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Margarida Fonseca Santos Ilustrações de Carla Nazareth A MINHA HISTÓRIA DE NATAL

A Minha História de Natal – A Magia das Cartas

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Margarida Fonseca Santos

Ilustrações deCarla Nazareth

Margarida Fonseca Santos • Carla N

azareth

A minhA históriA de nAtAl

Linha CTT: 707 26 26 26 www.ctt.pt

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Um revirar de olhos subtil demonstrou como o rapaz desprezava aquelas atividades, a seu ver, inúteis. Rachar lenha…? Debulhar ervilhas?!Contudo, assim que o avô lhe passou para as mãos o machado, pesadíssimo por sinal, as coisas mudaram de figura.

– Isto não é perigoso?– Seria, se fosses pequeno. Como não és…– Não sou! – A resposta de Francisco foi disparada num tom muito aborrecido, enquanto as mãos tentavam perceber como se lidava com o machado. – É assim?

Crisóstomo inspecionou a posição. Explicou-lhe como, agarrando mais atrás e acompanhando com a outra mão a meio caminho, conseguiria mais força de impacto.O tronco, esperando pela machadadaem cima de um outro, bem maiore cheio de cicatrizes de outros dias, parecia um pouco impaciente.

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Foi necessário trazer o candeeiro para cima da enorme mesa dos almoços e jantares de família. Francisco precisava de adiantar os trabalhos da escola e o avô queria escrever uma carta ao seu amigo. Como este vivia na outra ponta do país, só se encontravam no verão.

Francisco não podia deixar de sentir uma enorme curiosidade pela tarefa do avô. Se era uma lista de supermercado, não daria jeito nenhum, assim com as coisas coladas umas às outras, em linhas intermináveis. Se era uma lista de coisas a fazer, como via os pais elaborarem no início da semana, seria também muito difícil de consultar. Estaria o avô a escrever uma história?

O avô era escritor?!

– Qual escritor, Francisco, que raio de ideia a tua! Estou a escrever uma carta ao meu amigo Vicente. Lembras-te dele? Um baixinho, com bigode…– Lembro! Mas não era mais fácil telefonar-lhe,ou mandar uma mensagem de telemóvel, ou um mail?

Trocarem cartas todas as semanas mantinha-os ligadose sempre a par do que um e outro faziam.

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Ao entrarem na Loja CTT, o avô Crisóstomo apontou para a máquina das senhas. Francisco sabia fazer isso e muito bem. Não contava era encontrar tantas opções.– Avô, escolho qual?– Eu quero, eu quero!!!– Deixa a Catarina carregar, filho. AtEnDimEntO gERAl – explicou, apontando –, este aqui.Os dedos minúsculos da neta carregaram com uma força desmedida no botão, e a máquina, atrapalhada, fez sair duas senhas.– Olha o que fizeste, Catarina!– Não discutam, vá, damos a senha seguinte a esta senhora.Atrás deles, uma vizinha sorria e agradecia o gesto, divertida por ver ali o Crisóstomo com os netos.– Faltam oito números, avô, vai levar um tempão…– Não vai nada! Olha a velocidade a que chamam, são muito despachados!

Na realidade, nem cinco minutos decorreram até se abeirarem do balcão 3, onde Fátima, uma funcionária roliça, esperava pelos pedidos.

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– Muito bom dia. Queremos enviar esta carta, tem três páginas, mas de papel fininho e um bocado atarracado – explicou Crisóstomo.Fátima pesou o envelope e concordou:– Muito bem, não ultrapassa os vinte gramas, não. Correio normal ou prioritário?– Prioritário? O que é isso? – quis logo saber Catarina.– É um envelope que tem pressa de chegar – informou Fátima. – Mas é mais caro…– Não tem pressa nenhuma – comentou o avô –, pode ir em correio normal.– E o selo? – Francisco estava intrigado com a tarjeta adesiva que ficara no envelope, enquanto este se juntava a muitos outros.– Quando se faz isto ao balcão, é assim – explicou o avô Crisóstomo, sorrindo para

Fátima. – Já viu isto? Só perguntas, só perguntas…– E fazem bem, ora essa! Mais alguma coisa?

– Sim, tenho um pedido especial. Este ano, os CTT fizeram selos de Natal?

– Claro que sim, vou já buscar o que temos para vos mostrar.Enquanto Fátima foi à estante, Francisco segredou ao avô:– São selos especiais?– Mais ou menos. Quer dizer, os colecionadores guardam-nos, porque assim continuam a história da sua coleção. As outras pessoas usam-nos nas cartas que enviam.– Qual coleção? Qual história?– Hum, temos muito para conversar. Quando chegarmos a casa, digo-te tudo.– Ora bem, aqui têm.Fátima acabara de pousar na mesa uma emissão especial de selos.

Catarina tentava, dando saltos, ver como era. Crisóstomo pegou-lhe ao colo.– Oh – disse a neta, abraçando-se emocionada. – São tão queridos, avô. Vais levar?– Vou. Pode arranjar-me três pacotes iguais? Quanto lhe devo?Enquanto as contas eram feitas, Francisco mantinha-se em silêncio. Cada selo mostrava um preço diferente, por isso, formava também uma questão diferente na sua cabeça. Uns deviam ser para cartas com pressa, pensou.– Toma, Catarina, este é para ti, este para o Francisco, este para mim. Muito agra-decido, minha senhora. Vamos?

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Assim que entraram em casa, Catarina correu a mostrar à avó os selos que o avô lhe oferecera. Francisco, por seu turno, seguia-o como um detetive, carregadinho de perguntas. Quando o avô Crisóstomo parou de repente, o neto esbarrou nele.

– Estou aqui a pensar numa coisa: queres ver a minha coleção de selos? Faço-a há anos. Anda daí.

Entraram no escritório do avô, cheio de livros, pastas, uma máquina de escrever antiga e imensos objetos por todo o lado. Nada interessou a Francisco, queria era perceber o que era aquilo da história da coleção.

Em cima da grande mesa, depois de arredar alguns papéis, Crisóstomo colocou uma pinça, uma lupa, um copo que trouxera da cozinha com água quente e um enorme dossiê.

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– É como os cromos, Francisco. Não trocas cromos quando andas de volta das coleções de jogadores de futebol?– Ah, sim… Pois. – Só que, para conseguir esse aí, sobre os cinquenta anos da República, só trocando por um igualmente valioso, como esse, que era do 5º centenário

da morte do Infante Dom Henrique. Foi em 1960… Vamos trabalhar? Depois vês isto com calma.

– O que vais fazer, avô?– Vou ensinar-te a retirar selos de uma carta. Quando os colecionamos, de-vemos fazer isto com perícia. É muito fácil estragar o selo, sabes? Para fazer tudo bem, temos de ser muito pacientes. E jeitosos, também. mas por acaso acho que tens jeito.

Aquele elogio entrou direitinho no coração de Francisco,e fê-lo sentir uma espécie de contentamento mesmo agradável.

Chegando o álbum para o lado,Crisóstomo foi buscar o envelope da última carta recebida de Vicente.

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– Ir assim com a nossa letra é muito diferente –

constatou Francisco, olhando para as cartas

cheias de notícias. – Que grande ideia, avô!

Num molho que crescia, acumulavam-se já

missivas para os pais, para os tios que viviam

no norte, e para a tia Cristina, dos Açores.

Contudo, ao passar à fase de indicar as moradas

e códigos postais, a coisa complicou-se.

O bloco de papel de carta,aquele a que Crisóstomo chamava

«atarracado»por ser mais pequeno e levedo que uma folha normal de papel,ia largando páginas para escrever cartas.

Franciscoestava

entusiasmadíssimo!

– Vou ter de pedir isto por telemóvel, avô, não te zangues…

– Não zango nada! Dos teus pais e da Cristina tenho aqui na

agenda – mostrou Crisóstomo com orgulho. – Dos teus tios, não sei.

– Pois, são irmãos do pai – recordou Francisco. Um toque de

mensagem agitou o telefone. – Já responderam! Queres passar para

a agenda?

Ditando, enquanto escrevia no envelope a morada

dos tios, Francisco espiava a caligrafia do avô.

Como a letra era diferente da sua!Acabaram ao mesmo tempo, sorrindo um para o outro.

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– E os meus desenhos?resmungou Catarina.

Não quero usar os mesmos envelopes!

O rosto de Catarina aproximou-se do envelope, enquanto ela hesitava.

– Não quero dobrar o desenho!– Pomos num envelope grande, Catarina, lá nos correios arranjam um já com selo e pronto

a seguir viagem.– E depois posso assinar?

Crisóstomo engoliu uma gargalhada. A neta só sabia escrever um C muito torto e um T enjoado, mas até ficaria engraçado no envelope.

– Vamos ter de voltar ao balcão dos Ctt – disse Francisco. – Mas eu posso ir sozinho, avô, já sei como se faz.

– Pois sabes, pois sabes, mas faz-me bem andar, filho…– É melhor pôr tudo em correio azul, para terem

a certeza de que chega antes do Natal – aconselhou Guilhermina, levantando

os olhos do tricô. – Despachem-se,que são quase cinco e meia.

– Vá lá,Catarina, assim gasta-se muito dinheiro em selos – tentou o irmão, sem grande esperança. – Ainda cabem aqui dentro, olha…

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Sabes que também podes fazer

desenhos, e outras obras artísticas

para enviaraos teus familiares

e amigos?

Usa a imaginaçãoe todo o teu espírito de Natal!

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Enquanto Francisco e Catarina corriam rua abaixo, o avô ia avançando a passos mais cautelosos, pois os joelhos não gostavam de grandes esforços. Pelo caminho, ia cumprimentando amigos e vizinhos. Ao chegar aos correios, já Francisco pedia para que as cartas seguissem em correio prioritário. Só faltava pagar, mas Crisóstomo surpreendeu-se ao ver que o neto, puxando de um porta-moedas que trazia no bolso, fazia contas com Fátima.Cruzaram-se já na porta, mas o avô disse-lhes apenas:– Vão andando para a papelaria, que eu preciso só de dar um recado ali à nossa amiga.– Papelaria? Aquela da esquina?– Sim, preciso de uma coisa de lá…

Enquanto o avô não chegava, tanto Catarina como Francisco inspecionaram as prate-leiras. Havia de tudo: blocos e bloquinhos, canetas, borrachas, postais. A irmã ficou logo apaixonada por uma caneta com uma imagem da serra, e já não a largou mais. Quando Crisóstomo apareceu, trataram de comprar um bloco de papel de carta, já que Francisco achara muito especial escrever, pelo seu punho, as notícias que dava à família e gostaria de levar um consigo. O avô insistiu também que escolhesse um dossiê para começar a sua COlEçãO DE SElOS e ficou feliz quando percebeu que o neto levava um igual aos seus.

– Achas que sou capaz de fazer uma coleção como a tua?– Ora, claro que sim! E posso dar-te os que tenho repetidos, ainda são muitos.– A sério, avô?! – Francisco abraçara-se a Crisóstomo. –Obrigado! – Depois, virando-se para o senhor Freitas,o dono da papelaria, pediu: – Posso levar umcaderninho normal? Aquele ali? Tenho cáuma ideia…

Sem forçar Francisco a dizer o que iria fazer com o bloco, Crisóstomo agarrou em tudo o que haviam comprado e acompanhou os netos até casa. O sol escapara-se há muito, e o frio parecia não ter pena deles. A última porção do caminho foi feita já em passos rápidos, os joelhos que aguentassem!

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– E também preciso de mais uma coleção de selos de Natal. O meu avô gastou a dele nas nossas cartas. Pode ser?– Claro que sim, aqui está. Os teus avós são pessoas muito queridas, e, pelos vistos, os netos também!– Obrigado – envergonhou-se Francisco. – Adeus!

Francisco entrou nos correios sozinho e não tirou os olhos de Fátima. Só podia conversar com ela, e esperaria até poder fazê-lo. Nem senha tinha, o assunto era demasiado delicado para ser explicado à máquina das senhas…

– Vem cá, vem cá – chamou Fátima, quando o posto se esvaziou de pessoas. – Em que posso ajudar-te?– Fátima, eu queria enviar esta carta para o meu avô. Mas preciso que só chegue depois do Natal, quando eu já tiver ido para casa.O problema é que não sei a morada do avô Crisóstomo, nem calcular o dia em que ponho a carta no correio para dar certo.– É muito simples, Francisco. Hoje é dia 23. Se enviares em correio normal, só irá aparecer no destinatário depois do Natal, lá para dia 27 ou 28. Chega assim?– Está perfeito! Nós voltamos para a cidade no dia 27 logo de manhã.– Excelente. A morada… vamos procurar aqui.

Nas mãos de Fátima, as páginas da lista telefónica passavam depressa.Procurou o apelido, depois o nome, e por fim ditou o endereço.Francisco escreveu-o com todo o cuidado no envelope e entregou-lho.

Ah… e Feliz Natal!