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95 R. bras. dir. Eleit. – RBDE | Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 95-106, jul./dez. 2017 A missão constitucional da Justiça Eleitoral – Entre o ativismo e a autocontenção judicial (Conferência proferida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes 1 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral) Relatores Fernando Matheus da Silva 2 Paulo Henrique Golambiuk 3 Resumo: Às vésperas dos 30 anos da Constituição de 1988, é preciso criar no Brasil um sentimento nacional de humildade em relação à reforma política. A classe política precisa entender esta necessidade e a sociedade não pode deixar esta tarefa exclusivamente a cargo do Judiciário. De 1988 até hoje, a Carta Magna passou por várias reformas e adaptações importantes em várias áreas, mas o mesmo não ocorreu em relação ao sistema político-eleitoral. Hoje se está pagando um preço alto por essa opção. Esta é uma reforma bastante difícil, porque não é comum que pessoas eleitas em dado contexto eleitoral se conscientizem da necessidade de se traçar um novo caminho, um novo roteiro. Muitas vezes as intervenções do STF e da Justiça Eleitoral não têm sido compreendidas e são até rechaçadas pelo meio político. Palavras-chave: Reforma política. Sistema eleitoral. Ativismo judicial. Sumário: Referências O momento peculiar no quadro institucional brasileiro se põe como um desafio e uma oportunidade de reflexão. A despeito de todas as mazelas, este é o mais longo período de vida institucional brasileira em tempos democráticos. Afinal, antes do período de vigência da Constituição de 1988, o Brasil não demonstrou grande apreço à democracia. Destaca-se que, mesmo com a Proclamação da República, ainda se mantive- ram as mesmas restrições aos votos praticadas no regime imperial, permitindo o alistamento somente dos: “os adultos, do sexo masculino, que soubessem ler e 1 Ministro do Supremo Tribunal Federal. 2 Redator: Advogado. Analista de Controle Jurídico do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. 3 Revisor: Advogado. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2014). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil (2011). Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR.

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A missão constitucional da Justiça Eleitoral – Entre o ativismo e a autocontenção judicial (Conferência proferida pelo Ministro gilmar Ferreira Mendes1 no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral)

Relatores

Fernando Matheus da Silva2

Paulo Henrique Golambiuk3

Resumo: Às vésperas dos 30 anos da Constituição de 1988, é preciso criar no Brasil um sentimento nacional de humildade em relação à reforma política. A classe política precisa entender esta necessidade e a sociedade não pode deixar esta tarefa exclusivamente a cargo do Judiciário. De 1988 até hoje, a Carta Magna passou por várias reformas e adaptações importantes em várias áreas, mas o mesmo não ocorreu em relação ao sistema político­eleitoral. Hoje se está pagando um preço alto por essa opção. Esta é uma reforma bastante difícil, porque não é comum que pessoas eleitas em dado contexto eleitoral se conscientizem da necessidade de se traçar um novo caminho, um novo roteiro. Muitas vezes as intervenções do STF e da Justiça Eleitoral não têm sido compreendidas e são até rechaçadas pelo meio político.

Palavras-chave: Reforma política. Sistema eleitoral. Ativismo judicial.

Sumário: Referências

O momento peculiar no quadro institucional brasileiro se põe como um desafio

e uma oportunidade de reflexão. A despeito de todas as mazelas, este é o mais longo

período de vida institucional brasileira em tempos democráticos. Afinal, antes do

período de vigência da Constituição de 1988, o Brasil não demonstrou grande apreço

à democracia.

Destaca­se que, mesmo com a Proclamação da República, ainda se mantive­

ram as mesmas restrições aos votos praticadas no regime imperial, permitindo o

alistamento somente dos: “os adultos, do sexo masculino, que soubessem ler e

1 Ministro do Supremo Tribunal Federal.2 Redator: Advogado. Analista de Controle Jurídico do Tribunal de Contas do Estado do Paraná.3 Revisor: Advogado. Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Positivo (2014). Bacharel em Direito

pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – UniBrasil (2011). Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR.

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FERNANDO MATHEUS DA SiLVA, PAULO HENRiqUE GOLAMBiUk

escrever”.4 Ademais, relembre­se que a Proclamação da República fora realizada

por militares, permanecendo o país sob esta tutela até o ano de 1894, quando da

convocação de eleições em que se elegeu Prudente de Morais, do Partido Repu­

blicano Paulista, iniciando­se o primeiro governo civil da República.5 Necessário

esclarecer, igualmente, a continuidade de fraudes eleitorais, apesar da instituição

de mecanismos que, em tese, teriam a finalidade de coibi­las. Ocorriam, ressalta­se,

durante todo o processo eleitoral. isto é, desde o alistamento até a proclamação

dos candidatos que eram eleitos.6

Cita­se, apenas como exemplo, o período de início de nossa República, a fim

de demonstrar as dificuldades enfrentadas pela história de desenvolvimento insti­

tucional brasileiro.

Após este conturbado início, ainda houve diversas crises institucionais durante

a chamada República Velha, culminando na Revolução de 1930. Pouco tempo depois,

em 1933, instalou­se Assembleia Constituinte, desembocando na Constituição

de 1934, documento com clara influência da Constituição de Weimar, de 1919;7

a despeito das claras restrições ínsitas à sociedade da época, restando intocadas

questões como a estrutura agrária, houve certo avanço institucional com a Carta

de 1934, inclusive com a inclusão de novos setores ao processo eleitoral. Ocorre

que este documento limitava, também, a reeleição, o que foi visto como ruim por

Getúlio Vargas,8 aliado ao fato de que houve diversas crises institucionais – movi­

mentos como o integralismo e o comunismo. Em 1937, houve o recrudescimento

4 SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 320. Continuam as autoras, a respeito das restrições ao alistamento: “Além do voto das mulheres, estava proibido o voto dos mendigos, dos soldados, praças e sargentos, e o dos integrantes de ordens religiosas que impunham renúncia à liberdade individual. Contudo, certas características vindas de longa data persistiam e foram até aprimoradas. Uma delas era o perfil oligárquico da nação: novas leis eleitorais mantiveram o número reduzido de eleitores e cidadãos elegíveis para cargos públicos” (SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 320).

5 SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 320­321. Nascia, enfim, a chamada República Café com Leite, na medida em que a definição do “Controle do governo federal era decidido, a partir de então, apenas pelos estados de Minas gerais e São Paulo” (SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 322).

6 SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 322.

7 MENDES, gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo gustavo gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 112.

8 Lilia Schwarcz e Heloísa Starling descrevem: “Ainda que lhe garantissem um mandato presidencial novo em folha e aprovassem constitucionalmente todos os atos executados pelo governo Provisório, os deputados introduziram na Constituição algumas disposições que tiraram Vargas do sério – o texto final era monstruoso, confidenciou ele aos mais íntimos. Não era; apenas eliminava as condições de mando discricionário que ele vinha exercendo até então. O novo texto constitucional submetia o Executivo à fiscalização do Legislativo, acabava com os decretos que permitiam ao chefe do governo Provisório substituir o Congresso na função de elaborar leis e garantia completa independência ao Tribunal de Contas. Para aumentar a irritação de Vargas, os congressistas limitaram em quatro anos o mandato presidencial e ainda vetaram a possibilidade de reeleição” (SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 366).

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da utilização de métodos autoritários para combater os “inimigos” do governo, até

que Vargas: “no dia 10 de novembro, cercou o Congresso e mandou seus membros

para casa, jogou a Polícia Militar na rua, impôs uma nova Constituição ao país e

batizou o golpe de Estado”.9

O Estado Novo acabou em 1945. A partir de então, segundo se encontra

no trabalho Eleições no Brasil: uma história de 500 anos, “Entre o fim do Estado

Novo, em 1945, e o golpe militar, em 1964, o Brasil teve nove presidentes – entre

titulares, interinos e vices que sucederam a presidentes – e passou por alguns

episódios que poderiam desembocar em interrupção da ordem democrática”.10

Nos termos do afirmado, em 1964, mais uma vez restou interrompido o pro­

cesso democrático, com a ascensão dos militares ao governo Federal, período

com graves exceções às liberdades públicas, sobretudo no que diz respeito aos

direitos políticos, a despeito da existência de eleições com restrições às campa nhas

realizadas somente em determinadas localidades.

No início da década de 1980, com o evidente desgaste do Regime Militar –

crise econômica e assassinatos –, inicia­se, em 1983, a aglutinação de lideranças

suprapartidárias, ocasionando grande fissura na base parlamentar do então regime,

transformando­se tempos depois, a mesma frente, em mobilização que deu origem

ao movimento cívico conhecido como “Diretas Já”. Apresentou­se, então, a Emenda

Constitucional Dante de Oliveira. A despeito de ter colhido mais votos a seu favor,

não ocorreu a sua aprovação na madrugada de 26.4.1984, apesar da vigília orga­

nizada pela sociedade civil em diversos locais, com a capital Brasília e outras cidades

submetidas a medidas de emergência decretadas pelos militares.11

Mesmo assim os militares não conseguiram a manutenção do poder, ante

a realização de eleições indiretas – através de Colégio Eleitoral –, sendo eleito

Tancredo Neves. Embora não tenha adotado um programa de ruptura com os

governos militares, manteve compromissos considerados essenciais à oposição

ao regime, quais sejam: eleições diretas para os cargos político­eletivos de todos

os entes federativos; convocação de Assembleia Nacional Constituinte e uma nova

Constituição.12

Tudo isso culminou na promulgação, em 5.10.1988, da Constituição Cidadã,

assim batizada por Ulisses Guimarães. O Estado Democrático de Direito que se

9 SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 374.

10 CAJADO, Ane Ferrari Ramos; DORNELLES, Thiago; PEREiRA, Amanda Camylla. Eleições no Brasil: uma história de 500 anos. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2014. p. 43. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo­publicacoes/pdf/tse­eleicoes­no­brasil­uma­historia­de­500­anos­2014.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2017.

11 SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 482­484.

12 SCHAWARCZ, Lilia M.; STARLiNg, Heloísa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 486.

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originou a partir dessa Magna Carta privilegiou a não interferência direta na sociedade

civil, estabeleceu amplo rol de direitos sociais a serem garantidos pelo Estado, bem

como determinou a realização de eleições em todos os níveis de governo, aten­

dendo aos anseios por mais democracia, que se sobressaiu no início da década

de 80. Como bem pontuam gilmar Mendes e Paulo gonet: “Dava­se vitória final da

campanha que se espalhara pelo país, a partir de 1983, reclamando eleições ‘diretas

já’ para Presidente da República; superava­se a abrumadora frustração decorrente da

rejeição, em abril de 1984, da Proposta de Emenda apresentada com esse intuito”.13

Portanto, não é à toa que o mais longo período democrático da história brasi-

leira seja na vigência do texto constitucional de 1988. isso porque a estabilidade

institucional de um Estado depende, também, de um documento escrito que estabe­

leça e preserve as liberdades, proclame direitos fundamentais, fixando freios relacio­

nados aos abusos do Estado, além de fixar formas para a convivência harmônica

em uma sociedade plural.14 Em resumo:

A Constituição, como ordem jurídica fundamental da comunidade, abrange, hoje, na sua acepção substancial, as normas que organizam aspectos básicos da estrutura dos poderes públicos e do exercício do poder, normas que protegem as liberdades em face do poder público e normas que tracejam fórmulas de compromisso e de arranjos institucionais para a orientação das missões sociais do Estado, bem como para a coorde­nação de interesses multifários, característicos da sociedade plural.15

Nesse contexto, a estabilidade pode ser, em boa medida, fundamentada no

novo texto constitucional de 1988, baseado em valores como os direitos de liber­

dade; sociais e individuais; segurança; bem­estar da população; desenvolvimento;

igualdade e justiça, trilhando caminho oposto ao que se verificava no regime anterior.16

A despeito das virtudes da Constituição de 1988, não foram poucos os desa­

fios enfrentados nesse período. Logramos com engenho e arte chegar até aqui com

sucesso, nada obstante os graves casos de corrupção. O momento atual bem ilustra

os problemas institucionais que podem ser causados pelos inúmeros casos de

corrupção, culminando na Operação “Lava Jato”, algo que tem sido festejado, devido

à oportunidade de depurar o sistema político, afastando práticas antirrepublicanas

até então adotadas e que, por certo, atrapalham a evolução institucional do Brasil.17

13 MENDES, gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo gustavo gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 115.

14 MENDES, gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo gustavo gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 61.

15 MENDES, gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo gustavo gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 63.

16 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNiOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Verbatim, 2014. p. 139-140.

17 WARDE JÚNiOR, Walfrido Jorge; BERCOViCi, Gilberto; SiqUEiRA NETO, José Francisco. Um plano de ação para o salvamento do Projeto Nacional de Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 11.

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isso não retira a importância da Constituição, entretanto. Temos uma Constituição

mal compreendida e muito criticada, mas que proporcionou certo quadro de estabi­

lidade institucional.

Deve­se lembrar, ainda, que o texto constitucional relativo ao sistema político

eleitoral caminhou praticamente sem alteração nesses anos todos. No entanto, hoje

paga­se um preço alto por esta opção, o que tem muito a ver com a imensa dificul dade

de os próprios eleitos pelo sistema optarem por um novo caminho, não bastasse o

sistema de tradição de lista aberta que vem sendo ampliado ao longo dos tempos.

No contexto de redemocratização, procurou­se ampliar o número de parlamen­

tares como uma resposta ao movimento que se fazia de recusa ao partido do governo

autoritário, mudança que pode ser o cerne do grave problema de representati vidade

atual, especialmente no que se refere ao sentido do valor do voto de acordo com

a localidade.

É certo, porém, que a revisão deste modelo é extremamente difícil. Uma saída

seria o aumento do número de membros nas casas legislativas, o que, todavia, poderia

dificultar ainda mais a governabilidade. Cabe ressaltar que, atualmente, existem

27 partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados,18 enquanto há

17 com representação no Senado, além de 1 senador sem partido.19 Mas não é só,

pois, conforme se extrai do sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, são 55

partidos registrados no Brasil,20 embora nem todos tenham assento no Congresso

Nacional. isso dificulta sobremaneira qualquer negociação para a aprovação de

agendas legislativas de interesse do Poder Executivo.

Ocorre, contudo, que no campo partidário a tentativa de se estimular a inte­

gração dos partidos com a chamada cláusula de barreira acabou sendo julgada

inconstitucional, sobretudo em razão da grave consequência para os pequenos

partidos. isso ocorreu no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade

nº 1.354 e nº 1.351, ambas relatadas pelo Ministro Marco Aurélio, julgadas em

7.12.2006 e publicadas em 30.3.2007, assim ementadas:

Partido político. Funcionamento parlamentar. Propaganda partidária gra­tuita. Fundo partidário. Surge conflitante com a CF lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidá­ria gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário. Normatização. inconstitucionalidade. Vácuo. Ante a declaração de inconstitucionalidade

18 Dados extraídos do sítio da Câmara dos Deputados (CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lideranças partidárias. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/deputados/liderancas­e­bancadas>. Acesso em: 27 jan. 2017).

19 Dados extraídos do sítio do Senado (SENADO FEDERAL. Senadores em exercício. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/senadores/em­exercicio/­/e/por­partido>. Acesso em: 24 jan. 2017).

20 Dados extraídos do sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TRiBUNAL SUPERiOR ELEiTORAL. Partidos políticos registrados no TSE. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/partidos/partidos­politicos/registrados­no­tse>. Acesso em: 27 jan. 2017).

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de leis, incumbe atentar para a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo, a vigência de preceito transitório, isso visando a aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional.

Na sequência, o Supremo Tribunal Federal acabou por discutir, também, a

questão da fidelidade partidária, quando no ano de 2007 revisou o seu posiciona­

mento externado ainda no início da vigência do atual texto constitucional, de que a

infidelidade não implicava perda do mandato,21 estabelecendo que o abandono do

partido sem uma causa relevante não era legítimo, de acordo com o sistema e que,

portanto, o trânsfuga perderia o mandato, atribuindo ao Tribunal Superior Eleitoral

a prerrogativa para a emissão de resolução para regulamentar procedimento especí­

fico para o exercício do contraditório por aqueles parlamentares que, após mudança

de sigla, tivessem contra si a propositura de demandas para a perda de mandato.

Trata­se da Resolução TSE nº 22.610 de 25.10.2007.

Neste instrumento normativo restou fixada, entre as causas que poderiam

justificar o abandono do partido político pelo parlamentar, a criação de partido novo.

isso acabou por incentivar a multiplicação de agremiações.22 interessante apontar

que o Ministro Marco Aurélio, quando de seu voto na relatoria das ações diretas

que julgavam a constitucionalidade da cláusula de barreira, notou que já havia o

registro de 29 partidos políticos no Tribunal Superior Eleitoral, enquanto, atualmente,

como já afirmado, são 35 as siglas partidárias com registro.

Outro tema que chegou à Corte foi o do financiamento das eleições, tendo o

STF julgado inconstitucional o financiamento por pessoas jurídicas.23 O financiamento

21 “MANDADO DE SEGURANÇA. FiDELiDADE PARTiDáRiA. SUPLENTE DE DEPUTADO FEDERAL. - EM qUE PESE O PRiNCíPiO DA REPRESENTAçãO PROPORCiONAL E A REPRESENTAçãO PARLAMENTAR FEDERAL POR iNTERMÉDiO DOS PARTiDOS POLÍTiCOS, NÃO PERDE A CONDiÇÃO DE SUPLENTE O CANDiDATO DiPLOMADO PELA JUSTiÇA ELEiTORAL qUE, POSTERiORMENTE, SE DESViNCULA DO PARTiDO OU ALiANÇA PARTiDáRiA PELO qUAL SE ELEGEU. - A iNAPLiCABiLiDADE DO PRiNCÍPiO DA FiDELiDADE PARTiDáRiA AOS PARLAMENTARES EMPOSSADOS SE ESTENDE, NO SiLENCiO DA CONSTiTUiÇÃO E DA LEi, AOS RESPECTiVOS SUPLENTES. - MANDADO DE SEGURANÇA iNDEFERiDO” (STF, Tribunal Pleno. MS nº 20.927. Rel. Min. Moreira Alves, j. 11.10.1989. DJ, 15 abr. 1994).

“EMENTA: Mandado de Segurança. 2. Eleitoral. Possibilidade de perda de mandato parlamentar. 3. Princípio da fidelidade partidária. inaplicabilidade. Hipótese não colocada entre as causas de perda de mandado a que alude o art. 55 da Constituição. 4. Controvérsia que se refere a Legislatura encerrada. Perda de objeto. 5. Mandado de Segurança julgado prejudicado” (STF, Tribunal Pleno. MS nº 23.405. Rel. Min. gilmar Mendes, j. 22.3.2004. DJ, 23 abr. 2004).

22 “Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. §1º Considera-se justa causa: i) incorporação ou fusão do partido; ii) criação de novo partido; iii) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; iV) grave discriminação pessoal”.

23 Trata­se da Ação Direta de inconstitucionalidade nº 4.650/DF, proposta pelo Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, de relatoria do Min. Luiz Fux, visando declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos: arts. 23, §1º, incs. i e ii; 24; e 81, caput e §1º, da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), e arts. 31; 38, inc. iii; 39, caput e §5º, da Lei nº 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos). O Supremo julgou procedente a demanda, restando vencidos os ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e gilmar Mendes. Este último, que proferiu a conferência objeto deste texto, expôs fundamentos substanciosos. Vale destacar alguns trechos: “isso ocorre porque, apesar da essencialidade dos partidos políticos à vida democrática nesses

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privado por meio de pessoas jurídicas não é necessariamente ruim; ao contrário, na

medida em que pode demonstrar substancial aderência e eco das ideias partidá-

rias com a sociedade, inclusive através de financiamento. As empresas possuem o

legítimo interesse em aderir a ideologias que pregam o bom e regular funcionamento

econômico, notadamente com segurança jurídica aos negócios, assim como é abso­

lutamente lícito aos partidos políticos a proposição desses ideais, podendo reverberar

neste ou naquele seguimento social. Portanto, para além de demonstrar ilicitude, o

financiamento privado das siglas por pessoas jurídicas pode comprovar o seu regular

e substancial funcionamento, mediante o angariamento de apoios.

Os parlamentares, em reação, alteram as regras acerca do fundo partidário,

de modo a aumentar consideravelmente seu vulto e influência no financiamento das

campanhas eleitorais.24

Não é fácil saber qual é a atitude a ser tomada, se o Judiciário deve ser

mais autocontido (self restraint) ou mais ativista. E quando se usa a expressão

ativismo não se está elogiando o Judiciário. Ela contém, em geral, um elemento

de crítica. Afinal, em tese caberia ao Judiciário apenas a resolução do conflito no

caso concreto, dando somente o cumprimento às normas jurídicas. Entretanto, tal

qual leciona Jorge Miranda: “o poder do juiz não é, de jeito algum, um poder nulo

ou neutro como supunha Montesquieu, muito menos o do juiz constitucional”.25 Daí

que, recentemente, realmente se tem experimentado mais ativismo por parte do

países, eles não devem confundir-se com o próprio Estado. Antes, os partidos devem estar conectados à sociedade civil, ou a parte significativa dela, de modo a angariar apoios e representar efetivamente correntes de opinião existentes no seio dessas sociedades. Assim, pode­se dizer que os partidos devem situar­se entre o Estado e a sociedade, representando a vontade desta na formação da vontade daquele. [...] É essencial que os partidos logrem auferir recursos de seus apoiadores na sociedade civil, demonstrando o liame necessário a uma existência não meramente formal, mas real, como força representativa de setores sociais. [...] Por essa razão, faz­se imprescindível que os partidos políticos logrem auferir recursos privados, por via de doações, seja de pessoas naturais, seja de pessoas jurídicas, entre aquelas cujas contribuições não estejam vedadas pelo ordenamento jurídico. O apoio e o financiamento auferido de fontes privadas, em muitos casos, revela­se o maior indício de que determinado partido existe de fato, isto é, que detém existência real ou material, visto que está em conexão a, pelo menos, uma parcela da sociedade, o que é essencial à vitalidade da democracia. Além disso, esse contato entre partido e sociedade, estabelecido, entre outras formas, por meio do financiamento partidário e eleitoral, é vital à manutenção da competição eleitoral, corolário do princípio constitucional da igualdade de chances, sem o qual resta esvaziada a própria democracia. E nosso modelo de financiamento de partidos (via Fundo Partidário) e de financiamento de campanhas eleitorais (ora impugnado e que conta com recursos públicos e com doações de pessoas físicas e jurídicas, com limitação baseada na renda dos doadores), apesar de todos seus vícios e, portanto, da necessidade premente de aperfeiçoamento, viabiliza a promoção da concorrência democrática efetiva”.

24 Reportagem veiculada pelo Portal g1 e outros veículos de imprensa demonstrou que o orçamento geral da União foi sancionado com o aumento substancial de recursos destinados ao Fundo Partidário: “O Orçamento da União para o ano de 2016, sancionado pela presidente Dilma Rousseff e publicado nesta sexta-feira (15) no ‘Diário Oficial da União’, garante repasse de R$819 milhões para o fundo partidário. inicialmente, na proposta que o governo enviou ao Congresso, o repasse para o fundo estava previsto em R$311 milhões. No entanto, os parlamentares alteraram o valor, justificando que nas eleições municipais deste ano já vigora a regra que proíbe a doação de empresas para campanhas (ORçAMENTO de 2016 reserva R$819 mi para fundo de partidos. G1, 15 jan. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/01/orcamento­de­2016­repassa­r­819­mi­para­fundo­de­partidos.html>. Acesso em: 27 jan. 2017).

25 MiRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 371.

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Judiciário, fenômeno experimentado também em outros países. O caso do judicial

review americano talvez seja o mais eloquente em relação ao ativismo judicial, na

medida em que confere à jurisdição norte-americana a interpretação e delimitação

de cláusulas com conteúdo aberto da Constituição, cabendo aos juízes certa cria­

tividade de modo a trazer à realidade normas abstratas, o que é chamado de leitura

moral do texto constitucional.26

Em suma, o ativismo judicial pode ser visto como uma postura proativa da juris­

dição, notadamente no que se refere à interpretação constitucional. Segundo Heletícia

L. Oliveira: “O controle judicial do processo de impeachment contra o Presi dente da

República, a mudança de partido por parlamentar e questões éticas com plexas como

o aborto de anencéfalos e a pesquisa de células­tronco são exemplos disso”.27

Outro ponto que está a merecer destaque se refere à política e jurisdição,

algo bastante semelhante ao ativismo judicial e também experimentado no Brasil

e outros países, fazendo parecer que se trata de fenômeno ínsito ao constituciona­

lismo contemporâneo. Fato é que desde Kelsen já se concebia certa liberdade para

criação aos juízes, desde que não houvesse suficiente clareza na letra da lei.28

Algo diferente está a ocorrer, devido também a certa inércia oriunda do ambiente

político, além de sua própria deslegitimação, ante os inúmeros casos de corrupção,

ocorrendo certo deslocamento para a resolução de determinados conflitos políticos

ao Poder Judiciário.29

Deve­se considerar, também, que nem sempre as intervenções do TSE ou do

STF são bem­sucedidas e que certas atuações do Judiciário sofrem imediata reação

do legislativo, o que ilustra a má compreensão do correto funcionamento do sistema.

isso porque, por vezes, pode­se passar a impressão de que o Judiciário adotou

posições políticas, devido à referida inércia do Legislativo que adota postura mera-

mente reativa, trazendo o risco da jurisprudência de valores, hipótese em que a

jurisdição decide com base em valores sociais, não em normas válidas, causando

brutal desconfiança ao Judiciário, ante o seu déficit de legitimidade para decisões

políticas.30 31

26 OLiVEiRA, Heletícia Leão. Direito fundamental à saúde, ativismo judicial e os impactos no orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015. p. 74­75.

27 OLiVEiRA, Heletícia Leão. Direito fundamental à saúde, ativismo judicial e os impactos no orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015. p. 80­81.

28 PEREiRA, Ana Lúcia Pretto. Política e jurisdição: alterações jurídicas nos modelos constitucionais inglês, belga e francês. in: CLÈVE, Clemerson Merlin (Coord.). Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 591­592. v. ii.

29 OLiVEiRA, Heletícia Leão. Direito fundamental à saúde, ativismo judicial e os impactos no orçamento público. Curitiba: Juruá, 2015. p. 78­83.

30 PEREiRA, Ana Lúcia Pretto. Política e jurisdição: alterações jurídicas nos modelos constitucionais inglês, belga e francês. in: CLÈVE, Clemerson Merlin (Coord.). Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 595. v. ii.

31 Menciona-se, a esse respeito, a crítica de Eros Roberto Grau: “Não hão de ter faltado ética e justiça à Humanidade. Tantas éticas e tantas justiças quantas as religiões, os costumes, as culturas, em cada momento

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Há, de fato, uma brutal judicialização do processo eleitoral, com mandatários

que são mantidos de forma precária, com alternância de representantes em razão

de decisões de caráter meramente cautelar. É difícil, por isso, dar uma resposta clara

à indagação que se propõe entre autocontenção e ativismo na realidade complexa

do Brasil.

Não se pode negar que o abuso do poder econômico e político é de difícil

contenção, em especial pelas assimetrias presentes no sistema e na nossa vida

em sociedade. As desigualdades existentes no país produzem um quadro de ampla

vulnerabilidade. O poder econômico pensado como a manifestação tendente a criar

determinado monopólio (dominação de mercado) – impondo a aceitação sem a devi­

da formação da opinião para a escolha, conceito que pode ser aplicado ao pleito

eleitoral, posto que as práticas abusivas tendem a retirar do eleitor o seu poder de

escolha, influenciando a sua escolha de maneira indevida – relaciona­se aos padrões

estruturais de distribuição de renda e pobreza de determinada nação.32 isso, por

certo, gera campo vasto para práticas corruptas33 e abusivas durante as eleições.

Não se pode deixar de relembrar, questão aliás que se imbrica com o início

do texto, em que se tratou do histórico institucional do Brasil, a herança portuguesa

na colonização do país, fundamentada em uma ética administrativa baseada em

laços de amizade, gerando indevida harmonia na convivência entre o poder político

e o econômico, tornando a legislação não algo para a contenção ou autorização de

agir do Estado, mas um instrumento de poder. Esse estado de coisas chegou a tal

ponto de patologia no sistema que não mais há a necessidade de intermédio do

poder econômico com o político, devido ao ingresso do administrador técnico nestas

relações.34 Também este ponto se reflete diretamente no pleito eleitoral, através da

interferência indevida da máquina administrativa na disputa, inclusive por meio dos

administradores técnicos (burocracia).

histórico, em cada recanto geográfico. Muitas éticas, muitas justiças. Nenhuma delas, porém, suficiente para resolver a contradição entre o universal e o particular, porque a ideia muito dificilmente é conciliável com a realidade. A única tentativa viável, embora precária, de mediação entre ambas é encontrada na legalidade e no procedimento legal, ou seja, no direito posto pelo Estado, este com o qual operamos no cotidiano forense, chamando o direito moderno, identificação à lei” (GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 16­17).

32 SALOMÃO FiLHO, Calixto. Desigualdade econômica e insuficiência regulatória. in: FERRAz JÚNiOR, Tércio Sampaio; SALOMÃO FiLHO, Calixto; NUSDEO, Fábio (Org.). Poder econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri: Manole, 2009. p. 50

33 Gesner Oliveira, utilizando-se da conceituação da Transparência internacional, leciona: “Segundo a Ti, a corrupção pode ser definida como um abuso de poder para auferir ganho privado. Há várias outras formas de definir a doença, mas a definição da Ti é útil por associar corrupção e poder” (OLiVEiRA, Gesner. O triângulo perverso da corrupção: corrupção razoável, monopólio e corrupção necessária. in: FERRAZ JúNiOR, Tércio Sampaio; SALOMÃO FiLHO, Calixto; NUSDEO, Fábio (Org.). Poder econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri: Manole, 2009. p. 166).

34 FERRAZ JúNiOR, Tércio. Poder econômico, ética da Administração Pública e corrupção. in: FERRAZ JúNiOR, Tércio Sampaio; SALOMÃO FiLHO, Calixto; NUSDEO, Fábio (Org.). Poder econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri: Manole, 2009. p. 182­183.

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Neste contexto, é difícil apontar qual a melhor alternativa a ser adotada pela

justiça eleitoral, pois a cada momento terá que fazer uma avaliação mais precisa

desta realidade. O número de processos dificulta esse trabalho, pois conduz a

uma análise cada vez mais formal, mas é necessário que haja uma aproximação

e valorização da realidade político­institucional. Parece excessivo que queiramos

arbitrar o resultado do jogo, mas é fundamental que haja igualdade e respeito ao

que é declarado.

As alterações do sistema exigem a ponderação das consequências. A incons-

titucionalidade do financiamento privado de empresas, por exemplo, poderá gerar

mais corrupção35 ou mesmo a eleição por lista fechada, o que, no entanto, supõe

a democracia interna, verdadeiramente inocorrente no sistema partidário brasileiro.

Grande parte das nossas intervenções acaba não gerando as consequências

esperadas – “querendo fazer o bem a gente acaba fazendo o mal”. Muitas reformas

foram feitas, mas não a reforma político­eleitoral necessária, o que tornou o sistema

distorcido, comprometedor da representação e que explica a grave crise institucional

ora experimentada. A esse respeito, é possível afirmar que parte do Estado deixa de

perseguir os seus objetivos constitucionais de satisfação do interesse público, sendo

capturado por setores privados detentores do poder econômico, o que demonstra a

necessidade urgente de reestruturar determinados instrumentos de democracia.36

Diante desse quadro institucional difícil, afirma­se que somente uma construção

crítica e dialógica permitirá avançar no contexto atual.

ReferênciasARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNiOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Verbatim, 2014.

35 A palestra foi proferida antes da realização das eleições de 2016, primeira oportunidade de aplicação da nova regra de financiamento eleitoral, com a proibição de doação por parte das pessoas jurídicas. Fato é que houve, efetivamente, diversas suspeitas de corrupção, conforme se verifica na seguinte matéria constante no sítio do Tribunal Superior Eleitoral: “Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informa que os técnicos da Justiça Eleitoral estão analisando criteriosamente o material apresentado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na tarde desta segunda-feira (5). O TCU entregou uma lista com indícios de irregularidades nos relatórios financeiros de campanhas encaminhados à Justiça Eleitoral por candidatos e partidos até 31 de agosto 2016. Foram identificados indícios de irregularidades no montante de R$4.218.370,00, doados por 4.630 beneficiários do programa Bolsa Família, do Governo Federal. Também foi constatada a existência de 21.072 doadores com indícios de falta de capacidade econômica que, no total, entregaram R$168.336.395,00 a candidatos e partidos das Eleições de 2016. Foram descobertos, ainda, 34 mortos que doaram R$57.257,00, como informado pelo presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, durante a audiência para a entrega da lista do TCU” (TRiBUNAL SUPERiOR ELEiTORAL. Indícios de irregularidades em doações a partidos estão na mira da Justiça Eleitoral. 6 set. 2016. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias­tse/2016/Setembro/indicios­de­irregularidades­em­doacoes­a­partidos­estao­na­mira­da­justica­eleitoral>. Acesso em: 27 jan. 2017).

36 SALOMãO FiLHO, Calixto. Comentários e questões ao quarto e último encontro: poder econômico e corrupção. in: FERRAz JÚNiOR, Tércio Sampaio; SALOMÃO FiLHO, Calixto; NUSDEO, Fábio (Org.). Poder econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri: Manole, 2009. p. 186.

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informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

SiLVA, Fernando Matheus da; GOLAMBiUk, Paulo Henrique. A missão constitucional da Justiça Eleitoral – Entre o ativismo e a autocontenção judicial (Conferência proferida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral). Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 9, n. 17, p. 95­106, jul./dez. 2017.