles tentou permanecer fiel nossa concepo pr-filosfica do mundo. Do modo como ele via as coisas, as entidades inteiramente reais ou metafisicamente bsicas so os objetos familiares do senso comum coisas como cavalos individuais e seres humanos individuais. E mesmo na sua explicao de deus ou do motor imvel, estava ansioso por mostrar a continuidade entre a sua explicao filosfica e as nossas crenas pr-filosficas acerca da estrutura causal do mundo. O resultado foi uma metafsica relativamente conservadora. As teorias metafsicas dos racionalistas, por contraste, eram tudo menos conservadoras. Em suas mos, a metafsica resulta em sistemas especulativos abstratos, muito afastados de qualquer imagem do mundo que seja reconhecidamente de senso comum. Aqui, basta percorrer superficialmente as palavras de um pensador como Espinosa ou Leibniz para apreciar a extravagncia da metafsica racionalista.A natureza altamente abstrata e especulativa da metafsica racionalista fez dela um alvo natural para as crticas dos pensadores empiristas. Os empiristas insistiram que qualquer afirmao de conhecimento tem de se justificar por referncia experincia sensorial; e argumentaram que visto que nenhuma experincia poderia alguma vez justificar as afirmaes que constituam os sistemas racionalistas, as afirmaes dos racionalistas, de que davam conhecimento cientfico da natureza da realidade, eram esprias. 6Na verdade, os empiristas afirmaram amide a proposio mais forte de que as afirmaes caractersticas da metafsica racionalista no tinham significado. Os empiristas defendiam que todas as nossas representaes conceptuais derivam do contedo da nossa experincia sensorial. Consequentemente, insistiram que uma afirmao tem contedo cognitivo genuno ou significado s se os termos que usa so susceptveis de anlise ou explicao em termos de contedos puramente sensoriais. Como as afirmaes dos metafsicos racionalistas no passam este teste, os empiristas concluram que eram meros sons sem sentido.No trabalho de Kant, encontramos uma crtica posterior empresa metafsica. 7Na explicao de Kant, o conhecimento humano implica a interao de conceitos inatos s faculdades cognitivas humanas com os dados brutos da experincia sensorial. Os dados sensoriais so os efeitos, nas nossas faculdades subjetivas sensoriais, de um mundo exterior a essas faculdades. Os dados so estruturados ou organizados por meio de conceitos inatos, e o resultado um objeto de conhecimento. Pelo que aquilo a que chamamos "objeto de conhecimento" no uma coisa exterior e independente da nossa maquinaria cognitiva; o produto da aplicao de estruturas conceptuais inatas aos estados subjetivos das nossas faculdades sensoriais. O mundo que produz esses estados subjetivos algo que, como em si prprio, nos inacessvel; apreendemo-lo apenas como nos afeta, apenas como nos aparece. Um objeto de conhecimento, ento, requer os contedos sensoriais dos empiristas; mas requer mais do que isso. Os contedos tm de ser unificados e organizados por estruturas conceptuais que no tm origem na nossa experincia sensorial. Kant, contudo, quer insistir que tal como os contedos sensoriais s constituem um objeto de conhecimento quando so estruturadas pelos conceitos inatos, as estruturas conceptuais inatas s produzem um objeto de conhecimento quando se aplicam aos contedos sensoriais, a que do princpios de unidade e organizao.Como Kant viu a metafsica, quer a variante racionalista quer a aristotlica, representa a tentativa de conhecer o que ultrapassa o mbito da experincia sensorial humana. Procura responder a questes para as quais a experincia sensorial incapaz de dar respostas, questes acerca da imortalidade da alma, da existncia de deus e do livre-arbtrio. Promete-nos conhecimento acerca destas matrias. Na tentativa de proporcionar o conhecimento prometido, contudo, o metafsico usa as estruturas conceptuais que subjazem a formas menos controversas de conhecimento, estruturas como as que entram no discurso acerca de substncias, causalidade e acontecimentos. Mas uma vez que as estruturas relevantes s produzem conhecimento quando aplicadas aos dados brutos da experincia sensorial, o uso que o filsofo faz dessas estruturas para responder s questes perenes da metafsica nunca resulta no conhecimento que o metafsico nos promete. Dado o modo como a nossa maquinaria cognitiva funcionam, as condies requeridas para o conhecimento nunca podem ser satisfeitas no caso da metafsica. As afirmaes que o metafsico quer fazer ultrapassam os limites do conhecimento humano. Consequentemente, nunca pode haver conhecimento genuinamente cientfico na metafsica.Para dar nfase a este aspecto da metafsica tradicional, Kant chama-lhemetafsica transcendente. Kant contrasta a metafsica transcendente com aquilo a que chama metafsica crtica. A metafsica crtica, segundo nos diz, um empreendimento legtimo, perfeitamente respeitvel. Enquanto a metafsica transcendente procura caracterizar uma realidade que transcende a experincia sensorial, a metafsica crtica tem por tarefa a delineao dos aspectos mais gerais do nosso pensamento e conhecimento. Procura identificar os conceitos mais gerais que entram na nossa representao do mundo, as relaes que se verificam entre estes conceitos e os pressupostos do seu uso objetivo. O projeto definido pela metafsica crtica precisamente o projeto que o prprio Kant considera levar a cabo quando nos d a sua prpria explicao das condies do conhecimento humano.A concepo de Kant, de um empreendimento metafsico cuja tarefa identificar e caracterizar os aspectos mais gerais do nosso pensamento e experincia continua a encontrar defensores nos nossos dias. 8Estes filsofos dizem-nos que a metafsica um empreendimento descritivo cujo objetivo a caracterizao do nossoesquema conceptualouenquadramento conceptual. Do modo como estes filsofos veem as coisas, qualquer pensamento ou experincia que possamos ter envolve a aplicao de um s corpo unificado de representaes. Esse corpo de representaes constitui algo como uma imagem de como as coisas ; um tipo de histria que contamos acerca do mundo e do nosso lugar nele. A histria tem uma estrutura caracterstica: est organizada por meio de conceitos muito gerais, e o uso desses conceitos regulado por princpios (amide chamados "princpios de enquadramento"). O objetivo da metafsica simplesmente delinear essa estrutura nos seus contornos mais gerais.Os filsofos que subscrevem esta ideia de esquema conceptual ou enquadramento conceptual no concordam todos entre si quanto ao estatuto de que goza a nossa imagem do mundo. Embora no subscrevam os detalhes da prpria perspectiva de Kant sobre o conhecimento humano, alguns defensores da ideia de esquema conceptual concordam com Kant em que h uma nica estrutura imutvel que subjaz a tudo o que se possa chamar conhecimento ou experincia humano. Outros enfatizam o carcter dinmico e histrico do pensamento humano e falam de enquadramentos conceptuais alternativos. Veem grandes mudanas conceptuais, como a revoluo cientfica em que a teoria da relatividade tomou o lugar da mecnica newtoniana, como exemplos em que um esquema conceptual rejeitado a favor de uma imagem do mundo nova e diferente. Para pensadores do gnero anterior, a metafsica tem um objeto de estudo estvel e imutvel: a nica maneira peculiarmente humana de representar o mundo; para os ltimos, a tarefa da metafsica comparativa: procura mostrar as diferentes formas presentes nos esquemas alternativos que desempenharam historicamente um papel nas nossas tentativas de representar o mundo.Os filsofos de ambos os gneros opem-se inequivocamente aos que defendem uma concepo mais tradicional, pr-kantiana, da metafsica. Os filsofos que levam a srio a noo de esquema conceptual consideraro que a metafsica se ocupa da nossa maneira ou maneiras de representar o mundo. Quer limitem o objeto de estudo da metafsica aos itens do programa aristotlico quer sigam os racionalistas ao alargar o mbito da metafsica para incluir tpicos como o problema da mente-corpo, a imortalidade da alma e o livre-arbtrio, os filsofos que veem a metafsica em termos pr-kantianos entendem que a sua tarefa dar uma explicao da natureza e estrutura do prprio mundo. Uma investigao da estrutura do pensamento humano , contudo, algo muito diferente de uma investigao da estrutura do mundo acerca de que o pensamento . Obviamente, se se acredita que a estrutura do nosso pensamento reflete ou espelha a estrutura do mundo, ento poder-se- afirmar que as duas investigaes tm de ter o mesmo resultado. Mas os filsofos que so atrados pelo discurso acerca de esquemas conceptuais, tipicamente, no aceitam isto. Afirmam que a metafsica tem por objeto de estudo a estrutura do nosso esquema conceptual, ou esquemas, precisamente porque, como Kant, pensam que o mundo tal como realmente algo a que no temos acesso.Por que pensam isto? Porque concordam com Kant em que o nosso pensamento acerca do mundo sempre mediado pelas estruturas conceptuais em termos das quais representam esse mundo. No seu entender, para pensar em qualquer coisa exterior s minhas faculdades cognitivas, tenho de aplicar conceitos que representam a coisa de uma ou outra maneira, pertencendo a algum tipo ou caracterizada de algum modo; mas, ento, o que apreendo no o objeto como realmente , independentemente do meu pensamento acerca dele. O que apreendo o objeto tal como o conceptualismo ou represento pelo que o objeto do meu pensamento algo que, pelo menos em parte, o produto do aparelho conceptual ou representacional que ponho em funcionamento ao pensar. O que tenho no a coisa como em si, mas a coisa tal como figura na histria que dela narro ou na imagem que dela construo.Alguns dos que invocam a ideia de esquema conceptual (podamos chamar-lhes esquisitas conceptuais) vo mais alm e afirmam que a prpria ideia de um objeto separado e independente do esquema conceptual por meio do qual formamos as nossas representaes incoerente. 9Nesta perspectiva radical, tudo o que h o esquema conceptual, ou esquemas. Nada mais h do que as histrias que contamos s imagens que construmos. Aquilo a que chamamos a existncia de um objeto apenas a questo de algo figurar numa histria; e aquilo a que chamamos a verdade das nossas crenas apenas uma questo das diversas componentes de uma histria encaixar umas nas outras ou de serem coerentes entre si.Esta verso mais radical da perspectiva do esquema conceptual uma verso daquilo a que se tem chamadoidealismo, e uma perspectiva extremamente difcil de articular coerentemente. Defendeu-se que nada h seno as histrias que os seres humanos constroem o que diremos ento dos seres humanos que supostamente as constroem? Se estes esto realmente ali a construi-las, ento no verdade que nada haja alm das histrias que se constri; e no verdade que existir seja apenas ser personagem numa histria. Se, por outro lado, ns, seres humanos, formos apenas outros tantos personagens nas histrias, ser ento verdade que h algumas histrias para contar? Ou ser o facto de se construir todas estas histrias apenas mais uma histria? E ser em si esta nova histria (a histria de que as histrias originais so contadas) apenas mais uma histria?Como sugeri, nem todas as esquisitas conceptuais subscrevem a perspectiva mais radical que temos vindo a discutir; mas mesmo a esquisita que concede que a ideia de um item que existe independentemente de um esquema conceptual coerente negar que quaisquer objetos desses, tal como podero efetivamente existir, possam constituir os objetos do estudo metafsico. Quaisquer itens desse gnero insistiro as esquisitas, so apreendidos apenas por meio das estruturas conceptuais que pomos em funcionamento na representao que fazemos desses itens. Estas estruturas constituem um tipo de cortina que nos impede o acesso s coisas como realmente so. Consequentemente, mesmo a esquisita conceptual moderado negar que seja possvel fazer o que o metafsico tradicional quer fazer dar conhecimento da estrutura ltima da realidade; afirmar que a haver um empreendimento com a generalidade, sistematicidade e exaustividade que os filsofos tm querido reivindicar para a metafsica, esse empreendimento no pode consistir seja no que for que ultrapasse a caracterizao da estrutura mais geral do nosso esquema conceptual, ou esquemas.Que resposta daro os metafsicos tradicionais a esta perspectiva neokantiana? Muito provavelmente, argumentaro que se o esquemista conceptual tem razo ao negar que o mundo como realmente pode ser objeto de investigao filosfica sria, ento o esquemista no tem razo ao supor que um esquema conceptual pode s-lo. A premissa central no argumento do esquemista contra a metafsica tradicional a afirmao de que a aplicao de estruturas conceptuais na representao das coisas nos impede o acesso genuno a essas coisas; mas o defensor da metafsica tradicional chamar a ateno para o facto de termos de usar conceitos na nossa caracterizao daquilo a que o esquemista chama enquadramento conceptual, e concluir que, segundo os prprios princpios do esquemista, isso implica que no se pode caracterizar a natureza e estrutura de um esquema conceptual. Pelo que os metafsicos tradicionais argumentaro que se a sua concepo da metafsica problemtica, tambm a do esquemista o . Mas os metafsicos tradicionais insistiro que h aqui uma lio mais profunda. A lio que h algo de autoderrotante na explicao que o esquemista conceptual d de representao conceptual. Se o esquemista conceptual tem razo ao afirmar que a atividade da representao conceptual nos impede de apreender seja o que for que procuremos representar, ento por que haveramos de levar a srio as afirmaes do esquemista acerca da representao conceptual? Essas afirmaes, afinal de contas, so apenas outras tantas representaes conceptuais; mas, ento, longe de revelar a natureza da atividade de representao conceptual, as afirmaes parecem impedir a nossa apreenso daquilo acerca do qual essas afirmaes supostamente so a atividade de representao conceptual.Os metafsicos tradicionais passaro a insistir que conseguimos pensar e falar acerca das coisas as coisas como realmente so e no apenas como figuram nas histrias que contamos. Insistiro que a prpria ideia de pensar acerca das coisas ou de referi-las pressupe que h relaes que ligam os nossos pensamentos e palavras s coisas, independentemente da mente e independentemente da linguagem, em que pensamos e acerca de que falamos; e insistiro que longe de nos impedir o acesso s coisas, os conceitos que usamos ao pensar so os veculos para apreender as coisas a que se aplicam. No so cortinas ou barreiras entre ns e as coisas; so, pelo contrrio, os nossos caminhos para nos levar aos objetos, os nossos modos de obter acesso a eles. E os metafsicos tradicionais argumentaro que no h qualquer razo para supor que tem de ser de outra forma com os conceitos que os metafsicos tradicionais usam na sua tentativa de nos dar uma explicao acerca do que h e da sua estrutura geral. Concedero que o metafsico se possa enganar que pode haver afirmaes metafsicas falsas; mas insistiro que o perigo de falsidade no mais grave aqui do que em qualquer outra disciplina em que procuramos dizer como as coisas so. Pode ser difcil dar uma caracterizao verdadeira da natureza da realidade, mas isso no significa que impossvel.Os defensores de uma concepo kantiana da metafsica insistiro que as questes volta deste debate so mais complexas e mais difceis do que o metafsico tradicional sugere; e que embora a incio nos possamos sentir solidrios com o metafsico tradicional, temos de conceder que este debate acerca da metodologia adequada metafsica depende da questo muito mais vasta da relao entre o pensamento e o mundo. Esta questo dirige-se ao ncleo de qualquer caracterizao do ser e conta como metafsica segundo quaisquer critrios. , contudo, uma questo de tal maneira importante que no pode ser resolvida nos pargrafos introdutrios de um livro sobre metafsica. A caracterizao da relao entre o nosso pensamento ou linguagem e o mundo requer um tratamento separado e extenso; e o ltimo captulo deste livro ser dedicado a essa questo. A, examinaremos detalhadamente o desafio que os filsofos de inclinao kantiana antirrealistas, como amide se lhes chama apresentam explicao tradicional da relao entre o pensamento e o mundo. Entretanto, contudo, precisamos de uma concepo de metafsica para nos orientarmos; e a estratgia ser assumir, provisoriamente, a abordagem tradicional pr-kantiana.A metafsica como teoria categorialO objetivo ser caracterizar a natureza da realidade, dizer como as coisas so. Como vimos diferentes tradies associam objetos de estudo diferentes a este projeto. Na tradio aristotlica, h a ideia de uma cincia que estuda o serenquantoser. Mesmo que haja uma nica cincia que corresponda s duas ideias, estas parecem diferentes, pelo menos a incio. A ideia de uma cincia geral que estuda os seres a partir da perspectiva de que so seres corresponde quilo a que os racionalistas chamavam metafsica geral; e uma tarefa central sugerida pela ideia de uma cincia de primeiras causas corresponde tarefa associada com a diviso da metafsica especial que os racionalistas designavam teologia natural; e temos as duas outras divises da metafsica especial a cosmologia, que d uma caracterizao do mundo material, mutvel, e a psicologia racional, que lida, entre outras coisas, com o problema da mente-corpo e, supostamente, com o problema do livre-arbtrio.Muitos livros introdutrios de metafsica esto de acordo com o mapa racionalista da disciplina. Na verdade, focam-se nas questes a que os racionalistas chamavam metafsica especial. Assim, questes acerca da existncia e natureza de deus, questes acerca da natureza dos seres humanos e do problema da mente-corpo, e questes acerca do livre-arbtrio, ocuparo o primeiro plano. Esta estratgia perfeitamente adequada. Desde o sculo XVII que se designam todas estas questes por metafsica. Uma estratgia diferente para construir um texto introdutrio em metafsica , contudo, igualmente defensvel. Esta estratgia limita,grosso modo, os tpicos a ser discutidos aos que se subsumem na rubrica da cincia aristotlica do serenquantoser, ou da cincia racionalista da metafsica geral.Esta maneira de abordar a metafsica sustentada por diversas consideraes. Os filsofos contemporneos dividem a filosofia de maneira que no respeitam as fronteiras disciplinares da explicao racionalista. Os tpicos que eram centrais nas diversas divises daquilo a que os racionalistas chamavam metafsica especial so agora discutidos em subdisciplinas da filosofia que no se ocupam essencial ou exclusivamente de tpicos metafsicos. O foco da teologia natural, por exemplo, era a existncia e natureza de deus; agora se lida tipicamente com esse conjunto de questes naquilo a que chamamos filosofia da religio, uma subdisciplina da filosofia que trata um mbito muito mais vasto de questes do que a antiquada teologia natural. Lida com questes epistemolgicas acerca da racionalidade da crena religiosa em geral, assim como com a racionalidade de crenas religiosas particulares, questes acerca da relao entre a religio e a cincia, e questes acerca da relao entre a religio e a moralidade. Os filsofos da religio chegam a discutir questes que faziam parte daquilo a que os racionalistas chamavam psicologia racional questes acerca da sobrevivncia pessoal e da imortalidade. Outras questes que se discutia na psicologia racional subsumem-se agora naquilo a que chamamos filosofia da mente; mas apesar de os filsofos da mente se preocupar com questes metafsicas acerca da existncia e natureza da mente, tambm se preocupam com muitas outras coisas. Levantam questes epistemolgicas acerca do conhecimento dos nossos estados mentais e dos de outras pessoas; e passam muito tempo a tentar clarificar a natureza da explicao na psicologia e nas cincias cognitivas. Por vezes, encontramos os filsofos da mente a levantar questes acerca do livre-arbtrio, mas este problema provavelmente discutido noutra parte diferente da filosofia a que se chama teoria da ao. Os filsofos contemporneos usam tipicamente o termo metafsico para se referirem a uma diviso da filosofia diferente de cada uma destas divises; e quando o fazem aquilo de que falam algo no muito distante daquilo a que os racionalistas chamavam metafsica geral e a que Aristteles se referia como a cincia que estuda o serenquantoser.Pelo que o modo como se organiza os textos introdutrios em metafsica no reflete o modo como os filsofos hoje usam tipicamente o termo metafsico. Uma consequncia que aquelas que so as questes centrais naquilo a que hoje em dia chamamos metafsica no so muito discutidas de um modo introdutrio. E isso lamentvel, visto que essas questes so to fundamentais como quaisquer outras questes filosficas. Pelo que h um argumento a favor de um texto introdutrio de metafsica que investigue o serenquantoser; mas h outro. A srie de que este livro faz parte ter textos de filosofia da religio e de filosofia da mente; nestes volumes abordaro tpicos como a existncia e natureza de deus e o problema da mente-corpo. O volume de metafsica deve focar-se em questes diferentes, e f-lo-. Focar-se- nas questes que surgem quando tentamos dar uma explicao geral da estrutura de tudo o que h. Mas que questes so essas? Ao discutir a concepo aristotlica da metafsica como disciplina perfeitamente geral, afirmei que um objetivo central de tal disciplina a identificao e caracterizao das categorias em que se subsumem as coisas. No seria inexato afirmar que isto o que a metafsica, como entendida nos dias de hoje, procura alcanar. Mas o que ao certo identificar as categorias em que se subsumem as coisas? Como vimos, Aristteles pensava que as categorias so os tipos mais elevados ou gerais sob os quais se podem classificar as coisas. Isto sugere que o que os metafsicos fazem pegar em todas as coisas que h e disp-las segundo os tipos mais gerais em que se subsumem. Segundo Aristteles, as categorias em que algo se subsume permitem-nos dizer o que a coisa . Pareceria, ento, que a identificarem as categorias mais elevadas, os metafsicos deviam procurar as respostas mais gerais pergunta "O que ?" Uma maneira pela qual pareceriam faz-lo seria tomar um objeto familiar, como Scrates, e colocar a questo "O que ele?" A resposta bvia "um ser humano". Mas embora "ser humano" discrimine um tipo em que Scrates se subsume, h respostas mais gerais pergunta "Que tipo de coisa Scrates?" Ele , afinal de contas, um primata, um mamfero, um vertebrado e um animal. Identificar a categoria a que Scrates pertence identificar o fim ou a paragem final nesta lista de respostas cada vez mais gerais pergunta "O que ?" E quando temos isso? A resposta cannica que chegamos categoria de uma coisa quando chegamos a uma resposta tal pergunta "O que ?" que a nica reposta mais geral seja dada por um termo como "entidade", "ser", "coisa" ou "existente", que se aplica a tudo o que h. Aristteles pensou que a resposta relevante para Scrates dada pelo termo "substncia", pelo que Aristteles entendeu que substncia era a categoria em que Scrates e outros seres vivos se subsumem.Poder parecer que se os nossos metafsicos querem produzir a lista completa de categorias, tm apenas de aplicar o tipo de procedimento pergunta-e-resposta que usaram no exemplo de Scrates e de outros objetos. Desde que escolham as suas amostras de uma maneira sensvel s diferenas entre as coisas, daro consigo a descobrir categorias novas e diferentes. A dada altura, contudo, descobriro que no surgem mais categorias novas. Repetir o procedimento tr-los simplesmente de volta s categorias que j isolaram. Nessa fase, podem ficar confiantes, ainda que sujeitos a preocupaes normais acerca da adequao de procedimentos indutivos, de que identificaram todos os tipos ou categorias de ser mais elevados.Esta uma maneira de pensar acerca de categorias e do seu papel no empreendimento da metafsica. , na verdade, a maneira como muitos metafsicos veem toda a atividade de identificao categorial. Infelizmente, tem graves insuficincias enquanto explicao daquilo que se passa na metafsica. Para comear, faz da metafsica uma grande chatice. Inventar uma tabela de categorias simplesmente um procedimento mecnico de encontrar as respostas mais gerais pergunta "O que ?"; e difcil compreender como um procedimento que exige to pouca imaginao pode ter ocupado os esforos das maiores mentes da humanidade durante mais de 2000 anos. Por outro lado, a explicao torna difcil compreender como podia haver desacordos ou disputas interessantes em metafsica. Nesta perspectiva, se dois metafsicos nos do diferentes listas de categorias, s pode ser porque pelo menos um deles cometeu um erro indutivo, tendo sido incapaz de aplicar o procedimento de pergunta-e-resposta a uma amostra adequada de objetos, ou estava confuso acerca da maneira como funcionam os termos classificativos na nossa linguagem. A verdade, contudo, que nada mais comum em metafsica do que o debate e a controvrsia; e os adversrios nos debates metafsicos so tipicamente pensadores perspicazes e lcidos, que pouco provavelmente sero culpados de lapsos intelectuais grosseiros.Mas as dificuldades com esta compreenso das categorias e a natureza da metafsica vo mais fundo. A imagem pressupe que os metafsicos iniciam o seu trabalho confrontado com uma totalidade de objetos improblematicamente dada e que o seu trabalho encontrar nichos onde colocar os objetos dessa totalidade. A verdade, contudo, que os filsofos que discordam acerca de categorias discordam acerca de que objetos h. No h qualquer conjunto dado de antemo acerca do qual todos os metafsicos concordem. As disputas em metafsica so tipicamente disputas sobre como se deve responder pergunta "Que objetos h?" e dar listas alternativas de categorias apenas dar respostas diferentes a esta pergunta.Um exemplo simples permite-nos compreender a natureza das disputas metafsicas. Considere os saltos mortais. "Salto mortal" um termo que as pessoas que falam portugus, na sua maioria, sabem usar; todos o aplicamos, mas ou menos s mesmas situaes e abstemo-nos de faz-lo mais ou menos nas mesmas situaes; e usamo-lo para exprimir crenas que partilhamos maioritariamente, crenas acerca do que so saltos mortais, crenas acerca de quando aconteceram umas crenas acerca de quando um foi bem executado, e por a em diante. Podemos imaginar dois filsofos reagindo a estes factos acerca do termo "salto mortal" de maneiras muito diferentes. Um deles diz-nos que h saltos mortais. Ele ou ela diz-nos que um salto mortal simplesmente a rotao total daquilo que tipicamente um corpo humano, ora executado para frente ora para trs. Ele ou ela insistir que visto que ocorreram muitas de tais rotaes, houve muitos saltos mortais, e afirma que a menos que suponhamos que h saltos mortais, seremos incapazes de explicar como afirmaes como.1. George executou cinco saltos mortais entre as 15 horas e as 16 horas de Quinta-feira.Podem ser verdadeiras. O outro filsofo, contudo, discorda. Ele ou ela nega que haja saltos mortais. Concede que as pessoas e alguns animais executem a rotao da maneira relevante, mas nega que isto implique a existncia de uma classe especial de entidades, os saltos mortais. Concede igualmente que muitas afirmaes como 1 so verdadeiras, mas, mais uma vez, nega que isto implique a existncia de um tipo especial de entidade. O que faz a afirmao 1 ser verdadeira, insiste o nosso filsofo ou filsofa, simplesmente o facto de George ter dado cinco cambalhotas durante o perodo de tempo relevante.Acerca de que discordam os nossos dois filsofos? Seguramente no discordam acerca de como usamos o termo "salto mortal" no nosso discurso trivial, pr-filosfico, acerca do mundo, nem discordam acerca do valor de verdade de afirmaes como 1. Discordam acerca de os factos relevantes do uso trivial e da verdade das afirmaes pr-filosficas relevantes nos exigirem ou no que reconheamos os saltos mortais na nossa histria filosfica "oficial" acerca do mundo e das coisas que nele acontecem; discordam acerca de as coisas como saltos mortais deverem ou no entrar no nosso inventrio filosfico "oficial" das coisas que h. A tal inventrio "oficial" chama-se normalmenteontologia. Usando este termo, podemos afirmar que os nossos dois filsofos discordam acerca de a nossa ontologia dever ou no incluir saltos mortais. A disputa entre eles uma disputa metafsica. No , contudo, o gnero de disputa de que os metafsicos srios provavelmente se ocupem. No que todos os metafsicos pensem que a nossa ontologia tem de incluir saltos mortais; no pensam. A razo por que os metafsicos no se ocupariam com argumentos acerca do estatuto de saltos mortais a de que o tpico dos saltos mortais demasiado especfico, demasiado local. O desacordo entre os nossos dois filsofos, contudo, generaliza-se facilmente; e quando o , torna-se o gnero de disputa de que os metafsicos caracteristicamente se ocupam. O filsofo que afirma que temos de reconhecer a existncia de saltos mortais no faz essa afirmao a partir de qualquer afeto especial por saltos mortais. Quase de certeza, a afirmao inspira-se na crena que o filsofo tem na existncia de coisas de um tipo mais geral. porque ele / ela acredita que os acontecimentos em geral tm de entrar na nossa ontologia que faz a sua afirmao acerca de saltos mortais. Da mesma maneira, o seu adversrio nega que haja saltos mortais, no porque ele / ela tenha um preconceito especial contra saltos mortais, mas porque nega que a nossa histria "oficial" do mundo deva fazer referncia a acontecimentos. Pelo que a disputa acerca de saltos mortais tem origem numa disputa mais geral. A disputa mais geral uma disputa categorial. Um filsofo acredita que devemos abraar a categoria dos acontecimentos; o outro nega isto.Discordar acerca de categorias, ento, discordar acerca de que coisas existem; e muitas das principais disputas na metafsica so disputas deste gnero. Embora funcionem a um nvel mais geral do que a disputa acerca de saltos mortais, exibem amide uma determinada estrutura. Temos uma disputa organizada volta de uma questo acerca da existncia de coisas de um tipo ou categoria muito geral. H propriedades? H relaes? H acontecimentos? H substncias? H proposies? H estados de coisas? H mundos possveis? Em cada caso, h um corpo de factos pr-filosficos que funcionam como dados para a disputa. Uma parte na disputa insiste que para explicar os factos pr-filosficos relevantes temos de responder afirmativamente questo existencial. A outra parte afirma que h algo de filosoficamente problemtico em admitir entidades do gnero relevante na nossa ontologia, e argumenta que podemos explicar os factos pr-filosficos sem o fazer.Nem sempre, contudo, as disputas acerca de categorias tm precisamente esta forma. Nem sempre encontramos as partes em disputa dando respostas antagnicas questo com a forma "HCs?" (em queC um termo para categoria). Por vezes encontramo-los concordando que existem entidades desta ou daquela categoria; mas, ento, uma parte prossegue e dizem-nos que embora haja efetivamente entidades correspondentes categoria, todas so analisveis em termos de entidades de outra categoria. Suponha-se que a disputa se centra nos objetos materiais. Embora ambas as partes concordem que h objetos materiais, uma parte diz-nos que os objetos materiais so analisveis como colees de qualidades sensoriais. provvel que o interlocutor na disputa responda afirmando: "Olhe, voc no pensa realmente que h objetos materiais. Apenas profere as palavras. Na sua perspectiva, no h realmente objetos materiais; h apenas qualidades sensoriais." Em resposta, o outro interlocutor ir sem dvida objetar que acredita realmente haver objetos materiais. "No nego que os objetos materiais existem; digo-lhe apenas como so." difcil saber como resolver o argumento acerca do termo "existe"; mas seja como for que o resolvamos, temos de conceder que haja aqui um profundo desacordo metafsico, um desacordo que , em sentido lato, existencial. Uma maneira de exprimir o desacordo afirmar que enquanto um metafsico quer incluir os objetos materiais entre os elementos primitivosoubsicosda sua ontologia, o outro no o quer fazer. O primeiro nega que se possam analisar os objetos materiais em termos de entidades mais bsicas ou reduzi-los a estas; o ltimo entende que os objetos materiais so meras construes feitas a partir de entidades mais fundamentais. Embora afirme que h objetos materiais, quando olhamos para os itens primitivos da sua ontologia (isto , os itens que na sua ontologia no so redutveis a entidades de um tipo mais bsico), no encontramos quaisquer objetos materiais, apenas qualidades sensoriais. No nvel mais baixo, ento, no h quaisquer objetos materiais na sua ontologia. Na sua teoria metafsica, os objetos materiais no esto entre os "alicerces" bsicos da realidade. Podemos afirmar que enquanto os objetos materiais constituem umacategoria primitiva ou anderivadana ontologia de um filsofo, constituem umacategoria derivadana do outro. Pelo que as disputas acerca de categorias so disputas acerca da existncia de entidades de algum tipo ou categoria muito geral. Por vezes as partes em disputa discordam quanto existncia de entidades do tipo relevante; por vezes discordam acerca de as entidades da categoria ser ou no redutveis a entidades de uma categoria mais bsica. Dar uma teoria metafsica completa dar um catlogo completo das categorias em que se subsumem as coisas e identificar os gneros de relaes que se verificam entre essas categorias. A ltima tarefa implica a identificao de determinadas categorias como bsicas e de outras como derivadas, e uma especificao de como, exatamente, se reduz ou analisa as entidades de categorias derivadas em termos de entidades das categorias bsicas. Um catlogo completo deste gnero representaria uma explicao geral de tudo o que h. Aristteles acreditava que o objetivo da empresa metafsica uma explicao deste gnero. Poucos metafsicos hoje esto prontos para dar este tipo de teoria completa das categorias. As questes que rodeiam cada uma das categorias que historicamente tm sido o foco da teorizao metafsica so to complexas que os metafsicos contemporneos se satisfazem se puderem trabalhar um punhado que seja destes conjuntos de questes. Neste livro, vou seguir a sua esteira. No vamos tentar algo to ambicioso como um sistema completo de categorias. Vamos focar-nos nas questes levantadas quando se procura responder a apenas algumas das questes categoriais que surgem na metafsica. As questes que vamos considerar so todas muito importantes e fundamentais, pelo que examin-las nos deve dar uma boa noo do que a metafsica ao certo. Avancemos, ento, com as questes; e comecemos com o conjunto de questes a que se tem chamado o problema dos universais.Notas1. VerMetafsica A.1 includa em R. Meio (1941).2. VerMetafsica E. 1 em Meio (1941).3. VerMetafsica. 1 em McKeon (1941).4. Para uma discusso deste mapa, ver a entrada sobre Christian Wolff em Edwards (1967).5. Para o ataque empirista clssico metafsica, ver Hume (1739). Uma forma mais moderna deste ataque encontra-se em Ayer (1936).6. Ver Kant (1787), especialmente o prefcio da segunda edio e a "Dialctica Transcendental".7. Para exemplos desta abordagem metafsica, ver Collingwood (1940), Krner (1974), Rescher (1973), Putnam (1981), e Putnam (1987). A afirmao de que a metafsica tem por objecto de estudo a descrio do nosso esquema conceptual defendida na introduo a Strawson (1959); mas enquanto a linguagem neokantiana, muito do que Strawson faz emIndividualscorporiza uma abordagem aristotlica disciplina.8. Ver, por exemplo, Rorty (1979).Leitura complementarA bibliografia sobre a natureza da metafsica vasta. O aluno iniciante devia procurar, primeiro, em Aristteles, especialmente os dois primeiros captulos daMetafsica A(isto , o Livro I), os primeiros dois captulos daMetafsica (isto , o Livro IV), e o primeiro captulo daMetafsica E(isto , o Livro VI). Ento, recomendaria uma vista de olhos s crticas metafsica em Kant (1787), especialmente o prefcio segunda edio, e as primeiras seces de Ayer (1936). Para discusses recentes, o estudante deve procurar em Krner (1974) e a introduo a Strawson (1959).Referncias Ayer, A.J. (1936)Language, Truth, and Logic,London: Gollancz. Collingwood, R.G. (1940)An Essay on Metaphysics,Oxford: Oxford University Press. Edwards, P. (1967)Encyclopedia of Philosophy,New York: Macmillan. Hume, D. (1739)Treatise of Human Nature,L.A. Selby-Bigge (ed.) with revisions by P.H. Nidditch, Oxford: Oxford University Press, 1978. Kant, I. (1787)Critique of Pure Reason,trans. N.K. Smith, London: Macmillan, 1929. Krner, S. (1974)Categorial Frameworks,Oxford: Blackwell. McKeon, R. (1941)The Basic Works of Aristotle,New York: Random House. Putnam, H. (1981)Reason, Truth, and History,Cambridge: Cambridge University Press. Putnam, H. (1987)The Many Faces of Realism,LaSalle, IL: Open Court. Rescher, N. (1973)Conceptual Idealism,Oxford: Blackwell. Rorty, R. (1979)Philosophy and the Mirror of Nature,Princeton, NJ: Princeton University Press. Strawson, P.F. (1959)Individuals,London: