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CENTRO UNIVERSITÁRIO CAMPOS DE ANDRADE CURSO DE FILOSOFIA HENRIQUE DA SILVA DEZIDÉRIO A METAFÍSICA REALISTA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO: O ATO DE SER CURITIBA 2013

A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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Monografia de conclusão do meu curso de filosofia, que tem como tema o estudo da metafísica de São Tomás de Aquino no que diz respeito ao ato de ser.

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Page 1: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

CENTRO UNIVERSITAacuteRIO CAMPOS DE ANDRADE

CURSO DE FILOSOFIA

HENRIQUE DA SILVA DEZIDEacuteRIO

A METAFIacuteSICA REALISTA DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO O ATO DE SER

CURITIBA

2013

HENRIQUE DA SILVA DEZIDEacuteRIO

A METAFIacuteSICA REALISTA DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO O ATO DE SER

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Filosofia do Centro Universitaacuterio Campos de Andrade como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de licenciado em Filosofia Orientador Prof MSc Ir Irineu Letenski

CURITIBA

2013

Dedico este trabalho a Jesus Rei e

Senhor Santiacutessimo Sacramento do altar

a quem seja dada a honra e a gloacuteria pelos

seacuteculos dos seacuteculos Ele e somente Ele

eacute a razatildeo de ser do tema deste trabalho

E a todos que buscam no pensamento

filosoacutefico e metafiacutesico o motivo de suas

existecircncias de coraccedilatildeo sincero

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento

filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por

amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por

meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e

os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que

sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada

Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e

Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus

momentos

Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram

fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste

trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha

Teixeira Colleone

Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em

mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei

de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia

do ser e a metafiacutesica realista

Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus

formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio

Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias

e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim

Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos

os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas

oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais

fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo

Porque eacute nele que temos a vida o

movimento e o ser (At 17 28)

Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu

proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice

do meu ser (Confissotildees III 6)

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna

Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

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O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

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do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 2: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

HENRIQUE DA SILVA DEZIDEacuteRIO

A METAFIacuteSICA REALISTA DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO O ATO DE SER

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Filosofia do Centro Universitaacuterio Campos de Andrade como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de licenciado em Filosofia Orientador Prof MSc Ir Irineu Letenski

CURITIBA

2013

Dedico este trabalho a Jesus Rei e

Senhor Santiacutessimo Sacramento do altar

a quem seja dada a honra e a gloacuteria pelos

seacuteculos dos seacuteculos Ele e somente Ele

eacute a razatildeo de ser do tema deste trabalho

E a todos que buscam no pensamento

filosoacutefico e metafiacutesico o motivo de suas

existecircncias de coraccedilatildeo sincero

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento

filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por

amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por

meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e

os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que

sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada

Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e

Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus

momentos

Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram

fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste

trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha

Teixeira Colleone

Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em

mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei

de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia

do ser e a metafiacutesica realista

Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus

formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio

Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias

e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim

Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos

os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas

oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais

fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo

Porque eacute nele que temos a vida o

movimento e o ser (At 17 28)

Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu

proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice

do meu ser (Confissotildees III 6)

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna

Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

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do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

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GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 3: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

Dedico este trabalho a Jesus Rei e

Senhor Santiacutessimo Sacramento do altar

a quem seja dada a honra e a gloacuteria pelos

seacuteculos dos seacuteculos Ele e somente Ele

eacute a razatildeo de ser do tema deste trabalho

E a todos que buscam no pensamento

filosoacutefico e metafiacutesico o motivo de suas

existecircncias de coraccedilatildeo sincero

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento

filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por

amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por

meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e

os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que

sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada

Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e

Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus

momentos

Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram

fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste

trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha

Teixeira Colleone

Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em

mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei

de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia

do ser e a metafiacutesica realista

Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus

formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio

Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias

e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim

Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos

os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas

oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais

fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo

Porque eacute nele que temos a vida o

movimento e o ser (At 17 28)

Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu

proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice

do meu ser (Confissotildees III 6)

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna

Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 4: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo em primeiro lugar a Deus por ter me concedido adentrar no pensamento

filosoacutefico Ele o Puro Ato de Ser a razatildeo de nossa existecircncia que simplesmente por

amor se entregou por noacutes na pessoa de Jesus e me escolheu para segui-Lo natildeo por

meus meacuteritos mas por Sua misericoacuterdia eacute aquele que guia nossos pensamentos e

os ilumina para contemplar a verdade Igualmente agradeccedilo agrave Virgem Maria que

sempre intercedeu por mim e me acompanhou nessa caminhada

Agradeccedilo agrave minha famiacutelia meus pais Vicente e Terezinha e meus irmatildeos Felipe e

Isabela que sempre estiveram do meu lado tanto nos bons quanto nos maus

momentos

Agradeccedilo ao meu orientador Ir Irineu Letenski e aos professores que me ajudaram

fornecendo textos de referecircncia e tirando as principais duacutevidas quanto ao tema deste

trabalho Monsenhor Diniz Mikosz Padre Gilberto Aureacutelio Bordini e Profordf Teresinha

Teixeira Colleone

Agradeccedilo tambeacutem aos professores de filosofia em especial os que despertaram em

mim o amor pelo pensamento filosoacutefico e a busca pelo ser Graccedilas agrave sua ajuda deixei

de lado o pobre pensamento analiacutetico cartesiano e utilitarista para abraccedilar a filosofia

do ser e a metafiacutesica realista

Agradeccedilo a todos que fizeram parte da minha vida nesses trecircs anos de Filosofia Meus

formadores Padre Chemin e Padre Reacutegis e meu diretor espiritual Padre Antocircnio

Luciano Tambeacutem a todos os meus colegas que sempre partilharam comigo alegrias

e tristezas em especial os colegas de turma Andreacute Danilo Deivid Leandro e Kerolim

Meu agradecimento especial ao Padre Mario Renato Baratildeo Filho bem como a todos

os paroquianos de Nossa Senhora da Visitaccedilatildeo Foi seu apoio sua ajuda e suas

oraccedilotildees principalmente nos momentos de maior dificuldade alguns dos principais

fatores que me permitiram terminar esta etapa filosoacutefica da formaccedilatildeo

Porque eacute nele que temos a vida o

movimento e o ser (At 17 28)

Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu

proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice

do meu ser (Confissotildees III 6)

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna

Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 5: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

Porque eacute nele que temos a vida o

movimento e o ser (At 17 28)

Voacutes poreacutem eacutereis mais iacutentimo que o meu

proacuteprio iacutentimo e mais sublime que o aacutepice

do meu ser (Confissotildees III 6)

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna

Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 6: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo geral o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino especialmente o ato de ser (actus essendi) Primeiramente define-se metafiacutesica realista como interpretaccedilatildeo da realidade absoluta do ser e tambeacutem satildeo estudadas as contribuiccedilotildees de filoacutesofos anteriores a Tomaacutes Em seguida faz-se o estudo aprofundado do ato de ser em especial no que se refere agrave interpretaccedilatildeo do ato como ser e natildeo como substacircncia agrave distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia agrave relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos e ao processo de explicitaccedilatildeo do ser em especial agraves propriedades transcendentais agrave analogia ao ato agrave potecircncia agrave causalidade aos graus de perfeiccedilatildeo e agrave finalidade Por fim estuda-se o tomismo na modernidade incluindo o abandono da metafiacutesica do ato de ser pelos seguidores de Tomaacutes na Idade Meacutedia a opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela filosofia de Tomaacutes depois da enciacuteclica Aeterni Patris de Leatildeo XIII e a redescoberta da metafiacutesica do ato de ser pelos filoacutesofos tomistas do seacuteculo XX buscando-se estabelecer um diaacutelogo da metafiacutesica realista com a filosofia moderna

Palavras-chave Tomaacutes de Aquino metafiacutesica ontologia realismo ato de ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 7: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

LISTA DE ABREVIATURAS

AP Carta Enciacuteclica Aeterni Patris (Leatildeo XIII ndash 1879)

At Livro biacuteblico dos Atos dos Apoacutestolos

CG Summa Contra Gentiles (Suma Contra os Gentios)

EE Opuacutesculo filosoacutefico De Ente et Essentia (O Ente e a Essecircncia)

Ex Livro biacuteblico do Ecircxodo

FR Carta Enciacuteclica Fides et Ratio (Joatildeo Paulo II ndash 1998)

OT Decreto Optatam Totius (Conciacutelio Vaticano II ndash 1965)

S Th Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica)

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 8: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 8

2 A METAFIacuteSICA REALISTA 10

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO 10

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA 12

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas 12

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo 14

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato 15

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia 16

3 O ATO DE SER 18

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS 18

32 O ATO COMO SER 21

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA 23

34 DEUS E OS ENTES FINITOS 26

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER 30

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser 30

352 Propriedades transcendentais do ser 31

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER 34

361 Analogia 34

362 Substacircncia e acidente 36

363 Ato e potecircncia a causalidade 38

364 Graus de perfeiccedilatildeo 39

37 FINALIDADE 40

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE 43

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO 43

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA 46

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX 47

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 50

REFEREcircNCIAS 52

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS 54

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 9: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

8

1 INTRODUCcedilAtildeO

Satildeo Tomaacutes de Aquino1 (122425-1274) eacute ateacute hoje considerado como o maior

pensador da Escolaacutestica corrente filosoacutefica da Idade Meacutedia Sua filosofia foi baseada

na filosofia aristoteacutelica mas diferentemente de Aristoacuteteles Tomaacutes mudou o enfoque

de sua metafiacutesica da substacircncia para o ser O ato de todas as coisas eacute o ser Para se

compreender a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute necessaacuterio estudar sobre o ato de ser

(actus essendi em latim) O iniacutecio do estudo da filosofia de Tomaacutes de Aquino acontece

pelo estudo do ser

Desde o Papa Leatildeo XIII e a sua enciacuteclica Aeterni Patris que a Igreja Catoacutelica

declarou a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como filosofia segura para

sua doutrina A partir de entatildeo houve uma intenccedilatildeo de compreender no que consistiu

essa filosofia Mesmo na modernidade o estudo da metafiacutesica tomista se mostrou

importante principalmente porque natildeo houve nenhum filoacutesofo que a contrariasse A

Igreja inclusive propotildee que essa filosofia se coloque numa posiccedilatildeo de diaacutelogo com a

modernidade

O objetivo geral desta monografia eacute o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes de Aquino compreendendo o que se entende por ato de ser Para tanto ele

se desdobra em trecircs objetivos especiacuteficos (1) Compreender o que eacute metafiacutesica

realista distinguindo-a de metafiacutesica essencialista e estudando os pensadores que

colaboraram para seu desenvolvimento (2) Estudar o ato de ser especificando-o na

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia na relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e em

seu processo de explicitaccedilatildeo (3) Entender a importacircncia do estudo do tomismo na

modernidade

No primeiro capiacutetulo do trabalho seraacute feita uma definiccedilatildeo de metafiacutesica realista

a partir da definiccedilatildeo dos dicionaacuterios e do que eacute o ser para Tomaacutes de Aquino Em

seguida seratildeo estudadas as colaboraccedilotildees de alguns filoacutesofos anteriores a Tomaacutes no

que diz respeito agrave metafiacutesica realista Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas Platatildeo e sua definiccedilatildeo de participaccedilatildeo Aristoacuteteles e a metafiacutesica do ato al-

Fārābī e Avicena com a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

1 Optou-se neste trabalho a usar a nomenclatura ldquoSatildeo Tomaacutesrdquo e natildeo ldquoSanto Tomaacutesrdquo Isso para obedecer agrave regra de nomes de santos que diz que o santo eacute nomeado ldquoSantordquo se seu nome iniciar com vogal e ldquoSatildeordquo se o nome iniciar com consoante O ano de seu nascimento eacute incerto

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 10: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

9

O segundo capiacutetulo estudaraacute de forma esquemaacutetica o ato de ser concebido por

Satildeo Tomaacutes de Aquino Seraacute visto o caminho que Tomaacutes fez na sua definiccedilatildeo de Deus

e que permitiu perceber a primazia do ser em sua filosofia Em seguida seraacute

especificada a diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles na metafiacutesica do ato e como Tomaacutes

definiu que o ato eacute natildeo a substacircncia mas o ser Definir-se-aacute entatildeo a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia que se iniciou com os filoacutesofos aacuterabes e ganhou forccedila na

metafiacutesica realista de Tomaacutes Como consequecircncia dessa distinccedilatildeo seraacute estudada a

relaccedilatildeo entre Deus e os entes finitos Por fim far-se-aacute o estudo do processo de

explicitaccedilatildeo do ser primeiro a explicitaccedilatildeo ontoloacutegica com as propriedades

transcendentais do ser depois a explicitaccedilatildeo ocircntica e suas formas (analogia

substacircncia e acidente ato e potecircncia e causalidade e os graus de perfeiccedilatildeo) para

enfim falar da finalidade que eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto ontoloacutegica como ocircntica

O terceiro capiacutetulo faraacute um pequeno estudo sobre a importacircncia do tomismo

para a modernidade Primeiro com base nos estudos de Eacutetienne Gilson conferir-se-

aacute que os seguidores de Tomaacutes prescindiram do estudo do ato de ser em suas

filosofias reduzindo o tomismo a uma espeacutecie de aristotelismo Depois seraacute

constatada a opccedilatildeo feita pela Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

de Aquino para finalmente estudar-se brevemente o trabalho dos filoacutesofos que

estudaram o tomismo no seacuteculo XX em especial no seu estudo do ato de ser tirando

o tomismo daquela concepccedilatildeo errocircnea de ldquoaristotelismo cristatildeordquo

A metodologia utilizada seraacute da pesquisa bibliograacutefica em obras do autor a

Suma Teoloacutegica a Suma Contra os Gentios e o opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a

Essecircncia Os principais comentadores utilizados seratildeo Eacutetienne Gilson Aniceto

Molinaro Battista Mondin Reacutegis Jolivet H D Gardeil e o historiador da filosofia

Johannes Hirschberger entre outros

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 11: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

10

2 A METAFIacuteSICA REALISTA

21 O REALISMO DE SAtildeO TOMAacuteS DE AQUINO

Realismo para Ferrater Mora (2001) possui quatro definiccedilotildees A primeira

cientiacutefica estaacute relacionada a ater-se aos fatos tais como satildeo A segunda fala da

posiccedilatildeo tomada em relaccedilatildeo aos universais ou seja a crenccedila na existecircncia real dos

universais e natildeo apenas dos entes singulares A terceira eacute o realismo que se

contrapotildee ao idealismo tanto na Teoria do Conhecimento quanto na metafiacutesica e a

quarta trata do realismo em filosofia da ciecircncia que se contrapotildee ao instrumentalismo

em relaccedilatildeo agrave natureza e funccedilatildeo das teorias cientiacuteficas

Aqui detenha-se em primeiro lugar no realismo de acordo com a terceira

definiccedilatildeo Ferrater Mora (2001 p 2472) diferencia aqui o realismo gnosioloacutegico do

realismo metafiacutesico

O realismo gnosioloacutegico agraves vezes se confunde com o realismo metafiacutesico mas essa confusatildeo natildeo eacute necessaacuteria com efeito pode-se ser realista gnosioloacutegico e natildeo ser realista metafiacutesico ou vice-versa O realismo gnosioloacutegico afirma que o conhecimento eacute possiacutevel sem necessidade de supor (como fazem os idealistas) que a consciecircncia impotildee agrave realidade ndash em ordem a seu conhecimento ndash certos conceitos ou categorias a priori o que importa no conhecimento eacute o dado e de maneira alguma o posto (pela consciecircncia ou pelo sujeito) O realismo metafiacutesico afirma que as coisas existem fora e independentemente da consciecircncia ou do sujeito Como se vecirc o realismo gnosioloacutegico se ocupa unicamente do modo de conhecer o metafiacutesico do modo de ser do real

Tratar-se-aacute aqui do modo de ser do real ou seja do realismo metafiacutesico No

entanto dentro do realismo metafiacutesico haacute ainda outras divisotildees existentes ligadas ao

segundo conceito de Ferrater Mora (2001) quanto agrave existecircncia dos universais

contraacuteria ao nominalismo A posiccedilatildeo de Satildeo Tomaacutes de Aquino neste ponto eacute a do

realismo moderado ou seja aquele que acredita que o universal estaacute fora da mente

mas natildeo como uma coisa entre outras e sim como res concepta ldquocoisa concebidardquo e

estaacute na mente natildeo somente na mente como um simples nome segundo afirma o

nominalismo mas tambeacutem na mente como conceptio mentis ldquoconcepccedilatildeo mentalrdquo ou

seja ldquoconceitordquo Embora natildeo esteja fora da mente o universal tem um fundamentum

in re estaacute fundado na coisa na realidade porque senatildeo ele seria apenas mera

ldquoimaginaccedilatildeordquo simples ldquoposiccedilatildeordquo de algo

Essa definiccedilatildeo realista dos universais contraacuteria ao nominalismo influencia a

metafiacutesica porque o ser fundamental em toda a filosofia tomista em muitas

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 12: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

11

concepccedilotildees eacute visto como simples conceito submisso agrave essecircncia das coisas Tomaacutes

contudo defende que o ser eacute real e que eacute o que tem primazia sobre tudo na filosofia

Segundo Gilson (1962 pp 52-53)

Se algum filoacutesofo ou teoacutelogo ainda que se considere tomista ensinar uma metafiacutesica na qual a noccedilatildeo de ser eacute concebiacutevel separadamente da noccedilatildeo de existecircncia atual ecircle pode ficar certo de que desde o primeiro momento de sua especulaccedilatildeo jaacute se separa de Tomaacutes de Aquino Tais filoacutesofos existem E acreditam que se tomarmos o ser como um nome (ens ut nomen) ecircste prescinde da existecircncia atual E noutras palavras definindo o significado da palavra ser ecircsses metafiacutesicos excluem intencionalmente tocircda consideraccedilatildeo do ato de ser

Tomaacutes no entanto vai defender que o ser ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)2 e

eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S Th I III IV)3 Haacute na Suma Teoloacutegica

(I IV I 3r)4 um resumo esclarecedor da definiccedilatildeo tomista sobre isso ldquoO ser em si eacute

mais perfeito de todos por actualizar a todos pois nenhum ser eacute actual senatildeo

enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza todos os outros e mesmo

as proacuteprias formasrdquo

Essa concepccedilatildeo de ser indica que para Tomaacutes o ser natildeo eacute um detalhe nas

coisas ou um acidente ou muito menos um simples nome como Gilson exemplificou

acima mas eacute real E mais do que real eacute a realidade em si Eacute acabou-se de ver a

atualidade de todas as coisas ou seja o ato de tudo o que eacute Adiante ficaraacute clara a

definiccedilatildeo do Aquinate5 a respeito do ato

Pode-se compreender entatildeo no que consiste a metafiacutesica realista de Satildeo

Tomaacutes Natildeo eacute o simples realismo metafiacutesico que Ferrater Mora definiu apesar de

estar contido nele Tampouco eacute natildeo obstante esteja intimamente relacionado o

realismo em relaccedilatildeo aos universais visto que o ser natildeo eacute um universal ou um gecircnero

porque ldquonada lhe eacute estranho ou extriacutenseco nada se lhe pode ajuntar de fora nada

pode se dar de separado e de independente delerdquo (MOLINARO 2002 p 57)

Este realismo eacute como jaacute se constatou relacionado ao ser o ser eacute real ou

melhor eacute a maior realidade existente Em poucas palavras a metafiacutesica de Tomaacutes eacute

chamada realista porque compreende o ser como sendo real A metafiacutesica que

2 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 Quando houver citaccedilotildees diferentes das normas as citaccedilotildees segundo as normas seratildeo disponibilizadas em notas de rodapeacute Cf apecircndice 3 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 4 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 5 No decorrer do trabalho para evitar repeticcedilotildees ao se referir a Satildeo Tomaacutes de Aquino seratildeo usados alguns dos nomes como ele ficou conhecido Aquinate Doutor Angeacutelico etc

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 13: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

12

compreende o ser como nome a que Gilson se referiu seraacute chamada com os termos

do mesmo autor de metafiacutesica essencialista ou essencialismo porque ao se

conceber o ser como um simples nome ele se reduz ldquoagrave realidade da sua essecircnciardquo

(GILSON 1962 p 53)

Doravante ao se referir agrave metafiacutesica realista entenda-se o realismo de Tomaacutes

Vale notar que natildeo haacute realismo tatildeo absoluto como o tomista no que diz respeito agrave sua

concepccedilatildeo de ser mas houve antecedentes histoacutericos que seratildeo estudados agora

para compreender melhor as raiacutezes desta metafiacutesica

22 ANTECEDENTES DA METAFIacuteSICA TOMISTA

Antes de abordar a metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes de Aquino conveacutem falar

brevemente dos filoacutesofos que desenvolveram os temas usados em sua filosofia

Conveacutem tambeacutem lembrar que a filosofia tomista foi original mas recebeu influecircncias

de vaacuterios filoacutesofos Algo em comum entre esses filoacutesofos eacute que cada um desenvolveu

um tema abordado por Tomaacutes na sua metafiacutesica poreacutem com algumas modificaccedilotildees

Falar-se-aacute primeiramente de Parmecircnides e o ser como princiacutepio de todas as

coisas e depois de Platatildeo com a sua interpretaccedilatildeo sobre alteridade e participaccedilatildeo Em

seguida seratildeo abordados o conceito de metafiacutesica do ato e noccedilatildeo de causalidade em

Aristoacuteteles para por fim ver-se o iniacutecio da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

concebida por al-Fārābī e Avicena

221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas

Todos os filoacutesofos preacute-socraacuteticos tiveram em comum a busca pela archeacute

(ἀρχή) ou seja o princiacutepio de todas as coisas Esse princiacutepio segundo Molinaro

(2002 p 17) seria aquilo de que todas as coisas satildeo constituiacutedas aquilo a partir de

que originariamente derivam aquilo em que se resolvem em uacuteltima anaacutelise e aquilo

sobre que estatildeo e subsistem Ele deve ser a unidade que unifica e manteacutem a

multiplicidade a imutabilidade que se torna o princiacutepio do devir e consequentemente

agrave definiccedilatildeo anterior o eterno que natildeo estaacute sujeito ao tempo que o devir exige Em

poucas palavras portanto o princiacutepio deve ser o uno no muacuteltiplo o imutaacutevel no devir

e o eterno no tempo

Muitos preacute-socraacuteticos (Tales Anaxiacutemenes Empeacutedocles etc) viam o princiacutepio

como sendo uma determinaccedilatildeo particular e limitada (aacutegua ar terra fogo os quatro

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 14: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

13

elementos) Anaximandro contudo percebeu que o princiacutepio natildeo poderia ser uma

determinaccedilatildeo porque tornar-se-ia apenas uma coisa entre tantas e propocircs o mesmo

como uma indeterminaccedilatildeo (ἄπειρoν ndash aacutepeiron) que nega toda determinaccedilatildeo

compreendendo a todas sem reduzir-se a nenhuma Heraacuteclito em seguida vai propor

como princiacutepio o devir ou seja o processo de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo das coisas jaacute que

a indeterminaccedilatildeo natildeo poderia explicar esse processo mas sendo o devir o princiacutepio

seria o que permaneceria enquanto faria com que as coisas se gerassem e se

corrompessem O devir seria o uno imutaacutevel e eterno em meio agraves demais coisas

(MOLINARO 2002)

Nesse contexto que surge a filosofia de Parmecircnides O devir de fato pode ser

explicado como princiacutepio eterno e imutaacutevel de todas as coisas mas natildeo explicaria o

fato do proacuteprio devir existir O devir exerce sua funccedilatildeo enquanto eacute e por isso o

princiacutepio precisa ser aquilo pelo qual o devir eacute O princiacutepio entatildeo natildeo eacute o devir mas

o ser (MOLINARO 2002 p 22)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Reale e Antiseri (2007a p 51 grifos do autor)

neste ponto

No contexto do discurso de Parmecircnides ldquoserrdquo e ldquonatildeo serrdquo satildeo tomados em seu significado integral e uniacutevoco o ser eacute o positivo puro e o natildeo ser eacute o negativo puro um eacute o absoluto contraditoacuterio do outro Mas como Parmecircnides justifica esse seu grande princiacutepio A argumentaccedilatildeo eacute muito simples tudo aquilo que algueacutem pensa e diz eacute Natildeo se pode pensar (e portanto dizer) senatildeo pensando (e portanto dizendo) aquilo que eacute Pensar o nada significa natildeo pensar absolutamente e dizer o nada significa natildeo dizer nada Por isso o nada eacute impensaacutevel e indiziacutevel Assim pensar e ser coincidem

Entende-se portanto o pensamento como manifestaccedilatildeo do ser Isso implica

(MOLINARO 2002 p 22)

a) Soacute o ser pode exercer a funccedilatildeo de princiacutepio porque natildeo eacute possiacutevel ir

aleacutem do ser Ultrapassar o ser significa cair no nada no natildeo-ser que

natildeo eacute

b) O ser natildeo pode ser outra coisa senatildeo ser O outro diferente do ser eacute

o nada essencialmente

c) O ser por causa disso natildeo pode devir (ser gerado se corromper ou

perecer) Eacute impereciacutevel e eterno

d) A lei a loacutegica do ser eacute o princiacutepio de natildeo contradiccedilatildeo o ser eacute e natildeo

pode natildeo ser o natildeo-ser natildeo eacute e natildeo pode ser eacute impossiacutevel que seja

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 15: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

14

e) Consequentemente o ser na sua totalidade eacute necessidade de ser e

permanecircncia no ser

Neste caso a multiplicidade implicaria a existecircncia do outro diverso do ser ou

em outras palavras dizer que o natildeo-ser eacute Da mesma forma o devir implicaria a

passagem do ser ao natildeo-ser e vice-versa e portanto a multiplicidade e o devir

estariam contrariando o ser Parmecircnides natildeo vai negar a multiplicidade e o devir

porque negaacute-los seria negar a experiecircncia Ele vai dizer ao contraacuterio que natildeo estatildeo

contra o ser mas tambeacutem natildeo vai solucionar este problema (MOLINARO 2002)

222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo

Platatildeo empenhou-se no problema acima exposto sobre Parmecircnides como

pode o outro ser sem cessar de ser o outro ou o ser ser outro sem cessar de ser

Numa palavra o problema da alteridade ou da multiplicidade Deve-se examinar como

aquilo que verdadeiramente eacute como definiu Parmecircnides ao mesmo tempo eacute aquilo

que multiplamente eacute (MOLINARO 2002 p 26)

Hirschberger (1957 p 97-98) vai sintetizar da seguinte forma a colaboraccedilatildeo

platocircnica como tentativa de conciliar a filosofia de Heraacuteclito e de Parmecircnides

Se compreendemos bem o segrecircdo da comunidade das Ideacuteias (χoινωνία τῶν γενῶν) entatildeo chegaremos a entender que natildeo eacute exata a alternativa ou Heraacuteclito ou os eleatas [Parmecircnides e seus disciacutepulos Zenatildeo e Melisso] ou unidade ou multiplicidade ou identidade ou sogravemente diversidade Mas a simultaneidade eacute o verdadeiro cada alternativa considerou um aspecto verdadeiro do ser pois coexistem a unidade e a multiplicidade a identidade e a variedade o ser e o natildeo-ser E a ideacuteia de participaccedilatildeo eacute a chave conducente a uma siacutentese que eacute como a ponte a ligar os dois extremos Leva em conta a identidade sem perder a variedade de vista

Isto eacute Platatildeo vai solucionar o aparente embate entre os preacute-socraacuteticos com a

ideia de participaccedilatildeo Segundo Molinaro (2002 p 27) a soluccedilatildeo platocircnica consiste

em afirmar o ser que aparece absolutamente e que se contrapotildee absolutamente ao

natildeo-ser absoluto Mas nessa linha absoluta aparece um ser certo e determinado que

necessariamente eacute mas que eacute aquele ser e natildeo eacute outro ser certo e determinado Por

exemplo a aacutervore eacute e eacute aacutervore mas natildeo eacute a pedra Neste ponto percebe-se a

presenccedila da alteridade e natildeo da contraditoriedade A oposiccedilatildeo de contradiccedilatildeo

acontece no plano absoluto absoluto ser e absoluto natildeo-ser A oposiccedilatildeo de alteridade

ou diversidade acontece no plano relativo ser outro e natildeo ser outro

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 16: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

15

Esta constituiccedilatildeo do outro implica dois tipos de relaccedilatildeo primeiro com o ser e o

natildeo-ser absolutos e segundo com os outros entes A estrutura da relaccedilatildeo que o outro

implica com o ser absoluto e com o absoluto natildeo-ser eacute vista como jaacute se afirmou na

figura metafiacutesica de participaccedilatildeo contributo de Platatildeo que se configura de vaacuterios

modos (MOLINARO 2002 p 29)

a) Participaccedilatildeo como tal (microέθεξις ndash metessi) um ldquoter parte emrdquo tomar

parte do ser (partem capere)

b) Imitaccedilatildeo ou mimesi (microίmicroησις) donde resulta a semelhanccedila

c) Comunhatildeo ou koinonia (χoινωνία) que surge entre o que participa e

aquilo do que participa

d) Presenccedila ou parusiacutea (παρoυσία) pela presenccedila do ser os entes satildeo

(presenccedila presentificaccedilatildeo apresentaccedilatildeo do ser)

223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato

Aristoacuteteles ao refletir sobre o devir em uma perspectiva diferente de Heraacuteclito

buscando assim como Platatildeo com a multiplicidade uma resposta para o problema do

devir natildeo respondido por Parmecircnides desenvolveu uma metafiacutesica do ato que foi

fundamental para a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes

Na linha de raciociacutenio exposta por Molinaro (2002 p 35) Aristoacuteteles vai

percebendo que o devir eacute um processo de um ente ou sobre um ente Percebe-se

entatildeo que haacute no ente deveniente isto eacute que sofre o devir um substrato idecircntico

estaacutevel permanente e imutaacutevel e que sem o mesmo natildeo se daacute o devir O devir acaba

ocorrendo numa base permanente e imoacutevel

O devir seria entatildeo a passagem do substrato idecircntico de um estado de privaccedilatildeo

a um estado de forma Por exemplo passagem do natildeo-branco ao branco Esse estado

de privaccedilatildeo natildeo eacute nada mas uma realidade eacute o ser em potecircncia a respeito do qual

o estado de forma correlato eacute o ser em ato Toda privaccedilatildeo eacute privaccedilatildeo referente agravequela

forma e toda potecircncia eacute potecircncia referente agravequele ato O devir natildeo eacute portanto uma

passagem do natildeo-ser absoluto mas de um certo qual natildeo-ser que eacute tal referente agrave

forma ou ao ato ao qual termina (MOLINARO 2002 p 36)

Vale notar contudo que o devir mesmo com a introduccedilatildeo do substrato

continua sendo uma passagem do natildeo-ser ao ser A potencialidade natildeo soacute natildeo eacute o

ato mas tambeacutem natildeo pode tornar-se ato por si mesma isso seria gerar o ser a partir

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

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consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 17: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

16

do nada Exige-se entatildeo a introduccedilatildeo de um quarto elemento a causa um princiacutepio

que jaacute eacute em ato Eacute a tese do primado do ato nada passa da potecircncia ao ato senatildeo em

virtude de um ente em ato Aristoacuteteles (1969 p 200) vai dizer

Pois do que existe em potecircncia nasce o que existe em ato pela accedilatildeo de um ser existente em ato p ex o homem do homem o muacutesico pelo muacutesico haacute sempre um primeiro motor que jaacute existe em ato [] tudo quanto eacute produzido o eacute de alguma coisa e por alguma coisa e eacute da mesma espeacutecie desta (Metafiacutesica IX 8)

Como o devir soacute acontece em virtude de um outro ente em ato a causa se

essa causa for causada por outra e essa outra por outra e assim sucessivamente

chega-se agrave conclusatildeo para evitar-se regredir ao infinito da necessidade de existir

uma causa primeira um ente que eacute soacute ato Ato Puro Deus isento de privaccedilotildees imoacutevel

e imutaacutevel em sentido absoluto (MOLINARO 2002 p 37)

224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia

O filoacutesofo aacuterabe Avicena seguindo al-Fārābī concebeu a distinccedilatildeo real entre

essecircncia e existecircncia que eacute fundamental para compreender a noccedilatildeo tomista de ser

Segundo Gilson (1962 p 23 grifos do autor)

Tomaacutes sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser [] Ela foi preparada com certeza pela Metafiacutesica de Avicena e atraveacutes desta pela de Alfarabi Sustentavam ecircstes dois filoacutesofos a tese de que a existecircncia eacute um complemento da substacircncia que por natildeo estar incluso na sua essecircncia lhe sobreveacutem por assim dizer como um acidente Sogravemente Deus natildeo recebe a existecircncia como complemento de sua essecircncia Deus natildeo tem sua proacutepria existecircncia ecircle eacute sua proacutepria existecircncia

Eacute possiacutevel compreender segundo essa citaccedilatildeo que para al-Fārābī e Avicena

a existecircncia seria entatildeo um acidente da essecircncia Iskandar (2011 p 82 grifo nosso)

contudo vai discordar dessa afirmaccedilatildeo ldquoHaacute que se destacar que [] houve uma

importante contribuiccedilatildeo aviceniana para a eacutepoca quando ele [Avicena] propocircs a

distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia negando que a existecircncia seja um simples

acidente da essecircnciardquo Abbagnano (2012 p 421) vai acrescentar que a reduccedilatildeo de

existecircncia como um simples acidente da essecircncia foi obra do filoacutesofo judeu Moiseacutes

Maimocircnides mas quem deu a melhor expressatildeo a essa distinccedilatildeo foi Tomaacutes de

Aquino

Seguindo portanto a definiccedilatildeo de Abbagnano definir-se-aacute essecircncia e

existecircncia quando se iniciar o estudo da metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 18: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

17

Basta saber por ora que a distinccedilatildeo real entre os termos jaacute foi concebida pelos filoacutesofos

aacuterabes

Como consideraccedilatildeo final deste capiacutetulo afirma-se que a filosofia tomista foi

original como se veraacute mais tarde Contudo eacute uacutetil perceber as influecircncias que Tomaacutes

recebeu dos filoacutesofos anteriores para poder compreender melhor sua filosofia De

Parmecircnides Tomaacutes definiu que o ser eacute o princiacutepio de todas as coisas mas deixou de

lado a univocidade De Platatildeo Tomaacutes herdou o conceito de participaccedilatildeo adaptando-

o agrave metafiacutesica do ato De Aristoacuteteles Tomaacutes continuou a metafiacutesica do ato contudo

definiu como o ato de todas as coisas natildeo a substacircncia mas o ser De Avicena Tomaacutes

retomou a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia desconsiderando a interpretaccedilatildeo

de Maimocircnides de existecircncia como um acidente da essecircncia O fundamento da

metafiacutesica de Tomaacutes derivou-se dessas influecircncias mas com uma originalidade

proacutepria ligada agrave sua concepccedilatildeo de ato de ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 19: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

18

3 O ATO DE SER

A metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino se destaca por ser a metafiacutesica

do ato de ser O primeiro capiacutetulo jaacute mostrou que essa metafiacutesica considera o ser

como sendo real ou melhor a maior realidade existente Aqui compreender-se-aacute no

que consiste essa metafiacutesica Segundo Mondin (2010 p 219)

Causa universaliacutessima de tudo o que existe tanto para santo Tomaacutes como para Parmecircnides eacute o ser natildeo a aacutegua o ar o fogo o bem ou a substacircncia O ser eacute a causa universal de todas as coisas porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda realidade

Natildeo se pode falar em filosofia tomista portanto sem se referir ao ato de ser A

metafiacutesica do ato de ser traspassa toda a filosofia tomista de modo que tudo o que

Satildeo Tomaacutes definiu em sua filosofia estaacute ligado ao ato de ser

31 O CAMINHO DE SAtildeO TOMAacuteS

Natildeo se sabe como Tomaacutes chegou agrave apreensatildeo de suas noccedilotildees fundamentais

em Filosofia Parece que ele sempre teve sua proacutepria noccedilatildeo de ser Houve uma

espeacutecie de preparaccedilatildeo por al-Fārābī Avicena e Maimocircnides como jaacute foi visto no

capiacutetulo anterior mas segundo Gilson (1962 p 24) ldquoa noccedilatildeo progravepriamente tomista

de ser aparece pela primeira vez nos trabalhos de Satildeo Tomaacutes de Aquinordquo Em vatildeo se

procuraria tambeacutem a justificaccedilatildeo de sua noccedilatildeo de ser por ser uma noccedilatildeo primeira

com princiacutepios indemonstraacuteveis

Eacute possiacutevel contudo seguir passo a passo o modo pessoal de abordar a noccedilatildeo

de ser de Tomaacutes que estaacute no acircmago da sua concepccedilatildeo metafiacutesica de realidade Isso

acontece na Suma Contra os Gentios e na Suma Teoloacutegica quando Tomaacutes pretende

falar da essecircncia de Deus Na Suma Contra os Gentios esse caminho aparece no

primeiro livro do capiacutetulo XIV ao XXVII enquanto na Suma Teoloacutegica todo o caminho

estaacute na prima pars questatildeo III6 Aqui se seguiraacute o texto da Suma Contra os Gentios

citando quando for necessaacuterio a Suma Teoloacutegica

Tomaacutes seguiu o caminho de eliminar da natureza divina sucessivamente todos

os tipos de composiccedilatildeo O caminho da eliminaccedilatildeo se fez necessaacuterio porque natildeo se

poderia chegar agrave noccedilatildeo de Deus pela afirmaccedilatildeo como jaacute havia percebido o Pseudo-

6 Quanto agraves divisotildees das obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino cf apecircndice

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

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______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 20: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

19

Dioniacutesio Areopagita e a sua chamada teologia ldquoapofaacuteticardquo que afirmava que a melhor

maneira de falar de Deus era ldquonegando-lhe todo atributo agrave medida que ele eacute superior

a todosrdquo (REALE ANTISERI 2007a p 421) Aqui o Doutor Angeacutelico vai afirmar

Como poreacutem na consideraccedilatildeo da substacircncia divina natildeo podemos apreender sua quumlididade como se fosse um gecircnero nem tampouco podemos apreender sua distinccedilatildeo de outras coisas por diferentes afirmativas eacute necessaacuterio apreendecirc-la por diferenccedilas negativas (CG I XIV 3)7

De fato o caminho trilhado por Tomaacutes eacute o de negar a Deus toda determinaccedilatildeo

No capiacutetulo XV do primeiro livro da Suma Contra os Gentios ele definiraacute que Deus eacute

eterno natildeo estaacute sujeito agrave temporalidade O capiacutetulo XVI diraacute que em Deus natildeo haacute

potecircncia que Deus eacute puro ato O capiacutetulo XVII ensinaraacute que em Deus natildeo haacute mateacuteria

e o XVIII que natildeo haacute composiccedilatildeo No capiacutetulo XIX Tomaacutes conclui que natildeo haacute nada

de violento ou estranho agrave natureza divina No longo capiacutetulo XX ele diz que Deus natildeo

eacute corpo e no capiacutetulo XXI ele vai dizer que Deus eacute sua essecircncia ou quididade

E aqui se percebe onde se encontra a noccedilatildeo de ser de Tomaacutes O caminho

trilhado na Suma Teoloacutegica eacute mais curto poreacutem tambeacutem se deteacutem na definiccedilatildeo que

Deus eacute sua essecircncia no artigo III Gilson (1962 p 25) explica que alguns filoacutesofos

cristatildeos como por exemplo Santo Agostinho jaacute haviam concluiacutedo isso em especial

da definiccedilatildeo que o proacuteprio Deus faz de si mesmo na Sagrada Escritura ao se dirigir a

Moiseacutes ldquoDeus respondeu a Moiseacutes lsquoEU SOU AQUELE QUE SOUrsquo E ajuntou lsquoEis

como responderaacutes aos israelitas (Aquele que se chama) EU SOU envia-me para junto

de voacutesrsquordquo (Ex 3 14)8

Tomaacutes defende que Deus eacute sua essecircncia com este exemplo ao se definir

Soacutecrates tomamos como sua essecircncia a humanidade Soacutecrates poreacutem natildeo eacute

humanidade mas humanidade mais alguma coisa que o faz ser Soacutecrates a chamada

mateacuteria assinalada ou individualizante Nos termos tomistas ldquoAs essecircncias [] satildeo

individualizadas pela mateacuteria assinalada deste ou daquele indiviacuteduordquo (CG I XXI 3)9

O mesmo contudo natildeo acontece com Deus ldquoA essecircncia divina existe singularmente

7 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 46 8 BIacuteBLIA 2006 p 103 Vale a pena aqui uma raacutepida observaccedilatildeo alguns filoacutesofos poderiam dizer que a filosofia cristatilde natildeo eacute filosofia de fato por natildeo conter ldquopureza racionalrdquo mas estar baseada na revelaccedilatildeo cristatilde Apesar de natildeo concordar com essa posiccedilatildeo natildeo eacute objetivo deste trabalho defender uma posiccedilatildeo contraacuteria mas eacute necessaacuterio observar que a filosofia em geral se baseia no uso da razatildeo natildeo sendo contudo as premissas do pensamento filosoacutefico necessariamente racionais 9 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 21: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

20

por si mesma e em si mesma eacute individualizadardquo (CG I XXI 3)10 Explica-se entatildeo o

que vaacuterios filoacutesofos jaacute haviam dito sobre Deus ser sua essecircncia

O caminho de Tomaacutes contudo foi novo ao passar para o capiacutetulo XXII ou o

artigo IV da S Th I III seguindo natildeo o caminho da essecircncia mas o do ser O Aquinate

afirma que em Deus satildeo idecircnticos ldquoser atualrdquo e ldquoessecircnciardquo ou em outros termos que

em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Argumenta-se que se a essecircncia

de Deus natildeo fosse o seu ldquoserrdquo (ldquoesserdquo) que eacute ldquoo nome de um atordquo Deus natildeo seria por

sua proacutepria essecircncia seria por participaccedilatildeo ao verdadeiro ldquoesserdquo graccedilas ao qual ele

existe Ele identifica Deus portanto com o ato sem o qual nenhuma essecircncia existiria

Logo ao nomear Deus definimo-lo como o Puro Ato de Ser o Ipsum Esse

Subsistens11 ou seja o Puro ato existencial aquilo cuja essecircncia toda eacute ser Pode-se

exprimir o caminho de Tomaacutes pela seguinte sequecircncia loacutegica se a filosofia toma a

existecircncia atual como objeto de importacircncia para a reflexatildeo filosoacutefica indagar-se-aacute se

haacute algo de misterioso no fato de que exista alguma coisa em vez de nada Se alguma

coisa eacute ser eacute tatildeo importante que se apresenta como a condiccedilatildeo necessaacuteria para tudo

o mais O que eacute mais importante torna-se aquilo que Deus eacute Logo Deus eacute puramente

Ser12 Daiacute se conclui que em Deus a essecircncia natildeo eacute de modo algum distinta da

existecircncia isto eacute do Puro Ato de Ser Afirmar que Deus eacute somente Ser eacute negar-lhe

tudo o que sendo uma determinaccedilatildeo do ser eacute uma negaccedilatildeo do ser de acordo com

o caminho da eliminaccedilatildeo escolhido por Tomaacutes Qualquer outra afirmaccedilatildeo a respeito

de Deus conduziria a uma ideia errada a respeito do que seja Deus (GILSON 1962)

Aqui se nota o primado do ser para Satildeo Tomaacutes de Aquino o ser eacute a perfeiccedilatildeo

de todas as coisas entatildeo Deus eacute puramente Ser Para Tomaacutes o ser eacute o princiacutepio de

todas as coisas Eacute a partir do ser que as coisas satildeo ou nas palavras do Aquinate

ldquotoda coisa eacute porque tem serrdquo (CG I XXII 6)13 Tomaacutes adotou um novo conceito de

ser e daiacute concluiu a sua definiccedilatildeo de Deus Deus eacute o Puro Ato de Ser e em Deus

aquilo que nos demais entes se denomina essecircncia eacute idecircntico ao Ato de Ser ou em

outras palavras Ato de Ser e essecircncia em Deus satildeo a mesma coisa

10 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 58 11 Ser por si subsistente numa traduccedilatildeo literal do latim 12 Obs Neste trabalho a palavra ldquoSerrdquo iniciada com maiuacutescula designa o Ser divino subsistente em si (Ipsum Esse Subsistens) enquanto a palavra ldquoserrdquo com letra minuacutescula designa o ser transcendental determinado pela essecircncia nos entes finitos 13 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 22: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

21

32 O ATO COMO SER

Quando se estudou a filosofia aristoteacutelica no capiacutetulo anterior percebeu-se a

cooperaccedilatildeo de Aristoacuteteles ao falar do processo do devir como passagem do substrato

da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa Aristoacuteteles havia concebido com isso a tese

do primado do ato onde disse que nada fica em ato senatildeo em virtude de um ente que

jaacute estaacute em ato (MOLINARO 2002 p 37)

A metafiacutesica de Satildeo Tomaacutes segundo Molinaro (2002 p 38) herdou da

metafiacutesica aristoteacutelica a tese do primado do ato ambas satildeo metafiacutesicas do ato

(ἐνέργεια ndash eneacutergeia actus) O que as diferencia uma da outra eacute que para Aristoacuteteles

o ato eacute a forma a determinaccedilatildeo a substacircncia enquanto que para Tomaacutes o ato eacute o

ser a pura e total atualidade do ser Em outra obra Molinaro (2000 p 26) vai afirmar

Tanto sob o aspecto de eneacutergeia como sob o de enteleacutecheia ato eacute a palavra e o conceito-chave da metafiacutesica de Aristoacuteteles o qual natildeo ultrapassou poreacutem a identificaccedilatildeo do ato como forma A ultrapassagem do ato como forma para o ato como ser eacute contribuiccedilatildeo de santo Tomaacutes sob inspiraccedilatildeo parmenideana [sic] O sinal essencial e inegavelmente decisivo dessa ultrapassagem eacute que o Ato puro aristoteacutelico se transforma e se eleva a Ipsum Esse Subsistens

Assim como para Parmecircnides o ser para Satildeo Tomaacutes eacute a causa universaliacutessima

de tudo o que existe porque eacute o receptaacuteculo de toda perfeiccedilatildeo e a fonte uacuteltima de toda

a realidade Natildeo eacute simples presenccedila nem perfeiccedilatildeo miacutenima nem uma barca que

abrange todo o universo o que o Aquinate chamou de ens commune conceito donde

parte a sua investigaccedilatildeo metafiacutesica e que eacute vago indeterminado e que natildeo preenche

as coisas da perfeiccedilatildeo que possuem Adentrando no conceito superficial de ser o

esse commune Tomaacutes chegou a descobrir e explicar o conceito profundo de ser de

onde o conceito superficial recebe substacircncia e valor (MONDIN 2010 p 219-220)

Ao se falar de Deus ou dos entes finitos emprega-se sempre a palavra ato Ser

eacute o ldquoato de todos os atosrdquo No senso comum ato significa accedilatildeo operaccedilatildeo mas isso

seria apenas um ato ldquosegundordquo Antes desse tipo de ato haacute outros atos dos quais os

segundos decorrem os ldquoatos primeirosrdquo que soacute podem ser conhecidos a partir de

seus efeitos ou seja as operaccedilotildees os ldquoatos segundosrdquo Podemos dizer que a alma

humana por exemplo aleacutem de ser uma forma eacute tambeacutem um ato primeiro Chamando

ser ou ldquoesserdquo a um ato diz-se que eacute um ldquoato primeirordquo ou seja um princiacutepio que se

conhece sua existecircncia com certeza pelo efeito que causa Ao contraacuterio das ciecircncias

empiacutericas e da filosofia da natureza a metafiacutesica que tem como objeto proacuteprio a

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

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que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

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entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

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______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 23: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

22

consideraccedilatildeo do ser enquanto ser leva sua investigaccedilatildeo aleacutem das operaccedilotildees

realizadas pelas substacircncias (ciecircncias empiacutericas) e dos atos primeiros das formas

causas dessas operaccedilotildees (filosofia da natureza) para chegar comeccedilando e

terminando na investigaccedilatildeo do ser (GILSON 1962)

Eacute esclarecedora a explicaccedilatildeo de Lauand (1993 p 31 grifo do autor) a respeito

do ato de ser

E o que significa ser Ser eacute antes de mais nada atividade ato Todas as coisas todos os entes satildeo antes de mais nada ldquoaqueles que exercem o ato de serrdquo [] Mas justamente por constituir a primeira atividade a mais fundamental ndash e ldquoa mais maravilhosardquo diraacute Gilson [] ndash o ser escapa a qualquer definiccedilatildeo ldquoO ato de ser natildeo pode ser definidordquo

Jaacute foi citado no primeiro capiacutetulo o que seria o ser para Satildeo Tomaacutes o ser

ldquodesigna um atordquo (CG I XXII 4)14 e eacute ldquoa actualidade de tocircda forma ou naturezardquo (S

Th I III IV)15 ldquoO ser em si eacute [o] mais perfeito de todos por actualizar a todos pois

nenhum ser eacute actual senatildeo enquanto existente Por onde o ser em si eacute o que actualiza

todos os outros e mesmo as proacuteprias formasrdquo (S Th I IV I 3r)16 Considerado

absolutamente ldquoeacute infinito porque infinitas coisas podem participar dele de diversos

modosrdquo (CG I XLIII 6)17 Mondin (2010 p 221-222) resume

O ser eacute verdadeiramente a atualidade de qualquer forma ou natureza o ato primeiro e uacuteltimo de qualquer ente [] O ser estaacute pois no fundo da realidade do ente e sustenta-a em todos os seus momentos modalidades e formas O ser eacute verdadeiramente a perfeiccedilatildeo absoluta a raiz de todas as perfeiccedilotildees [] enquanto nenhuma outra perfeiccedilatildeo e nenhum outro valor satildeo concebiacuteveis como efetivos isto eacute como reais sem que participem do ser o ser ao contraacuterio pode ser concebido mesmo que natildeo participe de outras perfeiccedilotildees eacute concebiacutevel em si mesmo ut esse ipsum subsistens Enfim o ser como afirma Tomaacutes de Aquino eacute o que haacute de mais iacutentimo e profundo nas coisas [] Na trama constitutiva do ente no seu desenvolvimento na sua conclusatildeo tudo procede do ser o ente forma-se graccedilas ao ser parte do ser e retorna ao ser [] Trata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernos

Em siacutentese nota-se que ldquoessas caracteriacutesticas se condensam na afirmaccedilatildeo da

atualidade pura e absoluta do serrdquo (MOLINARO 2002 p 63)

Falando-se agora da divisatildeo do ser em potecircncia e ato Tomaacutes segue Aristoacuteteles

ao dizer que essa divisatildeo ocorre em qualquer tipo de composiccedilatildeo A mais geral de

todas as composiccedilotildees eacute a composiccedilatildeo de ato e potecircncia Ao dizer que Deus eacute Puro

14 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 60 15 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 26 16 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 34 17 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 88

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 24: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

23

Ato tende-se a reduzir a noccedilatildeo de ser agrave noccedilatildeo de ato que parece mais elevada Este

eacute um perigo que se deve evitar imaginar que o ato eacute uma noccedilatildeo mais elevada que o

ser Deve-se portanto destacar que natildeo haacute noccedilatildeo mais ampla e fundamental que a

noccedilatildeo de ser O primeiro princiacutepio eacute ser e natildeo ato Natildeo se reduz a noccedilatildeo de ser agrave

noccedilatildeo de ato mas a noccedilatildeo de ato agrave noccedilatildeo de ser Que eacute ato Ato eacute ser Ser Puro Ato

eacute ser Puro Ser eacute ser o proacuteprio Deus Ato eacute redutiacutevel a Deus e natildeo Deus a ato (GILSON

1962)

Em todos os entes finitos haacute sempre um grau de potecircncia jaacute que sempre

finitos algo lhes limita a atualidade Potecircncia eacute a aptidatildeo a vir-a-ser e se mede pela

distacircncia que separa aquilo que o ente eacute daquilo que ele pode vir a ser a composiccedilatildeo

de ato e potecircncia eacute simplesmente a composiccedilatildeo de um ente tomado em niacutevel mais

baixo de atualidade com uma perfeiccedilatildeo que pode elevaacute-lo a mais alto niacutevel de

atualidade Como quer que se considere a realidade a inteligecircncia nunca sai da noccedilatildeo

de ser (GILSON 1962 p 47)

Em poucas palavras o ser eacute o que haacute de mais perfeito em todos os entes o

que coloca todos em ato O ato de ser portanto natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade

operativa mas algo de fixo e estaacutevel no ser finito eacute o que de mais perfeito haacute no ente

finito A potecircncia eacute uma aptidatildeo a vir-a-ser algo que pode elevar a perfeiccedilatildeo do ente

33 ESSEcircNCIA E EXISTEcircNCIA

Como jaacute foi visto no capiacutetulo anterior a distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia iniciou-se com al-Fārābī e Avicena e de acordo com Abbagnano (2012 p

421) ldquoquem deu agrave doutrina sua melhor expressatildeo foi Tomaacutes de Aquinordquo De fato a

distinccedilatildeo entre essecircncia e existecircncia presente na metafiacutesica tomista eacute fundamental

para entender a concepccedilatildeo tomista de Deus

Quando se falou do caminho de Tomaacutes percebeu-se que ele foi mais aleacutem no

capiacutetulo XXII do livro I da Suma Contra os Gentios quando ao definir a essecircncia de

Deus ele concluiu que em Deus essecircncia e existecircncia satildeo a mesma coisa Deus eacute

o Puro Ato de Ser O ato de ser eacute a energia metafiacutesica que faz um ente existir ou seja

a proacutepria existecircncia do ente Entatildeo em Deus a essecircncia e a existecircncia ou ato de ser

satildeo a mesma coisa

Na Suma Teoloacutegica prima pars questatildeo III ao fazer o mesmo caminho

descrito acima Tomaacutes de Aquino tem um objetivo provar que Deus eacute simples isto eacute

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 25: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

24

que em Deus natildeo haacute nenhum tipo de composiccedilatildeo No artigo VII ele faz a conclusatildeo

da simplicidade de Deus natildeo haacute nem composiccedilatildeo de mateacuteria e forma de potecircncia e

ato e de essecircncia e existecircncia

Para chegar agrave simplicidade de Deus a uacuteltima composiccedilatildeo eliminada foi a de

essecircncia e existecircncia Por conseguinte a primeira composiccedilatildeo encontrada nas

criaturas eacute a composiccedilatildeo de essecircncia e existecircncia Com exceccedilatildeo de Deus todo ser

se compotildee pelo menos ldquodaquilo querdquo ele eacute isto eacute sua essecircncia e do ato existencial

em virtude do que ele eacute ou seja do seu ato de ser Agrave questatildeo ldquoqual eacute no tomismo o

sentido da ceacutelebre composiccedilatildeo de essecircncia e existecircnciardquo a resposta direta eacute isso

significa que como Deus eacute o seu proacuteprio Ato de Ser nenhum outro ente pode ser o

seu proacuteprio ato de ser (GILSON 1962)

A existecircncia ou ato de ser como se viu eacute a energia metafiacutesica que faz um ente

finito existir A distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia eacute defendida por Tomaacutes da

seguinte forma

Ora toda essecircncia ou quididade pode ser inteligida sem que algo seja inteligido do seu ser Posso de fato inteligir o que eacute o homem ou a fecircnix e no entanto ignorar se tem ser na natureza das coisas Portanto eacute claro que o ser eacute outro em relaccedilatildeo agrave essecircncia ou quididade (EE IV 52)18

Compreende-se entatildeo que a essecircncia difere da existecircncia porque eacute possiacutevel

conceber algo sem necessariamente comprovar sua existecircncia

Daiacute se conclui o que eacute essecircncia a definiccedilatildeo da coisa Tomaacutes usa dois termos

iniciais para definir quididade ou seja ldquoaquilo pelo qual algo tem o ser algordquo e

natureza segundo Boeacutecio ldquoaquilo que pode ser captado pelo intelectordquo (EE I 5)19

Ele prefere usar no entanto um terceiro termo essecircncia que abrange os dois

anteriores e quer significar ldquoque por ela e nela o ente tem o serrdquo (EE I 6)20

Aqui compreende-se o que eacute o ente aquilo cujo ato eacute ser A definiccedilatildeo pode ficar

mais clara ao comparar com a definiccedilatildeo de vivente aquilo cujo ato eacute viver Ato seria

aqui a atualidade pura a perfeiccedilatildeo maacutexima o ser eacute o ato de tudo o que eacute em tudo o

que eacute assim como o viver eacute o ato de tudo o que vive em tudo o que vive (MOLINARO

2002 p 56) ldquoO ente natildeo eacute o ser mas uma determinaccedilatildeo do ser um isso ou um aquilo

do ser o ser deste ou daquele modordquo (MOLINARO 2000 p 8) A determinaccedilatildeo

18 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 38-39 19 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 19-20 20 TOMAacuteS DE AQUINO 2013 p 20

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 26: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

25

entatildeo seria a essecircncia O ato de ser a atualidade pura e a perfeiccedilatildeo maacutexima do ente

seria a existecircncia

A causa da finitude nos entes eacute a essecircncia ou em outras palavras o que faz

um ente ser finito eacute aquilo que se acrescenta ao seu ato de ser Em todos os entes

com exceccedilatildeo de Deus o ato de ser eacute limitado determinado e restringido pela sua

essecircncia Portanto o ente finito pode ser concebido como um ente cujo ato existencial

eacute limitado pela proacutepria essecircncia que ele possui O efeito primordial da essecircncia eacute

restringir o ato de ser agraves dimensotildees determinadas pela definiccedilatildeo daquilo que a

essecircncia eacute Isso quer dizer que a essecircncia de um ente finito fazendo-o ser aquilo que

ele eacute impede-o de ser o proacuteprio Deus ou em outras palavras a essecircncia de um ente

finito restringe o ato de ser impedindo-o de ser o Puro Ato de Ser Como

consequecircncia com exceccedilatildeo de Deus todos os entes tecircm a essecircncia distinta da

existecircncia e nada haacute de mais perfeito que o proacuteprio ato pelo qual eles satildeo O ato de

ser eacute o ato de todos os atos a perfeiccedilatildeo de todas as perfeiccedilotildees (GILSON 1962)

Haacute muita resistecircncia neste pensamento mas ele eacute inseparaacutevel da metafiacutesica

realista Como Deus eacute o Puro Ato de Ser toda participaccedilatildeo na perfeiccedilatildeo da natureza

divina eacute antes de mais nada uma participaccedilatildeo daquele ato supremo Nota-se aqui

que a essecircncia natildeo aperfeiccediloa o ato de ser antes o ldquodesaperfeiccediloardquo Esta eacute uma

filosofia difiacutecil de entender por se apoiar em uma noccedilatildeo extremamente simples mas

principalmente porque entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da

inteligecircncia humana eacute algo negativo Mas eacute possiacutevel compreender que essa

negatividade acontece em relaccedilatildeo ao Puro Ato de Ser Deus Como satildeo as essecircncias

participaccedilotildees do ser cada uma haacute nelas uma perfeiccedilatildeo tambeacutem apesar de haver a

imperfeiccedilatildeo de ser apenas uma parte do ser Haacute graus de perfeiccedilatildeo nos entes como

se veraacute adiante eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que pedra ser

animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem e

infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo (GILSON 1962)

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

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______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

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JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

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MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 27: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

26

34 DEUS E OS ENTES FINITOS

Antes de explanar sobre o ser precisa-se compreender o que satildeo os entes

finitos em sua relaccedilatildeo com o Puro Ato de Ser Deus Essa necessidade se mostra

para compreender o processo de explicitaccedilatildeo do ser que seraacute estudado em seguida

Primeiramente segundo Gilson (1962) deve-se entender que para Tomaacutes

ldquoserrdquo e ldquoser infinitordquo satildeo a mesma coisa jaacute que ldquoinfinitordquo eacute um termo negativo que quer

eliminar toda noccedilatildeo de finitude o que se aplica a Deus Como jaacute se afirmou em Deus

o Ato de Ser eacute aquilo que nos outros entes chama-se essecircncia e nos entes finitos

a essecircncia eacute o que limita seu ato de ser impedindo-os de ser o Puro Ato de Ser

Como tambeacutem jaacute se afirmou diferentemente de Deus os entes finitos possuem

composiccedilatildeo pelo menos de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica

Segundo Gilson (1962) todo ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual

fora do nada mas ao mesmo tempo o ser natildeo eacute o mesmo no Ato de Ser Subsistente

em Si Deus e nas substacircncias que o tecircm distinto de sua essecircncia Pode-se definir o

ente finito com precisatildeo como sendo uma essecircncia dotada de um ato de ser

lembrando sempre que a existecircncia eacute mais perfeita que a essecircncia

Avicena talvez tenha chegado mais longe que Tomaacutes ao afirmar que Deus natildeo

tem essecircncia Eacute provaacutevel que o Aquinate tenha se sentido tentado a seguir esse

raciociacutenio mas nunca fez essa afirmaccedilatildeo em suas obras apesar tambeacutem de natildeo

condenaacute-la A essecircncia de algo eacute a resposta agrave pergunta ldquoQue eacute issordquo Dizer que Deus

natildeo tem essecircncia eacute responder ldquoNadardquo agrave pergunta ldquoO que eacute Deusrdquo o que eacute impossiacutevel

Essa definiccedilatildeo ateacute pode ser vaacutelida jaacute que se considera essecircncia como algo distinto do

Puro Ato de existecircncia atual de Deus como aquilo que limita o ato de ser A filosofia

contudo precisa da linguagem para se manifestar e por isso parece que Tomaacutes natildeo

quer que se perca o contato com a realidade finita mesmo ao se falar de Deus

(GILSON 1962)

Falando-se da essecircncia natildeo eacute possiacutevel afirma Gilson (1962 p 52) do ponto

de vista tomista conceber a noccedilatildeo de ser separadamente da noccedilatildeo de existecircncia

atual como faz a metafiacutesica essencialista ldquocuja tese decisiva eacute a da redutibilidade do

real agrave essecircnciardquo (BRANDAtildeO 1994 p 45 grifo do autor) O ente finito tem causas

que satildeo seus elementos constitutivos a essecircncia e o ato de ser Natildeo satildeo dois seres

mas juntos satildeo a composiccedilatildeo de um mesmo ser Natildeo se deve resumir a metafiacutesica a

uma consideraccedilatildeo da essecircncia mas eacute notaacutevel a importacircncia da essecircncia na

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 28: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

27

composiccedilatildeo do ente finito ela eacute o proacuteprio sujeito que recebe o ato em virtude do qual

determinado ser existe Sem a essecircncia natildeo haveria o ente finito

O ato de ser por sua vez natildeo eacute uma operaccedilatildeo ou faculdade operativa mas

algo de fixo e estaacutevel no ser finito O ato de ser de um indiviacuteduo natildeo eacute o mesmo de

outro Ele natildeo se identifica com o ser que ele atualiza devendo haver a essecircncia para

recebecirc-lo porque se natildeo houver sujeito ele mesmo natildeo poderaacute existir O ato de ser

dos entes finitos natildeo eacute subsistente em si como o Puro Ato de Ser O que torna as

coisas diferentes natildeo eacute o fato de serem mas de serem o que satildeo Em outras palavras

ainda que cada coisa tenha o seu ato de ser individual este natildeo a faz diferente das

outras coisas mas sim as essecircncias ou naturezas que a fazem adquirir o ser por

modos diferentes Isso natildeo quer dizer que a essecircncia tem primazia sobre o ato de ser

mas apenas que a determinaccedilatildeo eacute importante na constituiccedilatildeo do ente finito (GILSON

1962)

Na filosofia tomista o ato de ser eacute o que haacute de mais iacutentimo em todas as coisas

e para que algo tenha ser eacute necessaacuterio que Deus esteja sempre atuando sobre o

ente Vale a pena fixar aqui este ponto para Tomaacutes o que haacute de mais iacutentimo e

profundo em qualquer coisa eacute seu ato de ser ou seja o ato pelo qual a coisa eacute Esse

eacute o tomismo no sentido filosoacutefico da palavra

Partindo-se das criaturas para chegar a Deus Gilson (1962 p 69) levanta

algumas perguntas Por que existe o mundo criado Por que se existe o Primeiro

Motor a Causa natildeo causada ou o Ser necessaacuterio existiriam os movidos as causas

causadas ou os seres contingentes Usando os termos da filosofia tomista pode-se

perguntar se existe o Ato Puro de Ser por que existiriam os entes finitos

A resposta eacute que conveacutem por natureza a qualquer ato comunicar-se tanto

quanto possiacutevel e a natureza divina eacute puramente ato Deus porque eacute o Puro Ato de

Ser tende naturalmente a agir a operar e a comunicar-se por meio da criaccedilatildeo Se

tudo age desde que estaacute em ato a natureza criadora divina eacute facilmente compreendida

atraveacutes da noccedilatildeo de Puro Ato de Ser Eacute conveniente que um Deus que eacute Puro Ato

deva agir (GILSON 1962 p 75)

Como ser criado eacute receber o ser apenas as substacircncias satildeo propriamente

criadas jaacute que somente elas possuem por si mesmas um ato de ser A substacircncia

toda eacute criada de uma soacute vez O primeiro ponto contudo eacute o ser o ato pelo qual o ente

eacute A primeira das criaturas eacute o ser Ser eacute o princiacutepio formal com respeito a tudo aquilo

que haacute em alguma coisa (GILSON 1962)

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 29: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

28

Dado que o ato de ser eacute o efeito proacuteprio de Deus e a mais iacutentima e profunda

realidade das criaturas conclui-se que Deus opera intimamente em todas as coisas

Gilson (1962 p 81) afirma

Esta doutrina estaacute exposta na Summa theologiae I 8 I na resposta agrave pergunta ldquoEstaacute Deus em tocircdas as coisasrdquo E a resposta eacute ldquosimrdquo porque ldquouma coisa eacute enquanto opera Ora Deus opera em tocircdas as coisas Portanto Deus estaacute em tocircdas as coisasrdquo Ao justificar sua conclusatildeo ndash Tomaacutes invoca o princiacutepio de que ldquoDeus estaacute presente em tocircdas as coisas natildeo naturalmente como parte da essecircncia delas nem como um acidente e sim como um agente estaacute presente naquilo em que agerdquo Acabamos de ver agora que ldquouma vez que Deus eacute o seu proacuteprio ser por essecircncia o ser criado deve ser Seu efeito proacutepriordquo E Deus natildeo causa secircres finitos sogravemente no momento de sua criaccedilatildeo ldquomas enquanto a criatura continua a existir tem que ser mantida no ser assim como a luz eacute produzida no ar pelo sol por quanto tempo o ar permanece iluminado Destarte enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela de acocircrdo com seu modo de ser Mas ser (esse) eacute o que haacute de mais interior em cada coisa e o que haacute de mais fundamentalmente presente em tocircdas as coisas como acima ficou demonstrado Assim eacute necessaacuterio que Deus esteja em tocircdas as coisas e da maneira mais iacutentima

Deus estaacute presente em todas as coisas natildeo como parte de sua essecircncia nem

como acidente mas como um agente estaacute presente naquilo que age Deus natildeo causa

seres finitos somente no momento da criaccedilatildeo mas enquanto a criatura existe deve

ser mantida no ser Enquanto uma coisa tem ser Deus estaacute presente nela Essa eacute

uma presenccedila de Deus por sua essecircncia como causa eficiente Eacute a doutrina tomista

da cooperaccedilatildeo imediata de Deus com as criaturas Para negar isso soacute negando o

tomismo ou seja negando que o ato de ser eacute mais iacutentimo agrave criatura que sua essecircncia

Esse eacute o lugar central da noccedilatildeo de esse na concepccedilatildeo tomista da relaccedilatildeo das criaturas

com Deus

A relaccedilatildeo de Deus e das criaturas eacute uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo derivado do

latim partem capere21 conceito fundamental para entender a analogia do ser que seraacute

estudada mais adiante Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo de participaccedilatildeo na concepccedilatildeo

platocircnica de metessi mimesi koinonia e parusiacutea Esse conceito se desenvolveu no

neoplatonismo e atraveacutes de Santo Agostinho atingiu sua formulaccedilatildeo claacutessica em Satildeo

Tomaacutes de Aquino que o sintetizou na doutrina aristoteacutelica do ato e da potecircncia e

englobando nele a noccedilatildeo de causalidade eficiente e exemplar elevou-o agrave expressatildeo

essencial da relaccedilatildeo criacional (MOLINARO 2000 p 104)

Haacute dois aspectos de que se deve falar da participaccedilatildeo o primeiro se refere agrave

relaccedilatildeo de criaccedilatildeo de derivaccedilatildeo e de dependecircncia do ente relativamente ao Puro Ato

21 Tomar parte numa traduccedilatildeo literal

29

de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 30: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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de Ser o segundo estabelece o significado do ente por participaccedilatildeo pondo em ato a

referecircncia ao Puro Ato de Ser Deus o Puro Ato de Ser seria o Ser por essecircncia

aquilo cuja essecircncia eacute Ser e o ente por participaccedilatildeo o ente finito significa o ser cuja

essecircncia ou determinaccedilatildeo eacute a participaccedilatildeo no Ser Molinaro (2000 p 105) depois

dessas definiccedilotildees acrescenta

Nesse segundo significado torna-se clara a identidade entre participaccedilatildeo e essecircncia ou determinaccedilatildeo Essa clareza exige que se elimine do conceito de participaccedilatildeo a representaccedilatildeo de um ente ou de uma essecircncia pressupostos ao ato de participar e portanto tais que recebam o ato de ser do Ser por essecircncia O ente enquanto ser determinado eacute participante no mesmo sentido no qual eacute determinado a sua participaccedilatildeo no ser eacute a sua determinaccedilatildeo ou essecircncia Da mesma clareza segue-se ainda que o verbo ldquoparticiparrdquo deve ser entendido em sentido intransitivo equivalente a ldquodeterminar-serdquo do ser no ente no tocante tanto agrave sua essecircncia quanto agrave sua atualidade

Entatildeo em poucas palavras a participaccedilatildeo do ente finito no Ser eacute a sua proacutepria

essecircncia Mondin (1982 p 175) faz uma simples comparaccedilatildeo a participaccedilatildeo do ente

finito no Ser natildeo se daacute como a participaccedilatildeo das fatias num bolo Se fosse dessa

maneira os entes finitos e Deus teriam a mesma natureza e substacircncia Os entes

finitos participam do Ser como a coacutepia participa do modelo Eacute uma participaccedilatildeo por

semelhanccedila natildeo por essecircncia Com essa doutrina Tomaacutes evita o perigo do

panteiacutesmo sem diminuir as criaturas O ser delas ainda permanece divino de uma

divindade natildeo essencial mas imitativa

Aqui se pode compreender a originalidade da teoria tomista de ser Gardeil

(1967 p 123-124) vai explicar

Quando se observa de perto esta anaacutelise do ser pela distinccedilatildeo real do par essecircncia-existecircncia assinala-se uma transformaccedilatildeo profunda da ontologia de Aristoacuteteles por S Tomaacutes E como o mostrou Gilson na sua obra socircbre Lrsquoecirctre et lrsquoessence isso daacute agrave metafiacutesica do Doutor angeacutelico uma significaccedilatildeo bastante original que nem sempre foi bem percebida mesmo em sua Escola A tendecircncia mais constante dos filoacutesofos a histoacuteria o prova foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza como uma essecircncia [] Ora se retornarmos a S Tomaacutes veremos [] que a existecircncia eacute ato ou como a perfeiccedilatildeo uacuteltima do ser e que o proacuteprio Deus eacute o Ipsum esse subsistens O ser eacute pois para ecircle e tanto em Deus como nas criaturas existecircncia por excelecircncia [] Em sentido bastante diferente e eacute preciso sublinhaacute-lo do que toma a palavra em certas filosofias contemporacircneas a metafiacutesica de S Tomaacutes pode ser considerada existencialista E a ecircste tiacutetulo em face dos antigos racionalismos escolaacutesticos ou modernos apresenta-se como um pensamento notagravevelmente original

Em outras palavras a originalidade de Tomaacutes consiste em afirmar a distinccedilatildeo

real entre essecircncia e existecircncia e natildeo considerar o ser como uma essecircncia mas como

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 31: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

30

a existecircncia determinada pela essecircncia e como algo mais perfeito que ela o que natildeo

foi considerado pelos filoacutesofos posteriores tanto escolaacutesticos como modernos

35 A EXPLICITACcedilAtildeO ONTOLOacuteGICA DO SER

351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser

Como a metafiacutesica realista eacute o processo de explicitaccedilatildeo do ser e sua

manifestaccedilatildeo eacute necessaacuterio explanar brevemente sobre esse processo Para isso far-

se-aacute uso da explicaccedilatildeo de Molinaro (2002 p 69-70)

Esse processo adveacutem segundo os elementos que o ser manifesta de si mesmo

Estes elementos satildeo como jaacute se estudou o ser enquanto tal no seu absoluto e

transcendentalidade e a determinaccedilatildeo ou essecircncia ou participaccedilatildeo Uma vez que a

determinaccedilatildeo eacute interior ao ser ela se apresenta necessariamente em siacutentese com o

ser esta siacutentese de ser e determinaccedilatildeo eacute o ente Impotildee-se pois a necessidade de

ter bem distintas a consideraccedilatildeo do ser enquanto tal e a consideraccedilatildeo do ente

distinccedilatildeo essa que no fundo eacute a mesma distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia da

qual jaacute se tratou

Dessa distinccedilatildeo resulta o duplo plano no qual adveacutem ndash deve advir ndash a

explicitaccedilatildeo do ser e da sua manifestaccedilatildeo

a) O plano da explicitaccedilatildeo transcendental ou ontoloacutegica que ilumina as

propriedades transcendentais do ser estas satildeo o uno o verdadeiro

o bom e o belo

b) O plano da explicitaccedilatildeo categorial ou determinada ou ocircntica que

ilumina as propriedades categoriais do ente ou seja do ser

determinado ou participado do ser segundo a essecircncia com o qual

se apresenta em siacutentese estas satildeo a analogia a substacircncia e o

acidente o ato e a potecircncia os graus de perfeiccedilatildeo

A explicitaccedilatildeo seria entatildeo a exposiccedilatildeo das propriedades do ser no plano

ontoloacutegico e no ocircntico obtendo-se respectivamente em cada um as propriedades

transcendentais e categoriais do ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 32: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

31

352 Propriedades transcendentais do ser

Para falar das propriedades transcendentais do ser eacute necessaacuterio primeiro

precisar o significado de transcendental no contexto tomista principalmente para

evitar confusotildees com outras definiccedilotildees feitas por outros filoacutesofos como Kant e

Heidegger

O transcendental eacute uma propriedade na qual se exprime a transcendentalidade

do ser Isso significa que os transcendentais se estendem quanto e como se estende

o ser a realidade do ser eacute a sua realidade Por isso vale para eles o caraacuteter da

inseparabilidade e da identidade com o ser eacute quanto estaacute contido em seu caraacuteter

transcendental Mas enquanto os transcendentais expressam o ser explicitando-o

vale para eles ao mesmo tempo o caraacuteter da distinccedilatildeo do ser justamente porque

enriquecem-no expotildeem-no e assim expandem-no Eles natildeo designam realidades

diversas mas a mesma realidade ndash o ser ndash na qual a luz do pensamento acesa pelo

proacuteprio manifestar-se do ser distingue os momentos de tal manifestaccedilatildeo Nesse

sentido deve-se dizer que eles tecircm um fundamento real (MOLINARO 2002 p 73-74)

ldquo[] nenhum decircsses transcendentais acrescenta nada de novo ao ser pois satildeo

apenas aspectos do ser considerado a luzes diversasrdquo (HIRSCHBERGER 1959 p

132)

Os transcendentais satildeo unidade verdade e bondade (unum verum e bonum)

Idecircnticos e distintos eles satildeo conversiacuteveis com o proacuteprio ser Deve-se de fato afirmar

que o ser eacute a unidade a verdade e a bondade que a unidade a verdade e a bondade

satildeo o ser que a unidade eacute a verdade e a bondade que a bondade eacute a unidade e a

verdade que a verdade eacute a unidade e a bondade Em geral nos transcendentais se

verifica a auto expressatildeo e a autodistinccedilatildeo do ser mesmo o ser se desenvolve em si

mesmo e o resultado imediato deste autodesenvolvimento eacute a distinccedilatildeo da unidade

da verdade e da bondade na sua proacutepria identidade O ser nas suas propriedades

transcendentais mostra a sua identidade na distinccedilatildeo ou o que eacute o mesmo a sua

distinccedilatildeo na identidade (MOLINARO 2002 p 74)

Dizer que o ser eacute unum (uno) expressa sua indivisibilidade

A unidade natildeo acrescenta nada ao ser mas soacute a negaccedilatildeo da divisatildeo pois ser uno natildeo eacute senatildeo ser indiviso e daqui resulta claramente que a unidade eacute conversiacutevel no ser Pois todo ser ou eacute simples ou eacute composto Aquecircle eacute indiviso actual e potencialmente Ecircste natildeo recebe o ser enquanto as suas partes estiverem divididas Mas soacute depois que elas o constituem e compotildeem Por onde eacute manifesto que o ser de qualquer coisa consiste na sua indivisatildeo

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 33: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

32

e daiacute vem que todo ente conserva o seu ser na medida em que conserva a unidade (S Th I XI I)22

Isso quer dizer que a indivisatildeo eacute necessaacuteria a um ente para ele se manter no

ser Molinaro (2002 p 76) explica que a unidade como indivisatildeo significa negaccedilatildeo

da negaccedilatildeo do ser e da oposiccedilatildeo do ser A oposiccedilatildeo maacutexima e absoluta do ser eacute a

negaccedilatildeo do ser o natildeo-ser que se opotildee contraditoriamente agrave afirmaccedilatildeo do ser A

unidade portanto exprime a oposiccedilatildeo contraditoacuteria do ser agrave proacutepria negaccedilatildeo em

outras palavras o ser exclui torna impossiacutevel o natildeo-ser como sua negaccedilatildeo O ser eacute

o puro afirmativo eacute impossiacutevel que haja oposiccedilatildeo ao ser e o ser eacute tambeacutem identidade

isto eacute natildeo eacute outra coisa que o ser Vale a pena relembrar que essa propriedade assim

como toda propriedade transcendental do ser estaacute no plano do ser e natildeo da

determinaccedilatildeo ou seja da essecircncia relembrando da distinccedilatildeo real entre essecircncia e

existecircncia e que a determinaccedilatildeo do ser natildeo eacute todo o ser No plano do ser (ontoloacutegico)

encontramos a unidade no plano da determinaccedilatildeo do ser (ocircntico) a multiplicidade

Quando se fala da unidade do ser fala-se que natildeo haacute realidade que natildeo seja

tal para o ser que natildeo seja ser Ao se falar no ser como verdade e bondade faz-se

uma separaccedilatildeo entre ser e espiacuterito (alma intelecccedilatildeo) O espiacuterito tambeacutem se separa

em inteligecircncia e vontade e ambas satildeo os modos com os quais o espiacuterito supera a

separaccedilatildeo e estabelece a sua identificaccedilatildeo com o ser A verdade seria entatildeo a

presenccedila do ser na inteligecircncia enquanto a bondade seria a presenccedila da vontade no

ser O ser se conforma agrave inteligecircncia no processo da verdade formando como um

semiciacuterculo e a vontade se conforma ao ser no processo da bondade formando outro

semiciacuterculo e fechando o ciclo Onde termina a interiorizaccedilatildeo do ser por parte da

inteligecircncia comeccedila a realizaccedilatildeo da vontade no ser (MOLINARO 2002 p 80)

Ao se afirmar que o ser eacute verum (verdadeiro) afirma-se portanto que ele eacute

inteligiacutevel racional Eacute conheciacutevel na medida em que ldquoeacuterdquo na medida em que estaacute em

ato Eacute verdadeiro porque participa do ser segundo Tomaacutes ldquoA verdade estaacute nas

cousas e no intelecto [] Mas a verdade existente nas cousas converte-se

substancialmente com o ser a que poreacutem existe no intelecto converte-se com o serrdquo

(S Th I XVI III 1r)23

Isso quer dizer como a verdade eacute propriedade transcendental do ser que toda

a verdade eacute ser e que todo o ser eacute verdade Pode-se falar da verdade loacutegica ou seja

22 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 80 23 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 168

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

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______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 34: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

33

da proacutepria inteligecircncia como manifestaccedilatildeo do ente e se realiza o ente como

adequaccedilatildeo24 e conformidade com ela eacute a verdade na ordem do conhecimento Mas

tambeacutem aqui surge a verdade ocircntica ou seja a inteligibilidade do ente que exprime

a afinidade e a intimidade do ente agrave inteligecircncia Neste sentido o ente eacute medida da

verdade da inteligecircncia eacute a verdade do ente no qual se funda a verdade loacutegica da

inteligecircncia o seu conteuacutedo (MOLINARO 2002 p 83-84)

Dizer que o ser eacute bonum (bom) eacute o mesmo que dizer que ele eacute desejaacutevel

amaacutevel ldquoO dito ndash o bem eacute o que todos os secircres desejam ndash natildeo significa que cada bem

seja desejado por todos mas que tudo o que eacute desejado tem o caraacuteter de bemrdquo (S

Th I VI II 2r)25 ou seja o bem eacute aquilo que pode ser desejado Tem-se aqui uma

noccedilatildeo de valor Bem e ser satildeo noccedilotildees convertiacuteveis Assim como com a verdade todo

o ser eacute bondade e toda bondade eacute ser

Nesse sentido transcendental a vontade eacute vontade de ser enquanto eacute vontade

que eacute o ser mesmo o ser quer ser o ser tem-se e se manteacutem inteiramente em si

mesmo A vontade eacute o ser que se possui perfeitamente e permanece nessa posse Se

a verdade exprime a necessidade do ser de ser junto de si a bondade exprime a

permanecircncia perfeita do ser em posse de si a posse de si completa De fato o ser eacute

desde sempre e absolutamente o voliacutevel que eacute atualmente querido o amaacutevel que eacute

atualmente amado o desejaacutevel que eacute atualmente desejado e assim por diante Da

mesma forma que a verdade existe a bondade intencional ou em exerciacutecio que

corresponde agrave verdade loacutegica e a bondade ocircntica que corresponde agrave verdade ocircntica

Enquanto a primeira designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a vontade a inclinaccedilatildeo o

amor a segunda designa o ente cuja determinaccedilatildeo eacute a volibilidade a inclinabilidade

a amabilidade A primeira eacute intenccedilatildeo ato da vontade a segunda eacute o cumprimento da

intenccedilatildeo a vontade inclina e tende para o ente que por sua parte satisfaz e completa

tal inclinaccedilatildeo e tal tendecircncia (MOLINARO 2002)

Por fim pode-se perceber o ser como beleza ou no plano ocircntico o belo

(pulchrum) Natildeo eacute uma explicitaccedilatildeo particular do ser ou do ente mas a harmonia das

explicitaccedilotildees anteriores da unidade da verdade e da bondade Molinaro (2002 p 90-

92) conclui essa afirmaccedilatildeo a partir da Suma Teoloacutegica I XXXIX VIII26 onde Tomaacutes

24 Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer da definiccedilatildeo de verdade como adequaccedilatildeo ou correspondecircncia mas apenas demonstrar o princiacutepio ontoloacutegico da definiccedilatildeo gnosioloacutegica tomista da verdade 25 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 48 26 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 359

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 35: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

34

vai dizer que a beleza exige trecircs condiccedilotildees a integridade a proporccedilatildeo e o esplendor

ou claridade A integridade corresponde agrave unidade jaacute que ambas satildeo indivisatildeo

perfeiccedilatildeo plenitude A proporccedilatildeo corresponde agrave bondade que eacute proporccedilatildeo do ser

consigo mesmo o ser em posse de si mesmo O esplendor ou claridade corresponde

agrave verdade jaacute que eacute a manifestaccedilatildeo do ser a luminosidade do ser manifesto o

esplendor da apariccedilatildeo do ser Portanto da harmonia entre unidade verdade e

bondade conclui-se que o ser possui tambeacutem a propriedade transcendental da

beleza

36 A EXPLICITACcedilAtildeO OcircNTICA DO SER

361 Analogia

Diferentemente de Deus os entes finitos possuem composiccedilatildeo pelo menos

de essecircncia e existecircncia isto eacute uma estrutura metafiacutesica Esse ser eacute anaacutelogo todo

ato de ser potildee o ente na condiccedilatildeo de existecircncia atual fora do nada mas ao mesmo

tempo o ser natildeo eacute o mesmo no ato de ser subsistente em si Deus e nas substacircncias

que o tecircm distinto de sua essecircncia (GILSON 1962 p 51)

Na Suma Contra os Gentios (II XLV 1)27 Tomaacutes faz sua proacutepria definiccedilatildeo de

analogia justificando nela a necessidade de multiplicidade e variedade

Com efeito como todo agente pretende introduzir no efeito a sua semelhanccedila na medida que o efeito a possa receber tanto mais perfeita eacute a accedilatildeo quanto mais perfeito eacute o agente [] Ora Deus eacute o agente perfeitiacutessimo Por isso cabia-lhe introduzir nas coisas criadas de modo perfeitiacutessimo a sua semelhanccedila conforme a conveniecircncia da coisa criada Mas a perfeita semelhanccedila as coisas criadas natildeo a podem conseguir em uma soacute espeacutecie de criatura porque a causa excedendo o efeito o que na causa estaacute simples e unificado estaacute em composiccedilatildeo e multiplicado no efeito a natildeo ser que este se equipare agrave espeacutecie da causa Mas isso natildeo pode ser atribuiacutedo ao nosso caso porque a criatura natildeo se pode igualar a Deus Foi pois necessaacuterio ter havido multiplicidade e variedade nas coisas criadas para que nelas houvesse a seu modo perfeita semelhanccedila de Deus

Como Deus eacute um uacutenico e as criaturas satildeo muacuteltiplas eacute necessaacuterio que haja um

meio termo entre a unidade e a multiplicidade e que acabe com a ambiguidade entre

elas a analogia

O atributo de analogia do ser vem determinar a metafiacutesica de Tomaacutes de forma

a corrigir eventuais erros na interpretaccedilatildeo da filosofia tomista Gardeil (1967 p 35)

27 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 241-242 grifo do autor

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 36: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

35

explica que Tomaacutes apresenta a analogia como um modo de atribuiccedilatildeo loacutegica

intermediaacuterio entre a atribuiccedilatildeo uniacutevoca e a atribuiccedilatildeo equiacutevoca O termo uniacutevoco se

reporta aos seus inferiores segundo uma mesma significaccedilatildeo o termo equiacutevoco

conveacutem agraves coisas agraves quais eacute atribuiacutedo segundo significaccedilotildees inteiramente diversas o

termo anaacutelogo diz-se dos seus inferiores segundo uma significaccedilatildeo parcialmente

diferente e parcialmente semelhante

A situaccedilatildeo se esclarece ao se perceber que univocismo metafiacutesico eacute o mesmo

que monismo e que equivocismo metafiacutesico eacute o mesmo que pluralismo

Consequentemente a analogia eacute a posiccedilatildeo na qual a diferenccedila ou a multiplicidade

supotildee e implica a identidade ou a unidade (MOLINARO 2000 p 16) Os termos

univocidade equivocidade e analogia se desdobram em trecircs niacuteveis o linguiacutestico da

palavra e do termo o loacutegico do pensamento e do significado o ontoloacutegico ou

metafiacutesico da coisa ou do ente Molinaro (2002 p 117) descreve esta disposiccedilatildeo da

seguinte maneira

a) Univocidade um termo um significado uma coisa

b) Equivocidade um termo muitos significados discrepantes e

desconexos muitas coisas discrepantes e desconexas

c) Analogia um termo muitos significados unificados muitas coisas

unificadas

O que diferencia a analogia da univocidade eacute a multiplicidade de significados e

de coisas e o que a diferencia da equivocidade eacute a unidade ou melhor a unificaccedilatildeo

dos muitos significados e das muitas coisas

Mondin define a analogia como uma espeacutecie de semelhanccedila que natildeo eacute nem

especiacutefica ou seja entre seres que pertencem agrave mesma espeacutecie e nem geneacuterica

entre seres que pertencem ao mesmo gecircnero ldquoSe natildeo pertencem nem ao mesmo

gecircnero nem agrave mesma espeacutecie a semelhanccedila eacute designada por Tomaacutes com o termo

analogia o qual originariamente significava simplesmente lsquosemelhanccedilarsquordquo (MONDIN

1982 p 176 grifo do autor)

O conceito analoacutegico estaacute numa situaccedilatildeo bastante especial como explica

Gardeil (1967 p 39) Num conceito uniacutevoco como por exemplo ser vivo e animal

onde acontece semelhanccedila de gecircnero haacute uma unidade de significaccedilatildeo com conteuacutedo

preciso e determinado onde a passagem aos termos inferiores as espeacutecies ocorre

pela diferenccedila especiacutefica exterior ao gecircnero O conceito uniacutevoco eacute uno e divisiacutevel em

potecircncia O mesmo natildeo ocorre no conceito analoacutegico a unidade e a diversidade

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 37: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

36

acontecem de forma diferente Os termos sujeitos chamados analogados natildeo podem

ser excluiacutedos do conceito encontram-se pois aiacute representados mas de modo

impliacutecito e dentro de uma certa confusatildeo A unidade de um conceito analoacutegico natildeo

seraacute abstrata como do uniacutevoco mas proporcional fundada sobre a conveniecircncia real

dos analogados entre si O conceito analoacutegico eacute um conceito uno de uma unidade

proporcional envolvendo implicitamente ou de modo confuso a diversidade dos

analogados Deste conceito uacutenico e confuso passa-se ao conhecimento distinto de

cada analogado tornando expliacutecito o modo que lhe corresponde conseguindo entatildeo

um conhecimento preciso

362 Substacircncia e acidente

Aristoacuteteles determinou as categorias do ser que satildeo a substacircncia (ousiacutea ndash

oὐσία) e os nove acidentes (symbebekoacutes ndash συmicroβεβηκός) que vecircm junto na

substacircncia

Pois os nossos conceitos satildeo designaccedilotildees de uma essecircncia (substacircncia) ou satildeo aspectos da quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo situaccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo As categorias por sua vez se repartem em dois grandes grupos De um lado estaacute a substacircncia o ser existente por si mesmo e tendo por isso uma certa independecircncia De outro lado estatildeo os restantes nove esquemas chamados acidentes o que pode acrescentar-se agrave substacircncia como determinaccedilatildeo proacutepria (HIRSCHBERGER 1957 p 146-147)

Na filosofia aristoteacutelica substacircncia eacute o que se define e se entende em

contraposiccedilatildeo a ldquoacidenterdquo A substacircncia eacute uma unidade ontoloacutegica da qual se diz que

tem o ser por si proacutepria Ela natildeo toma seu ser do de outra coisa mas ldquoeacute por si proacutepriardquo

O acidente ao contraacuterio natildeo tem um ser proacuteprio existe apenas em outro e por outro

ser chamado de substacircncia Em resumo a definiccedilatildeo aristoteacutelica de substacircncia eacute um

ser por si (ens per se) e de acidente eacute aquilo que existe por outro ou em outro (ens

per aliud ou in alio) (GILSON 1962 p 54)

De fato para Aristoacuteteles a substacircncia eacute o ponto central de sua metafiacutesica

Molinaro vai destacar que a equivalecircncia metafiacutesica posta por Aristoacuteteles entre a

pergunta sobre o ente e a pergunta sobre a substacircncia estabeleceu uma vez por todas

a importacircncia central do significado de substacircncia na filosofia ldquotoda filosofia se

qualifica com base na compreensatildeo do ente isto eacute da substacircncia e reciprocamenterdquo

(MOLINARO 2000 p 119)

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 38: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

37

Natildeo eacute esse o valor dos termos na doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino Como jaacute

se viu Tomaacutes deu agrave sua filosofia um novo significado ao estabelecer a distinccedilatildeo real

entre essecircncia e existecircncia e afirmar que a existecircncia o ato de ser eacute o que haacute de

mais iacutentimo e perfeito em um ente Com isso fica impossiacutevel isolar a existecircncia real

para poder reduzir a metafiacutesica a uma consideraccedilatildeo de essecircncia Gilson (1962 p 54)

conclui com isso que no ldquotomismo autecircntico natildeo existe a lsquoessecircncia realrsquo separada do

ato de ser que faz dela uma realidaderdquo Por isso a palavra ldquosubstacircnciardquo recebe um

novo significado na doutrina tomista

A sua noccedilatildeo de ser leva o Aquinate a refundir a definiccedilatildeo comumente aceita de

substacircncia Em vez de dizer que a substacircncia eacute um ser que eacute por si proacuteprio concluindo

que ldquoserrdquo (ens) seja apenas um gecircnero e natildeo a existecircncia atual Tomaacutes prefere dizer

que a substacircncia eacute aquilo a cuja natureza conveacutem ser por si proacuteprio Inversamente a

nova definiccedilatildeo de ldquoacidenterdquo seria aquilo a cuja natureza conveacutem existir em e por outro

ser (GILSON 1962 p 55) Nas palavras do Doutor Angeacutelico

Por conseguinte eacute necessaacuterio que a razatildeo formal da substacircncia seja entendida no sentido de que substacircncia eacute a coisa que conveacutem ser natildeo em outro sujeito O termo coisa eacute posto em razatildeo da quumlididade como o termo ente em razatildeo do ser Donde a razatildeo formal da substacircncia significar que ela tem quumlididade que conveacutem ser natildeo em outra coisa (CG I XXV 6)28

Na Suma Teoloacutegica

O nome de substacircncia natildeo significa sogravemente o que subsiste por si porque o ser em si mesmo natildeo eacute geacutenero como demonstraacutemos Mas significa a essecircncia agrave qual conveacutem existir decircsse modo i eacute por si mesmo sem que isso poreacutem lhe constitua a essecircncia proacutepria (S Th I III V 1r)29

Ou seja para Tomaacutes substacircncia natildeo pode ser simplesmente um ens per se e

acidente um ens per alio porque o ser natildeo pode ser simplesmente um conceito como

diz a metafiacutesica essencialista Substacircncia eacute uma essecircncia que eacute de tal natureza que

aperfeiccediloada pelo ato de ser existiraacute em virtude de seu proacuteprio ser O acidente ao

contraacuterio nunca tem existecircncia proacutepria sua natureza eacute tal que ele natildeo pode subsistir

por um ato proacuteprio de ser (GILSON 1962 p 56)

28 TOMAacuteS DE AQUINO 1990 p 64 grifos do autor 29 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 28-29

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 39: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

38

363 Ato e potecircncia a causalidade

Jaacute se falou no primeiro capiacutetulo da concepccedilatildeo aristoteacutelica de devir como a

passagem do substrato da potecircncia ao ato pela accedilatildeo da causa e que eacute necessaacuterio

para se evitar regredir ao infinito concluir a existecircncia de um primeiro motor um ato

puro Deus Viu-se tambeacutem que Tomaacutes de Aquino apesar de usar dos mesmos

termos fez a passagem da definiccedilatildeo aristoteacutelica de ato como forma para definir o ato

como ser a pura e total atualidade do ser Potecircncia seria entatildeo aptidatildeo a vir-a-ser

como tambeacutem jaacute foi definido Faltou portanto falar sobre a causa para Tomaacutes Gilson

(1962 p 88) afirma que o Aquinate sempre aceitou a noccedilatildeo de causa como uma

heranccedila grega Causa para ele eacute aquilo de que resulta de modo necessaacuterio outra

coisa A dificuldade que surge eacute a da resultacircncia de outro ser a partir de um ser

Jaacute se explicou tambeacutem que eacute conveniente que um ser que esteja em ato deva

agir Isso explica filosoficamente a accedilatildeo criadora de Deus que eacute Puro Ato de Ser e

por isso seu efeito proacuteprio eacute o ser A causalidade seria entatildeo resultado da participaccedilatildeo

dos entes finitos no Puro Ato de Ser Pertence propriamente ao ato de ser operar e

causar efeitos semelhantes a si proacuteprio Em outras palavras como as criaturas

assemelham-se ao criador (ou os efeitos agrave causa) elas devem imitar-lhe sendo

causas eficientes A causalidade eficiente das criaturas eacute semelhanccedila na

conformidade com a causalidade criadora de Deus Segundo Gilson (1962 p 93)

ldquoNuma doutrina como a de Tomaacutes de Aquino na qual o ato dos atos eacute ser haacute em cada

ser uma tendecircncia inata para comunicar o ser ora ser causa do ser eacute ser causa

eficiente Decircste modo o ato pelo qual um ser eacute ou existe eacute a raiz da eficiecircncia causalrdquo

Todo agente produz seu semelhante somente o ser pode criar seres Criar

consiste em causar a existecircncia atual produzir o ato atraveacutes do qual as coisas satildeo

produzir ser produzir-se do nada e ser posto fora do nada na existecircncia atual Eacute

diferente da causalidade eficiente dos homens porque soacute Deus causa a existecircncia

atual enquanto o homem30 como causa eficiente usa de uma mateacuteria prima jaacute

existente Para se obter uma mesa por exemplo precisa-se de madeira (GILSON

1962 p 78) Em linguagem mais simples o homem modifica o que jaacute eacute ldquoserrdquo para ldquotal

30 Este trabalho ao se referir a ldquohomemrdquo refere-se ao ldquoser humanordquo em geral traduzindo-se do termo grego anthropos (ἄνθρωπος) ou latino homo e natildeo do grego androacutes (ἀνδρoacuteς) ou latino vir que significam ldquovaratildeo ser humano do sexo masculinordquo

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 40: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

39

serrdquo ou seja muda a essecircncia de algo que jaacute tem existecircncia enquanto Deus faz existir

tanto o ldquoserrdquo como o ldquotal serrdquo isto eacute a essecircncia e a existecircncia Nas palavras de Tomaacutes

Tocircdas as causas criadas tecircm de comum aquecircle efeito que eacute ser (esse) muito embora cada qual tenha seus efeitos proacuteprios pelos quais esta se distingue daquela Por exemplo o calor faz existir o que eacute quente e o construtor a casa Assim essas causas tecircm isso de comum que causam o ser mas diferem enquanto o fogo causa o fogo e o construtor o edifiacutecio Deve pois haver uma causa superior a tocircdas as causas em virtude da qual tocircdas causam o ser e cujo efeito proacuteprio seja o ser (De Potentia VII 2)31

Seres criados natildeo criam mesmo quando produzem o ser mas sua causalidade

eficiente eacute imagem da causalidade criadora de Deus Os seres criados entatildeo

comunicam algo de sua proacutepria atualidade Gilson (1962 p 92) ensina que causar eacute

para uma causa comunicar algo do seu proacuteprio ato de ser ao ser do efeito Surge uma

mudanccedila de nomenclatura o devir natildeo seria mais a passagem da potecircncia ao ato

mas segundo Molinaro (2002 p 141) eacute atuaccedilatildeo ndash accedilatildeo da causa ndash da potecircncia por

obra da causa o ato de ser da causa atua a potecircncia do ente deveniente Em resumo

para Tomaacutes de Aquino causar eacute comunicar o proacuteprio ato de ser Apenas Deus cria a

essecircncia e a existecircncia As criaturas em virtude da participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser

agem como causas eficientes atuando seres em potecircncia

364 Graus de perfeiccedilatildeo

Quando se falou da distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia abordou-se

sobre os graus de perfeiccedilatildeo do ser Gilson (1962 p 43) jaacute havia determinado sobre

esses graus de perfeiccedilatildeo eacute melhor ser pedra que ser nada melhor ser planta que

pedra ser animal que planta ser homem que animal irracional ser anjo que homem

e infinitamente melhor ser o Puro Ato de Ser Eacute sempre bom para um ente finito ser o

que ele eacute se bem que em comparaccedilatildeo com o Puro Ser eacute uma imperfeiccedilatildeo para

qualquer essecircncia ser somente isto ou aquilo Isso eacute percebido pela variedade dos

entes

Com isso jaacute se deduz que como o ato de ser a existecircncia eacute a perfeiccedilatildeo de

todas as perfeiccedilotildees e a essecircncia a determinaccedilatildeo eacute o que limita o ato de ser ela limita

entatildeo a proacutepria perfeiccedilatildeo do ente Quanto mais a essecircncia limita o ato de ser mais

imperfeito ele seraacute Tomaacutes vai afirmar

31 TOMAacuteS DE AQUINO apud GILSON 1962 p 91-92

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 41: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

40

Assim sendo quanto mais uma coisa estaacute proacutexima de Deus tanto mais perfeita ela eacute Por isso natildeo pode haver diferenccedila nas formas senatildeo enquanto uma eacute mais perfeita do que a outra razatildeo por que Aristoacuteteles [Metafiacutesica VIII 3 segundo o tradutor] assemelha as definiccedilotildees pelas quais satildeo significadas as naturezas das coisas e as formas aos nuacutemeros nos quais as espeacutecies variam pela adiccedilatildeo ou subtraccedilatildeo da unidade para que assim se venha saber que a diversidade das formas exige graus diversos de perfeiccedilatildeo E isto claramente aparece a quem for observar a natureza das coisas Verificaraacute com efeito se o fizer atentamente que a diversidade das coisas se daacute gradativamente Assim encontraraacute as plantas em grau superior agraves coisas inanimadas sobre as plantas os animais irracionais sobre estes as criaturas intelectuais [] Evidencia-se pois que a diversidade das coisas exige que todas natildeo sejam iguais mas que nelas exista uma graduaccedilatildeo (CG III XCVII 2)32

Haacute uma hierarquia de essecircncias e a nova questatildeo eacute saber por que assim eacute

Cada essecircncia para Tomaacutes representa uma quantidade de ato de ser participada por

uma substacircncia especificamente definida Cada essecircncia especificamente definida

deve sua quididade agrave medida de sua participaccedilatildeo na atualidade infinita do ser divino

O mundo entatildeo eacute uma estrutura hieraacuterquica dos seres As criaturas recebem de Deus

a existecircncia atual seu proacuteprio ato de ser de acordo com seu grau de perfeiccedilatildeo A

medida dos respectivos atos de ser eacute que constitui os vaacuterios graus do ser Neste

universo as criaturas de grau superior exercem a causalidade eficiente sobre as de

grau inferior (GILSON 1962 p 99)

Segundo Hirschberger (1959 p 133-134) ldquono fundo haacute aiacute uma transformaccedilatildeo

da teoria platocircnica das Ideacuteias e da dialeacutetica do conceito de participaccedilatildeo e da piracircmide

das Ideacuteias platocircnicasrdquo Pela participaccedilatildeo e analogia quanto menos a essecircncia de um

ente finito limita o seu ato de ser maior sua participaccedilatildeo no Puro Ato de Ser e

consequentemente maior seu grau de perfeiccedilatildeo

37 FINALIDADE

A finalidade eacute uma explicitaccedilatildeo do ser tanto no plano ontoloacutegico como no plano

ocircntico Quando se viu as propriedades transcendentais do ser no plano ontoloacutegico

percebeu-se no ciclo criado pelo processo verdade-bondade que esse ciclo origina-

se no ser e ruma para o ser Da mesma forma ao se falar da causalidade no plano

ocircntico nota-se a necessidade de que uma causa ao atuar uma potecircncia tenha uma

finalidade que eacute o ato

32 TOMAacuteS DE AQUINO 1996 p 562-563

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 42: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

41

Gilson (1962 p 93) explica que ldquoTodo ato tende por natureza a comunicar-se

Noutras palavras ser em ato inclui uma tendecircncia a agir Eacute o significado da foacutermula

tomista ser eacute tender (esse est tendere)rdquo O agir portanto estaacute intrinsecamente unido

ao que estaacute em ato e consequentemente ao ser

Por isso Molinaro (2002 p 148) vai definir o agir como uma propriedade

transcendental do ser como a unidade a verdade e a bondade ldquoEacute precisamente

aquele transcendental que explicita exprime e clarifica o ser como siacutentese da verdade

e da bondaderdquo Seria a atualidade do ser que por um lado eacute intelecccedilatildeo e por outro eacute

voliccedilatildeo A accedilatildeo explicita exprime e clarifica o ser como a atualidade no qual se

explicita exprime e clarifica o ser enquanto verdade e enquanto bondade O ser eacute

accedilatildeo como atualidade da verdade e da bondade

Assim compreende-se a noccedilatildeo de finalidade (do grego teacutelos ndash τέλoς e do latim

finis) ldquoHaacute um fim uacuteltimo a que tudo se ordena o summum bonum que eacute Deusrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142) Como tudo se ordena a Ele onde se encontra a

atualidade de todo o real e de todas as formas nota-se proximidade e distacircncia

inferioridade e superioridade em relaccedilatildeo a esse fim supremo donde novamente se

deduz o conceito de graus de perfeiccedilatildeo do ser agora relacionado com o fim uacuteltimo

ldquoTemos assim diante dos olhos uma completa teleologia do ser e do devirrdquo

(HIRSCHBERGER 1959 p 142)

Uma vez que o ser eacute accedilatildeo ele eacute tambeacutem intenccedilatildeo e execuccedilatildeo e por isso eacute fim

em si de si e por isso mesmo fim absoluto Afinal ldquonatildeo eacute possiacutevel um fim do ser que

natildeo seja o proacuteprio ser jaacute que aleacutem do ser ou de outra coisa que natildeo seja o ser haacute soacute

o nada isto eacute natildeo haacute nadardquo (MOLINARO 2000 p 64) Assim pode-se compreender

a finalidade transcendental do ser no plano ontoloacutegico

No plano ocircntico Jolivet (1965 p 313) afirma que as noccedilotildees de causalidade

estatildeo ligadas agrave de finalidade De fato Tomaacutes de Aquino vai dizer que tudo opera em

vista de um fim

Pois vemos que algumas [coisas] como os corpos naturais carecentes de conhecimento operam em vista de um fim o que se conclui de operarem sempre ou frequumlentemente do mesmo modo para conseguirem o que eacute oacutetimo donde resulta que chegam ao fim (S Th I II III)33

33 TOMAacuteS DE AQUINO 1980 p 20

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 43: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

42

ldquoTodo agente age por um fim (omne agens agit propter finem)rdquo (MOLINARO

2002 p 147) Para Jolivet (1965 p 313) isso eacute evidente por si e se demonstra pelo

absurdo se um agente natildeo estivesse determinado a produzir um efeito definido natildeo

produziria nem uma coisa nem outra

O fim eacute anterior ao ato Molinaro (2002 p 146) defende que a causa eficiente

eacute tal enquanto e soacute enquanto tem ou eacute a anterioridade do ato no qual termina e no

qual se realiza a operaccedilatildeo do causar eacute anteriormente ao efeito Essa anterioridade eacute

o fim a intenccedilatildeo da causa eficiente sua finalidade essencial

Jolivet (1965 p 317) classifica os fins em fim da obra (finis operis) que eacute o fim

objetivo da accedilatildeo em si por exemplo o ato de dar esmola com o fim objetivo de ajudar

o mendigo e fim do agente (finis operantis) que eacute subjetivo e reside na intenccedilatildeo por

exemplo a pessoa dar esmola querendo com isso chamar a atenccedilatildeo para sua

generosidade Quando o finis operantis natildeo coincide com o finis operis a obra natildeo

tem mais razatildeo de fim torna-se simples meio Nas palavras de Molinaro (2000 p 64)

o fim da accedilatildeo ou operaccedilatildeo eacute a atualidade como ldquouniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeordquo

Nesta uniatildeo de intenccedilatildeo e execuccedilatildeo obteacutem-se o fim de todos os atos o bem

ou seja o ser34 O ato de ser de um ente finito natildeo eacute soacute aquilo por forccedila do qual o ente

eacute e exercita o seu ser isto eacute a sua atualidade e a sua intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem aquilo

em vista do qual o ente eacute e desde o princiacutepio exercita o seu ser isto eacute sua atuaccedilatildeo

e sua execuccedilatildeo (MOLINARO 2002 p 147)

Molinaro (2002 p 151) vai concluir que essa finalidade intencional e executiva

do ente do ser e para o ser eacute a expressatildeo da intriacutenseca finalidade transcendental do

ser aquela pela qual ser e accedilatildeo satildeo transcendentalmente conversiacuteveis Em outras

palavras se um ente possui seu ato de ser como o que tem de mais iacutentimo e perfeito

sua accedilatildeo vai sempre se direcionar a essa perfeiccedilatildeo naturalmente O ser inteligiacutevel

como objeto da vontade acaba se tornando o fim de toda accedilatildeo causal

34 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste trabalho discorrer das consequecircncias dessa definiccedilatildeo na filosofia moral ou seja na eacutetica Contudo vale a pena notar que daiacute pode-se obter uma explicaccedilatildeo metafiacutesica da existecircncia da lei natural que eacute aquela lei jaacute inscrita em cada homem Isso acontece porque o ser eacute a finalidade de todos os atos toda accedilatildeo busca o ser e essa busca jaacute estaacute presente nos entes finitos inclusive no ser humano A lei natural seria entatildeo expressatildeo dessa busca pelo ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

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JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

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REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

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______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

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TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 44: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

43

4 O TOMISMO NA MODERNIDADE

Por fim conveacutem falar sobre a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino na

modernidade em especial no seacuteculo XX onde muitos pensadores a estudaram

A metafiacutesica realista foi simplesmente deixada de lado apoacutes Tomaacutes e somente

nos seacuteculos XIX e XX ela foi estudada da maneira devida Tambeacutem natildeo houve filoacutesofo

moderno que levasse em conta a filosofia do ato de ser Ao ensinar a definiccedilatildeo tomista

de ser como foi estudado no toacutepico sobre o ato como ser Mondin (2010 p 222)

afirma ldquoTrata-se de um conceito novo totalmente desconhecido dos filoacutesofos gregos

e natildeo levado em conta pelos filoacutesofos modernosrdquo

Deve-se lembrar tambeacutem que a filosofia de Tomaacutes de Aquino eacute ateacute hoje

considerada pela Igreja Catoacutelica35 como o patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido

Ou seja para a Igreja Catoacutelica natildeo eacute a mudanccedila dos tempos que alteraraacute a validade

da metafiacutesica realista

Este capiacutetulo se dividiraacute em trecircs partes primeiro seraacute trabalhado o pensamento

filosoacutefico logo apoacutes Tomaacutes de Aquino onde se veraacute atraveacutes dos estudos de Eacutetienne

Gilson que mesmo os filoacutesofos que se diziam tomistas na realidade deixaram de lado

no estudo de suas filosofias a metafiacutesica realista Em seguida seraacute abordada a

escolha da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista de Tomaacutes de Aquino para por fim

estudar brevemente o tomismo no seacuteculo XX

41 APOacuteS TOMAacuteS DE AQUINO

Jaacute no tempo de Tomaacutes sua filosofia acabou por ser aceita por seus

contemporacircneos O Aquinate comeccedilou a ensinar muito jovem conforme explica

Torrell (1999 p 43) ldquoTomaacutes contava entatildeo com 27 anos e segundo os estatutos da

Universidade deveria contar com 29 para assumir canonicamente esse cargo [de

professor]rdquo e muito cedo jaacute ganhou fama de mestre por onde ensinou

Apoacutes sua morte a obra de Tomaacutes tornou-se referecircncia entre os dominicanos

ordem religiosa agrave qual pertencia Muitos se diziam seus seguidores admiravam sua

filosofia Gilson (1995 p 672) vai confirmar dizendo que ldquoA despeito das resistecircncias

que encontrou a doutrina de santo Tomaacutes logo lhe conquistou numerosos disciacutepulos

35 Este trabalho ao se referir a ldquoIgreja Catoacutelicardquo designa a Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

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______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 45: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

44

natildeo soacute dentro da Ordem dominicana como tambeacutem em outros meios escolares e

religiososrdquo

Essas resistecircncias vinham principalmente dos franciscanos que tinham muitos

filoacutesofos pertencentes agrave ordem inclusive grandes nomes como Satildeo Boaventura Duns

Scot ou Guilherme de Ockham e que se opunham em muito agrave filosofia dos

dominicanos (GILSON 1995 p 670) Natildeo eacute objetivo deste trabalho discorrer sobre a

disputa entre franciscanos e dominicanos mas entender o processo histoacuterico que

ocorreu dentro da proacutepria filosofia tomista o fenocircmeno que houve entre os seguidores

de Tomaacutes mais precisamente no que diz respeito agrave metafiacutesica realista de modo que

Gilson (1962 p 63) vai dizer que ldquoJaacute no seacuteculo XIV parece ter havido um acocircrdo

unacircnime contra elardquo O curioso foi que a filosofia tomista natildeo foi negada pelos que se

lhe opunham mas pelos proacuteprios seguidores de Tomaacutes

Gilson (1962 p 64) afirma

Mais surpreendente ainda e talvez uacutenico em tocircda a histoacuteria da Filosofia eacute o fato de que ecircste princiacutepio fundamental da doutrina de Tomaacutes de Aquino [a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia e a superioridade do ato de ser] tenha sido constante e quase sogravelidamente negado por homens que faziam profissatildeo de seguir a sua doutrina e de defendecirc-la contra seus oponentes

Gilson (1962 p 64-65) em seguida vai se perguntar por que ou antes como

podem os seguidores professos de uma doutrina recusar o primeiro princiacutepio dessa

doutrina Citando o dominicano Luiz Bantildeez que viveu no fim do seacuteculo XVI ele

percebe que na distinccedilatildeo real de essecircncia e existecircncia uma pergunta surge se a

essecircncia recebe a existecircncia atual ela antes jaacute natildeo deveria possuir essa existecircncia

A resposta a essa pergunta eacute de iacutendole profundamente filosoacutefica a distinccedilatildeo de

essecircncia e existecircncia natildeo eacute a de dois seres mas tem lugar no ser como se estudou

no toacutepico sobre Deus e os entes finitos Para se unir em composiccedilatildeo com uma

essecircncia distinta dele o ato de ser nada deve acrescentar a si proacuteprio mas ao

contraacuterio perde algo de sua atualidade infinita Contudo essa indagaccedilatildeo natildeo havia

sido respondida e os estudiosos de Tomaacutes preferiram seguir outro caminho

Como jaacute se viu no segundo capiacutetulo essa filosofia eacute difiacutecil de entender porque

entende que a quididade a essecircncia objeto proacuteprio da inteligecircncia humana eacute algo

negativo Gilson (1962 p 65) concorda que isso eacute ldquobastante sem sabor para um

intelecto como o nosso que se alimenta da quididaderdquo

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

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______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 46: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

45

Gilson (1962 p 65 grifo nosso) quer defender a metafiacutesica realista natildeo porque

eacute a doutrina de Satildeo Tomaacutes mas porque eacute a doutrina que eacute ldquoManter sob seu nome

[Tomaacutes de Aquino] uma doutrina diferente da sua natildeo o prejudica mas nos prejudica

Rouba-nos a mais alta das verdades filosoacuteficasrdquo

Para evitar portanto confundir a metafiacutesica realista com outra Gilson (1962

p 65-66) vai enumerar as duas variedades de pseudotomismo36 citadas por Bantildeez

como sendo as principais A primeira consiste em considerar a existecircncia como um

acidente da essecircncia o que foi algumas vezes atribuiacutedo a Tomaacutes de Aquino Contudo

o pseudotomismo mais difundido eacute o segundo que reduz ldquoa existecircncia agrave substacircncia

considerando que ser eacute ser uma coisardquo (GILSON 1962 p 65) Bantildeez vai atribuir esse

pseudotomismo a Caietano Capreolus e Suarez Tornou-se muito difundido

especialmente pela obra de Caietano que se apresentou como legiacutetima expressatildeo da

doutrina de Tomaacutes de Aquino Ateacute mesmo na ordem dominicana Caietano foi

considerado como o ldquoComentadorrdquo das obras de Tomaacutes (GILSON 1962 p 66)

Natildeo eacute portanto de admirar que Caietano tenha substituiacutedo Tomaacutes de Aquino nas salas de aula A razatildeo principal dessa popularidade eacute simples Caietano liberta o tomismo da penosa noccedilatildeo do esse ou ato de ser Isso naturalmente era libertar o tomismo do tomismo Caietano a seu modo eacute um misteacuterio tambeacutem Amou profundamente Tomaacutes de Aquino Seu comentaacuterio agrave Summa eacute indispensaacutevel aos seus leitores adiantados Entretanto em uacuteltima anaacutelise Caietano ensinou um tomismo falseado Eacute quase inconcebiacutevel que mestres em teologia tenham ousado ensinar um tomismo privado de sua noccedilatildeo metafiacutesica chave Mas foi o que aconteceu Desde que repetimos a Filosofia eacute livre natildeo atinamos com a razatildeo por que aqueles que natildeo concordam com Tomaacutes de Aquino se sentem obrigados a seguir sua doutrina O que natildeo deviam fazer eacute ensinar sob seu nome uma doutrina que natildeo eacute sua E isso penso eu eacute o que fecircz Caietano (GILSON 1962 p 66)

A maior consequecircncia da interpretaccedilatildeo de Caietano foi a reduccedilatildeo da filosofia

tomista a um tipo de aristotelismo A principal diferenccedila entre Tomaacutes e Aristoacuteteles foi

sua concepccedilatildeo de ato como se viu no segundo capiacutetulo enquanto Aristoacuteteles definiu

o ato como sendo a forma a substacircncia Tomaacutes definiu o ato como o ser Caietano

reduzindo a existecircncia agrave substacircncia fez a filosofia tomista se reduzir a um

aristotelismo cristatildeo Isso continua ateacute hoje Muitos livros de filosofia dizem que Tomaacutes

simplesmente ldquocristianizourdquo a filosofia de Aristoacuteteles37

36 Neologismo cunhado por Eacutetienne Gilson que se refere agraves correntes de pensamento que dizem seguir a doutrina de Satildeo Tomaacutes de Aquino mas natildeo a seguem de fato 37 Este texto destinado a estudantes do Ensino Meacutedio exemplifica essa afirmaccedilatildeo ldquoA partir do seacuteculo XIII ndash no periacuteodo do apogeu da escolaacutestica ndash Tomaacutes de Aquino (1225-1274) monge dominicano utilizou traduccedilotildees de Aristoacuteteles feitas diretamente do grego Sua obra principal a Suma teoloacutegica eacute a

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

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MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 47: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

46

42 A OPCcedilAtildeO DA IGREJA CATOacuteLICA PELA METAFIacuteSICA REALISTA38

O retorno da metafiacutesica realista aconteceu no seacuteculo XX favorecido pelo

renascimento da filosofia escolaacutestica no seacuteculo XIX com a chamada neoescolaacutestica

As razotildees que levaram a esse renascimento satildeo citadas por Reale e Antiseri (2007b

p 766-767)

Os pensadores neo-escolaacutesticos reagiram ao racionalismo de origem iluminista ao imanentismo idealista e ao materialismo positivista opuseram-se aos aspectos para eles sempre mais inquietantes do liberalismo poliacutetico isto eacute ao laicismo e agrave secularizaccedilatildeo e procuraram enfrentar as correntes culturais europeacuteias sempre mais contraacuterias ao dado revelado e agrave teologia cristatilde O retorno da escolaacutestica se insere num quadro de fenocircmenos como o da nova valorizaccedilatildeo da Idade Meacutedia [] o das novas preocupaccedilotildees pastorais da Igreja catoacutelica diante do eclipse do sagrado o da defesa do proacuteprio conceito de autoridade posto em crise por toda a eacutepoca moderna e o da reivindicaccedilatildeo do tradicional equiliacutebrio entre razatildeo e feacute no interior do pensamento cristatildeo

Isto eacute diante de filosofias que cada vez mais contrariavam a feacute cristatilde e da

separaccedilatildeo cada vez maior entre feacute e razatildeo foi necessaacuterio retomar a filosofia que

concordava com o que a feacute catoacutelica diz Com isso a Igreja quis que houvesse para

sua teologia uma filosofia soacutelida e fundada O Papa Leatildeo XIII assinou entatildeo no ano

de 1879 a enciacuteclica Aeterni Patris onde ldquofecircz dos princiacutepios tomistas meacutetodos e teses

a filosofia oficial da Igrejardquo (HIRSCHBERGER 1968 p 128)

Leatildeo XIII assim se exprimiu

Aleacutem disso grande nuacutemero de homens que afastando o espiacuterito da feacute desprezam instituiccedilotildees catoacutelicas e professam que seu uacutenico mestre guia eacute a razatildeo Para os curar e trazer agrave graccedila e ao mesmo tempo agrave feacute catoacutelica aleacutem do auxiacutelio sobrenatural de Deus nada mais vemos mais oportuno do que as soacutelidas doutrinas dos Padres e dos Escolaacutesticos que potildeem agrave vista inabalaacuteveis bases da feacute sua origem divina sua verdade certa seus motivos de persuasatildeo os benefiacutecios que tem feito ao gecircnero humano sua perfeita harmonia com a razatildeo e isto com tanta forccedila e evidecircncia quanta eacute necessaacuteria afazer [sic] curvar os espiacuteritos mais rebeldes e mais obstinados (AP 30)39

A Igreja deseja de fato que ldquoa filosofia rationalis seja ministrada aos

estudantes dos seminaacuterios eclesiaacutesticos ad Angelici Doctoris rationem doctrinam et

mais fecunda siacutentese da escolaacutestica por isso mesmo conhecida como filosofia aristoteacutelico-tomistardquo (ARANHA MARTINS 2009 p 162) 38 Apesar do conteuacutedo pouco filosoacutefico deste toacutepico ele se mostra necessaacuterio para a compreensatildeo do surgimento do neotomismo no seacuteculo XX que seraacute brevemente estudado adiante 39 IGREJA CATOacuteLICA 2013 p 16

47

principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 48: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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principiardquo40 (HIRSCHBERGER 1968 p 128) O Conciacutelio Vaticano II fala tambeacutem da

importacircncia de dialogar esse patrimocircnio filosoacutefico perenemente vaacutelido com ldquoos

desenvolvimentos modernos especialmente os que exercem maior influecircncia na

cultura do paiacutes ou se articulam com os recentes progressos da ciecircnciardquo (OT 15)41 O

Papa Joatildeo Paulo II afirmou que a filosofia de Satildeo Tomaacutes ldquoeacute verdadeiramente uma

filosofia do ser e natildeo do simples parecerrdquo (FR 44)42 ou seja a Igreja deve seguir uma

metafiacutesica realista e natildeo essencialista podendo e devendo dialogar com o

pensamento contemporacircneo

Precisamente por este motivo eacute que santo Tomaacutes foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao reto modo de fazer teologia Nesse contexto apraz-me recordar o que escreveu o meu Predecessor o Servo de Deus Paulo VI por ocasiatildeo do seacutetimo centenaacuterio da morte do Doutor Angeacutelico ldquoSem duacutevida santo Tomaacutes possuiu no maacuteximo grau a coragem da verdade a liberdade de espiacuterito quando enfrentava os novos problemas a honestidade intelectual de quem natildeo admite a contaminaccedilatildeo do cristianismo pela filosofia profana mas tatildeo pouco [sic] defende a rejeiccedilatildeo aprioriacutestica desta Por isso passou agrave histoacuteria do pensamento cristatildeo como um pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal O ponto central e como que a essecircncia da soluccedilatildeo que ele deu ao problema novamente posto da contraposiccedilatildeo entre razatildeo e feacute com a genialidade do seu intuito profeacutetico foi o da conciliaccedilatildeo entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho evitando por um lado aquela tendecircncia antinatural que nega o mundo e seus valores mas por outro sem faltar agraves exigecircncias supremas e inabalaacuteveis da ordem sobrenaturalrdquo (FR 43)43

Entende-se portanto que a Igreja incentivou seus fieacuteis a estudar a filosofia de

Satildeo Tomaacutes como patrimocircnio seguro de pensamento para os tempos atuais e natildeo

como uma filosofia superada da Idade Meacutedia Neste contexto muitos pensadores

incentivados pela Igreja iniciaram o estudo do tomismo que se difundiu principalmente

no seacuteculo XX

43 O TOMISMO NO SEacuteCULO XX

Com o incentivo da Igreja Catoacutelica muitos filoacutesofos estudaram a filosofia de

Tomaacutes de Aquino nas ldquosuas proacuteprias fontes para evitar os repensamentos dos

seguidores do Doutor Angeacutelicordquo (REALE ANTISERI 2007b p 767) como Caietano

Como a neoescolaacutestica na realidade foi o renascimento do estudo das obras tomistas

eacute comum chamaacute-la tambeacutem de neotomismo nome que seraacute adotado daqui em diante

40 Traduzindo do latim agrave razatildeo doutrina e princiacutepios do Doutor Angeacutelico 41 CONCIacuteLIO VATICANO 2007 p 323 42 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63 43 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 61-62

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 49: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

48

A colaboraccedilatildeo da atividade dos neotomistas para a compreensatildeo da obra do

Aquinate no que se relaciona agrave metafiacutesica realista foi bem resumida por Mondin (2010

p 218)

Como ficou amplamente provado pela literatura tomista do seacuteculo XX (especialmente pela obra de Gilson Fabro Masnovo De Finance De Raeymaeker Maritain) em metafiacutesica santo Tomaacutes natildeo eacute mero repetidor de Aristoacuteteles (como ensinavam Caietano e tantos outros exiacutemios comentadores) mas um genial inovador Tirando o ser daquele profundo esquecimento em que Platatildeo Aristoacuteteles Plotino Agostinho e Avicena o haviam deixado cair Tomaacutes de Aquino coloca-o no centro do seu poderoso edifiacutecio metafiacutesico seu ldquodiscurso essencialrdquo eacute todo ele um discurso centrado no ser

Isto eacute Mondin reconheceu que foi a colaboraccedilatildeo dos neotomistas que permitiu

que a filosofia de Tomaacutes natildeo ficasse conhecida na histoacuteria como mera repeticcedilatildeo de

Aristoacuteteles mas com a originalidade que lhe foi dada pelo Aquinate De fato o trabalho

dos neotomistas foi o de redescobrir a filosofia tomista como ldquofilosofia do ser e natildeo

do simples parecerrdquo (FR 44)44 Grandes nomes como Eacutetienne Gilson Jacques

Maritain Corneacutelio Fabro o cardeal Desireacute Mercier Francisco Olgiati Amato Masnovo

Umberto Padovani etc fizeram a grande defesa do tomismo afirmando que eacute vaacutelido

para os dias atuais (REALE ANTISERI 2007b)

A defesa dos neotomistas estaacute em torno da chamada philosophia perennis

termo em latim cunhado por Leibniz que significa ldquofilosofia perenerdquo isto eacute a filosofia

que natildeo muda com o tempo Segundo Hirschberger (1968 p 131) essa posiccedilatildeo

procura o que haacute de permanente no espiacuterito ocidental e o encontra na filosofia

platocircnico-aristoteacutelica de um lado e de outro no patrimocircnio espiritual do Cristianismo

Assim com esse ponto de partida tenta-se esclarecer a situaccedilatildeo do homem moderno

no entendimento de si mesmo e do mundo Natildeo se trata de um historicismo arcaico

ldquode museurdquo mas pretende-se numa contiacutenua compreensatildeo de todas as posiccedilotildees

filosoacuteficas importantes dar uma resposta sistemaacutetico-realista agraves questotildees suscitadas

pelo homem que filosofa

Eacute esclarecedora a visatildeo de Maritain (2005 p 11-12 grifos do autor) com

relaccedilatildeo ao tomismo como philosophia perennis

O tomismo natildeo eacute somente algo histoacuterico [] Ele responde aos problemas modernos na ordem especulativa e na ordem praacutetica tem uma virtude formativa e libertadora do ponto de vista das aspiraccedilotildees e inquietudes do tempo presente Assim o que esperamos dele eacute na ordem especulativa a

44 IGREJA CATOacuteLICA 2008 p 63

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

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REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 50: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

49

salvaccedilatildeo atual dos valores da inteligecircncia na ordem praacutetica a salvaccedilatildeo atual (na medida em que isto depender de uma filosofia) dos valores humanos [] eacute com um tomismo vivo e natildeo com um tomismo arqueoloacutegico que estamos lidando [] Eacute preciso que defendamos a sabedoria tradicional e a continuidade da philosophia perennis contra os preconceitos do individualismo moderno jaacute que este gosta estima e procura o novo pelo novo e soacute se interessa por uma doutrina na estreita medida em que ela representa uma criaccedilatildeo a criaccedilatildeo de uma nova concepccedilatildeo de mundo Eacute preciso que mostremos que esta sabedoria eacute sempre jovem inventiva e traz em si uma necessidade profunda consubstancial de engrandecer-se e renovar-se ndash isto contra os preconceitos daqueles que gostariam de fixaacute-la em dado estado de seu desenvolvimento e desconhecem sua natureza essencialmente progressiva

Quanto agrave questatildeo da metafiacutesica realista Gilson (1962 p 130) vai afirmar

ldquoIndagaacutevamos que noccedilatildeo metafiacutesica deveria ficar-nos na memoacuteria como contribuiccedilatildeo

pessoal de Satildeo Tomaacutes ao bem comum da philosophia perennis A resposta penso

eu natildeo permite duacutevida Eacute a noccedilatildeo de esse ou de actus essendirdquo A noccedilatildeo de ato de

ser eacute o maior contributo de Tomaacutes para a filosofia

Na continuidade do pensamento dos neotomistas a filosofia de Tomaacutes de

Aquino deve ser estudada inclusive na atualidade Esse ldquopatrimocircnio filosoacutefico

perenemente vaacutelidordquo como a chamou o Conciacutelio Vaticano II deve dialogar com a

modernidade buscando respostas para as mais profundas indagaccedilotildees do homem

sempre mantendo contato com o ser

50

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 51: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Atingiu-se assim o objetivo geral do trabalho o estudo do ato de ser Definiu-

se a metafiacutesica realista de Satildeo Tomaacutes de Aquino como a realidade do ser acima de

todas as outras e estudou-se a influecircncia de diversos filoacutesofos anteriores a ele

Especificou-se o estudo do ato de ser e de suas consequecircncias distinccedilatildeo entre

essecircncia e existecircncia relaccedilatildeo entre Deus e as criaturas e seu processo de

explicitaccedilatildeo Estudou-se por fim a filosofia tomista na modernidade em especial a

opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica por ela e o trabalho dos filoacutesofos que a continuaram

Com isso percebe-se portanto a atualidade e a importacircncia da metafiacutesica

realista para a filosofia Com o ato de ser tem-se uma metafiacutesica que busca o

fundamento de todas as coisas no ser e natildeo nas essecircncias Trata-se entatildeo de

philosophia perennis que natildeo muda com o tempo mas que quer ao contraacuterio buscar

aquele princiacutepio que estaacute aleacutem do tempo da multiplicidade e do devir

A metafiacutesica realista eacute importante natildeo por ser a filosofia de Satildeo Tomaacutes de

Aquino mas por ser a filosofia que eacute Seguindo a linha de pensamento de Eacutetienne

Gilson deixar esse pensamento de lado eacute deixar de lado a maior das verdades

filosoacuteficas Busca-se com essa metafiacutesica um fundamento de tudo o que existe Na

modernidade o que mais se pergunta entre os filoacutesofos eacute sobre a existecircncia humana

e essa filosofia fornece uma resposta A resposta estaacute no ser no Puro Ato de Ser Se

os entes finitos tecircm ser isso se deve agrave sua participaccedilatildeo e permanecircncia no Ipsum Esse

Subsistens No fundo essa filosofia quer conduzir a pessoa a Deus Ela deixa o

homem completamente dependente de Deus

Natildeo eacute estranho portanto que a Igreja Catoacutelica assuma essa filosofia como

segura para sua teologia Receptora da revelaccedilatildeo cristatilde ela sabe que toda busca

humana por um sentido na vida pelas razotildees da existecircncia eacute no fundo uma busca

de Deus Contudo a Igreja eacute a primeira a defender a importacircncia de um diaacutelogo desta

filosofia com a modernidade O destaque da metafiacutesica realista eacute a sua consistecircncia

racional e o fato de que ainda natildeo houve filosofia que a contrariasse Por isso esse

diaacutelogo longe de ser uma disputa para saber quem eacute o detentor da verdade quer

buscar uma filosofia que queira de fato responder agraves questotildees mais iacutentimas do

homem

Por isso para futuras pesquisas filosoacuteficas talvez uma futura dissertaccedilatildeo de

mestrado buscar-se-aacute estabelecer este diaacutelogo entre a metafiacutesica realista e a

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

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REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 52: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

51

modernidade Em especial com a filosofia de Martin Heidegger que tambeacutem propocircs

um retorno da simples anaacutelise ocircntica a uma filosofia verdadeiramente ontoloacutegica

Heidegger quis que a filosofia saiacutesse do estudo do ente para retornar ao estudo do

ser o que foi tambeacutem a proposta da metafiacutesica realista Parece ser um diaacutelogo

promissor a ser feito para o futuro

52

REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

53

MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 53: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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REFEREcircNCIAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6 ed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2012

AGOSTINHO Santo Confissotildees Petroacutepolis Vozes 2011

ARANHA Maria Luacutecia de Arruda MARTINS Maria Helena Pires Filosofando Introduccedilatildeo agrave Filosofia 4 ed Satildeo Paulo Moderna 2009

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Porto Alegre Globo 1969

BIacuteBLIA Portuguecircs Biacuteblia Sagrada Traduccedilatildeo pelos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica) 170 ed Satildeo Paulo Ave Maria 2006

BRANDAtildeO Iulo A existecircncia problema incontornaacutevel em filosofia In ______ Filosofia Pequenos estudos Satildeo Paulo TA Queiroz 1994

CONCIacuteLIO VATICANO Vaticano II mensagens discursos e documentos 2 ed Satildeo Paulo Paulinas 2007

FERRATER MORA Joseacute Dicionaacuterio de Filosofia Tomo IV (Q-Z) Satildeo Paulo Loyola 2001

GARDEIL H D Iniciaccedilatildeo agrave filosofia de S Tomaacutes de Aquino Tomo IV ndash Metafiacutesica Satildeo Paulo Duas Cidades 1967

GILSON Eacutetienne A Existecircncia na filosofia de S Tomaacutes Satildeo Paulo Duas Cidades 1962

______ A Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995

HIRSCHBERGER Johannes Histoacuteria da Filosofia na Antiguidade Satildeo Paulo Herder 1957

______ Histoacuteria da Filosofia na Idade Meacutedia Satildeo Paulo Herder 1959

______ Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea 2 ed Satildeo Paulo Herder 1968

IGREJA CATOacuteLICA PAPA (1878-1903 Leatildeo XIII) Carta Enciacuteclica Aeterni Patris sobre a restauraccedilatildeo da filosofia cristatilde conforme a doutrina de Santo Tomaacutes de Aquino Disponiacutevel em lthttpwwwaquinatenetportalTomismoTomistaspapa-leao-XIII-aeterni20patrisphpgt Acesso em 17 mai 2013

______ PAPA (1978-2005 Joatildeo Paulo II) Carta Enciacuteclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja Catoacutelica sobre as relaccedilotildees entre feacute e razatildeo 10 ed Satildeo Paulo Paulinas 2008

ISKANDAR Jamil Ibrahim Compreender al-F ārābī e Avicena Petroacutepolis Vozes 2011

JOLIVET Reacutegis Tratado de Filosofia Tomo III ndash Metafiacutesica Rio de Janeiro Agir 1965

LAUAND Luiz Jean Tomaacutes de Aquino hoje Curitiba Champagnat 1993

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MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

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APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 54: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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MARITAIN Jacques Sete Liccedilotildees sobre o ser e os primeiros princiacutepios da razatildeo especulativa 3 ed Satildeo Paulo Loyola 2005

MOLINARO Aniceto Leacutexico de Metafiacutesica Satildeo Paulo Paulus 2000

______ Metafiacutesica Curso sistemaacutetico Satildeo Paulo Paulus 2002

MONDIN Battista Curso de Filosofia Vol 1 3 ed Satildeo Paulo Paulus 1982

______ Quem eacute Deus Elementos de teologia filosoacutefica 3 ed Satildeo Paulo Paulus 2010

NASCIMENTO Carlos Arthur Ribeiro do Um mestre no ofiacutecio Tomaacutes de Aquino Satildeo Paulo Paulus 2011

REALE Giovanni ANTISERI Dario Histoacuteria da Filosofia volume 1 ndash Antiguidade e Idade Meacutedia10 ed Satildeo Paulo Paulus 2007a

______ Histoacuteria da Filosofia volume 3 ndash Do Romantismo ateacute nossos dias 8 ed Satildeo Paulo Paulus 2007b

TOMAacuteS DE AQUINO Satildeo O Ente e a Essecircncia Petroacutepolis Vozes 2013

______ Suma Contra os Gentios volume I Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1990

______ Suma Contra os Gentios volume II Porto Alegre EDIPUCRS 1996

______ Suma Teoloacutegica volume I 2 ed Porto Alegre Livraria Sulina Editora 1980

TORRELL Jean-Pierre Iniciaccedilatildeo a Santo Tomaacutes de Aquino sua pessoa e obra Satildeo Paulo Loyola 1999

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 55: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

54

APEcircNDICE ndash CITACcedilOtildeES DIFERENTES DAS NORMAS

Optou-se neste trabalho por fazer algumas citaccedilotildees diferentes das que as

normas da ABNT exigem Isso porque em algumas obras a classificaccedilatildeo claacutessica

parece ser mais uacutetil para quem vier a consultaacute-las posteriormente Pode-se citar como

exemplo as obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino e Aristoacuteteles os documentos da Igreja ou

a Sagrada Escritura Aqui seraacute explicado brevemente como satildeo feitas neste trabalho

estas citaccedilotildees

As obras de Satildeo Tomaacutes de Aquino em especial a Summa Contra Gentiles

(Suma Contra os Gentios) e a Summa Theologiae (Suma Teoloacutegica) satildeo divididas da

seguinte forma (NASCIMENTO 2011 p 63-68)

a) A parte sendo que a Suma Contra os Gentios tem quatro partes

(chamadas de livros) designadas por nuacutemero romano ndash I II III IV ndash e a

Suma Teoloacutegica tem trecircs sendo que a segunda parte eacute dividida em

outras duas e que tambeacutem classificamos por nuacutemero romano ndash I I-II II-

II III As partes da Suma Teoloacutegica tecircm nomes que satildeo

respectivamente prima pars prima secundae secunda secundae e

tertia pars

b) A questatildeo na Suma Teoloacutegica tambeacutem enumerada por nuacutemeros

romanos relacionada a um tema especiacutefico subdividindo a parte Na

Suma Contra os Gentios estaacute enumerado depois do livro o capiacutetulo

c) O artigo que satildeo pequenos textos que subdividem as questotildees ou

capiacutetulos As obras citadas de Satildeo Tomaacutes de Aquino satildeo praticamente

artigos unidos em questotildees ou capiacutetulos e em partes ou livros Na Suma

Teoloacutegica eles estatildeo indicados em nuacutemeros romanos e na Suma Contra

os Gentios satildeo usados nuacutemeros araacutebicos

d) Os artigos da Suma Teoloacutegica estatildeo divididos no problema exposto os

argumentos que defendem uma posiccedilatildeo contraacuteria agrave que se quer chegar

uma citaccedilatildeo em contraacuterio a esses argumentos e a resposta de Tomaacutes

ao tema Depois de dada a resposta Tomaacutes responde entatildeo aos

argumentos contraacuterios colocados no iniacutecio do artigo Se a citaccedilatildeo for feita

da resposta de Tomaacutes citar-se-aacute apenas a parte a questatildeo e o artigo

separados por viacutergula Se a citaccedilatildeo for feita da resposta a algum

55

argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas
Page 56: A Metafísica Realista de São Tomás de Aquino - o Ato de Ser

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argumento aleacutem dos trecircs itens colocados colocar-se-aacute o nuacutemero da

resposta em araacutebico seguido da letra ldquorrdquo minuacutescula

O opuacutesculo filosoacutefico O Ente e a Essecircncia de Tomaacutes eacute dividido em capiacutetulos e

paraacutegrafos onde eacute citado primeiro o capiacutetulo em nuacutemeros romanos e o paraacutegrafo em

nuacutemero araacutebico

As obras de Aristoacuteteles estatildeo divididas em livros e capiacutetulos Cada citaccedilatildeo feita

de Aristoacuteteles portanto teraacute o nome da obra seguida do nuacutemero do livro em nuacutemero

romano e do capiacutetulo em araacutebico Assim na citaccedilatildeo Metafiacutesica XII 4 cita-se a

Metafiacutesica de Aristoacuteteles livro doze capiacutetulo quatro

As citaccedilotildees biacuteblicas conteratildeo a abreviatura do nome do livro da Biacuteblia citado

seguido do nuacutemero do capiacutetulo em araacutebico separado por viacutergula do nome do versiacuteculo

tambeacutem em araacutebico Dessa forma a citaccedilatildeo Ex 3 14 significa que estaacute sendo citado

o livro do Ecircxodo capiacutetulo trecircs versiacuteculo catorze

Os documentos da Igreja seratildeo citados com a abreviatura do documento

seguida do paraacutegrafo citado em nuacutemero araacutebico Assim FR 43 cita a enciacuteclica Fides

et Ratio do Papa Joatildeo Paulo II paraacutegrafo 43 e OT 15 cita o decreto Optatam Totius

do Conciacutelio Vaticano II paraacutegrafo 15 Tanto as abreviaturas das obras de Tomaacutes de

Aquino quanto dos livros biacuteblicos e documentos da Igreja estatildeo compiladas na lista de

abreviaturas

  • Resumo
  • Sumaacuterio
  • 1 Introduccedilatildeo
  • 2 A Metafiacutesica Realista
  • 21 O realismo de Satildeo Tomaacutes de Aquino
  • 22 Antecedentes da Metafiacutesica Tomista
  • 221 Parmecircnides o ser como princiacutepio de todas as coisas
  • 222 Platatildeo a alteridade e a participaccedilatildeo
  • 223 Aristoacuteteles a metafiacutesica do ato
  • 224 Al-Fārābī e Avicena a distinccedilatildeo real entre essecircncia e existecircncia
  • 3 O Ato de Ser
  • 31 O caminho de Satildeo Tomaacutes
  • 32 O ato como ser
  • 33 Essecircncia e existecircncia
  • 34 Deus e os entes finitos
  • 35 A explicitaccedilatildeo ontoloacutegica do ser
  • 351 Processo de explicitaccedilatildeo do ser
  • 352 Propriedades transcendentais do ser
  • 36 A explicitaccedilatildeo ocircntica do ser
  • 361 Analogia
  • 362 Substacircncia e acidente
  • 363 Ato e potecircncia a causalidade
  • 364 Graus de perfeiccedilatildeo
  • 37 Finalidade
  • 4 O tomismo na modernidade
  • 41 Apoacutes Tomaacutes de Aquino
  • 42 A opccedilatildeo da Igreja Catoacutelica pela metafiacutesica realista
  • 43 O tomismo no seacuteculo XX
  • 5 Consideraccedilotildees finais
  • Referecircncias
  • Apecircndice - citaccedilotildees diferentes das normas