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7/22/2019 A monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano.pdf http://slidepdf.com/reader/full/a-monarquia-portuguesa-na-obra-de-alexandre-herculanopdf 1/199  Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Jorge Claudio Bastos da Silva A monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano Rio de Janeiro 2011

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  Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Jorge Claudio Bastos da Silva

A monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano 

Rio de Janeiro

2011

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Jorge Claudio Bastos da Silva

A monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, aoPrograma de Pós-Graduação em Históriada Universidade do Estado do Rio deJaneiro. Área de concentração: HistóriaPolítica.

Orientador: Profª. Drª. Maria Emília Prado

Rio de Janeiro

2011

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CATALOGAÇÃO NA FONTEUERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Tese.

 _____________________________________ ___________________________Assinatura Data

H539m Silva, Jorge Claudio Bastos daA monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano \

Jorge Claudio Bastos da Silva – 2011.

197 f.

Orientadora: Maria Emília Prado.Tese (Doutorado) - Universidade do Estado do Rio de

Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.Bibliografia.

1. Herculano, Alexandre, 1810 - 1877. 2. Monarquia -Portugal - Teses. 3. Liberalismo – Portugal - Teses. 4. Portugal –História. I.Prado, Maria Emília. II. Universidade do Estado doRio de Janeiro.Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

CDU 946.9

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 Jorge Claudio Bastos da Silva

A monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano 

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor aoPrograma de Pós-Graduação emHistória, da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro. Área de concentração:História Política.

Aprovada em: 02 de junho de 2011

Banca Examinadora:

 _____________________________________________Profa. Dra. Maria Emília da Costa Prado (Orientadora)Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

 _____________________________________________Prof. Dr. Arno WehlingInstituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

 _____________________________________________Prof. Dr. Daniel de Pinho BarreirosInstituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

 _____________________________________________Lúcia Maria Paschoal GuimarãesInstituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

 _____________________________________________Oswaldo Munteal FilhoInstituto de Filosofia e Ciências Humanas da UERJ

Rio de Janeiro

2011

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 DEDICATÓRIA

Para os meus filhos Cecília e Carlos, cujos futuros orientam o meu presente e para meu avôCarlos ( In memoriam) e minha tia Noemi ( In memoriam), cujos passados orientam meu

futuro.

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 AGRADECIMENTOS

À Professora Maria Emília Prado, minha orientadora, pelo carinho, atenção e rigorfundamentais para o desenvolvimento e conclusão da tese; ao Professor Arno Wehling,

 presença marcante na minha formação acadêmica e intelectual; ao Professor Daniel Barreiros,

apoio constante e amizade fraterna; ao Professor Orlando Munteal pelo apoio e pelas palavras

animadoras aliados às preciosas sugestões; à Professora Lucia Guimarães pelo carinho e

atenção demonstrados desde os primeiros dias de aula no PPGH/UERJ.

Aos funcionários da Secretaria do PPGH, especialmente à Daniele, cuja atenção é

fundamental para que todos os alunos do Programa consigam atingir seus objetivos comsucesso.

Aos colegas do Prevest do Colégio Militar do Rio de Janeiro, principalmente aqueles

que generosamente apoiaram e facilitaram, das mais distintas maneiras, a realização da tese:

Cel. Túlio Marron - Coordenador, Maj. Nicácio - BIO, Maj. Kling - GEO ( In Memoriam),

Prof. Gabriel Vogt - GEO, Prof. Vinícius Moura - GEO, Prof. Alexandre Antunes - QUI,

Prof.ª Claudete Daflon - LIT, Prof.ª Cátia Valério - LIT, Prof. Paulo Brito - BIO, Prof.

Benjamin Cesar - MAT, Prof.ª Suely Shibao - LP, Prof. Luiz Antônio Barros - LP, Prof.

Cláudio Capuano - RED, Prof. André Calvet - FIS, Prof.ª Andréa Sotero - ING e Prof.ª Maria

Spanó - LP.

Aos amigos do grupo Kali Rio, Eduardo Gomes, Tales Vasconcellos e Paulo Pereira,

que nunca negaram apoio e sempre tiveram paciência com os meus atrasos e ausências.

Mabuhay!

Aos meus eternos alunos e alunas do Colégio Andrews e do Colégio Militar do Rio de

Janeiro, especialmente à Priscila Alves e à Fernanda Prates, que acompanharam a tese desde

quando esta era apenas uma intenção.

À minha esposa e companheira, Ana Maria, e aos meus filhos e “cúmplices”, Gabriela,

Cecília e Carlos. Obrigado pelo apoio, carinho e compreensão. Amor eterno!

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RESUMO

SILVA, Jorge Claudio Bastos da. A monarquia portuguesa na obra de Alexandre Herculano. 

2011. 197 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

A pesquisa  A Monarquia Portuguesa na Obra de Alexandre Herculano  analisa aconstrução do modelo ideal de monarca por Alexandre Herculano, com especial ênfase na

 produção histórica em que os monarcas portugueses foram retratados com maior riqueza dedetalhes e analisados de forma mais criteriosa. A pesquisa se dá a partir da conjunturahistórica portuguesa marcada pelo estabelecimento do Estado Liberal e pelos debates entre osdiferentes grupos políticos em que a participação dos intelectuais é um ponto relevante. Notocante a Alexandre Herculano, o envolvimento do autor em diversas polêmicas e articulações

 políticas é uma evidência da importância e da atuação da intelligentsia  na sociedade

 portuguesa do século XIX. Ao lado da conjuntura histórica na qual a obra de Herculano foi produzida, o universo conceitual forjado pelo autor com fundamento nos pressupostosteóricos e políticos também foi contemplado, pois o modelo de monarca construído pelo autorfoi elaborado a partir deste universo conceitual que, conforme os pressupostos teóricosempregados nesta pesquisa atuam e interferem nos debates contemporâneos à obra.

Palavras-chave: Monarquia. Portugal. História. Liberalismo. Intelectuais. Municípios.

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ABSTRACT

The research The Portuguese Monarchy in Alexandre Herculano’s work  analyses the

 building of the monarch’s ideal model (by Alexandre Herculano) especially focusing on thehistorical production on which the Portuguese monarchs were detailedly portrayed anddiscerningly analysed. Considering the Portuguese historical conjuncture marked not only bythe establishment of the Liberal State but also by the debates among the different politicalgroups in which the intellectual’s partaking is relevant. Concerning Alexandre Herculano, theauthor’s involvement in several debates and political articulations is an evidence of theintelligentsia’s outstanding role in the Portuguese society of the nineteenth century. Alongwith the historical context in which Herculano’s work was produced, the conceptual universecreated by the author reasoned on theoretical and political assumptions was also considered

 because the monarch’s model built by the author was created from this universe of conceptsthat, according to the theoretical assumptions used in this research, act and expand their

sphere of influence towards the contemporary debates to his work.

Keywords: Monarchy. Portugal. History. Liberalism. Intellectuals. Municipality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………………….…… 8

1 LIBERALISMO E ROMANTISMO EM HERCULANO............................. 14

1.1 A trajetória de Alexandre Herculano............................................................... 14

1.2 O século XIX português..................................................................................... 26

1.2.1 As constituições portuguesas................................................................................ 31

1.2.2 O quadro político-partidário em Portugal do século XIX..................................... 35

1.3 A i ntelligentsia portuguesa................................................................................. 40

1.3.1 Veículos impressos............................................................................................... 45

1.3.2 Recomposição e condições de acesso à elite intelectual....................................... 48

1.3.3 A educação formal................................................................................................ 51

2 OS CONCEITOS NA OBRA DE HERCULANO........................................... 67

2.1 O universo conceitual de Alexandre Herculano.............................................. 67

2.1.1 História................................................................................................................. 70

2.1.2 Classe média......................................................................................................... 100

2.1.3 Concelhos............................................................................................................. 107

3 OS MONARCAS PORTUGUESES COMO MODELO ................................ 119

3.1 Os reis na obra de Alexandre Herculano.......................................................... 119

3.1.1 Afonso I - 1128/1185............................................................................................ 123

3.1.2 Sancho I - 1185/1211............................................................................................ 134

3.1.3 Afonso II - 1211/1223........................................................................................... 143

3.1.4 Sancho II - 1223/1248........................................................................................... 152

3.1.5 Afonso III - 1248/1279......................................................................................... 160

3.1.6 D. João II - 1481/1495.......................................................................................... 1703.1.7 D. Manuel I - 1495/1521....................................................................................... 173

3.1.8 D. João III - 1521/1557......................................................................................... 176

3.2 As virtudes necessárias e os vícios a serem evitados pelo rei ideal................. 179

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 190

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 194

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INTRODUÇÃO

A bibliografia sobre Alexandre Herculano e sua obra é vastíssima, justificando a

importância do autor para a historiografia portuguesa. Considerado fundador da Ciência

Histórica em Portugal, Herculano é tido como o “ pai da historiografia portuguesa”1 e como

um marco referencial nos estudos historiográficos portugueses. Por isso, o pesquisador que se

dedicar ao Solitário de Vale dos Lobos tem uma grande vantagem e ao mesmo tempo corre

um grande risco. Vantagem, pois as diversas análises sobre Herculano oferecem um panorama

 bastante abrangente do autor e sua obra e, dada esta abrangência, o risco consiste em

enveredar a análise por um caminho anteriormente trilhado.

Ao longo da pesquisa e redação da dissertação de Mestrado em Memória Social eDocumento pela UNIRIO A Identidade Portuguesa e a Construção da Memória Nacional na

Obra de Alexandre Herculano, orientada pelo Prof. Dr. Arno Wehling, onde foram

trabalhadas a Identidade e a Memória Nacional portuguesa sob a luz do diálogo e do

enfrentamento entre Memória e História, percebemos que, apesar de enfatizar a Nação, a

História Social Portuguesa, a Teoria dos Dois Princípios e outras questões relevantes da obra

de Alexandre Herculano, um personagem estava presente na obra do autor, possuindo

atributos de agente e instituição política simultaneamente: o Soberano. Ou melhor, uma ideiaou modelo de Soberano elaborada a partir do ideário de Herculano e de seu projeto para

Portugal. Inicialmente pensamos em incluir a construção da imagem deste Modelo de

Soberano em nossas investigações, mas logo ficou claro que este não seria mais um “lugar da

 Memória”, no entender de Pierre Nora. Seria um elemento constitutivo de todos os lugares da

Memória construídos por Alexandre Herculano ao longo de sua obra. Desvendar a construção

deste modelo de Soberano exigiria um trabalho à parte, ideal como tema para uma tese de

Doutorado.Ao retomar a obra de Herculano para elaborar o projeto para a seleção do Programa de

Pós-Gradução em História da UERJ, observamos que na introdução da terceira edição do

Volume I de  História de Portugal  Alexandre Herculano externou a sua gratidão para com o

rei D. Fernando pelo emprego de real bibliotecário da Ajuda e das Necessidades e, como

retribuição, se propôs a orientar os caminhos políticos do jovem príncipe D. Pedro V e

dedicava a obra a ele, pois a História era considerada a melhor conselheira política:

1 TORGAL, Luís Reis. Antes de Herculano. TORGAL, Luís Reis; MENDES, José Amado; CATROGA, Fernando. Históriada História em Portugal . Lisboa: Temas e Debates, 1998.p.3. v.1.

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Quando ha dezessete annos publiquei a primeira edição deste volume destinava o encetadotrabalho para estudo de um principe, (...) que em futuro remoto (...), devia governar Portugal.Persuadido de que o conhecimento da vida anterior de uma nação é o principal auxílio para se poder e saber usar, sem ofensa dos bons principios, do influxo que um rei de homens livrestem forçosamente nos destinos do seu país (...).2 

Esta História ad usum Delphini3  levou-nos a algumas considerações sobre o modelo

ideal de rei construído por Herculano, visto que, além de servir como fundamento político do

modelo proposto por Herculano, a monarquia portuguesa elaborada pelo autor também

objetivava servir de parâmetro para o jovem príncipe, destacando as virtudes e defeitos, as

instituições privilegiadas na construção dos monarcas e quais os reis portugueses que o autor

considerou dignos de figurar na educação do jovem Pedro V. Enfim, como Alexandre

Herculano construiu este modelo de monarca, quais os critérios utilizados e como este modelo

aparece na sua produção intelectual, principalmente em História de Portugal  e na História da

Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal .

Apesar de autores como Fernando Catroga4  e António José Saraiva5 mencionarem a

importância do monarca no pensamento político e na obra de Herculano, as menções feitas

não foram aprofundadas e, observando a produção mais recente sobre Alexandre Herculano e

sua obra, observamos que não existe nenhuma pesquisa desenvolvida sobre este tema

específico, o que garante a originalidade do nosso trabalho.

Para fundamentar teoricamente o nosso estudo, optamos pelo instrumental fornecido

 pela “Escola Collingwoodiana” ou o “Contextualismo Linguístico”, em que se destacam

Quentin Skinner e John Pocock. O instrumental fornecido por esta corrente, de acordo com o

nosso entendimento, nos permite compreender o pensamento de Alexandre Herculano em sua

 própria historicidade através de um “processo de pesquisa arqueológico” 6, segundo

definição do próprio Skinner, em que “a única história das ideias que deve ser feita é a

história dos usos a que as idéias estão sujeitas” 7. Para Skinner, uma categoria é de suma

importância, os Atos Discursivos ou Atos da Fala, em que a análise da sentença cede lugar à

2 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand 1980. p. 3.

3 CATROGA, Fernando. Alexandre Herculano e o Historicismo Romântico In: TORGAL, Luís Reis; MENDES, JoséAmado; CATROGA, Fernando. História da História de Portugal . Lisboa: Temas e Debates, 1998. p.56. v. 1.

4 Ibidem. p. 56.

5 SARAIVA, Antônio José. Herculano e o liberalismo em Portugal . Lisboa: Bertrand, 1977.

6 SKINNER, Quentin. On intellectual history And the history of books. CONTRIBUTIONS. Rio de Janeiro, IUPERJ, v. 1, n.1, 2005. p. 34. SKINNER, Q. Liberdade Antes do liberalismo. São Paulo: Unesp, 1999. p. 90.

7 SKINNER, Quentin. Significação e Compreensão na História das Idéias. In ______ . Visões da política. Miraflores: DIFEL,2005. p. 123.

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“análise do ato de fala, do uso da linguagem em um determinado contexto, com determinada

 finalidade e de acordo com certas normas e convenções” 8,  categoria teórica que

retomaremos mais adiante.

 Nessa direção, Skinner especifica a noção de ‘contexto’, qualificando como

‘linguístico’ ou de linguagem aquele que importa reconstituir historicamente para dar sentido

às proposições da teoria política e social no tempo e destaca o caráter intencional destes Atos

Discursivos, cujo intuito é intervir neste contexto linguístico. A análise dos discursos

observando o momento histórico em que floresceram e inseridos num contexto linguístico em

que atuam de forma intencional consiste, de acordo com o nosso ponto de vista, num

 pressuposto capital para o trabalho proposto.

Foi a partir desta preocupação que redigimos o capítulo 1, dedicado à trajetória deAlexandre Herculano, da composição e características da intelligentsia oitocentista e à

conjuntura histórica. Portanto, o primeiro capítulo objetiva descrever o contexto  no qual

Herculano e sua obra surgiram e com o qual interagiram.

 Num primeiro momento duas questões se colocam ao considerarmos o arcabouço

teórico-metodológico e as fontes que pretendemos utilizar: de uma forma geral, as fontes

estudadas pelos autores filiados ao Contextualismo Linguístico são, principalmente, tratados e

obras de pensamento político. Isto posto, como podemos analisar a obra de AlexandreHerculano dada a grande variedade de formas discursivas que compreendem a produção

literária do autor, como o romance histórico, os contos, a poesia, a produção historiográfica,

dentre outras? Vejamos o que Quentin Skinner no diz sobre esta questão:

Claro que é um erro supor a reconstituição desta dimensão [onde os autores veiculam suasidéias e intervêm intencionalmente num determinado contexto lingüístico através dos atosdiscursivos] só terá interesse quando aplicada a certos gêneros de textos. Essa dimensão está presente em todas as expressões discursivas sérias, quer em verso, quer em prosa, quer em

filosofia quer em literatura

9

 (grifo nosso).

A partir deste princípio, podemos dizer que a produção intelectual, independente da

forma discursiva empregada, pode ser observada sob os enfoques propostos.

A segunda questão que se coloca consiste no risco que corremos de empobrecer nosso

trabalho ao padronizarmos a análise da obra de Herculano sob o crivo dos enfoques teórico-

metodológicos eleitos, desprezando as especificidades dos discursos literário, historiográfico,

8 JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social: referências preliminares. Revista brasileira deCiências Sociais. São Paulo, ANPOCS, v. 20, n. 57, 2005. p. 28.

9 SKINNER, Quentin. Interpretação e compreensão dos actos discursivos. In ______ . Visões da política. Miraflores:DIFEL, 2005. p. 174.

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teatral, etc., e das possibilidades que, dentre outras, o diálogo entre a análise literária e a

História fornecem em nome de uma unidade analítica destas modalidades discursivas.

Ao pressupormos, fundamentados em Skinner, que a produção intelectual de

Alexandre Herculano como um todo se presta à análise do pensamento político do autor, não

estamos minimizando as contribuições que o diálogo entre os estudos literários e a História

trazem e sim evidenciando que na obra de Herculano existe um universo de Atos Discursivos

que nos orientam em direção ao objetivo do nosso trabalho: a construção de um modelo ideal

de Rei. As diferentes modalidades discursivas não são ignoradas por nós, tanto que, a seguir,

vamos recorrer a elas para evidenciar as intenções do autor em tela ao empregar uma

determinada modalidade discursiva. Para tal, torna-se necessário definir como vamos

trabalhar com as categorias  Intenções e  Motivações, tão caras a Skinner e de importânciacapital para o nosso trabalho.

O propósito de intervir no contexto português e participar da definição dos rumos a

serem tomados por Portugal, manifestado por Alexandre Herculano, pode ser associado a um

dos pontos chaves da argumentação teórica proposta por Skinner, pois o seu objetivo ao

interpretar um texto busca “(...) saber o que o autor queria com o texto, o que significa lidar

com as intenções do autor” 10.

Partindo desta intencionalidade, Skinner enfoca dois pontos na análise dos textos: osvalores políticos do autor e os temas e objetos presentes nas obras, manifestações da

intencionalidade do autor que os transforma em atos intencionais do discurso, que são

denominados por Skinner como “Speech Acts” ou, numa tradução livre, Atos Discursivos. Os

valores do autor e os Atos Discursivos são, portanto, indissociáveis, existindo uma conexão

lógica entre ambos, sendo necessário buscar o ambiente intelectual onde surgem as obras

através da hermenêutica com o objetivo de vislumbrar tal conexão11. 

Inicialmente nos debruçamos sobre a intencionalidade do autor e como esta estava presente e se manifestava na produção de Alexandre Herculano. Torna-se, desta forma,

necessário trabalhar com a noção de Atos Discursivos na obra de Alexandre Herculano e

como ela se conecta com a intencionalidade do autor.

Pensamos que a concepção mais abrangente de Atos Discursivos foi proposta por

Marcelo Jasmin ao afirmar que:

10 SKINNER, Quentin. O anjo e a história. Folha de São Paulo, 16 de agosto de 1998.

11 LOPES, Marcos Antônio.  Para ler os clássicos do pensamento político: um guia historiográfico. Rio de Janeiro: FGV,2002. p. 54 - 55.

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(...) os trabalhos de filosofia política seriam elaborados como ‘atos de fala’ (speech acts) deatores particulares, em resposta a conflitos também particulares, em contextos políticosespecíficos e no interior de linguagens próprias ao tempo de sua formulação. Cada autor, ao publicar uma obra de teoria política, estaria portanto ingressando num contexto polêmico paradefinir a superioridade de determinadas concepções, produzindo alianças e adversários, e buscando a ‘realização’ prática de suas ideias 12. 

Isto posto, podemos associar os Atos Discursivos ou “Atos de Fala”, conforme

mencionados por Marcelo Jasmin, com a operacionalização discursiva da intencionalidade do

autor, com a cristalização em discurso dos objetivos do autor.

Foram estes os balizamentos teóricos que foram empregados para elaborarmos o

capítulo 2, onde o objeto de estudo foi o universo conceitual forjado e empregado por

Herculano para intervir no contexto português e para construir o modelo de rei proposto pelo

autor. Antes de analisarmos os principais conceitos utilizados por Herculano, História, Classe Média,  Forais  e Concelhos, aprofundamos a problemática das intenções e motivações 

 proposta por Skinner.

 No capítulo 3 o objeto de estudo foi a construção dos reis na obra de Herculano.

Partindo da premissa de que o rei é o elemento central da organização social e política

 proposta por Alexandre Herculano e que a sua produção intelectual tem caráter didático,

típico do Romantismo, destacando a  História de Portugal , elaborada para ajudar o futuro rei

D. Pedro V a governar, montamos uma série de tabelas a partir das obras de Herculano, ondesão destacadas as virtudes e os equívocos cometidos pelos reis de Portugal. Grande parte das

informações contidas nas tabelas tem como fonte a  História de Portugal   e a  História da

origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal.  Nestas obras os reis de Portugal são

 personagens e objetos de destaque e as suas decisões são analisadas por Herculano. Nos

romances históricos, conforme veremos ao longo do capítulo 3, os reis e os seus reinados são

como um pano de fundo onde se desenrola a trama e nos Opúsculos  a ênfase recai sobre

questões políticas, históricas e culturais e os reis, quando mencionados, servem mais comouma referência temporal e institucional e não são analisados de forma tão detida quanto nas

duas obras citadas.

A partir das informações retiradas das obras de Herculano e do cruzamento das tabelas

elaboradas a partir delas, pensamos ter chegado a um modelo de rei ideal não apenas pelas

virtudes e acertos que devem ser utilizados como exemplo para o bom exercício do poder,

mas também chegamos a um contramodelo, ou modelo negativo, onde são elencados os vícios

12 JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social: referências preliminares. Revista brasileira deCiências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 57, 2005. p. 28.

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e equívocos cometidos e que devem ser evitados para que o rei exerça seu poder de forma a

 beneficiar a sociedade e possibilitar o estabelecimento do Liberalismo em Portugal.

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1 LIBERALISMO E ROMANTISMO EM HERCULANO

1.1 Trajetória de Alexandre Herculano

Alexandre Carvalho de Araújo nasceu em Lisboa no dia 28 de março de 1810, ano da

terceira invasão francesa comandada por Massena. Segundo Herculano ele pertencia “ pelo

berço a uma classe obscura e modesta”1. O pai, Teodoro Cândido de Araújo, era recebedor da

Junta dos Juros, enquanto que por parte da mãe, Maria do Carmo de São Boaventura, o bisavô

e o tio-avô foram arquitetos das Obras Públicas, trabalhando no Paço Real e recebendo

mercês reais2. Como veremos adiante, as conexões da família de Herculano com o Paço

 podem ter contribuído para o ingresso definitivo do autor no funcionalismo público em 1839.Funcionário público modesto, liberal e possuidor de uma formação cultural mediana,

Teodoro Cândido foi o primeiro mestre do filho, que concluiu as Humanidades no Colégio de

São Filipe de Nery, coordenado pelos padres da Congregação do Oratório. A pretensão do

 jovem Herculano de ingressar na Universidade de Coimbra foi frustrada pela doença do pai,

que ficou cego e impossibilitado de continuar trabalhando, o que diminuiu a renda familiar e

obrigou Herculano a buscar uma carreira profissional mais modesta e que possibilitasse o

ingresso imediato no mercado de trabalho para ajudar financeiramente a sua família. Cursou aAula de Comércio e frequentou as aulas de Diplomática na Torre do Tombo, que contribuíram

 para despertar em Herculano o interesse pela História e que foi um instrumento de grande

valia para a sua posterior produção intelectual. Neste período Herculano conviveu com

amigos intelectuais e literatos que o introduziam no salão da Marquesa de Alorna, fato que

marcou decisivamente a sua formação intelectual, pois além de conhecer a língua e o

romantismo alemães, o contato com os frequentadores do salão da ilustre marquesa ampliou o

círculo social do autor e contribuiu para a ascensão de Herculano à elite intelectual portuguesa. Segundo Herculano, a Marquesa de Alorna era comparada à Madame de Stael,

 pois “ella fazia voltar a atenção da mocidade para a arte da Alemanha, a qual veio dar nova

 seiva á arte meridional que vegetava na imitação servil das chamadas letras clássicas”3. No

1 Apud SANTOS, M de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa:Presença. p. 46

2 SANTOS, Mª de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa: Presença. p.46.

3 HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. 2. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 278. v.9.

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artigo dedicado à Marquesa de Alorna publicado em O Panorama no ano de 1844, teceu o

reconhecimento da importância da Marquesa na sua formação:

Àquela mulher extraordinaria, a quem só faltou outra pátria, que não fosse esta pobre eesquecida pátria de Portugal, para ser uma das mais brilhantes provas contra as vãs pretensõesde superioridade excessiva do nosso sexo, é que devi encitamento e protecção litteraria,quando ainda no verdor dos annos dava os primeiros passos na estrada das letras. Apraz-meconfessá-lo aqui, como outros muitos o fariam se a occasião se lhes offerecesse; porque omenor vislumbre d’engenho, a menor tentativa d’arte dou de sciencia achavam nella tal favor,que ainda os mais apoucados e timidos se levantavam; e d’isso eu proprio sou bem claro

argumento.4 

O período entre 1829 e 1831 foi decisivo na formação intelectual de Herculano pois,

associado ao contato e adesão aos ditames românticos difundidos no salão da Marquesa de

Alorna5, Herculano se converteu ao Liberalismo. No poema “ A Semana Sancta”, redigido em

1829 mas publicada somente em 1838 na coletânea “ A Harpa do Crente”, a estética

romântica e as ideias liberais são inequivocamente declaradas: “ Eu não! – eu rujo escravo; eu

creio e espero / No Deus das almas generosas, puras, / E os déspotas maldigo. –

 Entendimento / Bronco, lançado em seculo fundido / Na servidão do goso ataviada / Creio

que Deus é Deus e os homens livres!”6 

A pena que defendia as liberdades românticas e liberais em 1829 foi substituída pelas

armas em 1831. Herculano fez parte do levante do Regimento 4 de Infantaria de Lisboa,iniciado em agosto de 1831. Inspirados na Revolução de 1830 ocorrida na França, os

sublevados pretendiam o restabelecimento da Carta Constitucional de 1826, revogada por D.

Miguel em 1828. A reação miguelista foi imediata e violenta. Muitos conjurados foram

mortos durante os embates ou fuzilados após a rendição. Herculano conseguir escapar do

trágico fim de muitos de seus colegas de sedição e buscou esconderijo numa fragata francesa

que, a seguir, levou-o para o exílio na Inglaterra e, logo depois, na França. Este foi o início de

um breve período de exílio que durou cerca de seis meses. Para os autores que estudaram avida e obra de Herculano, o breve exílio em terras francesas foi decisivo para a sua formação

intelectual pois, nesse período, Herculano teve contato com as obras de autores franceses que

o influenciaram. Dentre eles, destaque para os historiadores François Guizot e Augustin

Thierry. Segundo António José Saraiva, “ Enfim, Herculano chegava a França na época da

4 HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. 2. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 276. v.9.

5 Não vamos discutir a polêmica levantada por Teófilo Braga quanto à defesa do Absolutismo por Alexandre Herculano

durante a adolescência, pois esta questão não é relevante para os objetivos do nosso trabalho. Se Herculano um dia defendeuo absolutismo miguelista e o Antigo Regime, este fato não marcou a sua obra e, portanto, não influenciou na construção doaparato teórico e conceitual empregado para construir o modelo ideal do monarca.

6 HERCULANO, Alexandre. Poesias. 2.ed. Lisboa: Bertrand, 1860. p. 4.

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 grande voga dos estudos históricos de Thierry e de Guizot, que davam a perspectiva história

da revolução burguesa pela qual ele se estava batendo.”7 

Pensamos que o período de exílio vivido por Herculano contribuiu para a sua

formação intelectual ao ampliar e diversificar o universo de autores lidos por ele, mas o

acesso para o entendimento e a chave para a compreensão de autores como Guizot e Thierry

no campo historiográfico e Chateaubriand e Walter Scott, no aspecto literário, foi possível

graças ao contato anterior com as ideias liberais e românticas no salão da Marquesa de Alorna

e no convívio com outros intelectuais no período anterior ao exílio. Por isso entendemos que a

 bagagem intelectual obtida por Herculano no exílio foi um complemento, uma segunda etapa

do processo de formação intelectual do autor, iniciado entre 1829 e 1831.

Em fevereiro de 1832 Herculano embarcou para a Ilha Terceira junto com outrosliberais portugueses no exílio. Foco da resistência antimiguelista, a Ilha Terceira abrigou o

Batalhão de Voluntários da Rainha, comandado pelo ex-imperador do Brasil D. Pedro. Em

 julho de 1832 Herculano participou do célebre Desembarque do Mindelo e da posterior

tomada do Porto pelas armas liberais. A reação miguelista cercou a cidade até agosto de 1833,

quando houve um novo desembarque liberal no Algarves, que obrigou a reação miguelista a

dividir seus esforços para tentar evitar a derrota iminente.

A vitória das armas liberais foi consagrada pela Convenção de Évora-Monte em maiode 1834. A recondução de D. Maria II ao trono e o restabelecimento da Carta de 1826

marcaram o estabelecimento do Estado Liberal em terras portuguesas. Estes fatos

encontraram Alexandre Herculano exercendo o cargo de segundo-bibliotecário da Biblioteca

Pública do Porto, nomeação feita antes mesmo do fim do cerco miguelista ao Porto. A

organização do acervo da Biblioteca do Porto, composto por obras que pertenceram a

 bibliotecas eclesiásticas e monásticas, exigiu um grande esforço de Herculano. Em conjunto

com o trabalho de organização, o autor se debruçou sobre manuscritos que foramincorporados ao acervo, utilizando os seus conhecimentos de Diplomática para empreender

investigações históricas com bases nesses documentos.

A Revolução de Setembro de 1836 marcou o final do período portuense de Alexandre

Herculano. Com a revogação da Carta de 1826 e o restabelecimento da Constituição de 1822

 pelo novo governo, formado pelo grupo liberal liderado por Passos Manuel e com forte apoio

 popular, o funcionalismo público foi obrigado a jurar a constituição restaurada, imposição

recusada por Herculano que, de imediato, pediu demissão do cargo que exercia numa

7 SARAIVA, António José. Herculano e o liberalismo em Portugal . Lisboa: Bertrand, 1977. p. 51.

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demonstração de fidelidade à Carta de 1826 e a D. Pedro, falecido em 1834. Tão logo o

 pedido de demissão foi aceito pelo novo governo, Herculano retornou a Lisboa, dando início a

uma nova etapa da sua vida intelectual.

Até aqui pudemos observar duas etapas da trajetória intelectual de Alexandre

Herculano: o período de formação intelectual (1829/1833) e o início do processo de ascensão

à elite intelectual (1833/1836). Na primeira etapa a produção intelectual de Herculano é

 basicamente poética. Enquanto frequentava o salão da Marquesa de Alorna, convivia com

amigos intelectuais e, durante o exílio, a poesia era o veículo através do qual o jovem autor

expressava suas ideias e princípios ainda em processo de organização e consolidação. Na

etapa seguinte, de 1833 a 1836, Herculano já havia concluído o processo de formação

intelectual, consolidando ideias e princípios anteriormente adquiridos, e exercia um cargo público. Foi nesse momento de consolidação da formação intelectual que Herculano se viu na

necessidade de utilizar outras modalidades discursivas para se expressar. Nesse período a

 poesia gradualmente cede espaço para a prosa pois, em nosso entender, Herculano passou a

ter a atenção voltada para novos objetos e preocupações que seriam mais bem veiculados

através de artigos e crônicas. A publicação dos artigos Qual é o estado na nossa Literatura?

Qual é o trilho que ela hoje tem a seguir?8  de 1834 e  Poesia: Imitação-Belo-Unidade  9 de

1835, ambos publicados no  Repositório Literário do Porto, apresentam propostas para acriação de uma literatura genuinamente portuguesa calcada nas premissas românticas em voga

na Europa. Para Paulo Motta Oliveira, o primeiro artigo era “uma tentativa de entender a

literatura do presente quando esta passava por mudanças cruciais e era em Portugal ainda

um campo em construção”10. A poesia deixava de ser um veículo preferencial das ideias de

Herculano para se tornar objeto de estudo, levando o autor a se dedicar a artigos e crônicas.

O ocaso da produção poética e o início de uma terceira etapa da vida intelectual de

Herculano podem ser explicados a partir do momento em que as suas preocupações sevoltaram para outros domínios da vida social como a História, a Literatura, a crítica literária e,

a partir de 1836, a política. Este terceiro momento intelectual de Herculano, que começou em

1836/37 e se estendeu até 1867, pode ser definido como o momento de apogeu intelectual do

autor, dada a publicação das suas obras mais conhecidas e influentes, associada ao exercício

8 HERCULANO, Alexandre. Qual é o estado da nossa literatura? Qual é o trilho que hoje ela tem a seguir? In ______.Opúsculos. 2. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 1-20. v.9.

9 Idem. Poesia: Imitação, Belo e Unidade. In Ibidem. p. 21-72.

10 OLIVEIRA, Paulo Motta. A construção da crítica literária: Herculano e Garrett. In: BASTOS, Lucia Maria et al. (Org.). Literatura, história e política em Portugal (1820-1856). Rio: EdUERJ, 2007. p. 75.

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da função de referência intelectual no século XIX. Podemos afirmar que nesse momento da

sua trajetória Herculano pode ser efetivamente definido como intelectual, seguindo as

definições de Norberto Bobbio e Daniel Barreiros.

Para Norberto Bobbio, o intelectual é “ alguém que não faz coisas, mas reflete sobre

as coisas, que não maneja objetos, mas símbolos, alguém cujos instrumentos de trabalho não

 são máquinas mas objetos”.11 Os intelectuais sempre existiram, pois eles são os detentores do

 poder ideológico (presente em todas as sociedades ao lado do poder político e do poder

econômico), que se exerce “ sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias, de

 símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra”,

caracterizando-se e relacionando-se com os outros poderes de acordo com as sociedades e o

contexto histórico.12 Destacando a função dos intelectuais e, com isso, aprofundando as suas atribuições

mencionadas por Bobbio, Daniel Barreiros define intelectual

como todo aquele que exerce integralmente a função de organizar a cultura, preservar amemória social, disseminar valores, símbolos e representações coletivas, bem como

sistematizar compreensões acerca da realidade social e visões de mundo. 13 

Ao expandir seus interesses para a política, a cultura, a História e exercer o papel de

 pioneiro tanto na literatura quanto na produção histórica, Herculano passou a exercer o papel

de formador de opinião com suas obras, provocando polêmicas e debates acalorados junto à

opinião pública portuguesa.

Retomando a trajetória intelectual de Herculano, a sua reação à Revolução Setembrista

não se limitou ao pedido de demissão do cargo de bibliotecário. No final de 1836 foi editado o

artigo A Voz do Profeta que, inspirado em Parole d’un Croyant, de Lammenais, tecia severas

críticas ao novo ministério setembrista e à Constituição de 1822 e fazia apologia da Carta de

1826. Publicado inicialmente em Ferrol, na Galiza, e reeditado no volume I de Opúsculos em

1873, A Voz do Profeta foi o artigo que projetou o nome de Alexandre Herculano no cenário

 político e intelectual português oitocentista, sendo, por isso, considerado como marco

inaugural da terceira etapa da trajetória intelectual de Herculano ao abrir as portas do circuito

 político e intelectual lisboeta para o escritor português.

11 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder . São Paulo: UNESP, 1997. p. 68.

12 Ibidem. p.11.

13 BARREIROS, Daniel Pinho. Intelectuais e estrutura Social: uma proposta teórica. Sinais sociai, n.9, Jan./Abr. 2009. p. 16.

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Redigido com nítidas intenções panfletárias e utilizando recursos retóricos dramáticos,

apocalípticos e de forte teor religioso,  A Voz do Profeta  pode ser considerado o libelo

inaugural do movimento cartista. Se até 1836 as grandes polêmicas envolviam liberais e

miguelistas, observamos que a partir de setembro de 1836 o bloco liberal se dividiu em duas

facções pricipais: cartistas e setembristas ou vintistas, defensores da Carta de 1826 e da

Constituição de 1822, respectivamente. Para Herculano, a Carta de 1826 criou condições para

o progresso individual e social português enquanto a Revolução Setembrista de 1836 e o

restabelecimento da Constituição de 1822 sufocavam as liberdades individuais ao legitimar o

 poder pelo “número-multidão”, em que se encontrava implícita a “tirania irracional do

número, inevitável causadora de injustiças”14. A democracia defendida pelos setembristas foi

implantada, de acordo com Herculano, sem levar em consideração as peculiaridades dasociedade portuguesa e das suas instituições. Ao escrever a Introdução de  A Voz do Profeta 

em 1867, quando foi publicada no volume I de Opúsculos, Herculano destaca a principal

diferença entre setembristas e cartistas, reforçando e detalhando a crítica feita em 1837:

A meu ver, a distinção profunda e precisa entre cartismo e o septembrismo consistia em negaro primeiro o princípio da revolução, dentro das instituições representativas livre esolemnemente adoptadas ou acceitas pelo país, e sua índole. Mas representava até certo ponto

em affirmá-lo o segundo. Tudo o mais em ambos era fluctuante e vago.15 

Percebemos que o cartismo adotava, assim como Alexandre Herculano, uma postura

liberal-conservadora ao defender a manutenção das instituições vigentes e as suas eventuais

transformações de acordo com a “índole” portuguesa e, consequentemente, posicionando-se

contra as transformações decorrentes das rupturas institucionais e dos arroubos

revolucionários.

A defesa incondicional da Carta de 1826, a crítica à democracia e à revolução, a

 projeção intelectual e política de Alexandre Herculano e os postulados liberais-conservadoresdestacam a importância de  A Voz do Profeta na produção intelectual de Herculano pois

antecipam e apresentam ideias que acompanharam o autor ao longo da sua trajetória

intelectual e política. Além das ideias e do posicionamento político de Herculano, pensamos

que  A Voz do Profeta utiliza pela primeira vez um recurso retórico que marcou a sua obra e

que foi destacado por Jorge Borges de Macedo: a polêmica como forma de exposição,

argumentação e veiculação de ideias.

14 MACEDO, Jorge Borges de. Alexandre Herculano: polêmica e mensagem. Amadora: Bertrand, 1980. p. 37.

15 HERCULANO, Alexandre. A voz do profeta. In: ______. Opúsculos. 5.ed. Lisboa: Bertrand, 1907. p. 17- 18. v.1.

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Para Borges de Macedo, Herculano raramente utiliza relatos sistemáticos para expor

suas ideias e pontos de vista sendo que os personagens de suas obras, reais e fictícios,

históricos e literários, se caracterizam em contraposição a outros personagens ou a uma

circunstância, pois “ Herculano define-se polemicamente, em contraste, em choque, em

divergência (...) sendo, essencialmente, um homem de luta”16.

Desta forma,  A Voz do Profeta  pode ser considerada como um marco divisor na

trajetória de Herculano, pois além de projetá-lo como intelectual ligado ao cartismo liberal-

conservador e inseri-lo no circuito cultural e jornalístico lisboeta, foi a primeira obra de

Herculano a utilizar a polêmica como recurso retórico, tornando-a uma das suas principais

características discursivas.

Após demitir-se da Biblioteca Pública do Porto e retornar a Lisboa em 1837,Alexandre Herculano foi convidado a assumir o cargo de redator de O Panorama, que

exerceu entre 1837 e 1839 e, posteriormente, entre 1833 e 1834. Nos primeiros meses de 1838

acumulou a redação do  Diário do Governo. Foi nas páginas de O Panorama que Herculano

 publicou os primeiros contos históricos que seriam posteriormente reunidos em  Lendas e

 Narrativas, de 1851.

Apesar do renome literário e jornalístico, a estabilidade financeira e profissional foi

alcançada após a sua nomeação para a direção das Bibliotecas Reais da Ajuda e Necessidadesem 1839. Com a nomeação, facilitada pelo Marquês de Resende e pelos contatos familiares na

Corte, Herculano passou a ter condições materiais para desenvolver suas pesquisas históricas

e dedicar-se com maior disponibilidade à literatura. Contudo, a nomeação não levou

Herculano a abandonar o jornalismo e a atividade política.

Em 1840 Herculano foi eleito deputado pelo Porto e durante o seu curto mandato,

findo no início de 1841, quando renunciou, Herculano bateu-se a favor de duas premissas

 básicas do liberalismo: a liberdade de imprensa, criticando a exigência de vultoso depósito emdinheiro para a abertura de jornais, medida que era considerada um atentado à liberdade de

expressão, pois a limita àqueles que têm mais recursos, e a instrução pública, criticando a

extinção da Escola Politécnica e defendendo um projeto de educação popular quando integrou

a Comissão Parlamentar de Instrução Pública.

Em 1842 teve início um período histórico conhecido como Cabralismo, marcado pela

ditadura do Ministro do Reino Costa Cabral, iniciado com uma sublevação militar e apoiado

 por D. Maria II, e pelos movimentos de oposição política que, sufocados pela repressão e pela

16 MACEDO, Jorge Borges de. Alexandre Herculano: polêmica e mensagem. Amadora: Bertrand, 1980. p. 30.

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censura cabralista, pegaram em armas por diversas vezes contra o governo. Foi somente em

1851 que o Cabralismo chegou ao fim.

Alegando lealdade ao Trono, Herculano adotou uma postura neutra diante do Governo

de Costa Cabral. Apesar de o Cabralismo ter restaurado a Carta de 1826 em substituição à

Constituição Moderada de 1838, Herculano buscou distanciar-se de Costa Cabral recusando

títulos e a nomeação para o cargo de Inspetor de Teatros. Ao mesmo tempo, Herculano

mantinha ligações pessoais com inúmeras personalidades políticas e intelectuais de oposição,

aproximando-se deste grupo a partir de 1848 ao participar de reuniões e oferecer a sua

residência para encontros políticos. Paradoxalmente, o período de aparente neutralidade de

Herculano coincidiu com o apogeu da sua produção intelectual.

 Nesse período Alexandre Herculano escreveu três grandes romances, O Bobo (1843), Eurico, o Presbítero  (1844) e O Monge de Cister   (1848), e publicou uma série de contos

reunidos em Lendas e Narrativas (1851).

Além dos romances históricos, Herculano dedicou-se à pesquisa histórica e nesse

 período foram editadas obras que podem ser consideradas como o núcleo da sua produção

historiográfica: as Cartas sobre a História de Portugal , os Apontamentos para a História dos

 Bens da Coroa e Forais e os três primeiros volumes de História de Portugal .

Editadas inicialmente na  Revista Universal Lisbonense  em 1842 e reunidas no 5ºvolume dos Opúsculos17, trata-se de uma exposição inicial das teses elaboradas por

Alexandre Herculano e da sua concepção de História.

 Na Carta I o historiador justifica a publicação de suas cartas aos editores da revista e

traça a sua concepção de História:

História não tanto dos indivíduos como da Nação; História que não ponha à luz do presente oque deve se ver à luz do passado; História, enfim, que ligue os elementos diversos queconstituem a existência de um povo em qualquer época, em vez de ligar um ou dois desseselementos, não com os outros que com ele coexistem, mas com os seus afins na sucessão dostempos, grudados pelos topos cronológicos com massa de papel feita das folhas da Arte de

verificar as datas. 18 

 Na Carta II Herculano analisa o contexto histórico da Península Ibérica por ocasião da

chegada do futuro Conde Henrique, enquanto que na Carta III o historiador expõe sua tese

17 HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. Lisboa: Bertrand, [S.d]. p. 33-158. v.4

18 Ibidem. p. 37 - 38.

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sobre o estatuto jurídico da concessão de Portugal a D. Teresa, considerando-a como a doação

do domínio hereditário sobre Portugal ao Conde Henrique19. 

 Na Carta IV o autor propõe uma nova cronologia para a História portuguesa, inspirado

 pelo historiador francês Augustin Thierry. Nessa cronologia, a História de Portugal divide-se

em duas etapas: a Idade Média e o Renascimento. Na primeira verifica-se o apogeu da Nação,

onde os elementos municipal e nobre possuíam grande atuação política, extinta na Corte de

Évora de 1841, ocasião que marca a centralização política em torno do monarca e o início do

declínio nacional. A Carta V corresponde a uma reflexão filosófica de Herculano sobre a

História de Portugal, considerando a Nação suscetível a fases biológicas como os indivíduos.

Em nosso entender, as Cartas sobre a História de Portugal  constituem-se, juntamente

com os Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Forais  num ensaio para aobra principal de Alexandre Herculano: a História de Portugal .

Artigo publicado em O Panorama  em 1843/44 e posteriormente publicado no 6º

volume de Opúsculos20,  Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e Forais é uma

análise do caráter jurídico e administrativo da propriedade territorial em Portugal, considerado

 pelo autor como um exemplo da “índole” portuguesa e elemento de distinção frente aos

demais reinos ibéricos medievais. Em seguida, Alexandre Herculano debruça-se sobre os

tipos de Forais e as suas especificidades.Este artigo possui grande valor para captar a visão que Herculano tinha da sociedade

medieval portuguesa como um todo e as relações entre os seus diversos grupos através das

instituições, sendo estas relações o ponto central da ideia de história social para o autor.

Editada em quatro volumes, a História de Portugal  pode ser considerada a obra-prima

de Alexandre Herculano, onde verificamos de forma clara a aplicação e o aperfeiçoamento

das teorias expostas em escritos anteriores. Dada a grandiosidade e a profundidade da obra,

comentaremos volume por volume, visando a tornar mais objetiva a análise a que nos propomos.

Editado em 1846, o Volume I21  trata inicialmente da história dos povos peninsulares

da Antiguidade, onde o autor contesta a ligação histórica entre Portugal e os Lusitanos. A

seguir, Herculano dedica-se à História política dos reinos muçulmanos e cristãos da Península

Ibérica, tidos como a base para a História política da Monarquia portuguesa. O tópico

19

 Herculano retoma esta questão no volume I da História de Portugal.20 HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. 3. ed. Lisboa: Bertrand. [190-]. p. 185-301.v.6.

21 Idem. História de Portugal, t.1.. Lisboa: Bertrand, 1980.

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seguinte consiste no estudo do Condado Portucalense por ocasião do governo do Conde

Henrique e, encerrando o volume, o governo de Afonso Henriques.

O Volume I originou uma polêmica sobre a Questão de Ourique, que viria a consumir

tempo e esforços de Alexandre Herculano na defesa de sua posição quanto à Batalha de

Ourique e sua importância na História portuguesa. Em defesa da sua posição como historiador

diante de setores que a criticavam, principalmente setores do clero, Herculano publicou “ Eu e

o Clero”, “Considerações pacíficas” e “Solemnia Verba”22 no ano de 1850.

O Volume II23  teve sua primeira edição em 1847 e dedica-se à análise dos fatos e

conflitos políticos ocorridos durante os reinados de Sancho I, Afonso II e Sancho II.

Em 1849 foi lançada a primeira edição do Volume III24. A parte inicial do volume

dedica-se aos fatos políticos do reinado de Afonso III. A seguir, Alexandre Herculanodebruça-se sobre a análise da História social dos povos peninsulares, buscando traçar um

 painel evolutivo destas sociedades conforme fizera no aspecto político. Nesta parte do

volume, o autor expõe a sua visão de História como ciência de caráter utilitário para as

sociedades contemporâneas e a sua teoria sobre os Dois Princípios e a importância dos

Concelhos como elemento de equilíbrio entre ambos25.

Encerrando o volume, o autor descreve as divisões administrativas do Reino português

e a condição civil da população no século XII, destacando uma evolução que aponta emdireção à liberdade difundida com o crescimento dos Concelhos.

O Volume IV26 foi editado apenas em 1853 em virtude do envolvimento do autor na

 polêmica Questão de Ourique: trata-se de um volume específico sobre os Concelhos.

 Nesse volume Alexandre Herculano estabelece uma classificação entre as diversas

modalidades de Forais conforme o grau de liberdades e garantias dadas aos integrantes dos

Concelhos: Rudimentais, Imperfeitos e Completos. Segundo o autor, esta classificação torna-

se necessária dada a imensa diversidade entre os Concelhos:

 Na organização dos Concelhos dava-se a condição comum de todas as instituições da IdadeMédia, a falta de uniformidade, ou antes no municipalismo, pela sua própria natureza, maisque em nenhuma outra (…) Quer nascesse por si, quer fosse criada por impulso alheio, amunicipalidade, ainda a mais desenvolvida e completa, era na verdade instituída e organizada por um tipo preexistente, mas a esse tipo não se associava a ideia de princípio geral e

22 Reeditadas em HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. 4.ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. v.3.

23 Idem. História de Portugal . t.2. Lisboa: Bertand, 1981.

24

 Idem. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertand, 1980.25 Ibidem. p. 310 - 311.

26 Idem. História de Portugal, t.4. Lisboa: Bertrand, 1980.

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invariável que a civilização moderna ajunta a certas doutrinas de direito público. Aimportância da povoação, o estado anterior da propriedade no seu território, a sua situaçãomilitar e mil outros acidentes faziam com que os privilégios e garantias que se lhe davam, oureconheciam, e os deveres que se lhe impunham variassem do modelo, ou, para falar commaior exacção, faziam com que se escolhesse entre vinte ou trinta modelos ou forais deanteriores concelhos aquele que mais se acomodava às condições acidentais do novo, quase

sempre alterando-o nalguma coisa. 27 

A participação de Alexandre Herculano no golpe de Estado liderado por Saldanha em

1851, que marcou o início do período histórico conhecido como  Regeneração, foi

fundamental. Sondado para assumir a pasta do Reino pelo Marechal Saldanha da Costa,

Herculano recusou a oferta. O primeiro gabinete formado por Saldanha contava com vários

amigos de Herculano que haviam articulado o golpe de 1851, mas a duração desse ministério

foi breve. O novo ministério formado por Saldanha tinha Fontes Pereira de Melo, defensor deum processo de regeneração nacional  fundamentado na expansão ferroviária e na captação de

investimentos e empréstimos no exterior. Herculano e outros intelectuais que haviam apoiado

o golpe de 1851 passam para a oposição antes de o governo de Saldanha completar 4 meses.

Foi nesse momento que o grupo oposicionista fundou os periódicos O País, que encerrou as

suas atividades ainda em 1851, e O Português28, em 1853. Nesse mesmo ano foi eleito para a

Câmara Municipal de Belém, defendendo o municipalismo e atacando a centralização

administrativa, e publicou, em 1854, o primeiro volume de  História da Origem e

 Estabelecimento da Inquisição em Portugal 29. Publicada com o intuito de “Chamar a juízo o

 passado, para vermos, também, aonde nos podem levar outra vez as tendências da reação”30,

esta obra teve um objetivo prioritariamente político já que a intenção desta obra era apontar os

erros cometidos no passado pelos mesmos setores que criticavam a sua posição na Questão de

Ourique. Neste ataque à reação, o próprio Herculano admitiu que a obra sofre de carências

documentais e que foi escrita com assumido interesse político31.

Em 1852 Herculano tornou-se sócio da Academia de Ciências de Lisboa e deu início,

nos dois anos seguintes, à recolha de documentos para a compilação de documentos históricos

 portugueses, a  Portugaliae Monumenta Historica, cujo primeiro  volume foi publicado em

1856. Em 1855 Herculano foi eleito vice-presidente da Academia das Ciências, envolvendo-

 27 Ibidem. p. 91.

28 Diversos artigos sem assinatura foram publicados em O Português por Alexandre Herculano e alguns deles foram reunidosem SARAIVA, António José. Herculano Desconhecido. 2. ed. Lisboa: Europa-América. 1977.

29 Os dois volumes restantes foram publicados em 1855 e 1859.

30 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América.[198?]. p. 16.v.1.

31 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Herculano e a consciência do liberalismo português. Lisboa: Bertrand, 1977. p. 168.

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se no ano seguinte numa polêmica contra a nomeação de Costa Macedo para a função de

Guarda-Mor da Torre do Tombo por indicação do ministro Rodrigo Sampaio.

Eleito em 1859 por Sintra, Herculano abre mão da eleição em protesto à centralização

administrativa. No ano seguinte ingressou na Comissão Revisora do Código Civil. De sua

atuação nesta Comissão surgem os Estudos Sobre o Casamento Civil , publicado em 1866. A

 posição favorável de Herculano quanto ao casamento civil, contrária à determinação oficial da

Santa Sé, acirrou ainda mais a tensão entre Herculano e a hierarquia católica, iniciada na

 polêmica Questão de Ourique.

Herculano comprou a Quinta de Vale dos Lobos em 1859 e mudou-se para lá em

1867, alegando cansaço e buscando afastar-se da vida pública. O retiro em Vale dos Lobos

não foi tão radical quanto pressupôs o autor, que continuou a dirigir a publicação dos volumesseguintes do  Portugaliae Monumenta  e envolveu-se em mais uma polêmica contra a

hierarquia católica ao defender a realização das Conferências do Cassino em 1871, proibidas a

 pedido da reação ultramontana. Entre 1875 e 1877 Herculano publicou o seu último estudo

histórico,  Da Existência ou Não Existência do Feudalismo em Portugal 32, artigo publicado

 por ocasião da primeira edição do Volume V dos Opúsculos em 1881, constituindo-se numa

análise da obra  Ensayo sobre la Historia de la Propriedad Territorial en España, de

Francisco de Cárdenas. Segundo Oliveira Marques,  Da Existência ou não Existência do Feudalismo em Portugal   trata-se de um artigo pioneiro nos debates quanto à existência do

Feudalismo em Portugal e na porção ocidental da Península Ibérica33.

Alexandre Herculano refutou o autor quanto à existência do Feudalismo em Portugal

 baseando-se na definição de Feudalismo elaborada por Guizot:

(…) Guizot entende também que a sociedade feudal se caracteriza por três fatos essenciais,elementos constitutivos daquele regime (Feudalismo). O primeiro de todos(…) era a naturezaespecial da propriedade territorial, efetiva, inteira, hereditária, e todavia havida de umsuperior e envolvendo na posse, com pena de comisso, certas obrigações pessoais. O segundofato é a incorporação da soberania na propriedade, isto é, a atribuição ao proprietário do solo,em relação à universalidade dos que aí habitavam, de todos ou quase todos os direitos queconstituem o que chamamos de soberania, e que hoje só o Estado, o poder público possuem.O terceiro fato é a existência de um sistema hierárquico nas instituições legislativas, judiciaise militares, que ligavam uns aos outros os possuidores de feudos, constituindo assim a

sociedade geral. 34 

32 HERCULANO, Alexandre. Da Existência ou não Existência do Feudalismo em Portugal In ______. Opúsculos. 4. ed.Lisboa: Bertrand. [190-]. p. 189-309.v.5.

33 MARQUES, A. H. de Oliveira Marques. Guia do estudante de história medieval portuguesa. Lisboa: Estampa. 1988. p.91.

34 HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. 4.ed. Lisboa: Bertrand. [190-]. p. 209 - 210.v.5.

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Por fim , afirma que a posição de Guizot, com a qual Herculano concorda, contempla

o “modo de ser ” da sociedade feudal enquanto que Cárdenas analisa o Feudalismo como

estrutura fundiária35. 

Além dos argumentos utilizados por Alexandre Herculano para defender a não

existência do Feudalismo em Portugal, o artigo adquire destaque por dois fatores que são

constantes na sua obra: a ênfase na análise da sociedade e o diálogo do historiador com a

historiografia francesa.

Em 13 de setembro de 1877 Alexandre Herculano faleceu em Vale dos Lobos em

decorrência de uma pneumonia.

1.2 - O Século XIX português

Os ventos das revoluções liberais atingiram a sociedade portuguesa no início do século

XIX, a exemplo do que ocorria nos demais países da Europa. Com a corte no Brasil e

sofrendo inicialmente com as invasões francesas e posteriormente com a interferência direta

da Inglaterra, o Liberalismo difundiu-se rapidamente em Portugal. Até a eclosão do

movimento revolucionário do Porto, em 1820, surgiram inúmeras confrarias secretas e jornais

de apelo liberal, muitos deles editados no exterior, onde se discutia a realidade portuguesa

frente às propostas liberais de transformações, apesar das proibições impostas pela JuntaGovernativa portuguesa e pelas autoridades militares britânicas que, na ausência da Coroa,

governavam Portugal. A interferência britânica em Portugal contribuiu para o surgimento de

um nacionalismo associado às idéias liberais.

Economicamente, o quadro português era bastante crítico nesse período,

 principalmente por causa dos tratados assinados por D. João com a Inglaterra, que abriram o

mercado consumidor brasileiro aos produtos ingleses. Desta forma, a exclusividade comercial

dos setores mercantis portugueses encerrava-se, agravando a crise econômica. Frente àseconomias europeias, Portugal encontrava-se em desvantagem, pois não havia iniciado seu

 processo de industrialização, dependendo da exploração do mercado brasileiro, agora

dominado pelo comércio britânico, e da atividade agrícola, cujo crescimento se encontrava

comprometido pela permanência dos direitos senhoriais sobre as propriedades fundiárias,

impedindo o investimento de capitais burgueses no campo36.

35 HERCULANO, Alexandre. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand. [190-]. p. 210 – 211. v.5.

36 SARAIVA, António José ; LOPES, Oscar. História da literatura portuguesa. 12. ed. Porto: Porto Editora, 1982. p. 718.

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Grande parcela da população portuguesa era formada por camponeses, muitas vezes

submetidos aos direitos senhoriais, exercidos pela Nobreza e pelo Clero, minoritários na

sociedade. A burguesia e as camadas intermediárias encontravam-se num impasse, pois não

viam possibilidades de expandir suas atividades e a representação política numa sociedade

fundamentada nos moldes do Antigo Regime. Foi nestes grupos sociais que os ideais

nacionalistas e liberais encontraram condições favoráveis para a sua propagação em Portugal.

A Revolução de 1820, iniciada na cidade do Porto e organizada por uma associação

secreta liberal denominada Sinédrio, formada em 1817 logo após o fracasso da primeira

tentativa revolucionária liberal liderada por Gomes Freire, ocorreu simultaneamente às

revoluções liberais na Espanha, nos principados alemães, na França e à tentativa de

independência grega, associando propostas de transformações liberais e um forte apelonacionalista, exigindo o fim da interferência militar e da política inglesa nos assuntos internos

 portugueses.

Convocadas as primeiras Cortes Constituintes, inicia-se o primeiro período liberal

 português, denominado “Vintismo”, cujo símbolo maior é a Constituição de 1822, jurada por

D. João VI, obrigado a retornar do Brasil em 1821. A primeira Constituição portuguesa

 buscava “regenerar” o país, de acordo com o jargão dos liberais vintistas, tentando pôr em

 prática as propostas liberais como o aumento da participação civil na política e a defesa doensino público. Porém, o primeiro período liberal português foi encerrado em 1823 através da

Vila-Francada, movimento militar liderado pelo Infante D. Miguel e apoiado tanto por D.

João VI quanto pela Rainha Carlota Joaquina, que defendia o retorno da monarquia

tradicional em substituição à monarquia parlamentar constitucional do “Vintismo”.

Apesar de representar o fim do primeiro ciclo liberal português, a Vila-Francada não

 proporcionou de imediato o retorno do Absolutismo Monárquico em Portugal. D. João VI

evitava um confronto direto com os liberais, muitas vezes compondo o ministério com liberaismoderados e absolutistas, caracterizando uma “indefinição de uma fórmula de governo

monárquico-constitucional ou monárquico-tradicional”37. No ano seguinte, ocorreu outro

movimento militar de caráter absolutista, a Abrilada, também liderada pelo Infante D. Miguel.

Ameaçado de deposição pelo próprio filho, D. João VI sufocou o golpe político com o apoio

diplomático de França e Inglaterra, apoio este decisivo para a manutenção de D. João VI no

trono português. Apesar de exilado na Áustria, D. Miguel teve um papel decisivo nos rumos

 políticos portugueses, visto que o Infante era a esperança de retorno da ordem tradicional.

37 VARGUES, I. N; TORGAL, L. R. Da revolução à contra-revolução: vintismo, cartismo, absolutismo o exílio político. In:MATTOSO, José.( Dir.). História de Portugal . Lisboa: Estampa, 1993. p. 68. v.5.

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A morte de D. João VI em 1826 provocou uma nova crise política em Portugal.

Apesar de ter nomeado a Infanta Dª. Isabel Maria como Regente, afastando a Rainha Dª

Carlota Joaquina do poder, principal liderança do grupo absolutista e mentora da Vila-

Francada e da Abrilada, El-Rei não havia indicado o seu sucessor. D. Pedro, então Imperador

do Brasil e D. Miguel, exilado na Áustria, disputavam a Coroa, tendo como aliados,

respectivamente, os liberais e os absolutistas. A outorga da Carta Constitucional em 1826 por

D. Pedro, aclamado rei pela Regência, inflamou ainda mais a disputa sucessória, que foi

temporariamente solucionada com a abdicação de D. Pedro ao trono português em favor de

sua filha, Dª. Maria II, que deveria se casar com D. Miguel, obrigado a jurar a Carta

Constitucional. Esta seria a solução para o impasse relativo à sucessão e também uma solução

 para a disputa entre liberais e tradicionalistas que viam em D. Pedro e D. Miguel,respectivamente, os líderes de suas facções. Contudo, a composição política entre os irmãos e

a outorga da Carta de 1826 foram criticados por ambos os grupos.

Coroado em 1828, D. Miguel rompeu o acordo firmado com o irmão, renegando a

Carta e reinstalando a Monarquia Absolutista em Portugal. O breve reinado de D. Miguel foi

marcado pela intensa repressão aos liberais, forçando muitos deles ao exílio, onde

organizaram a reação armada ao rei. Em 1832 teve início a guerra civil com o desembarque de

tropas liberais no principal ponto de resistência a D. Miguel, a Ilha Terceira. A guerra civil portuguesa coincidiu com o ciclo revolucionário liberal europeu de 1830, cujo exemplo

significativo foi a ascensão de Luís Felipe ao trono francês após a queda de Carlos X com o

apoio da burguesia.

A partir de 1832 as tropas liberais passam a ser comandadas por D. Pedro, que havia

abdicado ao trono brasileiro no ano anterior, formando o  Batalhão de Voluntários da Rainha,

que ocupou a cidade do Porto em 1833, após o histórico desembarque do Mindelo. A

ocupação do Porto pelos liberais abriu o caminho para a vitória sobre as tropas miguelistasque, apesar de numericamente superiores, não conseguiram conter o avanço liberal no

continente. O desembarque das forças liberais no Algarves em 1834 e a posterior ocupação de

Lisboa coroaram de êxito as armas liberais, e a guerra civil chegou a termo com a assinatura

da Convenção de Évora-Monte em maio de 1834.

Vitoriosos em 1834, os liberais continuaram divididos em diversas facções, existentes

antes mesmo da guerra civil. As duas principais facções eram os Vintistas, defensores da

Constituição de 1822 e favoráveis ao estabelecimento do voto universal masculino, e os

Cartistas, denominação do grupo liberal que assumiu o poder em 1834 e que defendia os

 princípios consagrados na Carta Constitucional de 1826, restaurada neste período e que

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fortalecia o poder da Coroa e restringia a participação política através do voto censitário. O

governo cartista estabelecido em 1834 levou adiante as propostas de transformação da

sociedade portuguesa, cujo projeto se encontra nas Leis de Mouzinho da Silveira, elaboradas

ainda na Ilha Terceira, foco da resistência liberal e de onde partiram as tropas que

desembarcaram no Mindelo e no Algarves. As leis de Mouzinho da Silveira, que decretavam

o fim dos direitos senhoriais sobre a terra e defendiam a liberdade comercial, são consideradas

como a base de um Novo Portugal, de uma nova sociedade capitalista e liberal portuguesa38.

O ímpeto reformista dos revolucionários de 1834 manifestou-se também pelas Leis de José da

Silva Carvalho, sucessor de Mouzinho da Silveira no Ministério das Finanças, que secularizou

os bens eclesiásticos portugueses, denominados bens nacionais, com o intuito de criar

condições para a modernização da estrutura agrária através de investimentos nos bensnacionais comprados por particulares. Os recursos captados com a venda dos bens nacionais 

seriam utilizados na modernização de outros setores econômicos portugueses. Contudo, a

 política econômica dos Cartistas não apresentava resultados satisfatórios. As finanças públicas

dependiam dos empréstimos externos, principalmente ingleses, e a venda dos bens nacionais 

não era realizada com a rapidez necessária, com a lisura obrigatória nem com a eficiência

desejada, passando para as mãos de aliados do governo. Como solução para os entraves

econômicos que impediam a expansão portuguesa em virtude das obrigações senhoriais que pesavam sobre o campo, a venda dos bens nacionais  tornou-se moeda de troca política no

cenário português onde, apesar da existência de grupos políticos organizados de forma

rudimentar, as lideranças individuais e as práticas clientelistas ditavam o tom, e a tão

almejada e necessária modernização da estrutura agrária portuguesa não aconteceu.

As divergências entre os grupos liberais e a crise financeira foram fatores que levaram

à Revolução Setembrista de 1836, liderada pela facção liberal Vintista, que passou a ser

conhecida como Setembrista em virtude da revolução e que contou com o apoio de setoresmercantis urbanos e do nascente proletariado português. A Carta Constitucional de 1826 foi

substituída provisoriamente pela Constituição de 1822 até a elaboração de uma terceira

constituição, promulgada em 1838. O Governo Setembrista, que se manteve até 1842, teve

como um de seus destaques o Ministro do Reino Manuel Passos que buscou incrementar a

industrialização e o ensino público e, com o apoio de Almeida Garrett, um dos nomes de

destaque do Primeiro Romantismo Português39, foram fundados liceus, a Academia de Belas

38 FRANÇA, José-Augusto. O romantismo em Portugal . 2.ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1993. p. 63.

39 Adotamos a periodização empregada em José-Augusto França em FRANÇA, José-Augusto. O romantismo em Portugal . 2.ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1993. 

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Artes do Porto e de Lisboa e a Escola Polítécnica de Lisboa, dentre outras instituições.

Também merece destaque a preocupação com o patrimônio cultural manifestada por Manuel

Passos, preservando objetos históricos valiosos, construções e monumentos existentes nos

bens nacionais que eram alvo de especulação e ameaçados de desaparecimento.

As reações ao governo de Manuel Passos partiam não somente da oposição cartista e

da guerrilha miguelista localizada no Algarve sob a liderança do notório Remexido40. O

Trono também conspirava contra o líder setembrista ao tentar afastá-lo do poder em

novembro de 1836, dois meses após a sua posse, num episódio conhecido como Belenzada e

que teve participação da própria rainha e que só não chegou a afastar efetivamente Manuel

Passos, dada a intervenção de lideranças setembristas e o apoio popular.

Os Cartistas reassumiram o poder em 1842 através da Revolução Cabralista, assimconhecida pela liderança do ex-setembrista Costa Cabral, que compunha o ministério desde

1839. A restauração da Carta Constitucional de 1826, a reforma fiscal e a política fomentista

foram fatos marcantes do Período Cabralista, que conviveu com diversos conflitos

orquestrados pelos grupos oposicionistas, destacando-se a Maria da Fonte, revolta ocorrida

em 1846 que foi motivada pela alta de impostos e pela proibição de enterrar os mortos nos

terrenos das igrejas, concentrando-se na área rural e a Patuleia, ocorrida em 1848 e organizada

 por intelectuais e militares opositores do Cabralismo.O Cabralismo encerrou-se em 1851 frente a um novo período político, a Regeneração,

que durou de 1851 a 1868 e foi marcado pelo incremento à industrialização e modernização

da economia portuguesa. A Regeneração foi liderada pelo Marechal Saldanha e apoiada por

Cartistas influentes como Alexandre Herculano e enquadra-se no terceiro ciclo revolucionário

europeu, que teve como movimentos significativos a proclamação da Segunda República

francesa e a posterior restauração do Império com Napoleão III, além das agitações

nacionalistas na Alemanha e na Itália.Com a Regeneração iniciou-se um período de relativa estabilidade política em

Portugal, onde as disputas entre Cartistas e Vintistas cederam espaço ao debate sobre o

desenvolvimento econômico português e “ procura-se a harmonia possível entre as facções

 políticas e entre as instituições orgânicas do estado, de modo a conquistar a confiança na

exequibilidade de uma ‘terceira via’ ”41, sendo esta “terceira via” resultado de uma

40 Alcunha do militar miguelista José Joaquim de Sousa Reis, que manteve o movimento armado no Algarves contra o

governo liberal, apesar da Convenção de Évora-Monte de 1834, que selou o fim da Guerra Civil. Liderou a guerrilha até sua prisão e fuzilamento em 1838.

41 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares. A regeneração e seu significado. In: MATTOSO, José. (Dir.). História de Portugal .Lisboa: Estampa, 1993. p. 126. v.5.

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reorganização dos grupos políticos portugueses em torno do progresso material, originando os

 partidos progressistas que dominaram a cena política até 1876.

Um dos debates políticos de maior destaque durante a Regeneração foi a questão

municipal que, apesar de existir desde 1834, ganhou maior dimensão nesse período pois era

uma das bandeiras dos opositores da Regeneração. Das páginas do jornal O Português,

Alexandre Herculano, que passou a fazer oposição ao governo regenerador logo após o seu

estabelecimento, defendia maior autonomia para os concelhos, diante da política

centralizadora do governo regenerador. Como veremos no próximo capítulo, Herculano via os

municípios portugueses como instituições fundamentais para a organização social e política

 portuguesa e a diminuição da autonomia dos Concelhos colocava em xeque as liberdades

arduamente conquistadas ao tradicionalismo miguelista.A ordem política regeneradora foi acompanhada pelo estabelecimento de medidas

conhecidas como Fontismo, que visavam à industrialização e ao desenvolvimento econômico,

conduzidos pelo Estado, com o objetivo de promover o capitalismo em Portugal. As obras

 públicas, destacando-se as estradas de ferro, buscavam integrar a economia portuguesa

internamente e com o mercado europeu e simultaneamente geravam renda para o Estado

 português investir em outros setores sociais. A importância do Estado era fundamental para

fomentar a economia portuguesa, pois a iniciativa privada não possuía recursos suficientes para investir em atividades tão onerosas como as estradas de ferro e também para captar

recursos no exterior para promover essas obras. Contudo, o desenvolvimento econômico do

 fontismo, apesar de ter ampliado significativamente a malha ferroviária portuguesa, não

conseguiu atingir plenamente o seu objetivo dadas as dificuldades estruturais do setor agrário

 português.

1.2.1 As constituições portuguesas

Analisar a Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826 torna-se importante

na medida em que se constituíram em fundamentos legais da Monarquia Parlamentar

 portuguesa e ambas foram bandeiras políticas de dois dos principais grupos liberais

 portugueses entre 1834 e 1851, Cartistas e Vintistas ou Setembristas. Segundo Amadeu de

Carvalho Homem, “(...) A Constituição de 1822 irá inaugurar uma tradição de radicalismo, do

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mesmo modo que a Carta Constitucional de 1826 será reconhecida como o diploma em que se

irão rever os liberais conservadores”42.

Cabe destacar que em ambas as constituições a Monarquia continuava a existir e a ter

atribuições executivas, porém a relevância política do monarca variava significativamente,

evidenciando as diferentes concepções de Estado defendidas pelos dois grupos liberais.

Antes de nos debruçarmos sobre os dois diplomas constitucionais, algumas

observações se fazem necessárias: no período acima delimitado, 1834 a 1851, onde as

disputas entre Cartistas e Vintistas dominaram a cena política portuguesa, foi promulgada

uma terceira constituição que vigorou por um breve período, entre 1838 e 1842. Esta

Constituição de 1838 , tida como um meio-termo entre os princípios da Carta de 1826 e da

Constituição de 1822, não foi objeto de análise neste tópico, pois não serviu de bandeira ou programa para Cartistas nem para Vintistas.

A análise feita a seguir teve como prioridade os princípios e práticas políticas

consagrados pelas cartas magnas em tela. Quando mencionados, os elementos jurídicos foram

observados no tocante à relação destes com a esfera política. Ao trilharmos este caminho,

deixamos de priorizar o enfoque jurídico empregado por uma vasta gama de estudos feitos por

 brilhantes juristas e historiadores do Direito português, como Marcello Caetano e Nuno

Espinoza Gomes da Silva. Nas ocasiões em que buscamos socorro nestes autores tivemoscomo objetivo auxiliar no esclarecimento de temas jurídicos que têm relação com temas

 políticos.

A CONSTITUIÇÃO DE 1822

Ao analisar as Cortes que redigiram a Constituição de 1822, Oliveira Marques faz uma

observação relevante que retomaremos por ocasião da análise do Romantismo português.Segundo o autor, o Constitucionalismo português “(...) apresentou-se como restaurador das

antigas ‘liberdades’ do reino”43 ao valorizar o papel das Cortes, convocadas por determinação

régia desde o século XII e que eram tidas como instituições que possibilitavam a atuação

 política de parte da sociedade portuguesa junto ao rei e a defesa dos direitos e privilégios

obtidos que eram chamados genericamente de liberdades. O liberalismo português buscava,

42

 HOMEM, Amadeu de Carvalho. Jacobinos, liberais e democratas na edificação do Portugal contemporâneo. In:TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal . 2.ed. São Paulo: UNESP, 2001. p. 343.

43 MARQUES, A. H. de Oliveira. Organização administrativa e política. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira(Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a Instauração do Liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 235.

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neste sentido, resgatar a tradição representativa das Cortes interrompida a partir do século

XVIII. Em 1820, contudo, as Cortes possuíam caráter e objetivos mais abrangentes que a

representação política e a defesa das liberdades: a redação da primeira constituição

 portuguesa e o exercício do Poder Legislativo.

A primeira Constituição portuguesa, inspirada na Constituição de Cádiz de 1812,

 partia do princípio político que a soberania, indivisível e inalienável, residia na Nação,

representada pelas Cortes, e não mais no monarca, caracterizando o deslocamento do eixo

 político, institucional e administrativo da sociedade portuguesa e relegando o rei a segundo

 plano no comando do país.

A Constituição de 1822 estabelecia três poderes independentes e harmônicos:

Executivo, Legislativo e Judiciário. No tocante ao Poder Executivo, era exercido pelo rei e pelos ministros por ele

nomeados. Possuía a atribuição de sancionar as leis criadas pelas Cortes e o poder de veto

 parcial, que poderia ser derrubado pelas Cortes. Ao Executivo não era permitida a proposição

de leis, prerrogativa única do Legislativo. Para assessorar o rei, foi criado o Conselho de

Estado, com integrantes por ele escolhidos.

O Poder Legislativo era atribuição das Cortes, unicameral, composta por deputados

cujos mandatos duravam dois anos, eleitos através do sufrágio direto e secreto. O colégioeleitoral era composto por homens, maiores de idade e alfabetizados. Nestes parâmetros, as

Cortes eram majoritariamente compostas por representantes dos setores médios da sociedade

 portuguesa, com destaque para os setores mercantis, para o funcionalismo público e os

 profissionais liberais. A representação parlamentar da Nobreza e do Clero era muito restrita

em virtude do pequeno número de integrantes destes grupos que se refletia no reduzido

número de eleitores.

Reunidas três meses por ano, as Cortes tinham, além das atribuições legislativas,encargos como a aprovação de tratados diplomáticos, a fixação de efetivos militares, controle

da receita e da fazenda real, bem como a criação de cargos públicos e as respectivas

nomeações, dentre outras atribuições. Atributos que até então estavam nas mãos do monarca e

de seus ministros se tornaram prerrogativas do Legislativo, que passou a controlar

instrumentos fundamentais para o exercício do poder como a condução da política externa, o

controle do efetivo militar, do Tesouro e da burocracia do Estado, além das suas atribuições

legislativas.

Dos três poderes instituídos, o Legislativo era o que possuía precedência perante os

demais. Logo, os grupos sociais que gozavam de maior representação parlamentar tinham em

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mãos instrumentos jurídicos e políticos mais eficazes que os demais para defender os seus

interesses e projetos.

O Poder Judiciário era exercido pelos juízes eleitos pelo voto popular, obedecendo aos

mesmos critérios utilizados para a eleição de deputados para as Cortes. A instância máxima

era o Supremo Tribunal de Justiça sediado em Lisboa. A Eleição para as magistraturas

garantia, a exemplo do que ocorria nas Cortes, a precedência dos setores burgueses na

composição do Poder Judiciário, confirmando a forte liderança da burocracia jurídica nos

eventos de 1820, evidente na atuação do Sinédrio44.

CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826

Se na Constituição de 1822 verificamos o caráter restaurador das “liberdades do

reino” através da convocação e da importância política das Cortes, podemos inferir que a

Carta Constitucional de 1826 também possui pretensões restauradoras destas mesmas

liberdades, porém com distintos papéis atribuídos às Cortes e ao Monarca. Observando o

funcionamento das Cortes portuguesas anteriores ao advento liberal, percebemos que estas

não possuíam a precedência dada pelo Vintismo/Setembrismo. Mesmo com a atribuição de

aclamar reis, o exercício do poder pelas Cortes era restrito em virtude, dentre outros fatores,de sua efêmera duração.

Um outro aspecto a destacar neste resgate vintista das Cortes era a presença de setores

tradicionais como o Clero e a Nobreza nas Cortes medievais e modernas. No tocante à

representação política destes grupos nas Cortes de 1820 e na composição do Poder

Legislativo, era praticamente nula ou existiam grandes restrições e estes grupos sociais que

ainda possuíam força no Portugal oitocentista. A exclusão ou a participação reduzida destes

grupos no Legislativo contribuiu significativamente para a instabilidade política nosmomentos em que a Constituição de 1822 vigorou.

 Na concepção cartista, o monarca tinha mais atribuições e maior peso político, sendo

visto como “chave de toda a organização política”, conforme consta no prefácio da Carta.

Logo, a restauração das “liberdades do reino” não podia descartar o monarca, avalista destas

“liberdades” e de todo o ordenamento político, dada, dentre outras coisas, a sua função de

mantenedor do equilíbrio e da harmonia. Desta forma, a Carta de 1826 “(...) Era,

essencialmente, uma concessão do Poder Absoluto do monarca aos seus súbtidos

44 MARQUES, A. H. de Oliveira. A Conjuntura. In: SERRÃO, Joel ; MARQUES, A. H. de Oliveira (Dir.). Nova História de Portugal: Portugal e a Instauração do Liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 549 e 550.

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 portugueses, sem compromisso com qualquer soberania popular ou acto revolucionário

emanada do ‘baixo’, que obrigassem o soberano” 45.

Apodada de conservadora, a Carta de 1826 avançou em alguns pontos no tocante à

ampliação de direitos do cidadão. Um exemplo foi a obrigatoriedade imposta ao Estado de

 promover a educação primária gratuita, Colégios e Universidades46.

A Carta de 1826, outorgada pelo então Imperador do Brasil, era uma adaptação da

Constituição Imperial brasileira ao contexto português e seguia uma tendência

constitucionalista moderada que acontecia na Europa. Seguindo esta tendência, a Carta de

1826 instituiu, além dos três poderes estabelecidos pela Constituição de 1822, um quarto

 poder, o Moderador, inspirados no Poder Régio proposto por Benjamin Constant.

Exercido exclusivamente pelo rei, o Poder Moderador era considerado como “chavede toda a organização política” e possuía atribuições amplas com destaque para o poder de

veto absoluto às determinações do Legislativo, a dissolução da Câmara dos Deputados, as

nomeações para a Câmara dos Pares, demissão de ministros e a convocação de eleições

legislativas.

As competências atribuídas ao Poder Moderador evidenciam o fortalecimento político

do soberano. Se na Constituição de 1822 a soberania residia na Nação, representada pela

Cortes e conferindo ao Poder Legislativo um papel de destaque diante dos demais poderes, aCarta de 1826 deslocou a soberania política da Nação para o monarca através do Poder

Moderador, que assumiu a primazia diante do três poderes restantes. Mesmo exercendo o

Poder Executivo em conjunto com os ministros e assistido pelo Conselho de Estado,

composto por membros vitalícios, o rei tinha no Poder Moderador a ferramenta política que

lhe conferia amplos poderes.

O Poder Legislativo era exercido pelas Cortes bicamerais. A Câmara de Deputados era

composta por representantes políticos eleitos através do voto censitário e indireto commandato de 4 anos. Nesta Câmara a maioria dos deputados era formada por representantes da

 burguesia, enquanto que Nobreza e Clero tinham assento na Câmara dos Pares, formada por

membros indicados pelo rei e que exerciam mandatos vitalícios e hereditários. As duas

Câmaras podiam propor leis que seriam aprovadas mediante a aprovação de ambas e posterior

sanção régia, atribuição do Poder Moderador conforme mencionado acima.

45 MARQUES, A. H. de Oliveira. Constituição e Constituições. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira (Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a instauração do liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 240.

46 Cf. p. 52.

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O Poder Judiciário era formado por juízes, nomeados pelo rei e com mandato vitalício,

e pelos jurados, selecionados de acordo com os critérios adotados pelos juízes.

Um ponto a destacar é a importância dada às Câmaras eletivas dos Concelhos,

compostas por representantes das respectivas municipalidades e responsáveis pela

administração e pela gestão financeira das cidades e vilas. Conforme veremos mais adiante, a

defesa das liberdades municipais era uma das principais premissas de Alexandre Herculano.

1.2.2 O quadro político-partidário em Portugal do século XIX

Inicialmente, há a necessidade de definir o conceito “partido político” em Portugal do

século XIX. Tanto Oliveira Marques quanto Isabel Nobre Vargues e Maria Manuela Ribeiro,autores que mais forneceram subsídios para o estudo deste tema, são unânimes em afirmar

que devemos entender partido político, no período estudado, como “designações (que) são o

resultado das correntes de opinião pública ou de facções políticas que emergem na sociedade

 portuguêsa a partir dos confrontos ideológicos na primeira metade do século XIX.”47 e não

como “Organismos permanentes devidamente estruturados e com programas definidos.”48.

Alguns dos fatores apontados por Oliveira Marques que dificultavam a criação destes

“organismos permanentes”, coerentes e com unidade política, eram o clientelismo e osinteresses pessoais dos agentes políticos. Sem dúvida, a crítica de Oliveira Marques é

incontestável, mas não podemos ignorar que, pelo menos até a Regeneração, quando os

 partidos políticos portugueses se institucionalizaram e adquiriram unidade49, o período

compreendido entre 1820 e 1851 foi marcado não apenas pela instabilidade política mas

 principalmente pela construção de um novo Portugal a partir das premissas liberais que,

conforme o quadro partidário indica, eram muitas vezes divergentes e mesmo concorrentes

que disputavam espaço também com as correntes políticas absolutistas que, apesar devencidas em 1834, ainda estavam presentes no cenário político do período. Enfim, partimos

do pressuposto que a existência destas facções políticas é o reflexo das profundas

transformações pelas quais passava a sociedade portuguesa emergente da nova ordem liberal e

evidenciam os embates ocorridos no interior do próprio pensamento liberal europeu,

47 VARGUES, Isabel Nobre; RIBEIRO, M. Manuela Tavares. Estruturas políticas e institucionais. In: MATTOSO, José(Org.).  História de Portugal . Lisboa: Estampa, 1993. p. 198.v.5.

48 MARQUES, A. H. de Oliveira. Organização administrativa e política. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira(Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a instauração do liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 266.

49 VARGUES, Isabel Nobre; RIBEIRO, M. Manuela Tavares. Op. cit. p. 200 e 201.

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 principalmente após as críticas feitas pelo Pensamento Conservador, acima descritas, e que se

manifestavam em Portugal através destas facções políticas.

Utilizando o conceito de Contexto Linguístico  empregado por Skinner, verificamos

que o contexto linguístico português entre 1820 e 1877 era bastante rico e conflituoso dada a

multiplicidade de propostas que buscam hegemonia na arena política coeva.

Para analisarmos as facções políticas desse período, adotamos uma periodização que

sintetiza a evolução das facções políticas de 1820, primeira experiência monárquico-

constitucional portuguesa, a 1876, data de fundação do Partido Republicano e da contestação

do regime monárquico.

Triênio Vintista (1820 – 1823) e a Composição Liberal – Tradicionalista (1823 –1826)

Inaugurado com a Revolução Liberal do Porto e findo com a Vilafrancada, teve como

 principais facções rivais os Liberais, defensores do Constitucionalismo e de reformas sociais,

e os Absolutistas, liderados pelo Infante D. Miguel e pela Rainha Carlota Joaquina, favoráveis

ao restabelecimento da tradicional ordem absolutista.

Apesar de rivalizar com os absolutistas, o grupo liberal possuía divisões internas quese manifestavam deste as Cortes Constituintes de 1821: os Revolucionários, que defendiam o

Poder Legislativo predominante sobre o Executivo, e os Moderados, defensores de um

equilíbrio institucional que permitisse ao rei uma atuação política maior.

A Vilafrancada marcou o fim do breve Triênio Vintista, mas não conseguiu

restabelecer plenamente o tradicionalismo absolutista. Enquanto o grupo liberal mais radical

se viu obrigado a buscar o exílio para evitar prisões, os moderados mantinham espaço no

governo de D. João. A composição entre liberais moderados e tradicionalistas foi umacaracterística marcante da vida política portuguesa até a morte de D. João VI em 1826 e teve

na Carta Constitucional de 1826 uma tentativa de conciliar ambas as facções sem, contudo,

obter sucesso. O regresso de D. Miguel em 1828 marcou não só o retorno do grupo

tradicionalista ao poder, mas a revogação da Carta de 1826. Era o fim da composição entre

liberais moderados e absolutistas.

O embate entre as vertentes liberais surgiu entre 1820 e 1823 e antecipou a disputa

entre duas propostas de Estado que dividiram a cena política portuguesa entre 1834 e 1851.

Contudo a curta duração do Triênio Liberal demonstrava que a Tradição Absolutista ainda

exercia influência na esfera política, tornando claro que antes de colocar em disputa os seus

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diferentes projetos para a construção do Novo Portugal, os grupos liberais tinham que anular

as forças políticas do Portugal Velho.

Exílio (1828 – 1834)

O exílio durante o reinado de D. Miguel levou à cisão do grupo liberal português em

duas facções: Palmelistas ou Conservadores e Saldanhistas ou Revolucionários50,

denominações derivadas dos nomes de seus líderes, o futuro Duque de Palmela e o Duque de

Saldanha, respectivamente.

Os principais pontos de discórdia entre ambos era a importância de D. Pedro como

líder na luta contra D. Miguel e a Carta Constitucional de 1826. Para os Palmelistas D. Pedrogarantia legitimidade à luta liberal, dada a necessidade de um elemento mantenedor do

equilíbrio político, evidenciado pelo Poder Moderador constante na Carta de 1826. Os

Saldanhistas viam com desconfiança a liderança de D. Pedro e defendiam as premissas da

Constituição de 1822, em que a soberania emana da Nação e o Monarca tem os seus poderes

diminuídos perante o Poder Legislativo.

As divisões do liberalismo se aprofundaram durante o exílio e as discussões em torno

da importância de D. Pedro contribuíram de forma significativa. Mas a questão que de fato provocava polêmica entre os grupos liberais girava em torno do modelo de Estado a ser

estabelecido. E os documentos constitucionais de 1822 e 1826 divergiam frontalmente,

 principalmente no tocante ao papel a ser desempenhado pelo monarca. A presença de D.

Pedro à frente dos exércitos da Rainha reforçava a importância do monarca destacada pela

Carta de 1826 e fortalecia o grupo Palmelista, mas não conseguiu enfraquecer os Saldanhistas,

que também desempenharam com bravura o seu papel na vitória dos liberais sobre os

tradicionalistas em 1834.O embate entre os liberais, evidente entre 1820 e 1828, se aprofundou e ganhou bases

mais sólidas, pois as duas concepções de Estado propostas pelos distintos grupos adquirem

feições mais claras e estruturadas a partir do momento em que os documentos constitucionais

se tornaram programas políticos. A Constituição de 1822 e a Carta de 1826 deixaram de ser

apenas cartas magnas e transformaram-se em programas políticos, em bandeiras de luta e em

 projetos de poder. Sem dúvida os interesses políticos pessoais pesaram nas escolhas

 partidárias e programáticas, mas mesmo nestes casos a opção constitucional-programática era

50 VARGUES, Isabel Nobre; RIBEIRO, M. Manuela Tavares. Estruturas políticas e institucionais. In: MATTOSO, José(Org.) História de Portugal . Lisboa: Estampa 1993. V.5. p. 200.

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empregada como justificativa. Foi, enfim, uma disputa que marcou a vida política portuguesa

durante grande parte do século XIX.

1834 a 1851

Dois grupos liberais dominaram a cena política entre 1834 e 1851: Cartistas e

Vintistas, denominados Setembristas após 1836. Apesar da sobrevivência do Tradicionalismo

Miguelista, crítico feroz da Monarquia Constitucional, os grandes debates e polêmicas do

 período envolviam as duas facções liberais.

A “direita” Cartista51  defende a “soberania real temperada”, delimitada pela Carta

Constitucional, que vigorou entre 1834 e 1836 e posteriormente restabelecida após 1842, etida como uma concessão do monarca, enquanto a “esquerda” Setembrista defende a

“soberana emanada da Nação”52, de acordo com a Constituição de 1822, em vigor entre 1836

e 1838. Em 1838 surgiu uma nova tendência política conhecida como Ordeiros, que se

colocavam entre Cartistas e Setembristas, defendendo a Constituição de 1838. Tão breve

quanto a vigência da Constituição de 1838, que perdurou até 1842, o grupo Ordeiro não tinha

grande representatividade parlamentar e possuía menos força política que Cartistas e

Setembristas, mas o seu surgimento evidencia a tendência à aproximação entre os principaisgrupos liberais em torno de um projeto político conciliador.

1851 a 1876

O golpe militar liderado pelo Marechal Saldanha em abril de 1851 e a revisão da Carta

Constitucional pelo Acto Adicional de 1852 criaram condições para o surgimento de partidos

 políticos em Portugal, seguindo a definição adotada no início deste capítulo. Esta nova ordem política e institucional, decorrente da estabilidade política estabelecida pela Regeneração, tem

como principais agremiações políticas o Partido Progressista Regenerador e o Partido

Progressista Histórico, fundados em 1851 e 1852, respectivamente. Sem grandes distinções

ideológicas e programáticas, tais partidos se constituem de coligações entre notáveis da vida

 política portuguesa e as suas respectivas redes de conhecimento e clientelas.

51 Oliveira Marques destaca a popularização dos termos “direita” e “esquerda” neste período. MARQUES, A. H. de Oliveira.

Organização administrativa e política In SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. de Oliveira (Dir.). Nova História de Portugal – Portugal e a Instauração do Liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 267.

52 VARGUES, Isabel Nobre e RIBEIRO, M.ª Manuela Tavares. Estruturas Políticas e Institucionais In MATTOSO, José(Org.) História de Portugal . Lisboa: Estampa, 1993. v. V. p. 200.

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O conceito “progressista” constante nos nomes dos dois partidos indica uma

 preocupação que, se não era novidade no léxico político português, adquirem uma

importância maior do que as premissas políticas e institucionais demonstradas pelos grupos

 políticos que dominaram a arena política portuguesa até 1851. Se o debate político entre 1834

e 1851 priorizava a fonte do poder político, as atribuições dos poderes das instituições e as

composições ministeriais, a preocupação com o progresso material ocupa as atenções dos

 partidos políticos da Regeneração.

 Na década de 1870 surgiram os primeiros partidos políticos contrários à Monarquia. O

Partido Socialista, de 1875, e o Partido Republicano, fundado em 1876, passaram a disputar

espaço político com os Partidos Progressistas, defensores do regime monárquico-parlamentar.

Até então considerada como um valor indiscutível pelos grupos e partidos políticos, aMonarquia passou a ser questionada pelos novos partidos e sua existência, colocada em

xeque.

1.3 A Intelligentsia Portuguesa 

Ao estudarmos Alexandre Herculano, não podemos ignorar que ele fez parte de um

grupo social que ampliou seu espaço de atuação na sociedade portuguesa a partir da segundametade do século XVIII e que teve grande influência na formação do Estado Liberal

 português, os intelectuais ou a intelligentsia. Inserido neste grupo social em ascensão,

Herculano interagiu com os seus integrantes em diversas polêmicas e questões tratadas

anteriormente, o que nos leva a pressupor que o conjunto de valores e o Contexto Linguístico,

retomando Skinner, no qual Herculano atuou foi delineado por este grupo social.

Para estudar os intelectuais portugueses da primeira metade do século XIX, utilizamos

um quadro histórico-biográfico elaborado por Maria de Lourdes Costa Lima dos Santos, quese pautou por alguns critérios para a sua elaboração. De acordo com a autora, os cinquenta

intelectuais selecionados no quadro histórico-biográfico são aqueles que “tinham condições

 para uma maior capacidade de intervenção na vida da sociedade portuguesa no período em

causa (primeira metade do século XIX): capacidade de participação nas decisões políticas;

capacidade de utilização do impresso; capacidade de constituir grupos de pressão, etc.”53 

Podemos entender os critérios de seleção empregados por Maria de Lourdes Costa

Lima dos Santos de acordo com estes referenciais: a “capacidade de participação nas

53 SANTOS, M de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa: Presença. p.19.

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decisões políticas” se relaciona com o papel de conselheira das elites políticas e econômicas

exercido pela elite intelectual que, em Portugal do século XIX, muitas vezes se confunde com

elas; “capacidade de utilização do impresso” se aproxima dos canais de difusão da produção

da elite intelectual; e a “capacidade de constituir grupos de pressão” pode ser associada ao

 poder de formação de opinião de alto nível característica da elite intelectual.

Um outro critério relevante utilizado pela autora foi a tipificação das situações sociais

de origem dos intelectuais selecionados. Em linhas gerais, Maria de Lourdes Costa Lima dos

Santos trabalha com três tipos:

Tipo I – situação desfavorecida para qualquer das formas de capital consideradas.Tipo II – situação desfavorecida em termos de capital econômico mas com certas

disponibilidades de capital cultural e social.Tipo III – situação favorecida para qualquer das formas de capital consideradas. 54 

A preocupação com as situações de origem da intelligentsia portuguesa pela autora

reforça e a constação da diversidade destas situações reforça a definição do grupo intelectual

como uma “camada instersticial ”, de acordo com Karl Mannheim55, entendida como uma

camada formada por indivíduos de diferentes segmentos sociais e, por isso, constitui-se em

“um agregado situado entre e não acima das classes”56.

Levando-se em consideração que muitos dos intelectuais selecionados se filiavam agrupos ou partidos políticos e que exerciam as funções do grupo intelectual de forma

agregadora para o seu grupo político e, consequentemente, desagregadora para os demais

grupos contrários, trabalharemos com os intelectuais e Portugal no século XIX como um

grupo funcional, de acordo com a proposta de Daniel Barreiros57.

Observando algumas funções gerais do grupo intelectual, verificamos, mais uma vez,

que estas funções se encaixam na atuação dos intelectuais portugueses do período. O

exercício de algumas atividades profissionais, políticas e acadêmicas dos indivíduosselecionados contribuiu para a organização da cultura ao terem acesso aos veículos de

informação, especificamente jornais e revistas, divulgando estudos, análises e

 posicionamentos em várias áreas do conhecimento (história, literatura, análise política,

54 SANTOS, M de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa: Presença. p.40.

55 MANNHEIM, Karl. O problema da intelligentsia: um estudo de seu papel no passado e no presente. In ______. Sociologia

da cultura. 2.ed. São Paulo: Perspectiva. 2008. p. 80.56 Ibidem. p. 81.

57 BARREIROS, Daniel Pinho. Intelectuais e estrutura social: uma proposta teórica. Sinais sociais, n.9, Jan./Abr, 2009. p. 13.

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economia, direito, etc.); a preservação da memória social figura como uma das atividades

 principais destes intelectuais, ao verificarmos o grande número de autores que se dedicaram

aos estudos históricos e biográficos; a disseminação de valores, símbolos e representações

coletivas, bem como a sistematização das compreensões acerca da realidade e visões de

mundo, são funções que eram exercidas pelo conjunto de indivíduos apresentados no quadro

histórico-biográfico, não apenas pelo acesso aos meios de divulgação mas pelo teor das

 produções deste grupo, claramente direcionadas para a defesa e a divulgação de valores e

compreensões da vida social, que giravam em torno das ideias liberais, criticando-as ou

defendendo-as.

Observando a coluna “Posição de Partida”, verificamos que 30% dos indivíduos

listados são originários das camadas mais humildes da população (15 indivíduos), 26% sãofilhos de famílias de camadas intermediárias (13 indivíduos) e 44% dos intelectuais são

oriundos das camadas sociais mais elevadas (22 indivíduos). Os dados indicam a pluralidade

das origens sociais da intelligentsia portuguesa e demonstra que os filhos das camadas mais

altas, mais elevadas compõem a maioria simples do grupo, o que não configura um

 predomínio das elites sociais na composição do grupo intelectual, pois apesar de os

intelectuais originários das camadas superiores perfazerem 44% do total, os intelectuais

originários de grupos que não formam a elite social perfazem 56% do universo de intelectuaisselecionados, configurando maioria absoluta.

Alguns fatores explicam estes percentuais. Desde as Reformas Pombalinas a

composição dos grupos intermediários e elevados da sociedade portuguesa apresentava

mudanças relevantes em virtude das mudanças na composição e formação da burocracia

governamental, das reformas no ensino e na formação da própria nobreza. No início do século

XIX, segundo Maria de Lourdes Costa Lima dos Santos, “aparelhos de sociabilidade”como

salões, saraus literários, academias e sociedades secretas passaram a contestar a velha ordemtradicional e nesses espaços de discussão e trocas de ideias, que operavam com relativa

liberdade dada a permanência do rei no Brasil, o “ saber comum e partilhado” possibilitou a

ascensão e o nivelamento social dos indivíduos que frequentavam estes espaços, notadamente

aqueles que pertenciam a camadas mais humildes e intermediárias, enfraquecendo a rígida

hierarquia social do Antigo Regime português58. Com o advento liberal, o nivelamento social

se aprofundou principalmente em virtude da participação de indivíduos dos grupos não

58 SANTOS, M de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira Metade e Oitocentos. Lisboa: Presença. p.13.

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integrantes da elite social na Guerra Civil de 1832-34 e na ascensão destes a cargos políticos e

administrativos de destaque no recém-estabelecido Estado Liberal.

Quanto à formação destes intelectuais, observamos que 50% dos intelectuais

selecionados cursaram o Ensino Superior (Universidade de Coimbra), 34% tiveram formação

técnico-científica (Academia Real da Marinha, Escola Politécnica de Lisboa, Academia

Politécnica do Porto, Escolas Médico-Cirúrgicas, Aula de Comércio e Aula de Diplomática),

10% cursaram as Humanidades (cursos equivalentes ao Ensino Secundário que tinham como

objetivo possibilitar o acesso à Universidade de Coimbra) e 6% eram autodidatas59.

Concluímos que o Ensino Superior não tinha um papel determinante na formação intelectual.

Para o momento histórico português a Universidade de Coimbra, única instituição de Ensino

Superior portuguesa reconhecida no período, tem um papel significativo na formaçãointelectual, mas verificamos que outras instituições têm função semelhante. Além das

instituições educacionais de formação técnica e secundária, os “aparelhos de sociabilidade”

apontados por Maria de Lourdes Costa Lima dos Santos tinham a função de formar

intelectuais a partir de um saber comum partilhado, constituindo-se também em aparelhos

 formadores  e em instituições funcionais, pois, conforme vimos acima, era este saber que

tornava essas instituições um espaço de convivência, nivelamento e ascensão social e, ao

mesmo tempo, era componente da formação do intelectual que freqüentava essas instituições.A Universidade, portanto, não era a principal instituição formadora dos intelectuais

 portugueses no século XIX, dividindo esta função com as Academias, saraus e salões

intelectuais, sociedades secretas e as instituições educacionais de ensino técnico-científico e

secundário.

 No momento histórico que estamos estudando, a Universidade não apresenta estes

atributos. No tocante à elite intelectual portuguesa do período, os paradigmas e os princípios

fundamentais não eram prioritariamente aplicados na Universidade. O Estado Liberal português e a Universidade de Coimbra muitas vezes colidiam quanto à temática educacional

aventada. A frase de Pedro Teixeira Mesquita ilustra as dificuldades encontradas pelo Estado

Liberal português para reformar o ensino superior: “ A Universidade herdada pelo

 Liberalismo era uma escola anquilosada e atrasada do ponto de vista pedagógico, mas um

‘potentado’ do ponto de vista político-institucional ”60. Ao longo do século XIX o embate

59

 SANTOS, Mª de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade e Oitocentos. Lisboa:Presença,2002. p. 39.

60 MESQUITA, Pedro Teixeira. A instrução pública e privada. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira (Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a instauração do liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 393.

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entre a tendência centralizadora do Estado, que assume a tarefa de incentivar e regulamentar a

educação, e a descentralização defendida pela Universidade de Coimbra, que buscava garantir

a sua influência na política educacional como um todo e o seu monopólio no ensino superior,

dominou as discussões sobre o Ensino, de uma forma geral, e sobre o ensino superior,

especificamente.

Levando-se em consideração que o quadro histórico-biográfico dos intelectuais

 portugueses que estamos utilizando nesta análise é formado pela elite intelectual do período,

observamos outras instituições que exercem ou partilham com a Universidade as funções

atribuídas pelo modelo teórico de Daniel Barreiros ao ensino superior na estratificação do

grupo funcional dos intelectuais.

O exercício de cargos públicos e políticos é um dos indicadores desta elite intelectual.Dos intelectuais listados no quadro, 82% exerceram cargos públicos e/ou políticos, fato que

nos autoriza a ver o Estado português que credencia o ingresso à elite intelectual pois, uma

vez compunha a burocracia estatal, o intelectual tem acesso a meios e instrumentos para o

exercício das funções do subgrupo, tais como o aconselhamento de demais elites sociais

(cujos quadros são formados por integrantes das elites intelectuais); a definição de limites

 para a prática funcional do grupo; a capacidade norteadora exercida sobre o grupo funcional

ao estabelecer modelos teóricos e paradigmas; o acesso aos canais de divulgação destesmodelos e paradigmas e a formação de opinião de alto nível. Assim podemos observar que a

 participação do intelectual na burocracia estatal, além de garantir um suporte financeiro que

 possibilita ao indivíduo debruçar-se sobre a produção intelectual, corresponde a uma espécie

de chancela que o credencia a integrar o subgrupo de elite.

A publicação em periódicos é um outro indicativo que credenciava o acesso à elite

intelectual. Via de regra, a imprensa é entendida como um veículo de divulgação dos modelos

e paradigmas acima mencionados, mas no período em questão o acesso ao exercício dassubfunções da elite era possibilitado pela imprensa.

A imposição da censura durante o Antigo Regime português foi um grande entrave

 para o desenvolvimento da imprensa. Em nome da manutenção da “ordem social” e da

contenção da proliferação das “ideias francesas”, a censura tolhia não só o debate e a

circulação de ideias mas também o desenvolvimento dos meios materiais para que estes

 pudessem acontecer de fato.

Mesmo com o estabelecimento do Estado Liberal em 1834 a liberdade de imprensa

esteve sob ameaça. A Constituição de 1822 consagrava a liberdade de imprensa através do

artigo 7, em que

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A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. TodoPortuguês pode conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar suasopiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos

casos, e pela forma que a lei determinar. 

61

 

A Carta de 1826 também estabelecia a liberdade de pensamento e o fim da censura, de

acordo com o parágrafo 3º do Artigo 145: “Todos podem comunicar os seus pensamentos por

 palavras, escritos, e publicados pela Imprensa sem dependência de Censura, contanto que

hajam de responder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela

 forma que a Lei determinar ”62.

Ambas as constituições proclamavam a revogação da censura prévia e,

consequentemente, o fim do controle da informação pelo Estado. Contudo deixavam lacunas

 para que os inimigos do pensamento livre e de sua divulgação pudessem atuar. Se a censura

como instituição do Estado deixava de existir, outras formas de restrição à liberdade de

 pensamento e de imprensa foram estabelecidas através de lei complementar. Com o

restabelecimento da Carta de 1826 em 1834, foi aprovada uma lei complementar que

estabelecia um conjunto de temas passíveis de responsabilização legal, destacando-se ataques

ao trono e à moral cristã.

Se em termos jurídicos a liberdade de pensamento e de expressão era uma garantia,apesar das possibilidades de ações legais, as restrições práticas à imprensa permaneciam. A

ameaça de ações contra editores e a pressão sobre juízes para condená-los, a criação de

empecilhos para a distribuição de periódicos e mesmo a agressão física e o empastelamento

de jornais eram práticas comuns.

Em 1850 foi promulgada uma lei que buscava ampliar o número de temas passíveis de

responsabilização legal, além de conceder ao governo maior poder de intervenção na

imprensa. Conhecida com  Lei das Rolhas, esta medida provocou intenso debate entre aopinião pública portuguesa e foi tema de inúmeros artigos. A  Lei das Rolhas  foi um dos

últimos atos do Cabralismo e foi revogada em 1851 com a Regeneração.

A polêmica envolvendo a Lei das Rolhas demonstra que, apesar das restrições práticas

e legais impostas, o fim da censura prévia foi uma vitória conquistada e arduamente defendida

 pela opinião pública portuguesa. E esta conquista possibilitou, dentre outros fatos, a

ampliação do mercado editorial em terras portuguesas.

61 Disponível em <http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/c1822t1.html> Acesso em: 17 abr. 2011.

62 Disponível em <http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/c1826t8.html> Acesso em: 17 abr. 2011

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1.3.1 Veículos Impressos

A atividade jornalística era considerada como uma forma de compensar as limitações

do Ensino formal, pois facilitava o acesso a informações até então restritas a um público leitor

limitado. A democratização da informação era uma premissa básica da imprensa portuguesa a

 partir de 1834 e, aliada à instrução, o objetivo também era civilizador, conscientizador,

formador de opinião. As correntes políticas tiveram nos jornais e periódicos instrumentos de

grande importância na difusão de suas propostas e valores.

Apesar do reduzido número de alfabetizados entre a população portuguesa, estimado

em menos de 10% da população em 1834 e em cerca de 18% em 1872, totalizando em tornode 3 milhões de habitantes63, representava um mercado consumidor significativo para a

imprensa recém-liberta da censura prévia.

Com o crescimento da imprensa verificou-se a ampliação dos quadros profissionais

ligados a esta atividade. O número de tipografias teve um aumento significativo a partir de

1834, ao mesmo tempo em que a produção de papel teve um aumento quantitativo e

qualitativo em Portugal, visando a abastecer este mercado. No final da década de 1830 a

qualidade da impressão aumentou devido à utilização de prelos metálicos64

.A imprensa portuguesa também ampliou as possibilidades para autores e intelectuais.

Se a imprensa necessitava da produção intelectual desses autores e muitas vezes associavam

os nomes de intelectuais às publicações, como Alexandre Herculano ao Panorama e António

Feliciano de Castilho à Revista Universal Lisbonense, estes tinham na imprensa a

 possibilidade de divulgar suas obras e obter reconhecimento no cenário português. Esta

interação entre imprensa e intelectuais fez surgir a produção literária voltada para a

 publicação em periódicos e que era designada, de forma bastante crítica, como literaturaindustrial 65. Essa produção literária, cujo principal exemplo é o romance de folhetim,

 priorizava as exigências do público leitor e, consequentemente, dos diretores dos periódicos, e

era criticada, pois deixava a qualidade literária de lado em nome das exigências do público.

Apesar das críticas quanto à qualidade deste tipo de literatura, a sua existência indicou uma

63 MARQUES, A. H. de Oliveira. A cultura literária, artística e musical. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira(Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a instauração do liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 412

.64 Ibidem. p. 413- 414.

65 SANTOS, M de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira Metade de oitocentos. Lisboa: Presença,2002. p. 168.

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 possibilidade de profissionalização da atividade literária, levando ao debate sobre os direitos

autorais e atuação em outras atividades culturais como o teatro.

Fica evidente que nesta seara as práticas de mercado estavam se estabelecendo.

Mercado consumidor, especialização da produção e preocupação com a qualidade, acima

descritos, são evidências deste fato. Um outro fator que corrobora a mercantilização da

 produção intelectual foi a criação de periódicos que se adequavam a nichos de mercado,

 buscando públicos-alvo com perfis definidos.

Ao analisar a organização do mercado literário português no século XIX, Maria de

Lourdes Costa Lima dos Santos classificou a imprensa periódica do período em jornais de

recreio e instrução; romance folhetinesco e folhetim-crônica; jornais literários, científicos e

artísticos; e jornais sociais e políticos66. As tiragens destes jornais atingiam entre 1000 e 2000exemplares que, via de regra, eram entregues a assinantes via postal67.

Destas modalidades de periódicos, os dois últimos possuem objetivos e públicos

definidos, enquanto os dois primeiros têm universo de leitores mais amplo e diversificado e

 por isso mereceram maior atenção em nossa análise. E como o romance folhetinesco e o

folhetim-crônica geralmente eram publicados em jornais de recreio e instrução, vamos tratá-

los como uma única modalidade de periódico.

Entre os jornais de recreio e instrução, destacaram-se O Panorama  e a  RevistaUniversal Lisbonense, e o principal objetivo destas publicações era difundir os valores da sua

“missão civilizadora”, ou seja, difundir os valores que seus editores consideravam como

fundamentais para a consolidação do liberalismo em Portugal e do engrandecimento da nação

através de uma linguagem acessível e agradável, bem como através de formatos discursivos

variados como artigos, romances, poemas, etc. O público para o qual estes periódicos eram

voltados pertencia às “classe laboriosas”, aqueles “a quem poucos momentos sobram dos seus

empregos, (onde) era necessário criar uma literatura própria e de tal arte concebida, que asconvidasse a empregar nela algumas horas destinadas ao repouso”68. 

Foi nesses jornais de recreio e instrução, que cediam espaço para a publicação de

inúmeros artigos e romances os quais influenciaram a opinião pública portuguesa, que

verificamos o maior grau de profissionalização do jornalismo e da produção intelectual.

66 SANTOS, Mª de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa:Presença,2002. p. 165 - 198.

67 MARQUES, A. H. de Oliveira. A cultura literária, artística e musical. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira(Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a instauração do liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 416.

68 SANTOS, M de Lourdes Costa Lima dos. Op. cit. p. 165 - 198.

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Muitos romances editados em formato de folhetim nas páginas desses jornais foram

 posteriormente lançados em livro, e artigos publicados originaram acalorados debates

acompanhados pelo público leitor.

Missão civilizadora, palco de debates, espaço de divulgação de artistas e intelectuais,

formadora de opinião e mercado de trabalho. Estas são algumas características e objetivos da

imprensa portuguesa no século XIX, que evidenciam as grandes mudanças que atingiram

Portugal. Se nas esferas política, social e econômica as transformações encontravam

obstáculos que dificultavam a modernização do país, na imprensa esta modernização, que

também encontrou empecilhos difíceis de serem superados, demonstrava que no aspecto

intelectual as letras portuguesas ocupavam um papel de vanguarda na consolidação do

Liberalismo.

1.3.2 Recomposição e condições de acesso à elite intelectual

Ao analisar o intelectual contemporâneo, Karl Mannheim pontua a sua gênese no

momento em que a intelligentsia  deixa de ser um grupo social fechado e com uma visão

unitária. Esta nova intelligentsia  “expressa a polarização de várias visões de mundo

coexistentes que refletem as tensões sociais de uma civilização complexa”, que busca“identificar as tensões e participar das polaridades de sua sociedade”69. Os intelectuais

 passaram, a partir desta transição, de estamento oriundo de poucos segmentos sociais que

 buscava uma visão unitária e conciliadora a grupo social composto por indivíduos originários

de diversos segmentos sociais que buscava explicações distintas e heterogêneas sobre os

fenômenos de uma sociedade em profunda transformação.

A transição da ordem tradicional portuguesa para a ordem liberal constituiu-se, em

nosso entender, neste momento originário do intelectual moderno em Portugal que, conformevimos anteriormente, era formado por indivíduos cujas origens sociais são heterogêneas e que

 buscam explicações distintas e muitas vezes concorrentes dos fenômenos sociais.

Podemos observar que tal fenômeno ocorreu em Portugal na primeira metade do

século XIX, quando os valores do Romantismo se tornaram hegemônicos na sociedade

 portuguesa em detrimento dos padrões do Classicismo em vigor até então. Simultaneamente,

o Liberalismo, cujas relações com o Romantismo são profundas, influenciou tanto o aspecto

69 MANNHEIM, Karl. O problema da intelligencia: um estudo de seu papel no passado e no presente. In ______. Sociologiada Cultura. 2.ed. São Paulo: Perspectiva. 2008. p. 91- 92.

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os aparelhos de sociabilidade acima mencionados também são espaços onde ocorrem os dois

fatores apontados por Daniel Barreiros, que credenciam o acesso à intelectualidade: a

hereditariedade e o reconhecimento73.

Sendo a hereditariedade o compartilhamento dos elementos que compõem os valores

intelectuais entre os integrantes da intelligentsia e os seus sucessores74, era nos salões e saraus

literários, academias e sociedades secretas que esta transmissão de paradigmas acontecia e,

através dos mecanismos de sociabilidade existentes nestas instituições funcionais, os

eventuais sucessores tinham acesso aos meios para produzir e divulgar valores que, no

 período observado, se davam através da imprensa e do exercício de cargos na burocracia

estatal.

 No modelo teórico proposto por Daniel Barreiros a hereditariedade  e oreconhecimento são entendidos como práticas distintas porém convergentes. Distintas pois na

hereditariedade o pretenso sucessor é eleito por um integrante da elite intelectual e por ele

conduzido à aceitação dos seus pares, enquanto no reconhecimento o postulante ao ingresso

no subgrupo pode ser tanto um intelectual conduzido por um integrante da elite, sendo o

reconhecimento uma etapa do processo de acesso à elite, quanto um intelectual que se destaca

 por contestar valores componentes dos princípios fundamentais e encontrar interlocutores no

seio da elite75

. Logo, o reconhecimento é distinto da hereditariedade, pois o intelectual queingressa na elite pode partir de posicionamentos intelectuais distintos dos defendidos pela

elite mas, ao encontrar interlocutores, garante seu espaço no subgrupo. São, portanto, práticas

distintas quanto ao posicionamento intelectual do indivíduo na origem do processo de

ascensão à elite. Na hereditariedade  o indivíduo partilha e concorda com os paradigmas

vigentes, enquanto no reconhecimento não há necessariamente a concordância do indivíduo

quanto a estes paradigmas.

A convergência se define por dois fatos: o reconhecimento como prática que reforça elegitima a hereditariedade e, consequentemente, a necessidade de interlocução de pelo menos

um intelectual da elite para garantir o acesso ao subgrupo.

73 BARREIROS, Daniel Pinho. Intelectuais e estrutura social: uma proposta teórica. Sinais sociais, n.9 , jan./abr. de 2009. p.34 - 37. Neste artigo Daniel Barreiros se propôs a discutir a relação entre intelectuais e a estrutura social nas sociedadesocidentais pós-1945. Apesar de tratarmos de um período distinto, a primeira metade do século XIX, encontramos inúmeros pontos de convergência que se mostraram úteis para a nossa análise da intelligentsia portuguesa oitocentista.

74 Ibidem. p. 36. No modelo teórico proposto por Daniel Barreiros os intelectuais são divididos em três subgrupos sendo o

reconhecimento e a hereditariedade atribuições da elite intelectual. Não utilizamos a tipologia criada pelo autor, poisentendemos que esta divisão não é passível de aplicação no período estudado e consideramos que o universo de intelectuaisque estamos analisando assumem a função da elite intelectual  analisada por Daniel Barreiros.

75 Ibidem. p. 36 - 37.

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Cabe destacar que a questão educacional não era um tema novo no dia a dia português.

 No bojo das reformas pombalinas, a educação mereceu atenção especial e muitos debates

sobre o tema no século XIX tinham como referência as medidas educacionais implantadas

 pelo Ministro do Reino de D. José.

Contudo, existem alguns elementos em comum entre as distintas correntes liberais que

duelam na seara educacional: a universalização do ensino primário como forma de ampliação

da cidadania e melhor qualificação do voto; estabelecimento do ensino secundário para

reforçar a cidadania e formar quadros profissionais para suprir a nação de mão de obra

qualificada necessária para o desenvolvimento do progresso econômico; reformulação do

ensino superior, diversificando-o e quebrando o monopólio da Universidade de Coimbra e,

 por fim, a ampliação da liberdade de ensino, abrindo espaço para os agentes privadosmediante a regulamentação e fiscalização do Estado77. 

Trataremos a seguir das características e das medidas adotadas de acordo com o nível

educacional.

A década de 1810 foi muito profícua em termos educacionais, pois além da discussão

sobre os métodos, foram fundados vários colégios particulares. Mas foi no Triênio Liberal

(1820-1823) que ocorreu a abertura de número ainda maior de escolas e também de colégios

femininos. Apesar de ser omissa no tocante à obrigação do Estado quanto à promoção daeducação e a adoção de reformas inovadoras, a Constituição de 1822 criou condições legais

 para esta expansão dos estabelecimentos educacionais ao garantir a liberdade de ensino78. Mas

foi apenas a partir de 1834 que o ensino primário recebeu maior atenção por parte do Estado,

sendo os seus princípios fundamentais norteados pela laicização, entendida como ensino

ministrado por leigos e não apenas por religiosos, gratuidade e pelo caráter obrigatório. Cabe

destacar que, nesse período, vigorava a Carta de 1826 em que o ensino era um direito

garantido a todos os cidadãos e constituía-se numa obrigação do Estado.Mesmo sendo objeto de discussão nas várias reformas educacionais ao longo do século

XIX, a promoção do ensino primário não conseguiu reverter o expressivo número de

analfabetos em Portugal. Mesmo sendo obrigatório, o ensino primário ficou restrito às

camadas mais altas.

77

 MESQUITA, Pedro Teixeira. A instrução pública e privada. In: SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira (Dir.). Nova história de Portugal: Portugal e a instauração do liberalismo. Lisboa: Presença, 2002. p. 350.

78 TORGAL, Luis Reis. A instrução pública. In: MATTOSO, José (Org.). História de Portugal . Lisboa: Estampa, 1993. p.612. V.5.

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Foi a partir de 1836 que o ensino secundário mereceu as atenções do Estado. A

reforma educacional empreendida pelo setembrista Passos Manuel é tida como um marco

fundamental do ensino secundário ao instituir a criação dos liceus. Antes de Passos Manuel, o

Vintismo não se preocupou com o ensino secundário, mantendo a estrutura secundária

anterior, e os Professores Régios, cargo criado pelo Marquês de Pombal, continuaram a atuar

neste segmento. Também foram mantidas as disciplinas: Latim, Retórica, Grego e Filosofia.

Com a reforma de Passos Manuel, o número de disciplinas foi ampliado e se tornou

mais diversificado com a inclusão de novas disciplinas nas áreas das humanidades e das

ciências físicas. Os liceus, na visão de Passos Manuel, serviam não somente como escolas de

acesso ao ensino superior, mas também como formadoras de cidadãos, qualificando

intelectualmente o aluno que não tinha acesso à universidade.A reforma de Passos Manuel encontrou um grande obstáculo para a sua execução: o

 pequeno número de professores de disciplinas científicas. Para atenuar este problema, a

reforma de Costa Cabral, de 1844, reduziu o número de disciplinas científicas e regionalizou

o currículo dos liceus, visando a atender as necessidades locais.

O ensino liceal era voltado principalmente para a burguesia portuguesa e destinava-se

“particularmente a uma formação de transição, intermédia entre o ensino primário e o ensino

superior, ou então para formar quadros de profissionais de variado tipo”79

. Também criado durante o Período Pombalino, o ensino técnico está diretamente

ligado, durante o século XIX, à ideia de progresso. Se durante o primeiro período as Aulas

Régias eram as responsáveis pela formação técnica, durante a Regeneração, quando o ensino

técnico teve grande impulso, os Institutos foram criados para esta finalidade. Uma distinção

significativa entre o ensino técnico pombalino e o da Regeneração era a atividade priorizada.

Enquanto as Aulas Régias dedicavam-se a atividades mercantis, militares e ligadas à

construção civil, os Institutos da Regeneração enfatizavam os estudos agrícolas. Uma possívelexplicação para este fato é que alguns destes cursos ministrados pelas Aulas Régias foram

incorporados pelos Liceus e, desta forma, os Institutos visavam a preencher uma lacuna

importante.

A frase de Pedro Teixeira Mesquita ilustra as dificuldades encontradas pelo Estado

Liberal português para reformar o ensino superior: “A Universidade herdada pelo Liberalismo

era uma escola anquilosada e atrasada do ponto de vista pedagógico, mas um ‘potentado’ do

79 TORGAL, Luis Reis. A instrução pública. In: MATTOSO, José (Org.). História de Portugal . Lisboa: Estampa 1993. p.627. v.5.

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das características fundamentais da atividade intelectual, pois esse domínio do léxico,

categorias e conceitos forma o que Skinner define como contento linguístico, entendido como

léxico empregado pelo contexto intelectual onde o autor se insere85.

É com base nestes argumentos que o capítulo seguinte foi pensado. A partir do

universo intelectual de Herculano e de suas intervenções no contexto linguístico português

coevo, buscamos reconstruir os conceitos empregados pelo autor nas suas propostas para a

construção de uma sociedade liberal portuguesa.

85 LOPES, Marcos Antônio. Para ler os clássicos do pensamento político: um guia historiográfico. Rio de Janeiro: EditoraFGV, 2002. p.56.

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 NOMES POSIÇÃODE

PARTIDA

CURSOS PROFISSÃO CARGOSE TÍTULOS

PRODUÇÃOLITERÁRIA

Francisco deS. Luís(1766-1845)

Tipo III(PaiProprietárioRural)

FaculdadedeTeologia(Dout.1791)

Prof (Filos.) no Colégiodas Artes (1817);Visitador-Geral daOrdem Beneditina;Membro da JuntaProvis. do Gov.Supremo do Reino(1820); Reitor da Univ.(1821-1823); Bispo deCoimbra (1822);

Guarda-Mor do Tombo;Ministro do Reino,Cons. e Par do Reino(1834); Vice-Presid. DaAcad. Das Ciências(1838); CardealPatriarca de Lisboa

Estudos nosdomínios dahistória, dalinguística, daliteratura.

Silv.PinheiroFerreira(1769-1846)

Tipo I (Paiartesão)

Humanidades naCongr. doOratório;

freq. dacadeira deMecânicada Univ.

Prof. De Filos. e Moralno Colégio das Artes(1794); Secret. da Emb.de Portugal na Holanda

(1799); Encarreg. dos Neg. Estrang. em Berlim(1802-1809); Diretor daImprensa Régia (1820);Ministro dos Neg. Estr.e Guerra (1821); Sec. deEstado de Neg. Estrang.(1821-1823); Deputado(1827, 1838 e 1842);sócio da Acad. deCiências.

Estudos nosdomínios dafilosofia, do direitoe das ciências

naturais.

CândidoJosé Xavier(1769-1833)

Tipo I (PaiAlveitar)

Freq. daUniv. (?)

Prof. de Retórica;Brigadeiro de Infant.(oficial da Legião Port. –1808); Ministro daGuerra (1821/22 e1826/27); Min. daGuerra e dos Neg. Estr.(1827/28); Subdir. e Dir.do Colégio Militar;Secret. Part.de D. Pedro

no Exílio; Ministro doReino, dos Neg. Estr. eda Regência (1833);Sócio da Acad. das

Poemas de juventude;colaboração em

 jornais e revistas(artigos científicos).

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Ciências.ManuelFernandesTomás

(1771-1822)

Tipo I (Paifaziatransportes

em barco)

Faculdadede Leis(Bac.

1791)

Juiz de Fora (1801);Superintend. dasAlfândegas e Tabaco

(1805); Deput.Comissário do serviçode requisições efornecim. para oExército (1808);Magistrado em Coimbra(1811); Membro daJunta Provis. do Gov.Supr. do Reino (1820);Encarreg. dos Neg. doReino e da Fazenda

(1821).

Ensaio político;obras jurídicas;discursos

 parlamentares.

J. LiberatoFreire deCarvalho(1771-1855)

Tipo III(PaiBacharel)

Teologia eFilosofia(nocolégio dasuaOrdem)

Prof. no Mosteiro de S.Vicente de Fora emLisboa; Redator noexílio; Deput. (1822);Oficial da Secret. deEstado dos Neg.Estrang. (1827);Arquivista da Câmarados Pares (1834-36);Administ. da Imprensa

 Nac.; sócio da Acad. dasCiências (de 1804 a1853, data em que sedemite)

Ensaios históricos e políticos;memorialismo;traduções;

 jornalismo.

BorgesCarneiro(1774-1833)

Tipo I (Pai pequeno proprietáriorural)

FaculdadedeCânones(Bac.1800)

Juiz de Fora (1803);Provedor da Comarca deLeiria (1812);Desembarg. da Relaçãodo Porto e da Casa deSuplic. de Lisboa;

Deput. (1821, 22, 26 e28)

Escritos políticos;estudos jurídicos;trabalhos didáticos;discursos

 parlamentares.

F. M.Trigoso deAragãoMorato(1777-1838)

Tipo III(Pai senhordevínculos)

FaculdadesdeCânones(Dout.1799)

Lente na Univ. (1818);Deput. (1821); Ministro,Secret. de Estado dos

 Neg. do Reino e Cons.(1826); Par do Reino(1834); Vice-pres. daAcad. das Ciências.

Trabalhos didáticos(cadeira de Instit.Canônicas);

 projetos; estudosacadêmicos dehistória e literatura.

Mouzinhoda Silveira

(1780-1849)

Tipo III(Pai

Médico)

Faculdadede Leis

(1802)

Juiz de Fora; Provedor;Administ. Geral das

Alfândegas (1821);Ministro da Fazenda(1822-23); Deput.

Estudos jurídicos,econômicos e

 políticos.

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(1826); Ministro doReino, da Justiça e daFazenda na Regência(1832); Deput. após o

exílio (1834).FerreiraBorges(1786-1838)

Tipo III(Paiarmador)

Faculdadede Leis(Bac.1806)

Advogado (1808-1820);Secretário da Cia. dasVinhas do Alto Douro(1818); Síndico daCâmara Municipal doPorto; Advog. daRelação do Porto(1818); Membro daJunta Provis. do Gov.Supremo do Reino

(1820); Deput. (1822);Membro do Conselho deEstado (1823); JuizPresidente do TribunalComercial (1833-36)

Estudos jurídicos eeconômicos;colaboração em

 jornais e revistas.

Rodrigo daFonseca(1787-1858)

Tipo I (Pai pequeno proprietáriorural)

Freq.Faculd. DeTeologia(1806-08?)

Oficial no Bat. Acad.(1808); Secret. do Gov.de Pernambuco (1819);Oficial da Secret. daJustiça (1822); Diretor-Geral no Minist. da Just.(1833); Administ. daImprensa Nac. (1833);Deput. (1834-35 e váriasLegislat.); Ministro doReino (1835, 39 e 53);dos Estr. e do Reino(1841); da Justiça e doReino (1851-52);Conselheiro (1842); Pardo Reino (1847); Sócio

Emérito da Acad. deCiências.

Poemas da juventude; jornalismo político;discursos

 parlamentares.

JoaquimAnt. deAguiar(1792-1871)

Tipo II (paiCirurgião)

Faculd. deLeis(Dout.1815)

Lente (1816-23); Deput.(1826); Cons. doSupremo Tribunal deJustiça (1833); Ministrodo Reino (1833, 41, 65 e66); da Justiça (1834, 36e 46); Presidência (1841,60, 65 e 66); Pres. eReino (1868); Par do

Reino (1852); Provedorda Santa Casa deMisericórdia de Lx.

Discursos parlamentares;ensaio políticos;colaboração em

 jornais e revistas.

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(1859)Luís da SilvaMouzinhode

Albuquerque(1792-1846)

Tipo III(Pai oficialdo

Exército)

Eng.Militar

Oficial da arma de Eng.;Provedor da Casa daMoeda (1823);

Governador da Madeira(1824); Ministro doReino e da Marinha naRegência (1832-33);Reino (1835, 42 e 46);Justiça (1842); Marinha(1846); Deput. (emvárias Legislações).

Poemas; trabalhosdidáticos, estudosacadêmicos;

colaboração em jornais e revistas.

Sá daBandeira(1795-1876)

Tipo III(Paidesembarga

dor; senhordevínculos)

AcademiaReal daMarinha e

Acad. Realda Fortific.(1816-17);Freq. daMat. eFilos. DaUniv.(1818-1820);freq. daUniv. deParis(1821-25);estudos deEng. naInglaterra

Oficial de Cavalaria(campanhas da GuerraPeninsular – 1810);

Chefe de Estado Maiordos Gov. da Madeira eAçores (1828-29);Ajudante de campo deD. Pedro (1832);Ministro do Reino e daMarinha (1832 e 33);Par do Reino (1834);Ministro do Reino(1835); Marinha (1835,37, 38, 56, 57, 58, 65);Guerra (1836, 37, 38,42, 46, 57, 58, 60, 62,65, 69, 70); Estr. (1836,37, 38); Justiça (1836);Presid. (1836, 37, 38,65, 68, 69, 70); ObrasPub. (1856); Diretor daEscola do Exército(1851); Conselheiro(1860); General e

Marquês (1864)

Trabalhoscientíficos (sobre ascolônias; questões

militares; comércioe agricultura);colaboração em

 jornais e revistas.

AntonioLuis deSeabra(1796-1895)

Tipo III(PaiMagist.)

Faculd.Leis(1820)

Juiz de Fora (1821);Corregedor; Deput.(1834 e várias Legisl.);Ministro da Justiça(1852 e 1868); Presid.da Câmara de Deput. ePar do Reino (1862);Juiz do SupremoTribunal; Reitor daUniv. (1866-68); Visc.

(1865); Sócio da Acad.de Ciências.

Estudos jurídicos efilosóficos;tradução declássicos;colaboração em

 jornais e revistas.

Vicente Tipo II (Pai Facul. de Lente Cat. (1834); Estudos jurídicos;

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Luz Soriano(1802-1891)

Tipo I(Órfão de

 pai; mãeempregada

doméstica)

Faculd. deMedicina(1842)

Oficial no Bat. Acad.(1827); Amanuense(1832); Oficial-maiorda Secret. de Estado da

Marinha (1834); Chefeda Seção de Marinha;Deput. (1853 e váriasLegisl.); Vogal doConselho Ultramarino(1860?)

Poemas; história,escritos políticos;trabalhos sobrequestões médicas;

colaboração em jornais e revistas;memorialismo.

OliveiraMarreca(1805-1889)

Tipo II (Pai proprietáriorural)

Estudos deeconomia(noexílio?)

Administ. Da Imprensa Nacional (1836); Prof.de Economia Política naAssoc. Merc. de Lisboa(1837); Deput. (1838 e

várias Legisl.);Bibliotecário-Mor daBiblioteca Nacional deLisboa (1846); Lente doInst. Ind. de Lisboa(1852); Guarda-Mor doArquivo da Torre doTombo (1861); SócioEmérito da Acad. deCiências (1874);Presidente do 1ºDiretório do PartidoRepublicano (1876)

Romance; estudosde EconomiaPolítica; trabalhosdidáticos;colaboração em

 jornais e revistas.

RodriguesSampaio(1806-1882)

Tipo I (Pai peq. Prop.rural)

Humanidades;Teologia(nas aulasdoConventoem Braga)

Redator a partir de 1835;Secret. da Adminst.Geral de Bragança;Administ. Geral deCastelo Branco (1839);Deput. (1851-57);Presidente do CentroPromotor dos

Melhoramentos dasClasses Laboriosas(1853-63); Cons. doTribunal de Contas(1859); Ministro doReino (1870, 71-77, 78-79); Presid. e Reino(1881); Par do Reino(1878)

Jornalismo político.

JoséSilvestre

Ribeiro(1807-1891)

Tipo I (Pai peq. Prop.

rural)

Faculd.Cânones

(Bac.)

Ofic. no Bat. Acad.(1826); Sec. Geral da

Prefeitura (1834);Governador Civil devários distritos; Deput.

Estudos histórico-literários; trabalhos

sobre questõesadministrativas;colaboração em

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(1846 e várias Legisl.);Conselheiro (1856);Ministro da Justiça(1857); Vogal do

Supremo TribunalAdministrativo (1875);Par do Reino (1882);Sócio da Acad. deCiências (1867).

 jornais e revistas.

José Estevão(1809-1863)

Tipo III(Paimédico)

Faculd. deLeis

Oficial no Bat. Acad;Redator; Deput. (1836 evárias legisl.); Lente deEconomia Política naEscola Politécnica(1842); Conselheiro

(1843); Sócio da Acad.de Ciências.

Discursos parlamentares; jornalismo político.

AlexandreHerculano(1810-1877)

Tipo II(Pai func.público).

Acad.Real daMarinha(1825-1826),Aula doComércioe AulaDiplomática (1831)

2º Bibliotecário daBiblioteca do Porto(1833-36); Diretor eRedator de OPanorama (1837);Diretor das Bibliotecasda Ajuda e dasNecessidades (1839);Deput. (1840-41);Presidente da Câmarade Belém (1853);Diretor da Publicaçãodos PortugaliaeMonumenta Histórica(1853-73); Vogal doCons. Dramático doConservatório (1853);Vice-presidente daAcad. de Ciências

(1855)

Poesia; romance;história; críticaliterária;

 jornalismo;polêmica.

InocêncioFranc. daSilva (1810-1876)

Tipo II (paicomerc. eofic.deorden.)

Aula doComércio(1830-32);cadeiras deMat. naAcad. daMarinha(1833)

Docente- ensino particular (1834-37);Capitão da Guarda

 Nacional (1837);Amanuense de 2ª Classe(1842); de 1ª Classe(1851); Sócio da Acad.de Ciências.

Ensaios de críticaliterária, filologia,história;investigação

 bibliográfica;colaboração em

 jornais e revistas.

José Freirede Serpa

Pimentel(1814-1870)

Tipo III(Pai lente

da Univ.)

Faculd. deDireito

(Bac.1839)

Juiz; Governador Civildo Porto (1860); Par do

Reino; Visconde.

Poesia; teatro;colaboração em

 jornais e revistas.

Joaquim da Tipo II (Pai Acad. Real Major de Artilharia; Poemas; teatro;

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CostaCascais(1815-1898)

militar?) daMarinha eAcad. Realdas

Fortific.(1831)

Lente de DesenhoArquit. e Topografia noReal Colégio Militar.

colaboração em jornais e revistas.

Teixeira deVasconcelos(1816-1878)

Tipo I (PaiProp. rural)

Faculd. deDireito(Bac.1844)

Governador Civil deVila Real (1846);Presidente da Câmara deLuanda (1851); Deput.(1865); Plenipotenc. nosEUA; Redator e diretorde vários jornais; Sóciocorrespondente da Acad.de Ciências.

Jornalismo;romance; estudos

 biográficos;literatura e história.

SousaBrandão(1818-1892)

Tipo II (Pai prop. rural)

Acad.Politécnicado Porto;Escola doExércitode Lisboa;Escola dePontes eCalçadasde Paris(1845-48)

Soldado do ExércitoLiberal (1833); Insp. eDiretor das ObrasPúblicas (a partir de1852); Diretor doGrêmio Popular (1857);Deput.; Membro daDiret. do PartidoRepublicano (1876);General.

Jornalismo político;escritos sobre oAssociativismo.

João deLemos(1819-1890)

Tipo III(Pai prop.fundiário evisconde)

Faculd.Direito

Encarregado de missõesoficiais (representantedos legitimistas);redator; visconde

Jornalismo; poesia;teatro.

FontesPereira deMelo (1819-1887)

Tipo III(Paiministro eCons.)

Eng.(Acad.Real daMarinha eEscola doExército)

Major de Engenharia;Deput. (1848 e váriasLegisl.); Ministro daMarinha (1851-60);Fazenda (1851, 52, 53,65, 66, 68, 71-71, 81-

83); Obras Públicas(1852-53); Reino (1859-60); Guerra (1866, 78-79, 83-86); Presid.(1866, 71-77, 78-79, 83-86); Par do Reino (1870)

Discursos parlamentares;colaboração emvários jornais erevistas.

Mendes Leal(1820-1887)

Tipo II (Paimestre demúsica)

Humanidades

Amanuense (1844?);Capitão-volunt. e Secret.Do Lugar-Tenente daRainha (1846); Diretor eRedator de jornais;

Bibliotecário-Mor daBiblioteca Nacional deLisboa (1850); Deput.

Jornalismo; teatro; poesia; romance;trabalhos históricose biográficos;traduções.

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(1851 e várias Legisl.);Ministro da Marinha(1862, 63, 64); dos Estr.(1870); Cons. e Par do

Reino (1871); Plenipot.(1871 e 74); Sócio daAcad. de Ciências.

Xavier de Novais(1820-1869)

Tipo I (PaiOurives)

Autodidata Ourives; redator;empregado de escritório.

Poesia; colaboraçãoem jornais erevistas.

Francisco M.Bordalo(1821-1861)

Tipo II (Paimestrerégio)

Acad. RealdaMarinha

Cadete da Armada(1834); 1º tenente eSecretário do Gov. deMacau (1850-52)

Romance; teatro;narrativa deviagens; trabalhosestatísticos.

L. A. Rebelo

da Silva(1822-1871)

Tipo III

(Pai Bac.;Deput.)

Freq.

faculd.Filosofia eMatem.(1839-41)

Oficial e Secret. da

Secret. do Cons. deEstado (1845 e 49);Fiscal do Teatro D.Maria II (1846); Deput.(1848 e várias legisl.);Membro dos Cons. deInstr. Públ. (1859); Prof.no Curso Superior deLetras (1861); Ministroda Marinha (1869-70);Sócio da Acad. deCiências.

Discursos

 parlamentares;romance; teatro;estudos históricos eliterários;colaboração em

 jornais e revistas.

José M. deAndradeFerreira(1823-1875)(b)

Tipo II(Órfão de

 pai func.Público)

Humanidades(Incompl.); freq. daEscolaPolitécnica

Amanuense; redator;Administrador deconcelho.

Jornalismo; críticaliterária; biografias;traduções.

CustódioJosé Vieira(1823-1879)

Tipo I (Pai prop. rural)

Faculd.Direito(1849)

Comissário Civil daJunta no Algarve(1846); Advog.; redator;

Deput. (1866-67)

Jornalismo político;ensaio doutrinário.

AndradeCorvo(1824-1890)

Tipo III(Pai oficialdo exércitomiguelista)

Mat. eCiências

 Nat. NaEscolaPolitécnica; Eng.(Escola doExército);Medicinana Escola

Médico-Cirúrgicade Lisboa

Lente da Esc. Polit;Vogal do Cons. Geral daInst. Pub. (1859); Lentedo Inst. Agrícola; Deput.(1865 e várias legisl.);Coronel de Eng.;Ministro das ObrasPúblicas (1866); Estr.(1867, 71-77, 78-79);Marinha (1879); Par do

Reino (1870); Sócio daAcad. de Ciências.

Romance; teatro;trabalhos didáticos;estudos sobreagricultura;colaboração em

 jornais e revistas.

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LatinoCoelho(1825-1891)

Tipo III(Pai capitãoe prof.Mat.)

Eng.EscolaPolitécnicae Escola

doExército

Oficial da arma de Eng.;Lente da Esc. Polit.;diretor de jornal (1851);Deput. (1854 e várias

legisl.); Ministro daMarinha (1868-69); Pardo Reino (1885);General (1888); Sócioda Acad. de Ciências.

História; críticaliterária; estudos

 biográficos;colaboração em

 jornais e revistas.

LuísAugustoPalmeirim(1825-1893)

Tipo III(Paitenente-general)

RealColégioMilitar

Oficial do Exército(1847); Chefe deRepartição do Ministrodas Obras Pub; Censordo Teatro D. Maria II(1853); Deput.; Diretor

do Conservatório(1870?); Sócio da Acad.de Ciências.

Poesia; teatro;estudos biográficos;colaboração em

 jornais e revistas.

Ant. deSerpaPimentel(1825-1900)

Tipo III(Pai Lenteda Univ.)

Faculd.Mat. (Bac.1845);Eng.(Escola doExército)

Lente da Esc. Polt.(1851); Deput. (1856 evárias legisl.); Ministrodas Obras Pub. (1859 e60); Guerra (1860);Fazenda (1872 a 77, 79);Estr. (1881-83); Cons.do Tribunal de Contas(1867); Sócio da Acad.de Ciências.

Poesia; teatro;discursos

 parlamentares; biografias;colaboração em

 jornais e revistas.

CasalRibeiro(1825-1888)

Tipo III(Paidesemb;Par doReino)

Faculd.Direito

Membro da Junta Rev.De Coimbra (1846);Deput. (1851 e váriaslegisl.); Ministro daFazenda (1859, 60);Estr. (1860-66); ObrasPúb. (1866); Cons. deEst. e Par do Reino

(1865); Sócio da Acad.de Ciências.

Polêmica política;discursos

 parlamentares;colaboração em

 jornais e revistas.

Vieira daSilva (1825-1868)

Tipo I (Paiartesão)

Autodidata Tipógrafo (até 1851);Radator; amanuense(1852) Vice-Presid. doCentro Promotor dosMelhor.das ClassesLaboriosas (a partir de1852); subdiretor de

 jornal (1867)

Colaboração em jornais e revistas.

Camilo

CasteloBranco(1826-1890)

Tipo I

(Órfão de pai peq. prop. rural)

Freq. da

Acad.Polit. e daEscola

Escritor; Sócio

correspondente da Acad.de Ciências (1858);Visconde (1885)

Romance; poesia;

teatro; jornalismo;estudos biográficos;crítica literária;

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2 OS CONCEITOS NA OBRA DE HERCULANO

2.1 O universo conceitual de Alexandre Herculano

Os confrontos e polêmicas ocorridos durante o século XIX português, especificamente

nos momentos de estabelecimento e consolidação do Estado Liberal português, deixam claro

que a construção da nova ordem política foi um processo árduo. Além dos embates contra os

defensores da antiga ordem absolutista, os liberais dividiram-se em inúmeras facções que

lutavam por espaço na cena política e estes embates não se restringiam aos gabinetes e salões.

Os veículos de informação do período refletiam e muitas vezes potencializavam estes embates

e ampliavam a arena onde as diversas correntes políticas buscavam afirmação, legitimidade eapoio. Alexandre Herculano teve papel relevante nestes embates e na construção da ordem

liberal portuguesa ao propor reformas e projetos inspirados nas ideias românticas e liberais e

contrapor-se às propostas antagônicas tradicionalistas ou de segmentos liberais concorrentes.

Polemista, escritor e historiador, Herculano participou de vários debates e polêmicas

empregando um universo conceitual cujo objetivo era fundamentar os seus argumentos e

contrapor-se aos adversários e que se constitui no objeto da nossa análise neste capítulo, tendo

em vista que muitos conceitos utilizados por Herculano foram por ele utilizados parafundamentar uma concepção de sociedade idealizada pelo autor que, em nosso entender, teve

como parâmetros elementos do Romantismo, do Liberalismo e do Conservadorismo1.

Diante do objetivo proposto, pensamos que o instrumental fornecido pela “Escola

Collingwoodiana” ou o “Contextualismo Linguístico”, onde se destacam Quentin Skinner e

John Pocock, nos permite compreender o pensamento de Alexandre Herculano em sua própria

historicidade através de um “processo de pesquisa arqueológico” 2, segundo definição do

 próprio Skinner, em que “a única história das ideias que deve ser feita é a história dos usos a

1 Empregamos as definições e características do Pensamento Conservador indicadas por Karl Mannheim, onde A açãoconservadora é conduzida por um modo de pensar e atuar calcada na história anterior. O contato da história com o indivíduo pode, em determinadas circunstâncias, mudar este modo de pensar e atuar sendo, portanto, uma “estrutura mental objetiva”oposta à subjetividade do indivíduo isolado. Portanto, “O conservadorismo é precisamente esta configuração estruturalobjetiva, dinâmica, historicamente desenvolvida. As pessoas experimentam, e atuam, de um modo ‘conservador’ (diferentedo tradicionalista) na medida em que se incorporam a uma das fases de desenvolvimento dessa estrutura mental objetiva (emgeral a fase contemporânea) e se conduzem de acordo com a estrutura, simplesmente reproduzindo-a como um todo ou em parte, ou desenvolvendo-a mais, adaptando-a a uma situação concreta particular”. In MANNHEIM, Karl. El PensamientoConservador. In: ______. Ensayos sobre sociologia y psicologia social. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, [198-?].

 p. 108 - 110.2 SKINNER, Quentin. On intellectual history and the history of books. In: ______. Contributions. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1,2005. p. 34. SKINNER, Quentin. Liberdade antes do liberalismo. São Paulo: Unesp, 1999. p. 90.

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que as idéias estão sujeitas” 3. Para Skinner, uma categoria é de suma importância, os Atos

Discursivos ou Atos da Fala, em que a análise da sentença cede lugar à “análise do ato de

 fala, do uso da linguagem em um determinado contexto, com determinada finalidade e de

acordo com certas normas e convenções” 4, categoria teórica que retomaremos mais adiante.

 Nessa direção, Skinner especifica a noção de ‘contexto’, qualificando como

‘linguístico’ ou de linguagem aquele que importa reconstituir historicamente para dar sentido

às proposições da teoria política e social no tempo e destaca o caráter intencional destes Atos

Discursivos, cujo intuito é intervir nesse contexto linguístico. A análise dos discursos,

observando o momento histórico em que floresceram e inseridos num contexto linguístico

onde atuam de forma intencional, consiste, de acordo com o nosso ponto de vista, num

 pressuposto capital para o trabalho proposto. Num primeiro momento duas questões se colocam ao considerarmos o arcabouço

teórico-metodológico e as fontes que pretendemos utilizar. A primeira é a temática trabalhada

 pelo enfoque collingwoodiano: o pensamento político. De uma forma geral, as fontes

estudadas por estes autores são, principalmente, tratados e obras de teor político. Isto posto,

como podemos analisar a obra de Alexandre Herculano dada a grande variedade de formas

discursivas que compreendem a produção literária do autor, como o romance histórico, os

contos, a poesia, a produção historiográfica, dentre outras? Vejamos o que Quentin Skinnernos diz sobre esta questão:

Claro que é um erro supor a reconstituição desta dimensão (onde os autores veiculam suasideias e intervêm intencionalmente num determinado contexto lingüístico através dos atosdiscursivos) só terá interesse quando aplicada a certos gêneros de textos. Essa dimensão está presente em todas as expressões discursivas sérias, quer em verso, quer em prosa, quer em

filosofia, quer em literatura. 5 (grifo nosso). 

A partir deste princípio podemos dizer que a produção intelectual, independente da

forma discursiva empregada, pode ser observada sob os enfoques propostos.

A segunda questão que se coloca consiste no risco que corremos de empobrecer nosso

trabalho ao padronizarmos a análise da obra de Herculano sob o crivo dos enfoques teórico-

metodológicos eleitos, desprezando as especificidades dos discursos literário, historiográfico,

3 SKINNER, Quentin. Significação e compreensão na história das idéias. In ______. Visões da política. Miraflores: DIFEL,2005. p. 123.

4

 JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social: referências preliminares. REVISTABRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS. São Paulo, v. 20, n. 57, 2005. p. 28.

5 SKINNER, Quentin. Interpretação e compreensão dos actos. Discursivos In: ______. Visões da política. Miraflores:DIFEL, 2005. p. 174.

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teatral, etc., e das possibilidades que, dentre outras, o diálogo entre a análise literária e a

História fornecem em nome de uma unidade analítica destas modalidades discursivas.

Ao pressupormos, fundamentados em Skinner, que a produção intelectual de

Alexandre Herculano, como um todo, se presta à análise do pensamento político do autor, não

estamos minimizando as contribuições contidas no diálogo entre os estudos literários e a

História, e sim evidenciando que na obra de Herculano existe um universo de Atos

Discursivos que nos orientam em direção ao objetivo do nosso trabalho: a construção de um

modelo ideal de Rei. As diferentes modalidades discursivas não são ignoradas por nós; tanto

que, a seguir, vamos recorrer a elas para evidenciar as intenções do autor em tela ao empregar

uma determinada modalidade discursiva. Para tal, torna-se necessário definir como vamos

trabalhar com a categoria Intenções, tão cara a Skinner, e de importância capital para o nossotrabalho.

 No artigo Motivos, Intenções e Interpretação, Skinner define as categorias Motivações 

e Intenções, diferenciando-as e estabelecendo prioridades entre elas:

Falar dos motivos de um autor implica, invariavelmente, falar de uma condição que antecedeu – e está relacionada de forma contingente – o nascimento das suas obras. Mas falar dasintenções de um autor tanto pode dizer respeito a um plano ou desígnio para criar um certotipo de obra (a intenção de fazer X) como tratar-se de uma referência, em particular, a uma

determinada obra (o acto de fazer X tem subjacente uma intenção específica). No primeirocaso, tudo indica (como quando falamos acerca dos motivos) que se trata de uma condiçãocontingente que antecedeu o surgimento da obra. Mas no último caso, parece tratar-se de umacaracterística da própria obra. Mais especificamente, parece tratar-se de uma caracterização daobra como personificando um objectivo ou intenção particulares e, nesse sentido, como

 perseguindo um propósito particular.  6 

Conforme o exposto, podemos deduzir que o termo Intenções possui dois sentidos que,

em nosso entender, são complementares:

- O objetivo que o autor almeja ao elaborar uma obra, distinguindo-se de  Motivações, dado que estas antecedem a produção do autor, enquanto que as  Intenções  antecedem a

criação de uma obra específica.

- Um propósito particular (ou propósitos particulares) de uma obra específica.

O propósito de intervir no contexto português e participar da definição dos rumos a

serem tomados por Portugal, manifestado por Alexandre Herculano, pode ser associado a um

dos pontos chaves da argumentação teórica proposta por Skinner, pois o seu objetivo ao

6 SKINNER, Quentin. Motivos, intenções e interpretação. In: ______. Visões da política. Miraflores: DIFEL, 2005. p. 138 -139.

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século XIX somente seriam sanados se fossem restabelecidas as bases da sociedade

medieval14, onde as associações e instituições intermediárias entre o indivíduo e o governo

tais como a família e as comunas tinham grande relevância constituindo-se na “base

adequada do governo”15. 

A valorização da Idade Média como período originário das tradições, costumes e

instituições defendidas pelo Pensamento Conservador constitui-se num ponto convergente

com o Romantismo que surgiu como uma oposição ao racionalismo das Luzes, valorizando

esferas da vida e condutas colocadas em segundo plano pelo racionalismo burguês, reprimidas

“ pela marcha do capitalismo racionalista”. Assim, a comunidade se opõe à sociedade, a

família e a tradição se opõem ao contrato e aos direitos naturais16. Para Nisbet “a união do

romantismo com o conservadorismo baseia-se numa aliança entre os ‘preconceitos’ de Burke, as ‘paixões’ de Madame de Stäel e o Zeitgeist alemão”17.

Uma expressão de Alexandre Herculano reforça os pressupostos românticos e

conservadores ao definir a História como “ciência útil pela sua aplicação às graves questões

que abalam os fundamentos das sociedades moderna”18. A partir desta citação podemos

destacar algumas peculiaridades do ato discursivo História em Herculano, tais como o seu

caráter científico, a sua utilidade ou função e a sua relação ou importância para as sociedades

contemporâneas.

Caráter científico da história

É quase uma unanimidade entre os autores que estudaram a obra de Alexandre

Herculano destacar o cunho pioneiro de sua produção histórica, calcada num arcabouço

teórico e metodológico que fundamentava o caráter científico de sua obra.

O rigor crítico na seleção e análise das fontes foi o ponto de partida para a produçãodo conhecimento histórico do período.

14 NISBET, Robert. Conservantismo. In: BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (Org). História da análise sociológica. Rio:Zahar, 1980. p. 130.

15 Ibidem. p. 138.

16 MANNHEIM, Karl. El pensamiento conservador. In: ______. Ensayos sobre sociologia y psicologia social . Buenos Aires.

Fondo de Cultura Económica, [198?]. p. 100 - 101.17 NISBET, Robert. Conservadorismo. Lisboa: Estampa, 1987. p. 143.

18 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.3. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 225.

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Para Alexandre Herculano, os documentos históricos deveriam ser contemplados com

o máximo rigor crítico externo e interno, sendo considerados a matéria-prima dos estudos

históricos. No Volume I da  História de Portugal , ao debruçar-se sobre a origem da pátria

onde nasceu, Herculano destaca a importância dos documentos e de sua análise criteriosa:

Assim, segundo a época que escolhem para assinalar a instantânea passagem do reino dePortugal do não ser à existência, vêem-se obrigados a rejeitar como falsos ou a desprezartodos os monumentos que se opõem à própria opinião, ao passo que, por sua parte, algunsescritores castelhanos rejeitam ou fingem esquecer os monumentos em que esses outros seestribam. É por este modo que o diploma se tem oposto ao diploma, a crônica à crônica, ainterpretação à interpretação, com uma gravidade e um peso de erudição de que é impossível,às vezes, deixar de sorrir. O historiador, porém, que não se coloca à luz falsa em que um malentendido pundonor nacional pôs os que o precederam, longe de abandonar as fonteshistóricas só porque se contrapõem a uma opinião formada antecipadamente, aceita-as todasquando intrinsecamente puras e deduz delas as suas conclusões. Os que procedem por diverso

modo, não somente avaliam mal esse grande fato da independência, mais ainda, fechando-senum horizonte limitado, atribuem à nação logo no seu berço uma individualidade tão profunda, que se inabilitam para avaliar bem os homens e as coisas, desprezando as soluçõesque ao fato, aliás inexplicáveis, lhes ministraria a história das paixões e dos interesses queentão se agitavam no seio da monarquia leonesa, ligada ainda ao novo estado que se formavano ocidente da Península por mil laços que só gradualmente se podiam quebrar. Assim ossucessos ocorridos em Portugal durante as primeiras décadas do século são quase sempredeterminados pelos acontecimentos comuns da Espanha cristã. É o que até aqui temos visto, e

é o que ainda veremos por alguns anos na prossecução desta narrativa. 19 

A longa citação acima destaca não apenas o rigor crítico a ser aplicado às fontes mas a

valorização destas diante de qualquer pretensão nacionalista. A Nação era o objeto e sujeito

 principal na obra de Herculano, mas os valores nacionais não podiam prevalecer diante da

rigorosa análise documental, pois a História da Nação tinha que estar calcada em fontes

fidedignas e não em manipulações equivocadas desses documentos. Nesta análise crítica, o

auxílio da Diplomática foi fundamental para atestar a veracidade e a credibilidade das fontes

históricas.

Cabe ressaltar que a valorização das fontes não implicava “uma colagem do

testemunho à narração, mas o justo aproveitamento do que realmente interessa para tornar

historiável o documento. O que permite defender que Herculano não se limitou a ‘aplicar’ o

contributo das fontes, mas que soube ‘criar’ as linhas orientadoras do seu pensamento”20.

Em poucas palavras, Herculano formulava suas teorias com base na documentação, porém

não se tornava um mero repetidor das informações contidas nas fontes.

A valorização da crítica documental levou Herculano a questionar um dos mitos

fundadores da Nação Portuguesa, a Batalha de Ourique. A “Questão de Ourique” foi uma das

mais significativas polêmicas envolvendo Alexandre Herculano e diversos setores da

19 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 344 - 345.

20 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Herculano e a consciência do liberalismo português. Lisboa: Bertrand, 1977. p. 106.

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sociedade portuguesa. No Volume I da “História de Portugal” Herculano, ao analisar os

 primeiros anos da monarquia portuguesa, questiona a importância histórica da Batalha de

Ourique, considerando-a como um simples  fossado, incursão militar rápida pelos territórios

inimigos, discutindo o seu valor militar dado o reduzido número de guerreiros almorávidas.

Além de questionar a importância do confronto militar considerado a pedra angular da

monarquia portuguesa mediante a análise de fontes como o Chronicon Lamecense, Chronicon

Conimbrense e a Vita S. Theotonii21, Herculano afirma que:

Discutir todas as fábulas que se prendem à jornada de Ourique fora processo infinito. A daaparição de Cristo ao príncipe antes da batalha estriba-se em um documento tão mal forjado,que o menos instruído aluno de diplomacia o rejeitará como falso ao primeiro aspecto (o quefacilmente poderá qualquer verificar no Arquivo Nacional, onde hoje se acha). Parece, na

verdade, impossível que tão grosseira falsidade servisse de assunto a discussões graves.Quem, todavia, desejar conhecer a impostura desse documento famoso, consulte a Memória

de Fr. Joaquim de Santo Agostinho. 22 

A violenta reação de setores da sociedade portuguesa, principalmente o clero, deu

início à polêmica que levou Herculano a um longo e desgastante confronto com os seus

opositores, que o acusavam de renegar as tradições pátrias, dentre outras injúrias. O registro

desta acesa polêmica verifica-se nos artigos Eu e o Clero, Considerações pacíficas e Solemnia

Verba23. 

Considerando-se alvo de uma conspiração de setores conservadores portugueses,

Alexandre Herculano elaborou a  História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em

 Portugal  objetivando “Chamar a juízo o passado, para vermos, também, aonde nos podem

levar outra vez as tendências da reação”24.

O estatuto jurídico da doação do Condado Portucalense ao Conde Henrique por

Afonso VI de Castela foi outro tema contemplado por Alexandre Herculano. Contrariando a

tese até então vigente nos meios jurídicos portugueses de que Portugal seria o dote de D.

Teresa, Herculano afirma que Afonso VI concedeu o domínio hereditário da província ao

Conde Henrique por ocasião do casamento com a filha ilegítima de Afonso VI a partir da

análise do termo DONAVIT  na Chronica Adephonsi Imperatoris:

21 A crítica e a análise comparativa das fontes sobre a Batalha de Ourique utilizadas por Herculano estão em HERCULANO,Alexandre. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 430 - 437.

22

 Ibidem. p. 658 - 659.23 Reeditadas em Idem. Opúsculos. v.3. 4. ed. Lisboa: Bertrand, [190-].

24 Idem. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América, [198?]. p. 16.v.1.

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A estes raciocínios, fundados em fatos controversos, nenhum argumento, nenhuma autoridadese pode opor senão uma frase do cronista anônimo de Afonso Raimundes, que, falando de D.Teresa, não diretamente, mas por ocasião da guerra de Afonso VII com seu primo AfonsoHenriques, diz: ‘que Afonso VI a casara com o conde Henrique e a dotara magnificamente,dando-lhe a terra portugalense com domínio hereditário’. Este testemunho singular e bastante posterior ao fato provaria, quando muito, que Afonso VI dera a seu genro, em atenção a D.Teresa, o governo de Portugal para si e seus filhos perpetuamente, visto que a hereditariedadeaparece uma ou outra vez nos cargos administrativos. Tal seria, pois, nesse caso a significação

da palavra dote, que então era mui diversa da que hoje lhe damos e correspondia a donatio.  25 

Em ambas as teorias elaboradas por Alexandre Herculano destaca-se a valorização do

acervo documental, rigorosamente criticado e analisado, conforme acima apontado. Apesar de

contestar versões consagradas pela historiografia portuguesa anterior, tidas como elementos

 basilares da identidade nacional, a posição adotada por Herculano, mesmo contestada pela

historiografia posterior 

26

, impõe-se perante as ideias e teorias estabelecidas a priori  em benefício das teses calcadas nas fontes.

Aliadas a crítica documental e a erudição, bases da metodologia empregada por

Herculano, os pressupostos teóricos partem de algumas premissas fundamentais.

Em Cartas sobre a História de Portugal , editada em 1842 e tida como uma nota

 prévia à  História de Portugal , lançada em quatro volumes entre 1846 e 1853, Herculano

apresentou alguns desses pressupostos.

 Na primeira das Cartas Herculano deixa claro o seu programa:

Estas Cartas, se merecerem a approvação de vv. ss., poderão algum dia servir, no que tiveremde bom, se o tiverem, de esclarecimento e notas a uma parte da Historia Portuguesa, como euconcebo que ella se deveria escrever: historia não tanto dos indivíduos como da Nação;historia que não ponha á luz do presente o que se deve ver á luz do passado; historia, emfim,que ligue os elementos diversos que constituem a essência de um povo em qualquer epocha,em vez de ligar um ou dois desses elementos, não com os outros que com elle coexistem, mascom os seus affins na sucessão dos tempos, grudados pelo topos chronologicos com massa de

 papel feita das folhas da ‘Arte de verificar datas’. 27 

A Nação é tida como objeto histórico em detrimento dos indivíduos notáveis, dos reis,

nobres e clérigos. Preocupação essencialmente romântica, a História da Nação ocupa o centro

das atenções de Herculano mas, pergunta-se, qual a definição de Nação para Herculano?

25 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal,t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. t. I. p. 629.

26 Sobre a “Questão de Ourique”, Joaquim Veríssimo Serrão não contesta o valor militar atribuído por Herculano e sim aforma como o historiador encarou uma tradição secular. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Herculano e a Consciência do Liberalismo Português. Lisboa: Bertrand, 1977. p. 113-120. Quanto ao estado atual dos trabalhos sobre o estatuto jurídico da

concessão de Portugal a D. Teresa, ver SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes. História do Direito Português - Fontes de Direito.Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985. p. 79-93.

27 HERCULANO, Alexandre. Cartas sobre a história de Portugal. In:_____. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 37 – 38. v.5.

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intellectual e moral dos seu espírito, dos seus hábitos e costumes, não os conhecemos. E

 porque? Porque esse homem é uma abstração: está separado do seu século. 33 

A crítica de Herculano indica que o estabelecimento de marcos temporais foi

necessário mas não basta para que se conheça a História, pois falta um elemento fundamental:

o  século. Ou, em outros termos, a presença dos fatores sociais que atuaram sobre este

indivíduo, garantindo-lhe existência histórica de fato. A sequência de reis, dinastias, guerras,

indivíduos eminentes, etc. torna-se sem sentido ao deixar de lado o que o autor denomina

 Nação: “(...) toda essa existência complexa de muitos milhares de homens a que se chama

nação devia ter uma influencia immensa, absoluta, naquella existência individual do homem

illustre.”34 

Abstrair a influência da sociedade ou, como quer Herculano, da  Nação  é deixar de

lado a existência histórica do indivíduo. Mesmo sendo defensor ferrenho do individualismo,

Herculano não nega, antes reafirma, o peso da sociedade na formação e na História deste

indivíduo. Sem esta face histórica, o indivíduo pode “(...) representar todas as epochas,

tomar todas as physionomias, nada representa, a nada pertence”35,  ou seja, perde a sua

individualidade.

A ênfase na história da sociedade é reforçada por Herculano quando afirma “ (...)

busquemos a historia da sociedade e deixemos por um pouco a dos indivíduos. (...) a historiados costumes, das instituições, das idéas, é que há de caracterisar os indivíduos ainda

quando quizermos estudar exclusivamente a vida destes (...)”36 

Esta citação, além de reforçar a importância da sociedade na formação do indivíduo e

garantindo-lhe historicidade, deixa claro o significado de História da Sociedade ou História

Social para Herculano, calcado em três bases: costumes, instituições e ideias. Das três bases, o

destaque maior recai sobre o estudo das instituições. No entender de Humberto Baquero

Moreno, a História, para Herculano, “ situa-se fundamentalmente numa perspectiva

33 HERCULANO, Alexandre. Cartas sobre a história de Portugal. In:______. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p.101.v.5.

34 Ibidem. 101 - 102.

35 Ibidem. p. 102.

36 Ibidem. p. 105.

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institucional. Mais propriamente de que história econômica e social, deverá considerar-se

numa história das instituições medievais portuguesas.”37 

História Social, desta forma, é entendida como História das Instituições tendo em vista

que a sociedade, muitas vezes associada quando não tida como sinônimo de nação e

condicionante na formação do indivíduo, tem nas instituições a base da sua organização.

 Na 5ª Carta a preocupação de Herculano é propor e justificar uma nova cronologia da

História de Portugal. Ainda utilizando a proposta de Thierry, Herculano propõe a divisão da

história portuguesa em dois grandes ciclos: a Idade Média e o Renascimento 38.  Conforme

apontou Cândido Beirante, Herculano trabalhava, de fato, com três grandes ciclos. Além dos

 primeiros, acima indicados, há um terceiro ciclo denominado Regeneração39. Ainda segundo

Cândido Beirante a concepção de ciclos históricos adotada por Herculano para propor umanova periodização da história portuguesa é uma contribuição de Vico, que afirmava ser a

história de cada nação dividida em três idades históricas: divina, heroica e humana. Esta

análise tripartite do processo histórico para Vico foi empregada por Herculano ao estabelecer

uma nova periodização para a história nacional portuguesa, cujas etapas foram acima

nomeadas: Idade Média, Renascimento e Regeneração40. 

A Idade Média, primeiro período da história de Portugal, teve início com o início do

 progresso de separação do então Condado Portucalense do reino de Leão na primeira décadado século XII, especificamente a partir da morte de Afonso VI de Leão. É nesse período que

tem início a história portuguesa pois, no entender de Herculano, “tudo o que fica além desta

data pertence, não a nós, mas á Hespanha em geral.”41 

A transição do primeiro para o segundo ciclo se localiza no final do século XV. Para

Herculano “a virilidade da nação portuguesa completou-se nos fins do século XV, e a sua

velhice, a sua decadência como corpo social, devia começar imediatamente”42. Os fatos que

marcam esta transição do apogeu para a decrepitude da nação podem ser resumidos em quatro

37 MORENO, Humberto Baquero. Herculano e a história social e econômica. Academia portuguesas de histórias deHISTÓRIA. Alexandre Herculano a luz do nosso tempo: ciclo de conferências. Lisboa: Academia Portuguesa de História,1977. p. 179.

38 HERCULANO, Alexandre. Cartas sobre a História de Portugal. In:______. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p.128 -129.v.5

39 BEIRANTE, Cândido. Alexandre Herculano: as faces do poliedro. Lisboa: Vega, 1991. p. 91.

40 Ibidem. p. 84.

41 HERCULANO, Alexandre. Cartas sobre a história de Portugal. In:______. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p.129. v.5

42 Ibidem. p. 131.

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representam os interesses diversos das diversas classes – e dizei-nos a que epocha vos

 parecem quadrarem taes caracteres? Indubitavelmente á nossa. 52 

 Historia Magistra Vitae ou  Historia Specullum Vitae? Herculano via desta forma a

Idade Média ou estava projetando retrospectivamente as conflituosas décadas de 1830 e

1840? Sem dúvida! Mas atente-se para a primeira frase da citação: “abstraiamos da quase

constante antinomia entre a vida civil da idade-média e a vida civil actual e consideremo-las

ambas unicamente nas suas tendências políticas”. Herculano tem uma clara noção das

distinções institucionais que regiam as vidas civis dos dois períodos. Afinal, o rigor crítico da

História de Herculano não tolerava esse anacronismo evidente. Contudo o que mais se destaca

nesta longa citação é que o autor aponta ambos os momentos históricos caracterizados pelo

embate entre grupos sociais, a disputa pelo poder por facções políticas, sociais e ideológicas

que buscam sobrepor-se às demais. Enfim, o que o próprio Herculano define como “a

variedade”, a diversidade de interesses tipicamente medieval e que foi sufocada pela

monarquia absoluta53,  levando a nação ao declínio apesar das conquistas ultramarinas, pois

“essas classes que degeneravam e se corrompiam por falta de vida política”54  diante da

unidade política e a anulação da atuação política dos grupos sociais, marcos da transição do

 primeiro para o segundo ciclo, alvos de contestação pela Revolução de 1832-34, que

restabeleceu a pluralidade política no seio da sociedade portuguesa ao extinguir o AntigoRegime renascentista.

A fundamentação para ciclos históricos portugueses não foi a única contribuição do

 pensamento de Vico para a obra de Herculano. A partir destes ciclos, Herculano buscou uma

explicação para a dinâmica da História ou uma filosofia da História, também uma

 preocupação de Vico conforme o próprio Herculano cita, a seguir.

Pressupor a existência de uma filosofia da História na obra de Herculano caracteriza-

se como um ato aparentemente contrário às suas afirmativas. Nas Cartas a Oliveira Martins,Alexandre Herculano afirma que:

A generalização, a síntese, são, em absoluto, cousas excelentes: são a ciência na sua formadefinitiva e aplicável. Mas, para generalizar e sintetizar, é necessário haver que. Ora, ahistória, na significação mais ampla da palavra, ainda não possui elementos suficientes para ageneralização. Desde a paleontologia e a etnografia, até a história das sociedades modernas,há muitos fatos adquiridos indubitável e indisputadamente para a ciência; mas há muitos mais

52 HERCULANO, Alexandre. Cartas sobre a História de Portugal. In:______. Opúsculos. 4. ed., Lisboa: Bertrand, [190-]. p.

141 - 142. v.5.53 Ibidem. p. 144.

54 Ibidem. p. 133.

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número, são manifestações do sentimento de dignidade e liberdade humanas, do princípiosubjetivo ou de consciência. Fatos ambos inegáveis e indestrutíveis, a grande questão social é

equilibrá-los, e não tentar o impossível, pretendendo anular um ou outro. 58 

Elemento causal da História, a luta constante entre o princípio da dignidade, subjetivo,e o princípio da desigualdade, material, evidencia-se em todo fato histórico. Na Vª Carta 

Herculano, já em 1842, esboçava esta teoria ao citar a transição do primeiro para o segundo

ciclo. Ainda não se verifica a presença dos princípios da dignidade e da desigualdade, mas os

grupos sociais e a menção às instituições que as representam estão presentes “(...) o elemento

monarchico foi gradualmente anullando os elementos aristocrático e democrático, ou, para

 falar com mais propriedade, os elementos feudal e municipal (...)”59.

Os elementos aristocrático ou  feudal  estão associados ao princípio da desigualdade,enquanto os elementos democrático e municipal  associam-se ao princípio da dignidade.

Para Herculano o equilíbrio entre os dois princípios (e os elementos que a eles se

associam) era a grande questão, o objetivo principal a ser alcançado. Ambos tinham que

coexistir no interior da sociedade, pois representavam anseios de grupos sociais representados

 por instituições, sendo as disputas entre ambos a parte essencial da dinâmica histórica. Para

que este equilíbrio pudesse ocorrer, estes grupos/elementos/instituições/princípios deveriam

ter atuação política, representação, capacidade de mobilização frente ao Estado. A anulação

 política de ambos, conforme ocorrido a partir do final do século XV com a centralização

 política nas mãos do monarca, não estabeleceu este equilíbrio e sim a subordinação destes

diante do Estado Moderno, paralisando a dinâmica social e histórica ao interromper o embate

entre os dois princípios.

Este ponto de vista não significa que Herculano fosse um defensor da república. Sua

crítica era voltada à monarquia centralizadora, típica do Renascimento, cerceadora da atuação

 política dos grupos sociais e da subordinação das instituições ao Estado centralizado,

desligando-as do seu caráter representativo destes grupos sociais. Conforme foi mencionado

no capítulo anterior e será exposto no capítulo seguinte, a monarquia tinha um papel decisivo

na organização social defendida por Herculano, pautada pelo equilíbrio entre os dois

 princípios.

A Intencionalidade do Ato Discursivo História

58 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.3. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 310 - 311.

59 Idem. Cartas sobre a História de Portugal. In:______. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 132.v.5

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transformações da conjuntura histórica, dialogando com a literatura europeia sem, no entanto,

transferir os modelos estrangeiros, sendo pois uma “necessidade que sentia o gênio de beber

as suas aspirações num mundo de ideias análogas às dos nossos tempos”67, normatizando o

“engenho” do artista para evitar a repetição do “caos” que ocorria no aspecto político da

 produção literária68. Neste sentido, a construção de uma literatura eminentemente nacional,

cuja função é veicular os bons costumes cívicos, segundo a ótica romântica, constituindo-se

num elemento formador da vida civil, amplia o grau de participação política do povo junto ao

Estado Liberal português.

Diante da função social da literatura, para Alexandre Herculano, duas questões se

impõem: O que eram os “bons costumes cívicos” defendidos pelos românticos? Onde se

encontravam? Na ótica do autor, os “bons costumes cívicos” correspondiam ao espírito nacional, às

origens da Nação, a sua História, levada ao público para que dela extraísse exemplos e valores

a serem aplicados no presente, na “regeneração” nacional, como a moral, a religiosidade, as

instituições e costumes. Para Alexandre Herculano, assim como para os demais românticos

 portugueses, a História fornecia o paradigma para a construção da nova sociedade portuguesa,

cabendo à literatura e ao ensino público, outra bandeira do Romantismo, o papel de

divulgadores destes valores. Os valores do passado, fundamentais para a construção do futuro,encontravam-se nas tradições folclóricas populares, desprezadas pelo Classicismo,

constituindo a “alma” ou “índole nacional ”, segundo as palavras de Alexandre Herculano69.

O paradigma para a construção de uma sociedade portuguesa antenada com o

desenvolvimento europeu, de uma “Civilização Liberal” portuguesa, encontrava-se no próprio

 povo, o “grande livro português”, segundo Almeida Garrett, dono de sua vontade política,

sendo necessário que este mesmo povo conhecesse seu passado para exercer plenamente a sua

 própria condução política.A imprensa portuguesa do século XIX foi um grande veículo da literatura romântica e

dos valores por ela transmitidos. Os romances históricos de Herculano foram inicialmente

 publicados como folhetins, em jornais, a exemplo de O Panorama e O Repositório Literário 

67 HERCULANO, Alexandre. Qual é o estado da nossa literatura? Qual é o trilho que hoje ela tem a seguir? In ______.Opúsculos. 2.ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 6 - 7. v.9.

68 Idem. Poesia: imitação, belo e unidade. In: ______. Op. cit. p. 23 – 24.

69 Idem. O bobo. Lisboa: Ulisseia, [198-?]. p. 47.

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que, mesmo após a publicação em livro, foram um sucesso de vendas 70. Assim como outros

nomes de destaque do Primeiro Romantismo português, Alexandre Herculano atuou como

formador de opinião e divulgador de ideias, tendência comum aos românticos europeus. Para

Antônio Saraiva e Oscar Lopes, Alexandre Herculano era um “escritor sintonizado com a

 grande massa do público, dando expressão a aspirações coletivas, sentindo-se condutor da

opinião pública e evidenciando essa posição em seu estilo altissoante e profético”71.

Em síntese, a literatura para Alexandre Herculano consistia num instrumento de

educação para o povo, tornando-se o “mel na borda do vaso para beber o remédio”72. Em

outras palavras, a literatura se tornava atrativa e agradável para o leitor: esse era o objetivo da

missão civilizadora romântica de Herculano.

Alexandre Herculano escreveu três grandes romances, O Bobo (1843), Eurico, oPresbítero (1844) e O Monge de Cister (1848), e uma série de contos reunidos em Lendas e

 Narrativas (1851).

O Bobo

Primeiro romance histórico de Alexandre Herculano, primeiramente publicado nas

 páginas de O Panorama em 1843, O Bobo  é o romance histórico de Herculano que apresentamais clara e completamente a função social da literatura e os valores que buscava veicular

entre a sociedade portuguesa do século XIX, exigindo uma análise mais minuciosa.

O Bobo possui um forte apelo nacionalista, evidente pelo tema da obra: as origens de

Portugal. Nas demais obras romanescas de Alexandre Herculano o nacionalismo manifesta-se

de forma menos evidente. Em  Eurico, a trama se passa durante a invasão moura sobre a

Península Ibérica, retratando a reação dos Visigodos inspirada num “ sentimento nacional ”

ibérico

73

, onde o “Cavaleiro Negro” Eurico tem participação de destaque ao reunir duasvirtudes: o valor militar e a religiosidade cristã. Em “O monge de Cister ”, “romance da

70 Segundo SARAIVA, António José ; LOPES, Oscar. História a literatura portuguesa. 12. ed. Porto: Porto Editora, 1982.  p.720, as oito edições da obra EURICO, de Alexandre Herculano, entre 1844 e 1880, constituem um fato significativo nomercado editorial português, sendo, segundo FRANÇA, José-Augusto. O romantismo em Portugal . 2. ed. Lisboa: Horizonte,1993. p. 133, “um sucesso sem precedentes”.

71 Ibidem. p. 720.

72 SANTOS, Maria de Lourdes C. L. dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa: Presença, 1988. p. 168.

73 Apesar de retratar este sentimento nacional tanto em “Eurico” como em “O bobo”, Alexandre Herculano questiona aexistência deste sentimento nacional, afirmando que o sentido de unidade, principalmente ibérico, dava-se no aspectoreligioso, demonstrando certa ambiguidade neste sentido. Porém, se considerarmos as questões levantadas pelos capítulosanteriores, este nacionalismo se enquadra nos pressupostos ideológicos do autor e do próprio romantismo português.

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época de D. João” publicado em 1848, descreve um momento histórico em que a

interferência de Castela, associada a outros fatores como a sucessão monárquica, levou à

Revolução de Avis. Em “ Lendas e Narrativas”, a descrição dos costumes e de lendas aponta

 para uma identidade portuguesa no campo cultural.

Levando-se em consideração a função da literatura como veículo das tradições

folclóricas populares, da história portuguesa, fornecendo um modelo para a “Regeneração”

nacional, O Bobo  retrata a origem nacional num momento histórico em que os românticos

 buscavam um renascer português, resgatando valores medievais como o surgimento de um

sentimento de identidade comunal e, por sua vez, nacional, fato capital para o estabelecimento

da Monarquia em Portugal, de acordo com a Vª Carta sobre a História de Portugal, de

Alexandre Herculano, conforme visto anteriormente.O tema do romance, a origem de Portugal, coincide com os pressupostos acima na

medida em que narra o início de um período de grandeza nacional, exemplo de grande

significado para uma Nação que tenta reerguer-se de uma etapa de decrepitude, conforme

Alexandre Herculano afirma na Introdução da obra:

Pobres, fracos, humilhados, depois dos tão formosos dias de poderio e renome, que nos restasenão o passado? Lá temos os tesouros dos nossos afectos e contentamentos. Sejam as

memórias da pátria, que tivemos, o anjo de Deus que nos revoque à energia social a aos santosafectos da nacionalidade. 74 

Qual memória mais grata e mais significativa que a origem da Nação, tornada possível

 pelas armas e pela honra portuguesa contra um usurpador “estrangeiro”, que se mostrava

disposto a destruir a obra do Conde Henrique, levada adiante pelo seu filho Afonso

Henriques?

A trama do romance se desenrola no Castelo de Guimarães, na corte da rainha Dª

Teresa, aliada de D. Peres de Trava, Conde galego que caiu nas graças da rainha após a mortedo Conde Henrique e que, segundo a obra, governava Portugal em nome de Dª Teresa. A

aliança entre ambos provocou o rompimento do então Infante Afonso Henriques, filho da

rainha com o Conde Henrique, que passou a reivindicar seus direitos sobre Portugal, iniciando

o conflito que culminou na Batalha de São Mamede, nos arredores de Guimarães, onde o

 partido do príncipe sagrou-se vencedor. O Bobo narra os acontecimentos anteriores a esta

 batalha, como as articulações políticas e militares de D. Peres de Trava e a convocação da

74 HERCULANO, Alexandre. O bobo. Lisboa: Ulisseia, [198-?]. p. 47.

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organização comunal e da importância dos setores mercantis, predominavam privilégios que

restringiam a liberdade individual, ideia motriz do pensamento de Alexandre Herculano, que

defendia uma função conscientizadora da literatura, conforme vimos anteriormente,

denunciando crimes e injustiças contra o povo e criando condições para que este assumia o

comando político. Nesta linha de raciocínio, a representação do discurso e a atuação do truão

D. Bibas destacadas pelo autor se identificam com a atuação do movimento liberal-romântico

 português, atuante em Portugal desde a primeira década do século XIX e onde a imprensa e a

literatura possuíam papel decisivo. Na obra, D. Bibas aponta o caminho para a vitória do

Infante ao indicar a entrada secreta do Castelo de Guimarães. A literatura romântica, em

essência, não tinha a função de apontar um “caminho” para a “regeneração” portuguesa?

Retomando a análise de Bakhtin, o significado figurado de D. Bibas demonstra umarepresentação da atuação política do movimento liberal - romântico na “segunda origem”

 portuguesa, a guerra civil de 1832 -1834, uma “máscara” utilizada pelo autor, integrante do

exército liberal de D. Pedro, com o fim de intervir na trama sem envolver-se pessoalmente,

inserindo na sua representação da origem nacional um personagem presente em sua realidade

histórica, o liberalismo - romantismo.

Eurico, o Presbytero

Romance histórico que narra “os tempos homéricos da Península”82,  a invasão

muçulmana sobre a Península Ibérica e a Reação dos Visigodos, pano de fundo para o

romance impossível de Eurico, guerreiro visigodo que abraçou o hábito religiosos diante da

impossibilidade de casar-se com a nobre Hermengarda.

 Na parte final da obra, Herculano redigiu uma série de notas que descrevem uma

sequência de fatos, instituições e costumes do período visigótico, evidenciando a preocupaçãodo autor em torná-los conhecidos pelo público, fato que remete à preocupação em difundir

conhecimentos históricos.

De acordo com o pensamento de Herculano, este período que antecede em muito o

surgimento de Portugal possui ligação direta com a questão da formação da Nação, tendo em

vista que:

Portugal, porém, nascido recentemente, incluído d’antes no todo das várias sociedades

 peninsulares, fundado em fragmentos do solo das antigas divisões territoriais da Espanhacéltica, púnica e romana, tronco, enfim, arrancado da arvore leonesa, não achava um só  

82 HERCULANO, Alexandre. Eurico, o Presbytero . 34. ed. Lisboa: Bertrand, [19--?]. p. 296.

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 parentesco legítimo e exclusivo nos tempos anteriores aos da conquista goda, ou maisrigorosamente aos da restauração cristã. Podia dizer que também de algum modo se prendiaao passado; mas tecer com verdade e exacção a sua arvore genealógica especial, isto é que lhe

era impossível. 83 

 Neste sentido, a formação da nacionalidade portuguesa está enraizada nas sociedades

 peninsulares da Reconquista Ibérica. Logo, Eurico, o Presbítero remete ao período onde se

encontram os elementos que viriam a forjar a identidade nacional portuguesa.

O Monge de Cister

A trama se desenrola na “ Épocha de D. João I ”, conforme indica o subtítulo da obra,

tendo como núcleo a vingança de Frei Vasco, outrora cavaleiro da Ordem de Avis que, ao

retornar da batalha de Aljubarrota (1385), encontra seu pai morto e sua irmã desonrada.

Então, o cavaleiro abraça o hábito para melhor concluir sua vingança pessoal.

Logo nas páginas iniciais da obra, Alexandre Herculano demonstra a sua preocupação

com a preservação e divulgação do passado nacional:

Mas seja a historia ou novella o fructo dos trabalhos daquelle que conserva o passado, que seapresse! (…) Que se apresse aquelle que quizer guardar alguns fragmentos do passado para as

saudades do futuro; porque a illustração do vapor e do atheismo social ahi vai livelando o quefoi pelo que é, a gloria pela infamia (…) 84 

O romance remete a mais um período de grande significado Nacional, a instituição da

Dinastia de Avis, que ascendeu ao poder frente aos perigo de sujeição do território nacional

frente a um tirano ou força estrangeira.

Apesar de este período não ter sido objeto da produção histórica de Herculano, seu

significado para a Identidade Nacional portuguesa é relevante, tendo em vista que se

considera a instituição da Dinastia de Avis como uma afirmação da soberania nacional frenteao perigo castelhano.

Antônio José Saraiva e Oscar Lopes destacam O Monge de Cister  como uma obra de

grande importância na produção literária de Herculano, pois supre uma lacuna nos estudos

históricos do autor, uma vez que:

à falta de um estudo histórico, constitui uma exposição relativamente completa de ideias deHerculano sobre esta época - a época em que, ao seu ver melhor se exprimira a índole 

83 HERCULANO, Alexandre. História de Portuga, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. t. I. p. 30.

84 Idem. O Monge de Cister . 17. ed., Lisboa: Bertrand, [19--?]. p.9 -10. v.1.

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caros a Herculano, conforme indica a sua retirada para Vale dos Lobos em 186787, a segunda

narra uma experiência pessoal do autor, comum a grande parcela dos soldados liberais que

lutaram no exército de D. Pedro na Guerra Civil de 1832/1834: a amargura do exílio,

 provação que, segundo supomos, era necessária para o amadurecimento político e cultural dos

exilados portugueses e que tiveram participação efetiva na instauração do Estado Liberal

 português.

A Nova Síntese Histórica de Herculano

Retomando a temática das intenções de Herculano no uso do ato discursivo História,

vejamos a segunda intenção citada, criação de uma nova síntese histórica e deslocamento dasíntese anterior.

Para a criação de uma nova História era necessário contestar e desacreditar a tradição

histórica anterior e formular uma nova síntese histórica. A disputa política entre liberais e

tradicionalistas também ocorria no campo das ideias, no contexto linguístico  das primeiras

décadas do Governo Constitucional português, e as polêmicas envolvendo as duas sínteses

históricas, a tradicional e a liberal, reforçam esta afirmativa.

Acima foram mencionadas as críticas que Herculano fez quanto à Batalha de Ourique(1139) como marco fundador da nacionalidade portuguesa e a fundamentação jurídica da

separação de Portugal do Reino de Leão. Nos dois casos Herculano buscou amparo na análise

documental para justificar seu ponto de vista.

A aparição de Cristo para Afonso I antes da Batalha de Ourique, indicando a vitória

das armas cristãs, o grande número de guerreiros mouros e o valor militar e territorial do

embate são os pontos contestados por Herculano à luz da análise documental. O teor religioso

de Ourique, nitidamente inspirada na conversão de Constantino em 312, garantia umachancela mística à independência de Portugal e o legitimava perante as pretensões

hegemônicas de Castela e, posteriormente, de Espanha. Além de justificar a independência de

Portugal, esta visão do fato atribuía uma relevância significativa para o Providencialismo e

 para uma concepção de monarquia fundamentada por este mesmo Providencialismo que,

apesar de ser aceito por Herculano, católico porém anticlerical, tinha que ser manifesto por

meios concretos que fossem passíveis de uma análise racional88. A vitória das armas

87 Sobre a relação entre a vida rural e Alexandre Herculano, ver SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Herculano e a consciência doliberalismo português. Lisboa: Bertrand, 1977. p. 213-253.

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Alumiada pelo clarão do Evangelho triunfante, a idade média, época da fundação dasmodernas sociedades da Europa, oferece no complexo das suas instituições e tendências umcomeço de solução ao problema que o mundo antigo não soubera resolver. Causas diversas prepararam, durante os séculos XIV e XV, o estabelecimento das monarquias absolutas, queimpediram o desenvolvimento lógico daquelas instituições, na verdade bárbaras eincompletas, mas que, apesar de sua imperfeição e rudeza, continham os elementos doequilíbrio entre a desigualdade e a liberdade. Longe de negar ou condenar com cólera infantilas diferenças de inteligência, de força material e de riqueza entre os homens, ou de tentarinutilmente destruí-las, a democracia da idade média, representante do princípio da liberdade,confessava-as, aceitava-as plenamente, aceitava-as até em demasia; mas por isso mesmomostrava instintos admiráveis em organizar-se e premunir-se contra as tendências anti -liberais dessas superioridades. Foram semelhantes instintos que produziram os concelhos ou

comunas. 94 

De acordo com a teoria dos dois princípios criada por Alexandre Herculano, os

Concelhos constituem-se num elemento de equilíbrio no embate entre os princípios de

dignidade e de desigualdade, caracterizando o estágio ideal da sociedade, que foi posto delado pelo processo de centralização ocorrido a partir das Cortes de Évora, onde o equilíbrio

entre os dois princípios foi substituído pela anulação de ambos diante da centralização política

absolutista.

Tendo em vista a função social da História, “ciência útil pela sua aplicação” às

questões sociais, os Concelhos medievais, na visão de Alexandre Herculano, tornam-se a

chave para a solução dos graves acontecimentos que afligem tanto Portugal quanto a Europa

no século XIX, onde o princípio da desigualdade era representado pelas forças sociais e

 políticas tradicionalistas e o princípio da dignidade pelos movimentos populares

democráticos, como a Revolução de Setembro de 1834 em Portugal. Os Concelhos como

 ponto intermediário e de equilíbrio entre o despotismo do indivíduo e a ditadura da maioria,

merecendo lugar de destaque entre os objetos históricos construídos por Herculano, constitui-

se num ato discursivo de primeira grandeza no contexto linguístico contemporâneo ao autor.

Conforme vimos anteriormente, as instituições eram consideradas por Herculano

como a base da organização da sociedade. Desta forma, as instituições municipais devem ser

entendidas como base da sociedade portuguesa medieval, não apenas por estabelecer um

equilíbrio entre os dois princípios, mas por representar um grupo social específico: a classe

média ou terceiro estado. Estudar os concelhos é, para Herculano, estudar a classe média, cujo

 papel na sociedade medieval era relevante, bem como no século XIX.

Pesquisar os Concelhos como instituições representativas da classe média requeria a

análise de documentos históricos que não apenas comprovavam a conexão entre municípios e

terceiro estado, mas descreviam o estabelecimento e a regulamentação dos Concelhos: os

forais.

94 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 313 - 314.

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Assim sendo, estes três objetos históricos relevantes para Herculano, aqui entendidos

também como atos discursivos, Classe Média (grupos social representado), Forais

(instrumentos jurídicos para esta representação) e os Concelhos (instituições que efetivamente

representavam a primeira e eram regulados pelos segundos), não devem ser analisados como

conceitos isolados a sim nas suas interações, sob pena de perdermos de vista a importância

histórica e política atribuída por Herculano a estes atos discursivos e as intenções do autor em

utilizá-los.

2.1.2 Classe média

 Nas primeiras páginas da obra  A Era das Revoluções, Eric Hobsbawn elenca umconjunto de conceitos que foram criados ou adquiriram novos significados a partir das últimas

décadas do século XVIII e da primeira metade do XIX e que servem de referências para o

momento histórico sobre o qual a obra se debruça. Um destes termos é Classe Média, que

mereceu uma nota do tradutor, dada a variedade de significados atribuída pelo autor ao longo

da obra, onde, por vezes, é associada ao grupo social intermediário, localizado entre as

camadas mais ricas e as mais pobres das sociedades, e/ou à burguesia, no todo ou em parte95. 

A esta camada intermediária das sociedades também costumam designar outros

conceitos como Povo, Burguesia, Terceiro Estado, Braço do Povo, dentre vários outros.

A importância do conceito Classe Média  e a sua polissemia foram decorrentes das

 profundas transformações ocorridas no período destacado. Da árdua transição dos governos

fundados no binômio Trono-Altar para os governos representativos; dos ordenamentos

 jurídicos calcados nas Coroas para os fundamentos legais fundados nas Cartas

Constitucionais; da sociedade que se pretende tripartite e estamental para uma sociedade

 plural e dividida em classes e, por fim, nos embates entre as modalidades de voto, censitária

ou universal, que tiveram lugar por ocasião da vitória dos grupos liberais, a Classe Média e os

termos correlatos estiveram presentes nos discursos e embates políticos em que, de acordo

com as diferentes concepções da dinâmica social, a Classe Média era tida ora como próxima

aos grupos sociais dominantes ora prestes a ser absorvida pelas camadas sociais inferiores96.

Para Alexandre Herculano a Classe Média não era apenas grupo social intermediário e

de onde teve origem. “ Burguês dos quatro costados, liberal ferrenho e proprietário, ainda

95

 HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra. 2009. p. 19 - 20.96 SANTOS, M. de Lourdes Costa Lima dos. Intelectuais portugueses na primeira metade de oitocentos. Lisboa: Presença,1988. p. 55.

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que pequeno”97, Herculano entendia a Classe Média como o principal grupo social, a ponto de

elegê-lo como ato discursivo.

Borges Coelho realça a presença da Classe Média na historiografia de Alexandre

Herculano, resultado de uma História Social específica, já que era representada pelas

instituições concelhias, e “(...) a classe média torna-se o herói político de Herculano onde

quer que ela se encontre: no Império Romano ou ressuscitado como Lázaro do túmulo ao

 sopro da liberdade do município medieval”98. 

A Classe Média é associada à concepção de  povo, termo caro aos românticos

 portugueses. Especificamente em Herculano, o  povo  consiste nos pequenos proprietários

urbanos e rurais99, grupo social que consistia no pilar da nova ordem liberal portuguesa100. Na

definição de Herculano para  povo a questão da propriedade é central, pois, em conjunto como trabalho, define este grupo social:

Pour moi, le peuple est quelque chose de grave, de intelligent, de laborieux; ce sont ceux qui possèdent et qui travaillent, despuis l´humble métayer, ou le laboureur de sonpropre champ, jusqu’au grand propriétaire; despuis de lê colporteur et lê boutiquier jusqu’au marchand em

gros; despuis l’homme de métier jusqu’au fabricant. 101 

A definição de Classe Média,  povo  e burguesia  como aqueles que possuem e que

trabalham está associada aos valores do Romantismo. Segundo Antônio Saraiva e OscarLopes, o Romantismo português possuía um compromisso ideológico: Era “antifeudal ” e

 propunha a Classe Média proprietária como base das instituições102. Pressupomos que o

caráter “antifeudal ” mencionado por Saraiva e Lopes corresponde à base senhorial da

Monarquia Absolutista, considerada como um obstáculo para o desenvolvimento português e

até mesmo um elemento inibidor da liberdade econômica, defendida pelos liberais

românticos. Em Herculano, a abolição dos direitos senhoriais por Mouzinho da Silveira em

1832 significou uma genuína revolução social em Portugal103

. Esta medida, na óticaromântica, possibilitaria a ampliação do número de proprietários e consequentemente uma

97 MARTINS, Oliveira. Alexandre Herculano. Lisboa: Horizonte. [198-?]. p. 121.

98 COELHO, Antônio Borges. Questionar a História. 2. ed. Lisboa: Caminho. 1983. p. 252.

99 HERCULANO, Alexandre. Da instituição das caixas econômicas. In: ______. Opúsculos. 5.ed. Lisboa: Bertrand, 1907. p.151-187.v.1.

100 SARAIVA, Antônio José & LOPES, Oscar.  História da literatura portuguesa. 12.ed. Porto: Porto Editora, 1982,  p. 720.

101

 HERCULANO, Alexandre. Mousinho da Silveira. In: ______. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, 1907. p. 193 - 194. v.2.102 SARAIVA, Antônio José ; LOPES, Oscar. Op. cit. p. 720.

103 HERCULANO, Alexandre. Mousinho da Silveira. In: ______. Opúsculos. 4. ed. Lisboa: Bertrand, 1907. p. 167-217.v.7.

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deveria ser feito pelos bancos municipais118. A dicotomia entre capital e trabalho, causada

 pela má distribuição da propriedade e da inserção do maquinismo na produção119,  seria

equacionada pela difusão da propriedade entre os trabalhadores. A proposta de difusão da

 propriedade seja através do incentivo à poupança ou através da enfiteuse era entendida como

uma segunda etapa da nacionalização dos bens eclesiásticos de 1834, já que a proposta inicial

de Mouzinho da Silveira era abolir os direitos feudo-senhoriais que incidiam sobre as

 propriedades, possibilitar o aumento da produtividade agrícola e alavancar a economia

nacional. Era necessário retomar esta proposta, esquecida quando os bens nacionais  foram

transferidos para aliados do regime liberal e, por isso, mantendo a concentração fundiária e a

falta de investimentos no setor. A proposta de Herculano buscava retomar a proposta inicial

de Mousinho da Silveira e buscava evitar a dicotomia entre capital e trabalho, que resultavaem condições de vida degradantes para o trabalhador e o impedia de acumular recursos e ter

acesso à propriedade, mantendo-o na miséria e impossibilitando a sua ascensão social.

A preocupação de Herculano em ampliar a Classe Média, defender os seus direitos e

garanti-la como base das instituições está inserida no conjunto de propostas reformistas que,

em linhas gerais, pode ser observada desde o Período Pombalino. Segundo Magalhães

Godinho, “às sociedades que não fizeram as revoluções industriais, que por ela não foram

modeladas mesmo se integram algumas infiltrações, põe-se o problema de recuperar talatraso e de conseguir entrar a pleno na nova era humana que se avizinha”120.

O atraso português em relação à Europa era o motivo de preocupação dos intelectuais

 portugueses. Possibilitar que Portugal superasse o “cadaveroso reino”, expressão cunhada por

Ribeiro Sanches para se referir às disparidades entre Portugal e a Europa121,  era uma

necessidade urgente e foi objeto de reflexão de diversos intelectuais portugueses do século

XVIII122 até meados do século XX123.

118 Um exemplo de banco municipal foi a Caixa de Socorros Agrícolas, proposta pela Câmara Municipal de Belém, então presidida por Herculano em 1851. Cf. HERCULANO, Alexandre. Da instituição das caixas económicas In ______.Opúsculos. 5. ed. Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 192. v.1..

119 Ibidem. p. 202.

120 GODINHO, Vitorino Magalhães.  Estrutura da antiga sociedade portuguesa. 2.ed. Lisboa: Arcadia, 1975. p. 118.

121 BEIRANTE, Cândido. A ideologia de Herculano. Santarém: Edição da Junta Distrital, 1977. p. 44 .FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993. p. 202.

122 Não é nossa pretensão discutir as propostas reformistas dos séculos XVIII ao XX e sim traçar um rápido panorama ondeas ideias de Herculano se inserem. Sobre as propostas reformistas desse período CARVALHO, Flávio Rey de. Umiluminismo português? São Paulo: Annablume, 2008. oferece uma visão mais atualizada sobre o tema.

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A estrutura econômica portuguesa por ocasião do estabelecimento do Estado Liberal

era pouco desenvolvida e estava em franca defasagem em comparação aos países da Europa

Ocidental124,  tendo a agricultura baixa produtividade, o comércio em crise desde a

independência do Brasil e a indústria praticamente inexistente. A concentração fundiária e a

imposição de direitos senhoriais sobre as propriedades tais como os morgadios e vínculos,

dificultava o investimento no campo e a “ promoção social das grandes massas”125. Os

entraves e o atraso econômico e social português justificavam a afirmativa de Oliveira

Martins para quem “a falta de uma base social sobre que levantar o edifício

representativo”126 emperrava os esforços para estabelecer o Estado Liberal dada a incipiência

do grupo social que lhe garantiria sustentação, a Classe Média. E daí a necessidade de criar

condições para a ampliação e fortalecimento deste grupo que, de acordo com Herculano, seria possível através das medidas acima descritas e justificada pelo resgate do passado glorioso

deste grupo e de suas instituições representativas.

O herói-Classe Média de Herculano, citado por Borges Coelho, possui um passado

glorioso, defensor das liberdades e do Reino português num período crítico de sua existência.

Segundo Joel Serrão, “(...) o mérito incontestável de Herculano consistiu em, de acordo com

as directrizes da melhor história do seu tempo europeu, ter delineado uma prospecção das

origens do Terceiro Estado português”127

. Braço armado, amparo político, sustentáculo econômico que por fim foram sufocados

a partir de D. João II quando deixou de ter voz política após as Cortes de 1481. Para

Herculano, a Classe Média deve ser reconstruída através de um aparato histórico com base em

em critérios científicos, atentando-se para as instituições que garantiam a sua atuação política

e promoviam o equilíbrio entre os demais grupos sociais, os Concelhos e os Forais. E a partir

desta reconstrução a Classe Média e as instituições que a representam formam os alicerces da

 Nação e de sua regeneração. Estava nas mãos da Classe Média construir o futuro através dosmeios necessários, cujas atribuições encontravam-se nos Concelhos e nos Forais.

123 Não podemos deixar de destacar as críticas feitas ao atraso português feitas por Antero de Quental na sua conferênciaCausas sobre a Decadência dos Povos peninsulares nos Últimos Três Séculos de 1871. Sobre os intelectuais que sededicaram a esta temática no século XX, ver FALCON, Francisco José Calazans. Op. cit. p. 202 et seq.

124 Sobre esta defasagem econômica e tecnológica, ver BEIRANTE, Cândido. A ideologia de Herculano. Santarém: Ediçãoda Junta Distrital, 1977. p. 44.

125 Ibidem. p. 44.

126 Apud GODINHO, Vitorino Magalhães.  Estrutura da antiga sociedade portuguesa. 2. ed. Lisboa: Arcadia, 1975. p. 151.

127 SERRÃO, Joel. Para uma perspectiva da historiografia portuguesa contemporânea (1800/1940). In: MARTINS, Oliveira. Alexandre Herculano. Lisboa: Horizonte, [198-?]. p. 15.

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2.1.3 Concelhos

Os municípios portugueses têm uma função-chave no pensamento político de

Herculano. Conforme vimos acima, os Concelhos eram responsáveis pelo equilíbrio entre os

dois princípios, da desigualdade e da dignidade, que regiam o processo histórico concebido

 por Herculano. Para o autor, o estágio ideal, marcado pelo equilíbrio entre ambos os

 princípios, correu no Medievo e teve no Concelho a instituição que avalizava este equilíbrio.

Para retomar este objetivo dos municípios medievais portugueses no século XIX, era

necessário observar as condições históricas contemporâneas a Herculano e por ele descritas. O

estabelecimento das constituições portuguesas garantiu a resolução de diversos problemas,como a organização política, a distribuição de poderes, a representatividade, etc., mas não

equacionava um grave problema: a formação de uma oligarquia após o advento liberal que

 passou a controlar o Estado a partir da centralização administrativa em substituição aos

grupos que monopolizavam o poder durante o Antigo Regime, usufruindo as benesses

oferecidas pelo novo Estado em prejuízo da maioria da sociedade. O exercício da liberdade

individual e as conquistadas efetivadas pelas constituições encontravam-se, portanto,

ameaçadas pela hegemonia destas oligarquias surgidas com o Estado Liberal. Omunicipalismo seria a solução para este impasse, pois era uma das formas do governo

representativo tornar-se realidade, quebrando o monopólio das oligarquias liberais sobre o

Estado e dificultando o estabelecimento da democracia, o “despotismo das multidões”, outra

ameaça à liberdade individual preconizada pelo autor.

A defesa dos Concelhos como instituições moderadores da vida política e social pode

ser associada ao Conservadorismo, pois o resgate dos municípios medievais portugueses e de

suas atribuições constitui-se no restabelecimento de uma tradição relegada a segundo plano nofinal do século XV, em benefício da centralização absolutista. Outro fato que associa a

retomada dos concelhos na ótica conservadora é a questão da liberdade e da igualdade.

Liberdade e igualdade são conceitos que foram trabalhados pelo Conservadorismo como

incompatíveis, pois a liberdade associa-se à proteção do indivíduo e da propriedade material e

imaterial da família, enquanto a igualdade é a repartição dos bens materiais e imateriais de

uma sociedade de forma equânime com o intuito de corrigir uma desigualdade anterior à

distribuição destes bens128.  Neste sentido, a liberdade garante a defesa da propriedade

128 NISBET, Robert. Conservadorismo. Lisboa: Estampa, 1987. p. 83.

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individual e/ou familiar e consequentemente anula a redistribuição dos bens que caracteriza a

igualdade. Para a liberdade existir, as distinções sociais e a hierarquia são fundamentais posto

que fundadas na propriedade e a redistribuição desta, condição fundamental da igualdade,

 jogaria por terra não só a liberdade mas toda a ordem social. Para o Conservadorismo, a única

igualdade possível é a igualdade legal sendo as demais formas “uma igualdade em servidão e

aborrecimento”129. 

Seguindo esta linha de raciocínio, a democracia era criticada por Herculano por criar

condições para o estabelecimento da ditadura da maioria em detrimento da liberdade

individual, acompanhando as críticas à democracia feitas por Burke, que foram aprofundadas

 por Alexis de Tocqueville (1805-1859), o qual via a democracia como possível apenas nos

Estados Unidos dada a sua tradição histórica. Ao trabalhar o pensamento político deHerculano, Joaquim Barradas de Carvalho destaca que a distinção entre liberalismo e

democracia é fundamental para a compreensão do pensamento político do autor. Ainda

segundo Barradas de Carvalho, “a confiança ou a falta de confiança nas massas populares

 parece-nos ser aquilo que, no fundo, separa o democrata do liberal ”130 e que Herculano vê as

massas populares como desprovidas de preparo para o exercício da vida política e que apenas

a Classe média teria condições para tal131 e para garantir o exercício do poder por este grupo

tornava-se necessário restabelecer as características dos municípios medievais portugueses:

Em nosso entender, a história dos Concelhos é em Portugal, bem como no resto da Espanha,um estudo importante, uma lição altamente profícua para o futuro; porque estamosintimamente persuadidos de que, depois de longo combater e de dolorosas experiências políticas, a Europa há de chegar a reconhecer que o único meio de destruir as dificuldades dasituação que a afligem, de remover a opressão do capital sobre o trabalho, questão suprema aque todas as outras nos parecem subordinadas, é o que restaura, em harmonia com a ilustraçãodo século, as instituições municipais, aperfeiçoadas sim, mas acordes na sua índole, nos seus

elementos com as da idade média. 132 

A citação reforça a importância dos Concelhos para Herculano como objeto histórico eato discursivo. Herculano defendia o restabelecimento do municipalismo adaptado ao

momento histórico, porém em sintonia com a índole dos Concelhos medievais, ou seja, como

 ponto de equilíbrio e moderação entre os grupos sociais e políticos representados pelos dois

129 KIRK, Russell. The conservative mind . 7.ed. Washington DC: Regnery Publishing, 2001. p. 9.

130 CARVALHO, Joaquim Barradas de. As idéias políticas e sociais de Alexandre Herculano. 2.ed. Lisboa: Seara Nova,1971. p. 27. A distinção feita pelo autor entre democratas e liberais é trabalhada por nós como uma das distinções entre

liberais progressistas e liberais conservadores.131 Ibidem. p. 30-33.

132 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 313 - 314.

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comuns que os forais da segunda espécie. Geralmente os forais das povoações reguengas,

localizadas em terras da Coroa, pertencem a esta espécie.

4.   Não pertencem a nenhuma das espécies anteriores, mas correspondem a uma “mistura” de

todas. É “destinado a remover a desordem nascida da má organização anterior”144. Não

são raros.

Em seu estudo, Herculano prioriza a primeira categoria dos Forais, alegando que as

“Cartas de Comuna” organizavam a “classe popular”, dando-lhe existência política e

convertendo-a num elemento social, sendo estas consideradas como a origem da “árvore

robusta da liberdade” do século XIX145. 

O autor destaca que a natureza dos referidos forais, as Cartas de Povoação, consiste nos

seguintes fatores:1) Necessidade de reconstruir e repovoar o território após as guerras de Reconquista,

sendo iniciativa do Rei a instituição dos Concelhos mediante forais 146

2) Necessidade de apoio político ao Rei contra a Nobreza Fidalga e o Alto Clero. O

apoio do “povo” ao Rei consistia numa oposição à opressão senhorial e clerical enquanto que

os Concelhos serviam de amparo político ao Rei para sujeitar os grupos acima citados. A

Aliança Rei - Povo “era ao menos um instinto (…) que as lutas com o Alto Clero e as

resistências da fidalguia deviam todos os dias despertar”147

. Um exemplo dado pelohistoriador foi a postura de Afonso III ao assumir o trono português que, levado ao poder

 pelo Alto Clero, queria livrar-se do controle eclesiástico, ampliando Afonso o número de

Concelhos. Segundo o autor, Afonso III vivenciou esta experiência com as revoltas

 burguesas na Borgonha.

3) A questão fazendária foi um outro dado significativo para o estabelecimento destes

forais concelhios. Para Herculano, as propriedades da Aristocracia e do Clero deixaram de

ser fonte de renda da fazenda pública rapidamente, pois eram convertidas em PRÉSTAMOS(PRESTIMONIUM, APRESTAMO) e entregues à Nobreza Fidalga e ao Alto Clero, seja por

questões militares, políticas ou religiosas. Em virtude disso, houve uma diminuição

considerável das “rendas públicas”, servindo os municípios como fonte de renda para a

Tesouro, através de seus impostos, muitas vezes destinados ao pagamento das Optimas

144 HERCULANO, Alexandre. Apontamentos para a história dos bens da coroa e dos forais. In:______. Opúsculos. 3.ed.Lisboa: Bertrand, [190-]. p. 203. v.6.

145

 Ibidem. p. 236.146 Ibidem. p. 216 - 217.

147 Ibidem. p. 213.

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merecedor de respeito. Foi de D. Pedro IV que emanou a Carta, “uma concessão de senhor,

uma concessão do monarca. Herculano vê como garantia dos direitos do indivíduo, como

 garantia da liberdade, uma entidade estranha ao povo”152. A liberdade individual era

garantida por vontade do monarca e não pela vontade da sociedade como um todo. Desta

feita, não seria legítimo afirmar que o equilíbrio e a liberdade garantidos pelos Concelhos,

amparados pelos forais e representando os anseios da Classe Média, emanava do monarca? E

este monarca, com tamanha atribuição, não poderia ser classificado como um tirano

individual que tolhe as vontades dos outros indivíduos? Ou existe um outro modelo de

monarca idealizado por Herculano?

- Apesar de ter proposto uma nova periodização para a História de Portugal com base

numa história social e das instituições nas Cartas sobre a História de Portugal , Herculanonão deixou de lado a cronologia tradicional, organizada de acordo com os reinados na

 História de Portugal . Manteve a proposta de priorizar a história social, mas a divisão dos três

 primeiros volumes da  História de Portugal   segue as datas dos reinados portugueses. Em

 História da Origem e do Estabelecimento da Inquisição em Portugal , os critérios

cronológicos também foram mantidos. A manutenção dos reinados como marcos

cronológicos não seria uma forma de indicar que a monarquia ainda era uma referência

 política (e consequentemente histórica) positiva (no caso da História de Portugal ) ou negativa(com relação a História da Origem e do Estabelecimento da Inquisição em Portugal) no seu

 pensamento?

- Ao analisar os forais, Herculano afirma taxativamente que a criação destes era uma

 prerrogativa exclusiva do rei:

O verdadeiro Foral, a Carta de comuna que fazia existir o Concelho como entidade política, partia do Rei. Só dele podia partir. Fosse quem quer que fosse o promulgador do foral, chameele até no preâmbulo do diploma ao território do Concelho instituído propriedade sua ( MEAHEREDITATEM ), esse homem não era mais que um representante do príncipe; exercitavaapenas uma delegação. 

153 

- Na introdução da terceira edição do Volume I de  História de Portugal , Alexandre

Herculano externou a sua gratidão ao rei D. Fernando pelo emprego de real bibliotecário da

Ajuda e das Necessidades e, como retribuição, propôs-se a orientar os caminhos políticos do

152

 CARVALHO, Joaquim Barradas de.  As idéias políticas e sociais de Alexandre Herculano. 2.ed. Lisboa: Seara Nova,1971. p. 41.

153 HERCULANO, Alexandre. Apontamentos para a história dos bens da coroa e forais. In: ______. Opúsculos. 3.ed. Lisboa:Bertrand, [190-]. p. 216- 217.v.6.

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3 OS MONARCAS PORTUGUESES COMO MODELO 

3.1 Os reis na obra de Alexandre Herculano

Vimos no capítulo anterior a importância da monarquia no pensamento político de

Alexandre Herculano como “chave de toda a organização política”. Portanto, torna-se

necessário que busquemos como Herculano construiu historicamente os reis portugueses, ao

longo da sua vasta produção intelectual.

Iniciaremos nossa análise estabelecendo algumas distinções entre os reis portugueses

na produção histórica e na produção literária, pois pressupomos que a construção dos

monarcas seguem diferentes critérios nas obras enquadradas nestes universos.Apesar de utilizarmos alguns dos romances e contos de Herculano, demos prioridade

às obras de caráter histórico, privilegiando  História de Portugal e  História da Origem e

 Estabelecimento da Inquisição em Portugal 1, em nosso estudo, pois nestas obras a construção

dos reis como objetos históricos possui contornos mais detalhados, apesar de na  História da

Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal a prioridade de Herculano residir no

 processo de estabelecimento da Inquisição em Portugal. A eleição das duas obras também se

 justifica pela conexão existente entre ambas. Lembremos que a  História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal surgiu como uma resposta às ofensas sofridas

 pelo autor por ocasião da polêmica Questão de Ourique, suscitada após a publicação do Tomo

I da História de Portugal . Na abordagem que utilizamos para observar a construção dos reis

 portugueses nestas obras a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal

é considerada simultaneamente um complemento e uma antítese da  História de Portugal . Se

nesta o objetivo declarado é fornecer subsídios ao Príncipe herdeiro D. Pedro, futuro Pedro V,

 para que ele fizesse um bom governo

2

, naquela a proposta era “Chamar a juízo o passado, para vermos, também, aonde nos podem levar outra vez as tendências da reação”3. Estes

objetivos, entendemos, completam-se, pois a  História da Origem e Estabelecimento da

 Inquisição em Portugal e sua longa lista de equívocos cometidos pelos monarcas portugueses

listados pode indicar a D. Pedro V quais caminhos e escolhas políticas evitar assim como a

1

 Sobre a importância destas obras, Cf. p.23 et seq.2 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal,t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 3.

3 Idem. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América, [198-?]. p. 16.v.1.

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monarcas e sim de questões pontuais ou conjunturais debatidas pelo autor nas páginas dos

 periódicos em que trabalhou.

Os reis de Portugal estão presentes ou são mencionados em diversas obras literárias de

Herculano. Afonso I, no romance O Bobo, na lenda O Bispo Negro, nos contos Castelo de

 Faria e A Morte do Lidador ; D. João I, no romance O Monge de Cister  e no conto A Abóbada 

e D. Fernando, no conto  Arras por Foro de Espanha. Outros reis são mencionados, porém

como referências temporais, quando o autor se refere a um momento do passado na trama, ou

espaciais, quando a referência é sobre um monumento ou um espaço físico.

 Nessas passagens e menções das obras literárias de Herculano percebemos que os reis,

mesmo aqueles que aparecem como figuras principais ou de menção constante, foram

construídos como personagens romanescos, que apesar de possuírem elementos históricos nasua composição, seguem papéis e possuem atribuições que obedecem à lógica da construção

literária e não há uma preocupação de buscar um rigor histórico, a exemplo do que acontece

nas obras históricas do autor.

O Infante Afonso Henriques, em O Bobo, é constantemente citado, mas pouco aparece

no desenrolar do romance, sendo, aparentemente, mais um marco temporal do que um

 personagem e as menções ao futuro rei de Portugal seguem a lógica estabelecida por

Herculano na trama, ou seja, o processo de independência de Portugal. Portanto, AfonsoHenriques é mencionado como um predestinado a livrar sua nação das garras leonesas,

demonstrando desde a tenra idade sua vocação soberana. A menção a Afonso I nos contos A

 Morte do Lidador  e O Castelo de Faria tem a função de estabelecer uma referência temporal

e social, ao indicar a relação dos personagens principais com o monarca. A única exceção é a

lenda coligida por Herculano, O Bispo Negro, onde o Infante português é retratado como um

impulsivo defensor da nacionalidade recém-nascida contra as pretensões do clero de limitar o

 poder do Infante. Apesar de ser o personagem central da trama, ao contrário do que acontecenas obras anteriores, em que Afonso I é uma espécie de figura onipresente, porém sem

 presença física, Afonso Henriques segue as normas do herói romântico: impulsivo, defensor

de uma causa nobre e disposto a pagar caro pela defesa de um ideal, mesmo que seja com a

 própria alma. Herculano fez uma ressalva sobre a ocorrência dos fatos narrados em O Bispo

 Negro, mas trataremos desta questão e os motivos para a seleção desta lenda, mais adiante.

D. João I apareceu como marco temporal no subtítulo de O Monge de Cister, A

 Épocha de D. João e como personagem nesta obra e no conto A Abóbada, em rápidas e curtas

intervenções, quase como personagens de suporte para a trama principal e como garantia de

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independência política, D. Afonso tomara do altar a armadura e a si próprio se fizera

cavaleiro”7, antecipando a sua destreza e empenho da defesa na Nação:

 Na idade de pouco mais de vinte e um anos, dotado de génio belicoso e destro nas armas,Afonso Henriques estava talhado para desenvolver largamente a ideia da nacionalidade

 portuguesa, ideia que amadurecera e se radicara nos ânimos de modo indestrutível.8 

A manutenção da independência conquistada em 1128 era uma tarefa árdua, pois o

reino recém-independente tinha vizinhos poderosos e ameaçadores. Ao norte e leste os reinos

ibéricos e ao sul os sarracenos ameaçavam tanto a independência quanto a integridade

territorial. Lembremos que o território era um dos elementos que Herculano destacava como

aquele que confere unidade à Nação, sendo, portanto, fundamental a manutenção e posteriorexpansão das fronteiras do antigo Condado ora transformado em reino9. Afonso Henriques

tinha “energia e os esforços necessários para resistir a tão perigosos vizinhos”10.

A ameaça representada pelos sarracenos caracterizava-se pelo perigo de constantes

embates da Reconquista Ibérica e as fronteiras ao sul eram uma área de conflitos constantes e,

 portanto, não totalmente definidas. Quanto aos reinos ibéricos, a questão não se limitava

apenas aos limites fronteiriços. O antigo Condado Portucalense fazia parte do Reino de Leão,

recentemente unificado a Castela por Afonso VII, primo de Afonso Henriques. Afonso VII de

Leão e Castela era um adversário de peso para as pretensões emancipacionistas do seu primo.

Reconhecido como Imperador pelo Papa, Afonso VII tinha a pretensão de unificar os reinos

ibéricos e avançar os limites cristãos para o sul da Península. Apoiado pela Igreja, senhor de

vários reinos e detentor de considerável aparato militar, Afonso VII era um forte opositor da

independência portuguesa11. Mesmo diante de tão formidável aparato, Afonso I manteve-se

irredutível na defesa da independência: “na corte do imperador ninguém o viu nunca; nas

assembleias políticas da monarquia de Afonso VII, onde se reuniam os reis e nobres vassalos

do ‘Imperador das Espanhas’) o seu lugar está sempre vazio”12. O empenho do filho do

Conde Henrique levou, no entender de Herculano, o poderoso Imperador a reconhecer a

independência portuguesa:

7 HERCULANO, Alexandre. O bobo. Lisboa: Ulissea, [198-?]. p. 62.

8 Idem. História de Portugal,t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 405.

9 Ibidem. p. 42.

10

 Ibidem. p. 406.11 Ibidem. p. 410 - 411.

12 Ibidem. p. 445.

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(...) o orgulhoso Afonso VII, que não pode consentir a independência de Aragão e, de certomodo, de Navarra, tomando o titulo de senhor de Naxera; Afonso VII, que inclui naenumeração dos seus domínios esses países, ainda quando os naturais lhe disputam o senhorio

deles, nem uma só vez se intitula dominador de Portugal

13.

 

Contudo, a independência e o reconhecimento de Afonso I como rei de Portugal por

Afonso VII tiveram uma contrapartida por exigência do Imperador, conforme veremos

adiante.

A consolidação da independência portuguesa, a manutenção e a posterior expansão do

território por Afonso I foi, para Herculano, resultado das suas virtudes militares do primeiro

rei de Portugal. O gênio militar de Afonso Henriques foi mencionado em inúmeras ocasiões

em que o reconhecimento das suas capacidades bélicas pelos seus oponentes é destacado:

“(...)Afonso I, cujo pensamento quase exclusivo de toda a vida foi o das guerras e conquistas,

e cujo valor e constância lhe granjearam entre cristãos e sarracenos a reputação de um dos

 príncipes do seu tempo mais empreendedores e pertinazes”14.

A conquista de Lisboa em 1147 demonstra o “empreendedorismo” e a “pertinácia” de

Afonso I. Aproveitando a presença de guerreiros do norte da Europa, que estavam em portos

 portugueses a caminho da Terra Santa, Afonso I pediu o seu auxílio para a tomada da futura

capital do reino e conseguiu, ao longo do tempo que durou o cerco, evitar a debandada dastropas cruzadas e negociar a rendição dos sitiados15.  Além da conquista de Lisboa, as

incursões de Afonso I no território sarraceno, no Gharb  (Sul de Portugal e posteriormente

renomeado como Algarves), sejam fossados como na mítica Batalha de Ourique ou cercos e

conquistas efetivos como em Alcácer do Sal em 1158, difundiram a reputação de Afonso I, o

temível Ibn Erik  para os sarracenos, como exemplo de líder e guerreiro16:

a reputação militar de Afonso I excedia a de todos os príncipes da Espanha cristã pelo brilhodas vitórias e pela rapidez das conquistas. No vigor da idade, tendo visto realizarem-se unsapós outros quase todos os seus intentos, este homem, cujo nome aparece na história da lentaagonia do islamismo espanhol como um anjo de extermínio, devia ter profunda confiança na

sua fortuna.17

13 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 445.

14 Ibidem. p. 471.

15

 Ibidem. p. 519 et. seq.16 Ibidem. p. 533 - 543.

17 Ibidem. p. 543.

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Ibérica, uma das áreas de embate entre a Cristandade e o Islã, as determinações do Papa

tinham um peso significativo na vida política dos reinos ibéricos e a divisão política ibérica

era entendida pelos papas como uma fraqueza diante do infiel, também dividido em taifas, ou

dependente de dirigentes norte-africanos.

Buscando reconhecimento do novo reino e da nova monarquia pela Igreja, Afonso I

cometeu um grande equívoco ao submeter Portugal à Santa Sé como censual, tornando o novo

reino um vassalo do Papa e comprometendo-se a pagar anualmente uma vultosa quantia em

ouro, “esquecendo-se do preço por que haviam de comprar no futuro essa sanção do chefe

visível da Igreja”21. Ocorrida quase que simultaneamente à Conferência de Zamora, Afonso I

garantia o reconhecimento espiritual da independência portuguesa.

Contudo uma questão continuava dependente: o reconhecimento do título real aAfonso I. A homenagem de Afonso I à Santa Sé, enfeudando Portugal, concluiu e legitimou a

separação de Leão, mas deixou indefinida a “questão da monarquia”, pois o presumível rei de

Portugal, Afonso I, era “Súbdito do príncipe da Igreja, ( e ) a este pertencia confirmar-lhe a

dignidade real ”22. O Reconhecimento formal do título de rei pela Santa Sé ocorreu em 1179,

 pelo papa Alexandre III, mais de trinta anos após a enfeudação de Portugal à Santa Sé. Um

dos fatores que contribuiu foi o embate entre as arquidioceses de Braga e Toledo, dificultando

o reconhecimento de Afonso I pela Igreja23

. Conforme veremos, as relações entre a Coroa dePortugal e o Papado muitas vezes foram dificultadas pelos embates no seio do clero português

e deste com os reis e os funcionários régios.

As disputas entre a Igreja e a monarquia portuguesa são o tema de uma lenda editada

 por Herculano em  Lendas e Narrativas. Intitulada O Bispo Negro24,  esta lenda narra a

excomunhão de Afonso Henriques em 1130 pelo Bispo de Coimbra, a mando do Papa, em

virtude de o jovem infante manter a sua mãe, D. Teresa, encarcerada sob o pretexto de que ela

ameaçava a recém-conquistada independência de Portugal, “terra que é só minha e doscavaleiros portugueses”25, por ter vínculos com os nobres galegos e leoneses. A solução do

impasse foi o afastamento do Bispo de Coimbra e a nomeação de outro bispo, negro, por

Afonso Henriques. A reação da Santa Sé, através de um legado papal, renovou a excomunhão

21 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 455.

22 Ibidem. p. 457 - 458.

23

 Ibidem. p. 579 - 580.24 In HERCULANO, Alexandre. Lendas e narrativas. Lisboa: Ulissea, [198-?]. p. 247-258.

25 Ibidem. p. 249.

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entre estes e o seu rei, criando condições para o desenvolvimento nacional e para os avanços

da civilização.

Os grupos sociais tinham condições de buscar essa representação junto ao rei através

de meios distintos. Nas chamadas classes superiores, Clero e Nobreza, esta representação era

mais direta e evidente, tendo em vista que forneciam os suportes espiritual, militar e

administrativo para o exercício do poder. Porém, o  povo, que, conforme vimos no capítulo

anterior, é associado à Classe Média, aos Burgueses e ao Braço do povo, também possuía um

canal de representação junto ao monarca: os Concelhos.

A menção aos concelhos, suas atribuições, importância, força política e outras

características e atributos são uma constante ao longo de todos os reinados analisados por

Herculano na  História de Portugal , merecendo um tomo único para o estudo dos  grémiosmunicipais29. Mencionado mais uma vez o capítulo anterior, vimos a importância dos

Concelhos como objeto histórico para Herculano e a menção a estas instituições, em todos os

reinados observados na  História de Portugal , reforça esta importância. Antes mesmo de

analisar o reinado de Afonso I, a importância dos Concelhos é destacada como uma forma de

resistência dos burgueses contra os abusos dos poderosos:

Talvez, durante a Idade Média, nenhuma época da história peninsular ofereça tantos vestígiosda influência municipal nos acontecimentos políticos, tantas resistências das vilas contra odomínio dos senhores, tantos cometimentos das povoações contra os castelos que asassoberbavam, como o primeiro quartel do século XII (...) estabelecendo o equilíbrio entre as

diversas classes.30

Os concelhos foram mencionados no reinado de Afonso I com três atribuições: o

 povoamento de áreas conquistadas aos sarracenos, fato que contribuiu para o surgimento de

novos concelhos; fonte de recursos para a Coroa através de impostos31  e fornecimento de

tropas para as hostes reais. Se na História de Portugal  este apoio militar dos Concelhos ao rei

é mencionado na conquista de Beja em 1162, quando os cavaleiros vilãos e as tropas

concelhias tiveram papel de destaque32,  no romance O Bobo, os grupos mercantis

representados pelo Concelho de Guimarães, fundado pelo Conde Henrique e em cuja origem

se encontrava a “resistência antiteocrática e antiaristocrática que, espalhado gradualmente

 pelo país, devia em três séculos pôr manietadas aos pés dos reis a aristocracia e a

29 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.4. Lisboa: Bertrand, 1980.

30

 Idem. História de Portugal, t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 319 - 320.31 Cf. Ibidem. p. 445.

32 Ibidem. p. 548 - 549.

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teocracia”33, possuem um papel fundamental na trama. O apoio destes ao partido de D.

Afonso foi vital para a sua vitória, pois grande parcela do exército do Infante era composta

 por tropas concelhias, formando uma infantaria que desafiava a superioridade militar da

cavalaria dos ricos - homens de D. Peres de Trava, líder e representação da ingerência

estrangeira em Portugal. Portanto, os grupos urbanos tiveram uma participação fundamental

na independência e na origem de Portugal, assim como na ascensão do primeiro Rei português

ao poder, alguns anos após a vitória em Guimarães34.

O Afonso I construído por Herculano é o campeão da identidade e da independência

nacional, sendo este o aspecto mais destacado na sua construção histórica. Entendemos que

tal ênfase é um traço característico dos valores românticos que, lembremos, tinham umagrande preocupação em buscar as origens nacionais. A valorização da habilidade militar para

defender a nação, manter a integridade territorial e conquistar territórios ocupados pelos

sarracenos indica que o uso da força e da capacidade de liderança era atributo valorizado e

enaltecido por Herculano e mais valorizado que a habilidade política e administrativa. A

autossagração como cavaleiro na Sé de Zamora e a autoproclamação como rei de Portugal em

Valdevez, no ano de 1140, são fatos que confirmam o caráter independente de Afonso I,

reforçados pelo reconhecimento da independência portuguesa por Afonso VII, que ocredenciam como monarca talhado para o nobre ofício de defender o desejo de independência

dos portugueses, anterior a ele e que encontrou no jovem infante o executor da sua vontade.

Portanto, Afonso I era um rei legítimo por suas habilidades militares e por representar os

anseios de liberdade e independência de um povo que ansiava por libertar-se do controle

leonês. A ideia do rei como defensor da nação e representante dos anseios sociais guarda

relações com a ideia do governante como guardião e executor das vontades da sociedade,

sendo, portanto, por ela legitimado e está associada à concepção liberal de governorepresentativo.

As referências aos concelhos, suas funções e importância no reinado de Afonso I e

constante nos reinados analisados na História de Portugal, é associada à importância da

representação política da Classe Média  junto ao rei. Da mesma forma, os concelhos foram

incorporados à tradição portuguesa, segundo Herculano, com atribuições políticas, suporte ao

rei diante das pretensões de Clero e Aristocracia; militares, enviando efetivos para os conflitos

33 HERCULANO, Alexandre. O bobo. Lisboa: Ulissea, [198-?]. p. 50.

34 Ibidem. p. 180.

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e contribuindo com mão de obra para a reconstrução das fortificações; fiscais, pagando

tributos e obrigações que contribuíam para a Fazenda Real. O incentivo ao surgimento de

novos concelhos implicava a ampliação da representação política da burguesia junto ao rei e a

manutenção dos seus direitos e prerrogativas, no fortalecimento político do rei e na

consolidação da nacionalidade portuguesa diante das ameaças externas. Nesta linha de

raciocínio, os concelhos representavam uma tradição que deveria ser valorizada e retomada

em Portugal, uma vez que foi um dos suportes da nação na primeira etapa da sua existência e

era entendida como uma instituição representativa dos anseios dos grupos sociais

intermediários portugueses.

Entre as críticas de Herculano a Afonso I, consta a pouca habilidade política do

monarca. Nas vezes que Herculano fez essas críticas, geralmente ele indicou que a períciamilitar de Afonso I era mais necessária naquele momento histórico e compensava o pouco

interesse do monarca pela política. Não foi feita nenhuma indicação direta por Herculano para

 justificar essa crítica, mas pressupomos que o autor se fundamentou em dois fatos para tecê-

la: os conflitos com Fernando II de Leão, no final da vida e, principalmente, nas relações com

a Igreja Católica.

O anticlericalismo de Herculano era notório e certamente cresceu após a polêmica com

setores do Clero, em virtude da Questão de Ourique após a publicação do Tomo I da  Históriade Portugal . Quando Herculano tratou a subordinação feudo-vassálica de Portugal à Santa Sé

como forma de legitimar a independência de Portugal e de confirmar o título régio

autoinstituído, mencionou que o preço a ser pago pelo reis de Portugal seria elevado, pois esta

enfeudação abriu ainda mais as portas para a ingerência dos papas nos assuntos portugueses e

cedeu espaço para manifestações de insubordinação e contestação do clero português a muitas

determinações régias.

Lembremos que, apesar de católico, Herculano não aceitava as interferências mútuasentre política e religião e era um crítico severo da Igreja Católica, por sua defesa do Antigo

Regime português e pelos abusos cometidos nesse período, alguns deles retratados em tons

críticos na História de Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal . A interferência

do clero português e da Santa Sé em nome da defesa dos seus interesses nos assuntos internos

 portugueses no período retratado na  História de Portugal   pode ser entendida como uma

imposição dos interesses de um grupo minoritário, o Clero, sobre a vontade da sociedade

como um todo tendo, em vista que o rei era entendido por Herculano não só como a chave de

toda a organização política, mas também como o representante e executor dos desígnios da

sociedade. Esta sobreposição dos interesses eclesiásticos aos sociais, que fere o tradicional

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direito de representação da sociedade portuguesa, também implicava a ameaça à soberania

nacional e mesmo a existência da nação, pois a intervenção da Santa Sé por vezes era

contrária às determinações do rei e da sociedade, sendo a demora do reconhecimento da

monarquia portuguesa pelo Papa um exemplo deste conflito de interesses, ameaçando a

soberania e a autodeterminação da sociedade portuguesa.

Antes de iniciarmos a análise dos outros reis e reinados, destacamos que algumas

destas características de Afonso I, indicadas por Herculano, estão presentes nos outros reis

estudados e muitas vezes serão utilizadas como parâmetros para classificá-las como positivas

ou negativas sendo, portanto, necessário destacar novamente algumas destas características ao

longo da nossa exposição, mesmo correndo o risco de parecermos repetitivos e redundantes.

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REI OBRA CARACTERÍTICASPOSITIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

CARACTERÍTICASNEGATIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

D. AFONSO I1128/1185 História dePortugalTomo ILivro II

Defesa da Nacionalidade Pouca habilidadeadministrativa

Rei como executor dosanseios e da vontade popular

Subordinação feudo-vassálica ao Papa

Habilidade militar Críticas à aproximação esubordinação à Igreja.

Povoamento e concelhosAutoproclamação como reiReconhecimento pelos

reinos ibéricos

O Bobo

Importância e participaçãoda população do ConcelhoSagração de AfonsoHenriques como cavaleirovista como ato de

independência política doinfante.Importância e participaçãoda população do Concelhode Guimarães naIndependênciaReferência ao sentimento deidentidade nacional

O Bispo Negro In Lendas e

 Narrativas

Alusão a Portugal comoterra do infante e dosnobres.Embates com o clero paradefesa da nacionalidade.

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Assim como na análise de Afonso I e de seu reinado e na análise dos reis seguintes até

Afonso III os concelhos são mencionados e servem de parâmetro para Herculano avaliar os

cinco primeiros reis portugueses. Retomando a importância e as funções atribuídas aos

municípios medievais portugueses, Herculano destaca que Sancho I viu nos concelhos,

inicialmente, uma dupla função: auxílio militar e apoio político contra Clero e Nobreza, além

de uma terceira função dos Concelhos, levantada adiante por Herculano: a atribuição

tributária. Portanto, a expansão destes grémios populares seria:

a barreira mais forte contra as agressões de estranhos e ao mesmo tempo um seguroinstrumento de governo, do qual se ajudavam, não só para criar um sistema de repressãocontra as classes privilegiadas, mas também para aumentar o número de soldados não pagos,

tão necessários no meio duma existência de contínua guerr a40.

 

A política de incentivo ao povoamento através do estabelecimento de novos concelhos

em áreas conquistadas41  contou com o estabelecimento de colonos europeus. Dada a

estagnação demográfica acima mencionada e a baixa expectativa de vida da população,

associada aos baixos índices de mortalidade infantil característicos do Medievo, agravadas

 pelos conflitos constantes na fronteira do reino com o Gharb sarraceno, a presença de colonos

europeus em terras portuguesas era muito bem-vinda e incentivada a ponto de, segundo

Herculano, Sancho I estabelecer vantagens fiscais e garantir a manutenção dos direitos destescolonos estabelecidos pelos forais e a proteção destes novos concelhos pelo próprio rei contra

quaisquer ofensas da população local ou imposições fiscais ou senhoriais pela aristocracia e

 pelo clero:

O empenho do rei de Portugal em que os colonos ficassem satisfeitos, o que seria incentivo para novas migrações, transluz da carta dirigida às autoridades dos três concelhos. Dizia-lhesque saberia agradecer como feito à sua própria pessoa todo o bem que se fizesse aos hóspedese que, pelo contrário, qualquer agravo que recebesse um só deles seria punido com a multa

extraordinária de seis mil soldos. Declarava-os, além disso, isentos de pagarem portagens emtodo o reino, com a pena de quinhentos maravedis contra quem quer que lhas exigisse e de

ficar o infractor considerado como inimigo pessoal do rei.42

 

O incremento da política de povoamento, constantemente associado ao

estabelecimento de concelhos através da concessão de forais, “ padrões da liberdade popular ”,

40 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 24.

41

 Herculano menciona a doação de terras e castelos às Ordens Militares como medida de incremento ao povoamento,descrevendo-as como eficazes no combate aos sarracenos e na organização da estrutura produtiva nas terras doadas. Sobre aeficiência militar, cf. Ibidem. p. 27 e sobre o estabelecimento de uma estrutura produtiva, cf. Ibidem. p. 111 - 112.

42 Ibidem. p. 122 - 123.

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ocorreu também em terras da Coroa, da Aristocracia e das Ordens militares 43, confirmando

que a disseminação dos concelhos era uma política de governo de Sancho I, que foi entendida

 por Herculano como uma abertura maior para a participação da Classe Média na vida política

de Portugal, em que os concelhos se constituíam num dos suportes do rei contra as classes

 privilegiadas, ciosas de seu poder e à espreita de oportunidades para ampliá-lo44. Mesmo nos

momentos em que as fontes silenciam sobre o reinado de Sancho I, Herculano destaca que:

 Nestes quase últimos anos do seu reinado, em que a história parece esquecer-se dele, porquecessou o estrondo das batalhas e o drama dos ódios políticos, é que os diplomas falam maisalto a favor de Sancho I, que, por si ou pela capacidade dos seus conselheiros, dá um impulso

enérgico ao desenvolvimento das forças materiais da nação. 45

 

Herculano louvou a política de povoamento de Sancho I, pois entendeu que a

expansão das comunidades concelhias pelo território português beneficiava tanto o rei quanto

o  povo. Para o rei, os concelhos eram, conforme vimos anteriormente e será citado em

inúmeras oportunidades adiante, instituições que garantiam tropas, tributos e sustentação

 política46,  enquanto para as camadas médias os concelhos eram uma garantia de proteção

contra os abusos dos poderosos, de manutenção de seus direitos e representação política junto

ao rei. Portanto, a expansão do povoamento e dos concelhos por Sancho I constitui:

o carácter que distingue principalmente o reinado de Sancho I, a tendência constante paracolonizar com estrangeiros e naturais os distritos mais ermos do país e para fundar novas povoações ou restaurar as antigas, tendência pela qual este príncipe mereceu da posteridade o

epíteto de Povoador .47

Outra virtude de Sancho I, destacada por Herculano, foi a tolerância religiosa. Em

duas passagens o monarca demonstra tolerância com as comunidades não cristãs.

Por ocasião da vitória no cerco a Silves junto com cruzados norte-europeus a caminho

da Terra Santa, Sancho I foi clemente com a população islâmica da cidade ao permitir a

43 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 129.

44 Ibidem. p. 172.

45 Ibidem. p. 129.

46

 Um exemplo da aliança entre Rei e Concelhos é mencionado por ocasião do conflito entre Sancho I e o Bispo do Portoquando o “ povo” e os “burgueses” apoiaram o monarca Cf. Ibidem. p. 135-144.

47 Ibidem. p. 88 - 89.

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retirada em segurança. Esta demonstração de piedade, que, destacada por Herculano, adquire

contornos de tolerância religiosa, criou uma tensão muito grande com os aliados cruzados48. 

Uma segunda manifestação de piedade de Sancho I, que também pode ser interpretada

como tolerância religiosa por ter sido mencionada por Herculano, foi a prisão de cruzados

que, ao retornar para Lisboa após a conquista de Silves atacaram os bairros judeus e mouros

da cidade, gerando novo mal-estar com os aliados norte-europeus49. 

Ao destacar a piedade de Sancho I nos eventos relatados, ato que não só ameaçava a

aliança militar com os cruzados contra os sarracenos, mas também colocava em risco a

segurança de Portugal com ataques dos cruzados a cidades portuguesas, como retaliação a

Sancho I, Herculano defende, em nosso entender, a tolerância religiosa como um princípio

 político e ressalta a importância de mouros e judeus na composição da sociedade portuguesa.Se no tocante à política de povoamento e de difusão dos concelhos a comparação com

Afonso I foi positiva, o mesmo não ocorreu quando a comparação foi feita no âmbito militar e

do temperamento pessoal.

Apesar dos dotes militares e das conquistas efetuadas, Herculano considerava que

Sancho I não tinha o talento militar de Afonso Henriques “ porque os homens como Afonso I

 são raros”50 e, complementando a citação, Herculano indica que a capacidade intelectual de

Sancho I também era inferior à do seu pai, tendo em vista que “nem supria essa inferioridadede génio com a cultura superior do entendimento”51. O temperamento de Sancho I também

foi objeto de menção por Herculano. Na continuação do parágrafo acima, Herculano destacou

que “era fácil de dominar de cólera cega e violenta”52. O caráter violento e intempestivo de

Sancho I é o motivo da única menção ao monarca nas obras literárias de Herculano. Em O

 Bobo, Herculano destaca que:

no princípio do XIII Sancho I de Portugal arrancando os olhos aos clérigos de Coimbra, querecusavam celebrar os ofícios divinos nas igrejas interditas, chamava para testemunhasdaquele feito todos os parentes das vítimas. (...) O Sancho (era) um selvagem atrozmente

vingativo.53

 

48 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 63 - 64.

49 Ibidem. p. 80 - 81.

50 Ibidem. p. 86.

51

 Ibidem. p. 86.52 Ibidem. p. 86.

53 HERCULANO, Alexandre. O Bobo. Lisboa: Ulissea, [198-?]. p. 53 - 54.

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 Nem a violência e a selvageria mencionadas por Herculano nem a canalização destas

contra o clero amenizaram as relações com a Igreja. A força política do Clero português, o

 poder político do Papa e a subordinação feudo-vassálica de Portugal à Santa Sé foram

empecilhos para o fortalecimento do poder real no reinado de Sancho I54 e de seus sucessores

e, consequentemente, geraram crises entre o poder temporal e o poder espiritual em Portugal.

Era o preço a ser pago pelos sucessores de Afonso I pela “ sanção do chefe visível da Igreja”55 

à independência e à monarquia de Portugal.

Conforme destaca Herculano, a subordinação feudo-vassálica ao Papa gerou

obrigações da Coroa à Santa Sé. A confirmação do título régio de Sancho I pelo Papa56  e

cobrança do censo devido à Santa Sé57 são evidências das intervenções de Roma em assuntos

 portugueses nos primeiros anos do reinado de Sancho I. Dentre as disputas com o clero português descritas por Herculano, destaca-se o conflito com o Bispo do Porto. Neste embate

que ocupou largo tempo e muita energia de Sancho I, os vizinhos do Concelho do Porto

apoiaram o rei contra as pretensões do bispo. Nos últimos dias de Sancho I, o clero português

obteve várias concessões do rei moribundo que, entre outros fatores, prejudicavam os

interesses dos aliados do rei no Concelho portuense, levando os burgueses  do Porto a resistir

diante das concessões feitas pelo rei em benefício do Bispo do Porto, fortalecido diante do rei

moribundo. O empenho e a resistência do Concelho do Porto foram um exemplo que mesmosufocado pelas classes superiores o seu valor era reconhecido pela tradição:

os burgueses do Porto foram, enfim, constrangidos a submeter-se; mas os seus inimigos,conservando os documentos do triunfo obtido, nos transmitiram involuntariamente a memóriadesses homens enérgicos, e os nomes de João Alvo e de Pedro Feudo-Tirou, que parece teremsido os chefes da conjuração municipal, podemos hoje estampá-los nas páginas da história, o

grande e indestrutível livro da linhagem popular .58

 

Apesar de ter rompido esta aliança com os burgueses do Porto após as disputas com o

Bispo portuense e posteriormente reprimido seus antigos aliados, Sancho I atendeu as

54 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 115 et seq.

55 Idem. História de Portugal,t.1. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 455.

56 Idem. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 82.

57 Ibidem. p. 108 - 110.

58 Ibidem. p. 152 - 153.

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exigências do Clero pois, segundo Herculano, o rei estava enfraquecido fisicamente e à beira

da morte, sem forças para resistir ao clero e às pressões de Roma59. 

Herculano menciona uma provável influência de um valido de Sancho I, o chanceler

Julião, no acirramento das tensões com a Igreja60.  No relato de Herculano em  História de

 Portugal , a influência dos validos e administradores é mencionada pela primeira vez. A

 participação do chanceler Julião, um “homem inteligente”, foi elogiada por Herculano em

virtude da influência do valido nas “ providências administrativas para o desenvolvimento da

 força e prosperidade nacional que honram indisputavelmente o reinado de Sancho I ”61. As

 providências administrativas  mencionadas não foram objeto da análise de Herculano.

Pressupomos, com base na difusão dos concelhos e dos embates com o Clero, que estas

medidas tinham relação com o estabelecimento do aparato burocrático e administrativo nosConcelhos, na organização do Estado português e na arrecadação de impostos, fato que

mereceu a atenção de Herculano ao traçar as últimas linhas sobre o reinado de Sancho I.

Herculano criticou o enriquecimento de Sancho I que, de acordo com autor, ocorreu à

custa da nação, pois “Também um certo número de factos da sua vida lançam sobre ele as

 suspeitas de cobiçoso e de haver entesourado somas avultadas por meios gravosos para a

nação”62. Os custos das campanhas militares, a reedificação e a construção de castelos, bem

como os prejuízos da contração demográfica decorrente da fome endêmica, ainda nãoequacionada pelos novos povoamentos, eram altos. Os butins das campanhas e a contribuição

em trabalho paga pelos municípios para a reconstrução de cidades e castelos conquistados,

conhecida como anúduva, não cobriam os gastos. Nestas condições tanto o rei quanto a nação

estariam empobrecidas como fontes de receita63. Surpreendentemente, Sancho I conseguiu

acumular grandes quantidades de ouro. A explicação de Herculano para tal prodígio reside

nas “ frequentes rapinas ou um sistema tributário demasiado violento”64, iniciativa que era

diametralmente oposta à tentativa de povoar o país e explica o fracasso de incrementar aocupação em algumas localidades: “está em parte a explicação da inutilidade com que em

muitas partes se tentou tornar habitados lugares desertos ou convertidos em montões de

59 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 173.

60 Ibidem. p. 163.

61 Ibidem. p. 86 - 87.

62

 Ibidem. p. 170.63 Ibidem. p. 170 - 171.

64 Ibidem. p. 171.

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ruínas”65. Se a difusão do povoamento pelo território era a principal medida do reinado de

Sancho I, a cobrança extorsiva de impostos tolhia esta louvável iniciativa e, de acordo com o

relato de Herculano, os gastos da Coroa com a guerra eram justificadamente elevados diante

do perigo iminente representado pelos mouros e pelos reinos ibéricos. Apesar destes gastos

elevados, Sancho I conseguiu entesourar uma vultosa quantidade de ouro. Portanto, o ônus

dos gastos e do entesouramento de ouro pelo rei recaía sobre a população, principalmente

sobre a população dos Concelhos. Como vimos anteriormente, Herculano indicou que uma

das funções era fornecer “novos recursos para a manutenção do Estado”66, mas a incidência

de encargos e obrigações fiscais sobre os municípios colocava em risco a própria existência

dos concelhos. A avareza de Sancho I comprometeu a principal iniciativa do monarca e se,

mesmo com a pesada carga tributária, o surgimento de novos povoamentos e concelhos foimemorável, associando-o ao nome de Sancho I, certamente o sucesso da política de

 povoamento teria produzido resultados ainda mais significativos e representativos.

A alcunha de O Povoador  que a tradição portuguesa atribuiu a Sancho I é confirmada

 por Herculano na  História de Portugal . O incentivo aos povoamentos de áreas conquistadas

aos mouros e o consequente estabelecimento de novos concelhos são o aspecto mais

destacado e elogiado por Herculano quando construiu a imagem de Sancho I, pois o

 povoamento consolidava a conquista de territórios e possibilitava a abertura de novas frentes produtivas, desenvolvendo a economia portuguesa e expandindo a classe média, e criava

condições para o estabelecimento de novos municípios, o que, por sua vez, aumentava a

representatividade política de parcela da sociedade portuguesa, fortalecia o rei e consolidava

a independência nacional. Dada a importância dos concelhos para Herculano, Sancho I foi,

neste sentido, um rei exemplar.

Herculano mencionou influência positiva dos funcionários régios na implementação

dos povoamentos e destacou a importância do aparato burocrático competente para auxiliar orei a exercer as suas atribuições e governar em benefício da sociedade como um todo, pois o

monarca, desprovido de uma base administrativa selecionada e competente, corre o risco de

comprometer o seu governo e mesmo a sua permanência no poder, como veremos mais

adiante. Herculano, desta forma, observa que a composição de um corpo burocrático capaz e

com atribuições delegadas pelo rei é fundamental para a realização de um bom governo.

65 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 171 - 172.

66 Ibidem. p. 27. 

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A tolerância religiosa e o respeito à liberdade de culto, valores tipicamente liberais e

entendidos como parte integrante das tradições portuguesas por Herculano, foram destacados

 por Herculano no reinado de Sancho I na tomada de Silves e no ataque aos bairros judeus e

muçulmanos de Lisboa.

A menção ao respeito às tradições e ao direito por Sancho I, no tocante às doações e

concessões feitas pelos antecessores, é positiva e foi feita quando Herculano criticou Afonso

II por desrespeitar estas normas. Segurança jurídica e respeito às tradições são valores que o

liberal conservador Herculano via como fundamentais na organização e manutenção da ordem

social.

Os embates com a Igreja e o temperamento violento são arrolados como críticas

negativas, pois consumiram tempo, esforços e recursos de Sancho I e são entendidos como odesdobramento das relações entre Afonso I e a Igreja.

Mas a principal crítica negativa reside em outro fato que foi mencionado rapidamente

no final do Livro III e no Livro IV: o aumento dos encargos e obrigações tributárias por

Sancho I. Pensamos que esta crítica negativa feita por Herculano foi resultado do caráter

arbitrário destes tributos, resultados da avareza de Sancho I e não dos costumes e tradições

nacionais nem na autorização dos representantes sociais ao rei. Desta forma, a tributação

imposta por Sancho I não tinha respaldo político nem fundamentação legal, sendo um ato devontade do monarca, sendo, portanto, um ato despótico, pois no entender do liberalismo

conservador de Herculano, apenas a tradição e a delegação popular eram as fontes legais e

legítimas para a modificação da política tributária.

A política tributária de Sancho I, além de ilegal, prejudicava os esforços que o próprio

rei, com apoio de um aparato burocrático competente, promovia para expandir o povoamento

e a criação de novos concelhos, pois a carga de tributos e de obrigações dificultou o

estabelecimento e a consolidação de novos municípios que, mesmo com esta grande restrição,cresceram durante o seu reinado. Logo, a política tributária de Sancho I era uma obstáculo

 para o desenvolvimento dos concelhos e implicava, dentre outros fatores, o enfraquecimento

do próprio rei ou, na melhor das hipóteses, restringia o fortalecimento político de Sancho I

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142

REI OBRA CARACTERÍTICASPOSITIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

CARACTERÍTICASNEGATIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

SANCHO I

1185/1211

História dePortugalTomo IILivro III

Defesa da Identidade Nacional

Temperamentoviolento

Incentivo ao povoamentodo território e à criação deConcelhos

Conflitos com a Igrejae com o Clero

Concessão de apoio e deterras e castelos às OrdensMilitares

Enriquecimento do reie aumento da cargatributária

Demonstrações de

tolerância religiosaAscendência dos validosnas questõesadministrativas

História dePortugalTomo IILivro IV

Incentivo ao povoamentodo território e à criação deConcelhos

Enriquecimento do reie aumento da cargatributária

Respeito às doações e privilégios concedidos pelo antecessor

O BoboTemperamentoviolento

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3.1.3 Afonso II – 1211/1223

Ainda no Livro III, que trata do reinado de Sancho I, Herculano antecipou uma

observação sobre Afonso II. Ao analisar disposições do testamento de Sancho I que, além de

indicar Afonso II como seu sucessor, doava senhorios e benesses para os seus filhos e filhas

(irmãs e irmãos de Afonso II), para as ordens militares e para setores do clero, “O rei de

Portugal parecia desconfiar da sinceridade do seu sucessor, e o tempo mostrou que essas

desconfianças estavam longe de ser inteiramente infundadas”67. Herculano se referia às

discordâncias ocorridas no início do reinado de Afonso II quanto aos bens e direitos deixados

em herança para seus irmãos68. Foi uma disputa longa e árdua, que ultrapassou os limites de

uma questão familiar ao envolver outros reinos ibéricos e o Papa.

A disputa entre Afonso II e suas tias e irmãos abriu espaço para a intervenção de

Afonso IX de Leão, que tomou o partido dos infantes portugueses contra o rei português. Para

Herculano a busca de glória e terras por Afonso II colocou em risco a independência de

Portugal e a integridade territorial, pois o monarca leonês ocupou áreas fronteiriças para

defender os infantes. A intervenção de Afonso IX só chegou ao fim devido à ingerência de

Afonso VIII de Castela, vencedor da batalha de Navas de Tolosa, com o apoio de tropas

enviadas pelo rei de Portugal, a favor do monarca português69

, da mesma forma que o

envolvimento do Papa Inocêncio III na disputa familiar favoreceu Afonso II na maioria das

vezes70.

A disputa familiar sobre o testamento de Sancho I, motivada, de acordo com

Herculano, pela avareza de Afonso II, expôs a política portuguesa aos interesses e ingerências

estrangeiras e o apoio dado ao rei ou aos infantes tinha um preço que seria cobrado no

momento conveniente, colocando em risco a soberania nacional.

Os prejuízos materiais e as consequências desta disputa familiar foram sucintamentedescritos por Herculano:

Além das devastações feitas por Afonso II nas terras de suas irmãs e dos outros danos quedeste sucesso para elas resultaram, devastações e danos avaliados em cento e cinquenta mil

áureos ou morabitinos, a entrada dos leoneses pelas fronteiras do Norte, as despesas  

67 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal,t.2.. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 145-147.

68

 Ibidem. p. 197.69 Ibidem. p. 212 - 218.

70 Ibidem. p. 232.

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inevitáveis da guerra e os estragos praticados pelos parciais das infantas deviam produzir

ainda mais graves perdas para a coroa. 71

Internamente Afonso II também buscava apoio na disputa familiar. Logo no início do

reinado, Afonso II aproximou-se do clero português ao fazer várias concessões e resolver

questões pendentes do reinado de Sancho I, dentre elas a inviolabilidade do direito canônico72,

com o intuito de garantir o apoio clerical na querela familiar 73  e do Papa, conforme vimos

acima. Para Herculano, esta ampliação dos privilégios para a Igreja e a aproximação política

entre o trono e o altar, apesar de prejudiciais à Coroa, eram uma trégua temporária do

confronto contra o Clero74. 

A situação era análoga no tocante à relação do monarca com a Aristocracia. Houve

uma divisão entre os dois partidos, que deixou sequelas na relação entre Afonso II e setores da

nobreza, pois geravam “mútua má vontade das famílias nobres, divididas entre os dois

bandos, produzia necessariamente, longas rixas que se legavam como herança de honra de

 pais a filhos”75.

Apesar de prejudicial para a nação, o embate familiar pelo testamento de Sancho I não

foi o aspecto mais destacado por Herculano ao debruçar-se sobre o reinado de Afonso II.

Segundo o autor, a centralização política e fiscal aliada ao desinteresse militar foram as

 principais características do reinado de Afonso II: “ Medíocre guerreiro e pouco de temer para os estranhos, o filho de Sancho I parece ter sido só dominado por um desejo comum e

natural nos príncipes, o de aumentar os recursos da coroa e a influência do poderio real ”76.

A conquista territorial mais relevante do reinado, a tomada de Alcácer, não contou

com a participação do rei, sendo uma iniciativa de nobres e das Ordens Militares. Para

Herculano, “ Afonso II mostrava-se então, como sempre, mais cioso de aumentar a

intensidade da própria força em relação ao país que de acrescentar a glória e o temor do seu

nome em relação aos sarracenos ou aos outros príncipes da Espanha cristã”77

.

71 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 230 - 231.

72 Ibidem. p. 192 - 193.

73 Ibidem. p. 196.

74 Ibidem. p. 194.

75

 Ibidem. p. 231.76 Ibidem. p. 243 - 244.

77 Ibidem. p. 274.

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Percebemos que a negligência militar de Afonso II tanto na Batalha de Navas de

Tolosa quanto na tomada de Alcácer, onde o rei se fazia representar pela nobreza militar,

 pelas Ordens Militares e pelas tropas concelhias sob a liderança do bispo do Porto 78, foi alvo

de severas críticas de Herculano

 Nos reinados anteriores Herculano destacou a importância de organizar o Estado e a

sociedade portuguesa, contudo a estruturação defendida e enfatizada por Herculano tinha por

 princípio a defesa dos costumes e tradições locais representadas pelos Concelhos, que

homologavam via sanção régia os costumes da população local e o respeito ao direito de

 propriedade de todos os segmentos da sociedade portuguesa. Os primeiros reis portugueses,

via de regra, respeitavam as propriedades. As exceções eram fruto da “barbaridade e

incerteza dos tempos”79  e mesmo as propriedades dos árabes nos territórios conquistadoseram respeitadas, porém subjugadas a “impostos feudais”80  da mesma forma que as

 propriedades cristãs. No entender de Herculano o estado da Propriedade era o mais

importante, “ou antes, o que resume todos” os fenômenos peculiares que distinguem a

“índole” portuguesa dos demais Estados da Península81. Descentralização e respeito ao direito

de propriedade eram tradições que deveriam ser respeitas e mantidas como base do Estado e

da sociedade portuguesa.

A centralização empreendida por Afonso II feria estes dois princípios ao colocar osinteresses pessoais do rei em evidência e subjugar os direitos e as tradições nacionais e

colocá-los em segundo plano:

Absolutamente falando, as confirmações gerais e os inquéritos sobre o estado da fazenda pública representam um pensamento de organização e de ordem; mas, se atendermos àscircunstâncias em que ainda se achava a nação, aos motivos que os haviam suscitado e àfrouxidão em prosseguir no antigo sistema de dar força e energia ao povo por meio dasinstituições municipais, é licito crer que essas e outras providências análogas patenteiam maisos impulsos do interesse pessoal do que o desejo de constituir e ordenar a sociedade civil.Afonso teve dois dotes eminentes, a economia e a firmeza governativa, teve-os, até, com

excesso; mas esses dotes estavam longe de bastar à necessidade dos tempos. 82

78 Sobre a participação portuguesa em Navas de Tolosa, cf. HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa:Bertrand, 1981. p. 210-212. Uma nova crítica ao desinteresse de Afonso II na conquista de Alcácer diante da prioridade domonarca em centralizar o poder, cf. Ibidem. p. 276.

79 HERCULANO, Alexandre. Apontamentos para a História dos Bens da Coroa e dos Forais. In:______. Opúsculos. 3.ed.Lisboa: Bertrand. [190-]. p. 193.v.5.

80

 Ibidem. p. 191.81 Ibidem. p. 188.

82 Idem. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 329. 

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Vimos nos reinados anteriores que os concelhos são considerados instituições de

grande importância para Alexandre Herculano e a expansão das instituições municipais em

conjunto com a política de povoamento de Sancho I foi objeto de aprovação pelo autor. No

reinado de Afonso II os concelhos, no entender de Herculano, não foram valorizados,

 justificando as suas críticas à política centralizadora de Afonso e a indicação do pequeno

número de forais municipais expedidos por Afonso II nos arquivos é utilizada para corroborar

estas críticas à centralização empreendida pelo monarca em que “O calor de vida que os seus

antecessores tinham procurado atrair à periferia do corpo social buscava ele concentrá-lo na

cabeça e no coração da república”83.

A comparação com Sancho I era inevitável. Se Herculano classificou Sancho I como

“um rei essencialmente municipal ”, Afonso II tinha-se “afastado daquela senda”84. Entre asconsiderações e críticas de Herculano quanto ao abandono da expansão concelhia por Afonso

II, observamos uma interessante relação entre Concelhos e Rei que, reforçando a ideia dos

Concelhos como meios de contenção dos interesses do Clero e da Nobreza, explica a crise

 política crônica no reinado de Afonso II e os seus desdobramentos que, para Herculano,

influenciaram decisivamente o reinado de Sancho II, sucessor de Afonso II:

Em suma, ao passo que os seus actos indispunham contra ele as duas altas ordens do Estado(Clero e Aristocracia), porque tentava cercear-lhes o poderio e a influência, Afonso IIesquecia-se de que a força do ceptro não estava tanto na autoridade real como naanimadversão do povo contra as classes privilegiadas e de que o multiplicar os grémios

 populares não era mais do que desenvolver novos meios de triunfar dessas classes. 85

 

De acordo com este ponto de vista, podemos afirmar que Herculano entendia que a

centralização política levada a cabo por Afonso II pecou por não buscar o apoio dos “ grémios

 populares” nos embates contra o Clero e setores da Nobreza mas, paradoxalmente, este apoio

das comunidades concelhias dependia da manutenção da expansão e das suas liberdades e

 privilégios, o que, entendemos, caracteriza uma descentralização administrativa, jurídica e

fiscal, dadas as diferentes atribuições constantes nos forais que regiam as relações entre rei e

municípios. Mas esta descentralização, mesmo que deixasse escapar do controle régio

atribuições que eram vistas por Afonso II como prerrogativas régias, não implicava o

enfraquecimento da autoridade real pois, lembremos, a outorga dos forais, as obrigações

estabelecidas e a sanção à escolha dos administradores municipais cabia ao rei. Portanto, a

83 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 310.

84 Ibidem. p. 317.

85 Ibidem. p. 318 - 319.

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descentralização fundamentada nos municípios não implicava uma anomia e sim uma

delegação e concessão de atribuições pelo rei aos vizinhos dos concelhos que, em

contrapartida, assumia as distintas funções concelhias que Herculano apontou: povoamento,

apoio político ao Rei, fonte de arrecadação fazendária para Reis e prestação de serviços

militares.

Quanto ao direito de propriedade, observamos, através das observações de Herculano,

que a política centralizadora de Afonso II colocava em xeque este direito ao questionar as

doações feitas pelos reis anteriores gerando, em conseqüência, uma insegurança jurídica ao

romper com a tradição e os costumes vigentes quanto ao direito de propriedade:

as doações de terras, quer aos nobres, quer ao clero, quer aos concelhos, feitas pelos reisanteriores constituíam uma série de actos, senão ilegais, ao menos transitórios e dependentes

da vontade do sucessor da coroa, que por essas mercês se podia dizer defraudado.86

A posição de Afonso II quanto à necessidade de referendar as doações de seus

antecessores, manifestada por ocasião das disputas com seus irmãos e irmãs sobre o

testamento de Sancho I, foi mais uma argumento utilizado para defender os seus intentos87. O

ônus político deste argumento foi a divisão da Aristocracia entre o partido do rei e o dos

infantes, visto que o segmento da Aristocracia favorável aos infantes temia que o mesmo

argumento fosse utilizado para contestar as doações e privilégios outorgados pelo

antecessores de Afonso II88.  No entender de Herculano, o direito fundiário encontrava-se

estruturado naquele momento:

Por muito rudes que fossem os homens daquelas eras, as fórmulas da administração da justiça,os princípios de direito que serviam já nos tribunais para a resolução dos pleitos e mil outrascircunstâncias da vida civil nos provam que o conhecimento dos diversos modos de possuir e

o desejo de fixar as condições da propriedade estavam mais ou menos generalizados.89

Em 1220 Afonso II instituiu as Inquirições Gerais, espécie de censo para levantar a

situação jurídica das diversas propriedades, direitos senhoriais e padroados da Igreja e da

 Nobreza. Herculano vê esta medida em si positiva, pois o levantamento da propriedade e dos

 privilégios fundiários era necessário para o controle do reino, mas critica a sua utilização

86 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 244.

87 Afonso II também se baseou nas leis sobre a não alienação dos bens públicos para amparar a contestação do testamento de

Sancho I. Cf. Ibidem. p. 244.88 Ibidem. p. 244.

89 Ibidem. p.244.

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como instrumento de pressão sobre o Clero e a Aristocracia, agravando ainda mais o

sentimento de insegurança jurídica existente no reino e a crise política entre o rei e as classes

 privilegiadas, pois “as inquirições iam abalar directamente as fortunas dos barões,

cavaleiros e clérigos, fortunas que, a bem dizer, se estribavam unicamente na propriedade

territorial ”90.

O uso político não era a única crítica que Herculano tecia às Inquirições gerais. Os

critérios utilizados também eram questionados, pois a manutenção da propriedade podia ser

contestada com base em testemunhos falsos sem levar em consideração o testemunho do

 proprietário ou a existência de documentos e registros que confirmassem o direito. Mesmo

havendo recurso à Cúria Real, “a falta de documentos escritos que se daria muitas vezes, as

delongas e os gastos das demandas e, em geral, a incerteza do direito faziam com que oremédio estivesse longe de ser completamente eficaz ”91. O direito de defesa do proprietário ou

detentor do direito não era garantido e os custos e os longos prazos legais restringiam-no

ainda mais.

Se, no início do reinado, Afonso II fez um trégua temporária com o clero, e “ Afonso II

 soubera, ao menos, afastar com arte o perigo mais formidável, as discórdias com o clero”92,

novos embates reanimaram as rivalidades entre o rei e a Igreja. Além das Inquirições Gerais,

houve a intervenção de Afonso II no conflito entre o Bispo e o Deão de Lisboa, gerandodesconfiança entre o Clero por violar a promessa de não intervir em assuntos eclesiásticos

feita no início do seu reinado93. Utilizando a prerrogativa de protetor da Igreja portuguesa,

concedida por Inocêncio III, Afonso II impôs o seu domínio sobre o Clero, passando a cobrar

obrigações fiscais e jurídicas94  e anulou as mercês e doações feitas à Igreja e ao Clero,

cobrando impostos de propriedades das ordens militares, mosteiros e demais instituições

clericais95. Mesmo excomungado e com o reino colocado em interdito, Afonso II manteve as

suas determinações quanto ao clero e conseguiu evitar o estabelecimento da Inquisição emPortugal96. 

90 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2 .Lisboa: Bertrand, 1981. p. 310 e 311.

91 Ibidem. p. 315 - 316.

92 Ibidem. p. 278.

93 Ibidem. p. 281 - 283.

94 Ibidem. p. 285.

95 Ibidem. p. 291.

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Se as divisões no seio da nobreza e as consequentes disputas entre os grupos foram

uma constante durante o reinado de Afonso II, tanto em virtude da insegurança jurídica

decorrente das disputas com os infantes pelo testamento de Sancho I, quanto pelo

estabelecimento das Inquirições Gerais, a predileção por grupos aristocráticos para o exercício

de cargos administrativos acirrava ainda mais o clima de tensão. Se “até o fim da vida, Afonso

conservou o génio ávido e ao mesmo tempo cioso de poder que nos revelam os actos capitais

do seu reinado”97, mantendo as diretrizes centralizadoras e as divergências entre o rei e a

Aristocracia e no interior desta, Herculano destacou que estes embates foram prolongados e

 potencializados no reinado seguinte, contribuindo para a deposição de Sancho II98. As

disputas no seio da Aristocracia foram assim resumidas por Herculano no início do Livro V,

que versa sobre o reinado de Sancho II:

Assim os indivíduos que haviam tido mais influência e poder durante o governo de Afonso II;os ricos-homens que exerciam os principais cargos do Estado e os privados do monarcafalecido ficavam virtualmente revestidos da suprema autoridade, que só em nome pertencia ao príncipe ainda na puerícia: deve, portanto, o alvedrio deste considerar-se como alheio aossucessos daqueles primeiros anos da sua vida pública. Conforme vimos já, o sistema

administrativo do reinado anterior gerara necessariamente desgostos entre a nobreza. 99

 

Herculano encerrou a análise do reinado de Afonso II mencionando as poucas

referências ao monarca nas tradições portuguesas. Para o autor, este esquecimento resulta dofato de Afonso II ser “uma contradição, um anacronismo no meio da sua época, e a geração

que passava e a que vinha deviam esquecê-lo”, por contrariar as tradições e costumes da

sociedade portuguesa e por fugir das responsabilidades militares, delegando-as ao Clero e à

Aristocracia o “o duro mister da guerra, recuando como aterrado ante o reluzir das

espadas”. As poucas menções a Afonso II nas fontes, ainda de acordo com Herculano, diziam

respeito à conquista de Alcácer que, conforme vimos, foi resultado da iniciativa privada e,

 portanto, “vitória na verdade de grande glória, mas que não lhe pertencia” 100

Afonso II foi um dos reis mais criticados por Herculano nas suas obras históricas. A

única menção positiva feita a Afonso II por Herculano foi na  História da Origem e

96 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América,[198-?]. p. 36 - 37. v.5. 

97 Idem. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 326.

98

 Ibidem. p. 231.99 Ibidem. p. 348 - 349.

100 Ibidem. p. 329.

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 Estabelecimento da Inquisição em Portugal   e versa sobre as resistências do monarca às

tentativas da Igreja em estabelecer a Inquisição em Portugal, menção que consideramos

 positiva tanto pela defesa da tolerância religiosa quanto pelo contexto histórico trabalhado na

obra.

A tentativa de centralização política e as disputas familiares sobre o espólio de Sancho

I geraram grande instabilidade e acirraram as tensões com o Clero e com a Aristocracia, pois

geraram uma insegurança jurídica agravada pelas Inquirições Gerais que foram utilizadas

como instrumento de pressão contra estes grupos. O estabelecimento de poucos concelhos

durante o reinado de Afonso II pode ser associado às tentativas de centralização, fato que,

 paradoxalmente, enfraqueceu o rei nas suas contendas com as classes privilegiadas, pois

restringiu a base de apoio político do rei.Em síntese, as tentativas de centralização empreendidas por Afonso II resultaram

numa tremenda instabilidade política e institucional que, aliada à delegação da guerra a

 particulares, como setores da Aristocracia e do Clero na conquista de Alcácer e de tropas

concelhias na batalha de Navas de Tolosa ao lado do rei de Castela, relegaram Afonso II ao

esquecimento nas tradições portuguesas sendo, portanto, um exemplo a ser evitado.

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3.1.4 Sancho II - 1223/1248

Sancho II foi personagem da obra de Herculano apenas no Livro V da  História de

Portugal. Antes mesmo de dedicar-se ao reinado de Sancho II, Herculano antecipou a sua

deposição quando ainda analisava o reinado de Afonso II101 ao indicar as tensões entre o rei e

a nobreza, aprofundadas a partir da ascensão de Sancho II ao trono. “Carregada e

melancólica rompia a aurora do reinado de Sancho II ”102 em virtude das disputas entre os

integrantes da aristocracia por espaço político na regência do novo rei, reproduzindo o “ 

sistema político dos ministros e privados do rei falecido (que) estribava-se no ciúme de poder

e na espécie de avidez febril que principalmente caracterizara Afonso II ”103.

A ênfase da análise do reinado de Sancho II por Herculano é o conflito entre o rei e asclasses privilegiadas  e os confrontos no interior destes grupos, divididos diante da

instabilidade política estabelecida ainda no reinado de Afonso II e agravada no reinado de

Sancho II.

Herculano afirmou que, por ser menor de idade, contando com 13 anos por ocasião da

ascensão ao trono, Sancho II foi tutelado por “vassalos” de Afonso II que, no vigor da

regência, atuavam sem a fiscalização e controle do jovem Sancho, pois “o novo rei era

demasiado moço e não dava aos actos dos seus mais tutores que ministros a força moral da

 própria vontade”104 e, por isso, os seus validos tinham total liberdade de atuação105.

Apesar de o silêncio das fontes nos primeiros anos da regência indicar paz interna e

estabilidade, Herculano aponta o inverso, uma instabilidade política em virtude das constantes

mudanças nos cargos administrativos, indicando um embate no seio da Aristocracia pelo

 poder:

Sem chefe supremo que os contivesse a todos, cada um dos prelados, dos cortesãos e dos barões das províncias era levado naturalmente a pretender para si a suma preponderância e alançar mão dos variados elementos de desordem que a situação política do reino lhesfacultava. É assim que nós explicamos as rápidas mudanças dos indivíduos que aparecem aolado de Sancho, até o pobre monarca chegar a uma idade capaz de ter alvedrio próprio na

escolha dos seus conselheiros e ministros.106

 

101 HERCULANO, Alexandre. História de Portuga, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 231.

102 Ibidem. p. 347 - 348.

103 Ibidem. p. 347 - 348.

104

 Ibidem. p. 348.105 Ibidem. p. 348 - 349; 357 - 358.

106 Ibidem. p. 359 - 360.

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As concessões feitas à Igreja portuguesa, contudo, não encerraram as disputas entre o

Trono e o Altar. Herculano destacou que a instabilidade política decorrente das disputas

internas da nobreza também envolveu clérigos portugueses que buscavam ampliar seus

 poderes113. As tentativas de centralização empreendidas por Sancho II e os sucessos militares

do monarca diante dos sarracenos, fatos que Herculano relacionou e se dedicou a analisar e

que por isso serão destacados adiante, acirraram as disputas com o clero. Apesar de a nobreza

não ter oferecido maiores resistências ao ímpeto centralizador de Sancho II:

A Igreja, porém, guardava em reserva as suas mais fortes armas para sustentar o própriodireito ou o que ela considerava como tal; restavam-lhe a protecção de Roma e as censurascanónicas para defender os bens terrenos e os cómodos e as vantagens do estado eclesiástico.114

O contexto europeu não era favorável a Sancho II neste embate com o Clero

 português, que se estendia desde o reinado de Sancho I. As disputas entre o Papado e o

Imperador Germânico tornavam-se mais violentas, e o Papa Inocêncio IV precisava reafirmar

a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal na Europa115 e a situação política em

Portugal era propícia para a demonstração de força da Igreja para as monarquias europeias

que “lutavam braço a braço (com a Igreja) para decidir a qual delas pertenceria o futuro das

nações” e, no caso português, esta disputa tinha mais força, segundo Herculano, devido àReconquista em que, pressupomos, a expansão territorial sobre o Gharb abria maiores

 possibilidades de domínio territorial e político116. Outro fato mencionado por Herculano que

fortaleceu as críticas do clero a Sancho II foi a indicação de judeus para cargos na Fazenda

 pública117.

Herculano aponta o ano de 1244 como o marco inicial das articulações clericais para

depor Sancho II sob o argumento de inabilidade política, sendo, portanto, necessário retirá-lo

do poder. Para atingir este objetivo, era necessário reforçar a imagem de incapaz; o pretextoutilizado foi a anarquia decorrente dos embates aristocráticos que se estendiam por toda a

sociedade desprotegida que sofria nas mãos da fidalguia. Mas também era necessário

encontrar um substituto para o rei inepto que fosse português para não ferir os brios

113 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 376-378.

114 Ibidem. p. 379.

115 Ibidem. p. 492 - 493.

116 Ibidem. p. 406.

117 Ibidem. p. 417 e 418 e Idem. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América,[198-?]. p. 58.v.1. 

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A exemplo dos monarcas analisados na  História de Portugal , Herculano não poderia

deixar de lado os concelhos que, mesmo merecendo pouco destaque, foram mencionados

como possíveis instituições de suporte político a Sancho II.

Herculano mencionou que Sancho II e seus validos incentivaram o povoamento e o

surgimento de concelhos nas áreas fronteiriças do Alentejo com o Gharb124.  Numa outra

 passagem Herculano mencionou que, diante da ameaça representada pelos embates com o

clero e parte da Nobreza, “os conselheiros de Sancho” promoveram a expansão concelhia

apenas nos territórios próximos à fronteira com o Gharb, ou seja, expansão limitada que, se

fosse mais difundida, poderia servir de suporte à Coroa nas suas contendas contra os

 poderosos125.  Ao mencionar mais uma vez a atribuição política dos concelhos como

sustentáculo político do rei Herculano, cita Schaefer, que defende ser a primeira etapa dahistória de Portugal marcada pelo “desenvolvimento municipal” e pelas “contendas com o

clero”. Herculano inverte a ordem proposta por Schaefer ao afirmar que o desenvolvimento

dos municípios ocorreu em virtude das disputas reais contra o clero, sendo que o “aumento

rápido dos concelhos vinha depois; vinha, até, em parte, como consequência da primeira”126.

A vocação militar de Sancho II, “ príncipe dotado de nobres e guerreiros instintos,

mas pouco apto para o governo da paz ”127, foi outro aspecto mencionado por Herculano, e as

suas vitórias foram importantes para conter temporariamente os ímpetos da nobreza e tentarfortalecer a autoridade do monarca128. Para Herculano o caráter bélico da monarquia,

fundamentado no direito visigótico, tinha na expansão militar a sua fundamentação política e

mesmo religiosa, visto que exercia “um terrível sacerdócio”, principalmente em virtude da

face religiosa da Reconquista129 e para reforçar este ponto de vista Herculano citou a heroica

 participação de Sancho II na conquista de Elvas, que contribuiu para “uma certa estabilidade,

mas que não foi assaz longa para impedir as fatais consequências das fases violentas e

destruidoras por onde durante três ou quatro anos a nação havia passado”

130

.

124 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 392.

125 Ibidem. p. 408.

126 Ibidem. p. 406.

127 Ibidem. p. 484.

128

 Ibidem. p. 370 - 371.129 Ibidem. p. 408-410 - 427.

130 Ibidem. p. 376.

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Quanto à administração de Sancho II, Herculano mencionou que o monarca tentou

reproduzir, em menor escala, a política de incentivo ao povoamento de Sancho I e a

centralização fiscal e administrativa empreendida por Afonso II, bem como a retomada das

conquistas territoriais no Gharb, praticamente paralisadas no reinado anterior 131. A

implementação total destas medidas foi dificultada pelas constantes instabilidades políticas

acima descritas e que foram decisivas para a deposição de Sancho II e por dois outros fatores:

a personalidade do monarca, “ora rei, ora homem de armas, vacilante entre os impulsos

encontrados destas duas ideias”132  e a formação de uma nova elite administrativa que,

ascendendo dos estratos inferiores da Aristocracia, não tinha a habilidade necessária para

conduzir os negócios de Estado133, sendo este o principal “erro ou fraqueza” pois sem

ministros hábeis e capazes Sancho II não tinha suporte político contra as pretensões daAristocracia e, principalmente, do Clero e faltava a Sancho II o aparato burocrático para

suprir “os dotes de rei que a educação puramente militar e o próprio carácter tornavam

impossíveis nele, e cuja falta, se não foi a causa da sua ruína, deu ao menos para ela

 pretextos e facilidade”134.

 Nos últimos parágrafos destacamos uma longa observação feita por Herculano sobre a

relação entre os reinados de Afonso II e Sancho II que nos parece indicar uma questão que

transcende a aparência moralista e religiosa empregada por Herculano.

Chegado, porém, à conclusão deste livro, pôr-lhe-emos remate com uma reflexão, que, em proveito da família e da sociedade, nos parece deve ser meditada. Afonso II, o leproso, buscando pretextos para espoliar suas irmãs da herança paterna, proferira sobre as cinzasainda quentes de Sancho I a expressão insultuosa de mentecapto. Seu filho e sucessor eradespojado da coroa por um irmão, e os seus espoliadores, para anularem as mercês e dádivasque fizera, declararam-no insensato. Verificava-se, acaso, no rei desterrado essa misteriosasentença bíblica de que a punição de um pai criminoso vem muitas vezes recair sobre seusfilhos? Talvez: embora a sabedoria humana, que se crê mais profunda que a de Deus, sorria

dessa ideia, que lhe repugna, porque não sabe explicá-la!135

 

 Nestes últimos parágrafos Herculano menciona que a desdita da Sancho II pode ter

relação com os pecados de Afonso II, seu pai, que, mesmo morrendo relativamente jovem e

acometido, como Herculano faz questão de lembrar, por uma moléstia incurável e fisicamente

degradante, legou ao filho a culpa pelos seus pecados, purgados com a deposição encabeçada

131 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. 392 et seq.

132 Ibidem. p. 444.

133

 Ibidem. p. 442.134 Ibidem. p. 447 - 448.

135 Ibidem. p. 542.

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REI OBRA CARACTERÍTICASPOSITIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

CARACTERÍTICASNEGATIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

SANCHO II1223/1248

História dePortugal Tomo II

Livro V

Acordo com as irmãsde Afonso II

Conflitos com anobreza e no interiorda nobreza

Vocação militar eguerra como meio deafirmação do poderreal frente à nobreza

Conflitos com o clero

Povoamento econcelhos

Concessões ao clero

Presença de judeus naadministração régia Tentativas decentralizaçãoApoio popular ao rei

História da Origeme Estabelecimentoda Inquisição emPortugal Vol. 1

Presença de judeus naadministração pública.

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3.1.5 Afonso III – 1248/1279

Ainda no Livro V, Herculano começou a traçar a imagem de Afonso III, então Conde

de Borgonha. A passagem mais destacada sobre o Conde de Borgonha versa sobre o silêncio

das fontes quanto aos detalhes da guerra entre Sancho II e o seu irmão. Herculano entendeu as

 poucas informações contidas nas fontes sobre este evento como um esquecimento forçado,

imposto pelo partido vencedor, e pelo seu líder, de um conflito em que os partidários de

Sancho II lutavam contra as “exagerações dos bispos” e “contra a linguagem hipócrita do

infante, a quem a resistência do reino estampava na fronte o ferrete de usurpador ”136.

 No Livro VI, Herculano não repetiu a acusação de usurpador contra Afonso III, mas

em diversos trechos o autor se refere a Afonso III como Conde de Borgonha, título de que

Afonso III abriu mão ao assumir o trono português. A repetição desta referência por

Herculano é relevante, pois nos autoriza a pressupor que a alusão frequente ao título exercido

 pelo monarca antes da deposição de Sancho II era uma forma de o autor lembrar a usurpação

do trono de Sancho II pelo seu irmão e, consequentemente, contestar a legitimidade de

Afonso III.

A análise de Afonso II e seu reinado, feita por Herculano, destacou muitos fatos que

ocorreram nos reinados de seus antecessores: conflitos com o clero, disputas com a nobreza,

campanhas militares e a importância dos concelhos. Começaremos a nossa exposição pelo

último elemento destacado, pois entendemos que Herculano vê a aproximação entre Afonso

III e os concelhos e os grupos concelhios como uma forma de legitimação buscada pelo

monarca, dadas as circunstâncias da sua ascensão ao poder.

O “ ferrete de usurpador ” estampado na fronte de Afonso III não era o único nem o

 principal problema encontrado pelo monarca no início do seu reinado. Como vimos, ao

analisarmos a aliança formada entre o Papa, o clero português e o Conde de Borgonha paradepor Sancho II, o futuro rei de Portugal assumiu um compromisso pelo qual, para Herculano,

o poder civil se subordinava totalmente ao Clero137  e os fidalgos que lutaram ao seu lado

exigiam a contrapartida pelo apoio e os grupos que apoiaram Sancho II mostravam a sua

insatisfação. A situação interna portuguesa era marcada, segundo Herculano, pela “anarquia,

136 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.2. Lisboa: Bertrand, 1981. p. 519.

137 Cf. Ibidem. p. 516. Sobre as concessões feitas, cf. Ibidem. p. 513-515.

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 filha dos ódios civis, (que) tinha dado espantoso incremento aos hábitos de violência e

rapina, que a bruteza da época bastava para alimentar ainda no remanso da paz ”138.

Restabelecer a ordem interna, criar condições para a expansão territorial portuguesa e

consolidar o Estado e a organização da sociedade portuguesa eram medidas necessárias que,

 para verem a luz do dia, necessitavam de que o monarca tivesse um apoio sólido e fosse

legitimado pela sociedade e entendemos que Herculano destacou a aproximação entre Afonso

III e os concelhos, cujas funções foram enumeradas diversas vezes por Herculano nos

reinados anteriores, para explicar a forma como o novo monarca buscou apoio político e

legitimidade. No relato da chegada do Conde de Borgonha a Portugal para lutar contra Sancho

II, Herculano faz menção à conservação dos foros e costumes antigos do Concelho de Lisboa

 pelo Conde de Borgonha, por ocasião da sua chegada à cidade em 1246, prometendo revogaroutros foros prejudiciais aos interesses dos habitantes do concelho lisboeta139.  A “ Política

 judiciosa” de Afonso III, que buscava a aproximação dos concelhos para fortalecer-se diante

de parte da fidalguia que o hostilizava, foi umas das primeiras observações feitas por

Herculano no início do Livro VI:

Estes primeiros actos do seu reinado (confirmação e acréscimos dos privilégios dos concelhosde Lisboa e Freixo), na verdade insuficientes para caracterizar com evidência qualquer

sistema de governo, indicam, todavia, até certo ponto, que Afonso III, inimizado com uma parte da fidalguia, como os factos anteriores e ainda alguns subsequentes o manifestam, buscava fortificar-se com a benevolência dos concelhos, que diariamente iam ganhando

importância, recursos e, portanto, influência política.140

As reformas administrativas e fiscais que buscou implementar, e que serão analisadas

mais adiante, também tinham nos concelhos, “ súbditos imediatos da coroa” e aliados de peso

de Afonso III, que implantou leis severas para coibir os abusos dos delegados régios nos

concelhos, proteger a população concelhia e “reconduzir os tributos ao seu legítimo

destino”141

.  Numa outra passagem, Herculano teceu uma comparação entre a situação dosnobres e dos concelhos diante das reformas administrativas e fiscais e do desenvolvimento

econômico ocorridos durante o reinado de Afonso III. Para Herculano, “o futuro pertencia aos

Concelhos”, tendo em vista que o progresso econômico e os direitos estabelecidos nos forais

138 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.3. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 32 - 33.

139

 Ibidem. p. 517 - 518.140 Ibidem. p. 16 - 17.

141 Ibidem. p. 112 - 114.

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que fortaleciam a burguesia  enquanto as Inquirições Gerais e as decorrentes reformas de

Afonso III enfraqueciam a nobreza142. 

A ampliação do poder de representação política dos concelhos ocorreu, no entender de

Herculano, nas Cortes de Leiria de 1254 em que o objetivo era “reparar os males públicos

agravados pela guerra civil   (deposição de Sancho II e conflitos internos) e estrangeira 

(conflitos com Castela pelo controle do Algarves)”143. Segundo o autor, estas Cortes contaram

com a participação de representantes dos concelhos, delegados do “ povo, constituído e

vigorizado lentamente, vê enfim assentarem-se os seus representantes no conselho dos reis, e

a voz do homem de trabalho patentear solenemente os seus agravos e invocar os seus direitos

contra as classes privilegiadas”, fato inédito na história do país144 e, por extensão, um reforço

na aliança política entre rei e concelhos, bem como um passo em direção à legitimação deAfonso III através do reconhecimento da importância das instituições municipais e da

“ garantia da sua conservação futura”145. A concessão de Afonso III para a representação dos

concelhos, que Herculano classifica como “ Progresso social ”, foi resultado da influência

sofrida pelo ex-Conde de Borgonha na corte de Luis IX de França, que oferecia “aos

 príncipes eficazes exemplos da arte de reinar. De lá trouxera mais de uma ideia de progresso

 social, que é visível no seu reinado”146. A afirmativa feita por Herculano no tocante à menção

de “ progresso social ”, associada à convocação de delegados burgueses para o parlamento, foifundamentada na observação feita por Guizot na obra Civilisation en France,  sobre a

experiência parlamentar e representativa do povo francês147. 

A conjuntura foi favorável aos concelhos e seus habitantes, na seara econômica

também, e as evidências de prosperidade do país consistiam no “acréscimo dos metais

 preciosos, da riqueza monetária, não do rei nem da nobreza ou do clero, em cujas mãos

 parecia dever achar-se acumulada essa riqueza, mas nas dos vilãos, principalmente dos

concelhos”

148

. De acordo com Herculano, foi a prosperidade econômica que possibilitou ocrescimento dos concelhos existentes e o surgimento de novos concelhos e não a iniciativa de

142 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal,t.3. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 145 - 146.

143 Ibidem. p. 49.

144 Ibidem. p. 51.

145 Ibidem. p. 52.

146

 Ibidem. p. 73.147 Cf. nota 90 in Ibidem. p. 73.

148 Ibidem. p. 76 - 77.

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Afonso III, apesar do grande número de forais por ele outorgados, que regularizam uma

situação já existente, ou seja, normatizam o controle político e fiscal sobre povoações criadas

neste pico econômico e estabelecendo, em contrapartida, direitos e privilégios, buscando

ampliar a sua base de apoio149. 

A reforma da administração pública foi uma preocupação de Afonso III, realçada por

Herculano, pela qual “ Desde o começo do seu reinado o conde de Bolonha procurara imitar,

 pelo que tocava à fazenda pública, o sistema severo de seu pai na reivindicação e aumento

dos direitos reais”150.

 No aspecto jurídico, uma medida instituída por Afonso III que mereceu destaque foi a

tentativa de revogação da Revindicta, costume que pode ser definido como exercício privado

da justiça em que o ofendido, ao invés de buscar os tribunais, atentava contra a vida doofensor e, uma vez morto o ofensor, o ofendido podia se apropriar de bens do ofensor 151. 

Herculano destacou outra reforma jurídica considerada “uma comédia representada

com toda a solenidade”: a criação de uma instância na Cortes de Santarém de 1273, cujo

objetivo era reformar os atos e determinações do rei e de seus ministros considerados

injustos, sendo as suas determinações plenamente acatadas por Afonso III. Para Herculano

esta medida, implementada diante das determinações do Papa e impostas ao rei ao longo das

muitas contendas com o clero, não tinha efeito prático pois os integrantes dessa instância eramadministradores ligados diretamente ao rei e validos que decidiam sempre a favor de Afonso

III152. 

Quanto à tributação, “as tendências, o pensamento característico da política interna

do seu reinado, é a simplificação e o acréscimo do tributo”153 e para atingir estes objetivos

Afonso III recorreu à modificação da cobrança tributária e a novas Inquirições Gerais.

Até o crescimento econômico ocorrido durante o reinado de Afonso III, o sistema

tributário era baseado na cobrança in natura, gerando um complexo e falho regime fazendário, possibilitando abusos e distorções154.  Com a difusão da moeda, resultando do dinamismo

comercial, “adquiriu então certo carácter de generalidade que indica um pensamento

149 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.3. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 77.

150 Ibidem. p. 73.

151 Ibidem. p. 33 - 34.

152

 Ibidem. p. 170.153 Ibidem. p. 108.

154 Ibidem. p. 77 - 78.

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administrativo, um cálculo fiscal ”155, criando condições para a simplificação da cobrança de

impostos:

A reforma na economia tributária que atribuímos ao reinado deste príncipe consistiu naredução das prestações em géneros e serviços a uma certa soma anual em dinheiro paga, porvia de regra, aos terços. Esta mudança operava-se por um contrato, e esses forais, que têm passado por verdadeiras cartas de povoação, vêm a ser, na realidade, apenas os títulos de tais

conversões.156

Voltamos a mencionar a importância dada por Herculano ao surgimento de novos

concelhos e o crescimento dos existentes. A afirmativa que a expansão concelhia foi resultado

da prosperidade econômica é reforçada pelo estabelecimento de novos forais que

normatizaram o controle político e fiscal sobre povoações criadas neste pico econômico eestabelecendo, em contrapartida, direitos e privilégios:

ao passo que a percepção dos impostos se facilitava e simplificava, os concelhos se iamconvertendo numa espécie de pequenas repúblicas unidas pelos laços da monarquia, e até asaldeias de pouca monta obtinham, a troco de semelhantes substituições, privilégios cuja

natureza era a de verdadeiras garantias políticas.157

Afonso III retomou as Inquirições Gerais instituídas no reinado de Afonso II como

instrumento de controle fiscal e administrativo

158

  que resultaram nas mudanças fiscais e noestabelecimento de restrições nas explorações, posse e administração dos bens da Coroa e dos

concelhos resultantes das Inquirições de 1258159.  Para Herculano, que havia criticado as

Inquirições de Afonso II, as Inquirições Gerais de Afonso III são formas legítimas e

ocorreram dentro da ordem legal, pois:

não obstante estribar-se na índole e natureza do delapidado património público e conter-serigorosamente nos limites das atribuições do rei, era um acto de certo modo revolucionário,que forçosamente havia de agitar todo o reino e em especial os distritos do Norte; porque feria

milhares de interesses e alterava milhares de situações, e porque o abuso, convertido pela sualonga existência em costume, era quase direito, ideias que na Idade Média facilmente se

confundiam. 160 

155 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal, t.3. Lisboa: Bertrand, 1980. p. 79.

156 Ibidem. p. 79.

157 Ibidem. p. 81.

158

 Ibidem. p. 84 - 85.159 Ibidem. p. 110-116.

160 Ibidem. p. 117 - 118.

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aprovação dos delegados dos grupos sociais portugueses. Portanto, Herculano via nestas

Cortes o estabelecimento de princípios e práticas que ele defendia no século XIX e que

haviam sido tolhidas durante o Antigo Regime português. De posse dessa conjectura,

retomamos a questão da legitimidade de Afonso III que, pressupomos, estava implícita no

 pensamento de Herculano, quando foi mencionada a aproximação do monarca com os

Concelhos e que, em nosso entender, também estava presente no reconhecimento da

representação política e na sua necessidade para referendar a criação de novos impostos.

As reformas e modificações administrativas e fiscais afetavam os interesses das

classes superiores  que, mesmo mantendo e mesmo ampliando alguns privilégios, moviam

resistências contra Afonso III. A situação interna portuguesa permanecia, em linhas gerais,

inalterada em comparação ao final do reinado de Sancho II, sendo marcada pelas“Contestações com o clero, desbarato das rendas públicas, desenfreamento da fidalguia,

queixumes dos povos opressos, eis os factos que, exagerados, tinham trazido a deposição do

 soberano.”166 

O acordo assinado com o clero, antes de iniciar a luta contra seu irmão pelo trono

 português, enfraquecia Afonso III mas o monarca “ para contrabalançar tantos elementos de

ruína havia o que faltara à coroa no reinado antecedente, (era) um príncipe igual ao perigo,

ousado, experiente e activo”167

. A implícita busca por legitimidade e o apoio dos concelhosdestacados por Herculano eram, ainda segundo o autor, suportes para Afonso III libertar-se

das limitações impostas pelo clero que, mais uma vez usando as armas empregadas para

ameaçar e punir os monarcas portugueses, entrou em choque com Afonso III que, neste

aspecto, mereceu uma observação respeitosa de Herculano:

Dir-se-ia que a nenhum rei de Portugal era lícito ir repousar no túmulo sem pelejar umarenhida batalha com a ordem sacerdotal; e Afonso III não soube ou não pôde evitar osresultados da inconciliável antinomia do poder real e da independência quase absoluta que o

corpo eclesiástico atribuía a si próprio. 168

Diante das reformas empreendidas por Afonso III, o clero reagiu como de costume169 e

utilizou pretensas queixas contra o rei, feitas pelos integrantes dos Concelhos portugueses,

que acusavam Afonso III de cometer abusos. Para opor-se às acusações feitas pelo clero

166 HERCULANO, Alexandre. História de Portugal,t.3.Lisboa: Bertrand, 1980. p. 47 - 48.

167

 Ibidem. p. 47 - 48.168 Ibidem. p. 107.

169 Cf. Ibidem. p. 120 - 121.

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REI OBRA CARACTERÍTICASPOSITIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

CARACTERÍTICASNEGATIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

AFONSO III

1211/1223

História dePortugal Tomo

II Livro V

Articulações com oclero para ascender aotrono português

História de

Portugal TomoIII Livro VI

Aproximação com osConcelhos

Situação interna einstabilidade política

Conquistas militares Conflitos com o CleroCentralização jurídica eabolição da justiça

 privada

Má gestão dos recursosfinanceiros da Coroa

Representação dosconcelhos nas cortes e“Progresso Social”Expansão comercial ecrescimento econômicoControleadministrativo,reformas fiscais eInquirições GeraisExpansão econômica econcelhos

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3.1.6 D. João II – 1481/1495

O quarto monarca da dinastia de Avis foi mencionado por Herculano apenas na

 História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal como um marco divisor na

 política de tolerância portuguesa com os judeus. Na obra citada, o objetivo de Herculano foi

traçar o processo que levou ao estabelecimento da Inquisição em Portugal, conforme o título

indica, e antes de descrever minuciosamente as negociações entre D. João III (1521-1557) e a

Santa Sé, foco principal da obra, Herculano remontou em linhas gerais o contexto europeu

que originou a Inquisição, a política de tolerância dos reis com os judeus e muçulmanos e a

 presença destes grupos na sociedade portuguesa. Protegidos pelas Ordenações Afonsinas e

“regidos por um direito público e, em muitos casos, por um direito civil especiais, ao

começar o último quartel do século XV ”, os judeus viviam em bairros separados, sendo

considerados “uma nação, de certo modo, à parte” e as manifestações e violências contra eles

eram passíveis de severas punições estabelecidas pela legislação. Muitos judeus exerciam

cargos públicos e “eram compensados com mercês, como os súditos cristãos”173. Herculano

mencionou que nos reinados de D. João I (1385-1433)174 e de D. Afonso V (1438-1481)175 os

 judeus eram protegidos pelos próprios reis. A Inquisição não existia em terras portuguesas e

“Se, no século XIV, a Inquisição era em Portugal uma cousa, a bem dizer, nula e, no XV, se

achava reduzida a uma ridicularia fradesca”176.

Contudo, a situação mudou no reinado de D. João II. Se o monarca manteve os

funcionários judeus que arrecadavam impostos177, costume comum entre os reis de

Portugal178, Herculano indicou duas medidas adotadas pelo monarca que marcaram a

mudança da política de tolerância da Coroa: a imposição de duras condições aos judeus

espanhóis que fugiam da perseguição empreendida no seu reino de origem e o povoamento da

Ilha de São Tomé por jovens judeus apartados compulsoriamente de suas famílias

179

.

173 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal. Lisboa: Europa-América,[198-?]. p. 57-59. v.1.

174 Ibidem. p. 59.

175 Ibidem. p. 61.

176 Ibidem. p. 38

177 Ibidem. p. 64.

178 Ibidem. p. 58.

179 Sobre as condições impostas aos judeus por D. João II, cf. Ibidem. p. 67. Sobre o povoamento de São Tomé por jovens judeus, cf. Ibidem. p. 69.

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171

Herculano não dedicou muitas páginas a D. João II, mas podemos perceber que a

modificação da política de tolerância em relação aos judeus não foi o único elemento

destacado. Apesar de este ser o principal tema ressaltado pelo autor, há outra questão que

envolveu esta modificação e que está implícita no reinado de D. João II, mas torna-se clara

quando os reinados de D. Manuel I (1495-1521) e D. João III (1521-1557) são mencionados

no processo de estabelecimento da Inquisição em Portugal: o aumento da influência espanhola

nos assuntos portugueses. Portanto, não era apenas a quebra de uma tradição louvável como a

tolerância religiosa, que era criticada por Herculano, mas a ameaça que passou a pesar sobre

Portugal, a submissão à Espanha e o fim da soberania nacional.

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175

REI OBRA CARACTERÍTICASPOSITIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

CARACTERÍTICASNEGATIVAS

DESTACADAS PORHERCULANO

D. MANUEL1495/1521

História da Origeme Estabelecimentoda Inquisição emPortugal Vol. 1

Liberdade a escravos judeus

Ressalvas à tolerânciade D. Manuel

Proteção aos cristãos-novos

Casamento com viúvado Infante Afonso e

 perseguição aos judeusResistências aoestabelecimento daInquisição

Perseguição aos judeus e conversõesforçadas

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177

viviam opulentamente, sem se saber como”192, as dívidas interna e externa, as despesas com a

defesa e a exploração da África, Índias e Brasil, os gastos com a construção de conventos e o

sustento de religiosos comprometiam “a fazenda do Estado com mercês de dinheiro,

verdadeiramente pródigas, feitas a cortesãos e afeiçoados”, justificando a desconfiança

quanto aos interesses econômicos para o estabelecimento da Inquisição em detrimento dos

sentimentos religiosos193. Tais problemas eram:

as tristes consequências dos erros cometidos por um príncipe ignorante e fanático, dominado por frades e por hipócritas, e que tomara por principal mister de rei perseguir a porção maisrica e mais industriosa dos próprios súditos, embora tragando afrontas, arruínando o país,abrindo o campo a todo o gênero de imoralidades, caluniando o cristianismo e desobedecendo

aos preceitos da tolerância e da caridade evangélicas.194

Além de enterrar a tradicional tolerância religiosa da Coroa, desproteger parte dos seus

súditos diante das ameaças da perseguição e abrir mais espaços para a ingerência da Espanha,

então governada por Carlos V, nos assuntos portugueses e comprometendo a soberania

 portuguesa, podemos indicar que a análise de Herculano sobre D. João III destacou mais dois

equívocos do monarca: o desleixo com a administração e a desatenção aos anseios da

sociedade portuguesa, relegados a segundo plano diante das preocupações fradescas e do ódio

de D. João III a uma parcela dos seus súditos que, protegidos pelos reis portugueses desde a

independência e atuantes em setores e atividades importantes para a nação e seu

desenvolvimento, como o serviço público e as atividades mercantis, e que foram objeto do seu

ódio e discriminação.

192 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América,[198-?]. p. 104. v.1.

193 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América,

[198-?]. p. 99. v.2.194 Ibidem. p. 116. No volume III desta obra Herculano mencionou estas e outras medidas de D. João III que agravavam acrise econômica. Cf. HERCULANO, Alexandre. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal . Lisboa:Europa-América, [198-?]. p. 20 - 26. v.3.

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Imperador Afonso VII, fruto do empenho e da posição inflexível de Afonso I quanto à defesa

da nacionalidade recém-libertada e que precisava ser consolidada.

A manutenção da integridade territorial e, sempre que possível, a ampliação do

território para atender as necessidades nacionais era uma das virtudes do monarca. As

conquistas de Afonso I, Sancho I, Sancho II e Afonso III e as longas e penosas negociações

com os reinos de Leão e Castela, que muitas vezes foram resolvidas nos campos de batalha,

contribuíram para a formação do território português, concluída no século XIII.

Era necessário impedir toda e qualquer tentativa de ingerência externa na vida política

da nação. As difíceis relações entre Igreja e os reis portugueses, após o reinado de Afonso I,

assim como as constantes tensões envolvendo Portugal e os demais reinos ibéricos, muitas

vezes agravadas pela política matrimonial entre as casas dinásticas, são exemplos, muitasvezes malsucedidos, das tentativas de evitar a interferência externa. Um dos pontos negativos

mais apontados por Herculano no estudo dos monarcas portugueses foi o espaço concedido e

os esforços empenhados nos conflitos e embates com a Igreja Católica, o Clero português e o

Papa. Antecipando a questão ao mencionar a enfeudação de Portugal à Santa Sé durante o

reinado de Afonso I, Herculano tratou o conflito entre Trono e Altar como uma disputa pelo

 poder em que ambos os lados envolvidos buscavam ampliar o seu poder e subordinar o

oponente e, partindo do princípio de que o monarca era o representante da sociedade emantenedor da ordem, Herculano via as pretensões hegemônicas do Clero como uma ameaça

à nação e à independência de Portugal. Apesar de não ter associado os Concelhos como

 presumíveis aliados dos reis nestes embates, entendemos que as menções aos inúmeros

embates e concessões ao Clero, ao Papa e à Igreja poderiam ser minimizados, caso os

monarcas buscassem o apoio dos Concelhos, pois, conforme Herculano afirmou inúmeras

vezes na História de Portugal , os Concelhos eram o principal suporte político do rei contra as

 pretensões das classes poderosas, ou seja, clero e nobreza. Portanto, esta ameaça à soberanianacional e à ordem social representada pelos conflitos com a Igreja poderia ser minimizada ou

mesmo encerrada de maneira favorável aos reis, se estes fortalecessem e buscassem o apoio

dos Concelhos.

 No tocante à Inquisição, a intervenção da Igreja e da Espanha decorrente do

estabelecimento do Santo Ofício e as perseguições, restrições e conversões forçadas foram

criticadas por Herculano, pois marcaram a institucionalização da intolerância e a quebra das

tradições portuguesas. Outro aspecto relevante a ser destacado: as práticas intolerantes, o

estabelecimento da Inquisição e a abertura às ingerências externas foram iniciativas dos

 próprios monarcas, que buscavam ampliar seu poder, como D. Manuel, ou seguiam princípios

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irracionais como o ódio aos judeus, como D. João III. Portanto, os interesses nacionais

ficavam em segundo plano diante das pretensões pessoais dos monarcas.

Ao transpor a preocupação com a nacionalidade para o contexto histórico de

Herculano, qual deveria ser a atuação do monarca para defender a nação? Pensamos que a

tenacidade demonstrada por Afonso I para impor a defesa da nação era uma virtude que

Herculano desejava encontrar nos monarcas portugueses, principalmente no seu pupilo D.

Pedro V. A manutenção, restabelecimento ou criação de instituições que representam

segmentos da sociedade, com destaque para os concelhos, tão mencionados por Herculano,

era uma necessidade para os monarcas portugueses do século XIX manterem a boa

organização social e, por conseguinte, a ordem interna. No plano internacional, o monarca

tinha que adotar uma postura forte e soberana para defender os interesses e o território portugueses, tão ameaçados no século XIX em virtude do atraso econômico português diante

dos demais países da Europa Ocidental industrializada e em pleno processo de expansão

colonial, que colocava em risco as colônias portuguesas, vitais para a economia nacional. E

com o mesmo ímpeto, o rei tinha que impedir a ingerência externa nos assuntos portugueses,

que nos oitocentos tinha como exemplo a postura ultramontana da Santa Sé que tentava impor

restrições aos direitos e conquistas liberais, como no episódio das Conferências do Cassino.

Rei e representação política da sociedade

Ao mencionar que a independência de Portugal foi um ato resultante das vontades

 pessoais do então Infante Afonso Henriques e da sociedade portuguesa e a convocação de

cortes por Afonso III, que passaram a contar com a participação de representantes concelhios,

 para deliberar sobre impostos e temas nacionais, Herculano construiu os monarcas como

executores da vontade dos portugueses, governando de acordo com os anseios nacionais.Portanto, o poder do rei era exercido com o aval e apoio da sociedade, pois ele, o rei,

concretizava os anseios da sociedade e, simultaneamente, mantinha a ordem social por

delegação da própria sociedade. Na visão de Herculano o rei não era um autocrata, já que

concedia uma parcela de poder para a sociedade através de instituições representativas, que

eram um elo entre rei e sociedade, possibilitando que o monarca realizasse as vontades da

sociedade, desde que em acordo com as leis e tradições do país.

Conforme destacado inúmeras vezes ao longo do nosso trabalho, o rei era, na

concepção política liberal conservadora de Herculano, a chave de toda a organização

 política. O papel central do rei não indicava um modelo caracterizado pela centralização nos

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moldes absolutistas, remetendo às atribuições constitucionais do monarca que consistiam, em

síntese, em zelar pelo funcionamento ideal das instituições que representam os diferentes

grupos sociais e pela manutenção do equilíbrio destas instituições que, convém repetir,

representam os diversos grupos sociais e que, portanto, possuem capacidade política. Existem

os interesses divergentes no interior destas instituições representativas e entre elas devem ser

negociados, e os impasses resultantes devem ser equacionados pelo rei. Após o

estabelecimento do Estado Liberal português em 1834 o embate entre as diversas facções

 políticas gerava constantes crises políticas e a função do rei era buscar o equilíbrio, moderar

as disputas e os conflitos de interesses entre as diversas facções através da convocação de

eleições, nomeações de gabinetes ministeriais, etc., atribuições estabelecidas por uma Carta

que, no entender de Herculano, buscava restabelecer as liberdades do reino, sendo o monarca,conforme a Carta, o avalista destas liberdades.

Povoamento e Concelhos

Os Concelhos formavam a principal instituição para Herculano e vimos em diversos

momentos as suas atribuições, importância e construção histórica. Os concelhos medievais

 portugueses eram a solução para os problemas enfrentados por Portugal e pelos demais paíseseuropeus no século XIX, desde que adaptados às circunstâncias históricas oitocentistas. Os

concelhos, relembrando, eram instituições que, dentre outras atribuições e características

vistas anteriormente, representavam politicamente a classe média, forneciam o suporte

 político necessário ao rei e possibilitavam o equilíbrio entre os dois princípios propostos pela

filosofia da História de Herculano, característicos do estágio ideal da vida social.

O crescimento do número de concelhos através das políticas de incentivo à ocupação,

 povoamento e exploração de áreas conquistadas por Sancho I e em menor grau por Sancho IIe resultante do desenvolvimento econômico ocorrido no reinado de Afonso III era, portanto,

uma expansão do poder de representação da burguesia  portuguesa e da sua valorização

 política e institucional junto aos monarcas durante os reinados dos primeiros cinco monarcas

 portugueses, principalmente no reinado de Afonso III, quando os representantes dos

Concelhos passaram a integrar as Cortes. Se no momento de consolidação da independência

nacional e do Estado português os municípios portugueses foram relevantes por garantir os

direitos dos seus integrantes e apoiar o rei, sua contribuição também era decisiva para o

estabelecimento e consolidação do Estado Liberal português que, segundo Herculano,

 buscava resgatar as liberdades medievais portuguesas ofuscadas durante o Antigo Regime.

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183

Restabelecer os concelhos e suas atribuições como uma das bases do Estado português era

fundamental para resguardar os direitos da classe média e amparar o rei no desempenho das

suas funções constitucionais, com destaque para a manutenção da ordem social e do equilíbrio

entre os grupos sociais e as instituições que os representavam.

O incentivo ao povoamento das áreas conquistadas teve uma outra importância, além

de possibilitar a expansão concelhia. Ao tratar do tema durante a análise do reinado de Sancho

I, Herculano mencionou que os novos povoados também tinham como objetivo aumentar a

 produção econômica do reino. O incremento das atividades econômicas, com destaque para a

 produção agrícola, remete a uma preocupação econômica de Herculano de recuperar a

combalida economia portuguesa no século XIX através da difusão da pequena propriedade

rural através da enfiteuse e da criação das Caixas Econômicas. O fomento à produção agrícolafoi a solução proposta para resolver os problemas econômicos, expandir a propriedade e,

consequentemente, o direito de voto.

Tradições e Leis

A concepção romântica de Herculano preza o resgate das tradições portuguesas como

uma forma de encontrar as soluções para o conturbado momento histórico em que ele vivia. Aexemplo das características positivas destacadas pelo autor, que buscamos reconstruir, muitas

destas tradições são entendidas como uma necessidade para estabilizar as relações sociais

 portuguesas. O rompimento destas relações através de mudanças bruscas, como a contestação

do testamento de Sancho I e o estabelecimento das Inquirições Gerais para fins políticos,

desestabilizava a organização social e gerava a sensação de insegurança jurídica, pois as

tradições guardam uma relação muito profunda com as leis e, no entender do liberalismo

conservador de Herculano, são estas tradições e leis que definem as relações sociais, políticase econômicas e possibilitam o equilíbrio no interior da sociedade.

 No século XIX português, a defesa das tradições e das leis deve ser uma das

características dos monarcas, pois, atuando como guardião das regras que regem o

funcionamento harmônico da sociedade, o rei impede o estabelecimento de práticas estranhas

ao costume nacional, como o estabelecimento da democracia pela revolução setembrista de

1836, veementemente criticada por Herculano em A Voz do Profeta.

Uma tradição portuguesa que Herculano entendeu que tenha sido violada nos reinados

de D. João II, D. Manuel e D. João III, é a tolerância religiosa e o respeito e proteção à

diversidade de credo e opiniões. A denúncia da violação de uma tradição que remonta às

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origens de Portugal foi feita na  História da Origem e Estabelecimento da inquisição em

 Portugal , obra que tem declarado objetivo de criticar setores tradicionalistas da sociedade

 portuguesa, principalmente do clero, que contestaram a visão de Herculano sobre a Batalha de

Ourique. Sentindo-se atingido em sua honra e na sua capacidade intelectual, Herculano fez da

 História da Origem e Estabelecimento da inquisição em Portugal   uma espécie de libelo à

liberdade de consciência ao reconstruir os horrores da perseguição aos opositores e críticos,

implícita na perseguição religiosa e na institucionalização da intolerância através do

estabelecimento da Inquisição e a ameaça de restabelecimento destas práticas estranhas às

tradições portuguesas, como a Lei das Rolhas (1850), que restringia as condições para o pleno

exercício da liberdade de imprensa, e proibição das Conferências do Casino (1871), sob

influência do clero ultramontano que deveriam ser combatidas sem tréguas.

Centralização, Controle Administrativo e Aparato Burocrático

A centralização empreendida com o intuito de fortalecer o poder e buscar o

enriquecimento pessoal do rei foi criticada por Herculano, pois enfraquecia a sociedade e

retirava recursos necessários para o seu desenvolvimento. Ao tratar da centralização

administrativa e fiscal promovida por Afonso II e, em menor grau, por Sancho II, Herculanotratou a ampliação do controle régio como um artifício para enfraquecer clero e nobreza

questionando direitos e privilégios outorgados pelos monarcas anteriores através das

Inquirições Gerais e, com isso, violou costumes, tradições e leis. Portanto, a centralização nos

moldes de Afonso II dificultava o desenvolvimento da sociedade e gerava insegurança

 jurídica.

Ao tratar das reformas administrativas de Afonso III, Herculano entendeu o aumento

do controle administrativo pelo rei como uma medida positiva, visto que era necessária pararestabelecer a ordem em Portugal após a deposição de Sancho II e as disputas com os grupos

que apoiavam o monarca afastado. Apesar das tentativas de depreciar o valor da moeda e de

estabelecer novos impostos, muitos deles considerados injustos por Herculano, a convocação

das Cortes para deliberar sobre estas medidas foi destacada como um fato altamente positivo

 pelo autor.

As menções feitas por Herculano aos ministros, validos e funcionários régios apontam

 para a importância de o monarca cercar-se de administradores competentes para o exercício

do bom governo e de controlá-los para evitar desvios e adoção de medidas prejudiciais aos

interesses do rei e da nação. A importância do aparato estatal eficiente destacada por

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Herculano leva-nos a associá-la a um pressuposto liberal: a meritocracia. Ao analisar os

fatores que levaram à deposição de Sancho II, Herculano mencionou que um dos equívocos

cometidos pelo monarca foi cercar-se de administradores incapazes de contornar as disputas

internas da nobreza, relegando a segundo plano os ministros de seu pai, Afonso II, que

conseguiram manter a estabilidade política nos primeiros anos de seu reinado. Da mesma

forma, elogiou os burocratas de Afonso III, que souberam aproveitar o bom momento

econômico português para promover novos povoamentos. Portanto, o rei precisa contar com

funcionários competentes para auxiliá-lo no exercício do poder, independentemente da origem

social ou religiosa do funcionário, e evitar a escolha de administradores despreparados ou

interessados apenas em obter vantagens pessoais em detrimento da nação.

Esta preocupação com a escolha de um corpo burocrático capaz e qualificado pode serassociada às constantes mudanças nos quadros administrativos portugueses no século XIX,

em virtude das alianças e circunstâncias políticas cujas atribuições não eram cumpridas por

falta de interesse político ou do pouco conhecimento técnico necessário, tornando a nomeação

do funcionalismo moeda de troca dos gabinetes ministeriais, enquanto o país precisava

urgentemente de ações para sanear os graves problemas vividos, principalmente na gestão

financeira do Estado.

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CARACTERÍSTICASPOSITIVAS

EXEMPLOS REIS

1) Defesa da Nacionalidade portuguesa.

Defesa da Nacionalidade AFONSO IReferência ao sentimentode identidade nacional

AFONSO I

Alusão a Portugal comoterra do infante e dosnobres.

AFONSO I

Embates com o clero paradefesa da nacionalidade

AFONSO I

Defesa da Nacionalidade SANCHO I

2) Rei e representação política da sociedade

Rei como executor dosanseios e da vontade

 popular

AFONSO I

Apoio popular ao rei SANCHO IIRepresentação dosconcelhos nas cortes e“Progresso Social”

AFONSO III

3) Habilidade militar ecapacidade de liderança

Habilidade militar AFONSO IAutoproclamação como rei AFONSO IReconhecimento pelosreinos ibéricos

AFONSO I

Sagração de AfonsoHenriques como cavaleirovista como ato deindependência política doinfante

AFONSO I

Concessão de apoio e deterras e castelos às OrdensMilitares

SANCHO I

Vocação militar e guerracomo meio de afirmação do

 poder real frente à nobreza

SANCHO II

Conquistas militares AFONSO III

4) Povoamento econcelhos

Povoamento e concelhos AFONSO IImportância e participaçãoda população do Concelhode Guimarães naindependência

AFONSO I

Incentivo ao povoamentodo território e à criação deConcelhos

SANCHO I

Povoamento e concelhos SANCHO IIAproximação política comos Concelhos

AFONSO III

Expansão comercial ecrescimento econômicoassociado aos concelhos

AFONSO III

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5) Tolerância religiosa

Demonstrações detolerância religiosa

SANCHO I

Inexistência da Inquisiçãoem Portugal e resistências

em estabelecê-la.

AFONSO II

Presença de judeus naadministração régia

SANCHO II

Manutenção dos judeus naarrecadação de impostos

JOÃO II

Liberdade a escravos judeus

D. MANUEL

Proteção aos cristãos-novos D. MANUELResistências aoestabelecimento daInquisição

D. MANUEL

6) Aparato burocráticocompetente

Ascendência dos validosnas questõesadministrativas

SANCHO I

Centralização jurídica eabolição da justiça privada

AFONSO III

Centralização, reformasfiscais e Inquirições Gerais

AFONSO III

7) Respeito às tradições esegurança jurídica

(respeito à ordem legal)

Respeito às doações e privilégios concedidos peloantecessor

SANCHO I

Acordo com as irmãs deAfonso II sobre o espóliode Sancho I

SANCHO II

Quadro das características positivas apontadas por Alexandre Herculano.

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CARACTERÍSTICAS NEGATIVAS

EXEMPLOS REIS

1) Relações com a IgrejaCatólica (Subordinação,Conflitos e Concessões)

Subordinação feudo-

vassálica ao Papa

AFONSO I

Críticas à aproximação esubordinação à Igreja.

AFONSO I

Conflitos com a Igreja ecom o Clero

SANCHO I

Concessões ao Clero AFONSO IIEmbates com o clero AFONSO IIEmbates com o clero SANCHO IIConcessões ao Clero SANCHO IIArticulações com o clero

 para ascender ao trono português

AFONSO III

Embates com o clero AFONSO IIIReinado marcado pelolongo período deestabelecimento daInquisição

JOÃO III

Estabelecimento pleno daInquisição

JOÃO III

2) Pouca capacidademilitar, política eadministrativa

Pouca habilidadeadministrativa

AFONSO I

Participação das tropasconcelhias na Batalha de Navas de Tolosa (sem a presença do rei)

AFONSO II

Tensão com setores daAristocracia

AFONSO II

Inabilidade e pouca aptidãomilitar

AFONSO II

Críticas à limitada criaçãode concelhos

AFONSO II

Conflitos com a nobreza e

no interior da nobreza

SANCHO II

Situação interna einstabilidade política

AFONSO III

Críticas à capacidade de D.João III

JOÃO III

3) Centralizaçãoadministrativa paraaumento do poder pessoal

Centralização política eadministrativa

AFONSO II

Inquirições Gerais AFONSO IITentativas de centralização SANCHO II

4) Enriquecimento do rei àcusta da sociedade eaumento da carga tributária

Enriquecimento do rei à

custa da sociedade eaumento da carga tributária

SANCHO I

Aumento e ampliação da AFONSO II

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tributação (aumentos dosimpostos existentes ecriação de novos impostos)

5) Má gestão financeira

Má gestão dos recursos

financeiros da Coroa

AFONSO III

Situação econômica doreino (em estado crítico)

JOÃO III

6) Rompimento dastradições e insegurançalegal

Disputas familiares quantoao testamento de Sancho I

AFONSO II

Insegurança jurídicaquanto ao direito de

 propriedade

AFONSO II

7) Intolerância

Condições para imigraçãode judeus espanhóis paraPortugal

JOÃO II

Povoamento de São Tomé por filhos de judeus tiradosde suas famílias

JOÃO II

Perseguição aos judeus econversões forçadas

D. MANUEL

Ódio de D. João III aos judeus

JOÃO III

Estabelecimento pleno daInquisição

JOÃO III

8) Abertura às ingerênciasexternas – ameaças àsoberania nacional

Intervenção leonesa em

assuntos portugueses emconsequências das disputasfamiliares quanto aotestamento de Sancho I

AFONSO II

Articulações com o clero para ascender ao trono português

AFONSO III

Casamento com viúva doInfante Afonso, filha dosReis Católicos e

 perseguição aos judeus

D. MANUEL

Influência da rainha (deorigem espanhola) noestabelecimento daInquisição

D. JOÃO III

Estabelecimento pleno daInquisição

D. JOÃO III

Quadro das características negativas apontadas por Alexandre Herculano.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Construído a partir de uma concepção de  História   Magistra Vitae, calcada em

documentos submetidos a uma criteriosa análise e num pressuposto teórico em que o

equilíbrio  é a ideia fundamental, tendo a Classe Média  definida como o grupo que tem a

 propriedade e que trabalha como o principal agente social e “a mais poderosa, a única

verdadeira e eficazmente poderosa, das que compõem as sociedades modernas”1  como

sustentáculo, e as instituições que fundamentam o poder e representam este grupo, os

Concelhos  e os  Forais como instrumentos para o exercício do poder e contraponto para as

exigências das classes superiores, clero e aristocracia, o modelo de rei proposto por

Alexandre Herculano detém a soberania política e, mesmo em virtude deste fato, é “a chavede toda a organização política”, partilhando com as instituições representativas da sociedade a

administração do Estado.

Portanto, o modelo de rei proposto por Herculano, e o respectivo contra modelo, é

indissociável dos conceitos de  História, Classe Média, Concelhos  e  Forais posto que estes

 Atos discursivos são fundamentais nas intervenções de Herculano, no seu contexto linguístico 

e na sua concepção de Estado.

Um Estado descentralizado, com base nos Concelhos, cujos atributos constam nosforais como forma de garantir a representatividade do grupo social que, no entender de

Herculano, é o mais relevante e poderoso e tem o potencial de promover a regeneração

nacional e cuja ampliação através da difusão da propriedade, é uma garantia para evitar o

conflito entre patrões e empregados, tão em evidência na Europa. Nesse Estado

descentralizado proposto por Herculano o rei tem uma função primordial: a manutenção do

equilíbrio. Esses concelhos, restaurados de acordo com a tradição medieval, porém adaptados

à conjuntura oitocentista, e os respectivos forais que os regulamentam são resultado de umacordo entre o rei e os moradores destes concelhos, onde a sanção real é pré-condição básica

 para as suas promulgações.

Elaborado na  História de Portugal   e complementado na  História da Origem e

 Estabelecimento da Inquisição em Portugal , o modelo de monarca construído por Herculano

tinha como objetivo ser mais um projeto político para o Portugal Liberal.

Diversos autores, como Joaquim Barradas de Carvalho e Joaquim Veríssimo Serrão,

destacaram que os objetivos ou, seguindo as premissas de Skinner, as intenções destas duas

1 HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal . Lisboa: Europa-América,[198-?]. p. 11. v.1.

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obras eram delinear a História da Classe Média, no caso da História de Portugal , e reconstruir

historicamente a Inquisição, de forma a desacreditar as forças absolutistas que tanto o

atacaram na Questão de Ourique na  História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em

 Portugal . Mesmo sendo estas as intenções, pensamos que ambas as intenções não poderiam

ser levadas a cabo sem transformar o rei num objeto de estudo, já que, para Herculano, nem a

História da Classe Média  nem o estabelecimento da Inquisição seriam possíveis sem a

 participação decisiva da instituição monárquica. Daí a promoção do Monarca como objeto de

estudo.

Observando ambas as obras, é nítido que as temáticas estudadas são, no ideário liberal

conservador e romântico de Herculano, antitéticas e excludentes: as liberdades burguesas 

consagradas pelo advento concelhio na História de Portugal  e a violação máxima aos valoresindividuais com o estabelecimento da Inquisição na História da Origem e Estabelecimento da

 Inquisição em Portugal . Reforçando a antítese entre ambas, lembremos que foi uma polêmica

surgida com a publicação do Tomo I da  História de Portugal que a  História da Origem e

 Estabelecimento da Inquisição em Portugal   foi elaborada , ou seja, a Questão de Ourique,

que envolve a autodenominação de Afonso I como rei de Portugal. É sintomático que uma

questão envolvendo a origem da instituição régia em Portugal numa obra em que o Rei é

objeto de análise para deflagrar a elaboração de uma outra obra onde o Rei possibilita oestabelecimento da Inquisição. Portanto, pensamos que apesar de antitéticas, as duas obras se

completam como verso e reverso da uma moeda.

São obras complementares e que possuem como peculiaridade em comparação aos

romances e artigos o caráter histórico, embasadas teórica e metodologicamente e que, por

isso, possuem uma credibilidade maior, dada a sua presunção de  Magistra Vitae. Vimos no

capítulo 2 a função da literatura como meio de divulgação dos valores e tradições nacionais

entre as camadas sociais, principalmente as menos letradas, transmitindo de forma maisacessível o conhecimento histórico produzido pelo autor. Já a produção de cunho histórico foi

direcionada para um público mais restrito, com maior ilustração e com maior capacidade de

intervenção na vida política e social e, neste grupo, um agente político no qual as esperanças

 políticas de Herculano estavam depositadas: o jovem D. Pedro V. A  História de Portugal  foi

dedicada ao futuro rei de Portugal com o objetivo de fornecer subsídios para o exercício

 político, pois “o conhecimento da vida anterior de uma nação é o principal auxílio para se

 poder e saber usar, sem ofensa dos bons principios, do influxo que um rei de homens livres

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