A minha mãe - BOOKSMILE · 2020. 3. 19. · Roma, a MELHOR cidade do mundo, por Pom - peia, uma espelunca da qual ninguém nunca ouviu falar? O meu pai. A minha mãe também não

A minha mãe e o meu pai

As galinhas sagradas da mãe, as minhas

novas colegas de quarto

Sérvio, o sacerdote louco que faz previsões

patéticas

Marco, o meu pseudoprofessor

Lino, o meu melhor amigo em Roma

Décima, a minha única amiga em Pompeia

Spúrio, um homem esquecido cuja tarefa é lembrar-se

de nomes

Pontio e Pulo, os magistrados de Pompeia

ESTE DIÁRIO PERTENCE A:

BANANUS MAXIMUS

IDADE: 13 ANOS

POR VEZES um herói romano (a sério!)

DorkiusInPompeii_P.indd 8 12/06/14 09:54

As galinhas sagradas damãe, as minhas

novas colegas de quarto

MAPA DE POMPEIA

Porta Herculano

Norte

Porta do fórum

Termas do fórum

O fórum

O teatro

O anfiteatro


I de junho

Que tragédia! Vamos trocar Roma este verão por uma cidadezinha miserável a quilómetros de distância. Quem teria a bela ideia de deixar Roma, a MELHOR cidade do mundo, por Pom-peia, uma espelunca da qual ninguém nunca ouviu falar? O meu pai.

A minha mãe também não tem a certeza se quer ir. Eu não costumo dar ouvidos às suas superstições malucas, mas o Sérvio, o sacer-dote, fez uma previsão útil, para variar.

Um trovejar potente irá dividir a Terra.

O fogo transbordará e as pedras cairão. Escravos, homens

livres e cidadãos serão enterrados lado a lado.

11


Acham que o pai me dá ouvidos a mim ou ao sacerdote? NÃO.

II de junho

A mãe ainda está inquieta por irmos para Pompeia, mas o pai não cede. Júlio César ordenou-lhe que obrigasse o governo local a pagar mais impostos, e não se discute com César, se damos valor à vida.

Está bem, César. Admito que estava

enganado.

12


A mãe não para de gemer. Então, o pai atribuiu ao escravo Odo o dever de a escutar esta noite. Tudo o que o Odo tinha de fazer era ficar ali sentado enquanto a mãe falava sem parar acerca de como seria terrível se nos mudássemos para Pompeia. Meia hora depois, ele desistiu, dizendo que se lembrou de que tinha de esfregar o átrio.

O Odo ADORA estar sentado sem fazer nada. Pelo menos agora, sabemos como fazê--lo trabalhar.

Limpa a cozinha ou obrigo-te a ouvires a minha mulher.

13


III de junho

Isto é MUITO suspeito. A mãe regressou hoje de uma visita ao Sérvio e anunciou que, afinal, sempre quer ir a Pompeia. Aparente-mente, o Sérvio leu novas entranhas de porco e alterou a profecia.

Uma brisa ligeira soprará pela Terra. Um vinho excelente

transbordará e será servida boa comida. Escravos, homens livres e cidadãos terão todos

um verão agradável.

Perguntei ao pai se ele tinha subornado o velho e ganancioso sacerdote, mas ele negou tê-lo feito. Ainda assim, esta tarde, vi o Sérvio no mercado a comprar uma estátua de bronze. Não deixa de ser coincidência que ele possa dar-se ao luxo de ter coisas caras momentos depois de ter mudado a profecia, não é?

14


Tal como eu suspeitava. Toda a história da profecia é PERFEITAMENTE descabida.

Prevejo que o teu pai dará dinheiro a alguém que não sabe do que

está a falar.

IV de junho

E isto ainda fica pior. Acabei de perguntar ao meu melhor amigo Lino se ele queria vir a Pom-peia comigo, mas ele disse que está dema-siado ocupado com a lavandaria. Ele tornou-se um verdadeiro viciado no trabalho desde que abriu aquele lugar. Nem sequer faz um inter-valo para ir à casa de banho, pois pode usar

15


a tina da lavandaria quando lá está dentro. É um sistema bastante eficaz, na verdade.

V de junho

Estava a planear levar comigo para Pompeia o meu conjunto de estatuetas de gladiadores, mas o pai disse que não teria espaço para elas na carroça.

Ah, mas será que adivinham o que vi quando subi lá para dentro? As galinhas sagradas da mãe. Então, temos espaço para ELAS, é?

Líquido fresco para lavar

16


A mãe é obcecada por aquelas galinhas. A única forma de a obrigarmos a tomar decisões é pedir-lhes a sua opinião, oferecendo-lhes semen-tes. Aparentemente, ela perguntou-lhes se elas queriam vir e elas disseram que sim, portanto, ela TINHA de as trazer.

Admito que as galinhas não tinham ar de quem queria vir, mas será que têm mesmo de caca-rejar toda a viagem?

A mãe preocupa-se mais com aquelas galinhas do que comigo. Estou surpreendido que ela não nos tenha obrigado, a mim e ao pai, a transportá-las numa liteira.

17


IX de junho

Chegámos a Pompeia quando estava a escurecer. Tivemos de contornar uma montanha enorme chamada Vesúvio e descer uma estrada com túmulos na berma até alcançarmos a cidade.

Entrámos na cidade pela Porta Herculano e parámos em frente a um careca que estava sentado no chão a mastigar um pedaço de pão. O pai pediu-lhe direções para a casa que tinha cá fora o mosaico de um cão de guarda, mas ele limitou-se a encolher os ombros.

César tinha preparado tudo para ficarmos nesta casa e assegurou-nos de que todos saberiam onde é. Todos exceto este homem, aparentemente.

Caminhámos em fila pelas ruas à procura do mosaico, mas acabávamos sempre no sítio em que tínhamos começado. O careca estava agora

18


de pé e parece que esteve sentado em cima do mosaico do cão de guarda.

Quando o pai lhe perguntou porque nos tinha enganado, ele disse que não percebia o nosso sotaque. Sotaque? Nós somos os únicos que têm uma pronúncia normal! Eles é que parecem uns esquisitoides.

Cuidado com o cão! Cuidado com o idiota inútil!

Deram-me um quarto pequeno ao lado do átrio e estou agora deitado na cama a pensar que as coisas não podem piorar.

19


X de junho

Lembrem-me para NUNCA mais pensar que as coisas não podiam piorar. Pouco tempo depois de ter escrito aquela última entrada no diário, a mãe atirou as galinhas sagradas para o meu quarto. Quando lhe perguntei o que ela estava a fazer, ela disse-me que colocara sementes em cada porta para descobrir em que quarto elas queriam ficar.

E sabem que mais? Escolheram o meu! CLARO que escolheram.

Escusado será dizer que tive uma noite ter-rível. Sempre que estava quase a adormecer, as galinhas cacarejavam ao meu ouvido e eu acordava.

Portanto, levantei-me com os primeiros raios de sol e fui ver a cidade. Parti do princípio de que aquela parte da cidade pela qual passámos

20


ontem à noite era a parte asquerosa, mas parece que era mesmo toda a cidade.

Enquanto andava a vaguear, senti um cheiro horrível a peixe entrar pelas minhas narinas. Passado um bocado, descobri de onde vinha. Era do molho de peixe malcheiroso que fazem aqui. Todas as bancas o vendem e toda a gente ensopa a comida naquilo. QUE NOJO!

Achei que as coisas iam melhorar quando o pai disse que íamos ter arganazes para o jantar.

COCOROCÓCOCOROCÓ

21


Mas quando o nosso novo cozinheiro saiu da cozinha e eu vi que era aquele homem careca que estava sentado à porta de casa ontem, perdi a esperança.

Nem quero adivinhar com que molho rançoso ele cobriu os arganazes. Que desperdício de comida tão boa.

Fedor a

peixe

22


XI de junho

O pai está tão irritado com este sítio quanto eu. Esta manhã, ele foi à procura dos oficiais do governo local. Parou para perguntar a um grupo de vagabundos no fórum se sabiam onde os podia encontrar. Parece que os vaga-bundos ERAM quem ele procurava.

Ele perguntou se podiam marcar uma reunião e eles disseram-lhe que já estava a ter uma. Acabou por não ser uma reunião muito longa. Quando o pai lhes perguntou se pagariam mais impostos, eles recusaram-se.

A culpa é daqueles magistrados chamados Pontio e Pulo. O pai disse que eles eram teimosos

23


e estúpidos e que não dão ouvidos a nenhuma das suas promessas ou ameaças. Espero que mudem de ideias depressa. Não suporto estar aqui.

VagabundosGoverno local

XII de junho

O pai acha que vamos ficar aqui algum tempo, pois mandou-me para a escola local hoje para me ajudar a «instalar-me». Não me quero ins-talar, quero ir para casa.

24


Ele levou-me para um pequeno edifício perto do fórum e correu uma cortina que revelou uma sala pequena com paredes vermelhas e duas filas de alunos de frente para um professor.

— Olá, sou o Bananus Maximus de Roma — disse eu, sentando-me num dos bancos.

— Eu sou o Marco — disse o professor. — Hoje, estamos a dar o alfabeto. Avisa-me se tiveres problemas em acompanhar a matéria.

Estava a pensar que aula seria esta do «alfa-beto». Ao sentar-me no banco, os meus cole-gas de turma iam «aquecendo» enquanto diziam cada letra uma e outra vez.

Uma hora e meia depois, fez-se luz. Esta não era a preparação para a lição. Esta ERA a lição. E nunca mais acabava.

25


Achei que sabia o que era estar aborrecido quando ouvia a mãe a falar com as galinhas sagradas horas a fio, mas isto era outra coisa.

Quando terminou FINALMENTE, o rapaz ao meu lado disse:

— Adoro o alfabeto. É a minha lição preferida. Qual é a tua?

Tentei pensar no que poderia ser uma lição por aqui. Respirar? Ir à casa de banho? Olhar para as pedras?

A… hum… B… hum… C… hum…

26


— Falar em público — disse eu.

O rapaz assentiu, pensativo, mas pude perce-ber que não fazia a mais pálida ideia do que eu estava a dizer. Este vai ser um LONGO verão.

XIII de junho

Pelo menos um de nós é feliz aqui. Cheguei a casa esta tarde e encontrei a mãe a mos-trar as suas galinhas sagradas a um grupo de habitantes da cidade que se juntaram no átrio.

A mãe deu sementes às aves e explicou como elas previam o futuro. Parecia que os habi-tantes locais tinham «descoberto o fogo» pela forma como olhavam maravilhados e de boca aberta.

27


Quando a mãe terminou, as pessoas fizeram fila para atirarem sementes às galinhas e fazer-lhes perguntas. Um homem ficou realmente preocupado quando lhes perguntou se o futuro lhe reservava sorte e elas se recusaram a comer as sementes. Eu ainda lhe disse que elas tinham comido dez porções de sementes e que esta-riam apenas cheias, mas ele ignorou-me.

Porém, as galinhas deviam ter razão. Ninguém assim tão estúpido pode ter sorte na vida.

Porque estão a recusar as sementes?

PORQUÊ?

28


Documents

A minha mãe - BOOKSMILE · 2020. 3. 19. · Roma, a MELHOR cidade do mundo, por Pom - peia, uma espelunca da qual ninguém nunca ouviu falar? O meu pai. A minha mãe também não