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JOSÉ ROBERTO ROCHEL DE OLIVEIRA A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA COMO MEDIDA CAUTELAR NO PROCESSO PENAL TESE DE DOUTORADO ORIENTADOR PROFESSOR DOUTOR ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO - 2012

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JOSÉ ROBERTO ROCHEL DE OLIVEIRA

A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA

COMO MEDIDA CAUTELAR NO

PROCESSO PENAL

TESE DE DOUTORADO

ORIENTADOR

PROFESSOR DOUTOR ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO - 2012

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 006

2 CAUTELARIDADE NO PROCESSO PENAL ................................................ 010

2.1 Noções .......................................................................................................... 010

2.2 Norma cautelar ............................................................................................. 013

2.3 Classificação segundo Calamandrei ............................................................. 016

2.4 Medidas cautelares pessoais ......................................................................... 018

2.4.1 Requisitos genéricos ............................................................................ 021

2.4.2 Requisitos específicos ......................................................................... 024

2.4.3 Características ..................................................................................... 028

2.4.4 Autonomia ........................................................................................... 031

2.4.5 Objeto .................................................................................................. 033

3 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA .................................................................... 036

3.1 Noções .......................................................................................................... 036

3.2 Antecedentes históricos ................................................................................ 041

3.3 Primeiras iniciativas legislativas de monitoração eletrônica no Brasil ........ 044

3.4 Evolução da monitoração eletrônica do processo de execução penal para

medida cautelar ............................................................................................ 047

3.5 Sistemas de monitoração eletrônica ............................................................. 051

3.6 Monitoração eletrônica - efetividade, eficácia, eficiência e garantismo ...... 057

3.6.1 Noções etimológicas ........................................................................... 057

3.6.2 Efetividade, eficácia e eficiência “do” processo penal e “no” processo

penal.....................................................................................................062

3.7 Procedimento legal para concessão da monitoração eletrônica ................... 064

3.7.1 Requisitos legais .................................................................................. 070

3.7.2 Legitimidade ........................................................................................ 071

3.7.3 Formas de aplicação - autônoma ou cumulativa ................................. 074

3.7.4 Controle ............................................................................................... 075

3.7.5 Operacionalização do sistema ............................................................. 078

3.7.6 Consequências em caso de descumprimento ...................................... 084

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4 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS RELACIONADAS À

MONITORAÇÃO ELETRÔNICA .................................................................... 087

4.1 Abordagem inicial ........................................................................................ 087

4.2 Presunção de inocência ................................................................................ 089

4.2.1 Noções ................................................................................................. 089

4.2.2 Monitoração eletrônica – compatibilidade com a presunção de

inocência ............................................................................................. 092

4.3 Motivação ........................................................................................................ 096

4.3.1 Noções ................................................................................................. 096

4.3.2 Monitoração eletrônica e motivação .................................................. 098

4.4 Prazo razoável .............................................................................................. 101

4.4.1 Noções ................................................................................................. 101

4.4.2 Monitoração eletrônica e prazo razoável ............................................ 104

4.5 Contraditório ................................................................................................ 107

4.5.1 Noções ................................................................................................. 107

4.5.2 Monitoração eletrônica e contraditório ............................................... 109

4.6 Privacidade, dignidade e intimidade ........................................................... 112

4.6.1 Noções ................................................................................................. 112

4.6.2 Monitoração eletrônica e privacidade ................................................ 115

4.6.3 Monitoração eletrônica e dignidade ................................................... 119

5 A RELAÇÃO ENTRE A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA E OUTRAS

MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS ............................................................ 124

5.1 Considerações iniciais .................................................................................. 124

5.2 Monitoração eletrônica e o comparecimento periódico em juízo, no prazo e

nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades ......... 130

5.3 Monitoração eletrônica e a proibição de acesso ou frequência a

determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva

o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco

de novas infrações ........................................................................................ 132

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5.4 Monitoração eletrônica e a proibição de manter contato com pessoa

determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o

indiciado ou acusado dela permanecer distante ........................................... 135

5.5 Monitoração eletrônica e a proibição de ausentar-se da Comarca quando a

permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução

...................................................................................................................... 136

5.6 Monitoração eletrônica e o recolhimento domiciliar no período noturno e

nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e

trabalho fixos ............................................................................................... 138

5.7 Monitoração eletrônica e a suspensão do exercício de função pública ou de

atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio

de sua utilização para a prática de infrações penais .................................... 139

5.8 Monitoração eletrônica e a internação provisória do acusado nas hipóteses

de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos

concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e

houver risco de reiteração ............................................................................ 141

5.9 Monitoração eletrônica e a fiança, nas infrações que a admitem, para

assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu

andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial ........... 143

5.10 Monitoração eletrônica e as prisões cautelares: breves considerações ....... 144

6 A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA EM OUTROS SISTEMAS

PROCESSUAIS ................................................................................................... 149

6.1 Considerações iniciais .................................................................................. 149

6.2 Monitoração eletrônica nos Estados Unidos ................................................ 151

6.2.1 Abordagem preliminar ........................................................................ 151

6.2.2 Implantação e desenvolvimento atual ................................................. 153

6.3 Monitoração eletrônica na Inglaterra, País de Gales e Escócia .................... 155

6.3.1 Abordagem preliminar ........................................................................ 155

6.3.2 Implantação e desenvolvimento atual ................................................. 156

6.3.3 Estatísticas ........................................................................................... 160

6.4 Monitoração eletrônica no Canadá .............................................................. 163

6.5 Monitoração eletrônica na Suécia ................................................................ 164

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6.6 Monitoração eletrônica na Itália ................................................................... 165

6.6.1 Abordagem preliminar ........................................................................ 165

6.6.2 Implantação e desenvolvimento atual ................................................. 167

6.7 Monitoração eletrônica na França ................................................................ 168

6.7.1 Abordagem preliminar ........................................................................ 168

6.7.2 Implantação e desenvolvimento atual ................................................. 170

6.8 Monitoração eletrônica em Portugal ............................................................ 174

6.9 Monitoração eletrônica na Argentina ........................................................... 176

7 PERSPECTIVA DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA COMO MEDIDA

CAUTELAR PROCESSUAL PENAL .............................................................. 180

7.1 Viabilidade da monitoração eletrônica ......................................................... 180

7.2 Propostas para implementação da monitoração eletrônica .......................... 190

7.3 Proposta de alteração do art. 319, VII, do Código de Processo Penal

(internação provisória) ................................................................................. 193

8 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 196

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 200

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1 INTRODUÇÃO

A inclusão da monitoração eletrônica no Código de Processo Penal como

medida cautelar por meio da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, é uma das mais

recentes alterações do ordenamento jurídico brasileiro e indica a firme intenção do

legislador de aparelhar nosso sistema judiciário com alternativas que possam substituir as

modalidades de prisão cautelar.1

Com o advento dessa mudança pontual do processo penal, torna-se mais

relevante analisar as questões jurídicas que estão relacionadas à monitoração eletrônica,

bem como a oportunidade e conveniência das novas medidas cautelares.

Em paralelo a essas considerações, é importante registrar que a escolha do

tema procura conciliar a relevância jurídica com o interesse social, comuns à monitoração

eletrônica.

Muitos estudiosos defendem a menor interferência possível do direito penal

e, por conseguinte do direito processual penal, na responsabilização dos indivíduos que

praticam infrações aos códigos sociais de boa convivência.2

Entretanto, não se pode olvidar que a responsabilização penal ainda é a mais

eficiente em determinadas circunstâncias. Claus Roxin afirma que também no Estado

Social de Direito o abolicionismo não conseguirá acabar com o futuro do direito penal.3

Por outro lado, é relevante aprimorar as medidas que minimizem a invasão à

liberdade individual, sem, no entanto, abrir mão do poder punitivo estatal.

O ponto de partida do presente estudo reside na análise da doutrina e dos

textos publicados que tenham relação com a monitoração eletrônica, para formular

proposições que possam servir de parâmetro ao aperfeiçoamento da nova medida cautelar,

procurando a melhor alternativa para sua aplicação, sempre atento às garantias

constitucionais.

1 “Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do mundo. Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu desenrolar tinham certamente qualquer coisa de paradoxal. Eram revoltas contra toda uma miséria física que dura há mais de um século: contra o frio, contra a sufocação e o excesso de população, contra as paredes velhas, contra a fome, contra os golpes...” (sic). FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir – nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete, 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 29. 2 “A descriminalização é possível em dois sentidos: primeiramente, pode ocorrer uma eliminação definitiva de dispositivos penais que não sejam necessários para a manutenção da paz social ... Um segundo campo de descriminalizações é aberto pelo princípio da subsidiariedade. Este princípio fundamenta-se na idéia de que o direito penal, em virtude das suas acima expostas desvantagens, somente pode ser a ultima ratio da política social.” ROXIN, Claus. “Tem futuro o direito penal?” Estudos de direito penal. Trad. Luís Greco, 2. ed. rev., Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 12-3. 3 ROXIN, Claus. “Tem futuro o direito penal?” In Estudos de ... op.cit., p. 05.

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O trabalho está estruturado a partir da verificação de vários aspectos da

cautelaridade no processo penal, como: noções de cautela, análise da norma cautelar e sua

classificação, as medidas cautelares pessoais, seus requisitos, características, autonomia e

objeto.

Na sequência, desenvolve-se o estudo da monitoração eletrônica,

propriamente dita, com noções terminológicas e etimológicas, local em que foi concebida e

utilizada pela primeira vez e quais países passaram a adotá-la, além da constatação de que

a monitoração eletrônica, como instrumento de execução penal no Brasil (a partir de 2010),

não era suficiente para atender aos anseios da sociedade e de boa parte da doutrina,

conclusão que levou o legislador a incluir a monitoração eletrônica como medida cautelar.

Há o permanente esforço de situar o tema no sistema jurídico brasileiro,

conceituando-o e explicitando as formas possíveis de sua utilização.

Julga-se relevante a verificação, neste trabalho, da passagem dos

mecanismos de monitoração eletrônica da fase de execução penal, para o bojo do Código

de Processo Penal.

Dentro do contexto da monitoração eletrônica como medida cautelar,

mostra-se igualmente importante a breve abordagem histórica desse instituto para

evidenciar que ele não surgiu abruptamente no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao contrário, o Projeto de lei do Senado sob nº 156/2009, que trata da

reforma do Código de Processo Penal, já previa a alteração do artigo 533 do Código,

especificando 16 (dezesseis) medidas cautelares pessoais, dentre as quais o

“monitoramento eletrônico” (termo utilizado inicialmente no projeto), em seu inciso IV.

Entretanto o que se verifica é que esse tema foi alçado à categoria de lei

mesmo antes do restante do Projeto de Lei nº 156/09.

Interessante apontar também que o Projeto de lei nº 111/2008, que tratava

das medidas cautelares e que culminou com a Lei nº 12.403/11, inicialmente não

contemplava a monitoração eletrônica.

Voltando um pouco na linha do tempo, constata-se que, no Brasil, alguns

Estados da Federação já sentiam a necessidade de dispor sobre o tema da monitoração

eletrônica como, por exemplo: Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande

do Sul, Espírito Santo, Pernambuco, Paraíba e São Paulo.

Exemplificativamente, o Estado de São Paulo editou a Lei nº 12.906, de 14

de abril de 2008, estabelecendo normas suplementares de direito penitenciário e regulando

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a utilização da vigilância eletrônica4 para a fiscalização do cumprimento de condições

fixadas em decisões judiciais.

Em âmbito federal, a Lei de Execuções Penais foi alterada pela Lei nº

12.258, de 15 de junho de 2010, com a introdução da “monitoração eletrônica”, assunto

que será abordado no decorrer do presente estudo. Essa mudança do texto legal veio ao

encontro das expectativas de parte da doutrina processualista.

Entretanto essa lei especial não abordou questões importantes como, por

exemplo, a substituição das prisões cautelares pela monitoração eletrônica, ou por outras

medidas cautelares.

A Lei nº 12.403, de 04 de abril de 2011, preencheu essa lacuna ao prever

várias alternativas que podem ser utilizadas pelo juiz, antes de se chegar à decretação da

prisão preventiva. A monitoração eletrônica surge no ordenamento jurídico brasileiro como

uma opção viável, seja com aplicação autônoma em casos excepcionais, seja cumulada

com outras medidas cautelares como, por exemplo: proibição de acesso ou frequência a

determinados lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; proibição de

ausentar-se da Comarca; recolhimento domiciliar; fiança; e prisão domiciliar.

Já com a nova natureza jurídica, o próximo passo é a verificação do

procedimento legal para concessão do instituto jurídico, abordando-se requisitos legais,

legitimidade, formas de aplicação, controle, operacionalização e consequências em caso de

descumprimento da ordem judicial que determinar a monitoração eletrônica.

Em seguida, a monitoração eletrônica é confrontada com as seguintes

garantias constitucionais: presunção de inocência, motivação, prazo razoável,

contraditório, direito à privacidade e à dignidade.

O capítulo subsequente aborda a possibilidade de cumulação da

monitoração eletrônica com as demais medidas cautelares previstas no art. 319 do C.P.P.,

privativas de liberdade ou não, que são objeto de perfunctória análise, sempre buscando

possível conexão e proporcionalidade com a monitoração eletrônica.

São realizadas algumas incursões nos sistemas de vigilância eletrônica

utilizados por outros países, com o objetivo de se obter informações que possam subsidiar

as autoridades públicas brasileiras na implantação de um programa consistente de

monitoração com técnicas avançadas e efetivas, aliadas ao menor custo possível. Nesse

4 No decorrer do presente trabalho, as expressões “monitoração eletrônica” e “vigilância eletrônica” são

utilizadas com o mesmo significado. A abordagem sobre o significado de cada um desses termos encontra-se no item 3.1, que trata de “Noções sobre monitoração eletrônica”.

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tópico, são analisados os seguintes países: Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales,

Escócia, Canadá, Suécia, Itália, França, Portugal e Argentina.

Com o desenvolvimento deste trabalho, surge a necessidade de enfrentar a

questão da viabilidade ou não de se implantar um programa de monitoração eletrônica nas

fases pré e processual no Brasil, prevalecendo, ao final, a conclusão de que já se fazem

presentes as condições para esse desiderato.

Como decorrência natural dessa série de colocações, eclodem singelas

propostas na expectativa do aprimoramento das novas medidas cautelares, em especial, da

monitoração eletrônica, as quais foram lançadas ao final do texto, precedendo a conclusão.

Para finalizar, quando se trata do tema “monitoração eletrônica como

medida cautelar”, seja por sua própria natureza jurídica, que sempre comporta várias

interpretações e contestações, seja em razão da recentidade do dispositivo, não há como se

esperar, ao menos por algum tempo, que haja consenso sobre a efetividade da monitoração

eletrônica como medida cautelar, tese defendida neste estudo.

De qualquer forma, não se pode deixar de saudar a iniciativa do legislador

em explicitar as novas medidas cautelares, ainda que elas suscitem alguns

questionamentos, conforme se verá no decorrer do trabalho.

Em brevíssimo resumo, as premissas fundamentais do presente estudo são

as seguintes: análise crítica da monitoração eletrônica como medida cautelar no Brasil;

avaliação das outras medidas cautelares existentes e sua suficiência; garantias

constitucionais relacionadas ao emprego da monitoração eletrônica; confronto com

disposições semelhantes em outros países; propostas de implementação em face da nova

legislação.

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2 CAUTELARIDADE NO PROCESSO PENAL

2.1 Noções

O decurso do lapso temporal pode levar – e isso ocorre com frequência – a

que não se chegue ao provimento jurisdicional almejado inicialmente. Nem sempre os

instrumentos legais à disposição do juiz são suficientes para superar esses obstáculos.

Várias intercorrências surgem no curso de um processo criminal, seja ele de conhecimento

ou de execução.5

Como comparou Calamandrei, seria o mesmo que esperar um remédio

longamente elaborado para um doente já morto.6

Daí surge a necessidade de os sistemas processuais adotarem providências

que visem a impedir ou mitigar a perda do jus puniendi. Essas medidas devem manter

características próprias daquilo que é transitório, para que não haja a tentação de torná-las

definitivas, ou seja, até que sobrevenha uma decisão definitiva.7

Cautela indica cuidado com algo que possa ocorrer em futuro próximo.

Cautela é espécie de um gênero mais amplo: a tutela jurídica.

Quando se fala de uma tutela cautelar, a referência é feita para indicar as características peculiares a essa modalidade de tutela, cuja função deriva da própria raiz etimológica da palavra: do latim caveo; estar em guarda. Ao passo que tutela é sinônimo de proteção, defesa.8

A cautelaridade no processo penal tem como base os estudos vindos do

processo civil, persistindo significativas dificuldades no ajustamento de construções

teóricas da área civil para a penal. É inegável que o processo criminal tem peculiaridades

próprias que não se confundem com os parâmetros processuais civis.

Como paradigma para o processo penal brasileiro, as medidas processuais

penais vigentes em Portugal e na Itália encontraram divisões bem explicitadas e didáticas.

5 Para Scarance Fernandes: “a tendência predominante no Brasil é de dotar o processo cautelar de autonomia, mas ligando-o a outro processo (de conhecimento ou de execução), que justificaria a sua existência.” O autor lembra que existe posição mais contundente e cita Ovídio Araújo Baptista da Silva, para quem o processo cautelar tem autonomia mais profunda, admitindo-se a existência de um direito substancial de cautela. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional. 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 279. 6 CALAMANDREI, Piero. “Criteri per la definizione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari. Padova: Cedam, 1936, p. 19. 7 Romeu Pires de Campos lembra que: “[...] a norma cautelar contém um preceito de atividade, sendo ela dirigida para determinar a atividade dos órgãos destinados a desenvolver a função de cautela.” PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo penal cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 08. 8 Id. Ibid.

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O Livro IV do C.P.P. português traz as medidas cautelares, dividindo-as em

medidas pessoais de coação e medidas reais. O Título II relaciona as medidas pessoais de

coação: termo de identidade e residência; caução; obrigação de apresentação periódica;

suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos; proibição de permanência, de

ausência e de contatos; obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva (artigos

196 a 202).

O C.P.P. italiano, em seu Livro IV, divide as medidas cautelares em

pessoais e reais. As pessoais são coercitivas e interditivas ou restritivas de direitos. As

medidas pessoais coercitivas são: proibição de saída do país; obrigação de apresentação à

polícia judiciária; afastamento da casa familiar; proibição de moradia em determinados

lugares; arresto domiciliar; custódia cautelar em cárcere e custódia cautelar em hospitais

(artigos 281 a 286).

São medidas pessoais restritivas de direitos, também previstas pela

legislação processual italiana: suspensão do exercício do pátrio poder dos pais; suspensão

do exercício de uma função ou serviço público; proibição temporária de exercer

determinadas atividades profissionais ou empresariais (artigos 288 a 290).

Como medidas reais, o C.P.P. italiano contempla as medidas consistentes

nos sequestros conservativo e preventivo (artigos 316 a 323).

Tópico que suscita discussões jurídicas é aquele que se refere à necessidade

de um rol exaustivo de medidas cautelares ou o reconhecimento de um “poder geral de

cautela” do juiz criminal, a exemplo do que ocorre com a legislação processual civil.9

Antonio Magalhães sustenta a posição de que não existe esse “poder geral

de cautela” em matéria criminal, através do qual o juiz poderia impor ao acusado restrições

não expressamente previstas pelo legislador. O autor ressalta que o princípio da legalidade

dos delitos e das penas não diz respeito apenas ao momento da cominação, mas à

9 Calamandrei narra um fato ocorrido em Paris alguns anos antes da publicação de seu tratado sobre os provimentos cautelares (publicado em 1936), em que o proprietário de uma casa noturna havia encarregado um pintor de decorar uma sala de banho com afrescos, que representassem danças variadas e ninfas; o pintor, para aumentar o interesse pela decoração do mural, representou pessoas muito conhecidas na época (literatos e artistas) com vestes extremamente diminutas. Na noite de inauguração, uma artista que fora convidada para o evento se reconheceu como uma das ninfas que dançava em vestes reduzidíssimas. Ela processou o proprietário da casa, pedindo a retirada da figura ultrajante e ressarcimento de danos. Calamandrei questiona sobre a existência de uma medida cautelar na legislação que pudesse ser utilizada pelo juiz francês. Transpondo o caso para a legislação italiana da época, o mestre propõe como solução o sequestro na via penal, citando artigos do C.P. e C.P.P. peninsular, e polemiza a questão na órbita civil. Calamandrei cita Chiovenda, autor que admite o poder geral de cautela, para, ao final, respeitosamente, contrariá-lo, divergindo de sua posição. O professor de Firenze sustenta que os provimentos cautelares não permitem interpretação extensiva, limitando-se às cláusulas previstas na lei processual. CALAMANDREI, Piero. “Classificazione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione ... op.cit., p. 47-50.

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“legalidade da inteira repressão”, que põe em jogo a liberdade da pessoa desde os

momentos iniciais do processo até a execução da pena imposta.10

Bottini tem o mesmo entendimento:

A natureza penal do monitoramento eletrônico traz consequências práticas importantes. Em primeiro lugar, a necessidade de previsão legal para sua utilização. O sistema penal se atém ao princípio da reserva legal, e qualquer medida neste terreno exige norma produzida pelo regular processo legislativo [...]11

Exemplificativamente, até o advento das alterações do C.P.P., persistiam

posições divergentes na jurisprudência sobre a possibilidade de retenção de passaporte.12 A

questão encontra-se superada diante da norma contida no art. 320 do C.P.P., que

regulamentou a matéria e que permite, expressamente, que o juiz proíba o indiciado ou

acusado de ausentar-se do país e que determine sua intimação para que entregue o

passaporte no prazo de 24 horas.

Um ponto nunca pode ser esquecido: a prisão deve ser sempre o último

recurso e essa assertiva se torna mais crucial quando se está diante de uma prisão

processual.

Carrara adverte, de forma contundente, sobre a inconveniência e

“imoralidade do cárcere preventivo”, afirmando que as sociedades civis devem estudar os

10 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 57. No mesmo sentido: DELMANTO JÚNIOR, Roberto; MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, Fabio. A dignidade da pessoa humana e o tratamento dispensado aos acusados no processo penal. RT 835, mai-2005, p. 460. 11 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do monitoramento eletrônico. Uberlândia: Revista da Faculdade de Direito de Uberlância, v. 36, 2008, p. 390. 12 Com relação ao reconhecimento de um “poder geral de cautela” na esfera criminal, o S.T.F. admitiu a imposição de condições judiciais (alternativas à prisão processual) com base na ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto (S.T.F., 2ª Turma, HC 94.147/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, j. 27/05/2008, DJe 13/06/2008). No mesmo sentido foi a decisão do Min. Luiz Fux: “1. A retenção de passaporte pelo magistrado de primeiro grau tem clara natureza acautelatória, inserindo-se, portanto, no poder geral de cautela, o qual é depreendido de normas processuais dispostas no art. 3º do C.P.P., e do art. 798 do C.P.C. 2. Se o direito brasileiro admite a decretação da prisão temporária e preventiva, entre outras medidas constritivas da liberdade de locomoção da pessoa, no momento anterior ao trânsito em julgado de sentença condenatória, com muito mais razão revela-se admissível a imposição de condições para o acusado durante o processo, como a entrega do passaporte, a necessidade de obtenção de autorização judicial para empreender viagem ao exterior, entre outras” (S.T.F., 1ª Turma, HC 101.830/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 12/04/2011, DJe 04/05/2011). Entretanto, algumas decisões do STJ caracterizavam como constrangimento ilegal a retenção de passaporte, basicamente por ausência de previsão legal. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, HC 81222/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 27-05-2008, DJe de 23-06-2008; STJ, 5ª Turma, HC 85.412/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, j. 22-04-2008, DJe de 16-06-2008.

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modos de obter a punição correta, ao tempo em que também devem estudar os modos para

impedir que a prevenção corrompa.13

Nesse contexto, o princípio da presunção de inocência deve nortear todas as

providências, também e principalmente, em sede de provimentos cautelares, não se

podendo impingir a quem não foi condenado definitivamente qualquer tipo de restrição em

seus direitos e menos ainda em sua liberdade, salvo situações excepcionais previstas na

legislação, as quais devem ser devidamente motivadas.

Em suma, as medidas cautelares no processo penal “são providências

urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais

satisfaça o direito da parte e não realize, assim, a finalidade instrumental do processo,

consistente em uma prestação jurisdicional justa”.14

Diante dessas peculiaridades do provimento cautelar é importante que se

diferencie a norma cautelar de outros tipos de normas e, para isso, nada melhor do que

conhecê-la um pouco mais.

2.2 Norma cautelar

Para melhor estudo da norma cautelar é relevante que sejam feitas algumas

referências sobre o posicionamento jurídico da cautela penal. Aqui o enfoque não está no

tipo de processo em que será utilizada a cautela penal (conhecimento ou execução), mas

sim no tipo de previsão legal que regula esse tipo de provimento (material ou processual).

De Luca alerta para a natureza híbrida da norma cautelar, constatando a

dificuldade de situar a cautela penal, que ora se insere no direito penal, ora no direito

processual. Segundo ele, essa dicotomia revela a tendência de circunscrever o fenômeno

dentro de um esquema da sistemática processual, quando outros persistem em transferir o

instituto cautelar para o campo do direito material.15

Como se sabe, a norma jurídica engloba a norma instrumental e a norma

material. Depreende-se que o preceito, na condição de um dos elementos estruturais da

norma, num sentido mais amplo, contempla tanto o preceito de conduta como o de

atividade.

13 CARRARA, Francesco. “Immoralità del carcere preventivo”. Opuscoli di diritto criminale. 4. ed., v. IV, Firenze: Casa Editrice Libraria “Fratelli Cammelli”, 1902, p. 311. 14 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo ... op.cit., p. 279-82. 15 DE LUCA, Giuseppe. Lineamenti della tutela cautelare penale. Padova: Editora CEDAM, 1953, p. 03.

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A norma cautelar, por seu turno, contém um preceito de atividade, tendo

por objetivo determinar a atividade dos órgãos destinados a desenvolver a função de

cautela. Trata-se, portanto, de uma norma tipicamente instrumental, que visa a indicar os

requisitos do comando que comporá um conflito de interesse.

O comando já pressupõe uma ameaça para o caso de desobediência. São três

os requisitos para existência desse comando: capacidade, forma e causa.

De acordo com a lição de Romeu Pires, para atuação do comando deve

haver uma regra que especifique os requisitos desse comando jurídico, que nada mais é do

que a norma jurídica, a qual desenvolverá uma função instrumental em relação ao conflito,

surgindo, assim, a norma instrumental.16

Há de se considerar que o processo já se inicia com um objetivo final

delineado, que pode, ou não, ser alcançado. Para superar todas as vicissitudes que surgem

pelo caminho, o sistema jurídico deve estar suficientemente aparelhado para que o juiz

possa emitir comandos jurídicos que consigam preservar, o quanto possível, essa pretensão

de se chegar ao final almejado, advindo dessa necessidade a existência das normas

cautelares.

Ao lado de renomados doutrinadores, Ada Pellegrini esclarece: “Assim, a

garantia cautelar surge, como que posta a serviço da ulterior atividade jurisdicional, que

deverá restabelecer, definitivamente, a observância do direito: é destinada não tanto a fazer

justiça, como a dar tempo a que justiça seja feita”.17

A conclusão a que chega De Luca é de que a cautela penal se presta mais a

fornecer alguma outra forma de cautela, do que a prova da inidoneidade da concessão

processualística para fundar a autonomia científica da matéria.18

Em contrapartida, não se pode olvidar que o risco de não ocorrência da

tutela definitiva está sempre presente. Sobre esse aspecto, surge a necessidade de se

compartilhar o risco, incumbindo ao juiz, por meio de seu poder instrumental, impor a

eficácia material que o comando da norma exige. Nesse momento, o indiciado ou acusado

terá de suportar sua cota-parte do risco existente, submetendo-se à determinação judicial,

mesmo sem a certeza de que o processo frutificará.

16 PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ...op. cit., p. 08-10. 17 PELLEGRINI GRINOVER, Ada; ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; RANGEL DINAMARCO, Cândido. “Processos de conhecimento, de execução e cautelar”. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 345. 18 DE LUCA, Giuseppe. Lineamenti ... op.cit., p. 04.

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De Luca chama de marginal, ou secundário em relação ao conflito principal,

o conflito de interesses que surge para a aplicação da cautela. O autor destaca os obstáculos

encontrados pela doutrina para o meio de tutela do interesse tutelado.19

Dessa forma, a norma cautelar depende da norma material.

Dentro do tema da monitoração eletrônica estudado neste trabalho desde já

cabe ressaltar que não há como se dissociar a aplicação da monitoração eletrônica

processual, prevista no art. 319, IX, C.P.P., da cominação de pena privativa de liberdade

isolada, cumulativa ou alternativamente para a infração penal, preconizada pelo art. 283,

§1º, da lei processual penal.

Esse é o caráter material da norma cautelar.

Seguindo-se essa linha de raciocínio, a monitoração eletrônica poderia ser

considerada, em princípio, uma norma cautelar para acertamento do processo, o qual, no

campo criminal, tem por objetivo final o julgamento do acusado da prática de um ilícito

penal. Por esse prisma, a Justiça Pública seria a única a ter interesse na aplicação do

monitoramento.

Entretanto podem-se vislumbrar hipóteses em que, além dos benefícios que

a monitoração eletrônica (ou qualquer outra medida cautelar) possa trazer para a instrução

e o julgamento, preservando situações para o deslinde do processo, o próprio indiciado ou

acusado venha auferir vantagens para si.

Dando-se destaque ao interesse do acusado, pode-se pensar na situação em

que o provimento cautelar viesse “em benefício” dele próprio. Imagine-se uma ocorrência

em que um usuário contumaz de drogas fosse submetido a um processo criminal como

incurso no art. 28 da Lei nº 11.343/06, para o qual não há cominação de pena privativa de

liberdade. Havendo a necessidade de uma providência mais contundente, ainda que

eventual internação provisória prevista no art. 319, VII, C.P.P., viesse ao encontro de uma

tentativa de recuperação do acusado, não seria possível a aplicação da medida, pela via

criminal.

Outro aspecto importante da norma cautelar reside na tutela jurisdicional, a

qual revela-se como garantia essencial do provimento cautelar, visando a evitar abusos na

imposição das medidas. A jurisdição resulta em uma série de garantias para as partes e para

a sociedade como um todo.

19 Id. Ibid., p. 58.

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O fato de um magistrado, constitucionalmente investido nas funções, ser o

responsável pela apreciação e decisão acerca de um provimento cautelar, por si só, gera

expectativa de maior tranquilidade com relação à qualidade dessa decisão. A probabilidade

de erro, ou de uma decisão arbitrária, ou mesmo de excesso no decidir é bem menor.

O órgão jurisdicional é o que tem melhores condições de avaliar os

pressupostos legais, equalizando e ponderando todos os aspectos que envolvem a medida

cautelar, principalmente porque se trata da imposição de algum tipo de restrição ao

indiciado ou acusado, sem que haja condenação com trânsito em julgado.

Como se percebe, são várias as nuances que permeiam o tema da

monitoração eletrônica. Por essa razão, se mostra essencial aprofundar-se mais no assunto

e nada melhor do que fazer uma análise, ainda que perfunctória, da classificação das

medidas cautelares apresentada por Calamandrei.

2.3 Classificação segundo Calamandrei

Como Calamandrei foi um dos doutrinadores que mais se aprofundou

no estudo dos provimentos cautelares, revela-se de extremo interesse para a finalidade do

presente estudo que seus ensinamentos possam contribuir para melhor entendimento da

monitoração eletrônica, que é uma espécie do gênero “medidas cautelares”.

De acordo com a doutrina do mestre Calamandrei, as medidas

cautelares podem ser divididas em quatro grupos: providências instrutórias antecipadas;

procedimentos para assegurar futura execução forçada; providências provisórias que

decidem uma situação controvertida; e providências para imposição de caução.20

a. Providências instrutórias antecipadas

São aquelas medidas que, em vista de um futuro processo de conhecimento,

procuram colher e resguardar certos efeitos probatórios para serem utilizados naquele

processo no momento oportuno.

Os procedimentos instrutórios ocorrem, normalmente, no curso do processo

de conhecimento e fazem parte dele. Entretanto, quando há o temor de que o processo

principal ocorra tardiamente, a providência probatória pode não ser eficaz.

20 CALAMANDREI, Piero. “Classificazione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione ...op. cit., p. 31-46.

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A ideia é de prevenção do periculum in mora com relação ao eventual

procedimento ordinário.

São medidas de conservação ou asseguração de provas, pois visam a

garantir a aquisição de dados probatórios positivos, que, com o decorrer do tempo, podem

se tornar de difícil ou impossível coleta.

No processo penal brasileiro, podem ser citadas as seguintes medidas:

providências que devem ser adotadas pela autoridade policial tão logo esta tome ciência da

prática de uma infração penal – art. 6º do C.P.P.; reprodução simulada dos fatos por parte

da autoridade policial (também conhecida como reconstituição do crime) – art. 7º do

C.P.P.; e coleta antecipada de depoimentos – art. 225 do C.P.P.21

b. Procedimentos para assegurar futura execução forçada

Esse segundo grupo de procedimentos visa a impedir a perda dos bens

necessários ao objeto de futura execução forçada.

No caso do processo penal brasileiro, a execução forçada pode recair sobre a

pessoa do indiciado ou acusado, por meio de uma das modalidades de prisão processual,

como também sobre os seus bens, no caso de reparação ou ressarcimento (sequestro – art.

125 do C.P.P., hipoteca legal – art. 134 do C.P.P. e arresto – art. 136 do C.P.P.).22

c. Providências provisórias que decidem uma situação controvertida

Essas medidas têm por escopo evitar a ocorrência de um dano irreparável

em razão da demora na obtenção da providência definitiva.23

No processo penal brasileiro, enquadra-se nessa categoria a aplicação

provisória de interdições de direitos e medidas de segurança (artigos 373 e 378, do C.P.P.,

respectivamente).24

21 Romeu Pires de Campos faz referência expressa a Calamandrei, Chiovenda, Carnelutti e Coniglio. O autor também ilustra a classificação apresentada por Calamandrei com exemplos do C.P.P. brasileiro. PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ... op.cit., p. 28-9. 22 Id. Ibid. 23 Para complementar, cite-se a Lei nº 10.259/2001 (que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal) e que prevê em seu art. 4º que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação. 24 Id. Ibid.

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d. Providências para imposição de caução

Tais medidas têm a finalidade de impor uma caução, destinada a assegurar

os eventuais danos que a concessão de outra medida cautelar possa eventualmente acarretar

para a parte contrária.

Em relação ao processo penal brasileiro, a liberdade provisória e a fiança

atingem esse objetivo de evitar a imposição de medida cautelar privativa de liberdade

(artigos 310, III e parágrafo único, 322 a 324 e 350, do C.P.P.).25

A monitoração eletrônica insere-se nesse contexto, tendo em vista também

ser sua finalidade propiciar ao juiz outra opção para evitar a privação de liberdade.

2.4 Medidas cautelares pessoais

Antes de ingressar diretamente nas medidas cautelares pessoais, é oportuno

situar o tema e, para tanto, lembrar da divisão feita por Romeu Pires: cautelas pessoais

(prisões provisórias, medidas de segurança, contracautelas e restrições processuais),

cautelas patrimoniais (apreensão de coisas, busca e apreensão, arresto, sequestro e hipoteca

legal) e cautelas referentes aos meios de prova (depoimento ad perpetuam rei memoriam,

exame de corpo de delito, perícia complementar e exame de local de crime).26

Conforme já mencionado, o regramento brasileiro sobre as medidas

cautelares pessoais é muito semelhante àquele adotado pelos ordenamentos português e

italiano.27

25 PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ... op.cit., p. 28-9. 26 PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ... op.cit., p. 36. Ao tratar da cautelaridade no processo penal, essa divisão também é encampada por Antonio Magalhães. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção ... op.cit., p. 56. 27 Scarance Fernandes cita o art. 13 da Constituição italiana, lembrando que aquele ordenamento não permite forma alguma de detenção, de inspeção ou de busca pessoal, nem qualquer outra restrição à liberdade pessoal senão por ato fundamentado da autoridade judicial, nos casos e nos termos da lei. Somente em casos de necessidade e urgência, a autoridade de segurança poderá adotar providências provisórias. Essas medidas devem ser levadas a juízo no prazo de 48 horas. O magistrado terá outras 48 horas para validar as providências e em caso negativo estas perdem sua validade. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Prisão temporária e “fermo”: estudo comparativo. São Paulo: Justitia, 54 (157), jan-mar 1992, p. 23. A título ilustrativo (conforme referência superficial já feita no item 2.1. deste trabalho) cabe citar que a legislação processual italiana dispõe de forma muito semelhante dos provimentos cautelares: o Livro IV do Código de Processo Penal da Itália é dedicado às medidas cautelares pessoais (Título I); o Capítulo I trata das disposições gerais afetas às medidas cautelares pessoais (artigos 272 a 279 do C.P.P.); o Capítulo II trata das medidas coercitivas (artigos 280 a 286-bis do C.P.P.), assim relacionadas: proibição de saída do país; obrigação de apresentação à polícia judiciária; afastamento da casa familiar; proibição de moradia em determinados lugares; arresto domiciliar; custódia cautelar em cárcere e custódia cautelar em hospitais. O Capítulo III trata das medidas interditivas (artigos 287 a 290 do C.P.P.), assim relacionadas: suspensão do

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O sistema processual francês também se vale de várias medidas cautelares.28

As medidas cautelares pessoais no Brasil foram sistematizadas pela Lei nº

12.403/11. O Título IX do C.P.P. trata da prisão, das medidas cautelares e da liberdade

provisória.

exercício do pátrio poder dos pais; suspensão do exercício de uma função ou serviço público; proibição temporária de exercer determinadas atividades profissionais ou empresariais. 28 O art. 138 do C.P.P. francês (Alterado pela Lei n ° 2009-1436 de 24 de novembro de 2009 - art. 93) estabelece várias medidas a título de controle judicial em situações mais graves, que podem ser decretadas pelo juiz de instrução ou pelo juiz das liberdades ou da detenção: 1º Não viajar para além dos limites territoriais estabelecidos pelo juiz; 2º Não se ausentar da casa ou residência determinada pelo juiz nas condições e pelas razões determinadas pelo magistrado; 3º Não ir a certos lugares ou só ir em lugares determinados pelo juiz; 4º Informar ao juiz sobre qualquer alteração para além dos limites especificados; 5º Fornecer serviços periódicos para associações ou entidades autorizadas pelo juiz, que são obrigadas a observar discrição absoluta sobre as acusações contra a pessoa sob investigação; 6º Responder, quando convocado por qualquer autoridade, qualquer associação ou qualquer pessoa qualificada designada pelo juiz e apresentar, sempre que necessário, medidas para o controle de seu negócio ou seu comparecimento a uma das medidas educativas, bem como sociais e educacionais para promover a integração social e prevenir a recorrência do delito; 7º Entregar na secretaria ou a um policial todos os documentos de identidade, inclusive passaportes, mediante recibo com valor de justificação de identidade; 8º Abster-se de conduzir todos os veículos ou alguns veículos e, quando apropriado, fornecer ao tribunal carteira de motorista, mediante recibo, mas o juiz pode decidir que a pessoa acusada pode fazer uso de sua carteira de motorista para o exercício do seu negócio; 9º Não receber ou atender algumas pessoas especificamente designadas pelo juiz e não interagir com elas de qualquer maneira; 10º Submeter-se a qualquer exame, tratamento ou cuidados, mesmo sob hospitalização, especialmente para desintoxicação; 11º Fornecer uma caução em relação ao montante e aos prazos de pagamento, em uma ou mais vezes, conforme definição do juiz, levando-se em conta os recursos e responsabilidades da pessoa sob investigação; 12º Não se envolver em certas atividades, sociais ou profissionais, com exclusão do exercício das responsabilidades de cargo eletivo ou sindicais, quando a infração foi cometida no curso ou em conexão com o exercício dessas atividades e onde teme-se que uma nova infração seja cometida. Quando a atividade é de um advogado, o Conselho da Ordem, provocado pelo juiz, tem a competência exclusiva para decidir o assunto em grau de recurso, nos termos do art. 24 da Lei nº 71-1130, de 31 de dezembro de 1971, no prazo de 15 dias; 13º Não emitir cheques que não sejam os que permitem apenas a retirada de fundos pelo sacador do sacado ou aqueles que são certificados e, se necessário, substituir as formas de verificação de registro e cuja utilização é proibida; 14º Não possuir ou portar armas e, se necessário, entregar na secretaria as armas que possui, mediante recibo; 15º Constituir dentro de um prazo, por um período e no montante determinado pelo juiz, garantia pessoal ou real; 16º Comprovar que contribui para as despesas da família ou paga alimentos regularmente, conforme condenação judicial ou acordo judicial homologado, cumprindo obrigação legal relacionada às prestações, subsídios ou contribuições para as despesas do casamento; 17º Em caso de ofensa a qualquer dos cônjuges, parceiro ou parceira em um pacto de solidariedade civil, ou contra seus filhos ou cônjuge, companheiro ou companheira, vivendo longe de casa ou da residência do casal e, quando apropriado, para não aparecer na casa ou residência ou nas imediações do mesmo e, se necessário, prestar apoio para a saúde, social ou psicológica; as disposições do art. 17º também são aplicáveis quando a infração for cometida pelo ex-cônjuge ou companheiro da vítima ou a pessoa que tenha se associado a ela por um pacto de solidariedade civil, envolvendo a casa da vítima. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=0F30D6271BC38E0EBFC473AA58E90703.tpdjo10v_1?idSectionTA=LEGISCTA000021331523&cidTexte=LEGITEXT000006071154&dateTexte=20111006> Acesso em 06 out. 2011.

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Entre os artigos 282 e 300 (presume-se que seja o Capítulo I, embora a lei

tenha omitido essa informação) estão previstas as normas gerais sobre as medidas

cautelares, legitimidade para requerer, requisitos para sua aplicação, revogação e

cumulatividade, algumas regras sobre prisão em flagrante e prisão preventiva, além de

criar um registro nacional de mandados de prisão e disciplinar a prisão especial.

O Capítulo II (do art. 301 a 310) trata da prisão em flagrante.

O Capítulo III (do art. 311 a 316) trata da prisão preventiva.

O Capítulo IV (art. 317 e 318) trata da prisão domiciliar.

O Capítulo V trata das outras medidas cautelares. O art. 319 possui os

seguintes incisos:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas

pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por

circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante

desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por

circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja

conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando

o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza

econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de

infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados

com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-

imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o

comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de

resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

O art. 320 trata da proibição de ausentar-se do país e da entrega de

passaporte.

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O Capítulo VI (do art. 321 a 350) trata da liberdade provisória, com ou sem

fiança.

O presente tópico tem por escopo estudar algumas especificidades das

medidas cautelares pessoais, com destaque para a monitoração eletrônica, enredo que será

desenvolvido abordando-se os seguintes subitens: requisitos genéricos, requisitos

específicos, características, autonomia e objeto.

2.4.1 Requisitos genéricos

Para decretação de qualquer das cautelares, no âmbito do processo penal,

são imprescindíveis os requisitos genéricos do fumus comissi delicti e do periculum in

libertatis.

Quando nos referimos às medidas cautelares, o requisito do fumus comissi

delicti representa para o processo penal aquilo que fumus boni iuris representa para o

processo civil.

Não há como se estudar medidas cautelares sem trazer os conhecimentos de

Calamandrei para os nossos dias. O mestre nos ensina:

Os provimentos cautelares representam uma conciliação entre duas exigências geralmente contrastantes na Justiça, ou seja, a da celeridade e a da ponderação: entre fazer logo, porém mal, e fazer bem, mas tardiamente, os provimentos cautelares visam sobretudo a fazer logo, deixando que o problema do bem e do mal, isto é, da justiça intrínseca do provimento, seja resolvido mais tarde, com a necessária ponderação, nas sossegadas formas do processo ordinário.29

Cabe lembrar que essa equalização de interesses está intimamente ligada

aos conceitos de probabilidade e risco em direito processual, levando-se em conta que,

nessa fase, não se cogita de certeza.30

Ada Pellegrini, Araújo Cintra e Dinamarco ensinam:

Os provimentos cautelares fundam-se na hipótese de um futuro provimento definitivo favorável ao autor (fumus boni juris): verificando-se cumulativamente esse pressuposto e o do periculum in mora, o provimento cautelar opera em regime de urgência, como instrumento provisório sem o qual o definitivo poderia ficar frustrado em seus efeitos.31

29 CALAMANDREI, Piero. “Criteri per la definizione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione ...op. cit., p. 20. 30 Sobre a distinção entre os três conceitos (certeza, probabilidade e risco em direito processual), ver RANGEL DINAMARCO, Cândido. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 279. 31 PELLEGRINI GRINOVER, Ada; ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; RANGEL DINAMARCO, Cândido. “Processos de ...”. Teoria ... op.cit., p. 345.

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Para utilização das medidas cautelares em geral, não se exige a prova

material do crime, ao contrário da cautelar extrema da prisão preventiva, que traz como

requisito legal a prova da materialidade da infração, nos exatos termos do art. 312 do

C.P.P.32

As medidas cautelares somente podem ser empregadas observando-se os

requisitos legais da sua necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou a

instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações

penais. Se a medida pode ser aplicada para investigação ou a instrução criminal e, como

sabemos, essas atividades visam justamente à busca de provas para lastrear eventual e

futura ação penal ou ainda possibilitar uma condenação criminal, respectivamente,

podemos concluir que um dos objetivos da cautela possa ser a obtenção de prova de

materialidade.

Acrescente-se que a monitoração eletrônica pode ser necessária para

aplicação da lei penal e, dessa forma, estaria contribuindo para a obtenção de provas.

Naturalmente, quando estiverem presentes causas excludentes de ilicitude

ou de culpabilidade, não se cogitará de aplicação de medidas cautelares. Constatando-se a

possibilidade de aplicação de uma das excludentes do art. 23 do Código Penal, cabe ao juiz

analisá-la ao invés de aplicar, de pronto, qualquer das medidas cautelares.33

Neste caso, o magistrado poderá conceder ao acusado liberdade provisória,

mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. O

texto da lei processual repete o mandamento constitucional quanto à necessidade de

fundamentação das decisões do Poder Judiciário (art. 93, IX, da CF).

Guardadas as devidas proporções, a mesma situação ocorre na prisão em

flagrante, quando, ao constatar a presença de uma dessas excludentes, o juiz poderá

conceder a liberdade provisória, com base no art. 310, parágrafo único, do C.P.P.

32 “Todavia, no ramo processual penal, o genérico fumus boni iuris consiste, especificamente, no juízo apriorístico de viabilidade e probabilidade da ação penal, se tratamos de medida decretável no curso da investigação criminal, bem como da provável condenação ao final da instrução criminal se de ação penal tratamos. Em resumo, devem ser constatados os indícios de autoria (aferíveis caso a caso, conforme o prudente arbítrio do magistrado) e a razoável suspeita da ocorrência do crime. Ou seja, cobra-se a existência de um lastro probatório mínimo sobre a existência do crime e do elemento subjetivo dele (dolo ou culpa).” MOUGENOT BONFIM, Edilson. Reforma do Código de Processo Penal – comentários à Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 26. 33 O art. 272, inciso I, do C.P.P. italiano, também contém norma semelhante ao restringir a imposição de medidas cautelares quando estiver presente uma causa de justificação ou de não punibilidade, de extinção do crime ou da pena.

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De forma similar, a prisão preventiva não poderá ser decretada nessa

situação, a teor do art. 314, da lei processual penal.

Para os casos do art. 26 do Código Penal (inimputabilidade e semi-

imputabilidade) está prevista a medida do art. 319, VII, do C.P.P., que contempla a

cautelar de internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com

violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-

imputável e houver risco de reiteração. Em princípio, configura-se incabível a aplicação de

outra medida cautelar nessa situação (o assunto será mais bem analisado no Capítulo 5, em

especial no item 5.8., deste trabalho).

Outro requisito das medidas cautelares é o periculum in libertatis, que deve

ser analisado e dosado pelo juiz. A dosagem está entre a liberdade plena e a prisão cautelar

do indiciado ou acusado.

Calamandrei ensina que o periculum in mora que está na base das medidas

cautelares não é o genérico perigo de dano jurídico, ao qual se pode, em certos casos,

remediar com a tutela ordinária, mas é especificamente o perigo daquele ulterior dano

marginal, que poderia resultar do retardo, da inevitável lentidão do procedimento ordinário,

do provimento definitivo.34

Não havendo necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação

ou instrução criminal, ou ainda, quando não houver indicações de que o indiciado ou

acusado poderá praticar nova infração penal, não será o caso de impor qualquer tipo de

medida cautelar, mas sim de manter a plena liberdade do indivíduo, sem qualquer

obrigação adicional.

Em infrações penais, a que seja isolada, cumulativa ou alternativamente

cominada pena privativa de liberdade, preenchido qualquer dos requisitos já mencionados

anteriormente, poderá ser aplicada uma ou mais medidas cautelares. Nestes casos, haverá

algum tipo de restrição de liberdade ou vedação de determinada conduta.

Por outro lado, o juiz pode decretar a custódia preventiva quando estiverem

presentes os requisitos legais (crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade

máxima superior a quatro anos; se tiver sido condenado por outro crime doloso, em

sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do

Código Penal; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,

34 CALAMANDREI, Piero. “Criteri per la definizione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione ... op.cit., p. 18.

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adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das

medidas protetivas de urgência) e a permanência em liberdade do indiciado ou acusado

implicar em sério risco para a garantia da ordem pública ou ordem econômica, ou ainda,

por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.35

Outras situações em que pode ocorrer a decretação da medida extrema é o

descumprimento injustificado de uma medida cautelar anteriormente aplicada ou quando

houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos

suficientes para esclarecê-la.

Notoriamente, as medidas cautelares somente devem ser aplicadas em

situações específicas, preenchidos requisitos legais mínimos que revelem sua necessidade e

adequação ao caso concreto, ou seja, o fumus comissi delicti e o periculum in libertatis.

2.4.2 Requisitos específicos

Com a edição da Lei nº 12.403/11, a legislação processual penal passou a

exigir requisitos específicos para a aplicação das medidas cautelares, consoante previsto no

art. 282, I e II: 36

I - necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou a

instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações

penais;

II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e

condições pessoais do indicado ou acusado.

Os requisitos genéricos e os específicos devem se harmonizar e se

completar para que o juiz possa aplicar quaisquer das cautelares relacionadas no art. 319

do C.P.P.37

35 Apesar da previsão legal da custódia cautelar de vários ordenamentos processuais, Carrara faz severas críticas ao instituto: “Todos reconhecem que o encarceramento dos acusados antes da condenação é uma injustiça”. CARRARA, Francesco. “Immoralità del carcere preventivo”. Opuscoli di diritto criminale. 4. ed., v. IV, Firenze: Casa Editrice Libraria “Fratelli Cammelli”, 1902, p. 311. 36 Scarance Fernandes lembra que o C.P.P. de Portugal destaca os seguintes princípios fundamentais das medidas cautelares: da legalidade, da adequação e da proporcionalidade (artigos 191 e 193). SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo ...op.cit., p. 280. 37 “Prudentemente examinadas pelo juiz, a necessidade e conveniência da medida, evitam-se constantes intervenções desnecessárias no status libertatis do processado, num justo equilíbrio com a função punitiva do Estado. Identificando-se a sanção cautelar, em seu aspecto estrutural, com a pena, e, atendendo-se, mais, ao caráter nitidamente publicístico do processo moderno, não se pode deixar de confiar a averiguação da necessidade e conveniência, na imposição da medida cautelar, ao órgão jurisdicional. A operação jurisdicional, atinente à aplicação da medida, é ato de inteligência, não simplesmente volitivo, mas ato

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A necessidade e a adequação são as balizas que evidenciam a preocupação

do legislador com o princípio da proporcionalidade, de forma que o juiz tenha de fazer uma

análise global dos requisitos para decidir, em primeiro lugar, se aplicará ou não uma ou

mais medidas cautelares (necessidade) e, em segundo plano, mas não menos importante,

qual a medida mais adequada, isto é, aquela que não será inócua à situação que se

apresenta, conforme a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições

pessoais do indiciado ou acusado.

O caráter constitucional desse princípio deve ser ressaltado,38 na exata

medida em que sua formação histórica baseou-se em valores garantidos pela Carta Magna,

como por exemplo, respeito à pessoa humana, a igualdade, a liberdade e a justiça.39

Em contrapartida, a medida escolhida também não pode ser extremamente

onerosa (ou desproporcional) ao indiciado ou acusado, ferindo a esperada razoabilidade

das normas e extrapolando os limites previstos pela própria lei.40

Nos últimos anos, a legislação brasileira vem trilhando caminhos mais

liberais, de forma a realmente colocar a prisão como último recurso. Essa afirmação pode

ser comprovada quando são analisadas algumas alterações legais que tiveram repercussão

direta no sistema processual penal.

A partir de 1995, a Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) passou a

considerar infrações de menor potencial ofensivo aquelas com pena privativa de liberdade

vinculado a normas precisas, limitativas de qualquer arbítrio perigoso, representado a segurança da realização do direito objetivo.” PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ... op.cit., p. 186. 38 Nesse sentido: HC nº 101493 / RS (2008/0049096-1) relatado pelo Ministro Hamilton Carvalhido, tendo como relatora do acórdão a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, da 6ª Turma do STJ, publicado no DJ de 28/10/2008: “Direito penal e processo penal. Habeas Corpus. Tráfico de drogas e associação para o tráfico. Prisão em flagrante. Condenação. Regime semi-aberto. Direito de recorrer em liberdade. Princípio da proporcionalidade. Ao preso em flagrante condenado à pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime semi-aberto, é assegurado o direito de recorrer em liberdade. Trata-se de ideia-força decorrente do princípio constitucional da proporcionalidade, visto que a prisão provisória, medida cautelar, nas circunstâncias, é mais gravosa que a reprimenda, finalidade precípua do processo penal. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de recorrer em liberdade.” (com voto vencido) 39 GAMA DE MAGALHÃES GOMES, Mariângela. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 21. 40 Destaca-se no acórdão que segue a referência expressa ao princípio da proporcionalidade (na busca da medida menos gravosa no curso da colheita de prova), parâmetro que pode ser utilizado para escolha da medida cautelar mais adequada e menos invasiva à liberdade individual do indiciado ou acusado: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22050 / RS (2006/0112665-4) relatado pela Ministra Laurita Vaz, da 5ª Turma do STJ, publicado no DJ 24/09/2007, p. 328: “Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Processual penal. Ministério Público. Poderes de investigação. Busca da verdade real. Prerrogativa limitada. Princípio da proporcionalidade. Direito líquido e certo não evidenciado”. “... Na espécie, conquanto a escuta ambiental e a filmagem do depoimento da menor sem a sua ciência não constituam providências vedadas expressamente pela lei, certamente, mostram-se desproporcionais, em se considerando não apenas o ferimento aos direitos constitucionais individuais da menor, como também a existência de medida menos gravosa para a colheita da prova. Direito líquido e certo não evidenciado. Recurso desprovido”.

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até dois anos (com as alterações da Lei nº 10.259/01), introduzindo no Brasil a figura da

transação penal e da suspensão condicional do processo, as quais, em última análise, visam

a evitar as penas privativas de liberdade, por meio de penas alternativas.

As mesmas penas alternativas sofreram alterações com a edição da Lei nº

9.714/98 que modificou o art. 43 e seguintes do Código Penal.

A proporcionalidade das medidas cautelares ganha maior relevo quando se

constata que o indiciado ou acusado não teria, ao final do processo criminal e em caso de

condenação, uma sanção tão severa quanto a medida que se pretende aplicar antes da culpa

formada.41

Essa situação gera grande inquietação, tendo em vista que, normalmente, as

medidas cautelares que determinam privação de liberdade (em estabelecimento prisional)

tendem a ser cumpridas de modo a colocar os presos provisórios juntamente com presos

condenados definitivamente, em que pese a norma inserida no art. 84, da Lei nº 7.210/84

(Lei de Execução Penal), que prevê que o preso provisório ficará separado do condenado

por sentença transitada em julgado.

Restaria ausente qualquer razoabilidade nos casos em que, já se

vislumbrando que eventual ação penal não atingirá o fim que ela, em princípio, objetiva,

que é a condenação, que sejam aplicadas medidas cautelares mais invasivas,42 levando-se

em conta sua natureza puramente instrumental.43

Calamandrei considera a instrumentalidade como uma característica

genérica de todos os provimentos cautelares, que funcionam como meios para assegurar a

eficácia prática de um provimento principal, considerando-se a hipótese prática de que este

tenha um determinado conteúdo concreto, do qual se antecipam os previsíveis efeitos.44

41 O critério da proporcionalidade surgiu da tentativa da jurisprudência alemã, depois consagrado legislativamente, de individualizar o critério da razoabilidade. Foi acolhido pela reforma da StPO, de 19 de dezembro de 1964, em seu art. 120: “A custódia preventiva deve ser proporcional à gravidade do fato ou à da pena.” LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito ao processo penal no prazo razoável. 2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 56. 42 Conforme o maior ou menor grau de restrição de direitos ou de privação de liberdade, as medidas podem ser classificadas, meramente para fins didáticos, entre as letras A (menos invasiva) e E (mais invasiva), catalogando-se a monitoração eletrônica como letra C (médio grau). A respeito dessa classificação, ver o capítulo 5, que trata da relação entre a monitoração eletrônica e as outras medidas cautelares (Item 5.1. Considerações iniciais). 43 “As providências cautelares possuem caráter instrumental: constituem meio e modo de garantir-se o resultado da tutela jurisdicional a ser obtida por meio do processo.” FREDERICO MARQUES, José. Elementos de direito processual penal. v. IV, 1. ed., 2. tiragem, Campinas: Bookseller, 1998, p. 31. 44 CALAMANDREI, Piero. “Caractteri dei provvedimenti cautelari”. Introduzione ... op.cit., p. 62.

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A preocupação com a proporcionalidade da medida a ser aplicada também

está presente em outros ordenamentos jurídicos.45 Exemplos são os Códigos de Processo

Penal da Espanha e da Itália.46

Não se pode ignorar que existe uma verdadeira “comparação” entre as

medidas possíveis para determinado caso, as quais são, em princípio, igualmente idôneas

para atingir o objetivo a que se propõe com a providência cautelar. O juiz deve identificar a

medida que representa menor lesão ao direito à liberdade do indiciado ou acusado, sem

prejuízo do resultado concreto e da efetividade da iniciativa.47

Repercutindo ensinamentos de Souza de Oliveira, Aury e Badaró, ao se

referirem à duração das prisões cautelares, destacam que, ainda que tenham origens

diferentes, razoabilidade (Estados Unidos) e proporcionalidade (Alemanha), guardam entre

si uma relação de fungibilidade, com subdivisão em razoabilidade interna (lógica do ato

em si) e externa (consonância com a Constituição). Trazem à colação também três

subprincípios: a adequação (a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins), a

necessidade (preconiza que a medida não deve exceder o imprescindível para a realização

do resultado que almeja) e a proporcionalidade em sentido estrito (significa o sopesamento

dos bens em jogo, cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação).48

Preenchendo-se o requisito da imprescindibilidade de uma cautelar, há de se

ponderar qual a melhor medida, levando-se em conta o princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, cabe ao Poder Judiciário dizer por que razão um princípio prevalece sobre

outro.

Antonio Magalhães nos ensina sobre a importância do princípio da

proporcionalidade: “Segundo essa consagrada orientação do constitucionalismo moderno, 45 “É importante observar que o princípio alemão da proporcionalidade recorda a construção jurisprudencial da razoabilidade, tão importante e significativa nas manifestações da Suprema Corte americana.” PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “O sistema de nulidades processuais e a Constituição”. O processo em evolução. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998, p. 49. 46 Art. 502. 2. do C.P.P. espanhol: La prisión provisional solo se adoptará cuando objetivamente sea necesaria, de conformidad con lo establecido en los artículos siguientes, y cuando no existan otras medidas menos gravosas para el derecho a la libertad a través de las cuales puedan alcanzarse los mismos fines que con la prisión provisional. Art. 275 do C.P.P. italiano: 2. Ogni misura deve essere proporzionata all’entità del fatto e alla sanzione che sia stata o si ritiene possa essere irrogata. 2. bis. Non può essere disposta la misura della custodia cautelare se il giudice ritiene che com la sentenza possa essere concessa la sospensione condizionale della pena. 47 SCHIETTI MACHADO CRUZ, Rogério. Prisão cautelar - dramas, princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 98. 48 CORRÊA SOUZA DE OLIVEIRA, Fábio. Por uma teoria dos princípios – o princípio constitucional da razoabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 321. Apud LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito ao processo ... op.cit., p. 55-6.

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as restrições dos direitos fundamentais devem observar os requisitos de adequação,

necessidade e ponderação entre os meios e os fins (proporcionalidade estrita).49

Por fim, estabelecendo-se a necessidade da medida e chegando-se à fase da

adequação, pode-se constatar que as medidas previstas no art. 319 do C.P.P. não sejam

suficientes para que se atinjam os objetivos pretendidos pela lei, oportunizando-se a

decretação da prisão preventiva, como ultima ratio.50

O que não se pode perder de vista é que há muito tempo a custódia

preventiva é questionada pelos doutrinadores. Para ilustrar a situação, Carrara cita

estatística judiciária penal do Reino da Itália de 1869, publicada em Firenze, no ano de

1871, noticiando que dentre as decretações de prisão preventiva (no ano de 1869), foram

colocados em liberdade, por ordem de algum dos órgãos colegiados com competência

revisional, 19.876 detidos, enquanto que os condenados somaram 26.598.51

A monitoração eletrônica deve ser vista como alternativa dada ao juiz para

controle de uma situação de risco, a qual deve ser ponderada de forma individualizada para

se aferir a melhor medida cautelar a ser aplicada, principalmente quando houver

necessidade de maior fiscalização judicial.52

Esse aspecto reforça a viabilidade da monitoração eletrônica para

consecução dos objetivos do processo penal brasileiro.

2.4.3 Características

As cautelas são situações jurídicas que têm como principais características

sua instrumentalidade e sua provisoriedade.

Scarance Fernandes ensina que: “[...] a tutela cautelar é de natureza

instrumental, sendo meio para que realize a tutela jurisdicional do processo de

49 MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, Fabio. Medidas substitutivas e alternativas à prisão cautelar. São Paulo: Renovar, 2008. Apres. Antonio Magalhães Gomes Filho. 50 O art. 275, inciso 3, do C.P.P. italiano, tem previsão praticamente idêntica, colocando a prisão preventiva como última alternativa. 51 CARRARA, Francesco. “Immoralità del carcere preventivo”. Opuscoli di diritto criminale. 4. ed., v. IV, Firenze: Casa Editrice Libraria “Fratelli Cammelli”, 1902, p. 311. 52 “Deve-se compreender que a “adequação da medida” é a explicação lógica do porque essa e não outra medida há de ser aplicada. Não obstante, recomenda a técnica do método interpretativo do “princípio da proporcionalidade”, tal como desenvolvido pela melhor doutrina, que tão logo se proceda ao juízo de adequação (a medida é apta a atingir o fim a que se destina) e, presente sua “necessidade” (é obrigatória sua adoção), proceda-se a “proporcionalidade em sentido estrito”, vale dizer, ao balanço ou sopesamento de valores efetivamente em jogo, ou seja, pergunta-se se a medida restritiva de direito não é superior, mas consentânea, ao mal que visa combater”. MOUGENOT BONFIM, Edilson. Reforma ...op.cit., p. 31.

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conhecimento ou de execução”. E prossegue o professor: “Além desta vinculação

instrumental a outro processo, são apontadas outras características do processo cautelar,

tais como a urgência, a sumariedade da cognição e a provisoriedade da tutela obtida”.53

O caráter de urgência é ínsito ao provimento cautelar, principalmente

quando se está diante de uma situação em que o juiz entende que a custódia preventiva é a

medida mais adequada.54

Antes da vigência da Lei nº 12.403/11, essa ocorrência era corriqueira, pois

o juiz não dispunha de alternativas para impor uma cautelar. Diante disso, a custódia

cautelar tinha (e ainda tem) como pressuposto esse caráter de urgência.

Agora, o art. 282, §3º, do C.P.P., prevê que seja instalado o contraditório

antes da aplicação de uma medida cautelar, intimando-se a parte contrária, com cópia do

requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

A situação extraordinária também está prevista no mesmo dispositivo legal,

que ressalva os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Naturalmente,

nesses casos, como o próprio texto enuncia, a medida deve ser decretada imediatamente.

São situações excepcionais que normalmente ensejam o decreto de prisão

preventiva, o qual, nos termos da legislação atual é o último recurso dentre todos os

provimentos cautelares. O juiz somente poderá se valer da custódia preventiva quando não

for cabível a substituição por outra medida cautelar.

Evidencia-se que a monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX, do

C.P.P., não terá, em regra, essa característica de urgência, mesmo porque acredita-se que

em boa parte das situações em que referida medida possa ser aplicada, o será

cumulativamente com outra cautelar (como, por exemplo, o recolhimento domiciliar).

O contraditório deve estar presente sempre que possível: essa é a regra.

A sumariedade ou superficialidade da análise por parte do magistrado para

aplicação das medidas cautelares não significa que o provimento jurisdicional possa ser

aplicado sem as necessárias garantias constitucionais, para que se evite qualquer tentação

que importe em arbitrariedade.

Theodoro Júnior cita quatro características dos provimentos cautelares:

instrumentalidade, provisoriedade, revogabilidade e autonomia.55

53 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo ... op.cit., p. 279-80. 54 “[...] o provimento cautelar opera em regime de urgência, como instrumento provisório sem o qual o definitivo poderia ficar frustrado em seus efeitos”. PELLEGRINI GRINOVER, Ada; ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; RANGEL DINAMARCO, Cândido. “Processos de ...”. Teoria ... op.cit., p. 345.

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A provisoriedade do provimento cautelar visa justamente que não adquira

caráter definitivo, e, ao contrário, destine-se a durar por um espaço de tempo delimitado.

De tal sorte, a medida cautelar já surge com a previsão de seu fim.56

Ao questionar qual o critério que serve para diferenciar os provimentos

cautelares de todos os outros provimentos jurisdicionais, o mestre Calamandrei cita a

provisoriedade, destacando a limitação da duração dos efeitos de tais medidas.57

Como lecionam Pellegrini, Cintra e Dinamarco, os provimentos cautelares

são, em princípio, provisórios; o provimento definitivo que coroa o processo principal ou

reconhecerá a existência do direito (que será satisfeito) ou sua inexistência (revogando a

medida cautelar).58

A revogabilidade é característica expressa no próprio Código de Processo

Penal, que estabelece no art. 282, §5º, que o juiz poderá revogar a medida cautelar ou

substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a

decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Constata-se que não havendo motivo para sua manutenção, a cautelar deve

ser revogada, o que não impede que seja novamente aplicada se o fundamento para essa

providência voltar a existir.

Focando especificamente a monitoração eletrônica, Bottini destaca que essa

medida implica limitações a direitos fundamentais e, como tal, deve atender aos princípios

da subsidiariedade e proporcionalidade. O autor sustenta que a medida deve ser aplicada

cumulativamente com outra cautelar. Dentro da subsidiariedade, Bottini entende que a

monitoração eletrônica somente pode ser aplicada nos casos em que não seja cabível outra

medida menos grave.59

Com relação ao princípio da proporcionalidade, Bottini adverte que a

monitoração eletrônica cumulada com outras medidas somente é legítima quando, em caso

de condenação, houver possibilidade de aplicação de sanções mais severas. De outra

forma, os meios seriam mais gravosos que os fins.60

55 A autonomia das medidas cautelares pessoais (último item apontado pelo autor) será vista no item 2.4.4. 56 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 23. ed. São Paulo: Leud, 2006, p. 52-3. 57 CALAMANDREI, Piero. “Criteri per la definizione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione allo studio ...op.cit., p. 09. 58 PELLEGRINI GRINOVER, Ada; ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; RANGEL DINAMARCO, Cândido. “Processos de ...”. Teoria ... op.cit., p. 345-6. 59 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ...,op.cit., p. 397 e 391, respectivamente. 60 Id. ibid., p. 397.

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Mougenot Bonfim considera que são quatro as características principais das

medidas cautelares: provisoriedade, revogabilidade, substitutividade e excepcionalidade.61

O caráter de substitutividade permite que uma cautelar venha ocupar o lugar

de outra, por se mostrar mais adequada do que a anterior ou porque a primeira foi

descumprida pelo indiciado ou acusado.

Caso a situação fique mais crítica com a revogação do provimento cautelar

inicialmente imposto, o magistrado poderá aplicar medidas cumulativas, sempre visando a

evitar ao máximo a decretação da prisão do indiciado ou acusado.

Em obediência ao princípio da legalidade, há de se ponderar que as medidas

cautelares são taxativas, não se podendo recorrer a outras não previstas na legislação. Essa

possibilidade já não era viável antes da mudança legislativa e não há qualquer novo

fundamento legal para que a aplicação de medidas cautelares inominadas seja aceita.62

A excepcionalidade implica dizer que o provimento cautelar somente deve

ser aplicado quando efetivamente necessário e adequado ao caso. Em situação considerada

normal, isto é, quando o indiciado ou acusado colabora com as investigações ou com a

instrução criminal e não pratica atos que indiquem a possível prática de outras infrações

penais, não há qualquer razoabilidade na imposição de uma ou mais cautelas.

2.4.4 Autonomia

A questão está longe de atingir uma concepção pacífica. Parte da doutrina

sustenta a ideia de que o processo cautelar constitui um terceiro gênero ao lado do processo

de conhecimento e do processo de execução, enquanto outro entendimento é de

subordinação aos referidos processos.

Citando Coniglio, Romeu Pires destaca a função mediata da tutela cautelar e

a estrutura que ela apresenta, fatores que, no entendimento do autor brasileiro, criam uma

nuvem que prejudica a ideia de autonomia.63

Mesmo assim, é relevante notar que o processo cautelar visa a assegurar um

estado de fato e de direito, levando-se em conta a concretização de um direito inicialmente

postulado, ainda que isso aconteça de forma sumária, sucinta e de modo menos

aprofundado que no procedimento ordinário.

61 MOUGENOT BONFIM, Edilson. Reforma ... op.cit., p. 20. 62 A respeito da existência ou não de um poder geral de cautela na área penal, verificar item 2.1. 63 PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ...op. cit., p. 13.

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Calamandrei ensina que as providências cautelares nunca constituem um

fim em si mesmo, mas sim, estão, inelutavelmente, preordenadas à emanação de uma

ulterior providência definitiva.64

O mestre da Universidade de Firenze destaca que é essa relação de

instrumentalidade ou, como diriam outros, de subsidiariedade, que liga inevitavelmente

toda providência cautelar à providência definitiva.

Theodoro Júnior sustenta a autonomia do processo cautelar, ao lado das

ações e processos de cognição e de execução, cujo traço diferenciador, em face das demais

atividades jurisdicionais, está no fim específico, que é a prevenção.65

O jurista pátrio completa seu raciocínio esclarecendo que a cautela busca tão

somente a eliminação de situações perigosas que possam afetar, eventualmente, a eficácia

do futuro provimento principal. Essa autonomia decorre dos fins próprios perseguidos pelo

processo cautelar que são realizados independentemente da procedência ou não do

processo principal.66

Podetti afirma que as medidas cautelares são autônomas em sua unidade

conceitual, persistindo uma dependência ou um caráter acessório em relação a um processo

determinado, ou até um complemento funcional de qualquer tipo ou espécie de processo.67

De Luca destaca que: “o fim de garantia, que caracteriza o meio de coação,

representado pela medida cautelar, é o elemento discriminador, que confere à última uma

certa autonomia com relação às outras medidas”.68

Scarance Fernandes ressalta que, no Brasil, predomina a ideia de considerar

o processo cautelar de forma autônoma, mantendo-o ligado, entretanto, a outro de

conhecimento ou de execução. Scarance Fernandes lembra que Ovídio Araújo Baptista da

Silva sustenta a posição de que o processo cautelar tem autonomia mais profunda,

admitindo-se a existência de um direito substancial de cautela.69

64 CALAMANDREI, Piero. “Criteri per la definizione dei provvedimenti cautelari”. Introduzione allo studio ... op.cit., p. 21. 65 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo ... op.cit., p. 43 e 55. 66 “Na verdade, o que se decide na ação cautelar é apenas se houve ou não risco para efetividade ou utilidade do processo principal, e nunca se a parte tem ou não o direito subjetivo material que pretende opor à outra parte”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V.1, 51. ed., 3. Tir., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 60. 67 PODETTI, J. Ramiro. Tratado de las medidas cautelares. Atual. Victor A. Guerrero Leconte, 2. ed. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anónima Editora, 1969, p.19. 68 DE LUCA, Giuseppe. Lineamenti ... op.cit., p. 198 e seg. 69 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo ... op.cit., p. 279.

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No processo penal, o provimento cautelar tem algumas especificidades que

marcam a seara criminal, principalmente pelo fato de estar em permanente risco a

liberdade do indiciado ou acusado.

Essa é a tônica impressa no art. 283, §1º, do C.P.P., ao estabelecer que as

medidas cautelares não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou

alternativamente cominada pena privativa de liberdade.

Ainda que os provimentos cautelares sejam dotados de autonomia, não há

como ignorar que eles somente existem em razão de um processo de conhecimento ou de

execução, como ensina Scarance Fernandes.

2.4.5 Objeto

A doutrina tem se confrontado com significativas dificuldades para

determinar com exatidão um objeto que seja suficientemente abrangente para abarcar todos

os provimentos cautelares.

A complexidade do processo criminal leva, inexoravelmente, a que o juiz

tenha de identificar, sempre que necessário e adequado, a melhor medida a ser aplicada

consoante a situação de fato que se lhe apresenta.

Podetti assevera que não é fácil encontrar um objeto ou motivo

suficientemente genérico que justifique e cubra todas as medidas cautelares. Às vezes,

surge a necessidade de assegurar o cumprimento de uma obrigação, ainda não reconhecida

pelo órgão jurisdicional; noutras vezes, tem a finalidade de evitar danos, ou de que no

curso do processo os direitos litigiosos desapareçam; ou quando nada, sejam ocasionados

danos às pessoas; e, finalmente, evitar que se impossibilite ou dificulte a produção de

meios probatórios.70

Como ensina Calamandrei, as medidas cautelares têm por objeto manter a

justiça em funcionamento, preservando a função jurisdicional, não se podendo ignorar que,

mais que o interesse das partes, prevalece o interesse da administração da justiça.

O catedrático também posiciona o provimento cautelar em meio à função

jurisdicional e à função administrativa, mencionando quanto a esta última a própria polícia

70 PODETTI, J. Ramiro. Tratado de las ... op.cit., pp. 15-6.

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judiciária, que deve atuar sob ordem da justiça, com urgência, mas sem que haja, ainda,

uma decisão definitiva e, portanto, num juízo provisório.71

Sob o ponto de vista judicial, o mestre da Universidade de Firenze sustenta

que, em sede cautelar, o juiz deve geralmente garantir (nas diversas configurações

concretas que esses extremos podem assumir segundo o procedimento escolhido) a

existência do temor de um dano jurídico, isto é, a existência de um estado objetivo de

perigo que faça parecer iminente a ocorrência do dano derivado da insatisfação de um

direito.72

Sob a ótica administrativa, para se atingir um objeto e focando-se

estritamente o tema da monitoração eletrônica, pode-se dizer que, em algumas

oportunidades, outros órgãos do Estado atuarão para viabilizar a execução da monitoração.

Em alguns países, como nos E.U.A., o sistema de vigilância eletrônica foi

privatizado, colocando-se o controle nas mãos da Justiça. Tudo indica que o Brasil deve

seguir o mesmo caminho, licitando as empresas prestadoras desse tipo de serviço e

mantendo-se o controle sob a responsabilidade de um órgão vinculado, normalmente ao

Poder Executivo, sob ordem e supervisão direta do órgão jurisdicional.

Em sede de execução penal, mas com total relação ao tema em estudo, pode

ser citado o Estado de São Paulo, onde a Secretaria de Administração Penitenciária

(S.A.P.) já executa essa tarefa de controle da vigilância eletrônica de presos em saída

temporária e prisão domiciliar, sendo muito provável que a estrutura já existente seja

utilizada na implementação da monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX, do C.P.P.73

Nesse caso, a função administrativa referida por Calamandrei é executada

por órgão diverso da polícia judiciária, não havendo impeditivo, entretanto, de que esta

última seja acionada em apoio à S.A.P.

No estudo do objeto do provimento cautelar, é relevante que se tenha em

mente que a monitoração eletrônica, que é o tema do presente trabalho, deve preencher os

requisitos legais para uma necessidade premente para o bom andamento processual.

A monitoração eletrônica não pode ser utilizada como uma forma de pena,

até porque ambas têm natureza jurídica totalmente diversa. O único liame entre a

71 CALAMANDREI, Piero. “Conclusioni”. Introduzione ...op. cit., p. 144-5. 72 CALAMANDREI, Piero. “Caractteri dei provvedimenti cautelari”. Introduzione ... op.cit., p. 62. 73 De acordo com a S.A.P., o sistema é descentralizado e cabe às coordenadorias regionais fazer o controle dos presos. Cada tornozeleira é identificada por um número para que a empresa que presta o serviço de monitoramento não tenha acesso à identidade do preso. Essa informação será exclusiva do Departamento de Inteligência da S.A.P.

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monitoração eletrônica e a futura pena a ser aplicada, em caso de condenação, vincula-se

ao fato de que o provimento cautelar, que é meio, não pode ser mais gravoso do que a

futura pena (conforme adverte Bottini no estudo das “características das medidas

cautelares pessoais”, no subitem 2.4.3.).74

Aplicando-se ao indiciado ou acusado a monitoração eletrônica, dentre

outras medidas cautelares, garante-se a futura execução da pena e assegura-se a sua

presença ao processo, que dele também necessita como instrumento de prova.75

Essa garantia de preservação de uma situação durante o desenvolvimento do

processo, que pode ser propiciada pela medida cautelar, tem por objetivo adequar o ritmo

dos fatos concretos à nem sempre rápida evolução dos atos processuais. “Disso pode

resultar que exaurido o processo não se encontre mais a situação jurídica concreta, em

virtude da qual foi intentado o procedimento, surgindo a necessidade de evitar a

imobilidade do juízo e a instabilidade da realidade jurídica concreta”.76

Daí decorre que o provimento cautelar é o instrumento de que dispõe o juiz

para fazer essa sintonia fina do processo com a realidade dos fatos.

No dizer de Romeu Pires existe uma verdadeira luta contra o tempo, seja

para exaurir o processo com a máxima solicitude (princípio da concentração), sem perder a

qualidade do desenvolvimento processual, seja para tornar irrelevantes as modificações da

situação material ocorrida durante o processo (princípio da retroatividade), sem modificar a

situação concreta anterior.77

Melhor pontuando: o que se deseja com a medida cautelar é que os efeitos

do tempo não descaracterizem o momento em que os fatos ocorreram, que é o estopim para

o processo criminal.

74 Romeu Pires consigna alguns objetivos que, segundo sua ótica, a medida cautelar penal não tem: não deve ser utilizada como reação ao ilícito; não deve exigir o cumprimento de uma obrigação; também não pode servir de reação a um comando inobservado; e, por fim, não teria como objeto a segurança social. Dessas restrições, com a devida vênia, não se pode concordar com a ausência de um fim em relação à segurança social, pois, s.m.j., esse objeto deve estar presente em praticamente todos os provimentos judiciais, sejam cautelares ou não. PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ...op. cit., p. 11. 75 O art. 367 do C.P.P. estabelece que o processo siga sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo. Com base no texto processual, fica reforçada a advertência de que o provimento cautelar somente deve ser aplicado quando estritamente necessário e adequado ao caso concreto, nos exatos termos do art. 282, I e II, do C.P.P.. 76 PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ... op.cit., p. 12. 77 Id. Ibid.

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3 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA

3.1 Noções

A monitoração eletrônica não surgiu de forma casual, muito pelo contrário.

Segundo Rodríguez-Margariños, foram os postulados filosóficos empíricos utilitaristas que

patrocinaram a vigilância telemática. A sociedade e seus dirigentes demandaram

mecanismos mais rápidos, precisos e econômicos, sendo a vigilância eletrônica uma

consequência de tudo isso.78

Atualmente, no Brasil, a monitoração eletrônica destaca-se como uma das

modalidades de medida cautelar diversa da prisão, por conta das alterações ocorridas no

Código de Processo Penal, em 2011, e como um instrumento de fiscalização indireta de

condenados, nas saídas temporárias em regime semiaberto e na prisão domiciliar. A

legislação federal somente incorporou a monitoração eletrônica ao sistema jurídico

brasileiro com a Lei nº 12.258/10, que veio modificar vários artigos da Lei de Execuções

Penais - L.E.P., introduzindo esse mecanismo de vigilância para condenados.79

Nessa fase, várias críticas surgiram contra o governo federal pelo veto a

algumas partes da lei que alterou a L.E.P., inclusive a possibilidade de estender a

monitoração para as fases processual e pré-processual.

A inovação como cautelar, apesar de criticada por alguns doutrinadores, já

era vista por vários setores da sociedade como uma alternativa viável,80 mas até sua

previsão no inciso IX, do artigo 319 do C.P.P., simplesmente não existia nas fases pré-

processual ou durante a instrução criminal, ficando limitada à fase da execução penal.

A terminologia empregada para dar título a este capítulo (monitoração

eletrônica) não foi concebida originalmente no Brasil, tendo em vista que os mecanismos

de controle a distância já são utilizados em outros países há vários anos.81

78 RODRÍGUES-MARGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel electrónica para la creación del sistema penitenciário del siglo XXI. Disponível em: <http://dspace.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/6128/C%c3%a1rcel_Gud%c3%adn_AFDUA_2004_2005.pdf?sequence=1> Acesso em 15 out. 2011. 79

Sobre o tema, verificar o item 3.4. deste trabalho. 80 Principalmente aqueles que acreditam que qualquer opção que seja bem planejada e aplicada é melhor do que o cárcere, principalmente para quem não foi definitivamente condenado. 81 Com base no The New Shorter Oxford English Dictionary (1993), Nuno Caiado apresenta distinções semânticas úteis entre “supervisão”, “vigilância” e “monitorização”. “Supervisão” significa dirigir ou coordenar alguém ou alguma coisa, assim como orientar, mas sem a conotação de ser regulamentar. “Vigilância” implica regras, sendo definida por observação para efeitos de prevenção ou fiscalização, ou

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O Brasil “importou” a terminologia utilizada em outros países: na Itália

utiliza-se o termo sorveglianza elettronica ou monitoraggio elettronico e braccialetto

elettronico, enquanto na França emprega-se surveillance électronique e bracelet

électroniques; nos E.U.A., a expressão adotada é pretrial release ou electronic monitoring

for pretrial release, enquanto que em Portugal se fala em vigilância electrónica; na

Argentina, utiliza-se o termo monitoreo electrónico; outros países também utilizam

terminologias similares, como é o caso, por exemplo, de Porto Rico onde são utilizados os

brazaletes electronicos.82

Entretanto, como intróito, pode-se partir da noção dos vocábulos

“monitoração” e “monitoramento”: monitoração indica o ato ou efeito de monitorar, fazer

monitoramento ou monitorização (que são sinônimos), sendo que monitorar significa

acompanhar e avaliar (dados fornecidos por aparelhagem técnica).83

O conceito jurídico pode ser extraído da própria legislação brasileira. Até

meados de 2011, quando se falava em monitoração eletrônica ou monitoramento

eletrônico, esta última mais comum até então, a relação que se fazia era com a fase de

execução penal; entretanto, os preceitos podem ser aplicados ao tema aqui abordado, pois

os mecanismos de vigilância a distância são os mesmos, seja na fase do processo de

conhecimento, seja na fase de execução.

Vigiar (gênero) é um termo mais amplo que monitorar, portanto, monitorar

pode ser compreendido como uma espécie de vigilância.

Observe-se que os dispositivos legais existentes no Brasil se referem à

monitoração eletrônica, vigilância eletrônica, vigilância a distância ou vigilância indireta.

Depreende-se que monitoração ou vigilância eletrônica são espécies do gênero vigilância a

distância ou indireta.

Para demonstrar a sensível disparidade que persiste no uso terminológico,

faz-se referência ao Estado de Minas Gerais, onde foi editada a Lei nº 19.478, de 12 de

mesmo precaver-se constantemente perante um suspeito. Em inglês, a palavra “monitorização” partilha a mesma raiz etimológica que a palavra advertência. O monitor poderá, então, ser a pessoa que admoesta alguém, adverte ou aconselha relativamente à sua conduta. Monitorizar pode ser utilizado como verbo significando aferir ou testar regularmente, especialmente para efeitos de regulamentação ou controle e como substantivo como instrumento ou ferramenta para o mesmo efeito. Nuno Caiado foi revisor da tradução de: NELLIS, Mike. O monitoramento eletrônico e a supervisão de delinquentes na comunidade. Porto Alegre: Revista Síntese, nº 65, dez-jan/2011, p. 38. 82 De acordo com esclarecimento prestado por Nuno Caiado, autor português, a terminologia original tem uma conotação de vigilância, influenciando as expressões utilizadas em Portugal, França e, por vezes, nos países de língua espanhola. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 37. 83 Dicionário Aurélio Eletrônico.

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janeiro de 2011, que fez menção a “programas eletrônicos de computador” e ao

“monitoramento eletrônico” para auxílio no controle da execução penal. Anote-se que

nessa data ainda não estava em vigor a atual redação do C.P.P., que foi modificada pela Lei

nº 12.403 de 04 de maio de 2011, que introduziu a monitoração eletrônica como medida

cautelar.

O Estado de São Paulo editou a Lei nº 12.906, de 14 de abril de 2008,

estabelecendo normas suplementares de direito penitenciário para regular a vigilância

eletrônica, entre outras providências, dando origem ao primeiro conceito legal sobre o

significado de “vigilância eletrônica”, dentro de nosso ordenamento jurídico.84

“Vigilância eletrônica” consiste no uso da telemática e de meios técnicos

que permitam, a distância e com respeito à dignidade da pessoa a ela sujeita, observar sua

presença ou ausência em determinado local e durante o período em que, por determinação

judicial, ali deva ou não possa estar.

Percebe-se que o legislador estadual utilizou de uma terminologia

abrangente para não incorrer na restrição de algum tipo de equipamento que pudesse ser

empregado para cumprir a finalidade de vigiar a pessoa custodiada.

A vigilância deve ser realizada por meio eletrônico e, para operacionalizá-

la, serão empregados a telemática e os meios técnicos correlatos.

Entende-se por telemática a ciência que trata da manipulação e utilização da

informação através do uso combinado do computador e meios de telecomunicação.85

Os meios técnicos correlatos são aqueles necessários para que a informática

aliada às telecomunicações possa servir aos fins de vigilância a distância, isto é, os

mecanismos empregados devem ser eficientes para que, por meio da emissão e recepção de

algum tipo de sinal, haja possibilidade de localização on line da pessoa sob vigilância.

Como a vigilância deve ser implementada a distância, descarta-se, de

pronto, qualquer contato pessoal direto ou presencial, no que tange à vigilância, em si.

Aqui cabe um comentário sobre a efetividade da monitoração eletrônica com o apoio de

equipe técnica, multidisciplinar, com atuação de campo, para fins de acompanhamento do

monitorado.

84 O conceito utilizado pela lei do Estado de São Paulo será dissecado com o objetivo de se chegar a uma conceituação própria. 85 BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Aurélio. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. rev., 13. imp., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1658.

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Com a evolução tecnológica e especialmente da informática, a cada dia que

passa os mecanismos tornam-se mais leves e imperceptíveis a olho nu, o mesmo ocorrendo

com os sinais que eram inicialmente de tecnologia analógica e agora são digitais.

Andou bem o legislador ao utilizar termos genéricos como “telemática” e

“meios técnicos que permitam vigilância a distância”, pois dessa forma as novas

tecnologias que forem surgindo podem ser incorporadas aos sistemas de monitoração

eletrônica. Com caráter exemplificativo, basta comparar os primeiros aparelhos celulares

que surgiram no Brasil, que eram pesados e de difícil manuseio, com os atuais, que são

pequenos, leves e com múltiplas funcionalidades.

O Decreto Federal nº 7.627, de 24 de novembro de 2011, que regulamentou

a monitoração eletrônica, incorporou a terminologia até então existente para prever, em seu

art. 2º, que se considera monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à

distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em

julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.

A legislação que autorizou o emprego da monitoração eletrônica, no Brasil,

procurou instituir controle rígido para o emprego dessa tecnologia, pois condicionou seu

uso aos casos em que haja prévia e expressa autorização judicial, reforçando a observância

da legalidade e da constitucionalidade no emprego desse novo recurso.

A lei de São Paulo estabeleceu a prévia oitiva do Ministério Público e o

consentimento do condenado, que poderia ser expresso ou tácito. A anuência do condenado

seria presumida, quando ele mesmo requeresse a medida ou o fizesse por meio de seu

advogado. Nem poderia ser diferente tendo em vista que não cabe ao Estado Federativo

impor esse tipo de comportamento, sob pena de manifesta inconstitucionalidade.86

Seja como medida cautelar ou como medida de execução penal, a

monitoração eletrônica é realizada com o emprego de uma tornozeleira, bracelete, ou

dispositivo semelhante, que seja utilizado pelo indiciado, acusado ou condenado, conforme

a fase processual, por expressa determinação judicial.

Em âmbito federal, a Lei nº 12.258/10 possibilitou o emprego de

“equipamento de vigilância indireta pelo condenado”, utilizando no texto legal a expressão

“monitoração eletrônica”, assim como o fez a Lei nº 12.403/11, que ao relacionar as

86

O art. 4º da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), também prevê o consentimento do acusado para aplicação da vigilância eletrônica.

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medidas cautelares, instituiu a “monitoração eletrônica”, no inciso IX, do artigo 319 do

C.P.P.

Analisando a Lei nº 12.258/10, Cesar Mariano entende que “monitoração

eletrônica nada mais é do que um método de controle da pena imposta ao sentenciado que

se encontra fora da unidade prisional”.87 Naturalmente, o parâmetro existente até aquele

momento era o emprego dos mecanismos de vigilância a distância na fase de execução

penal.

Para nós, monitoração eletrônica indica qualquer forma de vigilância

decorrente de ordem judicial, em que não haja contato pessoal, nem visual, e que utilize de

meios tecnológicos para se determinar onde uma determinada pessoa se encontra ou onde

ela não possa estar.

Parece intuitivo concluir que, ao saber onde a pessoa está como decorrência

natural se saberá que ela não está em outro local onde deveria permanecer. Dessa forma,

torna-se desnecessária essa referência.

Ficou também patente a preocupação com a dignidade da pessoa sujeita à

vigilância eletrônica, garantia essencial ao sucesso de qualquer atividade que implique

restrições à liberdade do cidadão. Sob esse aspecto, não se pode negar que há algum tipo

de limitação, na medida em que a própria lei estabelece que o dispositivo seja utilizado

para observar a presença ou ausência do usuário em determinado local e durante o período

em que ali deva permanecer ou não possa estar.

Sob o ponto de vista constitucional, deve prevalecer o respeito à privacidade

e dignidade da pessoa sob vigilância, assim como os princípios da Carta Magna

relacionados (que serão objeto de estudo no Capítulo 4), pois, de outra forma, a medida

será inconstitucional.

Superando o aspecto conceitual da monitoração eletrônica, a escolha do

sistema de vigilância tem várias implicações de ordem operacional e financeira, variando

conforme o Estado da Federação ou país. A principal consequência refere-se ao custo,

levando-se em conta que mecanismos mais sofisticados exigem maiores investimentos e

infraestrutura mais complexa.

O Estado de São Paulo optou pelo sistema que envia sinais via satélite para

uma central de controle (Global Posicion Sistem – G.P.S.), onde será feito o

87 MARIANO DA SILVA, César Dario. Monitoração eletrônica de sentenciados. Disponível em: <www.apmp.com.br > Acesso em 30 jun. 2010.

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monitoramento ininterrupto do usuário, de forma a identificar comportamentos que possam

ser considerados suspeitos ou ilegais, bem como eventual ruptura da cinta que envolve

determinada parte do corpo do usuário.88

As tornozeleiras (ou outro mecanismo que possa ser utilizado) permitem

localizar o usuário, com precisão, tendo em vista que esses equipamentos emitem sinais

eletrônicos (GSMM) idênticos àqueles utilizados pela rede de telefonia celular. As baterias

desses equipamentos têm duração de 24 horas, devendo ser recarregadas na rede elétrica

pelo próprio usuário. O estudo das tecnologias mais utilizadas será feito em tópico próprio,

mais adiante.

Como medida cautelar, o instituto da monitoração eletrônica adquiriu novo

status porque doravante alcançará pessoas que ainda não foram condenadas

definitivamente e merece ser bem compreendido para que produza os melhores efeitos

possíveis, até para que não caía em descrédito.

3.2 Antecedentes históricos

Quando se pensa nas origens do Direito e na evolução das várias doutrinas

pelas quais passou essa área da ciência no decorrer dos últimos séculos, não se identifica,

em princípio, qualquer antecedente histórico da matéria que nomeia este estudo, isto é, a

monitoração eletrônica.

Após a Revolução Francesa e, notadamente, no último século, os estudiosos

do direito se debruçaram sobre o estudo de alternativas menos invasivas para aprimorar o

respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

A substituição da mão de obra desqualificada por outra preparada e treinada

implica otimização do uso das matérias primas, redução do desperdício, reaproveitamento

de materiais, etc., mas também tem um custo social e econômico para a sociedade.

A evolução tecnológica experimentada, principalmente, na segunda metade

do século XX e nos primórdios do século XXI não encontra precedentes na história da

humanidade.

88 Esse sistema vem sendo utilizado em outros países, como os E.U.A.. O Ex-Diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, acusado de abuso sexual de uma moça em Nova York, somente foi libertado provisoriamente após pagar fiança e ser obrigado a utilizar um bracelete eletrônico para monitorar seus movimentos por meio de G.P.S. Jornal O Estado de São Paulo, em 20-mai-2011, p. A12.

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Naturalmente, esses avanços não surgiram instantaneamente, mas são

resultados de uma longa caminhada. Os sistemas eletrônicos de vigilância datam das

últimas décadas, sendo que antes havia somente a vigilância física (presencial) ou, em

situações especiais, o que se identifica é a colocação de marcas nas pessoas para identificá-

las como autoras de algum tipo de violação às regras estabelecidas por quem estava no

poder.89

Essas marcas propiciavam um tipo rudimentar de vigilância, pois onde a

pessoa marcada estivesse poderia ser identificada como autora de algum ilícito penal.

Outra razão histórica que é apresentada para origem dos dispositivos de

monitoração está nas questões de natureza militar, em face da necessidade de localizar e

repatriar os soldados deixados para trás em terreno inimigo.90

Atualmente, a ciência jurídica dispõe de vários mecanismos para manter a

boa convivência das pessoas. As múltiplas formas de vigilância implementadas pelo

Estado, dentre as quais a monitoração eletrônica, têm como uma de suas finalidades

contribuir para essa paz social.

Referindo-se ao direito processual como instrumento para a integral

realização do direito material, visando a promover o ideal de justiça efetiva, Jaques de

Camargo vincula a ciência jurídica ao progresso, afirmando ser imprescindível que ela

contribua para a “geração de Estado de Direito”, de forma que todos gozem de paz e assim

possam se desenvolver de acordo com suas potencialidades.91

A monitoração eletrônica representa o progresso aplicado à ciência jurídica,

tendo em vista que, desde a invenção dessa forma de vigilância, a evolução tecnológica

tem marcado de forma indelével os mecanismos e sistemas informatizados empregados

para essa finalidade.

89 Em sua obra sobre a “identificação criminal”, Mário Sérgio Sobrinho destaca que o ferrete consistia num dos métodos mais antigos e cruéis de identificação humana, sendo executado por meio de uma marca feita no corpo da pessoa com o emprego do ferro em brasa. Referido método foi utilizado para marcar o corpo de criminosos e escravos fugitivos, em várias colônias americanas entre os séculos XVII e XVIII, bem como na França, até fins de 1823 e em Portugal, no período em que vigoraram as Ordenações Filipinas. A mutilação, com amputação de parte do corpo, também serviu ao mesmo desiderato. Já no século XX os nazistas usavam as tatuagens para marcar os judeus, como forma de identificá-los. SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 27-9. 90 LEHNER, Dominik. Monitoramento eletrónico como alternativa. Porto Alegre: Revista Síntese, n. 65, dez-jan-2011, p. 64. O autor é jurista e, na condição de Diretor do Departamento de Serviços Penitenciários e Serviços de Reabilitação Social, da Suíça, apresentou o texto na Conferência de Penas e Medidas na Comunidade, ocorrido em Lisboa, no ano de 2008. Tradução de Nuno Caiado. 91 CAMARGO PENTEADO, Jaques de. “Os requisitos de admissibilidade da apelação nas Ordenações do Reino: Breves notas”. Tradição, revolução e pós-modernidade. Ricardo Dip (Org.). Campinas: Millennium, 2001, p. 307.

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Historicamente, a monitoração eletrônica foi concebida no início da década

de sessenta, nos E.U.A. Consta que, em 1964, o Dr. Ralph Schwitzgebel, professor de

psiquiatria da Universidade de Harvard, utilizou, pela primeira vez, um equipamento

rudimentar de monitoração que batizou com o nome de electronic rehabilitation system.92

Entretanto, sua utilização efetiva somente ocorreu naquele país na década

de oitenta, mesmo porque a tecnologia disponível anteriormente não permitia o seu

emprego com a necessária flexibilidade e abrangência.

No âmbito judiciário, a primeira condenação com emprego desse tipo de

tecnologia ocorreu na cidade de Albuquerque, no Estado do Novo México, em abril de

1983, quando o juiz Jack Love aplicou a medida a cinco condenados, sendo um deles um

homem de 30 anos que havia infringido a ordem de liberdade condicional. Os condenados

concordaram previamente com a aplicação da medida e ela teve a duração de um mês.

O juiz Love procurava alternativas para a prisão desde a década de setenta.

Em determinado período, inspirado em um personagem da série de desenhos do homem-

aranha que utilizava um mecanismo eletrônico para seguir o super-herói, o juiz propôs a

ideia a várias empresas. Em 1983 conseguiu que a NIMCOS (National Incarceration

Monitor and Control Services) fabricasse um bracelete eletrônico que utilizava um sistema

ativo que indicava a presença do usuário em um local determinado.93

A partir dos E.U.A., vários países do mundo passaram a utilizar esse tipo de

vigilância na fase anterior e durante o processo, quando a denominam de pretrial release

ou electronic monitoring for pretrial release, ou seja, liberação de monitoração eletrônica

pré-julgamento, bem como na execução penal.94

Em meados dos anos 90, a monitoração eletrônica começou a ser aplicada

na Europa sob a forma de projetos-piloto, tendo em vista sua aparente capacidade de ser

utilizada como medida contra a superlotação carcerária. Em decorrência desse problema, o

elevado padrão ético que tradicionalmente caracteriza a Europa fez com que a monitoração

eletrônica fosse utilizada para ajudar a aliviar a pressão política sobre os governantes,

visando a garantir alguns pontos julgados importantes: um padrão mínimo de direitos

92 IGLESIAS RIO, Miguel Angel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y su seguimiento com medios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Juridicas de la Universidad Autónoma de México. Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/pr21.pdf > Acesso em 30 out. 2011. Os autores informam que a Espanha utiliza tecnologia importada de Israel denominada Elmotech (Electronic Monitoring Technologies, Superior Law Enforcement Solutions). 93 Id., ibid. 94 A denominação da vigilância eletrônica varia conforme o país, consoante já visto no item 3.1.

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humanos; economia de dinheiro na execução de uma pena; e, preservação da ordem

pública.95

Mais do que investigar as origens da vigilância eletrônica, o desiderato deste

estudo é analisar as atuais formas de aplicação em alguns países do mundo e, em especial,

no Brasil, de modo a propiciar um aprimoramento dos sistemas em uso ou que possam ser

utilizados em nosso país.

3.3 Primeiras iniciativas legislativas de monitoração eletrônica no Brasil

A necessidade de reforma do sistema judicial brasileiro vem de longa data,

mas as reformas do processo penal relativas às medidas cautelares, conforme aprovado

pela Lei nº 12.403/11, tiveram sua discussão iniciada no bojo de oito projetos de lei

apresentados em janeiro de 2001 pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.

Essas propostas foram concebidas por uma Comissão composta de

renomados juristas membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual: Ada Pellegrini

Grinover, Petrônio Calmon Filho, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance

Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel

Dotti, Rui Stoco, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Benetti.

Dentre os oito projetos encaminhados ao legislativo federal, três foram

aprovados em 2008 (Lei nº 11.689/08 sobre Tribunal do Júri, Lei nº 11.690/08 sobre

provas e Lei nº 11.719/08 sobre procedimento comum), enquanto o PL 111, de 2008, que

tratou justamente das medidas cautelares, estava em discussão no Senado Federal.

Anote-se que, inicialmente, o projeto que resultou na lei que alterou o

regime jurídico das medidas cautelares pessoais tinha a numeração de PL 4.208/2001.

É oportuno lembrar o Código de Processo Penal Modelo para Ibero-

América,96 tendo em vista sua influência nas recentes mudanças da legislação brasileira.97

Referido diploma relaciona algumas medidas menos graves (art. 209) que podem substituir

95 LEHNER, Dominik. Monitoramento ... op.cit., p. 64. 96 A formação desse Código teve início nas Quintas jornadas de Direito Processual (Bogotá-Cartagena, de 20 a 27/06/1970), que serviram de base para o Código de Córdoba e para a legislação processual da Espanha e da América Latina. O projeto final foi apresentado nas “XI Jornadas Ibero-americanas de Direito Processual”, evento ocorrido no Rio de Janeiro, em 1988. 97 “Il – Código Tipo o Modelo – è uma operazione di civiltà sociopolítica più ancora che di civiltà giuridica perché, a differenza – tanto per fare um riferimento il più concreto possibile – della Convenzione europea per i diritti dell’uomo, non ha alguno strumento a protezione, ma un solo modo per imporsi: la bontà, il fascino delle sue soluzioni. MASSA, Michele ; SCHIPANI, Sandro (Coord.). Un - Codice Tipo - di procedura penale per l’America Latina. Padova: CEDAM, 1994, p. 03.

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a prisão do imputado: detenção domiciliar (ver recolhimento domiciliar do art. 319, V, do

C.P.P.); submissão ao cuidado ou vigilância de uma pessoa ou instituição determinada;

obrigação de se apresentar periodicamente perante o Tribunal ou autoridade que o fiscalize

(ver art. 319, I, do C.P.P.); proibição de sair de determinada região ou do país (ver do art.

319, IV, do C.P.P.); proibição de tomar parte em determinadas reuniões ou de visitar certos

lugares (ver do art. 319, II, do C.P.P.); proibição de se comunicar com determinadas

pessoas (ver do art. 319, III, do C.P.P.); prestação de uma caução econômica adequada (ver

do art. 319, VIII, do C.P.P.); e, por fim, o Projeto prevê, quando cabível, a possibilidade de

simples promessa do imputado de se submeter ao procedimento, para eliminar o perigo de

fuga ou de embaraço, dispensando qualquer outra medida de coerção.

Apesar de não mencionar explicitamente a monitoração eletrônica, não se

pode ignorar que, de alguma forma, o Código-Tipo98 serviu de inspiração para que a

legislação processual penal no Brasil fosse atualizada, mormente no que tange às medidas

cautelares.

Os projetos aprovados e em trâmite têm como objetivos primordiais as

seguintes premissas: redução da litigiosidade repetitiva, protelatória ou decorrente;

racionalização do processamento de demandas; e, adequação legislativa aos preceitos

constitucionais de garantia.99

É de se constatar que, nem o PL 4.208/2001, nem o PL 111/2008 continham

disposição sobre a monitoração eletrônica, enquanto o projeto do novo C.P.P., por seu

turno, já trazia previsão a respeito.

As leis aprovadas em 2008, juntas, alteraram mais de cem artigos do C.P.P.,

[...] mas para surpresa de todos, no mesmo mês, mais especificamente no dia 19 de junho de 2008, foi constituída uma comissão de 09 juristas (Hamilton Carvalhido, Eugêni Pacelli, Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Fabiano Augusto Martins Silveira, Feliz Valois Coelho

98 “La creación del Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal les proporcionó el espaldarazo final, aprobando primeiro las bases uniformes para Iberoamérica y luego, em las Jornadas de Rio de Janeiro de 1988, el Código Procesal Penal Modelo para Iberoamérica que terminó presidiendo, si no toda, al menos gran parte de la reforma latinoamericana del proceso penal. Ese Código tipo pretendió aproximar-se, com ciertas soluciones propias, al desarrollo habido hasta su sanción em el procedimiento penal del siglo XX, aun antes de conocer las profundas modificaciones que por esos años fueron llevadas a cabo em Portugal e Itália, y reconoce como antecedente inmediato la propuesta de um nuevo Código Procesal Penal para el Estado Federal en la República Argentina (Proyecto 1986), que no tuvo sanción legislativa.” AMBOS, Kai; WOISCHNIK, Jan. “Resumen comparativo de los informes nacionales”. MAIER, Julio B. J.; AMBOS, Kai; WOISCHNIK, Jan (Coord.). Las reformas procesales em América Latina. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2.000, p. 26. 99 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. “Medidas cautelares – Projeto de lei 111/2008”. ROCHA DE ASSIS MOURA, Maria Thereza (Coord.). As reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: RT, 2008, p. 448-502.

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Júnior, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral) para elaborar um Código de Processo Penal inteiramente novo.100

O anteprojeto apresentado foi transformado no Projeto de lei do Senado nº

156/2009 e, posteriormente, pelo Parecer nº 1.636, de 07 de dezembro de 2010, já previa

incluir o “monitoramento eletrônico”, expressão utilizada naquele texto, entre as medidas

cautelares pessoais, juntamente com prisão provisória, fiança, recolhimento domiciliar,

suspensão do exercício de profissão, suspensão de atividade econômica ou função pública,

suspensão das atividades de pessoa jurídica, proibição de frequentar determinados lugares,

suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave,

afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima, proibição de ausentar-se da

comarca ou do país, comparecimento periódico em juízo, proibição de se aproximar ou

manter contato com pessoa determinada, suspensão do registro de arma de fogo e da

autorização para porte, suspensão do poder familiar, bloqueio de endereço eletrônico na

internet e liberdade provisória (proposta de alteração do art. 533 do C.P.P.).

Observe-se que a redação do projeto de lei, nos moldes do Parecer

1.636/2010, somente permitia o monitoramento eletrônico do investigado ou acusado nos

crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade fosse igual ou superior a quatro

anos.

Essa restrição não foi abarcada pela nova lei das medidas cautelares, a qual

somente trouxe restrições dessa natureza à decretação da prisão preventiva.

Aury Lopes faz ácida crítica à reforma parcial, trazendo à baila a

superlotação dos presídios, a ensejar um “estado de emergência”, que pressiona para mais

uma mudança pontual:

E então, para surpresa geral, ressurge o PL 4.208, de 2001 (agora, Lei 12.403/11), que seguia, na sua discreta e lenta tramitação, para uma nova reforma parcial. Obviamente a pergunta foi: por que mais uma reforma parcial se existe um C.P.P. novo para ser discutido e votado? E a resposta para essa pergunta não é jurídica, mas política. Vem à baila, novamente, o argumento da dificuldade de discutir todo o processo penal e aprovar um Código novo, frustrando, exatamente, o anseio de (quase) todos.101

Jacinto Coutinho também não poupa a novel legislação:

Hoje, porém, não se tem muita dúvida de que as reformas parciais sempre se mostraram como desastrosas: ao invés de melhorarem o sistema processual penal, cada vez mais o desestruturam, desgastando aquilo que possibilita o conjunto e a extensão dos efeitos dos atos, ou seja, o nível de força com que cada ato chega aos demais e, assim, o necessário controle, fonte

100 LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção do contraditório no regime jurídico das medidas cautelares pessoais. Boletim do IBCCrim nº 223, jun. 2011, p. 05. 101 Id. Ibid.

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primeira da imprescindível mínima segurança... no PLS 156/09 as cautelares estão em consonância com a CR (ou quase) e, portanto, metidas da melhor maneira possível no sistema acusatório. Na Lei nº 12.403/11, porém, como um remendo do C.P.P. de 41, seguem a estrutura inquisitória e, assim em grandes proporções não encontram guarida constitucional. 102

Neste momento, não iremos tecer comentários sobre as críticas às mudanças

pontuais do C.P.P., para fazê-lo durante o desenvolvimento do trabalho, sempre que isso se

mostre oportuno, até porque, se ainda não temos uma lei processual penal ideal, temos de

estudar e implementar a legislação disponível.103

3.4 Evolução da monitoração eletrônica do processo de execução penal para medida

cautelar

O legislador brasileiro optou inicialmente pela implantação da monitoração

eletrônica como medida da fase da execução penal (Lei nº 12.258/10 que alterou a Lei de

Execuções Penais),104 para, num momento posterior, contemplá-la como medida cautelar

(Lei nº 12.403/11 que alterou o Código de Processo Penal).105

Apesar de representar mais uma mudança pontual, 106 há de se ponderar,

entretanto, que a alteração parcial da lei processual representa um avanço legislativo, pois

102 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Lei nº 12.403/2011: mais uma tentativa de salvar o sistema inquisitório brasileiro. São Paulo: Boletim do IBCCrim nº 223, jun. 2011, p. 04. 103 “A questão inicial consiste, portanto, em sublinharmos que interpretar a lei não é interpretar o Direito, mas um fragmento deste. Interpretar o Direito, isto é, averiguar o sentido de uma norma em sua acepção integral, pressupõe o conhecimento do Direito em sua totalidade, bem como a necessária coordenação entre a parte e o todo.” COUTURE, J. Eduardo. Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 14. 104 O fato de a monitoração eletrônica ser utilizada na fase de execução penal não gera qualquer incompatibilidade com o seu emprego como medida cautelar, mesmo porque a tecnologia adotada pode ser a mesma, alterando-se o momento processual de sua aplicação e as autoridades envolvidas na implantação e gerenciamento do sistema. “Em verdade, na execução o juiz também desenvolve uma atividade substitutiva à das partes, realizando atos materiais tendentes a tornar efetiva a satisfação prática da pretensão acolhida no processo de conhecimento...”. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 36. 105 Em lição trazida do processo civil, mas com aplicação ao processo penal, temos os ensinamentos de Theodoro Júnior: “A função de distribuição de justiça ou de tutela jurídica não se propõe lograr fins simplesmente teóricos, senão alcançar resultados positivos e tangíveis, o que, todavia, nem sempre é possível obter com os processos de cognição e de execução. É assim que, de par com a instituição da cognição e da execução, como remédios definitivos para a realização concreta da vontade da lei, dispõem os órgãos jurisdicionais também do poder cautelar, como função inerente à própria atividade jurisdicional”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar, p. 42, cita Leonardo Prieto-Castro Y Ferrandiz – Derecho concursal, procedimientos sucesorios, jurisdicción voluntaria, medidas cautelares, ed. 1974, nº 184, p. 254. 106 Jacinto Nelson mostra-se totalmente pessimista com relação ao futuro da reforma e que, por via direta, pode ser aplicado à monitoração eletrônica: “O que aparentemente se pretendeu com a Lei nº 12.403/11 tende a não vingar. Mas não porque ela seja má em si; e sim em razão de que temos muito caminho a percorrer até formarmos uma cultura democrática no processo penal, a qual só virá com a reforma global e a mudança efetiva para um processo fundado nas bases do sistema acusatório. Ter-se-á, portanto, que esperar a

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permite que o Poder Judiciário aplique medidas cautelares menos invasivas que a custódia

nos cárceres.

Dando continuidade aos estudos dos sistemas de monitoração existentes, sua

análise enquanto modalidade de medida cautelar107 encontra-se atrelada ao campo da

execução penal, ainda que somente com relação a sua origem, tecnologia utilizada e

consequências. A observação é feita porque, em paralelo ao desiderato de oferecer uma

legislação processual mais moderna e compatível com o Estado de Direito, o legislador

apressou-se em aprovar medidas visando a atenuar a pressão existente sobre o sistema

penitenciário brasileiro.108

Cada Estado da federação brasileira tem características próprias e mesmo

que o Conselho Nacional de Justiça esteja tentado padronizar alguns procedimentos, ainda

assim, há uma longa jornada pela frente.109

Várias propostas foram apresentadas pela CPI do Sistema Penitenciário e,

dentre elas, a monitoração eletrônica pode contribuir para amenizar esse quadro dantesco

mentalidade sofrer o câmbio que precisa; e até lá seguimos rezando para os estragos serem os menores possíveis.” MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Lei nº 12.403/2011: mais uma tentativa ... op. cit., p. 04. 107 Ao se estudar o direito processual civil, mas em lição também aplicável ao processo penal, Andrea Pisani leciona: “...il diritto processuale è costituito, invece, da un sistema di norme che disciplinano più o meno complessi meccanismi (processi) diretti a garantire che la norma sostanziale sia attuata anche nell’ipotesi di mancata cooperacione spontanea da parte di chi vi è tenuto.” PROTO PISANI, Andrea. Lezioni di diritto processuale civile. Napoli: Jovene Editore, 1999, p. 04. 108 Patrícia Hassett, em estudo realizado nos E.U.A., destaca que, notoriamente, a tecnologia de monitoração eletrônica a ser utilizada para prejulgamento é a mesma que vem sendo usada para a fase pós-condenação. Além disso, os procedimentos operacionais em ambos os momentos processuais são bastante semelhantes. Portanto, a convicção das experiências “post” pode, ao menos, iluminar a avaliação. HASSETT, Patrícia. The use of electronic monitoring for pretrial release, Bileta – British & Irish Legal Education Technology Association. Disponível em: <http://www.bileta.ac.uk/Document%20Library/1/The%20Use%20of%20Electronic%20Monitoring%20for%20Pretrial%20Release.pdf > datado de 03 abr. 2005. Acesso em 29 ago. 2011. 109 Diante desse quadro, parece razoável trazer alguns dados sobre os custos e as mazelas que envolvem a manutenção dos presos. Na verdade, não existem informações seguras sobre os custos do sistema prisional brasileiro. O que se sabe é que a sociedade brasileira arca com elevada despesa para manter as prisões. Haveria necessidade de se buscar dados objetivos sobre os custos na fase policial e durante a instrução criminal, incluindo-se as despesas do Estado, bem como as realizadas pelos familiares das pessoas custodiadas, tanto aquelas em caráter cautelar, quanto aquelas condenadas definitivamente. Também não há dados seguros sobre os custos com as rebeliões, reformas de estabelecimentos, construção de novas unidades, manutenção das equipes de segurança, manutenção dos sistemas eletrônicos de vigilância, alimentação dos presos, entre outros. A Comissão Parlamentar de Inquérito do sistema penitenciário (2009) constatou disparidade no custo do preso em diferentes Estados, com variações entre R$ 500,00 e R$ 1.700,00 por mês. Para o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) é de R$ 1.300,00 o custo médio mensal de cada preso em presídios comuns e de R$ 4.500,00 nos presídios de segurança máxima. A CPI também detectou algumas causas que influenciam no valor elevado dos custos dos presos no País: falta de trabalho, falta de estudo, terceirização da alimentação, excesso de prazo e superlotação, fóruns distantes dos estabelecimentos e construções mal executadas. CPI do Sistema Carcerário, Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Série Ação Parlamentar nº 384, Edições Câmara, Brasília, 2009, p. 363-5.

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em que se encontra o sistema prisional brasileiro. Assim, pode-se compreender com mais

facilidade porque o legislador houve por bem adotar essa medida considerada menos

invasiva que a prisão, transparecendo a nítida expectativa de que a vigilância eletrônica

possa colaborar para a melhoria desse lamentável quadro.

Cabe anotar que o projeto inicial da Lei nº 12.258/10 contemplava várias

outras hipóteses de utilização de fiscalização indireta por monitoração eletrônica, que

foram extirpadas por meio do veto parcial à lei, restando somente o emprego na saída

temporária em regime semiaberto e prisão domiciliar.

Ricardo Andreucci destaca que a “redação originária, antes do veto,

permitia a vigilância indireta por monitoração eletrônica aos presos provisórios, na medida

em que o art. 146-A (vetado) estabelecia a possibilidade de o juiz determiná-la ‘para

fiscalização das decisões judiciais’ referindo-se, ainda, no art. 146-D (não vetado), inciso

II, ao ‘acusado ou condenado’”.110

Portanto, a fiscalização das liberdades processuais (liberdade provisória e suspensão condicional do processo, por exemplo) não pode ser feita indiretamente por meio de monitoração eletrônica, tendo o legislador pátrio perdido uma excelente oportunidade de inserir essa interessante ferramenta, de vez, no sistema judiciário brasileiro.111

Percebe-se que a preocupação do Poder Executivo se mostrou desarrazoada

no momento do veto da Lei nº 12.258/10, tanto que menos de um ano depois, sancionou a

nova legislação que relacionou as medidas cautelares. 112

110 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Monitoração eletrônica e fiscalização indireta do condenado – Apontamentos sobre a Lei 12.258/10. N.53, São Paulo: Revista da Associação Paulista do Ministério Público, mai-dez-2010, p. 22-3. Disponível em: < [email protected] > Registre-se que o texto é anterior à previsão legal da monitoração eletrônica como medida cautelar. 111 Op. cit. 112 Para ilustrar o tema, cabe lembrar que também está em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de lei nº 583/11, que teve sua primeira audiência pública em 01/09/2011, por iniciativa da Comissão de Segurança e Combate ao Crime Organizado. Dentre outros, o art. 1º relaciona os casos em que caberia a monitoração eletrônica de condenado, enquanto o art. 2º permite que o juiz substitua o decreto de prisão preventiva por monitoração eletrônica, ouvido o Ministério Público e com o consentimento do acusado: Art. 1º - A União Federal providenciará pulseiras ou tornozeleiras eletronicamente monitoradas, com tecnologia de geolocalização G.P.S., a serem empregadas nos indivíduos que, por decisão do poder judiciário, se encontrarem: I – no gozo de livramento condicional; II – em regime aberto de prisão; III – em regime semiaberto de prisão; IV – sujeitos a proibição de frequentar lugares específicos; V – sujeitos a prisão domiciliar; VI – autorizados a saída temporária de estabelecimento penal, sem vigilância direta. Art. 2º - Também poderão os magistrados, nos casos que justificariam a decretação de prisão preventiva na forma do art. 312 do Decreto Lei Nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), ouvido o Ministério Público e com o consentimento do acusado, optar pela pulseira ou tornozeleira de monitoramento.

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Conforme leciona César Mariano ao referir-se ao texto da Lei de Execuções

Penais, antes das alterações produzidas pela Lei nº 12.403/11: “Somente será possível a

monitoração eletrônica quando houver execução de sentença condenatória definitiva ou

provisória [...] Já a pessoa presa cautelarmente, mas ainda sem condenação, não pode

receber benefícios que impliquem a monitoração eletrônica”.113

Apesar do comando legal previsto no art. 84 da Lei de Execuções Penais,

lamentavelmente, as administrações dos órgãos penitenciários não conseguem separar os

presos provisórios, os quais, por absoluta falta de estabelecimentos adequados, acabam por

permanecer custodiados juntamente com aqueles condenados definitivamente.

A monitoração eletrônica, ao lado de outras cautelares, vem ampliar as

alternativas oferecidas ao julgador de forma a evitar a prisão preventiva. Assim, uma

medida aplicada sem culpa formada levará pessoas presumidas inocentes a conviver com

outras que têm um título condenatório de natureza criminal contra elas.

Algumas diferenças marcam o emprego da monitoração eletrônica na fase

de execução penal e como medida cautelar. Como meio auxiliar de execução, a

monitoração visa a garantir o cumprimento da pena decorrente de sentença penal

condenatória; como as medidas cautelares em geral, a monitoração tem requisitos

específicos e finalidades totalmente diversas: necessidade para a aplicação da lei penal,

para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para

evitar a prática de infrações penais.114

Nesse sentido, é bom que se relembre que a medida cautelar penal não visa reagir ao ilícito, nem exigir o cumprimento de uma obrigação, ou reagir, a um comando inobservado; nem visa à segurança social. Sujeitando-se à prisão preventiva o imputado, apenas se garante a futura execução da pena, com como, assegura-se a sua presença ao processo, que dele também necessita como instrumento de prova.115

Guardadas as devidas proporções à prisão cautelar, a monitoração

eletrônica, enquanto medida cautelar, também visa a garantir a presença do indiciado ou

acusado ao processo, dentre as finalidades já enumeradas.116

113 MARIANO DA SILVA, César Dario. Monitoração eletrônica ... op. cit. 114 Segundo, Patrícia Hassett, o estudo das repercussões da monitoração eletrônica na fase prejulgamento fornece um contexto útil para uma avaliação preliminar porque os objetivos dessa fase são mais limitados do que os objetivos das fases subsequentes. Por exemplo, a punição é uma meta importante e complexa na fase pós-convicção, mas não é relevante no contexto do pré-julgamento. Como resultado, o papel da monitoração pode ser isolado e avaliado com mais facilidade nesse estágio processual. HASSETT, Patrícia. The use of electronic monitoring …op. cit. 115 PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo ... op.cit., p. 11. 116 Céré dá significativa ênfase ao fato de que a monitoração eletrônica não deve ser aplicada somente na fase pós-condenação, mas também deve ter relevante participação na fase pré-condenação, principalmente para se

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3.5 Sistemas de monitoração eletrônica

Os sistemas de monitoração eletrônica estão em permanente evolução,

mesmo porque os avanços tecnológicos permitem que os equipamentos sejam menores e

menos perceptíveis a cada dia que passa, com resultados mais efetivos e custo mais

acessível.

Repercutindo dados de Mampaey e Renaud,117 Carlos Japiassú e Celina

Macedo informam que existem três gerações de tecnologia de monitoração eletrônica. A

primeira engloba os sistemas ativo e passivo que pressupõem a permanência do indivíduo

em determinado local. A segunda permite o acompanhamento do indivíduo pelo sistema

G.P.S.. A terceira geração engloba dispositivos colocados sob a pele.118

De acordo com Jean-Paul Céré, o “sistema passivo”, também chamado de

“sistema de contato programado”, consiste na utilização de um telefone, pressupondo-se

que o indiciado ou acusado permanecerá em um local determinado, em horários

preestabelecidos. Alguém do controle central fica incumbido de fazer ligações aleatórias

para o local onde se espera que a pessoa monitorada esteja, devendo esta responder

pessoalmente a ligação.119

Algumas alternativas podem ser utilizadas para confirmação da identidade

de quem atende ao telefone e que, presume-se, seja a pessoa monitorada: senhas; código

previamente estabelecido; reconhecimento de impressões digitais, de íris ou de voz; ou,

até, um decodificador preso ao seu corpo.

O sistema ativo, ou “de monitoração contínua”, possibilita o controle de

forma ininterrupta dos deslocamentos da pessoa monitorada. Tem sido muito utilizado em

outros países como, por exemplo, a França. Esse sistema permite que o indiciado ou

acusado se desloque até locais onde possa ser encontrado ou, ao contrário, pode ser

evitar e mesmo substituir as formas de prisão processual (que normalmente são utilizadas para garantir a presença do indiciado ou acusado), quando isto for possível. CÉRÉ, Jean-Paul. La Surveillance Électronique: une réelle innovation dans le procès penal?Net, Rio de Janeiro: Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 8, 08 jun 2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/24715/surveillance_eletronique_une_reelle.pdf?sequence=1 > Acesso em 14 out. 2011. 117 MAMPAEY, Luc; RENAUD, Jean-Phillipe. Prison technologies: an appraisal of technologies of political control. Net, Luxembourg, july 2000. Disponível em: < http://www.grip.org/bdg/pdf/g1772.pdf> Acesso em 29 out. 2011. 118 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); MACEDO, Celina Maria. “O Brasil e o monitoramento eletrônico”. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2008, p. 25. 119 CÉRÉ, Jean-Paul. La Surveillance ... op.cit.

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utilizado para impedir que ele se dirija a outros locais onde não possa comparecer ou para

evitar que tenha contato com certas pessoas, normalmente vítimas. Esse sistema é

composto de um bracelete (ou tornozeleira) transmissor, um receptor-transmissor e um

centro de vigilância.120

O indiciado ou acusado utiliza a tornozeleira ou bracelete eletrônico que

registra várias informações sobre suas atividades diárias, transmitindo sinais sobre o

horário e local onde ele se encontra, bem como se a cinta que fixa o equipamento ao corpo

não foi violada, entre outros dados.

Nesse modelo, o usuário normalmente deve manter-se a determinada

distância do receptor-transmissor que permite o envio dos dados a uma central de controle,

por meio de uma linha telefônica instalada em sua residência. Essa central atualiza

permanentemente os cadastros das pessoas sob vigilância, comunicando o juízo

competente imediatamente em caso de qualquer conduta não autorizada. O receptor-

transmissor possui uma bateria para a eventualidade de algum tipo de pane no sistema de

energia.

Em caso de corte de linha telefônica, o agente do centro de controle tenta

esclarecer a origem do problema por meio de contato com a empresa de telefonia. Mesmo

nessa situação, o receptor-transmissor continua registrando todos os dados em sua

memória, a qual será acessada posteriormente.

Miguel Rio e Juan Parente descrevem basicamente o mesmo sistema e

informam que houve ampliação do uso dos dispositivos para os casos de violência

doméstica, quando é instalado um instrumental na casa da vítima, acoplado a uma linha

telefônica (que pode ser uma linha celular), que faz soar um alarme sempre que a pessoa

monitorada se aproxima da residência da vítima.121

Em caso de qualquer anomalia, um alarme é acionado na central de

controle, sendo necessário que haja uma checagem imediata da ocorrência, a fim de

preservar a confiabilidade do sistema. 122

120 Id. Ibid. 121 IGLESIAS RIO, Miguel Angel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente ...op. cit. 122 Patrícia Hassett cita um caso relatado nos ensaios britânicos, do ano de 1989, em que o monitorado foi encontrado em casa dormindo no momento em que o equipamento estava sinalizando uma violação. O advogado do monitorado afirmou que o equipamento tinha gerado quinze violações no período de quatro meses. Como resultado desse tipo de incidente, a confiabilidade do sistema continuou a ser uma fonte de preocupação. Naturalmente, com o avanço tecnológico, os falsos alarmes reduziram bastante. HASSETT, Patrícia. The use of electronic monitoring …op. cit.

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O sistema de segunda geração utiliza dispositivos de localização com

auxílio de G.P.S., contendo três componentes: satélites, uma rede de estações em terra e

braceletes (ou tornozeleiras) eletrônicas. Esse dispositivo foi criado pelo Departamento de

Defesa dos E.U.A., na década de setenta, para localização de pessoas, com uma margem de

erro de dez metros, em três dimensões: latitude, longitude e altitude. Esse sistema permite

acionar um alarme quando a pessoa monitorada acesse um local proibido ou chegue a

poucos metros de uma pessoa determinada. Pode haver interferências ou dificuldades

relacionadas à recepção do sinal em determinadas áreas, que podem comprometer a plena

eficiência do sistema.123

Miguel Rio e Juan Parente também detalham esse sistema de segunda

geração que recebeu o nome de Galileo e que utiliza a localização por G.P.S.,

acrescentando que sua utilização teve início nos E.U.A., por volta do ano 2000, de onde se

propagou para o Canadá e Grã-Bretanha.124

O sistema de terceira geração é representado pela instalação de chips

subcutâneos. Consta que na Inglaterra já estava em curso um projeto para implantação em

pedófilos, apesar da resistência da comunidade jurídica.125

Com relação ao sistema de terceira geração, Miguel Rio e Juan Parente

completam a informação esclarecendo que a nova tecnologia permite a coleta de

informações psicológicas, frequência das pulsações, ritmo respiratório para medir o nível

de agressividade de um delinquente violento, excitação sexual nos delinquentes sexuais,

cleptomaníacos e psicopatas.

Algumas versões possibilitam, inclusive, intervenções corporais diretas com

descargas elétricas programadas, que repercutem diretamente no sistema nervoso central,

com a abertura de uma cápsula que injeta tranquilizantes ou outras substâncias nos

neuróticos agressivos, esquizofrênicos e adictos ao álcool.

Essas modalidades mais invasivas são consideradas atentatórias à dignidade

humana e, por essa razão, têm sido muito criticadas. Além disso, podem ocorrer situações

em o monitorado receba a intervenção corporal sem ter praticado qualquer irregularidade,

123 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); MACEDO, Celina Maria. “O Brasil e o monitoramento eletrônico”. Monitoramento Eletrônico ... op. cit., p. 26. 124 IGLESIAS RIO, Miguel Angel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio.. La pena de localización permanente ...op. cit.. 125 RODRÍGUES-MARGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel electrónica para la creación del sistema penitenciário del siglo XXI. Disponível em: <http://dspace.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/6128/C%c3%a1rcel_Gud%c3%adn_AFDUA_2004_2005.pdf?sequence=1> Acesso em 15 out. 2011.

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quando, por exemplo, tiver de sair da residência, num caso de emergência, como um

incêndio, urgência médica ou um acidente, situações em que ele teria de suportar

injustificadas descargas elétricas.126

Como se vê, há várias formas de se executar a monitoração eletrônica, tendo

cada uma delas suas peculiaridades e tecnologias diferentes.

Existem também os sistemas que contam com maior participação do

monitorado, passando a fazer parte de suas obrigações que estabeleça contatos de um

telefone fixo com uma central de controle em horários predeterminados, o que confirmaria

sua presença em determinado local. Nesse modelo, pode ser acoplado um mecanismo de

reconhecimento de voz, de íris, de digitais, ou outro que desempenhe a função de

individualizar e reconhecer o indiciado ou acusado que está se comunicando.

Esse sistema tem o custo proporcionalmente menor em relação a outros

mais sofisticados que necessitam de tecnologias de monitoração remota, como por

exemplo, via satélite. Em razão disso, ainda é uma das alternativas bastante utilizadas em

alguns países.

A monitoração com apoio na telefonia normalmente tendo sido empregada

em outros países de forma conjunta com a prisão domiciliar. Alternativamente, o juiz pode

autorizar que o indiciado ou acusado tenha suas atividades normais durante o dia, como

trabalhar e estudar, recolhendo-se no período noturno em sua residência, de onde deverá

fazer contatos telefônicos em intervalos de tempo predeterminados com a central de

controle. Essa opção também é utilizada para apenados que cumprem pena em meio

aberto.

Em todos os casos, a possibilidade de não permanecer encarcerado é um

atrativo muito importante porque evita todos os efeitos deletérios do sistema prisional,

conclusão que se aplica para a maioria dos países do mundo.

Em suma, atualmente, o sistema de monitoração eletrônica deve variar

conforme a finalidade que se queira implementar: se a monitoração for aplicada com a

finalidade de controlar deslocamentos do indiciado ou acusado, a indicação é de

equipamento que utilize apoio no G.P.S., que, pelas análises feitas no decurso deste estudo,

tem uma boa eficiência, não estando, entretanto, totalmente imune a interferências ou

126 IGLESIAS RIO, Miguel Angel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente ...op. cit. Os autores relembram as notícias que têm sido veiculadas por jornais, revistas e outros meios de comunicação sobre a comercialização de “chips anti-sequestros”. Segundo consta, famílias de banqueiros, empresários e altos executivos de multinacionais vêm adquirindo e implantando sob a pele chips do tamanho de um grão de arroz, com o objetivo de serem localizados em caso de necessidade.

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dificuldades técnicas, conforme o local; se a finalidade for fiscalizar a prisão domiciliar ou

o recolhimento domiciliar, o sistema mais indicado pode ser aquele que utiliza uma linha

telefônica como apoio.

Tratando-se de informações afetas à fase de execução penal, com interesse

para o presente estudo, é relevante registrar que o governo do Estado de São Paulo adotou

o sistema de vigilância via satélite, com monitoração ininterrupta do usuário do

equipamento. As tornozeleiras permitem a localização imediata e com precisão, tendo em

vista que esses equipamentos emitem sinais eletrônicos (GSMM), os mesmos utilizados

pela rede de telefonia celular.127

127 Em São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária (S.A.P.) é o órgão que tem como missão a aplicação da Lei de Execução Penal, de acordo com as sentenças judiciais, com o objetivo de ressocialização dos sentenciados. De acordo com dados da própria Secretaria, em outubro de 2011, o órgão administrava 149 unidades prisionais em todo o Estado, divididas em Centros de Detenção Provisória, Penitenciárias, Centros de Ressocialização, Centros de Progressão Penitenciária (<http://www.sap.sp.gov.br/ >). Para viabilizar um melhor controle dessa população carcerária, o Estado de São Paulo já havia editado a Lei nº 12.906, de 14 de abril de 2008, que estabeleceu normas suplementares de direito penitenciário, regulando a utilização de vigilância eletrônica com o objetivo de fiscalizar condições fixadas em decisões judiciais, prevendo, inclusive, a monitoração eletrônica para condenados por alguns crimes mais graves. Após a respectiva decisão judicial, são as seguintes as situações em que se aplica a lei estadual: I – prisão em residência particular, de que trata o artigo 117 da Lei Federal nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal); II – proibição de frequentar determinados lugares; III – concessão de livramento condicional, autorização de saída temporária do estabelecimento penal, sem vigilância direta, ou a prestação de trabalho externo. Dentre os sentenciados inseridos no regime semi-aberto, cerca de 3.000 trabalham externamente e cerca de 18.000 beneficiam-se de saídas temporárias (5 vezes ao ano), tudo devidamente autorizado e fiscalizado pelas Varas de Execuções Criminais distribuídas no Estado de São Paulo. Nos termos da Lei Federal nº 12.258/10 e da Lei Estadual nº 12.906/08, a vigilância eletrônica incrementará a fiscalização dos sentenciados beneficiados pelas decisões judiciais. Várias tecnologias e equipamentos estão envolvidos na implementação da vigilância eletrônica, tais como, telefonia celular, sistema de geoposicionamento, sistemas de gerenciamento de tecnologia da informação, além de recursos humanos altamente qualificados para sua administração e execução. Levando-se em conta o contexto descrito e as restrições impostas pela indisponibilidade tanto dos recursos humanos adequados, como dos equipamentos e tecnologias essenciais à efetivação dessa vigilância, optou-se pelo caminho da contratação de empresa especializada em monitoramento para a prestação desse serviço à Secretaria de Administração Penitenciária, de forma a se alinhar a melhor técnica com o menor gasto de recursos possível. O sistema de monitoração implantado no Estado de São Paulo abrange todo o território estadual, sendo composto de uma tornozeleira que muito se assemelha a um relógio de pulso e de uma unidade portátil de rastreamento pouco maior que um telefone celular que, utilizados em conjunto, dão a exata localização da tornozeleira e do respectivo sentenciado que a estiver portando por meio do sistema G.P.S. (Global Positioning Systems), de localização via satélite. Os dados referentes à monitoração são enviados criptografados aos servidores da empresa contratada em curtos intervalos de tempo, por meio de redes de comunicação móvel celular utilizando tecnologia GPRS (comunicação de dados em celulares) e, após processados, as informações geradas referentes à monitoração são disponibilizadas, através da internet, para a Central de Monitoração e para os postos remotos de monitoramento instalados em unidades da S.A.P., onde quem estiver devidamente autorizado poderá acessá-las. O sistema de monitoração denominado “SAC24” permite o cadastramento de informações sobre os sentenciados, que são protegidas através de criptografia e só podem ser acessadas, mediante a utilização de logins e senhas, por pessoal da própria S.A.P. qualificado através de perfis designados para o exercício de

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O sistema utilizado atualmente no Estado de São Paulo adota a seguinte

tecnologia: 128

atividades específicas como, por exemplo, a instalação dos equipamentos nos sentenciados, a configuração dos parâmetros da monitoração, como horário de saída, destino e horário de retorno à unidade prisional, assim como a própria monitoração dos deslocamentos dos sentenciados em suas saídas dos estabelecimentos prisionais. As tornozeleiras apresentam as seguintes características: leveza (tendo um peso médio de 275 gramas), impermeabilidade, resistência ao calor, confecção em material hipoalérgico, apresentação de forma discreta e pretende-se que não causem qualquer incômodo ou constrangimento à dignidade humana. A monitoração deverá seguir a seguinte rotina: - ordem judicial do sentenciado com direito à saída temporária; - cadastramento do sentenciado e respectivo módulo; - parametrização e instalação dos módulos; - data e horário de saída da unidade prisional; - monitoramento do percurso; - horário de chegada ao trabalho ou destino autorizado; - horário de saída do trabalho ou destino autorizado; - monitoração do percurso; - horário de chegada à unidade prisional; - data e horário de retorno à unidade prisional; - tratamento dos alertas verificados. Para assegurar a conduta adequada dos sentenciados são estabelecidas regras no sistema para cada preso, com a criação de áreas de presença obrigatória e horários preestabelecidos. Se as regras forem desrespeitadas, um alarme será acionado na central e os dados da monitoração poderão ser acessados pelos responsáveis mediante uma senha. Os principais alertas que o sistema pode gerar são: 1. Dano ao equipamento, decorrente de rompimento da cinta da tornozeleira, violação ou destruição da tornozeleira; 2. Descumprimento de conduta, decorrente de desrespeito de horários, trajetos, destinos ou ausência de retorno à unidade prisional 3. Condutas suspeitas constatadas através do próprio sistema ou por comunicação de terceiros. Constata-se que o objetivo primordial da monitoração eletrônica de sentenciados implantado no Estado de São Paulo não é substituir a pena privativa de liberdade, mas, tão somente, contribuir para a segurança da sociedade e auxiliar na reinserção social daqueles que participarem do programa. Em caráter informativo, os arts. 5º e 6º da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), especificam direitos e deveres do arguido, quando da utilização da vigilância eletrônica 128 No final do ano de 2010, a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo adquiriu 4.800 equipamentos individuais de monitoração eletrônica, os quais vêm sendo utilizados, com ordem judicial, nos termos da legislação vigente.

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Arte mostra como funciona o monitoramento eletrônico

Naturalmente, esse maior grau de sofisticação tem um custo mais elevado

para os órgãos governamentais. Em alguns países, as despesas são custeadas pelo próprio

usuário,129 mas no Brasil todos os custos são arcados pelo governo.130

3.6 Monitoração eletrônica - efetividade, eficácia, eficiência e garantismo

3.6.1 Noções etimológicas

Várias Constituições contêm o termo eficiência,131 o mesmo ocorrendo com

a Constituição Brasileira de 1988 que, em seu art. 37 caput, também a incluiu.

129 Esse sistema é utilizado em vários países, como os E.U.A. O Ex-Diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, acusado de abuso sexual de uma moça em Nova York, somente foi libertado provisoriamente após pagar fiança e ser obrigado a utilizar uma espécie de bracelete eletrônico para monitorar seus movimentos por meio de G.P.S. Somando-se os custos da monitoração com o da empresa de segurança privada contratada para vigilância do acusado, o próprio Strauss-Kahn teve de desembolsar cerca de US$ 200 mil por mês. Reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 20mai2011, p. A12. 130

O art. 3º, item 2, da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), estabelece que não haverá qualquer encargo para o arguido ou condenado. 131 Ao estudar o Código-Modelo, Ada Pellegrini relaciona suas características fundamentais, destacando como uma delas a busca da eficiência do processo, entendida, de um lado, como eficiência na persecução penal e, do outro, como efetividade das garantias processuais. PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “Características fundamentais do Código-Modelo”. O processo em ... op.cit., p. 208.

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Os doutrinadores acabaram por dar ao termo eficiência um conceito mais

amplo, que abrange também o de eficácia. Eficiência pode ser explicada pela ação

instrumental realizada e pelo resultado por ela obtido.

Esses conceitos são bastante usados nos estudos sobre economia e

administração. No direito, são empregados em diversos ramos: direito administrativo,132

direito processual civil,133 e, naturalmente, no direito processual penal.

Jaques de Camargo advoga pelo emprego do termo efetividade

(manifestação de efeito real), em lugar de eficiência (ideia de ação, força). Argumenta que

o conceito de efetividade se coaduna melhor com sua concepção de que se objetiva uma

ordem estável, justa e segura, a partir da concreção do comando legal.134

Dinamarco sustenta que a efetividade mostra-se particularmente sensível

através da capacidade de realmente produzir as situações de justiça desejadas pela ordem

social, política e jurídica.135

Para Scarance Fernandes,

[...] eficiência expressa a capacidade, a força, o poder de algo que o leva a produzir um efeito. Portanto, o grau de eficiência é verificado pela maior ou menor qualidade do meio utilizado para que algo possa produzir um efeito, não pelo tipo de efeito por ele produzido. A eficácia é a qualidade do resultado produzido por algo. O grau de eficácia leva em conta o tipo de resultado atingido. Por fim, a efetividade é também a expressão do resultado produzido por algo, resultado esse que corresponde ao atingimento de determinadas finalidades. A efetividade é avaliada pelo sucesso dos resultados em cotejo com os objetivos esperados.136

132 Hely Lopes ensina que o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional, revestindo-se no mais moderno princípio da função administrativa. LOPES MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro. 36. ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 98. 133 Ecoando ensinamentos de José Roberto dos Santos Bedaque, Theodoro Júnior ressalta que as reformas do processo civil refletem uma tomada de posição universal cujo propósito é abandonar a preocupação exclusiva com conceitos e formas, “para dedicar-se à busca de mecanismos destinados a conferir à tutela jurisdicional o grau de efetividade que dela se espera”. Instrumentalismo e efetividade são idéias que se completam na formação do ideário do processualismo moderno. Efetivo, portanto, é o processo justo, ou seja, aquele que, com a celeridade possível, mas com respeito à segurança jurídica (contraditório e ampla defesa), “proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material”. THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Busca da efetividade da tutela jurisdicional”. Curso de direito processual civil. V.1, 51. ed., 3. tir., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 15. Nessa área, é comum o uso do termo eficácia no estudo da nulidade dos atos processuais. Roque Komatsu vincula, inicialmente, a ideia de eficácia jurídica à eficácia referente aos efeitos manifestados como queridos ou previstos em lei. O autor afirma que a doutrina se divide ao analisar o tema, preferindo aquela posição que define eficácia como a produção dos efeitos. Contrário senso, depreende-se que eficiência é a aptidão do ato para produzir o efeito esperado. KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 35. 134 CAMARGO PENTEADO, Jaques de. Duplo grau de jurisdição no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 19. 135 RANGEL DINAMARCO, Cândido. A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1987, p. 452. 136 SCARANCE FERNANDES, Antonio. “Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal”. SCARANCE FERNANDES, Antonio; GAVIÃO DE ALMEIDA, José Raul; ZANOIDE

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No caso da aplicação concreta de medidas restritivas da liberdade ou de

direitos (que produza efetividade), equacionar esses direitos e as garantias constitucionais

correlatas nem sempre é tarefa fácil. Assim, um dos aspectos a analisar na monitoração

eletrônica é como aplicá-la sem ferir esse equilíbrio.

A resposta está na acurada análise que deve fazer o magistrado acerca dos

fatos narrados nos autos e de sua configuração jurídica. O juiz deve analisar todas as

nuances do caso concreto de forma a identificar a medida cautelar ou as cautelares mais

adequadas para aquela determinada situação. Seguindo os princípios constitucionais e

sopesando os direitos e garantias individuais, o juiz terá melhores condições de decidir.

A procura do equilíbrio para um sistema punitivo justo implica,

necessariamente, a utilização da proporcionalidade,137 na expectativa de mitigar as

extremas diferenças existentes. Um dos principais objetivos é impedir os excessos do

Estado em face dos seus cidadãos.

Naturalmente, a monitoração eletrônica não será adequada para qualquer

situação, mas somente para aquelas em que o indiciado ou acusado possa permanecer em

liberdade, tendo, entretanto, de continuar sob controle judicial rigoroso.

Por permitir que o investigado ou acusado permaneça em liberdade, ao

tempo em que proporciona ao juiz a plena ciência sobre sua permanência em determinado

local ou o itinerário de seus deslocamentos, conforme o sistema adotado, a monitoração

eletrônica poderá ser aplicada como medida cautelar com a efetividade138 e o garantismo139

que emanam das regras constitucionais.

DE MORAES, Maurício (Coord.). Sigilo no processo penal - eficiência e garantismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 18. 137 Trata-se de um princípio que assegura a coerência com os outros dois blocos de princípios éticos e, desse modo, fornece um conteúdo de legitimação significativo à decisão político-criminal de ter recorrido ao controle social jurídico-penal. DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A Racionalidade das Leis Penais – Teoria e prática. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 171-2. 138 “Eficiência e efetividade não se confundem. Se a primeira é uma relação, de viés economista, entre os meios utilizados e o fim visado, a segunda retrata a produção de efeitos adequados ao projeto constitucional no meio social. Um processo penal efetivo é, portanto, um processo penal adequado ao projeto constitucional de vida digna para todos, inclusive aqueles que praticam condutas criminalizadas, o que exige, além do respeito aos limites semânticos ao exercício do poder penal, expressos tanto no texto constitucional quanto nos tratados (e convenções) internacionais de direitos humanos e textos legislativos infraconstitucionais (existentes e válidos), uma compreensão adequada das garantias penais e processuais (entendidas como limites intransponíveis à opressão; normas que perdem a legitimidade – e, portanto, podem ser afastadas – sempre que, diante do caso concreto, não sirvam de óbice à opressão), das finalidades do Estado e da atuação dos agentes estatais que tratam como o poder penal.” REBELLO CASARA, Rubens Roberto. “Eficientismo repressivo VS garantismo penal: onde fica a constituição?”. Tributo a Afrânio Silva Jardim: escritos e estudos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 550. 139 “Registre-se que a palavra “garantia” deriva do alemão gewähren-gewährleistung, que dá a ideia de uma posição em que se afirma a segurança do mais frágil; um meio de defesa da fragilidade: garantir é, portanto,

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A evolução histórica do processo penal não chegou à criação de um

procedimento ideal para assegurar o equilíbrio entre a segurança e a liberdade, mas fixou

algumas regras e princípios que constituem diretrizes fundamentais para esses

procedimentos.140

A organização do Estado permitiu seu fortalecimento, cedendo, com o

tempo, espaço para que fossem asseguradas garantias essenciais para proteção da

liberdade, por meio de garantias do devido processo legal.

A origem histórica dessa garantia está na Magna Carta de 1215, mas a visão

individualista das garantias do devido processo legal perdeu força diante da

preponderância de uma ótica publicista.

Há quase cem anos Mendes Júnior já se preocupava com as colunas mestras

do garantismo e da eficiência ao se referir a dois interesses sagrados, igualmente

poderosos, que exigem garantias formais: o interesse da sociedade, que quer a justa e

pronta repressão dos delitos; e o segundo, o interesse dos acusados, que é também um

interesse social e que exige a plenitude de defesa.141

Hoje, vários países reconhecem essa garantia: Estados Unidos, Itália,

Portugal, Espanha, Alemanha, Bélgica, França e Brasil.142

Em suma, deve haver um sistema de regras que permita um equilíbrio entre

a atuação eficaz dos órgãos encarregados da persecução estatal e a plena efetivação das

garantias do devido processo penal.

proteger quem necessita, o mais fraco”. REBELLO CASARA, Rubens Roberto. “Eficientismo repressivo VS garantismo penal: onde fica a constituição?”. Tributo ... op.cit., p.546. 140 Historicamente, o princípio em comento pode ser encontrado implicitamente na lei de talião (olho por olho, dente por dente), por meio da qual advém a ideia de que deveria haver uma punição justa e na mesma intensidade e qualidade do delito praticado. Ferrajoli destaca que a lei de talião surge como a primeira resposta encontrada para se definir a qualidade da pena a ser imposta. O autor lembra que essa concepção esteve presente em todos os ordenamentos arcaicos, desde o Código de Hamurabi, a Bíblica e a Lei das XII Tábuas. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do garantismo penal. Ana Paula Zomer Sica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares; Luiz Flávio Gomes (Trad.). 2. ed. rev. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 357. 141 MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, João. O processo criminal brasileiro. 4. ed., v. I, São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 12. O renomado mestre afirma: “Daí surge um dos mais temerosos problemas que a legislação tem de resolver e que envolve as seguintes dificuldades: 1º Conciliar as garantias necessárias à conservação da ordem na sociedade com as garantias ao mesmo tempo reclamadas pela liberdade individual; 2º Prover a acusação dos meios de investigar e convencer, e prover ao mesmo tempo a defesa dos meios de se justificar; 3º Proporcionar ao ofendido segurança e reparação e proporcionar ao ofensor um anteparo às paixões do ofendido, a fim de que esta luta entre o acusado e o acusador não sofra senão a influência da justiça; 4º Preestabelecer, em suma, instituições e formas igualmente garantidoras, igualmente eficazes, igualmente fortes, tanto para ao direito social de punir, como para o direito individual de defesa”. 142 SCARANCE FERNANDES, Antonio. “Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal”. SCARANCE FERNANDES, Antonio; GAVIÃO DE ALMEIDA, José Raul; ZANOIDE DE MORAES, Maurício (Coord.). Sigilo ... op.cit., p. 11-2.

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Nessa equação, alguns paradigmas extraídos de normas constitucionais do

devido processo penal têm lugar garantido e significado bem mais abrangente do que o

direito a um procedimento certo, com atos e fases predeterminados.143

Como conclusão, Scarance Fernandes considera “eficiente o procedimento

que, em tempo razoável, permitir atingir um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos

da persecução penal agir para fazer atuar o direito punitivo, seja assegurando ao acusado as

garantias do processo legal”.144

Destacam-se dois direitos fundamentais do indivíduo que interessam ao

processo criminal: o direito à liberdade e o direito à segurança.

Para que haja um processo justo, é necessário que o Estado atue com

“eficiência” sem prejuízo das “garantias” dos valores fundamentais do processo penal

moderno (garantismo).145

Para Jean Pradel a eficiência contém dois princípios, que são a busca da

verdade e a celeridade.146

A exposição de motivos do C.P.P. de Portugal acentua que a procura da

celeridade e eficiência deve visar a um resultado justo, sem preocupação puramente

economicista de produtividade pela produtividade.

Ferrajoli configura as garantias processuais como subsidiárias às penais,

destacando a presunção de inocência até prova em contrário, a separação entre juiz e

acusação, o ônus acusatório da prova e o direito do acusado à defesa. E, na sequência,

afirma que tanto as garantias penais como as processuais valem não apenas por si mesmas,

mas, também, como garantia recíproca de efetividade.147

Ao prefaciar a obra de Ferrajoli, Norberto Bobbio esclarece que:

143 Analisando as normas constitucionais, destaca-se o princípio da imparcialidade, do qual decorre que o juiz não pode assumir o papel de parte (propor ação ou decidir além do que foi pleiteado pelas partes), mas pode realizar prova de ofício para dirimir dúvida relevante. Do princípio acusatório deriva outro paradigma importante que indica que a acusação deve ser exercida por sujeito distinto do juiz, ou o Ministério Público ou o ofendido, conforme o caso. Também é essencial o respeito ao princípio da ampla defesa, assegurando-se todos os direitos do acusado. Na sequência, decorrem os princípios da igualdade e do contraditório, garantindo-se o equilíbrio entre acusação e defesa, assegurando-se condições de a defesa reagir à acusação, atuando depois dela. Op. cit., p. 14. 144 Op. cit., p. 16. 145 O fato de um acusado estar sendo regularmente processado gera, por si só, certa tranquilidade social. Assim, não se pode negar que o processo penal, a par de sua essencial função garantista – criando instrumentos para que o Estado descubra a verdade – tenha repercussões políticas e sociais importantes. No sentir de Delmanto Júnior e Fabio Delmanto, trata-se de uma função pacificadora dos anseios sociais. DELMANTO JÚNIOR, Roberto; MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, Fabio. A dignidade da pessoa humana e o tratamento dispensado aos acusados no processo penal. RT 835, mai-2005, p. 461. 146 PRADEL, Jean. Manuel procédure pénale. 10. édition revue e augmentée, Paris: Éditions Cujas, 2000, p. 300. 147 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão ... op.cit., p. 494-5.

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[...] garantismo é um modelo ideal ao qual a realidade pode

mais ou menos se aproximar. Como modelo representa uma meta que permanece tal mesmo quando não é alcançada, e não pode ser nunca, de todo, alcançada. Mas para constituir uma meta, o modelo deve ser definido em todos os aspectos. Somente se for bem definido poderá servir também de critério de valoração e de correção do direito existente.148

Ao tratar dos valores fundantes do novo processo penal latino-americano,

Ada Pellegrini não vê incompatibilidade entre garantismo e eficiência. O garantismo é

visto “tanto no prisma subjetivo dos direitos públicos das partes, e, sobretudo da defesa,

como no enfoque objetivo de tutela do justo processo e do correto exercício da função

jurisdicional”. A eficiência se desdobra na efetividade do processo penal e na eficácia dos

direitos fundamentais.149

A permanente dicotomia entre eficiência e garantismo fica mais evidente

quando o tema é a monitoração eletrônica, tendo em vista a celeuma existente sobre a

ocorrência ou não de restrições à privacidade e à dignidade do cidadão.150 Esse equilíbrio

deve ser permanentemente buscado com as mãos firmes e ao mesmo tempo delicadas de

um joalheiro ao lapidar um diamante.

3.6.2 A efetividade, eficácia, eficiência “do” processo penal e “no” processo

penal

Conforme já frisado anteriormente, para um bom entendimento de toda a

conjuntura que envolve um programa de monitoração eletrônica enquanto medida cautelar,

é essencial que a base teórica dessa matéria seja sólida, de forma a dar a necessária

sustentação científica ao novo instituto.

Como a monitoração eletrônica não deixa de ser um mecanismo de maior

controle do Estado sobre o cidadão, os estudos de aspectos dessa “eficiência” revelam-se

oportunos. Assim, chega o momento de diferenciar eficiência do processo penal de

eficiência no processo penal.

148 Op. cit., p. 09. Prefácio de Norberto Bobbio à primeira edição italiana. 149 PELLEGRINI GRINOVER, Ada. O processo em evolução. 2. ed., Rio Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 216. 150 O estudo sobre eventuais restrições à privacidade e à dignidade do cidadão consta do item 4.6 deste trabalho.

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Partindo-se do princípio de que processo151 é uma entidade complexa

formada por uma relação jurídica (sujeitos processuais) e por um procedimento (atos

processuais), importa destacar a eficiência desses componentes.152

Levando-se em conta a finalidade do processo, o exame de sua eficiência

depende da finalidade a ele atribuída, havendo três correntes sobre a finalidade do processo

penal: a que estabelece que o processo penal tem a finalidade de assegurar a defesa do

acusado; aquela que parte do princípio de que o processo penal visa a permitir a apuração

da verdade e punição dos culpados; e, por fim, uma mista que contempla as duas

anteriores, entendendo o processo justo como aquele que assegure o equilíbrio entre as

partes.

A eficácia do processo penal deve ser medida em virtude do efeito que

produz no tocante a sua finalidade. A finalidade seria alcançada conforme a corrente

seguida (defesa praticamente ilimitada, acusação praticamente ilimitada ou equilíbrio entre

as partes).

A efetividade será alcançada em decorrência dos efeitos positivos

produzidos no meio social, independentemente da corrente seguida.

Abstraindo-se o aspecto unitário do processo penal, há também necessidade

de exame da eficiência do processo quanto aos atos que compõem o procedimento e aos

meios de investigação ou de produção de prova.

De acordo com o já estudado, eficiência é a capacidade de algo produzir um

determinado efeito (a eficiência da citação é a capacidade que ela tem de dar ciência da

acusação ao acusado), enquanto que eficácia é a produção do efeito esperado (a citação

será eficaz se o acusado realmente tiver ciência da imputação).

A efetividade no processo implica a verificação do resultado positivo do ato

realizado, do meio de investigação utilizado (a citação será efetiva se o acusado realmente

compareceu e se defendeu).

Scarance Fernandes também analisa vocábulos como “deficiência” e

“ineficiência”, que têm sentidos opostos aos termos até aqui estudados. A ineficiência é a

falta de eficiência. Um ato, um meio de investigação, um meio de prova é ineficiente

151 “O processo é o procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação entre seus sujeitos, presente o contraditório.” PELLEGRINI GRINOVER, Ada; ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; RANGEL DINAMARCO, Cândido. “Natureza jurídica do processo”. Teoria ... op.cit., p. 309. 152 Scarance Fernandes faz importante análise sobre o tema, que serve de base para o presente estudo. SCARANCE FERNANDES, Antonio. “Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal”. SCARANCE FERNANDES, Antonio; GAVIÃO DE ALMEIDA, José Raul; ZANOIDE DE MORAES, Maurício (Coord.). Sigilo ... op.cit., p. 24-6.

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quando não possui capacidade para gerar o efeito que dele se espera. A deficiência é a

diminuição na aptidão do ato para produzir o efeito desejado, embora ele seja, em si,

eficiente.153

Por outro lado, um ato, um meio de investigação eficiente pode ter sido

produzido ou utilizado corretamente, mas ser ineficaz. Pense-se no fato de ter havido todo

o empenho no uso do meio de investigação, mas ele não chegou à fonte de prova desejada.

O meio, embora eficiente, em regra, para produzir o resultado esperado, não foi, no caso,

eficaz.154

Para finalizar, não é demais enfatizar que a adequação da terminologia é

fundamental para o estudo científico de qualquer tema jurídico, não sendo diferente em

relação à monitoração eletrônica.

3.7 Procedimento legal para concessão da monitoração eletrônica

Até a inclusão da monitoração eletrônica entre as medidas cautelares, os

procedimentos de vigilância eletrônica estavam restritos ao campo das execuções

criminais.155

A Lei nº 12.403/11 introduziu as medidas cautelares no C.P.P. e sua

regulamentação se deu por meio do Decreto Federal nº 7.627 de 24 de novembro de 2011,

que também disciplinou a monitoração eletrônica em sede de execução penal.

Atualmente, o primeiro pressuposto para aplicação de qualquer das medidas

cautelares é a ocorrência de infração penal a que esteja cominada pena privativa de

liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente.

Em seguida, devem ser preenchidos os seguintes requisitos:

153 SCARANCE FERNANDES, Antonio. “Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal”. SCARANCE FERNANDES, Antonio; GAVIÃO DE ALMEIDA, José Raul; ZANOIDE DE MORAES, Maurício (Coord.). Sigilo ... op.cit., p. 26. 154 Id. Ibid. 155 A referência ao termo “procedimento” não segue o rigor técnico de uma inexpugnável seqüência de atos processuais previstos em lei, indicando, outrossim, as providências que o juiz deve adotar antes de aplicar a monitoração eletrônica. Scarance Fernandes disseca o conceito de procedimento, cotejando-o com o de processo. O autor divide o estudo desses dois institutos em três fases (momentos históricos), citando os autores que marcaram as respectivas épocas: processo como procedimento; processo como relação jurídica; e processo como entidade complexa, que abrange o procedimento em sua conceituação. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional ... op.cit., p. 34-43.

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- da necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a

instrução criminal, e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações

penais;

- da adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias dos fatos e

condições pessoais do indiciado ou acusado.

O procedimento para concessão da monitoração eletrônica (assim como de

outras cautelares pessoais) pode ser iniciado de ofício pelo juiz ou por requerimento das

partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade

policial ou mediante requerimento do Ministério Público (art. 282, §2º, C.P.P.).156

Salvo os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz deve

intimar a parte contrária para que se manifeste sobre o pedido de medida cautelar. Esse

cuidado é essencial porque preserva o contraditório, tarefa que pode parecer não muito

fácil quando se está diante de um provimento cautelar, mormente pela possibilidade de

ineficácia da medida em razão da ciência prévia por parte do indiciado ou acusado.

A nosso juízo, existe total viabilidade da intimação conforme preconizado

pelo texto legal, tendo em vista a importância da cooperação do indiciado ou acusado para

o pleno êxito da monitoração eletrônica. O monitorado deve estar consciente de que, além

da existência do interesse do Estado em realizar um controle mais rigoroso sobre seus

deslocamentos, persiste também um interesse pessoal, pois a monitoração eletrônica pode

evitar a decretação de uma custódia preventiva, a qual é muito mais invasiva do que a

vigilância eletrônica.157

Referindo-se ao contraditório, Aury Lopes Júnior destaca que “ele é

perfeitamente possível e sempre reclamamos sua incidência. Obviamente, quando possível

e compatível com a medida a ser tomada”.158

O acompanhamento dos operadores do direito, não somente do juiz, mas

também do representante do Ministério Público e da defesa, assegura a preservação do

contraditório e também permite que o monitoramento seja adequado às circunstâncias

156 O C.P.P. italiano trata do tema no Livro IV, Capítulo IV, com o título “Forma ed esecuzione dei provvedimenti” e, mais especificamente no art. 291 se refere a “Procedimento applicativo”. Os arts. 7º e 8º, da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), também prevêem um procedimento para aplicação da vigilância eletrônica. 157 Na Itália, a Corte Constitucional, por meio da Sentença nº 219 de 1994, anulou decisão de renovação de medida cautelar pessoal, sem que fosse ouvida a defesa da pessoa sujeita à medida. 158 LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção ... op.cit., p. 06.

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pessoais do indiciado ou acusado, concorrendo para melhor efetividade dessa medida

cautelar.

Tanto a defesa quanto o representante do Ministério Público podem trazer

informações importantes ao processo acerca de peculiaridades do caso como, por exemplo,

alguma deficiência física ou doença preexistente que impeçam o indiciado ou acusado de

utilizar tornozeleira ou bracelete eletrônico. Exemplificativamente, a pessoa que tenha

amputação de um membro, como um braço ou uma perna, ou que possua um marca-passo

implantado (neste último caso, em razão de eventual interferência com o sistema de

vigilância eletrônica), pode não ser indicada para participar de um projeto de monitoração

eletrônica.

O direito de audiência com um magistrado deve ser preservado na

expectativa de que sejam evitados abusos, principalmente no que tange às medidas

cautelares com privação de liberdade. Essa garantia deve ser mantida antes e durante a

aplicação das outras modalidades de cautela, incluindo-se, naturalmente, a monitoração

eletrônica.

Nesse sentido, Aury Lopes Júnior destaca o direito de audiência nos casos

de prisão, mas a abordagem pode ser perfeitamente analisada sob o enfoque da

monitoração eletrônica:

Nossa sugestão sempre foi que o detido fosse, desde logo, conduzido ao juiz que determinou a prisão, para que, após ouvi-lo (interrogatório), decida fundamentadamente se mantém ou não a prisão cautelar. Através de um ato simples como esse, o contraditório realmente teria sua eficácia de “direito à audiência” e, provavelmente, evitaria muitas prisões cautelares injustas e desnecessárias [...]. Não sem razão, o art. 8º.1 da CADH determina que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente [...]”.159

Apesar de tratar-se de prisão cautelar, mas com aplicação para reforçar a

posição quanto à intimação do indiciado ou acusado, cumpre lembrar que a apresentação

do preso em juízo não é estranha ao ordenamento jurídico brasileiro. Ocorre que a Lei nº

7.960/89, que trata da prisão temporária, estabelece em seu art. 2º, §3º, que o juiz poderá,

de ofício, ou a requerimento do Ministério Público e do Advogado, determinar que o preso

lhe seja apresentado, dentre outras providências.

Mesmo tratando-se de prisão temporária já decretada, o dispositivo legal

respalda o entendimento de conveniência, isso antes da mudança do C.P.P., e necessidade,

159 LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção ... cit., p. 06.

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após a vigência da Lei nº 12.403/11, de respeito ao direito de audiência com o juiz

competente.

Dessa forma, sempre que possível, isto é, quando não houver urgência ou

perigo de ineficácia da medida, o juiz deve intimar a parte contrária, que, como regra, será

o indiciado ou acusado. Esse chamamento pode ter por finalidade que ele participe de uma

audiência ou que, simplesmente, se manifeste por escrito, por meio de seu defensor.

A intimação deve ser acompanhada de cópia do requerimento de medida

cautelar e das peças necessárias para que o indiciado ou acusado possa exercer livremente

o contraditório e a ampla defesa que o dispositivo visou a preservar.

A participação de audiência é a providência mais adequada para que haja

plena oportunidade de que ambas as partes possam se manifestar sobre a melhor medida

cautelar a ser aplicada e, no caso de ser escolhida a monitoração eletrônica, devem ser

estabelecidos os parâmetros a serem seguidos, como tempo de duração da monitoração, se

haverá cumulação com outras medidas, etc.

Durante esse ato processual, o indiciado ou acusado também deve ter a

possibilidade de exercitar sua autodefesa perante o juiz, providência que reforça a ampla

defesa e o contraditório.

Caso não seja possível a realização de audiência, restará a manifestação

escrita da defesa, por meio da qual o defensor poderá arguir todos os pontos que achar

relevantes em benefício de seu cliente. Nessa fase, a defesa pode destacar as razões que

tornam desnecessária a imposição da monitoração eletrônica, conforme as peculiaridades

do caso concreto, esclarecendo que o indiciado ou acusado não pretende fazer (ou deixar

de fazer) o que motivou o pedido de medida cautelar, ou ainda que não estão presentes os

requisitos legais para aplicação da medida, ou outra justificativa que for pertinente.

Alternativamente, em substituição à monitoração eletrônica, caso esta já

tenha sido aventada pelo juiz ou pelo representante do Ministério Público, a defesa pode

propor o comparecimento periódico em juízo, pelo prazo e condições a serem fixadas ou

outra medida cautelar que julgue menos gravosa ao seu cliente.

Naturalmente, uma manifestação escrita, por mais completa que seja,

dificilmente conseguirá substituir o contato pessoal do juiz com o indiciado ou acusado.

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Lastreado no princípio da oralidade, o exercício do contraditório e da ampla defesa serão

exercidos com maior abrangência e eficiência.160

Não havendo audiência, é essencial que o juiz conceda prazo suficiente para

que a defesa técnica possa exercer a sua atividade. No caso de ausência de defensor

constituído, o juiz deve nomear defensor dativo para exercer o múnus.

A ausência de intimação ou a intimação ineficaz, isto é, que não chegue

efetivamente às mãos do indiciado ou acusado, de forma a permitir a oportunidade de

manifestação, ao menos escrita, gerará, inevitavelmente, nulidade da medida

posteriormente aplicada, cabendo, em tese, a impetração de habeas corpus contra o ato

judicial.161

Por outro lado, é importante que o mecanismo de monitoração eletrônica

seja adequado à finalidade a que se destina, de molde a não causar constrangimentos

desnecessários ao usuário.162

Conforme já salientado anteriormente, a análise das peculiaridades de cada

caso é de extrema importância. No mínimo, o indiciado ou acusado deve sair ciente de

todas as implicações referentes ao uso de um equipamento de monitoração eletrônica

como, por exemplo, que o utensílio é visível em caso de uso de certas roupas mais curtas

como shorts, bermudas ou saias.

Da mesma maneira, deve ser esclarecido se a pessoa a ser monitorada tem

alguma restrição física que a impeça de utilizar algum tipo de equipamento eletrônico,

como no caso de ter implantado em seu corpo algum tipo de material que seja incompatível

com a monitoração eletrônica ou que lhe venha causar interferência (como um marca-passo

ou outro aparelho).

160 Nesse sentido: “A suspeita de descumprimento de quaisquer condições impostas nas medidas cautelares diversas, previstas no art. 319, exigirá, como regra, o contraditório prévio à substituição, à cumulação ou mesmo à revogação da medida. É necessário, agora, e perfeitamente possível, que o imputado possa contradizer eventual imputação de descumprimento das condições impostas antes que lhe seja decretada, por exemplo, uma grave prisão preventiva”. LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção ..., op. cit. 161

O C.P.P. português prevê recurso em benefício do arguido a ser interposto por ele mesmo ou pelo Ministério Público (art. 219). 162 Apesar de o julgado que segue tratar de prisão cautelar, pode-se inferir que a aplicação de medida cautelar mais severa dentre as enumeradas no art. 319 do C.P.P., excepcionalmente, encontra amparo na jurisprudência, como no caso em que há veementes indícios de frustração de aplicação da lei penal. Habeas Corpus nº 50212 / SP (2005/0194205-8) relatado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, da 6ª Turma do STJ, publicado no DJ 18/02/2008, p. 67: “Processo penal. Habeas Corpus. Receptação e posse de arma de fogo. Prisão preventiva. Cautelaridade. Existência. Princípio da proporcionalidade. Violação. Inocorrência.” “Há fundamento de cautelaridade para o encarceramento processual, quando lastreada na fuga do imputado, a qual põe em risco a aplicação da lei penal. A prisão processual não se afigura desproporcional se as penas dos delitos imputados alcançam pena próxima de oito anos [...]”

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Igualmente, eventuais medidas cautelares que forem aplicadas

cumulativamente com a monitoração eletrônica devem ser objeto de detalhada informação

ao indiciado ou acusado para que o provimento cautelar seja cumprido corretamente.

Tais medidas podem ser: comparecimento periódico em juízo, no prazo e

nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; proibição de acesso

ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva

o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas

infrações; proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias

relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; proibição de

ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a

investigação ou instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga

quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; fiança, nas infrações

que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do

seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

Por fim, deve-se atentar para a higidez mental do indiciado ou acusado e,

havendo qualquer suspeita de incapacidade parcial ou plena, tal fato deve ser comunicado

de imediato ao juiz para adoção de providências adequadas.

Essas informações devem ser transmitidas ao indiciado ou acusado e

confirmadas pessoalmente com ele, seja no cartório judicial, seja em outro órgão público a

ser designado,163 isso se não ocorrer audiência com o juiz para esse desiderato.

O mesmo cuidado, no que se refere à intimação válida, deve se adotado para

os casos em que, aplicada anteriormente a monitoração eletrônica, o juiz de ofício, ou por

provocação da parte interessada, normalmente o Ministério Público, pretenda substituir a

medida, aplicar outra cumulativamente, ou ainda revogar aquela para imposição de uma

nova, ou mesmo decretar a prisão preventiva.

Observando-se esses parâmetros, serão respeitados, minimamente, os

princípios do contraditório e da ampla defesa.

163 No Estado de São Paulo, onde a Secretaria de Administração Penitenciária (S.A.P.) já executa essa tarefa de controle da vigilância eletrônica de presos em saída temporária e prisão domiciliar, parece muito razoável supor que a estrutura já existente seja utilizada para a implementação da monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX, do C.P.P.

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3.7.1 Requisitos legais

Registre-se que os requisitos genéricos e os específicos para aplicação dos

provimentos cautelares já foram analisados nos subitens 2.4.1 e 2.4.2.164

Entretanto, antes de aplicar a monitoração eletrônica (isso também vale para

outras cautelares), é importante verificar algumas questões que envolvem o direito

intertemporal.

Questiona-se quanto à aplicação da monitoração de forma retroativa, ou

seja, aos processos em curso, ou se a nova cautelar deve ficar reservada aos fatos ocorridos

após a vigência da Lei nº 12.403/11, isto é, a partir de 04 de julho de 2011.

Com a nova sistemática que envolve as medidas cautelares pessoais no

processo penal, é de se ver que o magistrado deverá avaliar o cabimento de medidas

alternativas à prisão, inclusive a monitoração eletrônica.

Não se ignora que, em muitas situações, o juiz ficava adstrito aos dois

extremos, ou seja, decretar (ou manter) a custódia cautelar, ou conceder a liberdade

provisória. Também não é novidade que em inúmeros casos uma medida intermediária

seria muito mais adequada.

Pois bem, quer nos parecer que a discussão sobre o conflito intertemporal,

neste caso específico, tenha perdido um pouco de seu glamour em razão das próprias

peculiaridades do processo penal, área da ciência jurídica que trata diuturnamente com a

liberdade individual do cidadão.

Justifica-se: de forma geral, quando avalia sobre o cabimento de uma

medida que irá restringir a liberdade ou, de alguma forma, impor limitação a algum direito

do cidadão, o magistrado deverá motivar sua decisão, deixando claro para as partes e

também para a sociedade porque escolheu uma medida e não outra. Nesse processo

intelectivo, o juiz expõe as razões que o levam a não impor medidas mais amenas que a

monitoração eletrônica, justificando por quais fundamentos entendeu que a cautelar mais

adequada é esta última.

164 Em relação aos requisitos legais e com finalidade meramente informativa, a Lei nº 12.906/08, do Estado de São Paulo, referente à seara da execução da pena, condicionava o cumprimento da determinação judicial de vigilância eletrônica ao consentimento do condenado, que seria presumido quando ele mesmo requeresse essa providência, diretamente ou representado por seu defensor.

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Importa salientar que, se o indiciado ou acusado estiver em liberdade,

somente será o caso de aplicar alguma medida cautelar se ele estiver praticando atos que

justifiquem a intervenção estatal, pois, de outra maneira, esta será indevida.

No caso de concessão “liminar” da medida requerida, os requisitos legais

estão previstos no art. §3º, do art. 282, do C.P.P.: casos de urgência e perigo de ineficácia

da medida requerida.

Obviamente, o juiz não precisa justificar porque não decretou a prisão

preventiva, visto que a própria lei atribuiu caráter subsidiário a essa modalidade de

cautelar, catalogando-a como ultima ratio; entretanto, o magistrado deve obedecer a um

escalonamento na aplicação das alternativas legais.165

Sobre as categorias que envolvem as várias medidas cautelares, fizemos

breve sugestão de divisão didática, visando a facilitar o estudo da matéria que permite

estabelecer um grau comparativo entre as opções previstas em lei (a respeito do assunto,

verificar Capítulo 5, tópico “A relação entre a monitoração eletrônica e outras medidas

cautelares pessoais”).

Em suma, quer nos parecer que, preenchidos os requisitos legais, sempre

existe possibilidade de aplicação de uma medida cautelar, seja no caso de não ter sido

aplicada alguma delas anteriormente, seja na aplicação substitutiva ou mesmo cumulativa

de outra medida, importando, isto sim, a motivação judicial. A nosso juízo, o

preenchimento dos requisitos e a motivação judicial tornam superada a questão da prática

do fato ilícito antes ou depois da vigência da Lei nº 12.403/11.

3.7.2 Legitimidade

A lei processual estabelece que a monitoração eletrônica, como de sorte as

demais medidas cautelares, deve ser decretada pelo juiz, de oficio ou a requerimento das

partes. No curso da investigação criminal, cabe representação da autoridade policial ou

mediante requerimento do Ministério Público.

Quando a lei se refere às partes, está indicando o representante do

Ministério Público como titular da ação penal pública e, quando for o caso, o acusado, que

165 Gustavo Badaró refere-se a “graus diversos de restrição da liberdade”. RIGHI IVAHY BADARÓ, Gustavo Henrique. Reforma das medidas cautelares pessoais no C.P.P. e os problemas de direito intertemporal decorrentes da Lei n.12.403, de 04 de maio de 2011. Boletim do IBCCrim nº 223, jun. 2011, p. 11.

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também poderá postular, por meio de sua defesa técnica, quando entender necessário.

Como parte do polo acusatório, a própria lei inclui o assistente do Ministério Público,

quando houver, e o querelante, nos casos em que se admita sua atuação.

O defensor, por seu turno, pode suscitar questões jurídicas ou fáticas, mas,

essencialmente, deve velar para que o indiciado ou acusado, se for o caso, receba a medida

menos invasiva possível. Nesse espectro, se for decretada a prisão preventiva, o próprio

defensor poderá pleitear, alternativamente, a monitoração eletrônica como medida

substitutiva menos grave que o cárcere e, inclusive, menos onerosa para o Estado.166

É de extrema relevância que cada um dos participantes da dialética

processual assuma a sua parcela de responsabilidade e atue de forma pró-ativa no bom

andamento processual.

Todas as medidas cautelares, até pela própria discussão doutrinária que

permeia o tema, são suscetíveis de algum tipo de questionamento pelo fato de ainda não

haver decisão condenatória, circunstância que eleva a responsabilidade de cada um.

O magistrado encarregado da providência é aquele com competência, nos

termos da Constituição Federal167 e da legislação processual penal. Antonio Magalhães

afirma que o caráter jurisdicional da atividade cautelar penal representa uma opção política

fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, não sendo decorrência pura e simples da

qualidade dos sujeitos que nela intervêm ou mesmo de sua atividade no controle da

jurisdição.168

Em paralelo à expressa disposição do §2º, do art. 282, do C.P.P., há de se

considerar que qualquer decisão a respeito da revogação, substituição ou cumulação da

monitoração deve ser tomada por um juiz criminal. Evidentemente, devem ser respeitadas

todas as garantias constitucionais inerentes aos provimentos jurisdicionais.

Mostra-se interessante mencionar que, quando os sistemas jurídicos mais

modernos do mundo se movimentam em direção ao processo penal de matriz puramente

166 O fato de a monitoração eletrônica representar, quando bem aplicada, menor custo para o Estado pode transparecer como razão exclusivamente utilitarista, mas não se pode ignorar que esse tem sido o principal móvel para que outros países adotem o instituto. Essa nuance do tema será mais bem analisada no Capítulo 6, que trata da monitoração eletrônica em outros sistemas processuais, principalmente quando estudados Estados Unidos e Inglaterra. 167 Art. 5º. LIII. Ninguém será processado nem sentenciado se não pela autoridade competente. 168 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção ...op. cit., p. 77. O autor repercute os ensinamentos de Giuliano Allegra.

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acusatória,169 a Lei nº 12.403/11 continua a permitir que a monitoração eletrônica seja

aplicada de ofício, mantendo o poder inquisitório do juiz.

Apesar da crítica que muitos doutrinadores fazem com relação à

possibilidade de o juiz tomar iniciativas de ofício, é de se considerar que haveria grandes

entraves à administração do processo quando as partes quedassem inertes e o juiz não

adotasse as medidas pertinentes para solucionar questões urgentes, mormente aquelas

relacionadas à liberdade individual de indiciados ou acusados.170

No caso da monitoração eletrônica, em que existe razoável restrição de

direitos do usuário dos equipamentos de vigilância, não seria razoável que o juiz deixasse

de revogar uma medida cautelar dessa ordem, somente porque nenhuma das partes

requereu a esse respeito.

Em contrapartida, também não seria plausível deixar um indiciado ou

acusado custodiado cautelarmente, quando se mostrasse possível a aplicação de uma

medida cautelar diversa, inclusive a monitoração eletrônica.

Parece muito mais efetivo e concernente com o interesse público que o

magistrado tenha poderes para adotar medidas urgentes. Por outro lado, também carecem

de razoabilidade eventuais iniciativas judiciais tomadas sem provocação da acusação ou

defesa, quando a medida a ser adotada não seja urgente.

Para fazer um “acompanhamento” efetivo da monitoração eletrônica, o

Poder Judiciário deveria dotar as serventias judiciais de infraestrutura necessária,

principalmente de funcionários suficientes e bem treinados para o desempenho de suas

atividades.

169 “Em outros países, com legislações mais modernas, separam-se tais funções, de acordo com a etapa da persecução penal: em Portugal, cabe ao juiz de instrução (o nome é equívoco, pois sugere um modelo – o juizado de instrução – já abandonado naquele país) interrogar o arguido detido, aplicar medida de coação e medidas cautelares etc. (artigos 268 e 269 do C.P.P. português); na Itália, também se defere ao Giudece per le indagini preliminari (GIP) similares funções (art. 328 do C.P.P. italiano); de igual modo, na França, ao juge des libertés et de la détention (art. 137-1 do C.P.P. francês), e assim o é em vários outros países”. SCHIETTI MACHADO CRUZ, Rogério. Prisão cautelar – dramas ...op. cit., p.117. Em complementação ao comentário de Rogério Schietti, acrescente-se o art. 279 do C.P.P. italiano que ressalva a atuação do giudice per le indagini preliminari “antes do exercício da ação penal” para aplicação, revogação e modificação da medida cautelar. 170 “Deve, pois, a iniciativa instrutória do julgador obedecer a uma forma e figura apropriadas, sob pena de aproximação a modelos processuais historicamente ultrapassados. Há, pois, que se observar a necessidade de respeito ao juiz natural e de sua imparcialidade, de obediência ao princípio da presunção de inocência, do dever de motivar os atos decisórios, da duração razoável do processo, da obrigatoriedade de publicidade dos atos processuais, da licitude e da legitimidade das provas, e do respeito à ampla defesa e do contraditório”. COELHO ZILLI, Marcos Alexandre. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 133-4.

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Entretanto, não se pode contar com que o cartório judicial tenha condições

de realizar o “controle direto dos monitorados”, sendo necessário que outro órgão realize

essa tarefa e repasse, diariamente, as informações ao cartório, para que este possa

transmitir os dados essenciais ao juiz.171

Em alguns Estados da Federação, as iniciativas relacionadas à monitoração

eletrônica (como medida de execução penal) vêm sendo implementadas e fiscalizadas

pelas Secretarias Estaduais de Justiça ou de Administração Penitenciária, onde estas

últimas já foram criadas, como no caso do Estado de São Paulo.172

Tudo indica que esses órgãos do Poder Executivo tenham condições de

assumir a responsabilidade pela fiscalização das medidas necessárias, no que concerne à

monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX, do C.P.P.

3.7.3 Formas de aplicação – autônoma ou cumulativa

A alteração do C.P.P. possibilitou que as medidas cautelares sejam aplicadas

isolada ou cumulativamente, 173 conforme as peculiaridades do caso concreto, permitindo

ao juiz a necessária e esperada adequação da medida.174

A possibilidade de cumulação de medidas já existia em nosso ordenamento

na Lei nº 11.340/06 (violência doméstica) que prevê cinco medidas protetivas de urgência

que podem ser “aplicadas em conjunto ou separadamente”.175

171 Essa questão é mais bem analisada nos subitens 3.7.4 e 3.7.5 deste trabalho. 172 Sobre as atividades desenvolvidas no Estado de São Paulo ver item 3.5 deste trabalho. 173 O art. 139 do C.P.P. francês (alterado pela Lei n. 93-2, de 04-01-1993 – art. 180, publicado no Jornal Oficial de 05-01-1993, em vigor em 01-03-1993) traz disposição semelhante. A pessoa sob investigação é colocada sob controle judicial por ordem de um juiz em qualquer fase da instrução. O juiz poderá, a qualquer momento, impor à pessoa sob controle judicial uma ou mais obrigações novas, suprimir todas ou parte das obrigações constantes do controle, modificar uma ou mais dessas obrigações ou acordar uma dispensa ocasional ou temporária de observar algumas delas. O art. 1º da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal, regula o art. 201 do C.P.P. português, que trata da utilização de meios técnicos de controle à distância. Referido art. prevê a cumulação da vigilância eletrônica com a obrigação de permanecer na habitação. 174 A análise da compatibilidade da monitoração eletrônica com outras medidas cautelares (cumulatividade) será objeto de estudo no Capítulo 5 deste trabalho. 175 Art. 22, da Lei nº 11.340/06: I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, como por exemplo: a. aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando-se o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b. contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c. frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

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Quando o magistrado identificar que apenas uma medida não seja suficiente

para atingir os objetivos pretendidos pela legislação (necessidade para aplicação da lei

penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,

para evitar a prática de infrações penais, além da adequação da medida à gravidade do

crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado), poderá aplicar

outra de forma cumulativa.

O legislador contemplou a possibilidade de aplicação cumulativa das

medidas cautelares com duas previsões no art. 282, do C.P.P. (§§ 1º e §4º).

Essa possibilidade de cumulação permite que o magistrado estabeleça uma

gradação na aplicação das medidas cautelares previstas em lei. Importante registrar que,

conforme o caso concreto que se apresente, o juiz poderá combinar as leis especiais (como

por exemplo, a Lei nº 11.340/06 - vide nota de rodapé neste mesmo item a respeito da “lei

da violência doméstica” -, a Lei nº 9.503/97 176, ou ainda o Decreto-Lei nº 201/67177) entre

si, ou, ainda, com as medidas previstas nos artigos 319 e 320 do C.P.P..

Conforme já enfatizado anteriormente, a análise da compatibilidade da

monitoração eletrônica com outras medidas cautelares (cumulatividade) será objeto de

estudo no Capítulo 5 deste trabalho. Entretanto, não é demais afirmar que a monitoração

eletrônica se mostra com plena efetividade quando cumulada com outras medidas

cautelares.

Partindo-se dessa premissa, a possibilidade de cumulação da monitoração

eletrônica com outras cautelares é de vital importância para sucesso de qualquer projeto de

vigilância eletrônica.

3.7.4 Controle

O projeto de vigilância eletrônica pode ser concebido para controle por uma

única central ou por várias unidades distribuídas pelo território a ser coberto pelo sistema.

O controle das medidas aplicadas deve ficar a cargo do cartório judicial, sob

a supervisão do juiz, cabendo a este último a permanente análise acerca da manutenção da

176 O art. 294 do Código de Trânsito Brasileiro possibilita que o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade para a garantia da ordem pública, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decrete, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção. 177 O art. 2º, II, do Decreto-Lei nº 201/67 estabelece a obrigatoriedade de o juiz, ao receber a denúncia, manifestar-se motivadamente sobre o afastamento do prefeito acusado do exercício do cargo durante a instrução criminal, nas hipóteses dos vinte e três incisos do artigo 1º, do mesmo diploma legal.

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medida, cumulação com outras, ou sua revogação, mediante provocação das partes ou de

ofício.

No caso do Brasil, em razão de sua área territorial e mesmo das dimensões

dos Estados-membros, e a exemplo do que já ocorre na seara da execução penal, as

medidas cautelares de monitoração eletrônica devem ficar sob responsabilidade de cada

Estado da Federação, quando se tratar de infrações penais de competência estadual.

Cada unidade da Federação deve ter o seu sistema de vigilância eletrônica,

naturalmente com um controle centralizado das informações no âmbito de cada Estado ou

mesmo da União. Esse controle central pode ser regionalizado ou não, parecendo mais

razoável que o seja para que haja uma resposta mais efetiva nos casos mais urgentes.178

Por certo, não será a serventia judicial (Cartório da Vara da Justiça Federal

ou Estadual) que fará o “controle direto” do indiciado ou acusado sob monitoração,

devendo ser delegada a outro órgão do Estado essa tarefa.179

O Decreto Federal nº 7.627, de 24 de novembro de 2011, regulamentou a

monitoração eletrônica, tanto na fase anterior à sentença, quanto na fase de execução,

estabelecendo que a administração, execução e controle dos trabalhos de monitoração

incumbem aos órgãos de administração penitenciária, que terão as seguintes obrigações

(art. 4º):

I - verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas

na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrônica;

II - adequar e manter programas e equipes multiprofissionais de

acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada;

III - orientar a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e

auxiliá-la na reintegração social, se for o caso;

178 De acordo com Nuno Caiado, os países da Europa têm assumido a vigilância eletrônica de forma predominante, sendo excepcionais os casos de privatização, podendo haver modelos intermediários. Há algumas variantes nesse processo como, por exemplo, a ideologia, o orçamento e as escolhas concretas para efetivação do serviço, mas é essencial que fique claro quem tem a responsabilidade de instalar e manter os servidores, de instalar e remover os equipamentos de campo e gerir a logística. O autor foi Probation Officer nos serviços de Reinserção Social de Portugal a partir de 1983, assumindo como Diretor do Departamento Nacional de Monitoração Eletrônica de Portugal, a partir de janeiro de 2003. CAIADO, Nuno. 16 pontos críticos para a construção de um projeto de vigilância eletrônica como meio de controle penal. N. 65, Porto Alegre: Revista Síntese, dez-jan-2011, p. 33. O art. 9º, da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), concede à Direção Geral de Reinserção Social (D.G.R.S.) a atribuição de administrar a vigilância eletrônica, podendo contratar empresas privadas para essa finalidade. 179 No Estado de São Paulo, a Secretaria de Administração Penitenciária já se encontra aparelhada e estruturada para esse mister (com relação ao assunto, verificar o item 3.5).

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O trabalho de campo, isto é, o contato com os indiciados ou acusados pode

ser realizado por pessoal próprio do órgão estatal responsável pela vigilância ou por

pessoal de empresa contratada para realizar o serviço.

No caso de funcionários de órgãos estatais, normalmente a tarefa é afeta a

assistentes sociais ou até a policiais, conforme a organização local e a disponibilidade de

pessoal.

É essencial que todo o grupo de apoio esteja engajado e compreenda as

exigências do programa de monitoração eletrônica.

Os recursos humanos necessários para as várias atividades dependerão do

modelo escolhido. O pessoal que atua nos bastidores (concepção de projetos, monitoração

propriamente dita e avaliação de dados) pode ser reduzido, sendo indicado que tenham

formação superior. No caso de serviços 24 horas, o que é mais indicado para sucesso do

programa, o número de pessoas será maior.180 Poderá haver acréscimo de pessoal

especializado em informática, conforme o caso.

Os recursos humanos para os trabalhos de campo devem ser mais

numerosos, com variações conforme a fiscalização seja por radiofrequência (número mais

expressivo) ou rastreio via satélite (número mais reduzido). Se houver atividade conjunta

de ambas as modalidades, será necessária adequação de pessoal.

A proposta é que o pessoal que opera no terreno tenha formação

universitária (ciências sociais e humanas), permitindo melhor entrosamento com o público-

alvo, dispondo de melhor base científica para controle e assistência mais eficientes.

Estima-se que o emprego de pessoal com dedicação exclusiva possa

permitir que o número de casos de vigilância simultânea aumente. Para que essa etapa seja

superada com sucesso é extremamente importante que haja treinamento específico com um

processo seletivo rigoroso dos recursos humanos, avaliando-se as aptidões, estimulando-se

a motivação e os valores éticos dos candidatos.

As dificuldades de implantação de um programa com pessoal mais

qualificado não podem ser ignoradas, mas esse quesito irá influenciar qualitativamente, e

também quantitativamente, no resultado final das medidas aplicadas.

180 Na modalidade de acompanhamento exclusivamente diurno do projeto de vigilância eletrônica existe um evidente desperdício, em face da disponibilidade de tecnologia de uso contínuo. Nesse caso, as informações somente são repassadas no dia seguinte, implicando um considerável atraso na reação às violações e mesmo no apoio a eventuais incidentes.

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IV - encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz

competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por este

determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem;

V - comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar

causa à revogação da medida ou modificação de suas condições.

O órgão designado para controle direto da monitoração eletrônica deve

emitir relatórios permanentes sobre cada caso sob sua responsabilidade, individualmente,

comunicando faltas, evasões e outras irregularidades. É de todo conveniente que tais

relatórios sejam informatizados e remetidos por meios eletrônicos criptografados

diretamente ao juízo competente, utilizando-se de certificação digital, se possível,

adotando-se o máximo de segurança e sigilo que os sistemas telemáticos possam oferecer,

a fim de se impedir qualquer violação de dados e de informações.

Esses dados e informações somente devem ser acessíveis aos servidores

expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em virtude de suas

atribuições.

É imprescindível que sejam repassadas informações diárias sobre a

regularidade do comportamento da pessoa sob monitoração, a fim de que o cartório judicial

possa transmitir os dados essenciais ao juiz, sob pena de ineficiência de todo o sistema.

Para finalizar, parece oportuno destacar que, por se tratar de medida que em

seu bojo contém algum tipo de restrição à liberdade individual, é essencial que haja

fiscalização diuturna sobre o cumprimento da monitoração eletrônica aplicada, a ser

exercida por equipe especializada, sob acompanhamento judicial ininterrupto.

3.7.5 Operacionalização do sistema

Um projeto de monitoração eletrônica implica prudência e arrojo, bem como

a compreensão de que a prisão não é solução para todos os casos, ainda que seja útil em

algumas situações (interessa para o presente trabalho o estudo da vigilância eletrônica em

substituição à prisão cautelar, ainda que cumulada com a prisão domiciliar ou com outra

modalidade de medida cautelar).

Fazendo-se uma breve análise dos pontos levantados por Nuno Caiado em

face da experiência portuguesa, alguns aspectos podem servir de baliza para a monitoração

eletrônica no Brasil, enquanto medida cautelar, uma vez que os sistemas de vigilância

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adotados pelos vários países são muito semelhantes, tanto para a fase anterior à

condenação, quanto para a execução penal.181

O sistema de monitoração eletrônica anterior à condenação também recebe

o nome de front door (porta da frente) e aquele posterior a essa fase processual recebe a

denominação de back door (porta traseira).

A primeira questão que surge refere-se a um claro enquadramento jurídico e

técnico, não se podendo esperar que a vigilância eletrônica se ajuste a todas as situações.

Mas, o que pode fazer a monitoração eletrônica? É como perguntar para o

que serve uma câmera de vídeo? A resposta seria: recolhe material de dados. A melhor

forma de formular a questão é: de que modo a monitoração eletrônica pode ser utilizada?182

Somente para rememorar, a monitoração eletrônica serve para controlar a

permanência em determinado local ou os deslocamentos do indiciado ou acusado (medida

cautelar – art. 319, IX, do C.P.P., com as alterações produzidas pela Lei nº 12.403/11) ou

do condenado (utilização de equipamento de vigilância indireta na execução de pena – Lei

de Execuções Penais com as alterações produzidas pela Lei nº 12.258/10), sob a forma de

ordens de restrição.

Uma constatação que não pode ser negada é de que qualquer nova

experimentação traz algum tipo de risco, ocasionando também insucessos. É esse caminho

que permitirá o amadurecimento do sistema.

Há de se pressupor o uso da tecnologia em parceria com o elemento

humano. A vigilância não é fisicamente impeditiva de nenhum comportamento, mas

permite o exercício de uma coação legítima com a responsabilização do indiciado ou

acusado sob vigilância.

É imprescindível que o emprego da tecnologia seja compatível com a

finalidade que se pretende. Assim, se o objetivo da vigilância eletrônica for somente a

fiscalização da permanência em residência, pode ser utilizada a radiofrequência; por outro

lado, se a finalidade for conhecer percursos e evitar a saída ou o acesso em territórios de

inclusão ou exclusão, o rastreamento via satélite se mostra mais adequado.

Exemplificativamente, a experiência em Portugal tem mostrado que o

sistema misto apresenta vantagens.

181 CAIADO, Nuno. 16 pontos críticos ... op. cit., p. 22-36. 182 LEHNER, Dominik. Monitoramento ... cit., p. 65.

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Conforme as peculiaridades da legislação local e de cada caso concreto,

podem ser utilizadas outras tecnologias como a verificação biométrica de voz183 ou o

controle de entorpecentes ou álcool a distância, em regra, acopladas ao rastreamento via

satélite ou à permanência em residência.184

Ainda como condição prévia a ser analisada quando da escolha da melhor

tecnologia de vigilância eletrônica, é essencial saber se as tecnologias funcionam

adequadamente na área territorial a ser coberta pelo serviço. Seria puro desperdício de

dinheiro público a escolha de uma tecnologia baseada em rastreamento por satélite se os

testes preliminares não demonstrarem a plena eficácia desse modelo.

Além do aspecto econômico, deve ser levada em conta a perda da

credibilidade pela sociedade em geral, circunstância que, por certo, vai comprometer a

implementação e o desenvolvimento da vigilância eletrônica

Normalmente, aceita-se a assertiva de que a vigilância eletrônica é menos

onerosa que a prisão, entretanto, não se pode ignorar que deve haver uma previsão

orçamentária adequada para fazer frente aos custos com a tecnologia envolvida no sistema

e com o pessoal necessário para manuseá-la.

O correto planejamento permite uma implantação mais adequada do projeto,

incluindo, o crescimento vegetativo da população alvo do sistema, e a renovação periódica

dos equipamentos.

O trato com as questões que envolvem o crime revela-se importante aspecto

da vida de qualquer sociedade. Por não ser uma ciência exata, o direito depende de

consensos para sua evolução. A complexidade das questões que envolvem a vigilância

eletrônica exige que as partes (áreas pública – autoridades envolvidas - e privada, quando

for o caso) dialoguem para descoberta de caminhos comuns que viabilizem o êxito do

projeto.

O conhecimento das atividades desenvolvidas facilita a melhor aceitação da

monitoração eletrônica, significando que tanto o setor público, quanto o privado tenham de

se envolver na implementação do sistema.

183 Biometria: Ramo da ciência que estuda a mensuração dos seres vivos. BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Aurélio. Novo Dicionário ... op.cit., p. 260. 184

O art. 2º da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), especifica os seguintes sistemas tecnológicos para aplicação da vigilância eletrônica: monitorização telemática posicional; verificação de voz; ou, quaisquer outros meios tecnológicos que venham a ser reconhecidos como idôneos.

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Na área pública, é essencial que os juízes, os membros do Ministério

Público, os advogados, as polícias e os serviços públicos relacionados participem

ativamente da discussão do projeto que resultará na implantação de um sistema eficiente de

vigilância eletrônica.

Na área privada, as entidades e empresas contratadas para a execução dos

serviços que possam ser terceirizados devem colaborar de forma ativa para o sucesso do

projeto.

A divulgação entre os operadores do sistema sobre a tecnologia envolvida e

sua efetividade permite um adequado conhecimento dos melhores caminhos para êxito das

operações de vigilância eletrônica.

Em outros países, não é comum que os advogados se posicionem

contrariamente à implantação da vigilância eletrônica, cabendo, se houver essa oposição, o

destaque de que a monitoração eletrônica não ameaça os direitos de cidadania, “podendo,

pelo contrário, assegurar, com dignidade e sem estigma, a criação de alternativas à

privação da liberdade”.185

Também têm papel relevante na consolidação da monitoração eletrônica o

marketing público e a realização de workshops entre os profissionais envolvidos.

Qualquer projeto que desperte maior expectativa de resultado do que a

realidade permite está fadado ao insucesso. Não é difícil imaginar a frustração que esse

resultado negativo irá gerar nos participantes da estrutura organizacional e na população

em geral.

É essencial dosar os estímulos e as perspectivas.

A aplicação de um programa de testes progressivos é essencial para o

sucesso do projeto. Imaginar que a monitoração eletrônica signifique somente a observação

da saída de uma residência ou do controle de acesso em determinado local restrito é

desconhecer a complexidade do programa.

Essas atividades são importantes, mas devem vir acompanhadas do trabalho

social e do estabelecimento de relação mínima com o indiciado ou acusado, da fiscalização

das saídas previstas e imprevistas (no caso de confinamento em habitação), do tratamento

das violações, da atenção para situações especiais que podem surgir e da instalação e

remoção dos equipamentos de campo, que ocupam bastante tempo e recursos.

185 CAIADO, Nuno. 16 pontos críticos ... op. cit., p. 29.

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Conforme o modelo de vigilância adotado é interessante que haja um

processo de adaptação à tecnologia e a definição de procedimentos, sempre se iniciando

com um grupo pequeno de monitorados. No caso do sistema que utilize radiofrequência, o

número sugerido é de no máximo cinquenta monitorados, número que deve ser reduzido a

dez no caso de monitoração por satélite.186

É relevante que haja sincronia entre a necessidade e os resultados imediatos

para que o projeto possa avançar de forma segura.

Deve haver um permanente acompanhamento e avaliação de resultados para

identificar as falhas e corrigi-las tão logo possível.

É essencial salientar que a monitoração eletrônica não pode ser aplicada de

forma indiscriminada, devendo existir um verdadeiro protocolo a ser seguido com cada

indiciado ou acusado que seja indicado para integrar o projeto. Esse checklist deve ser de

conhecimento da autoridade judiciária competente para que esta disponha de dados

completos para posterior aplicação (ou não) da medida.

O perfil do futuro monitorado deve seguir critérios preestabelecidos e

baseados em lei ou em regulamentação própria, priorizando-se a segurança da comunidade.

Assim, aquele que não preencher alguns requisitos básicos não deve ser inserido no

programa.

Essa análise deve avaliar os antecedentes do indiciado ou acusado, suas

competências sociais e individuais, a capacidade de adaptação às exigências do programa e

cumprimento de regras (conforme o sistema adotado, com restrição parcial ou total em

domicílio, ou não), suporte familiar e, se for o caso, habitação permanente.

Outro aspecto importante para sucesso de um programa de vigilância

eletrônica reside na existência de “linhas de ação bem definidas”, com protocolos de

intervenção completos e detalhados contemplando a atuação de cada integrante do sistema,

de forma a orientar as ações de vigilância e os trabalhos de campo, tudo isso com pleno

conhecimento de todo pessoal envolvido e das autoridades judiciárias competentes.

É importante que os indiciados e acusados sob vigilância tenham certo nível

de conhecimento sobre a tecnologia empregada e de alguns procedimentos utilizados, até

para evitar violações do sistema. Sobre esse tópico, o Decreto Federal nº 7.627, de 24 de

novembro de 2011, que regulamentou a monitoração eletrônica, trouxe a previsão de que

186 Op. cit., p. 30.

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a pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de forma clara e

expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de vigilância e os

procedimentos a serem observados durante a monitoração (art. 3º).

Essa metodologia revela a vontade política dos governantes e exterioriza o

grau de assunção de responsabilidade sobre o programa. Em paralelo, evidencia as regras

das operações, os procedimentos, o tempo de resposta e os meios envolvidos, evitando

arbitrariedades, ações discricionárias indevidas e até improvisos.

A pronta resposta às violações e ocorrências dará o tom que se deseja sobre

a eficiência da vigilância eletrônica, pois a demora ou ausência de providências imediatas

será o sinal de que o sistema é ineficiente ou de que não existe interesse no efetivo

acompanhamento dos casos, estimulando novos acontecimentos indesejáveis, que podem,

inclusive, gerar novos crimes.187

Nuno Caiado também destaca a importância do trabalho em rede e a

parceria com programas comunitários que somente vêm maximizar os resultados do

programa, ressalvando que essa matéria deve estar prevista no protocolo de atuação do

projeto.188

As medidas de prevenção contra o fenômeno da corrupção também são

lembradas no contexto de providências para implantação de um programa de vigilância

eletrônica. Sem perder de vista que a corrupção é um drama que atinge todas as

sociedades, é de suma importância que várias condutas de segurança sejam adotadas para

evitar ou, ao menos, minimizar a possibilidade de que todo o sistema seja comprometido

por uma ação criminosa.

Quanto a esse tópico, podem ser relacionadas as seguintes providências:

clareza dos procedimentos licitatórios para escolha da empresa que fornecerá a tecnologia,

o programa e os serviços correlacionados ao sistema; elaboração de um código de conduta

ética, com especificação de comportamentos que serão aceitos e aqueles proibidos dentro

do programa; previsão de várias trilhas de segurança no sistema tecnológico de forma a

187 Nesse particular, o efeito simbólico da reação da comunidade ao crime é essencial. Com a monitoração eletrônica, a simbologia que se transmite é de que o crime cometido está sendo levado a sério, mesmo que o indiciado ou acusado não seja conduzido à prisão. Instalar um equipamento de monitoração eletrônica e elaborar um programa para seu usuário são procedimentos que possibilitam angariar mais informações sobre o indiciado ou acusado do que quando ele está custodiado. Essa informação pode ser utilizada como indicador da real situação do usuário do equipamento, fornecendo avisos precoces sobre eventual reincidência. 188 CAIADO, Nuno. 16 pontos críticos ... op.cit., p. 34.

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identificar qualquer tipo de violação do programa; procedimentos internos de exaustiva e

permanente supervisão.

Com relação à escolha da empresa, é relevante que ela tenha comprovada

experiência internacional na fabricação e na gestão dos sistemas, aliada à estabilidade e

consistência financeira, com efetiva capacidade de prestação de suporte técnico e de

manutenção pelo período de 24h, de forma ininterrupta, além do fornecimento de manuais

inteligíveis.

Para finalizar, não se pode olvidar que o projeto deve ser permanentemente

acompanhado sob os aspectos financeiro e operacional, esperando-se que os dados

produzidos correspondam à realidade. Essa auditoria ininterrupta permitirá que sejam

feitos os ajustes necessários, quer internamente, quer externamente, em relação às partes

envolvidas nesse complexo sistema.

3.7.6 Consequências em caso de descumprimento

Pode-se afirmar que o sucesso de qualquer medida está intimamente ligado

a sua fiscalização e adoção da providência adequada em caso de descumprimento. Sem a

certeza de algum tipo de sanção, o indiciado ou acusado poderá ver-se tentado a incorrer

em nova infração penal ou, no mínimo, praticar atos que tragam algum tipo de desconforto

ou perturbação para a vítima ou terceiros.

Seria o mesmo que um radar fixo estrategicamente colocado para fotografar

e multar veículos de condutores que pratiquem infrações de trânsito, mas que esteja

inoperante. Com o passar do tempo, os próprios infratores irão perceber que o desrespeito à

legislação de trânsito não lhes acarreta qualquer consequência, fazendo com que alguns (ou

muitos) voltem a transgredir as normas.

Eventual inércia do Poder Judiciário, do Ministério Público ou do

querelante, em relação ao descumprimento da monitoração eletrônica imposta, poderá

trazer consequências para a vítima, o indiciado ou acusado, ou ainda para terceiras pessoas,

além de gerar descrédito ao sistema como um todo.

Em razão dessas possíveis consequências, a própria legislação se encarregou

de relacionar algumas sanções. Havendo descumprimento de qualquer das obrigações

impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu

assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em

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último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 do

C.P.P..189

A legislação processual penal repete a advertência de que a prisão

preventiva é o último recurso de que dispõe o juiz (art. 282, §6º), sendo aplicável somente

nos casos em que não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar dentre

aquelas previstas nos nove incisos do art. 319.

Ausente motivo para que a medida cautelar subsista, o juiz poderá revogá-la

ou substituí-la, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.190

Os dispositivos legais evidenciam a intenção do legislador em fortalecer os

poderes do juiz criminal, seja na fase de conhecimento, seja na fase de execução penal

(conforme nota de rodapé do parágrafo precedente), delegando-lhe a aferição da

necessidade e conveniência da aplicação das medidas cautelares, assim como da decretação

de prisão preventiva e da concessão de liberdade provisória.

Por outro lado, a monitoração eletrônica vem reduzir a tarefa executada

pelas Polícias Militar e Civil, no sentido de fiscalizar o cumprimento de ordens judiciais

em meio aberto, visto que boa parte das irregularidades ou mesmo ilicitudes praticadas por

autores de infrações penais sob alguma forma de controle judicial ainda vêm sendo

fiscalizadas pelas polícias, mediante requisição judicial.

Essa situação ocorre porque o Poder Judiciário não está aparelhado para

desempenhar todas as funções previstas pelo ordenamento jurídico.

189 O C.P.P. italiano regula a extinção das medidas cautelares no Capítulo V, do Livro IV, a partir do art. 299, estabelecendo que as medidas coercitivas e interditivas serão imediatamente revogadas quando se constatar que não foram atingidos os resultados, inicialmente, pretendidos. O C.P.P. português, por sua vez, trata da revogação, alteração e extinção das medidas de coacção, no Capítulo III, a partir do art. 212. A extinção ocorre nas seguintes situações: arquivamento do inquérito; despacho de “não pronúncia”; rejeição da denúncia; sentença absolutória; e, trânsito em julgado da sentença condenatória. 190 Embora em texto legal a respeito da execução penal, mas em lição aplicável ao tema aqui abordado, a Lei de Execuções Penais brasileira prevê, no parágrafo único, incisos I, II, VI E VII do art. 146-C, que a violação comprovada dos deveres previstos (referindo-se aos cuidados com o equipamento eletrônico), a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa, poderá acarretar regressão do regime, revogação da autorização de saída temporária, revogação da prisão domiciliar ou advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas já relacionadas. O mesmo diploma legal também estabelece a revogação facultativa da monitoração eletrônica, quando esta se tornar desnecessária ou inadequada, ou se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave (art. 146-D, incisos I e II). Nesse sentido também: ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Monitoração eletrônica e fiscalização indireta do condenado – Apontamentos sobre a Lei 12.258/10. Revista da Associação Paulista do Ministério Público, nº 53, mai/dez/2010, p. 23 <[email protected]>.

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Insistindo no caráter subsidiário das custódias cautelares, ocorrendo

descumprimento de uma ou mais medidas cautelares, o juiz poderá substituir a

monitoração eletrônica por outra cautelar ou, em último caso, decretar a prisão preventiva.

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4 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS RELACIONADAS À

MONITORAÇÃO ELETRÔNICA

4.1. Abordagem inicial

A liberdade é um dos direitos fundamentais do ser humano e sua restrição

somente pode acontecer em situações excepcionais. As medidas cautelares suscitam

cuidados mais especiais na exata proporção em que ainda não existe uma condenação com

trânsito em julgado.

A monitoração eletrônica pode ser considerada uma medida menos

invasiva, se comparada à prisão temporária ou à prisão preventiva,191 por preservar a

liberdade de locomoção com pequenas restrições.

O termo liberdade, nesse contexto, não é total, visto que a sociedade está

diante de uma pessoa que, provavelmente, desrespeitou algum tipo de norma de

convivência pacífica, dando ensejo a eventual e futura aplicação de uma medida

legalmente prevista pelo ordenamento jurídico.

Alguns estudiosos sustentam tese contrária à monitoração eletrônica por

entenderem que a privacidade e a intimidade do ser humano seriam vilipendiadas,

argumentos também empregados para rechaçar os mecanismos de monitoração na fase de

execução penal. Outros questionam a própria constitucionalidade das medidas

cautelares.192

Em complementação, não se pode perder de vista a proteção constitucional

destinada à tutela do status libertatis residual ou dignitatis do indiciado, do acusado ou do

191 “A prisão cautelar ou provisória é, dentre todas as medidas pessoais, a mais drástica porque implica a privação da liberdade do sujeito antes da condenação final. Considerando-se que todos os acusados são presumidos inocentes, em princípio, não há como deixar de reconhecer a colisão que se produz entre tais institutos. E o que se pode adiantar é o seguinte: quando evidenciado de modo cabal a necessidade da prisão cautelar, em decisão fundamentada, não há ofensa ao princípio constitucional mencionado”. GOMES, Luiz Flávio. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 248. O autor ressalta que a doutrina majoritária divide a prisão processual ou provisória em cinco hipóteses: a. prisão temporária (Lei nº 7.960/89); b. prisão em flagrante (art. 302 do C.P.P.); c. prisão preventiva (art. 312 do C.P.P.); d. prisão decorrente da pronúncia (art. 408, §1º, do C.P.P.); e. prisão decorrente de sentença irrecorrível (art. 393, I e 594 do C.P.P.). Lembra ainda que a prisão resultante de acórdão recorrido é mais uma forma desse tipo de prisão porque o recurso especial ou extraordinário não conta com efeito suspensivo (art. 27, §2º, da Lei nº 8.038/90). 192 “Em suma, as medidas cautelares – disso sabem todos – não encontram até hoje um fundamento epistêmico capaz de justificá-las. Seguem, também por isso, como ultima ratio e, assim, diante da CR, devem ser verificadas sempre em relação à maior extensão do princípio da presunção de inocência ...”. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Lei nº 12.403/2011: mais uma tentativa ... op. cit., p. 04.

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condenado, atentando-se para o fato de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se, sempre que possível, a liberdade individual do

cidadão.193

Em nome da argumentação e em razão da monitoração eletrônica utilizar os

mesmos mecanismos e sistemas, tanto na fase de conhecimento, quanto de execução, é

conveniente ressaltar a importância de algumas características da pena privativa de

liberdade: sua individualização; o seu cumprimento em estabelecimentos distintos,

conforme a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, assegurando-se o respeito à

sua integridade física e moral; bem como a permanência dos filhos com as presidiárias que

estejam amamentando (direitos garantidos nos incisos III, XLIV, XLVIII, XLIX e L, do

art. 5º, da CF).

Com todas essas garantias constitucionais e, levando-se em conta que parte

dos presos provisórios ainda permanece custodiada juntamente com os condenados, não

haveria razões justificáveis para desprezar a monitoração eletrônica, até como uma forma

de emprestar maior dignidade ao indiciado ou acusado, sempre visando à substituição do

encarceramento.

A privacidade e a intimidade do ser humano também são valores protegidos

pela legislação brasileira e, como tal, merecem abordagem específica neste capítulo, dada a

relevância do tema. Nossa Lei Magna contempla a inviolabilidade da vida privada, da

honra e da imagem das pessoas, ao lado da intimidade, assegurando o direito a indenização

pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (Art. 5º, X, CF).

Apesar de algumas restrições que a monitoração eletrônica possa trazer ao

usuário dos equipamentos de monitoração, nosso entendimento é de que a nova medida

cautelar é plenamente compatível com o ordenamento constitucional, tese que defendemos

neste capítulo especificamente e no curso de todo o presente trabalho.

193 Internacionalmente, também são consagrados os seguintes direitos: de estar presente ao julgamento (em segunda instância, esse direito pode ser limitado), de ser assistido por um defensor (principalmente quando há consequências graves para o requerente e há complexidade nas questões), de interrogar as testemunhas (como regra, não é aceitável eventual condenação baseada exclusivamente em declarações anônimas; há exceções de testemunhas policiais). FARAH LOPES DE LIMA, José Antonio. Convenção Européia de Direitos Humanos. Leme: J. H. Mizuno, 2007, p. 205-213.

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4.2 Presunção de inocência

4.2.1 Noções

Em 1992, já sob o enfoque do ordenamento constitucional de 1988, Antonio

Magalhães, por meio de artigo para primeira publicação da Revista Brasileira de Ciências

Criminais, bem destacava a dicotomia encontrada em nossa jurisprudência quando da

análise do princípio da presunção de inocência.

De um lado, um processo “ofensivo” em que o réu tem o dever de provar

sua inocência e de outro um processo “informativo”, em que existe uma isenta

reconstrução dos fatos, fundado na presunção de inocência.

Prosseguindo, o professor destaca que, no modelo orientado pelo princípio

constitucional da presunção de inocência, o réu não pode sofrer qualquer tipo de

diminuição (social, física ou moral, desnecessária). Reafirma que o texto constitucional

vigente incorporou, por meio do art. 5º, LVII, duas garantias, quais sejam, de que cabe ao

autor provar a acusação e que não pode haver tratamento que possa confundir acusado com

culpado.194

Decorridos quase 20 anos do artigo de Antonio Magalhães, constatam-se

progressos no respeito ao princípio em comento, mas, por outro lado, ainda são

encontradas situações de deliberada afronta ao preceito constitucional.

Uma ocorrência frequente de desrespeito a essa norma sucede quando o juiz

determina a aplicação de uma medida cautelar que não seja necessária ou adequada ao caso

concreto.

O provimento cautelar já traz, em si, características que sempre suscitaram

intermináveis polêmicas, tendo em vista o cerceamento de liberdade imposto em algumas

situações, sem que haja uma sentença condenatória irrecorrível.

Não bastassem as controvérsias dogmáticas, existem as questões fáticas que

respaldam a continuidade dos dissensos.

A presunção de inocência, com sua previsão no art. 5º, LVII, da

Constituição Federal, deve ser um paradigma sempre presente em qualquer estudo de

194 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Sobre o uso de algemas no julgamento pelo júri. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, dez. 1992, p. 114.

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natureza jurídica e, com muito mais ênfase, no estudo da monitoração eletrônica como

medida cautelar.

Historicamente, vários diplomas reconhecem a importância do princípio da

presunção de inocência, como é o caso da Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, de 1789, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 e do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966,195 que trouxeram importantes

balizas para entendimento do princípio. A Convenção Europeia de Direitos Humanos

também estabelece que toda pessoa acusada de uma infração é presumida inocente até que

sua culpabilidade seja legalmente estabelecida (art. 6.2).196 Regionalmente, destaca-se a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, e o Projeto de Código de

Processo Penal-Tipo.

Lembrando renomados doutrinadores, Antonio Magalhães destaca que:

É de se ressaltar, todavia, que mesmo entre os mais fervorosos adeptos da Escola a adoção desse “dogma de absoluta razão” não foi levada às últimas consequências. Assim, Lucchini sublinhava que o in dubio pro reo não deve se entendido num sentido muito cômodo para os criminosos, pois foi escrito para os homens de bem, e não para os malfeitores, e não deve excluir as providências investigatórias e mesmo coercitivas que são imprescindíveis; o próprio Carmignani, aliás, ao elaborar um projeto de Código de Processo Penal para Portugal, previra a presunção de inocência, mas favorecendo apenas os cidadãos de antecedentes irrepreensíveis.197

As referências precedentes não têm o condão de obscurecer o princípio da

presunção de inocência, mas sim de enfatizar os períodos de turbulência porque passou o

tema, mesmo porque a doutrina e a jurisprudência reconhecem a sua essencialidade para o

processo penal.

O art. 27, inciso 2º, da Constituição italiana de 1948, contém dispositivo no

sentido de que “o acusado não é considerado culpado até a condenação definitiva”. Como

195 O art. 14, 2, do Pacto Internacional prevê: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. 196 O direito à presunção de inocência, por sua vez, se estende para além do processo penal, atingindo as autoridades públicas. A Convenção Européia de Direitos Humanos delimitou aquilo que poderia constituir uma violação a esse princípio: apresentação de uma pessoa como culpada de uma infração antes que seja julgada e condenada; o fato de pesar sobre a pessoa processada o ônus da prova de sua inocência. FARAH LOPES DE LIMA, José Antonio. Convenção ... op. cit., p. 198-202. 197 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de ... cit., p. 13-7. Igualmente, expressando algum tipo de crítica ao postulado da presunção de inocência, também são citados R. Garofalo (I pericoli sociali di alcune teorie giuridiche), Enrico Ferri (Sociologia criminale; I nuovi orizzonti del diritto e della procedura penale; Sociologia criminale), Giulio Illuminati (La presunzione d’innocenza dell’imputato), Emanuele Carnevale (Democrazia e giustizia penale), Luigi Perego (I nuovi valori filosofici e il diritto penale) e Vincenzo Manzini (Trattato di diritto processuale penale italiano).

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se nota, o constituinte acolheu uma formulação negativa em lugar daquela tradicional,198

segundo a qual o acusado é presumido inocente, para sublinhar a compatibilidade

constitucional da custódia cautelar antes da sentença com trânsito em julgado. Isto fez com

que, na doutrina, se manifestassem opiniões divergentes em relação ao efetivo significado

do princípio constitucional.

Na obra citada, Antonio Magalhães continua a registrar esse momento

histórico pelo qual passou o país peninsular, influenciando vários estudiosos do tema, ora

sustentando-se a ausência de expressão de qualquer presunção de inocência, ora colocando

o acusado em situação neutra durante o processo.199

A Convenção para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foram ratificados

pela Itália e afirmam positivamente a presunção de inocência. Portanto, esses estatutos

tornaram-se fonte do direito, ao menos com eficácia de lei ordinária.

Segundo opinião mais difusa, dessa norma constitucional é possível extrair

um duplo significado: uma regra de tratamento do acusado e uma regra probatória para o

juízo.

Como tratamento ao acusado, a norma constitucional veda que ele seja

considerado condenado e de limitar sua liberdade no curso do processo com a finalidade de

antecipação de pena.

Como regra probatória, não cabe ao acusado demonstrar sua inocência, mas

sim à acusação comprovar sua responsabilidade.

Prosseguindo no estudo da presunção de inocência dentro do debate das

escolas penais, Antonio Magalhães repercute ensinamentos de Carrara, para quem “a

inocência do acusado é pressuposto da ciência penal na parte em que contempla o

procedimento, e a ela são referidas praticamente todas as garantais do que hoje

chamaríamos justo processo”.200

Frente a todo o exposto, constata-se que a doutrina italiana nem sempre tem

sido homogênea ao tratar da presunção de inocência. Pelo que se pode ver, existe um longo

caminho percorrido para se chegar ao entendimento que hoje prevalece em nossa Carta

Magna.

198 A formulação positiva de presunção de inocência já era adotada no art. 9º da declaração dos direitos do homem e do cidadão aprovada na Assembleia Constituinte francesa de 1789. 199 Id. Ibid. 200 Id. Ibid.

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Ao evocar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado

de sentença penal condenatória, o texto constitucional estabelece severo limite ao

cerceamento dos direitos e garantias individuais. Os cuidados devem ser redobrados

quando estamos diante da monitoração eletrônica que, por sua própria concepção jurídica

(enquanto medida cautelar), há de ser aplicada a quem ainda não tem sua culpa

judicialmente comprovada.

Os sucintos dados históricos sobre a presunção de inocência narrados

anteriormente têm por objetivo único realçar a importância do princípio e abrir caminho

para a discussão do tema da monitoração eletrônica.

Com o objetivo de aprofundar o estudo da monitoração eletrônica frente às

garantias constitucionais, o item seguinte é destinado à análise da relação existente entre a

monitoração eletrônica e o princípio constitucional da presunção de inocência.

4.2.2 Monitoração eletrônica – compatibilidade com a presunção de inocência

Como é de conhecimento irrestrito, o sistema processual precisa propiciar

ferramentas para que o juiz possa levar a bom termo o processo e, por vezes, ele,

magistrado, se vê na contingência de lançar mão de mecanismos processuais para manter a

marcha processual, como as medidas cautelares.201

No caso específico da monitoração eletrônica, que é o objeto do presente

estudo, apresenta-se muito razoável que o magistrado possa decretá-la nos casos em que

entender, de forma motivada, que é a medida mais conveniente ao caso concreto.202

Questão de relevo a ser analisada é o limite de aplicação (sob o aspecto da

interferência na rotina de vida do acusado ou indiciado) a ser imposto à monitoração

eletrônica para que não haja ofensa ao princípio da presunção de inocência.203

201 Visando destacar o caráter menos invasivo da monitoração eletrônica em relação às modalidades de prisão processual e, ao mesmo tempo, a necessidade de manutenção dos provimentos cautelares, cabe destacar a lição de Basileu Garcia que esclarece existir acordo quase absoluto quando se afirma que o cárcere preventivo não pode ser dispensado, tendo em vista os fins visados pelo processo penal. GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Processo Penal. V. III, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945, p. 142. 202 Essa adequação é analisada no Capítulo 5, onde se analisa a relação existente entre a monitoração eletrônica e as demais medidas cautelares. 203 Parte da doutrina defende a expressão “princípio da não culpabilidade”, ao invés da denominação “presunção de inocência”: “Melhor denominação seria – “principio da não culpabilidade”. Isso porque a Constituição Federal não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado antes de sentença condenatória transitada em julgado.” RAMAZZINI BECHARA, Fábio; e FRANCO DE CAMPOS, Pedro. Princípios constitucionais do processo penal: questões polêmicas. São Paulo: Complexo Jurídico

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As medidas cautelares, de maneira geral, têm sua razão de ser e, às vezes,

até são imprescindíveis para o bom desenvolvimento do processo criminal, quando visam,

por exemplo, à obtenção de uma determinada prova.

No caso das cautelares pessoais, o novo texto do C.P.P. estabelece

objetivamente os requisitos específicos para sua aplicação (necessidade para a aplicação da

lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,

para evitar a prática de infrações penais; adequação da medida à gravidade do crime,

circunstâncias do fato e condições pessoais do indicado ou acusado), os quais,

obrigatoriamente devem nortear a monitoração eletrônica.

Presentes os requisitos e respeitados os parâmetros legais, não se

vislumbram óbices ao emprego de mecanismos de monitoração.

Como não há culpa formada, as fases de investigação e de instrução

criminal devem merecer especial atenção do magistrado no que concerne à aplicação das

medidas cautelares, para que não haja desnecessária exposição pessoal dos indiciados ou

acusados.

Assim, o emprego de mecanismos de monitoração eletrônica não pode

expor seu usuário à execração pública, sendo essencial que os equipamentos utilizados

sejam discretos. A tecnologia existente já permite que tais mecanismos sejam praticamente

imperceptíveis, o que pode implicar, eventualmente, um custo maior, desde braceletes,

tornozeleiras, passando, até, por chips implantados sob a pele.

Nesse último caso, parece-nos razoável contar com a anuência do usuário

do dispositivo, tendo em vista que haverá necessária intervenção em seu físico para

implantação do chip. A lei não exige essa concordância, mas o próprio indiciado ou

acusado pode entender que a monitoração eletrônica é menos gravosa do que alguma das

outras modalidades de medida cautelar (recolhimento domiciliar ou prisão, por exemplo).

A visibilidade de um mecanismo de monitoração pode identificar uma

pessoa como sendo indiciada ou acusada, interferindo no conceito que as demais pessoas

têm daquela primeira. Isso pode fazer com que ela sofra algum tipo de estigma em seu

círculo social ou mesmo em locais por ela frequentados esporadicamente.

Esse estigma pode levar a que um indiciado ou acusado seja discriminado,

sofrendo, por exemplo, com revistas e buscas policiais constantes. Em razão de problemas

Damásio de Jesus, jan. 2005. Disponível em: < http://jus.uol.com.br/revista/texto/6348/principios-constitucionais-do-processo-penal. > Acesso em: 3 mai. 2011.

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dessa natureza, a preocupação com a preservação da dignidade do indiciado ou acusado

deve ser permanente.204

Por outro lado, nos casos de condenação com trânsito em julgado, o

emprego dos mecanismos de monitoração eletrônica (monitoramento-sanção, como

denomina Bottini mais adiante) não pode servir como um plus da pena, situação totalmente

vedada pelo ordenamento jurídico. Em paralelo, não se pode dizer que haja ofensa ao

princípio da presunção de inocência, mas sim à sua dignidade e privacidade.

A questão que se coloca é se eventual estigma ou discriminação sofrido pelo

indiciado ou acusado chegariam a ferir o princípio da presunção de inocência.

Cremos que não, tendo em vista o estrito respeito ao princípio da reserva

legal e de tratar-se de medida aplicada judicialmente e, como tal, cercada de todos os

cuidados inerentes aos provimentos jurisdicionais. Ao decidir pela aplicação da

monitoração eletrônica, o juiz terá de equalizar os direitos e garantias individuais do

indiciado ou acusado, pendendo o fiel da balança para um dos lados. Essa decisão está

respaldada pelo ordenamento jurídico que reconhece a possibilidade de aplicação de

medidas cautelares antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Notoriamente a presunção de inocência é uma peça essencial no quebra-

cabeça que compõe as garantias constitucionais, devendo ser analisada não apenas em

relação ao indiciado ou acusado, mas também com vistas à atividade jurisdicional.

Entretanto não parece adequado avançar desse ponto para a conclusão de

que a monitoração eletrônica chegaria a ferir esse princípio constitucional. Nesse

particular, a conhecida “paridade de armas” visa, justamente, a superar as desigualdades

sociais e preservar a dignidade da pessoa humana.205

Na sociedade hodierna, existe acentuada flexibilização de conceitos, com

maior aceitação de costumes e comportamentos que podem não representar exatamente o

que a maioria entenda por “socialmente correto”. Como se sabe, o que é correto para uns

pode não ser para outros e, por essa razão, o sentimento pessoal (aspecto subjetivo) de cada

investigado ou acusado pode fazer com que se sinta discriminado por estar usando um

equipamento ostensivo de monitoração.

204 A relação entre a monitoração eletrônica e a dignidade do indiciado ou acusado é estudada no item 4.6. 205 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção ...op. cit., p. 85.

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Da mesma forma, o uso de relógios, pulseiras, tiaras, brincos, piercing, etc.,

por pessoas de ambos os sexos, representa considerável mudança de conceitos e interfere

diretamente na percepção do que efetivamente é ofensivo à dignidade de uma pessoa.

Abstraindo-se o que um indiciado ou acusado pode sentir interiormente ao

utilizar uma pulseira ou tornozeleira eletrônica, por exemplo, fica cada vez mais difícil de

afirmar-se que esse tipo de artefato possa causar alguma forma de constrangimento, até

porque passará quase que imperceptível.

Outro aspecto a ser considerado é de que algo que possa causar

constrangimento pessoal não necessariamente maculará o princípio da presunção de

inocência, isto é, apesar de, eventualmente, ser considerado constrangedor, o equipamento

de monitoração pode não ser suficiente para que terceiras pessoas imaginem que seu

usuário seja culpado por uma conduta ilícita.

Para finalizar, é relevante salientar que as tutelas cautelares de natureza

penal não mantêm relação com a ideia de sanção, não havendo, em decorrência qualquer

incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência.206

Bottini destaca a compatibilidade da monitoração eletrônica como medida

cautelar com o princípio constitucional em comento, reafirmando a dispensa de se aguardar

o trânsito em julgado da sentença condenatória. A razão, a juízo do autor, está no fato de

que o sistema de vigilância visa a assegurar o andamento da persecução penal e garantir a

aplicação da pena (monitoramento processual), mas não tem a natureza de pena

(monitoramento-sanção).207

Sem qualquer dúvida, o princípio da presunção de inocência representa uma

garantia para o acusado, mas não tem o condão de criar óbice para a aplicação das medidas

cautelares e, como tal, para a monitoração eletrônica.

Naturalmente, quando se trata de eventual ofensa ao princípio constitucional

da presunção de inocência, o equilíbrio entre o aceitável e o proibido deve ser encontrado

pela doutrina e pela jurisprudência.

206 S.T.F. – 1ª T. – HC j. 07.11.1989 – Relator Celso de Mello – RTJ 141/816 e RT 690/380. 207 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ..., op. cit., p. 396.

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4.3 Motivação

4.3.1 Noções

O processo implica o desenvolvimento de uma série de atos que demandam

tempo para a sua consecução, dada a sua complexidade e o conjunto de garantias que não

podem ser desprezadas.

Vários diplomas internacionais reconhecem a importância da garantia da

motivação, como é o caso da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,

da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 e do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos, de 1966,208 que trouxeram importantes balizas para

entendimento da garantia.

A Corte Europeia de Direitos Humanos estabelece que os julgados, bem

como as decisões declarando o recebimento ou o não recebimento dos requerimentos,

devem ser motivados. Os juízes com votos discordantes têm direito de expressar e anexar

seu voto dissidente (art. 45 da Convenção). 209

Ao tratar da participação popular na administração da justiça penal, Ada

Pellegrini ressalta a obrigatoriedade da motivação e a publicidade como garantias políticas

fundamentais sobre o exercício da jurisdição.210

No Brasil, a Constituição Federal estabelece que todos os julgamentos dos

órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de

nulidade (art. 93, IX).211

Em contrapartida, surgem situações em que é necessária a adoção de

medidas para resguardar a obtenção e efetividade de uma decisão judicial. Antonio

Magalhães lembra que as demais legislações também contemplam medidas cautelares,

208 O art. 14, 2, do Pacto Internacional prevê: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.” 209 De acordo com Convenção Europeia de Direitos Humanos, as decisões devem ser fundamentadas. Uma decisão pode ser rejeitada utilizando-se os argumentos de 1ª instância. Em certas circunstâncias a Corte funciona como uma instância de quarto grau de jurisdição. LIMA, José Antonio Farah Lopes de. Convenção ... op. cit., p. 174. 210 PELLEGRINI GRINOVER, Ada. O processo em ... op.cit., p. 214. 211 Barbosa Moreira destaca que a obrigatoriedade de motivação tem fundas razões na tradição luso-brasileira, citando o Código Filipino (Ordenação do Livro III, Título LXVI, §7); Relembra a previsão da garantia em quase todas as grandes codificações processuais da Europa do século XIX; no Brasil, pontua o Regulamento nº 737, de 1850, bem como em vários códigos dos estados brasileiros. O autor ressalta que é pela motivação que ficam patentes a imparcialidade do juiz e a legalidade da decisão. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito”. Temas de direito processual (Segunda Série). 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 85 e 87.

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justamente para “antecipar”, mediante o cumprimento de certas condições, aquele

resultado que somente seria atingido após toda a atividade preparatória.212

Essa alternativa encontrada pelos vários sistemas processuais implica

possibilitar que os operadores do direito possam manejar medidas de forma a viabilizar o

próprio fluxo processual. Ocorre que essa atividade processual anômala, isto é, de natureza

cautelar penal, não pode fugir dos cânones garantistas mínimos e do exame das questões

trazidas pelas partes,213 sob pena de deixar espaço para ocorrência de nulidade insanável do

provimento jurisdicional.

Ada Pellegrini destaca dois enfoques distintos da necessidade de motivar: há

uma razão de ordem técnica, restrita às partes, às quais se assegura o direito de conhecer as

razões da decisão, para, adequadamente, impugná-la; outro aspecto atém-se aos órgãos de

segundo grau, objetivando o controle da justiça e legalidade das decisões de 1º grau. A

autora acrescenta a função política da motivação, a quisquis de populo, pela qual se afere a

imparcialidade do juiz, a legalidade e justiça da decisão.214

Por meio da motivação é que o juiz expressa os aspectos mais importantes

ao longo do caminho percorrido até a conclusão última.

A cognição está voltada à produção do resultado final, que é a decisão ou o provimento jurisdicional. Ao longo do iter percorrido, o magistrado enfrenta e resolve inúmeras questões de fato e de direito, e o esquema do silogismo final e os aspectos mais importantes para a justificação lógica da conclusão última devem ficar expressos na “motivação”.215

O Poder Judiciário deve ser transparente, levando a que, mais do que uma

característica essencial do regime democrático, a motivação, conjugada à publicidade das

212 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 218. 213 Essa avaliação somente é possível nos casos em que não houver urgência ou perigo de ineficácia da medida; neste último caso, o juiz verificará se estão preenchidos os requisitos legais e, em caso positivo, deferirá a medida adequada, que pode não ser aquela postulada pela autoridade policial ou pelo Ministério Público. A lei abre a possibilidade de o querelante postular nesse sentido quando faz referência ao “requerimento das partes” e quando menciona o requerimento do querelante expressamente no art. 282, §4º, do C.P.P. O mesmo pode-se dizer em relação ao assistente da acusação, visto que o dispositivo já citado também autoriza a sua intervenção no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas. Doutrina e jurisprudência poderão aceitar que o assistente da acusação postule a medida cautelar que julgar pertinente (não somente nos casos de descumprimento), desde que o representante do Ministério Público expresse sua concordância com a proposta. 214 GRINOVER, Ada Pelegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p.34. 215 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 46-7.

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decisões judiciais, adquira relevante função extraprocessual, de forma a possibilitar que o

povo mantenha o controle generalizado e difuso sobre a administração da justiça.216

A motivação deve propiciar a comunicação entre a atividade judiciária e a

opinião pública, ensejando a apreciação geral da sociedade sobre a forma pela qual é

aplicado concretamente o direito.217

Ferrajoli ressalta que a motivação do juiz deve estar em condições de

desmentir as “contra-hipotéses formuladas e formuláveis” por meio de contraprovas, as

quais, naturalmente, devem ser adequadas para esse fim.218

Como se pode constatar, a doutrina é firme quanto à necessidade de

motivação dos provimentos judiciais, com especial ênfase quando se trata das medidas

cautelares, dadas as suas características de provisoriedade, revogabilidade, substitutividade

e excepcionalidade, aliadas ao fato de que são provimentos aplicados sem culpa

comprovada.

Com o objetivo de aprofundar o estudo da monitoração eletrônica frente às

garantias constitucionais, o item seguinte é destinado à análise da relação existente entre a

monitoração eletrônica e a garantia da motivação.

4.3.2 Monitoração eletrônica e motivação

A exigência de motivação da decisão que aplique a monitoração eletrônica,

assim como de outras decisões, não visa somente a atender aos requerimentos das partes,

nem tem por escopo se “precaver” com argumentos mais consistentes para o caso de

eventual recurso para a instância superior, mas revela o exercício, por parte do magistrado,

de um poder delegado da soberania popular.219

Como ensina a melhor doutrina, existe estreita relação entre a amplitude de

interferência que as partes exercem no processo e a formação do convencimento do juiz.

Essa equação somente ficará bem ajustada com a análise da motivação, que “constitui

216 AMODIO, Ennio. Motivazione della sentenza penale. Enciclopedia del diritto, v. 27, Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1977, p. 188. 217 Ferrajoli se refere à “responsabilidade social” dos juízes, tendo em vista a relevante função que exercem, fazendo com que os provimentos judiciários sejam submetidos à crítica da opinião pública. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão ...op. cit., p. 554. 218 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão ...op. cit., p. 145-6. 219 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de ...op. cit., p. 80.

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exatamente o ponto pelo qual se pode aferir se o juiz apreciou, como é de seu dever, todos

os elementos de argumentação e todas as provas produzidas pelas partes”.220

Analisando-se as várias cautelares colocadas à disposição do magistrado,

infere-se que há nítida gradação entre elas, não necessariamente pela ordem em que estão

dispostas, mas sim pelo tipo de restrição que impõem ao indiciado ou acusado. É através

da motivação que o juiz tornará público por qual razão e com que fundamentos escolheu a

vigilância eletrônica e não outra cautelar.

Sendo adequada a monitoração e necessária sua aplicação, passa-se ao

momento de se analisar sua proporcionalidade em sentido estrito, que é justamente

ultrapassar o último estágio antes da aplicação da cautelar. Naturalmente, respeitando-se a

motivação exigida constitucionalmente, quanto mais severa for a medida (isto é, impor

maior restrição de direitos), mais bem fundamentada deve ser ela.

Essa preocupação deve ser mais intensa quando se trata da monitoração

eletrônica que pode ser considerada, em nosso juízo, de média severidade, se comparada

com as outras medidas cautelares previstas pela legislação processual.221

É na motivação que o juiz deve expressar a razão pela qual a monitoração

eletrônica, exemplificativamente, é mais adequada que medidas menos restritivas ou que

aquelas mais invasivas.222

220 PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “O sistema de nulidades processuais e a Constituição”. O processo em ... op.cit., p. 41. 221 Conforme melhor analisado no capítulo 5. (em que se estuda a compatibilidade entre a monitoração eletrônica e outras medidas cautelares pessoais) e sem a pretensão de exaurir o assunto, podemos relacioná-las em categorias, de acordo com as obrigações a cumprir, as proibições que devem ser acatadas, o maior grau de restrição de direitos (em diferentes níveis) ou, ainda, a privação de liberdade: A – aquelas em que somente há obrigações externas como, por exemplo, comparecimento periódico em juízo ou a entrega de passaporte; B – aquelas em que são impostas proibições, como de acesso ou frequência a certos locais, de contato com pessoa determinada ou de saída da comarca; C – medida de monitoração eletrônica com possibilidade de livre locomoção, a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, e, ainda, a prestação de fiança (grifei); D – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, e a internação provisória em caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade; E – prisão em flagrante, prisão temporária, prisão domiciliar, prisão preventiva, prisão decorrente da pronúncia, prisão decorrente de sentença irrecorrível, e, ainda, a prisão resultante de acórdão recorrido porque o recurso especial ou extraordinário não conta com efeito suspensivo. Naturalmente, a cumulação de medidas implica alteração de categoria. 222 Não é por outra razão que Michele Taruffo se refere a uma garanzia di controllabilità: “Si tratta, anche qui, di uma garanzia de controllabilità (non diversa da quella che riguarda l’imparzialità e la legalità della decisione) circa il rispetto dei diritti della difesa da parte del giudice. Peraltro, ciò che si tratta di verificare attraverso la motivazione non è tanto il fatto che le parti abbiano avuto la concreta possibilita di avvalersi di tutti gli strumenti forniti dall’ordinamento processuale per l’idoneo esercizio delle rispettive ragioni, bensí specialmente il fatto che il giudice abbia preso adeguatamente in considerazione le istanze e le allegazioni in cui l’esercizio del diritto di difesa si è in concreto manifestato.” TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, p. 401.

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Como se trata de provimento cautelar sempre haverá margem para que a

medida escolhida não seja a mais adequada, e essa ressalva deve servir, justamente, para

reforçar a necessidade de motivação.

A lição de João Mendes Júnior acerca dos “estados da mente” serve de

paradigma para que possamos entender a importância da motivação da decisão judicial,

pois é por meio dela que o juiz deve exteriorizar toda a sua linha de raciocínio para chegar

a um veredicto.223

Nos casos em que o juiz vislumbre a monitoração eletrônica como medida

necessária e adequada ao caso, é essencial que o magistrado descreva minuciosamente os

motivos que o levaram a essa escolha.

Caso o magistrado opte pela cumulação da monitoração eletrônica com

outra medida, ficará evidenciado que o indiciado ou acusado não tem a necessária

credibilidade para cumprir outra cautelar (provavelmente menos severa) sem o contínuo

acompanhamento judicial. Nessas situações especiais, em que forem aplicadas, além da

monitoração, mais de uma cautelar,224 a motivação deverá ser ainda mais detalhada e

profunda,225 pois haverá maior controle sobre as atitudes do indiciado ou acusado, o que

refletirá em proporcional redução de sua liberdade de locomoção.

Finalmente, ao fundamentar a decisão que aplica a monitoração eletrônica, o

magistrado não poderá reconhecer antecipadamente a culpabilidade do indiciado ou

acusado, o que implicaria em mácula ao princípio da presunção de inocência, cabendo,

nessa fase, somente emitir um juízo de probabilidade.226

223 O ex-ministro do S.T.F. faz uma percuciente gradação sobre os estágios da mente do juiz, desde o “fato do delito” até a aquisição da certeza quanto a realidade dos fatos: “O delito supõe o delinquente. O espírito do juiz, em frente do fato do delito, passa por todos os estados da mente: em primeiro lugar, a ignorância; em segundo lugar, a dúvida; em terceiro lugar, a suspeita; em quarto lugar, a opinião; em quinto lugar, a certeza. A queixa, a denúncia, o corpo de delito – transformam a ignorância em dúvida; o flagrante delito, a confissão extrajudicial, ou os depoimentos de duas testemunhas – transformam a dúvida em suspeita; a reiteração judicial dos depoimentos, confissão judicial e outros veementes indícios – transformam a suspeita em opinião; a prova plena transforma a opinião em certeza. Enquanto o estado de dúvida permanece, o juiz está indeciso, não se manifesta; mas, no momento em que surge a suspeita, há uma adesão do espírito, vai principiando uma decisão do juízo, para colocar o acusado em estado de prevenção. E, se esta suspeita produz o assentimento da mente, há uma opinião, manifesta-se um grau mais forte na decisão, pelo qual o juiz se inclina a crer ou não na acusação”. MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, João. O processo criminal brasileiro. 4. ed., v. I, São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 346. 224 Caso em que o ex-diretor do FMI foi preso nos E.U.A. acusado pela prática de crime sexual, sendo-lhe aplicada a monitoração eletrônica cumulada com outras medidas cautelares: fiança, proibição de se ausentar da comarca, proibição de aproximação da vítima e entrega do passaporte. 225 A motivação também deve estar presente quando houver substituição da medida anteriormente aplicada, mormente quando a posterior for mais severa, não bastando a mera reiteração de argumentos já utilizados. 226 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção ... cit., p. 81.

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O raciocínio judicial deve sopesar a gravidade do crime praticado, as

circunstâncias do fato, as condições pessoais do indiciado ou acusado e, ainda, a

probabilidade (ou não) de que este volte a praticar infração penal.

Para imposição da monitoração eletrônica, todas essas questões devem ser

dissecadas uma a uma, pontuando-se, exemplificativamente, que o simples

comparecimento em juízo, ou as proibições contidas no art. 319 do C.P.P., ou mesmo a

entrega de passaporte prevista no art. 320 do estatuto não seriam suficientes para o fim

almejado. Não se pode exigir que todas as condições estejam presentes simultaneamente,

bastando que haja convergência entre elas para que o magistrado tome a decisão com a

segurança desejável.

4.4 Prazo razoável

4.4.1 Noções

Comentando Carnelutti, Frederico Marques dá as noções de termo e de

prazo processual. Prazo é o espaço de tempo para o ato processual ser praticado, enquanto

termo é o momento processual fixado no tempo, designando o instante da prática do ato,

como também o momento inicial do prazo.227

O prazo indica o tempo decorrido entre dois ou mais fatos. O prazo de um

ato processual é uma distância temporal entre dois marcos: um assinala o seu início (dies a

quo) e o outro representa o seu encerramento (dies ad quem).228

Deve ser salientado que a longa duração dos processos não é problema

exclusivo do Brasil, tanto que os textos internacionais reconhecem a necessidade de

delimitação de um prazo razoável para término dos processos.229

227 FREDERICO MARQUES, José. Elementos de direito processual penal. Vol. II, 1. ed., Campinas: Bookseller, 1998, p. 105. 228 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional ... op. cit., p. 113. 229 Nesse sentido, Barbosa Moreira ressalta as sucessivas reformas nas legislações dos países, colocando em evidência a insatisfação generalizada com o desempenho da máquina judiciária, sobretudo no que concerne ao respectivo ritmo. Cita como exemplo a Itália, país que é paradigma no campo processual, mas que tem a justiça notória e cronicamente lenta. Os E.U.A. não fogem à arguta análise do insigne processualista, principalmente nas questões que são submetidas a júri (deve ser levado em conta que, naquele país, o júri é também utilizado para questões de natureza cível, contrariando tendências de outros países do sistema common Law, inclusive Inglaterra). BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “O problema da duração dos processos: premissas para uma discussão séria”. Temas de direito processual (Nona Série). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 370-1.

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A Convenção Europeia de Direitos Humanos assegura a todo imputado o

direito de ser julgado dentro de um prazo razoável e que toda pessoa presa ou detida tem

direito que um tribunal decida em curto prazo sobre a legalidade de sua prisão (art. 5.3 e 4

e art. 6.).230

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (assinado em 1966 e

ratificado pelo Brasil em 1992) contempla a mesma garantia ao afirmar que o acusado tem

direito de “ser julgado sem dilações indevidas” (art. 14.3.3).

O Pacto de San José da Costa Rica prevê que toda pessoa tem direito de ser

ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal

competente (art. 8.1.).

A incorporação dos tratados e convenções internacionais ainda é tema

polêmico em nossa doutrina, mesmo levando-se em conta os dispositivos constitucionais

relativos à matéria.231

A Constituição Federal assegura a todos, tanto no âmbito judicial, quanto

administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de

sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).

Tendo em vista a extensão e abrangência dos preceitos constitucionais, a

garantia do prazo razoável deve ser implementada em benefício dos indiciados ou acusados

no curso da monitoração eletrônica (assim como também das outras cautelares), não se

justificando o excesso de prazo na duração da medida aplicada.

Com relação à natureza jurídica do prazo razoável, Aury e Badaró

sustentam que não haveria grandes divergências na doutrina sobre o seu enquadramento,

aparecendo geralmente ligada à cláusula do due processo of Law.232

230 A CEDH tem vários julgados a respeito, tendo pacificado alguns entendimentos: “A maior parte dos motivos inicialmente apresentados pelas autoridades nacionais não resistem ao tempo de detenção, tornando-se caducos e insuficientes. Por exemplo, o risco de fuga do detento, que diminui proporcionalmente ao prolongamento da detenção. O risco de pressão sobre as testemunhas e de cooperação (cumplicidade) entre os co-acusados e mesmo o risco à ordem pública ou de alteração das provas são também destinados à atenuação de seus pesos com o passar do tempo. Mesma coisa quanto ao receio de uma reincidência infracional. Existe, porém, um motivo que leva em conta com mais atenção o interesse coletivo da sociedade a uma luta mais eficaz contra a criminalidade. Trata-se da complexidade do caso, que permitiu à Corte Europeia de justificar a longa manutenção em detenção provisória dos “barões da droga” (Van der Tang c/ Espanha, 13 de julho de 1995) ou de membros presumidos da Máfia italiana (Contrada c/ Milão, 24 de agosto de 1998).” FARAH LOPES DE LIMA, José Antonio. Convenção ... op. cit., p. 144-5. 231 Art. 5º, §2º, da CF: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Art. 5º, §3º, da CF: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

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A dialética processual torna essencial a existência de um início e de um fim

para os atos processuais, pois sem isso haveria grande instabilidade para as partes

envolvidas no processo e, em última instância, para a própria sociedade.

Mas não é somente esse aspecto: o próprio juiz encarregado de conduzir o

trâmite processual teria incomensurável dificuldade de fazer com que o processo chegasse

ao seu final, não fosse a necessidade de um prazo final.

O efetivo respeito aos prazos é essencial para que a garantia tenha plena

aplicação. Para que os prazos sejam corretamente cumpridos é importante que se esclareça

que a contagem do prazo nem sempre corresponde ao dia de seu início ou término.

Exemplo disso está no art. 798, do C.P.P., que estabelece que os prazos

serão contínuos, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado; entretanto, já no

§1º vem a restrição de que o dia do começo do prazo não será computado, incluindo-se,

porém, o do vencimento. Outro item que excepciona a regra encontra-se no §3º,

prorrogando até o dia útil imediato o prazo que terminar em domingo ou dia feriado.

Apesar da regra de continuidade dos prazos (art. 798, caput, C.P.P.), o §4º

novamente excepciona dizendo que os prazos não correrão se houver impedimento do juiz,

força maior, ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária. Relevante anotar que o §5º,

letra “a”, do mesmo artigo estabelece que os prazos sejam contados da intimação e não da

sentença ou despacho.

Uma das implicações mais relevantes da correta contagem dos prazos

processuais tem repercussão na interposição dos recursos legais.

Como se constata, é de extrema relevância a identificação da situação

específica para que se saiba com exatidão se a contagem do prazo teve início ou término na

data prevista ou se houve alterações. Não menos importante é a existência de um limite

temporal para a monitoração eletrônica imposta ao indiciado ou acusado.

Com o objetivo de aprofundar o estudo da monitoração eletrônica frente às

garantias constitucionais, o subitem seguinte é destinado à análise da relação existente

entre a monitoração eletrônica e a garantia do prazo razoável.

232 LOPES JÚNIOR, Aury; RIGHI IVAHY BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo ... op.cit., p. 17.

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4.4.2 Monitoração eletrônica e prazo razoável

O lapso temporal de duração da monitoração eletrônica (assim como das

demais cautelares) é fator de extrema relevância para plenitude do garantismo que se

pretende preservar.233

Preencher os critérios da necessidade e da adequação, passando-se pela

proporcionalidade estrita, significa superar as fases mais importantes do processo de

escolha e aplicação da monitoração eletrônica, mas há de se ter o conveniente controle

temporal da medida aplicada para que a monitoração não se torne desnecessária ou

inadequada.

A dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o

acusado está solto, pois o estigma e a angústia continuam a persegui-lo, visto que o caráter

punitivo está calcado no tempo de submissão ao constrangimento estatal.234

Tendo em vista que a lei não estabelece o prazo máximo de duração das

medidas cautelares, o tempo é aquele suficiente para que seja atingido o objetivo

inicialmente pretendido, ou seja, necessidade para aplicação da lei penal, para a

investigação ou a instrução criminal ou, ainda, nos casos expressamente previstos, para

evitar a prática de infrações penais.235

A atenção deve se voltar também para o término da instrução criminal e

para a pronúncia. Como se sabe, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem

entendimento de que a prisão cautelar não implica em constrangimento ilegal após a

pronúncia236 e após o encerramento da instrução criminal.237

233 Em lição trazida do processo civil, mas totalmente aplicável ao processo penal e também ao tema da duração dos provimentos cautelares, Barbosa Moreira lembra que “a excessiva duração dos processos é peculiar ao nosso tempo. Na verdade é multissecular.” O consagrado processualista recorda que, “no início do século XIV, as reiteradas queixas sobre a lentidão do processo canônico levaram o Papa Clemente V a criar, mediante a bula conhecida pela denominação de Clementina Saepe, um rito simplificado, sem muitas formalidades, que os historiadores do direito incluem entre os antecedentes dos atuais procedimentos sumários ou sumaríssimos.” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “O problema da duração dos processos...”, op. cit., p. 369. 234 LOPES JÚNIOR, Aury; RIGHI IVAHY BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo ... op.cit., p. 07. 235

O art. 18 da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), especifica reexame obrigatório da vigilância eletrônica a cada três meses. 236 Súmula 21. Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução. 237 Súmula 52. Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.

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Pode vir a prevalecer o entendimento de que, “se pode o mais, pode o

menos”, isto é, se atingidas tais fases processuais, pode-se manter a custódia cautelar sem

preocupação com o excesso de prazo, o mesmo pode ocorrer com as demais medidas

cautelares, inclusive a monitoração eletrônica.

Num dos primeiros ensaios sobre a Lei nº 12.403/11, Scarance Fernandes

suscitou a questão sobre a duração das medidas impostas. Diante da ausência de previsão a

esse respeito, o jurista propôs que fossem seguidas as normas sobre prisão preventiva e

fiança.238

No mesmo estudo, o professor delimita a sentença como prazo máximo para

duração das medidas, se antes nada justificou a sua revogação ou substituição, destacando

que, no caso de sentença condenatória, caberá ao juiz resolver sobre a continuidade da

medida, nos termos do art. 387, parágrafo único, do C.P.P.

O Decreto Federal nº 7.627, de 24 de novembro de 2011, que regulamentou

a monitoração eletrônica, prevê em seu art. 3º que a pessoa monitorada deverá receber

documento no qual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que

estará sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a

monitoração.

No estudo do prazo razoável, é importante destacar a efetividade e o

garantismo239 que são características essenciais que devem estar presentes em nosso

sistema processual.

Prolongar desnecessariamente a monitoração eletrônica trará, de forma

inexorável, prejuízos ao indiciado ou acusado violando as garantias constitucionais que ele

possui. Referindo-se à perpetuação do processo penal, mas com total pertinência ao tema

em apreço, Aury e Badaró advertem que várias garantias são atingidas quando o processo

se alonga no tempo: jurisdicionalidade, presunção de inocência, direito de defesa,

contraditório, sem prejuízo de outras:240

238 SCARANCE FERNANDES, Antonio. Medidas cautelares. Boletim do IBCCrim nº 224, jul. 2011, p. 07. 239 “[...] o direito ao procedimento processual penal consiste em direito a um sistema de princípios e regras que, para alcançar um resultado justo, faça atuar as normas do direito repressivo necessárias para a concretização do direito fundamental à segurança, e assegure ao acusado todos os mecanismos essenciais para a defesa de sua liberdade. De maneira resumida, um sistema que assegure eficiência com garantismo, valores fundamentais do processo penal moderno.” SCARANCE FERNANDES, Antonio. “Reflexões sobre as noções de eficiência e de garantismo no processo penal”. SCARANCE FERNANDES, Antonio; GAVIÃO DE ALMEIDA, José Raul; ZANOIDE DE MORAES, Maurício (Coord.). Sigilo ...op. cit., p. 09-10. 240 LOPES JÚNIOR, Aury; RIGHI IVAHY BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo ... op.cit., p. 07-9. Os autores advertem sobre as consequências externas da falta de estrutura do Poder Judiciário, gerando, por exemplo, violações do direito ao processo em prazo razoável. Isto, por certo, levará a que o Estado

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- A jurisdicionalidade porque o processo se transforma em pena prévia à

sentença, através da estigmatização e angústia prolongada;

- A presunção de inocência porque a demora e o prolongamento excessivo

do processo penal vão, paulatinamente, sepultando a credibilidade em torno da versão do

acusado;

- O direito de defesa e o próprio contraditório em razão das maiores

dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual, sem contar os gastos com

honorários advocatícios e o empobrecimento gerado pela estigmatização social.

O magistrado deve fazer um acompanhamento contínuo do cumprimento e

da duração da monitoração eletrônica, por meio do cartório judicial, o qual deve ficar

incumbido de informar continuamente o juiz sobre a situação do monitorado.

Para tanto, há de se dotar os cartórios judiciais de infraestrutura necessária,

medida que vem sendo estimulada pelo Conselho Nacional de Justiça em relação aos

tribunais federais e estaduais, com o objetivo de melhorarem a qualidade da prestação

jurisdicional.241

Esse padrão na prestação de serviços somente será alcançado com

funcionários bem preparados e em número adequado para atender às demandas diárias. A

ausência ou deficiência de pessoal qualificado e suficiente vem causando sérios problemas

aos jurisdicionados, que não têm alternativas para resolver determinados litígios, a não ser

a dependência do Poder Judiciário. Entretanto, esse atendimento é extremamente

demorando, chegando, por vezes, a destempo.

No que tange à monitoração eletrônica, como qualquer provimento judicial

que imponha algum tipo de restrição ao cidadão, a duração deve ser limitada, estritamente,

ao tempo pelo qual perdurarem os requisitos que justificam a aplicação da medida.

Cessada a razão que deu causa à constrição judicial, esta deve ser

imediatamente revogada.

Certamente não será a serventia judicial que fará o controle direto do

indiciado ou acusado sob monitoração, pressupondo-se que outro órgão realize essa

atividade,242 sendo imprescindível, entretanto, que sejam repassadas informações diárias

brasileiro seja condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a pagar multas reparatórias. Op. cit., p. 196-7. 241 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/glossario-das-metas-2011> Acesso em 14 nov. 2011. 242 Conforme já mencionado no tópico relativo à competência para o controle da monitoração eletrônica no Brasil (subitem 3.7.4), os Estados que já adotam esse tipo de medida delegaram às respectivas Secretarias de

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sobre a regularidade do comportamento da pessoa sob monitoração, a fim de que o cartório

judicial possa transmitir os dados essenciais ao juiz.

4.5 Contraditório

4.5.1 Noções

Como princípio fundamental de um processo equitativo, a regra do

contraditório deve permitir ao jurisdicionado a possibilidade de se exprimir sobre toda peça

do dossiê e deve ser aplicado a todo e qualquer processo.

A Corte Europeia de Direitos Humanos estabelece que todas as ações

recebidas devem ser submetidas ao contraditório perante os representantes das partes (art.

38.1.a). 243

Ao receber o pedido de monitoração eletrônica (assim como de outra

medida cautelar), o juiz deve determinar a intimação da parte contrária, acompanhada de

cópia do requerimento e das peças necessárias, mantendo-se os autos principais no cartório

judicial. O próprio dispositivo legal delineia a coluna mestra da garantia constitucional.

Essa providência preserva o contraditório e a paridade de armas244 que deve

prevalecer entre as partes. O devido processo legal sai fortalecido ao se fornecerem

maiores garantias ao indiciado ou acusado como a necessidade de contraditório245 nos

limites da própria medida cautelar.

Justiça ou de Administração Penitenciária, onde estas últimas já foram criadas, as atividades de controle direto das pessoas monitoradas. 243 Referindo-se a julgados da Convenção Europeia de Direitos Humanos, José Antonio Farah cita acórdãos em que a regra do contraditório é reconhecida expressamente. Por meio dela, deve-se permitir ao jurisdicionado a possibilidade de se exprimir, em todas as fases (com ampla comunicação das decisões às partes litigantes), sobre todas as peças de qualquer processo (administrativo, civil, etc.). FARAH LOPES DE LIMA, José Antonio. Convenção ... op. cit., p. 181. 244 A paridade de armas visa a garantir o equilíbrio entre as partes no processo. O pressuposto básico é de que não haja situação desvantajosa para qualquer das partes (por exemplo, restrição de acesso ao requerente de dossiê referente a sua pessoa; igualdade de participação na produção probatória, de fazer valer seus argumentos, de acessar as vias recursais). FARAH LOPES DE LIMA, José Antonio. Convenção ... op. cit., p. 178/181. 245 Do lado ibero-americano, Ada Pellegrini agrupa os países dessa comunidade em três categorias básicas, transmitindo-nos noções sobre a presença do contraditório em vários países: a. modelo misto clássico – aquele em que há juizados de instrução informados pelos princípio do sistema inquisitório, seguindo-se o debate público e oral. México, Venezuela e Uruguai ainda adotam o modelo misto clássico, assim como a Argentina, quanto aos códigos provinciais que não passaram por reformas; b. modelo misto intermediário – com juizados de instrução banhados pelo contraditório, seguindo-se o debate público e oral. O sistema misto com instrução contraditória é adotado pelos seguintes países: Espanha, Peru, El Salvador, Uruguai, Argentina (Código Federal) e Brasil (Tribunal do Júri);

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Nessa oportunidade, o indiciado ou acusado poderá expor particularidades

dos fatos que o levaram a ter envolvimento com a justiça, trazendo informações relevantes

para que o magistrado possa tomar a decisão mais adequada ao caso. A assistência de um

advogado é essencial para que seja dado destaque aos dados realmente relevantes e que

possam influir na decisão judicial.246

Dessa forma, numa situação de relativa gravidade, antes da vigência da Lei

nº 12.403/11, o juiz somente poderia decretar a prisão preventiva ou manter o acusado

solto, não havendo alternativas a trilhar; com a alteração da lei processual penal e levando

em conta os argumentos do indiciado ou acusado, o magistrado poderá optar pela

monitoração eletrônica, ao invés da prisão preventiva, aplicando, exemplificativamente, a

determinação de comparecimento em juízo, de forma cumulativa.

A única exceção ocorre nos casos de urgência ou perigo de ineficácia da

medida requerida, em que o juiz decide imediatamente, sem prévia vista dos autos às

partes. Conceitualmente, estamos diante de uma medida cautelar inaudita altera parte.

Por analogia, essa situação excepcional poderia configurar o que a doutrina

denomina de “contraditório diferido”, ou seja, aquele ato processual em que não haverá

presença (ou, no caso, manifestação) das partes por expressa autorização legal e com

motivada decisão judicial, abrindo-se oportunidade posterior para que elas se

manifestem.247

Embora o comando legal do art. 282, §3º, do C.P.P., não exija esse

contraditório posterior no caso de urgência ou perigo de ineficácia da medida, sua

c. modelo acusatório – todo público e oral, com a supressão dos juizados de instrução, substituídos por investigações preliminares destinadas exclusivamente à formação do convencimento do Ministério Público, conduzidas por este ou pela polícia judiciária. O sistema acusatório sem juizados de instrução caracteriza-se pela existência de uma fase investigativa prévia com índole administrativa, destinada à formação do convencimento do Ministério Público quanto à acusação. Seus elementos informativos não são considerados provas, nem podem fundamentar a decisão de mérito. Iniciada a fase processual, persiste o contraditório em audiências públicas. Perfilam-se a este último sistema: o Código de Processo Penal Modelo para Ibero-América, Brasil (exceção àqueles crimes de competência do Tribunal do Júri), Portugal, Bolívia, Chile, Costa Rica, Guatemala, Honduras e Paraguai. De acordo com Ada Pellegrini, também seguem esse modelo os Códigos argentinos das províncias de Tucumán, de Córdoba e de Santiago Del Estero, enquanto a Espanha poderia ser incluída neste sistema somente com relação à hipótese do art. 785-bis LECRIM, relativa a casos muito restritos atinentes aos procedimentos abreviados. PELLEGRINI GRINOVER, Ada. O processo – estudos e pareceres. 2. ed., rev. e ampl., São Paulo: DPJ Editora, 2009, p. 319 a 331. 246 “As garantias da defesa e do contraditório são intimamente ligadas, porque da defesa brota o contraditório e, pela informação que se dá pelo contraditório, faz-se possível a defesa. Eis a interação entre os dois princípios. Essas garantias nasceram historicamente para o processo penal”. PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “O sistema de nulidades processuais e a Constituição”. O processo em ... op.cit., p. 39. 247 PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “O sistema de nulidades processuais e a Constituição”. O processo em ...op. cit., p. 41.

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aplicação se mostra de todo pertinente para que se dê plena efetividade ao princípio do

contraditório.

Em lição trazida do processo civil sobre o tema, podem ser utilizados os

ensinamentos de Teodoro Júnior: “As medidas cautelares são providências urgentes

tomadas a requerimento da parte, mas no interesse superior da própria eficiência da tutela

jurídica que o Estado realiza por meio do processo”.248

Dando ênfase ao contraditório, Aury Lopes destaca que o direito de

audiência deve ser preservado para que o indiciado ou acusado tenha a efetiva

oportunidade de se manifestar perante o magistrado.249

Nos casos de urgência ou perigo de ineficácia, o direito de se manifestar,

com antecedência, sobre o pedido de monitoração eletrônica (pessoalmente em audiência

ou por meio de petição) dificilmente será viável pela própria natureza da medida.

Com o objetivo de aprofundar o estudo da monitoração eletrônica frente às

garantias constitucionais, o item seguinte é destinado à análise da relação existente entre a

monitoração eletrônica e o princípio do contraditório.

4.5.2 Monitoração eletrônica e contraditório

Ada Pellegrini conceitua o contraditório como método de busca da verdade

baseado na contraposição dialética.250

Marcos Zilli esclarece que “um processo, sem obediência ao contraditório,

revela uma visão monocromática do plano real e, por consequência, distorcida, que o afasta

dos objetivos fundamentais da atividade jurisdicional penal”.251

Nessa esteira, ao prever a intimação da parte contrária, como regra, antes da

aplicação das medidas cautelares, o art. 282, §3º, do C.P.P., impôs ao juiz o dever de

instaurar o contraditório prévio antes de prolatar uma decisão a respeito.252

248 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar ... op. cit., p. 141. 249 LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção do contraditório no regime jurídico das medidas cautelares pessoais. Boletim do IBCCrim nº 223, jun. 2011, p. 06. 250 PELLEGRINI GRINOVER, Ada. Novas tendências ... op. cit., p. 4. 251 COELHO ZILLI, Marcos Alexandre. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 165. 252 Scarance Fernandes afirma que a prévia intimação da parte contrária para a aplicação de qualquer medida cautelar “representa o fortalecimento do contraditório”, ressaltando que foi mantido certo comedimento para não tornar inócua a medida a ser imposta. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Medidas cautelares ...op. cit., p. 06.

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Como nos ensina a melhor doutrina, por meio do contraditório surge a

oportunidade de o indiciado ou acusado se defender, ou seja, oferecer subsídios ao juiz

para que o pedido de aplicação de um provimento cautelar seja analisado com todo cuidado

que o caso possa exigir.

Por exemplo, se for requerida uma prisão preventiva, haverá a possibilidade

de contra-argumentar sobre eventual ausência de necessidade da medida ou de sua

inadequação ao caso concreto.

Alternativamente, a própria defesa poderá propor a monitoração eletrônica

isolada ou cumulativamente com outra medida cautelar dentre aquelas dos artigos 319 e

320 do C.P.P.. Neste último caso e visando, justamente, a garantir o contraditório, é

importante que o Ministério público seja chamado a se manifestar, antes da decisão.

A vigilância eletrônica pode ser utilizada como uma alternativa menos

invasiva em relação à liberdade individual do indiciado ou acusado, quando cotejada com a

custódia cautelar.

No caso específico da monitoração eletrônica, a previsão do contraditório

prévio permitirá que o juiz obtenha parâmetros mais consistentes para sua decisão. Em

grande parte das situações existe carência de informações acerca da real condição do

indicado ou acusado e ele é a pessoa mais adequada para prestar esses esclarecimentos.253

Vários pontos podem ser suscitados pela defesa em sua manifestação prévia,

principalmente ciente de que foi postulada a aplicação da monitoração eletrônica, como,

por exemplo:

a. se a tecnologia disponível é a mais adequada:

a.1. monitoração pelo sistema de emissão e recepção de sinais, sem

uso de tecnologia via satélite, pressupondo a necessidade de o indiciado ou acusado se

comunicar periodicamente com uma central de controle, para aferir se está num

determinado local, que pode ser sua residência ou não, consoante determinação judicial;

a.2. monitoração com emprego de tecnologia via satélite, em que

há um controle ininterrupto acerca dos deslocamentos da pessoa monitorada;

253 Barbosa Moreira faz afirmações sobre a instrução criminal que têm total pertinência com o momento processual vivido nessa fase prévia à decretação da monitoração eletrônica. Ressalta o mestre processualista a necessidade de assegurar às partes o pleno gozo das garantias que o ordenamento lhes deve proporcionar. O objetivo é que elas possam influir na decisão judicial, ao mesmo tempo em que prestam colaboração no trabalho de esclarecimento dos fatos e informação do material probatório. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “A garantia do contraditório na atividade de instrução”. Temas de direito processual (Terceira Série). São Paulo: Saraiva, 1984, p. 65.

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b. se a tecnologia disponível é eficaz, ou seja, se o indiciado ou

acusado poderá ser prejudicado por “alarmes falsos”, tendo em vista defeitos de

equipamentos de vigilância ou falhas na área de cobertura;

c. insuficiência de pessoal especializado no controle da monitoração

eletrônica ou mesmo de equipamentos adequados para cumprimento da determinação

judicial;

d. existência de risco de vida para o indiciado ou acusado, levando-se

em conta a incompatibilidade do uso de qualquer mecanismo aparente de monitoração

remota e o local de sua residência (por exemplo, um local cercado por traficantes, etc.);

e. ausência, pura e simples, de um “estudo de caso”, de forma a

adequar a melhor medida cautelar ao perfil do indiciado ou acusado. Explica-se: a

possibilidade de o defensor, conjuntamente com seu cliente, opinar, previamente, sobre o

tipo de medida a ser aplicada representa inquestionável avanço na verdadeira

implementação de um sistema de vigilância eletrônica.

Pode parecer exagero, mas se houver a real intenção de desenvolver

um sistema de vigilância eletrônica que seja adequado à realidade brasileira, respeitando-se

direitos fundamentais e com custo compatível, os Poderes constituídos e os órgãos

públicos envolvidos devem primar pela observância de um rigor técnico na aplicação da

monitoração eletrônica, conforme já explicitado no item 3.7.5. do presente estudo

(operacionalização do sistema).

Na estrutura processual, cabe ao juiz, na condição de verdadeiro

“presidente” dos atos processuais, estimular que as partes possam se manifestar

amplamente sobre todos os itens das representações (da autoridade policial) ou

requerimentos do autor da ação penal (Ministério Público, assistente da acusação ou

querelante), arrazoando e contra-arrazoando postulações e ponderações.254

Por evidente que essa dialética implicará maior controle sobre os atos

processuais e uma dilação probatória (em sede do provimento cautelar) mais elástica.

Porém, esse será o ônus da efetiva concretização do contraditório.

Irrefutavelmente, a plena aplicação do princípio do contraditório é o

melhor caminho para que a defesa seja exercida com a amplitude necessária.

254 Nesse sentido, a advertência feita por Marcos Zilli ao destacar a efetividade, plenitude e indisponibilidade, como características essenciais do contraditório, o qual, além de ser garantido, deve ser estimulado. COELHO ZILLI, Marcos Alexandre. A iniciativa instrutória do ...op. cit., p. 166.

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4.6 Privacidade, dignidade e intimidade

4.6.1 Noções

As questões relativas à ofensa à privacidade, dignidade e até a intimidade

do cidadão têm se mantido em evidência nas discussões sobre a efetividade e as

consequências da monitoração eletrônica. A efetividade deve ser vista como aquilo que se

pretende para fora do meio jurídico, isto é, para a sociedade.

Existe grande preocupação acerca dos limites que devem nortear o emprego

das novas tecnologias de vigilância eletrônica, num sentido abrangente.255

O próprio texto do Decreto Federal nº 7.627, de 24 de novembro de 2011,

que regulamentou a monitoração eletrônica, contempla, em seu art. 5º, que o equipamento

de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física,

moral e social da pessoa monitorada.

Analisar os termos privacidade, dignidade e intimidade pode contribuir para

um melhor entendimento do tema.

Privacidade indica vida privada, vida íntima, intimidade (do rad. privac(i)-

(< lat. privat-), como em privação, + -(i)dade, para traduzir o ingl. privacy (< ingl. med.

privacie < ingl. private, ‘privado’ [q. v.], + ingl. -cie ou -cy < lat. -tia)).256

“Dignidade” significa autoridade moral, honestidade, honra,

respeitabilidade, autoridade, decência, decoro, respeito a si mesmo, amor-próprio, brio

pundonor.257

Intimidade tem seu significado vinculado à qualidade de íntimo, termo que,

por sua vez, vem do latim intimu e indica aquilo que atua no interior, ou, ainda, que se

passa ou efetua no interior da família, ou entre pessoas muito chegadas entre si.258

Invariavelmente, os termos intimidade e privacidade259 são utilizados de

forma concomitante, isto é, empregados simultaneamente, enquanto que, em outras

situações, há singela confusão no seu uso.260 255 Artigo de Timothy Garton destaca a diferente ótica que os países citados têm sobre os fatos que envolveram o francês Dominique Strauss-Kahn, ex-Diretor do FMI, e a guineana Nafissatou Diallo. Segundo a visão do articulista, se comparados à França, os E.U.A. têm uma visão mais sensacionalista de situações que envolvem a privacidade e a reputação das pessoas. ASH, Timothy Garton. Problemas na França e nos E.U.A. Trad. Augusto Calil, O Estado de São Paulo, São Paulo, 08-jul-2011, p. A12. 256 Verbete “privacidade”. Dicionário Aurélio Eletrônico. 257 Verbete “dignidade”. BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Aurélio. Novo Dicionário ... op.cit., p. 589. 258 Verbete “intimidade”. Dicionário Aurélio Eletrônico.

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A tutela constitucional da privacidade e da intimidade tem sua origem

principal no artigo XII da Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de dezembro

de 1948 – Paris) que traz a previsão de que “ninguém será sujeito a interferência na sua

vida privada, na sua família, no seu lar ou em sua correspondência, nem a ataques à sua

honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção de lei contra tais interferências ou

ataques”.

A Constituição Federal brasileira estabelece que são invioláveis a

intimidade e a vida privada, bem como que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos

processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, e ainda que

todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e, fundamentadas

todas as decisões, podendo haver limitação para preservação do direito à intimidade, desde

que não haja prejuízo para o interesse público à informação (art. 5º, X e LX, e art. 93, IX).

Da mesma forma, a dignidade tem status constitucional, sendo

expressamente reconhecida como um dos fundamentos da República brasileira (art. 1º, III,

da CF).

O texto constitucional é enfático em estabelecer os parâmetros para que os

conceitos expostos sejam interpretados pelo legislador infraconstitucional, pela doutrina e

pela jurisprudência.

Nesse sentido, Bottini leciona:

O direito à intimidade, no entanto, não é absoluto. Como todos os demais direitos fundamentais, sofre limitações diante de outros preceitos equivalentes, de maneira a garantir uma sistematização harmônica das normas

259 Embora tratando de privacidade de informações pessoais, o texto que segue fornece uma visão abrangente sobre o tema. A privacidade é "o direito de ser deixado em paz". É universalmente reconhecido como um direito individual, pessoal de origem filosófica e moral. O que está incluído nesse direito é, no entanto, muitas vezes discutível, pois há interpretações conflitantes dos tipos de reconhecimento de privacidade. Áreas historicamente protegidas incluem privacidade informacional (o direito de ser deixado em paz com relação ao controle de informações pessoais), a privacidade física (o direito de ser deixado em paz com relação a uma pessoa e ambiente circundante) e privacidade de decisão (o direito de ser deixado em paz com relação a decisões pessoais). LASPROGATA, Gail; KING, Nancy J.; e PILLAY, Sukanya. Regulamento de Monitoramento Eletrônico de empregados: Identificar os Princípios Fundamentais de Privacidade dos funcionários através de um Estudo Comparativo de Dados de Legislação de privacidade na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. December 20, 2004 – Cite: 2004 STAN. TECH. L. REV. 4. Disponível em <http://stlr.stanford.edu/2004/12/regulation-of-electronic-employee-monitoring/> Acesso em 15 set. 2011. 260 Artigo de Dalmo Dallari pode ilustrar a questão do emprego dos vocábulos. O autor narra a troca de mensagens por meio eletrônico entre dois ministros do S.T.F. que acabou explorada pela imprensa como se houvesse uma verdadeira acusação ao então ministro Eros Grau, vilipendiando a sua intimidade e a privacidade. “Todos os métodos de interferência na intimidade e na privacidade de ministros do S.T.F. são tidos como válidos, desde que produzam matéria-prima para o escândalo.” ABREU DALLARI, Dalmo de. Intimidade e privacidade violadas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 01set. 2007, p. A11.

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vigentes. Porém, a violação autorizada do direito à intimidade é pautada pelos princípios da necessidade, utilidade, legalidade e pela reserva jurisdicional.261

Gustavo Garibaldi também faz algumas reflexões sobre o tema

“intimidade”:

A intimidade é de caráter pessoal, e compreende o indivíduo e seus afetos. Inclui características corporais, imagem, pensamentos e emoções. Também inclui aquelas manifestações de todos eles que puderem ser plasmadas em escritos, gravações, fotografias, pinturas e suportes diversos, assim com as conversações que são mantidas entre as pessoas, tanto as realizadas de maneira direta como por meio de qualquer tipo de aparelho. Os objetos de uso pessoal, aquilo que carregamos e que está fora da vista dos demais, aquilo que se guarda do domicílio, ou lugares congêneres, aquilo que revela situações familiares, de trabalho ou econômicas e tudo aquilo que possa provocar comentário dos demais [...]262

Com o registro de que o enfoque deste trabalho está nos aspectos

processuais penais da tutela da privacidade, dignidade e da intimidade da pessoa submetida

à monitoração eletrônica, parece oportuno lembrar que o Direito Penal, por seu turno,

oferece dispositivos para proteção ao direito à intimidade e isso se dá por meio da proteção

à liberdade individual.263

Nossa lei processual penal também aborda o assunto, só que de forma mais

abrangente, sem se limitar a um só termo, como é o caso do art. 201, §6º, que assinala que

o juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra

e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos

261 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ..., op. cit., p. 389. 262 GARIBALDI, Gustavo E. L.. “A prisão domiciliar controlada por meio de monitoramento eletrônico: aplicação prática”. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2008, p. 142. O autor é Professor Regular Adjunto de Palermo e Juiz do Tribunal Penal de San Martin, Província de Buenos Aires. 263 Indicações seguras dessa assertiva encontram-se nos artigos que disciplinam a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, que, por sua vez, estão inseridos no Capítulo VI, do Código Penal, que trata “dos crimes contra a liberdade individual”. O art. 150 do Código Penal pune com detenção de um a três meses, ou multa, quem entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências. Naturalmente, o que se pretende preservar não é o patrimônio, mas sim a intimidade do indivíduo. A lei penal também traz punições às violações de correspondência e às infrações praticadas contra o direito ao Segredo. Nesses artigos também se busca a proteção à intimidade do indivíduo. A proteção à inviolabilidade de domicílio e de correspondência são formas encontradas pelo legislador de preservar aqueles momentos em que o indivíduo pode ser ele mesmo, ser mais autêntico, mais transparente, e, por isso mesmo, está mais exposto. Não é demais salientar que tais dispositivos estão em total consonância com os ditames constitucionais previstos no art. 5º, incisos XI e XII.

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dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar

sua exposição aos meios de comunicação.264

Víctor Rodríguez assinala que:

Parece-nos que a distinção entre vida privada (ou privacidade) e intimidade é mais uma questão de riqueza de linguagem que de outro tema, o que não significa, entretanto, que não exista diversidade semântica entre elas. Não é preciso uma grande investigação linguística para que se perceba que de fato pode haver fatos pertencentes à vida privada que não sejam necessariamente íntimos. Portanto, entende-se que a vida privada tem uma maior amplitude de significado.265

Com o objetivo de aprofundar o estudo da monitoração eletrônica frente às

garantias constitucionais, os subitens seguintes são destinados à análise da relação

existente entre a monitoração eletrônica e as garantias da privacidade e da dignidade.

Não nos parece que a monitoração eletrônica chegue a atingir a esfera da

intimidade do indiciado ou acusado, em razão desta última se encontrar em uma área mais

protegida da interferência de pessoas que não sejam do limitado círculo de convivência da

pessoa monitorada.

Por essa razão, será dada maior ênfase ao estudo da violação da privacidade

e da dignidade do cidadão, sem olvidar-se, naturalmente, de breves abordagens sobre o

termo intimidade, na expectativa de melhor situar o tema.

4.6.2 Monitoração eletrônica e privacidade

A evolução tecnológica vem marcando todos os setores da vida em

sociedade. As atividades judiciárias também sofrem indelével influência dessa evolução,

com incalculáveis riscos para a privacidade dos indivíduos.266

264 Reportando-se ao Código Civil brasileiro, seu art. 21 contém a seguinte disciplina: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” Constata-se que não há referência à intimidade. 265 OLIVEIRA RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel de. Tutela penal da intimidade. Tese de doutoramento, Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense, São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007, p. 31. 266 Embora tratando de privacidade de informações pessoais, o texto que segue fornece uma visão abrangente sobre como a evolução tecnológica afeta o cotidiano das pessoas. A era da informação alterou radicalmente o quadro tradicional legal e organizacional do trabalho, praticamente extinguindo algumas fronteiras, principalmente aquelas entre a vida pessoal e a vida profissional do indivíduo. Empregados têm obtido grande experiência com a maior autonomia e flexibilidade no trabalho e em casa, em decorrência do aumento do “teletrabalho” e de trabalho "móvel". Esses avanços são adequadamente facilitados por sistemas de informação e instrumentos apropriados fornecidos pelos empregadores. No entanto, estes mesmos sistemas e ferramentas facilitam a intrusão de vida profissional na esfera pessoal, e às vezes a intromissão do empregador na vida privada dos seus empregados. Empregadores estão cada vez mais utilizando tecnologias de monitoramento eletrônico para observar o que os empregados fazem no trabalho e para rever suas comunicações eletrônicas. Dois defensores argumentam

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Depreende-se que aquilo que está mais restrito ao próprio indivíduo faz

parte da intimidade desse indivíduo, enquanto que aquela parcela que pode ser

compartilhada com algumas pessoas, em um círculo restrito, faz parte da privacidade. Isso

não significa que a privacidade possa ser devassada, mas indica que possa haver algum

tipo de concessão em relação a ela, o que não se imagina na intimidade.267

Conjugando-se os dispositivos constitucionais com aqueles da lei

processual, pode-se inferir que a imposição da monitoração eletrônica, enquanto

procedimento cautelar, exige extrema atenção do magistrado na avaliação da necessidade e

adequação, como também durante o cumprimento da medida aplicada.

que as práticas de monitoramento eletrônico quando implementadas de forma significativa causam erosão dos direitos de privacidade do empregado. No entanto, os empregadores afirmam que há muitas razões para monitorar eletronicamente os empregados no local de trabalho, incluindo: - Para monitorar a produtividade dos funcionários no local de trabalho; - Para maximizar o uso produtivo do sistema de computadores do empregador quando os funcionários utilizam computadores no trabalho; - Para monitorar o cumprimento das políticas entre empregado e empregador no local de trabalho relacionadas com a utilização dos seus sistemas de computador, sistemas de e-mail e acesso à Internet; - Para investigar denúncias de má conduta do empregado, incluindo queixas de assédio e discriminação; - Para prevenir ou detectar a espionagem industrial, tais como o roubo de segredos comerciais e outras informações, violação de direitos autorais, violação de patente, ou infração de marca registrada por funcionários e terceiros; - Para evitar ou responder ao acesso não autorizado a sistemas de computador do empregador, inclusive o acesso de hackers de computador; - Para proteger redes de computadores de tornar-se sobrecarregadas por grandes arquivos para download; - Para prevenir ou detectar a utilização não autorizada de sistemas de computador do empregador para atividades criminosas e terrorismo; - Para ajudar a preparar a defesa do empregador de ações judiciais ou reclamações administrativas, tais como aquelas trazidas pelos funcionários relacionados com a discriminação, o assédio, a disciplina, ou rescisão de emprego; - Para responder às solicitações de descoberta em litígios relacionados com a prova eletrônica. LASPROGATA, Gail; KING, Nancy J.; e PILLAY, Sukanya. Regulamento de Monitoramento Eletrônico de empregados: Identificar os Princípios Fundamentais de Privacidade dos funcionários através de um Estudo Comparativo de Dados de Legislação de privacidade na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. December 20, 2004 – Cite: 2004 STAN. TECH. L. REV. 4. Disponível em <http://stlr.stanford.edu/2004/12/regulation-of-electronic-employee-monitoring/> Acesso em 15 set. 2011. 267 Várias questões são postas à discussão com o tema intimidade e uma delas vincula-se ao seu reconhecimento como bem jurídico. Nesse sentido, é oportuno salientar que: “o direito, em sua forma normativa, muitas vezes considera um bem que, por uma razão ou outra, passa anos e anos sem ser considerado como tutelado, sem ser reconhecido como um bem jurídico. Por esta razão, é comum encontrar estudiosos, pesquisadores, estudantes, que cometem o engano de acreditarem na sua não existência positivada. Quando isso ocorre dentro do universo jurídico envolvendo um número considerável de pessoas, corre-se o risco de realmente se acreditar nesta não existência, de se sedimentar este entendimento, criando barreiras suficientemente fortes e capazes de se tornarem impeditivas ao acesso à Justiça, justamente para aqueles que necessitam do trabalho dos operadores deste universo. Não permitir que isso ocorra significa impor a estes agentes a necessidade de cumprir adequadamente suas funções, entre elas a de comunicação. É necessário uma maior atenção nos estudos, nas pesquisas e na divulgação, a fim de que se possa abrir os olhos diante deste fato, afinal, todo direito para se fazer valer, além de estar determinado anteriormente em uma lei, precisa ser do conhecimento do seu destinatário. Só assim é que se poderá fazer uso dele, tornando-o eficaz”. CASTRO BRAZ, Cláudio de. A intimidade no direito positivo brasileiro. Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 27, n. 2, dez. 2008, p. 131.

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Como contraponto, vale salientar que os direitos fundamentais não são

absolutos, cedendo quando em conflito com outros direitos fundamentais, no caso

concreto.

Outrossim, o simples uso de uma tornozeleira ou outro dispositivo de per se não é vexatório e indignificante, pois visa a justamente estabelecer um controle acerca da localização do réu sem que se faça necessário ser destacado um policial ou agente para o acompanhar durante o prazo da medida. Dependerá, ademais, da fundamentação explicitadora do porque de seu uso, que, como todos os princípios, demandará argumentação jurídica, esta que, em última análise, permitirá um controle sobre o acerto ou não da decisão.268

Por se encontrar em um campo menos restrito do ser humano, parece

razoável concluir que a primeira que seria ofendida é a privacidade, a qual, normalmente,

pode ser compartilhada com determinadas pessoas.

Embora se referindo à monitoração eletrônica na fase de execução penal em

Portugal, mas com pertinência para o presente estudo, Nuno Caiado considera que a crítica

quanto à invasão na esfera da vida privada do indivíduo seja infundada, ou melhor,

fundada em preconceito ideológico. Segundo o autor, a afirmação é feita porque o

pressuposto básico é de que a utilização de meios tecnológicos a distância está prevista em

lei, sendo a medida proporcional às exigências de controle e ressocialização do

delinquente, seguindo procedimentos adequados. Outra justificativa leva em conta que a

vigilância eletrônica é sempre menos intrusiva que a privação de liberdade.269

Lembrança oportuna é de que a Justiça não pode se isolar em relação às

inovações tecnológicas que permeiam todas as áreas da sociedade. Hoje, o emprego de

cartões de crédito, celulares, câmeras de televisão em circuito fechado, computadores, etc.,

são susceptíveis de permitir um controle sobre a vida dos cidadãos.

Até as compras nas lojas de comércio, fornecendo-se o CPF para obtenção

de vantagens tributárias (como, por exemplo, ressarcimento de parte do I.C.M.S. ou I.S.S.

incidente sobre o produto ou serviço adquirido), permitem algum grau de controle sobre a

privacidade dos consumidores, tendo em vista a ciência por parte de determinados órgãos

governamentais sobre hábitos de consumo dos cidadãos.

Além de permitir a melhor aplicação possível da vigilância eletrônica, as

observações precedentes têm por escopo conscientizar a sociedade para o fato de que boa

parte dos recursos tecnológicos à disposição da população implica em algum tipo de

268 MOUGENOT BONFIM, Edilson. Reforma do Código de Processo Penal – comentários à Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 52. 269 CAIADO, Nuno. 16 pontos críticos ... op. cit., p. 23.

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comprometimento da privacidade dos cidadãos, o que não impede que a tecnologia seja

utilizada.

A distinção é muito tênue: até que ponto uma tornozeleira eletrônica

poderia afetar a privacidade de seu usuário e como esse mesmo objeto atingiria sua

dignidade?270

A privacidade estaria mais afeta ao direito que cada cidadão tem de se

preservar contra ingerências externas, que possam perturbar o seu convívio pacífico em

uma comunidade. Nesse contexto, a tornozeleira eletrônica poderia prejudicar seu convívio

com outras pessoas, que não quisessem conviver com “alguém que tenha problemas com a

justiça”. Dessa forma, haveria algum tipo de prejuízo para sua vida privada.

Não se vê grande profundidade nesse argumento.

Conforme já exposto,271 o tipo e as dimensões do equipamento de

monitoração podem fazer diferença na aferição daquilo que efetivamente atinge o campo

privado do usuário desse mecanismo. Quanto menor o bracelete, tornozeleira, etc., mais

imperceptível será para terceiras pessoas e menos interferência produzirá na privacidade do

indivíduo.

À medida que os conceitos de moral e costumes sofrem mudanças, parece

razoável supor que também ocorrem alterações na percepção que a sociedade tem de certos

“adornos” utilizados comumente por homens e mulheres. Relógios, pulseiras, brincos,

tornozeleiras, tiaras, piercing, etc., são cada vez mais usados e tolerados para ambos os

sexos.

Basta que os fabricantes façam pequenas adaptações aos artefatos utilizados

para monitoração para que eles se tornem praticamente imperceptíveis ao convívio social.

Isso para não mencionar a nanotecnologia,272 a qual pode reduzir materiais a proporções

invisíveis ao olho humano.

270 A abordagem dessa segunda questão será feita no próximo subitem, que trata, justamente, da monitoração eletrônica e a dignidade (4.6.3). 271 Abordagem sobre “a compatibilidade da monitoração eletrônica e a presunção de inocência” (item 4.2.2), bem como no tópico acerca dos “sistemas de monitoração” (item 3.5). 272 A nanotecnologia refere-se à tecnologia utilizada para manipular estruturas muito pequenas, tornando possível a criação de estruturas funcionais que poderiam ter sido inconcebíveis utilizando tecnologia convencional. Inicialmente vamos definir a palavra Nanotecnologia. O termo “tecnologia” refere-se ao desenvolvimento e produção de novos materiais. Já o prefixo “nano” está relacionado a uma escala de medida em que um nanômetro é um bilionésimo do metro ou um milhão de vezes menor que o diâmetro da cabeça de um alfinete, ou ainda, em uma representação numérica, 0,000000001 do metro. A nanopartícula é para uma bola de futebol como a bola é para a Terra! Disponível em: <http://www.cienciaviva.org.br/arquivo/cdebate/012nano/index.html> Acesso em 12 ago. 2011.

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Dentro desse mesmo contexto, podem ser citados também os chips 273 que,

colocados sob a pele, poderiam permitir a monitoração sem representar qualquer tipo

incômodo ao convívio social, deixando, assim, de atingir a privacidade274 e a dignidade do

indivíduo.275 Entretanto, a intenção deste trabalho não é enfrentar a polêmica moral que

envolve o emprego (ou não) de chips para controle de pessoas, mas sim trazer o assunto

para debates.

Feitas essas breves anotações sobre a relação existente entre a monitoração

eletrônica e a privacidade, surge a oportunidade de estudar em que medida a monitoração

eletrônica pode atingir a dignidade do indiciado ou acusado.

4.6.3 Monitoração eletrônica e dignidade

Um programa de vigilância eletrônica deve respeitar todas as garantias

constitucionais e nunca pode atingir a dignidade do indiciado ou acusado.276

Não é demais ressaltar o valor da dignidade do ser humano, que, como

postulado supralegal, decorre da própria natureza das coisas, daquilo que é ínsito à nossa

existência.277

273 Chip: nos circuitos miniaturizados, plaqueta de silício de dimensões muito reduzidas e que contém elementos semicondutores como transistores, diodos, circuitos integrados. BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Aurélio. Novo Dicionário ... op.cit., p. 397. 274 Embora tratando de privacidade de informações pessoais, o texto que segue fornece uma visão abrangente sobre o tema. As teorias americanas de noções de privacidade são refletidas no conceito de "individualismo". A autonomia individual e a liberdade são reverenciadas, como resulta na jurisprudência da privacidade de decisão. No entanto, o direito à privacidade é tratado como semelhante à propriedade pessoal. Como tal, pode ser negociado e trocado por outros direitos e privilégios, incluindo os obtidos em uma relação de trabalho. Em outras palavras, uma vez que pertence à vida privada do indivíduo, pode ser negociado e afastado pelo indivíduo em troca de algo de valor proporcional, como um trabalho. LASPROGATA, Gail; KING, Nancy J.; e PILLAY, Sukanya. Regulamento de Monitoramento Eletrônico de empregados: Identificar os Princípios Fundamentais de Privacidade dos funcionários através de um Estudo Comparativo de Dados de Legislação de privacidade na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. December 20, 2004 – Cite: 2004 STAN. TECH. L. REV. 4. Disponível em <http://stlr.stanford.edu/2004/12/regulation-of-electronic-employee-monitoring/> Acesso em 15 set. 2011. 275 É comum que fumantes utilizem cápsulas de nicotina sob a pele para que consigam deixar de fumar. Outro exemplo são os anticoncepcionais subcutâneos que são usados por algumas mulheres que não desejam engravidar. Em ambos os casos ninguém consegue perceber o uso dos dispositivos. Como mera curiosidade, muitos proprietários têm colocado chips em seus animais de estimação para facilitar a localização, caso necessário. 276 Ada Pellegrini relaciona suas características fundamentais, destacando, em primeiro plano, o respeito à dignidade do suspeito ou acusado, no pleno acolhimento dos princípios do devido processo legal. PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “Características fundamentais do Código-Modelo”. O processo em ... op.cit., p. 208. 277 A afirmação é Delmanto Júnior e Fabio Delmanto. Ainda referindo-se à dignidade, prosseguem os autores: “[...] se encontra amalgamado com a solidariedade e com o que há de melhor no ser humano que é a busca pela compreensão (que não significa aprovação e tampouco tolerância com o que por vezes é intolerável) dos acertos e erros de nossos pares.” DELMANTO JÚNIOR, Roberto; MACHADO DE

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Sobre o tema, assim se expressa Bottini:

Enquanto restrição à intimidade, o monitoramento eletrônico mitiga a dignidade humana, protegida pelo art. 1º, III, da Constituição Federal, e definida como capacidade de autodeterminação do individuo no seu modo e forma de vida. Por isso, sua aplicação deve ser direcionada apenas a situações necessárias, como último patamar da intervenção estatal para obtenção do controle social.278

Perscrutando possíveis caminhos para a questão colocada no item anterior

(4.6.2) sobre a ofensa à dignidade do usuário de uma tornozeleira ou bracelete eletrônico,

sobrevém a questão levantada por alguns estudiosos do tema da monitoração eletrônica: a

provável estigmatização que o indiciado ou acusado possa sofrer em decorrência do uso

desses equipamentos.279

A nosso juízo, a “dignidade” estaria mais relacionada à honra, respeito a si

mesmo e amor-próprio.

O mesmo argumento utilizado para rechaçar suposta invasão de privacidade

pode ser transposto para esta abordagem, pois à medida que a sociedade sofre mudanças,

constata-se que vários objetos que eram de uso exclusivo de determinados grupos sociais,

ou do sexo masculino ou feminino, hoje são encarados com muito mais naturalidade do

que há anos atrás, passando a ser, por conseguinte, mais bem aceitos pela sociedade (Ex.:

pulseiras, brincos, tornozeleiras, tiaras, etc.).

Com a evolução da tecnologia, aumenta a viabilidade de que os fabricantes

façam pequenas adaptações nos artefatos utilizados para monitoração objetivando que eles

se tornem praticamente imperceptíveis ao convívio social, muitas vezes confundindo-se

com os já mencionados adornos corporais.280

ALMEIDA DELMANTO, Fabio. A dignidade da pessoa humana e o tratamento dispensado aos acusados no processo penal. RT 835, mai. 2005, p. 444. 278 Infere-se que o autor considera que a intimidade possa ser maculada, não se referindo à privacidade, ao contrário do que sustentamos nos subitens 4.6.1 e 4.6.2. CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ..., op. cit., p. 389. 279

O art. 3º, item 1, da Lei nº 33, de 02 set. 2010, de Portugal (que regula o art. 201 do C.P.P. português, o qual, por sua vez, trata da utilização de meios técnicos de controle à distância), também prevê o respeito à dignidade da pessoa humana. 280 Ainda em relação ao emprego de chips ou microchips ou, ainda, verichips sob a pele, várias críticas contrárias têm surgido. Microchips R.F.I.D. são aparelhos de Identificação de Frequência de Rádio (R.F.I.D). Um típico receptor de R.F.I.D. é feito de um microchip que tem um número de identificação e uma antena. Esses dispositivos têm sido utilizados em produtos de consumo, livros de biblioteca, além de outras finalidades. O governo dos E.U.A. ordenou o uso desses microchips R.F.I.D. em todos os passaportes, os quais contêm informações pessoais do portador, gerando muitas polêmicas quanto ao perigo de uso indevido de tais informações. Esses dispositivos também têm sido utilizados em rodovias para pagamento automático de pedágios e em veículos com G.P.S., que são localizáveis de forma ininterrupta. A maior preocupação de ofensa à dignidade das pessoas está no emprego de verichips, que são dispositivos encapsulados em vidro para serem injetados sob a pele. Há notícia de uso de tais artefatos nos E.U.A., principalmente em empregados de algumas empresas, para controlar o acesso restrito a determinadas instalações ou áreas

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Por outro lado, conforme já exposto no item relativo aos tipos de sistemas

de monitoração disponíveis no mercado (3.5), há de se tomar muito cuidado com aqueles

sistemas denominados de terceira geração (chips), os quais, segundo Miguel Rio e Juan

Parente, possibilitam a coleta de uma gama muito grande informações sobre os

monitorados.

Esses dados pessoais podem fazer com que a privacidade dos indiciados ou

acusados seja atingida, como no caso da obtenção de informações psicológicas, frequência

das pulsações, ritmo respiratório para medir o nível de agressividade de um delinquente

violento, excitação sexual nos delinquentes sexuais, cleptomaníacos e psicopatas, entre

outros.

Em determinadas situações, pode ser atingida a dignidade do monitorado,

visto que algumas versões de chips possibilitam, inclusive, intervenções corporais diretas

com descargas elétricas programadas, que repercutem diretamente no sistema nervoso

central, com a abertura de uma cápsula que injeta tranquilizantes ou outras substâncias nos

neuróticos agressivos, esquizofrênicos e adictos ao álcool.

Nessas situações, como há uma exasperada invasão física e psíquica na

pessoa monitorada, existe um grau acentuado de atentado à dignidade humana, o que leva a

que essas medidas mais intrusivas sejam muito combatidas.281

Dando continuidade ao estudo de questões que possam afetar a dignidade do

indiciado ou acusado, é necessário lembrar que não faltam exemplos no Brasil de atos

praticados pela polícia e também pela justiça, seja no emprego exagerado de algemas,282

reservadas. BECKER, Steven W. “O efeito de novas tecnologias no sistema de justiça penal: exemplos da experiência dos Estados Unidos”. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico ... op. cit., p. 45-6. O autor é Defensor Assistente de Apelação da Secretaria de Defesa de Apelação do Estado. Primeiro Distrito, Chicago, Illinois, E.U.A.; Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade DePaul, Chicago, Illinois; Integrante Sênior do Instituto Internacional de Direitos Humanos da mesma faculdade; Co-Redator em Chef, Revue Internationale de Droit Pénal (França). 281 IGLESIAS RIO, Miguel Angel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y su seguimiento com medios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Juridicas de la Universidad Autónoma de México. Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/pr21.pdf> Acesso em 30 out. 2011. 282 Em razão disso, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula vinculante nº 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” Referida súmula foi publicada no Diário Oficial de 21 de agosto de 2008 e teve origem no julgamento do Habeas Corpus nº 91952, em que o plenário da Suprema Corte anulou condenação do pedreiro Antonio Sérgio da Silva pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP), pelo fato de ter ele permanecido algemado durante todo o seu julgamento, sem que a juíza presidente daquele tribunal apresentasse uma justificativa convincente para o caso.

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seja na decretação inadequada de prisões processuais. A impropriedade e o

sensacionalismo no emprego de mecanismos de contenção de pessoas (como as algemas,

por exemplo), podem servir de paradigma ao objetivo de alertar a sociedade para os

reflexos do emprego da monitoração eletrônica no Brasil, sem a estrutura e o preparo

necessários.283

O cuidado que se deve ter é justamente nos excessos que uma medida

cautelar, como é o caso da monitoração eletrônica, possa ter na vida pública e privada das

pessoas. A ofensa à dignidade do cidadão é algo de difícil, senão impossível, reparação;

ainda que se conclua, posteriormente, pela ausência de necessidade ou pela inadequação da

vigilância eletrônica para um determinado caso, ou mesmo que haja futura absolvição de

um acusado, há de se convir que “o estrago já estará feito”. Eventual ação por perdas e

danos, se cabível, dificilmente recomporá a situação anterior.284

Sem olvidar os aspectos da presunção de inocência que podem ser

maculados, a dignidade do indiciado ou acusado sofrerá os maiores danos.

Outro aspecto que está relacionado à dignidade do indiciado ou acusado é

proteção aos direitos humanos. O Brasil está trilhando caminhos já percorridos por outros

países mais desenvolvidos, principalmente da Europa, bloco político-econômico que

avançou bastante nesse tema nos últimos anos.285

Sob o enfoque dos direitos humanos, em nosso ponto de vista, é muito

oportuno e salutar que se reafirme a possibilidade de a monitoração eletrônica ser

283 No mês de maio de 2011, o ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, foi acusado de abuso sexual nos E.U.A., sendo algemado e detido provisoriamente; somente obteve sua liberdade provisória após aceitar o uso de um bracelete eletrônico, dentre outras restrições. Independentemente de se perquirir sobre sua culpa, importa ressaltar que o fato ocupou o noticiário internacional, gerando graves consequências para a vida pessoal e pública do acusado. 284 Gail Lasprogata, Nancy J. King, Sukanya Pillay destacam que, ao contrário dos direitos de privacidade e de propriedade, a dignidade humana não é gerada pelo indivíduo, mas em vez disso é criada pela própria comunidade e concedida a um indivíduo. Portanto, não pode ser jogada fora ou trocada com base em noções tradicionais de emprego da vontade e no direito dos contratos. A afirmação dos autores parece não se harmonizar com o que se constata na prática. LASPROGATA, Gail; KING, Nancy J.; e PILLAY, Sukanya. Regulamento de Monitoramento Eletrônico de empregados: Identificar os Princípios Fundamentais de Privacidade dos funcionários através de um Estudo Comparativo de Dados de Legislação de privacidade na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. December 20, 2004 – Cite: 2004 STAN. TECH. L. REV. 4. Disponível em: <http://stlr.stanford.edu/2004/12/regulation-of-electronic-employee-monitoring/ > Acesso em 15 set. 2011. 285 Os americanos foram os primeiros a legislar sobre direitos humanos com a Declaração de Direitos da Virgínia de 1791. A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais foi assinada em Roma, em 04 nov. 1950, entrando em vigor em setembro de 1953. Tomando como ponto de partida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, os autores da Convenção almejavam prosseguir os objetivos do Conselho da Europa através da manutenção e desenvolvimento dos direitos humanos e liberdades fundamentais. LEHNER, Dominik. Monitoramento eletrónico como alternativa. Porto Alegre: Revista Síntese, n. 65, dez-jan-2011, p. 67.

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efetivamente utilizada para evitar a custódia cautelar, a qual, conforme já visto no decorrer

deste trabalho, traz irremediáveis consequências para o indiciado ou acusado.

Um dos grandes objetivos a perseguir é a busca do equilíbrio entre o dever

que os países têm de proteger seus cidadãos das práticas criminosas, com a preservação

dos direitos e garantias individuais. Essa afirmação parece bastante elementar, mas

representa um grande desafio a ser permanentemente superado.

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5 A RELAÇÃO ENTRE A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA E

OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS

5.1 Considerações iniciais

A possibilidade de substituição de uma medida cautelar por outra, ou da

cumulação de duas ou mais cautelas, nos leva, inexoravelmente, a analisar a

compatibilidade da monitoração eletrônica com as outras cautelares.

Ao estudar as medidas cautelares no processo penal, vêm à tona as razões

que nos levam ao tema, que podem ser resumidas da seguinte forma: análise da

monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX, do C.P.P., com maior profundidade,

propondo alternativas viáveis para sua aplicação no Brasil, em especial quando cumulada

com outras medidas do mesmo artigo.

Na doutrina, Calamandrei, destacando-se como um dos desbravadores do

longo caminho de justificação das medidas cautelares, ensina que elas servem para

assegurar o funcionamento e o bom nome da função jurisdicional, no interesse maior da

administração da justiça.286

Roxin remete-nos ao fato de que a criminalidade sempre vai existir e com

essa afirmação sustenta a necessidade de um direito penal estatal.287

Focando o direito de defesa, Frederico Marques ressalta que o Estado tornou

obrigatória a aplicação do Direito Penal pelas vias processuais para garantir eficazmente o

jus libertatis do acusado.288

Indiscutivelmente, a Lei nº 12.403/11 veio preencher uma lacuna no

ordenamento jurídico brasileiro, oferecendo alternativas múltiplas aos operadores do

direito, em substituição às modalidades de prisão cautelar, que ficaram reservadas para

casos extremos.289

Somente por esse aspecto, o novo diploma já mereceria encômios, todavia

há outras razões para gabo. A doutrina há muito discute o assunto e reclama da ausência de

286 CALAMANDREI, Piero. “Conclusioni”. Introduzione ... op.cit., p. 144. 287 ROXIN, Claus. “Tem futuro o direito penal?” In Estudos de ... op.cit., p. 04. 288 FREDERICO MARQUES, José. Elementos de direito processual penal. V. I, p. 28. 289 Apesar de tecer severas críticas às alterações pontuais ocorridas no C.P.P., Aury Lopes Júnior destaca ponto relevante da Lei nº 12.403/11: “A adoção do modelo polimorfo, que rompe com o binário reducionista de prisão cautelar ou liberdade provisória, para oferecer ao juiz um rol de medidas alternativas à prisão preventiva.” LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção do contraditório no regime jurídico das medidas cautelares pessoais. Boletim do IBCCrim nº 223, jun. 2011, p. 06.

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outras opções, além das prisões cautelares, e de sistematização das medidas cautelares no

processo penal.290

Na prática, criou-se uma alternativa em relação à situação existente

anteriormente, isto é, o juiz somente podia optar entre a manutenção da liberdade do

investigado ou acusado, colocando, em situações mais drásticas, o interesse da sociedade

num segundo plano, ou a decretação de sua prisão cautelar em alguns casos nos quais,

eventualmente, seria cabível medida menos invasiva.291

Agora, existem medidas que permitem transitar entre esses dois extremos,

algumas, inclusive, bem gravosas, como é o caso do recolhimento domiciliar, da internação

provisória, em caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade, e da suspensão do

exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira.

A medida a ser escolhida pelo juiz deve obedecer ao princípio da

proporcionalidade292 para que não seja, nem mais leve, nem mais pesada que o necessário,

tornando-se, assim, adequada.

Não é demais lembrar que, depois de aplicadas, as medidas cautelares

poderão ser revistas a qualquer tempo, seja durante a fase de investigação criminal, seja ao

longo da instrução do processo. A legislação processual traz disposições permitindo e,

praticamente, impondo ao juiz que reveja a medida aplicada, sempre que esta não mais for

necessária ou adequada à condição do indiciado ou acusado ou, ainda, à ordem jurídica.

290 “A ideia que permeia todo o Projeto é a ampliação do número de medidas cautelares passíveis de decretação durante o processo penal, com o escopo de assegurar seu regular seguimento e o posterior cumprimento da decisão, seja ela qual for. A redação atual do Código oferece uma gama reduzida de opções ao magistrado nessa seara. Em regra, para garantir a ordem processual ou a aplicação da lei penal, o juiz tem uma única opção: a prisão cautelar. Assim, ao perceber ameaça, grande ou pequena, ao bom andamento da persecução, ou é decretada a privação de liberdade do acusado, ou não se aplica medida alguma. Não há um meio-termo. Não há medida de proporcionalidade possível”. CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. “Medidas cautelares – Projeto de Lei 111/2008”. As reformas ... op. cit., p.454. 291 “Nosso sistema processual penal ainda trabalha com soluções bipolares, é dizer, ou o acusado responde ao processo com total privação de sua liberdade, ou, então, lhe é concedido o direito à liberdade “provisória”, quer mediante o simples compromisso de comparecimento aos atos processuais (no caso da liberdade provisória sem fiança), quer, se exigida a fiança, mediante a obrigação de não mudar de residência sem autorização judicial e de não ausentar-se por mais de oito dias sem comunicar ao juiz. Assim, a única medida cautelar alternativa à prisão ad custodiam em nosso país é a liberdade provisória, que se qualifica, por ser um substitutivo da prisão em flagrante, como uma contracautela”. SCHIETTI MACHADO CRUZ, Rogério. Prisão cautelar – dramas ... cit., p.133. O autor refere-se à situação pré-existente à Lei nº 12.403/11. 292 “E o que releva dizer é que, embora reconhecendo que o subjetivismo ínsito no princípio da proporcionalidade pode acarretar sérios riscos, alguns autores têm admitido que sua utilização poderia transformar-se no instrumento necessário para salvaguarda e manutenção de valores conflitantes, desde que aplicado única e exclusivamente em situações tão extraordinárias que levariam a resultados desproporcionais, inusitados e repugnantes, se inadmitida a prova ilicitamente colhida.” PELLEGRINI GRINOVER, Ada. “A inadmissibilidade das provas ilícitas no direito brasileiro”. O processo em ... op.cit., p. 49.

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Essa revisão periódica também deve ser marca indelével da monitoração

eletrônica, a fim de se evitar que a medida se estenda desnecessariamente (sobre o prazo

razoável para duração da monitoração eletrônica, ver o subitem 4.4.2).

Por meio dessa fiscalização permanente, o juiz pode substituir a medida

aplicada, impor outra em cumulação, revogá-la, voltar a decretá-la se sobrevierem razões

que a justifiquem, ou ainda, em último caso, decretar a prisão preventiva, em caso de

descumprimento da medida imposta.293

O Ministério Público, no exercício de suas atribuições constitucionais e

legais, pode e deve participar ativamente dessa fiscalização, pois ele, como destinatário do

resultado das investigações criminais e parte ativa no processo criminal, pode postular o

que entender mais adequado ao processo em espécie, dentro das providências já

mencionadas (substituição, cumulação, revogação, nova decretação de medida cautelar ou

mesmo de prisão preventiva).

O querelante, o assistente da acusação e a defesa, igualmente, têm papel

relevante no acompanhamento das medidas cautelares, mormente no curso da instrução

criminal, pois todos têm interesse direto no desfecho do processo.

Se a medida cautelar persistir durante o processo criminal e sobrevindo

absolvição do acusado, o juiz poderá revogar a constrição, nos termos do art. 386,

parágrafo único, inciso II, do C.P.P., tratando-se, essa providência, em verdade, de um

poder-dever do juiz.

O permissivo legal vem consagrar uma situação fática que não poderia ter

outro desfecho, ou seja, a medida cautelar somente tem razão de ser no processo penal em

face da ocorrência de crime e não é qualquer crime, mas tão somente aquele a que for

cominada cumulativa ou alternativamente pena privativa de liberdade. Se do processo

criminal resulta absolvição, ainda que seja em primeira instância sem trânsito em julgado,

deixa de haver fundamento legal para manutenção de qualquer tipo de medida cautelar.

Importa destacar que as medidas cautelares não devem ser empregadas

aleatoriamente, mas sim quando forem essenciais para aplicação da lei penal. Parece

dispensável a assertiva, entretanto, não é demais frisar que nas situações em que o acusado

esteja participando normalmente da investigação ou do processo, isto é, comparecendo aos

293 Antonio Magalhães adverte que qualquer prisão anterior à condenação só se justifica pela sua excepcionalidade em situações em que haja efetivo comprometimento ao regular desenvolvimento ou eficácia da atividade processual. MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, Fabio. Medidas substitutivas e alternativas à prisão cautelar. São Paulo: Renovar, 2008. Apres. Antonio Magalhães Gomes Filho.

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atos em que sua presença é essencial, não praticando atos vedados pela lei, etc., não há

qualquer razão para a aplicação das medidas cautelares.

Não haveria qualquer fundamento em se aplicar uma medida muito severa a

um indiciado ou acusado que estivesse colaborando com a justiça.

É essencial que haja uma gradação na aplicação das medidas previstas no

C.P.P., isto para que seja mantida a proporcionalidade entre a situação fática que se

apresenta e a finalidade da medida.

Com a única intenção de motivar o debate, distribuímos, a nosso juízo, as

medidas cautelares pessoais em categorias, conforme as obrigações a cumprir, as

proibições que devem ser acatadas, o maior grau de restrição de direitos (em diferentes

níveis) ou, ainda, as medidas que implicam privação de liberdade: A – aquelas em que

somente há obrigações externas como, por exemplo, comparecimento periódico em juízo

ou a entrega de passaporte; B – aquelas em que são impostas proibições como de acesso ou

frequência a certos locais, de contato com pessoa determinada ou de saída da comarca; C –

medida de monitoração eletrônica com possibilidade de livre locomoção, a suspensão do

exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, e, ainda,

a prestação de fiança; D – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga e

a internação provisória em caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade; E – prisão

em flagrante, prisão temporária, prisão domiciliar, prisão preventiva, prisão decorrente da

pronúncia, prisão decorrente de sentença irrecorrível, e, ainda, a prisão resultante de

acórdão recorrido porque o recurso especial ou extraordinário não conta com efeito

suspensivo.

Naturalmente, a cumulação de medidas implica alteração de categoria.

O comparecimento periódico em juízo e as proibições contempladas nos

incisos II, III e IV, do art. 319 do C.P.P. (de acesso ou frequência, de contato e de ausentar-

se) deverão atender boa parte dos processos. Se tais medidas forem aplicadas de maneira

adequada, com a correspondente fiscalização judicial, é satisfatória a probabilidade de

êxito.

Durante a instrução criminal, caberá aos magistrados, de ofício ou a

requerimento das partes, aquilatar se estão presentes os requisitos para aplicação das

medidas, avaliando as peculiaridades de cada situação.

Em princípio, pode-se estranhar a previsão de que “as partes”, possam

requerer a aplicação das medidas cautelares. Não se pode olvidar que a própria defesa

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possa ter interesse em obter uma decisão judicial menos gravosa para o indiciado ou

acusado, seja em relação a uma prisão cautelar anterior, seja tomando como ponto de

partida outra espécie de medida cautelar já aplicada.

Outra hipótese a ser aventada, embora de mais difícil ocorrência, mas

possível, ao menos no campo teórico, seria aquela em que o defensor, consciente de sua

importante tarefa, poderia pleitear a aplicação de uma medida que, em sua avaliação, viria

contribuir para que seu cliente mantivesse uma conduta mais adequada à linha de defesa

empreendida pelo causídico.

Exemplificativamente, após a prática de uma infração penal com pena

prevista de privação de liberdade, que tenha como vítima sua ex-esposa, caso o indiciado

ou acusado esteja mantendo contato com sua ex-esposa, adotando posturas que possam

ensejar a ocorrência de fatos em seu prejuízo, o próprio defensor poderá postular ao juiz

competente a aplicação da medida de “proibição de manter contato com pessoa

determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado

dela permanecer distante” (art. 22, III, letras “a” e “b”, da Lei nº 11.340/06 – conhecida por

lei Maria da Penha, em harmonia com o art. 319, III, do C.P.P.).

Na fase da investigação criminal, a autoridade policial poderá representar ou

o membro do Ministério Público poderá requerer a aplicação de qualquer das medidas

cautelares, sempre que vislumbrarem a necessidade e adequação da medida. Nos casos

expressamente previstos, as medidas cautelares devem ser aplicadas para evitar a prática de

infrações penais.

Em geral, cabe cumulatividade das medidas cautelares, devendo haver, por

parte do juiz, acurada análise da gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições

pessoais do indiciado ou acusado, visando a aplicar as medidas mais adequadas. Ficam

excepcionadas de cumulação com a monitoração eletrônica algumas medidas que serão

objeto de estudo mais adiante, como a prisão preventiva, suspensão do exercício de função

pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira e a internação provisória (art.

312 e 319, incisos VI e VII, do C.P.P.).

Discussão que poderá surgir no dia-a-dia forense reside na possibilidade de

aplicação das medidas cautelares às infrações consideradas de menor potencial ofensivo,

para as quais seja cominada isolada, cumulativa ou alternativamente pena privativa de

liberdade.

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Nessas infrações, em princípio, é possível a aplicação de institutos

despenalizadores, como é o caso da transação penal, que enseja uma pena restritiva de

direitos ou multa ao autor. Não remanesce qualquer anotação em certidão de antecedentes

criminais, decorrendo que o benefício não gerará efeitos civis, com subsequente extinção

da punibilidade (art. 61, 76 e seg. da Lei nº 9.099/95).

Em hipóteses similares, somente seria viável a aplicação de medidas

cautelares, caso não estejam preenchidos os requisitos legais para proposta de transação

penal ou em caso de descumprimento do benefício já acordado anteriormente, situações em

que poderia haver prosseguimento do processo criminal. Naturalmente, superados esses

primeiros obstáculos, teriam de ser preenchidos os pressupostos da necessidade e

adequabilidade.

Deve ser aplicado o mesmo raciocínio em caso de suspensão condicional do

processo, com base no art. 89 da Lei nº 9.099/95. Essa modalidade de suspensão está

sujeita a determinadas condições, como: reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-

lo; proibição de frequentar determinados lugares; proibição de ausentar-se da comarca

onde reside, sem autorização do juiz; e comparecimento pessoal e obrigatório a juízo,

mensalmente, para informar e justificar suas atividades. O juiz poderá especificar outras

condições desde que adequadas ao fato e à situação pessoa do acusado.

Imperativo registrar que algumas dessas condições da suspensão processual

são muito semelhantes às medidas cautelares incorporadas à lei processual penal em 04 de

maio de 2011, tendo, porém, natureza jurídica e finalidades totalmente diversas. Enquanto

na suspensão processual as condições legais têm a função despenalizadora, com supervisão

do período por dois a quatro anos, nas medidas cautelares, persiste o caráter instrumental e

sua implementação somente pode ocorrer quando for necessário para aplicação da lei

penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,

para evitar a prática de novas infrações penais

Nesse caso, a instrumentalidade da cautelar reside justamente no suporte

que ela empresta ao processo de conhecimento.

Independentemente das modalidades de prisão cautelar, nosso sistema

jurídico já dispunha de algumas medidas cautelares como, por exemplo, a suspensão da

carteira de habilitação e a proibição de sua obtenção, a teor do art. 294 da Lei nº 9.503/97

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(Código de Trânsito Brasileiro), sendo que a doutrina e a jurisprudência aceitavam, em

algumas situações, a retenção de passaporte, hoje norma constante do art. 320 do C.P.P..294

Com a sistematização das medidas no art. 319 da lei processual, a prestação

jurisdicional pode se tornar bem mais efetiva, atentando-se para as especificidades de cada

situação em particular. Os problemas decorrentes de se manter solto um indiciado ou

acusado que preenche os requisitos para custódia cautelar ficam minimizados com a opção

de uma cautelar menos invasiva que a prisão.

Nestas considerações iniciais tratou-se de proporcionalidade, classificação,

cumulatividade das medidas cautelares e sua vedação, em princípio, nas infrações de

menor potencial ofensivo e nos casos de suspensão condicional do processo, aspectos que

se mostram relevantes para melhor entendimento do tema “monitoração eletrônica”.

5.2 Monitoração eletrônica e o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas

condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades

Conforme já exposto nas linhas finais do item 5.1, nosso sistema jurídico já

prevê obrigação semelhante quando, ao suspender o curso do processo, o juiz submete o

acusado a período de prova com algumas condições legais, dentre elas, a de

comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas

atividades, nos termos do art. 89, §1º, inciso IV, da Lei nº 9.099/95.

Com as alterações produzidas pela Lei nº 12.403/11, surge a possibilidade

de aplicação conjunta da medida de monitoração eletrônica com outras cautelares. A

principal finalidade dessa cumulação com outra medida que lhe seja compatível reside no

aspecto de se propiciar à justiça maior garantia de que os objetivos esperados sejam

alcançados, mormente para que se evite a prática de outras infrações penais.

Respeitados os parâmetros legais para aplicação das medidas cautelares, em

especial que a pena para a infração praticada seja privativa de liberdade isolada,

cumulativa ou alternativamente prevista, o juiz deve identificar a gravidade de cada caso

para impor a medida mais adequada.

Em infrações penais consideradas de pequena gravidade, as medidas menos

severas poderão ser aplicadas isoladamente. É o caso típico da medida de comparecimento

294 MACHADO DE ALMEIDA DELMANTO, Fabio. Medidas substitutivas ... op. cit., p. 182.

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periódico em juízo, que deve ser reservada para situações que tenham pequena repercussão

na esfera jurídica e na comunidade em geral.

O juiz deve fixar o prazo em que o indiciado ou acusado comparecerá ao

fórum, ocasião em que este último atualizará o endereço em que pode ser localizado e

justificará suas atividades, fornecendo informações sobre trabalho, cursos, etc.

O C.P.P. não estabeleceu prazo para comparecimento, ao contrário da

condição estabelecida na suspensão processual que prevê a obrigação mensal. Dessa

forma, caberá ao juiz, com bom senso e identificando as peculiaridades de cada caso, fixar

o prazo que se mostre mais adequado.

É interessante que o período não seja curto demais (como por exemplo,

semanalmente), de forma a dificultar o cumprimento por parte do indiciado ou acusado

(principalmente aquele que tenha atividades – trabalho ou estudo - que exijam longos

deslocamentos, como é o caso de alguém que viaje constantemente por necessidade de

trabalho, como um caminhoneiro ou representante comercial, ou alguém que tenha a

obrigação de se deslocar diariamente de uma localidade para outra, como um estudante que

reside em local diverso daquele onde efetivamente estuda).

Por outro lado, se o período for muito longo (três meses ou mais)

contribuirá para que a cautelar imposta não atinja sua finalidade.

Apesar de a lei processual não vincular o comparecimento “pessoal”, parece

íncito ao dispositivo que outra pessoa não poderá agir por procuração do indiciado ou

acusado, tendo em vista que a cautelar tem caráter eminentemente pessoal.

O comparecimento em juízo deve ser fiscalizado continuamente pelo

cartório judicial, sob pena de se tornar medida inócua para o fim almejado. O ideal é que o

juiz marque audiência para contato pessoal com o indiciado ou acusado,295 providência que

não ocorre com frequência, estando ausente qualquer indicação de que passará a acontecer.

A medida pode se mostrar ineficiente, ou pelo descumprimento por parte do

indiciado ou acusado, ou por não atingir o objetivo entabulado inicialmente pelo

magistrado, surgindo, nesse instante, a conveniência e a necessidade de que o juiz aplique

outra medida cautelar de forma substitutiva ou mesmo cumulativa, que poderá ser a

monitoração eletrônica.

295 Postulando nesse sentido: MOUGENOT BONFIM, Edilson. Reforma ...op. cit., p.. 43; e LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção ... op. cit., p. 06.

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A expectativa que se tem em relação à monitoração eletrônica é de que sirva

como reforço e motivação para que o indiciado ou acusado possa cumprir suas obrigações

legais, ao mesmo tempo em que não volte a praticar outras infrações penais.

Para finalizar, não é demais reiterar que cada situação deve ser analisada

criteriosamente, para que não haja aplicação automática da monitoração eletrônica, o que

somente traria ineficácia e descrédito para o instituto.

Pelo exposto, existe total compatibilidade entre a medida cautelar de

monitoração eletrônica e a cautela de comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas

condições fixadas pelo juiz.

5.3 Monitoração eletrônica e a proibição de acesso ou frequência a determinados

lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado

permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações

Inicialmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente já contemplava a

hipótese de afastamento do agressor da moradia comum, em caso de maus tratos, opressão

ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável (art. 130 da Lei nº 8069/90).

Anos mais tarde, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (como

ficou conhecida) trouxe dispositivo semelhante, estabelecendo que, em caso de violência

doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, o afastamento do autor dos

fatos do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima (art. 69, parágrafo único, da

Lei nº 9.099/95, alterado pela Lei nº 10.455/2002).

Posteriormente, houve a previsão, como medida protetiva de urgência, do

afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, bem

como da medida protetiva de proibição de frequentação de determinados lugares a fim de

preservar a integridade física e psicológica da ofendida (art. 22, II – afastamento - e III, “c”

- proibição de frequentação -, da Lei nº 11.340/06). Esse mecanismo legal é mais

abrangente que o anterior, mesmo porque pode ser combinado com outras medidas

protetivas legais.

Nas situações citadas nos parágrafos anteriores, o objetivo do legislador foi

o de proibir que o infrator frequente ou tenha acesso à moradia comum com a vítima.

Essa modalidade de restrição legal já existia em nosso ordenamento para

aplicação em algumas situações mais específicas, como no caso da suspensão condicional

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da pena (art.78, §2º, letra a, do Código Penal) ou suspensão condicional do processo (art.

89, §1º, inciso II, da Lei nº 9.099/95) em que o condenado ou acusado, respectivamente,

fica proibido de frequentar determinados lugares.

Concomitantemente ao comparecimento em juízo, a medida prevista no

inciso II, do art. 319, do C.P.P., se apresenta como mais uma opção ao magistrado para que

o indiciado ou acusado seja “desestimulado” a incorrer nas mesmas práticas que o levaram

às portas da Justiça anteriormente.

O texto legal refere-se objetivamente a “determinados lugares” que tenham

relação com o “fato” praticado, devendo-se extrair dessa conexão que a medida somente é

cabível quando houver indícios de que determinado lugar pode estimular ou facilitar a

prática de nova infração penal.

Se, por exemplo, o indiciado ou acusado está sendo investigado ou

processado pela prática de um ilícito penal em que há envolvimento com drogas, se mostra

adequado que lhe seja aplicada a proibição de que frequente áreas ou regiões da comarca,

em que, comumente, existem casos de uso e tráfico de drogas.

Ainda a título exemplificativo, caso o indiciado ou acusado tenha se

envolvido em lesões corporais praticadas enquanto assistia a jogos de futebol, o juiz poderá

proibir seu acesso ou frequência a estádios. Como se sabe, há algumas pessoas que

comparecem às arenas esportivas para promover algazarras e brigas com torcidas de times

adversários, participando, inclusive, de torcidas uniformizadas, que, não raras vezes, se

envolvem nesse tipo de conflito de maneira pré-orquestrada.296

A proibição de acesso ou frequência a certos lugares pode não se mostrar

suficiente em parte dos casos, sendo interessante que, sempre que possível, seja aplicada

cumulativamente com outra medida cautelar, como o comparecimento periódico em juízo

296 As infrações penais praticadas nas arenas esportivas ou em razão das competições nelas realizadas se tornaram tão frequentes que motivaram a edição de lei criminalizando condutas. Nesse sentido a Lei nº 10.671/03 – Estatuto do torcedor, modificada pela Lei nº 12.299, de 2010: Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos: Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. § 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência. § 2o Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.

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e, em casos mais específicos (como a proibição de acesso ou frequência a campos de

futebol) com a monitoração eletrônica.297

Como destaca Bottini: “Observe-se que, mesmo em caráter assecuratório, o

monitoramento em si não tem utilidade alguma, se não vier acompanhado de medida de

restrição de liberdade, seja a imposição da permanência em determinado local, seja a

vedação de frequência a outros”.298

Assim, para viabilizar e melhor fiscalizar o cumprimento da medida, o juiz

poderá determinar, de forma concomitante, a monitoração eletrônica, por meio da qual terá

plenas condições de saber se o indiciado ou acusado descumpriu a medida inicialmente

aplicada.

Determinando a utilização da monitoração, o juízo receberá relatórios

periódicos sobre o cumprimento das medidas estabelecidas e, ocorrendo descumprimento,

poderá substituir a cautelar aplicada, cumular com outra mais severa, ou, ainda, em último

caso, decretar a prisão preventiva.

Nos casos em que a prática da infração penal não estiver vinculada a um

local determinado, a medida de proibição de acesso ou frequência a lugares será inócua.

O princípio da proporcionalidade deve sempre nortear a aplicação de todas

as medidas cautelares para que situações menos graves não sejam tratadas com o mesmo

rigor de outras que exijam atenção especial dos operadores do direito envolvidos na

dialética processual.

Pelo exposto, existe total compatibilidade entre a medida cautelar de

monitoração eletrônica e a cautela de proibição de acesso ou frequência a determinados

lugares.

297 A monitoração eletrônica foi utilizada pela Justiça inglesa nos confrontos dos hooligans, para controlar o acesso de “fanáticos” que iam aos estádios de futebol com o objetivo de promover brigas. Revista Polizia Penitenziaria – Società, Giustizia, Sicurezza, L’Elettronica salverà i detenuti, Punto Informatico, Attualità, 28 nov. 2007. Disponível em: <http://punto-informatico.it/2126613/PI/News/italia-elettronica-salvera-detenuti.aspx> Acesso em 28 out. 2008. 298 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ..., op.cit., p. 396-7.

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5.4 Monitoração eletrônica e a proibição de manter contato com pessoa determinada

quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela

permanecer distante

Igualmente às situações em que o juiz pode proibir o acesso ou a frequência

a determinados lugares, neste caso a restrição é em relação à determinada pessoa.299

A figura jurídica já existia em nosso ordenamento. A referência é feita em

razão dos casos de violência doméstica que levaram à criação da Lei nº 11.340/06.

Dessa forma, mesmo antes da mudança do C.P.P., o juiz já podia proibir

determinadas condutas do agressor como, por exemplo, a aproximação e/ou o contato, por

qualquer meio de comunicação, com a ofendida, seus familiares e com as testemunhas,

fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor (art. 22, III, letras “a” e “b”,

da Lei nº 11.340/06 – conhecida por lei Maria da Penha).

As citadas medidas já possuíam caráter eminentemente cautelar, pois são

voltadas à realização do processo ou à efetividade de seus resultados.

Abstraindo-se as situações que envolvem o âmbito doméstico, várias outras

razões podem levar à ocorrência de infração penal que implique na aplicação da nova

tutela cautelar prevista no C.P.P., como por exemplo, crimes que envolvam a relação

conflituosa de dois sócios, discussões entre vizinhos, etc.

Não se mostra plausível catalogar num texto legal todas as hipóteses em que

seria possível essa postulação judicial.

A exemplo da previsão do art. 22, III, letra “b”, da Lei nº 11.340/06, o

entendimento que deve prevalecer é no sentido de que a restrição de contato aplica-se a

“qualquer meio de comunicação”. Portanto, a restrição legal é ampla, englobando qualquer

forma de contato: pessoal, telefônico, correio, por via telemática (e-mail, redes sociais,

etc.), ou por interposta pessoa.

299 O art. 138 do C.P.P. francês (alterado pelo art. 93 da Lei nº 2009-1436 de 24-11-2009) estabelece várias medidas a título de controle judicial em situações mais graves, que podem ser decretadas pelo juiz de instrução ou pelo juiz das liberdades ou da detenção, destacando-se, neste caso, o inciso 9º: “não receber ou atender algumas pessoas especificamente designadas pelo juiz e não interagir com elas de qualquer maneira”; O art. 138-1 do C.P.P. francês (criado pelo art. 92 da Lei nº 2004-204, de 09-03-2004, publicado no Jornal Oficial de 10-03-2004, em vigor em 01-10-2004) trata de assunto correlato ao art. 138. Quando a pessoa sob investigação está sujeita à proibição de receber ou encontrar-se com a vítima ou se relacionar de alguma forma com ela, nos termos do inciso 9º do art. 138, o juiz de instrução ou o juiz das liberdades e da detenção encaminhará a ela um aviso desta medida; se a vítima é uma parte civil, o aviso também é enviado ao seu advogado. Este aviso esclarece as consequências que podem resultar para a pessoa sob investigação por não obedecer a essa proibição.

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Ao contrário da proibição de acesso ou frequência a certos lugares, a

proibição de manter contato com pessoa determinada não parece se encaixar, em princípio,

naquele grupo de medidas que possam ser cumuladas com a monitoração eletrônica, tendo

em vista a dificuldade de se identificar quando a pessoa monitorada (indiciado ou acusado)

venha a manter algum tipo de contato com a pessoa beneficiada com a determinação

judicial.

Parece mais consentâneo com a medida que a própria pessoa beneficiada

avise as autoridades em caso de contato por parte do indiciado ou acusado.

Somente haveria possibilidade de cumulação dessa cautelar (art. 319, III, do

C.P.P.) com a monitoração eletrônica (art. 319, IX, do C.P.P.) nos casos em que a pessoa

beneficiada (provável vítima) também utilize, voluntariamente, mecanismo telemático (um

receptor de sinais, por exemplo), que indicaria a aproximação “física” do indiciado ou

acusado. Naturalmente, quando o contato fosse feito por outra forma, que não a física, essa

ressalva não teria aplicação.

Frente ao exposto, existe relativa compatibilidade entre a medida cautelar de

monitoração eletrônica e a cautela de proibição de manter contato com pessoa

determinada, pelas razões expostas nos parágrafos precedentes.

5.5 Monitoração eletrônica e a proibição de ausentar-se da Comarca quando a

permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução

Essa terceira modalidade de proibição é bem restrita e está limitada,

exclusivamente, à conveniência ou necessidade para a investigação ou instrução.

Da mesma forma que nas referências anteriores, essa proibição não é

totalmente estranha ao nosso ordenamento, uma vez que o juiz, ao suspender o processo

sob condições ou suspender condicionalmente a pena, impõe ao acusado ou réu,

respectivamente, a proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem sua autorização

(art. 89, §1º, inciso III, da Lei nº 9.099/95 e art.78, §2º, letra b, do Código Penal).

A hipótese legal deve ser aplicada quando o magistrado detectar indícios de

que o indiciado ou acusado possa abandonar o distrito da culpa prejudicando as

investigações ou o andamento processual.

É bem verdade que a simples aplicação dessa proibição não impedirá que o

indiciado ou acusado se ausente da comarca, se realmente quiser fazê-lo. Dessa forma,

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surge a oportunidade, conveniência e, por que não dizer, necessidade, em algumas

situações, de se cumular essa cautelar com a monitoração eletrônica, a qual, de todas as

possibilidades legais, se mostra mais adequada para efetivo controle dos deslocamentos do

indiciado ou acusado.

Se, mesmo cumulando-se a proibição com a monitoração eletrônica, o

indiciado ou acusado ausentar-se da comarca sem autorização judicial, prejudicando o bom

desenvolvimento da investigação ou da instrução, o juiz poderá decretar a prisão

preventiva de ofício, ou por provocação da autorização policial ou a requerimento do

representante do Ministério Público.

Extrai-se a conclusão de que deve haver um imperativo processual para que

ele permaneça na comarca, caso contrário, basta que o juiz decrete sua revelia,

prosseguindo-se com o processo criminal.

No caso da proibição de ausentar-se da comarca, quando a permanência for

conveniente ou necessária para a investigação,300 parece razoável supor que a cumulação

dessa cautelar (art. 319, IV, C.P.P.) com a monitoração eletrônica se mostre adequada, em

regra, quando tiver por objetivo que não se decrete a prisão preventiva.

Note-se que a prisão preventiva somente será cabível como último recurso

cautelar e depois de frustradas todas as alternativas colocadas pelo legislador à disposição

do Poder Judiciário.

Pelo exposto, existe total compatibilidade entre a medida cautelar de

monitoração eletrônica e a cautela de proibição de ausentar-se da Comarca.

300 Essa investigação pode ser desenvolvida pela Polícia Judiciária, por meio do Inquérito Policial, ou pelo órgão do Ministério Público com atribuição criminal. Sobre a investigação pelo Ministério Público, cabe citar que a Constituição Federal atribui a esse órgão o controle externo da atividade policial em seu artigo 129, VII. O Conselho Nacional do Ministério Público regulamentou o art. 9º da Lei Complementar nº 75 de 20/05/1993 e o art. 80 da Lei nº 8.625 de 12/02/1993, publicando a Resolução nº 20, de 28/05/2007 e da Recomendação nº 15, de 07/04/2010. O art. 4º, da Resolução nº 20/2007, em seu §1º, estabelece que incumbe aos órgãos do Ministério Público, havendo fundada necessidade e conveniência, instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial. O §2º prevê que o Ministério Público poderá instaurar procedimento administrativo visando a sanar deficiências ou irregularidades detectadas no exercício do controle externo da atividade policial, bem como apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustificado das requisições pertinentes. O §3º dispõe que, em caso de repercussão na esfera cível do fato originário do exercício de controle externo, o órgão do Ministério Público poderá instaurar inquérito civil público ou ajuizar ação civil por improbidade administrativa. Caso não tenha atribuições para essas medidas, incumbe-lhe encaminhar cópias dos documentos ou peças de que dispõe ao órgão do MP com atribuição.

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5.6 Monitoração eletrônica e o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias

de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos

O recolhimento domiciliar tem características próprias que o diferenciam da

prisão domiciliar, prevista nos artigos 317 e 318 do C.P.P., e mais ainda da prisão

domiciliar, prevista no art. 117 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais – L.E.P.).

Enquanto o recolhimento domiciliar e a prisão domiciliar (esta prevista nos

artigos 317 e 318 do C.P.P.) têm natureza jurídica de medida cautelar, a prisão domiciliar

prevista na LEP tem natureza jurídica de pena, pressupondo-se a existência de condenação

com trânsito em julgado.

O recolhimento domiciliar não se confunde com a também medida cautelar

de prisão domiciliar, porque aquele ocorre no período noturno e nos dias de folga, e

somente quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos, enquanto na

medida cautelar de prisão domiciliar, o indiciado ou acusado não pode ausentar-se de sua

residência sem autorização judicial.

Importante notar que o recolhimento domiciliar permite que o investigado

ou acusado mantenha suas atividades de cunho pessoal, profissional e social, praticamente,

normais, podendo dispor do período diurno dos dias que não sejam considerados de folga,

para o exercício dessas tarefas.

A lei processual estabelece dois requisitos para que o magistrado possa

aplicar o recolhimento domiciliar: residência e trabalho fixos. Infere-se que, sem o

preenchimento dessas duas condições, simultaneamente, resta vedado ao juiz a aplicação

da medida.

Não se trata de regra absoluta, na medida em que, em situações especiais,

se, exemplificativamente, o investigado ou acusado não tiver residência fixa, o juiz poderá

aplicar a medida com recolhimento em um local predeterminado, como por exemplo, um

albergue público, expedindo-se ordem judicial ao órgão público competente.

Vemos com maior dificuldade a superação do requisito do trabalho fixo,

podendo-se admitir, hipoteticamente, que o juiz aceite declaração de um empregador com

promessa de emprego, o que deverá ser devidamente fiscalizado.

Não se encontra qualquer óbice legal para que a monitoração eletrônica

possa ser aplicada cumulativamente com o recolhimento domiciliar no período noturno. A

efetividade dessa cumulação deve ser avaliada pelo juiz caso a caso.

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Nesse sentido, Bottini já destacava, bem antes da mudança do C.P.P., a

conveniência de cumulação da monitoração eletrônica com outras medidas: “Observe-se

que, mesmo em caráter assecuratório, o monitoramento em si não tem utilidade alguma, se

não vier acompanhado de medida de restrição de liberdade, seja a imposição da

permanência em determinado local, seja a vedação de frequência a outros”.301

Essa aplicação conjunta permitirá efetivo controle sobre a conduta do

indiciado ou acusado, ao mesmo tempo em que irá gerar maior credibilidade ao sistema

judiciário.302 Isso serve de incentivo para que os próprios operadores do direito que atuam

num determinado processo sintam a eficácia da medida em meio aberto e não tenham

argumentos para lançar mão do encarceramento.

Até a ampliação das medidas cautelares pessoais, um dilema se fazia

presente com frequência: ou o juiz concedia liberdade provisória, ou decretava a prisão

preventiva, o que levava à ocorrência de situações injustas em ambas alternativas. Com a

Lei nº 12.403/11, surgem várias opções, em especial a monitoração eletrônica, que pode

ser utilizada, justamente, como um recurso adicional, cumulativamente com outras

cautelares, para se evitar a medida extrema.

Pelo exposto, existe total compatibilidade entre a medida cautelar de

monitoração eletrônica e a cautela de recolhimento domiciliar no período noturno e nos

dias de folga.

5.7 Monitoração eletrônica e a suspensão do exercício de função pública ou de

atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua

utilização para a prática de infrações penais

A medida já era parcialmente prevista na Lei nº 11.343/06 (Lei de drogas)

que, em seu art. 56, §1º, possibilita que, em determinadas infrações previstas na lei especial

(arts. 33 caput e §1º, e 34 a 37), o juiz, ao receber a denúncia, possa decretar o afastamento

cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao

órgão respectivo.

Com a alteração da lei processual, a disposição foi ampliada para incluir

quem exerça atividade de natureza econômica ou financeira. Doravante, qualquer infração

301 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ... op.cit., p. 396-7. 302 Guardadas as devidas proporções, a própria L.E.P. estabeleceu a possibilidade de o juiz definir a fiscalização da prisão domiciliar por meio da monitoração eletrônica (art. 146-B, IV, da Lei nº 7.210/84).

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penal pode dar margem à aplicação da medida cautelar e não somente o envolvimento com

os tipos penais especificados no art. 56 da Lei nº 11.343/06.

O sujeito ativo também não está restrito ao fato de ser funcionário público,

desde que exerça atividade de natureza econômica ou financeira. Essas atividades podem

ser desempenhadas nas áreas pública ou privada. Na área pública, pode haver contratação

de empresa particular, por meio de licitação ou não, para desempenho de atividade

específica de natureza econômica ou financeira. Por exclusão, na área privada,

remanescem quaisquer atividades que tenham natureza econômica ou financeira.

O pressuposto legal é de que haja receio de utilização indevida da função

pública ou do poder econômico ou financeiro decorrente do exercício da atividade

correlata.

Naturalmente, a aplicação do art. 319, inciso VI, do C.P.P., fica

condicionada também ao preenchimento dos pressupostos para decretação das cautelares

em geral.

Com o afastamento da função ou de atividade, o indiciado ou acusado

perderá boa parte da influência que normalmente detém sobre outras pessoas do seu campo

de relacionamento, como funcionários, colegas de trabalho e terceiras pessoas que

frequentem seu ambiente de trabalho, bem como fornecedores de materiais ou serviços

utilizados para desempenho da função ou atividade e, ainda, adquirentes ou beneficiários

dos serviços prestados.

O indiciado ou acusado também não terá como obter informações como

antes, devendo ter, igualmente, suspensas suas senhas de acesso a sistemas informatizados

que facilitem o desvio ou emprego de informações confidenciais para a prática de infrações

penais.

Outra previsão legal está no Decreto-Lei nº 201/67, que estabelece, em seu

art. 2º, II, a obrigatoriedade de o juiz, ao receber a denúncia, manifestar-se motivadamente

sobre o afastamento do prefeito acusado do exercício do cargo durante a instrução

criminal, nas hipóteses dos vinte e três incisos do artigo 1º, do mesmo diploma legal.

Diversamente da hipótese legal prevista na lei de combate às drogas, a lei

que apura crimes de responsabilidade de prefeitos é especial para essa autoridade e, por tal

razão, há de prevalecer em caso de necessidade de decretação de um provimento que

também manterá seu caráter cautelar, como aqueles previstos no art. 319 do C.P.P..

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Em princípio, a suspensão prevista no art. 319, VI, do C.P.P., por si só, não

se apresenta compatível com a monitoração eletrônica, devendo ser buscadas outras formas

de verificação se a medida vem sendo cumprida adequadamente. Exemplificativamente,

pode-se confirmar com a repartição pública à qual o indiciado ou acusado pertence se ele

tem comparecido ao órgão ou se tem exercido algum tipo de atividade relacionada à função

antes ocupada. No caso da atividade de natureza econômica ou financeira exercida em

empresa privada ou autonomamente, a restrição judicial deve-se fazer acompanhar de

rígida fiscalização.

A cumulação com a monitoração eletrônica somente fará sentido se o juiz

tiver a necessidade de exercer controle mais intenso sobre o comportamento do indiciado

ou acusado. Entretanto, não se vislumbra, repita-se, a efetividade de eventual cumulação

com a monitoração eletrônica, pois o uso indevido da função pública ou da atividade de

natureza econômica ou financeira pode ocorrer de múltiplas maneiras, não havendo

indicações de que a monitoração eletrônica possa impedir eventual conduta ilícita.

Pelo exposto, não se constata, em princípio, compatibilidade entre a medida

cautelar de monitoração eletrônica e a cautela de suspensão do exercício de função pública

ou de atividade de natureza econômica ou financeira.

5.8 Monitoração eletrônica e a internação provisória do acusado nas hipóteses de

crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser

inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de

reiteração

O próprio texto legal destaca que a internação provisória do acusado não

pode ser decretada em qualquer situação, traçando parâmetros severos para que essa

cautelar seja aplicada.

Os requisitos estabelecidos são os seguintes:

- que já exista um acusado, pressupondo-se que há ação penal iniciada;

- que o crime tenha sido praticado com violência ou grave ameaça;

- que peritos concluam pela inimputabilidade ou semi-imputabilidade do

agente, nos termos do art. 26 do CP;

- que haja risco de reiteração.

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Não cabe aqui dissecar em detalhes cada um desses requisitos, cumprindo

ressaltar que são em número de quatro e que, de acordo com o texto legal, devem estar

presentes simultaneamente para que o juiz possa impor a internação provisória.

Dado objetivo extraído do próprio texto legal refere-se à impossibilidade de

aplicação dessa cautelar aos indiciados, ou seja, no curso da investigação.

Preenchidos os requisitos legais, a internação provisória parece ser a medida

mais adequada no caso de inimputabilidade ou semi-imputabilidade, por atender,

principalmente, a preservação da própria integridade física e psíquica do acusado,

cumprindo-se, também, a finalidade de preservar o interesse da coletividade.

Um aspecto que suscita interesse em relação a essa cautelar refere-se à

possibilidade ou não de detração do período em que o acusado estiver internado

provisoriamente. A conclusão mais harmônica com o sistema jurídico vigente parece ser

no sentido positivo.

O art. 42 do CP expressamente admite a detração nos casos de internação

provisória, sendo razoável a defesa dessa possibilidade em benefício do acusado.303

Quanto à possibilidade de cumulação entre a monitoração eletrônica e a

internação provisória, não parece haver pontos em comum que justifiquem a aplicação

conjunta, mesmo porque a internação provisória pressupõe o desenvolvimento de uma

terapia adequada a cada situação que se apresente.

Se uma dessas medidas está presente, não há razoabilidade em se aplicar a

outra, tampouco a monitoração eletrônica poderia substituir a internação provisória, a não

ser que o quadro clínico do acusado sofresse alteração pericialmente comprovada, como

ocorreria em casos que a perícia apontasse a conveniência da substituição da internação

por tratamento ambulatorial, por exemplo. Por outro lado, a internação provisória poderia

substituir a monitoração eletrônica quando se comprovasse pericialmente, no curso da

monitoração eletrônica, a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado.

Pelo exposto, não se constata qualquer compatibilidade entre a medida

cautelar de monitoração eletrônica e a cautela de internação provisória do acusado.

303 No mesmo sentido: CAPEZ, Fernando. Prisão preventiva, medidas cautelares e detração penal. Disponível no site: <http://www.midia.apmp.com.br/arquivos/pdf/artigos/2011_prisao_preventiva3.pdf> Acesso em 03 out. 2011.

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5.9 Monitoração eletrônica e a fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar

o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou

em caso de resistência injustificada à ordem judicial

Não se pretende aqui fazer estudo das infrações e de situações concretas em

que se pode aplicar o instituto da fiança, por fugir dos objetivos desta abordagem, mas é

possível afirmar que a fiança pode ser concedida sempre que não houver objetiva restrição

legal.

O legislador não delimitou os crimes em que cabe fiança, indicando aqueles

não passíveis da cautela. Nem poderia ser de outra forma, tendo em vista que não se mostra

viável relacionar todos os crimes em que a fiança pode ser prestada.304

Três são as situações em que a fiança pode ser prestada: para assegurar o

comparecimento aos atos do processo, para evitar a obstrução do andamento do processo

ou em caso de injustificada resistência à ordem judicial.

O que se percebe entre os estudiosos do tema é um verdadeiro desejo de que

o instituto da fiança adquira (ou readquira!) credibilidade e passe a ser utilizado com

efetividade no processo penal brasileiro.305

Mesmo criticando a reforma pontual do C.P.P., Aury Lope enaltece “a

revitalização do instrumento da fiança, completamente esquecido e sem aplicabilidade até

então”. 306

304 Para melhor análise do dispositivo legal é recomendável que se verifique, em primeiro lugar, as infrações que não admitem a prestação de fiança, até para que se possa abordar a relação que essa modalidade de cautela tem com a monitoração eletrônica: Não será concedida fiança nos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CF e art. 323, I, do C.P.P.), de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, drogas afins, terrorismo e naqueles definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, CF, art. 2º, II, Lei nº 8.072/90 e art. 323, II, do C.P.P.); também constam como inafiançáveis os crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CF e art. 323, III, do C.P.P.), bem como naqueles contra o sistema financeiro punidos com reclusão (art. 31 da Lei nº 7.492/86), de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (art. 3º da Lei nº 9.613/98) e nos crimes em que houver intensa e efetiva participação em organização criminosa (art. 7º da Lei nº 9.034/95). Igualmente, não cabe fiança (art. 324, do C.P.P.): aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do C.P.P. (casos de quebramento de fiança por não comparecimento ou mudança de residência sem prévia permissão); em caso de prisão civil ou militar ou quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312, do C.P.P.). 305 A situação pré-existente à mudança recente do C.P.P. pode ser resumida com a observação que segue, não havendo, entretanto, qualquer garantia de que as alterações legais irão imprimir o efeito desejado: “[...] o instituto padece de anacronismo que quase inviabiliza sua aplicação nas hipóteses mais frequentes e importantes em que é cabível – casos de prisão em flagrante delito. Isso decorre da fiança não ter a propriedade de vincular, em definitivo e de per si, o agente ao processo penal, mercê principalmente da existência da liberdade provisória sem fiança que, como visto, cabe nas hipóteses em que também cabe a fiança (salvo raras exceções) e, por ser um benefício maior, deve prevalecer sobre a liberdade provisória com fiança, em prol do sujeito ativo.” OLIVEIRA ROCHA, Luiz Otávio de; GARCIA BAZ, Marco Antonio. Fiança criminal e liberdade provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 227.

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Em estudo feito sobre a nova legislação, Scarance Fernandes analisa as

alternativas a serem seguidas em caso de flagrante delito de crimes hediondos e

assemelhados (em que é vedada a concessão de fiança), propondo a substituição da cautela

monetária pela monitoração eletrônica ou pelo recolhimento domiciliar ou pela suspensão

de função pública ou atividade econômica ou financeira.307

Evidencia-se que Scarance Fernandes classifica a monitoração eletrônica

como medida mais gravosa que a fiança.308

Feitas essas breves anotações, não se encontra, em princípio, qualquer

incompatibilidade na cumulação da monitoração eletrônica com a fiança, observando-se os

parâmetros que permeiam, justamente, aquelas situações de média ou alta gravidade em

que, por razões outras, não se mostra necessária e adequada a decretação de prisão

preventiva.

5.10 Monitoração eletrônica e as prisões cautelares: breves considerações

As prisões em flagrante e preventiva sofreram significativas alterações com

a Lei nº 12.403/11, cumprindo destacar que a mudança que mais interessa neste tópico

refere-se à previsão legal da prisão preventiva como ultima ratio.

A modificação recente ocorrida no C.P.P. não produziu qualquer alteração

para os requisitos ou hipóteses de cabimento da prisão temporária.

A prisão em flagrante, apesar de figurar como cautela (em face da ausência

de um título condenatório com trânsito em julgado), poderia ser considerada, em verdade,

como uma precautela, tendo em vista sua volatilidade temporal.309

306 LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção ...op. cit., p. 06. 307 “Conforme escrevemos no livro sobre Processo Penal Constitucional, para ser dada vigência efetiva à regra da Constituição Federal que prevê a inafiançabilidade desses crimes, sem tornar obrigatória a manutenção da prisão porque haveria afronta ao princípio da presunção de inocência, uma solução razoável seria a de o juiz, quando não for o caso de conversão em prisão preventiva, impor alguma medida cautelar mais grave do que a fiança, como, por exemplo, as medidas de monitoramento eletrônico, de recolhimento domiciliar, de suspensão de função pública ou atividade econômica”. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Medidas cautelares ...op. cit.,p. 06. 308 Com todo o respeito à posição de Scarance Fernandes, apesar de concordarmos com a substituição proposta, entendemos que a fiança pode ser catalogada no mesmo patamar que a monitoração eletrônica (sempre que aplicada com livre locomoção), cada qual com suas especificidades, mas ambas de médio grau em relação às demais cautelares previstas nos artigos 319 e 320 do C.P.P.. A proposta completa que apresentamos de classificação dos provimentos cautelares encontra-se no item 5.1 deste trabalho. 309 A expressão “precautela” foi utilizada por Loris D’Ambrosio no estudo da natureza jurídica do termo fermo (fermo di indiziati di reato, do C.P.P. italiano), para quem fermo é medida precautelar, de caráter provisório e preprocessual, citado por Scarance Fernandes. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Prisão temporária e “fermo”: estudo comparativo. N. 54 (157), São Paulo: Justitia, jan-mar 1992, p. 22.

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Ocorre que essa modalidade de privação de liberdade somente tem vida

entre a lavratura do auto de prisão em flagrante pela autoridade policial e o despacho

judicial previsto no art. 310 do C.P.P., quando o juiz deverá, fundamentadamente, adotar

uma das seguintes providências: relaxar a prisão ilegal, converter a prisão em flagrante em

preventiva, se não couber uma das medidas cautelares diversas da prisão, ou conceder

liberdade provisória, com ou sem fiança.

Superada essa fase de apreciação judicial, a prisão em flagrante

simplesmente desaparece.

Com relação à prisão preventiva, anote-se que a redação original do art. 312

caput do C.P.P. foi mantida, sendo acrescido o parágrafo único que estabeleceu mais uma

hipótese para decretação da medida extrema, no caso de descumprimento de qualquer das

obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, fazendo expressa menção ao

art. 282, §4º, do C.P.P..

Esse último artigo prevê que a prisão preventiva poderá ser determinada

quando não for cabível a sua substituição ou cumulação com outra medida cautelar, dentre

aquelas elencadas no art. 319 do mesmo estatuto.310

Bottini propõe a monitoração eletrônica como substituto da prisão:

Essa política seria mais evidente no caso do monitoramento processual. Este não teria o caráter de medida cautelar autônoma, que se somaria à prisão preventiva, afetando aqueles que atualmente se encontram em liberdade, mas teria natureza substitutiva em relação à prisão, utilizado para transformar a custódia processual em liberdade vigiada. O monitoramento processual substitutivo da prisão teria o condão de reduzir o número de detidos provisoriamente, desafogando o sistema e preservando a liberdade de parcela significativa dos processados.311

Pode-se concluir que não há compatibilidade (para fins de cumulação) entre

a monitoração eletrônica e qualquer das modalidades de prisão processual.

310 Não parece de todo absurdo aventar a hipótese de, pelo princípio da proporcionalidade e, por que não dizer, da razoabilidade também, que, não sendo possível aplicar uma das medidas cautelares previstas na legislação e havendo outra medida, também de cunho cautelar, ainda que não prevista na legislação (especial ou C.P.P.), o juiz, dentro de um poder geral de cautela limitado e em benefício do indiciado ou acusado, possa optar por essa alternativa, antes de decretar a prisão preventiva. Para fazer essa colocação, parte-se do próprio ideal transmitido pelo legislador no texto legal, por meio do qual, ele repete várias vezes que a prisão preventiva deve ser o último recurso a ser adotado pelo juiz, indicando que devem ser esgotadas todas as possibilidades permitidas pelo ordenamento jurídico como um todo. Naturalmente, não se pretende a adoção de uma medida que contrarie os princípios constitucionais vigentes, muito pelo contrário. Com relação ao reconhecimento de um “poder geral de cautela” na esfera criminal, o S.T.F. admitiu a imposição de condições judiciais (alternativas à prisão processual) com base na ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto (S.T.F., 2ª Turma, HC 94.147/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, j. 27-05-2008). 311 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ..., op.cit., p. 400.

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Se analisada isoladamente, a prisão preventiva é uma medida extrema, não

se podendo dizer o mesmo da monitoração eletrônica;312 entretanto, se ambas forem

cumuladas, haveria desnecessária e inadequada duplicidade de medidas. Além de ser

mantido encarcerado, o indiciado ou acusado ainda teria de utilizar dispositivos de

vigilância eletrônica, o que se mostra desarrazoado.313

Existem grandes dificuldades em se conciliar a monitoração eletrônica com

as demais medidas cautelares que importem privação de liberdade em algum tipo de local

que não seja a residência do indiciado ou acusado.

A monitoração eletrônica pode ser aplicada em casos especiais que

apresentem relativa gravidade, mas em que não seja imposta a prisão cautelar.

Como na fase de execução penal, a prisão domiciliar poderá ser cumulada

com a monitoração eletrônica, nos casos previstos em lei.314

Aliás, essa medida é utilizada com regularidade em outros países.315

Exemplificativamente, o caso de uma mulher gestante estrangeira (como

nos casos em que as pessoas são utilizadas pelo tráfico internacional de drogas e acabam

sendo detidas nos aeroportos – as denominadas “mulas do tráfico”), que esteja em seu

sétimo mês de gravidez e que, por seu comportamento, apresente indicações de que poderá

dificultar ou impedir a aplicação da lei penal por eventual fuga.

Parece razoável que, se o juiz conceder a prisão domiciliar numa situação

similar, se acautele ao máximo para assegurar a aplicação da lei penal e aplique a

monitoração eletrônica, nos termos dos artigos 317 e 318 do C.P.P., para ter maior

segurança de que a indiciada ou acusada não empreenderá fuga.

312 Veja-se, a respeito, a proposta de classificação das medidas cautelares feita no item 5.1 (A relação entre a monitoração eletrônica e outras medidas cautelares pessoais - noções gerais). 313 A título ilustrativo, relembre-se que o Brasil recebeu, por via reflexa, influência do pensamento do império português quando D. Pedro, ainda Príncipe Regente, por Decreto de 23 de maio de 1821, ordenou que: “[...] em caso nenhum possa alguém ser lançado em segredo, ou masmorra estreita, escura ou infecta, pois que a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e flagelar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de correntes, algemas, grilhões e outros quaisquer ferros, inventados para martirizar homens, ainda não julgados, a sofrer qualquer pena aflitiva, por sentença final; entendendo-se, todavia, que os Juízes e magistrados Criminais poderão conservar por algum tempo, em casos gravíssimos, incomunicáveis os delinquentes, contanto que seja em casas arejadas e cômodas e nunca manietados, ou sofrendo qualquer espécie de tormento [...]”. Decreto de 23-05-1821. “Coleção das Leis do Brasil de 1821”. Rio de Janeiro, Imp. Nacional, 1889, Parte II, p. 88-9. “Ordenações e leis do Reino de Portugal, confirmadas e estabelecidas pelo senhor D. João IV”. Lisboa, Mosteiro de S. Vicente de Fora, 1747, Livro V, Título 95; coleção 11ª, p. 282-3. MORAES PITOMBO, Sérgio M. Inquérito Policial: Novas tendências. Belém: Edições Cejup, 1987, p. 52. 314 A Lei de Execuções Penais, guardadas as devidas proporções, estabeleceu a possibilidade de o juiz definir a fiscalização da prisão domiciliar por meio da monitoração eletrônica (art. 146-B, IV, da Lei nº 7.210/84). 315 A respeito do tema, verificar os itens 6.3. (Monitoração eletrônica na Inglaterra, País de Gales e Escócia) e 6.7. (Monitoração eletrônica na França).

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Por outro lado, não seria proporcional que, havendo a possibilidade de

conceder a prisão domiciliar, mantivesse a gestante no cárcere, muito provavelmente, sem

a assistência adequada.316

Com caráter intermediário entre uma medida cautelar sem privação de

liberdade e outra com essa característica, está previsto o recolhimento domiciliar no

período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e

trabalho fixos (art. 319, V, do C.P.P.).

Conforme já analisado no item 5.6, que trata da compatibilidade da

monitoração eletrônica e da referida medida cautelar, não se identifica qualquer óbice para

que haja cumulação entre as duas.

Em suma, não se identifica compatibilidade entre a monitoração eletrônica e

as modalidades de prisão processual cumpridas em locais que não sejam a própria

residência do indiciado ou acusado.

Em contrapartida, observa-se a compatibilidade da monitoração eletrônica

com as seguintes medidas: comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições

fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; proibição de acesso ou frequência a

determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou

acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; proibição

de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao

fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; proibição de ausentar-se da

Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou

instrução; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o

investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; e, fiança, nas infrações que a

admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu

andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

Por outro lado, conclui-se pela incompatibilidade da monitoração eletrônica

com as seguintes medidas: suspensão do exercício de função pública ou de atividade de

natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a

prática de infrações penais; internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes

praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável

316 Nesse particular, é relevante anotar que a ausência de residência não seria fator impeditivo para concessão da prisão domiciliar, visto que o juiz pode determinar que um albergue público ou abrigo similar receba a indiciada ou acusada.

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ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; e, as prisões

cautelares.

Ao final deste capítulo, constata-se que a monitoração eletrônica é uma

espécie de medida cautelar que deve ser aplicada em casos muito específicos, seja visando

ao alcance de um objetivo predeterminado, normalmente vinculado ao maior rigor no

cumprimento de outra medida aplicada em cumulação, seja para que a m.e não caía em

descrédito.

Em princípio, não se vislumbra amparo legal para cumulação da

monitoração eletrônica com as prisões processuais.

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6 A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA EM OUTROS SISTEMAS

PROCESSUAIS

6.1 Considerações iniciais

As experiências de monitoração eletrônica em outros países revelam a busca

de alternativas para vigilância de pessoas em cumprimento de sentenças penais

condenatórias, em obediência a penas alternativas que tenham sido impostas pelo Poder

Judiciário ou pactuadas entre as partes, ou, ainda, como medida de cunho cautelar,

conforme o sistema processual de cada país.

Dentro da perspectiva do presente estudo, o maior interesse reside no

emprego da monitoração eletrônica na fase anterior à condenação com trânsito em julgado,

sem prejuízo de uma análise perfunctória de sua aplicação na fase de execução, tendo em

vista que a tecnologia aplicada é basicamente a mesma.

Entre as novidades tecnológicas mais aceitas em outros países, destaca-se a

tornozeleira ou bracelete eletrônico. Os textos estudados denotam uma justificada

preocupação com a confiabilidade do sistema a ser adotado, fazendo com que haja, sempre

que possível, um prévio período de experimentação dos mecanismos disponíveis no

mercado.

Os sistemas informatizados aliados às comunicações via satélite muito têm

colaborado para essa almejada eficiência.

Conforme a tecnologia escolhida, algumas condições básicas têm sido

exigidas para inclusão nos programas de monitoração, podendo-se destacar o fato de o

infrator ter residência fixa como item facilitador.

Em alguns países também são essenciais a vontade do condenado, o

consentimento da família em algumas situações, a análise da gravidade da infração e uma

atividade laborativa real.

Após sua concepção, nos Estados Unidos na década de 60, e implementação

em algumas cidades americanas, no final da década de 70, vários países passaram a utilizar

os mecanismos de monitoração com a finalidade inicial de desafogar os seus sistemas

penitenciários, adaptando as legislações para emprego na fase inicial do processo, em razão

dos benefícios constatados para se evitar o cárcere provisório.

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No Canadá, quatro províncias desenvolveram projetos de monitoração

eletrônica de pessoas que estavam sob a responsabilidade da justiça (a partir de 1987). Na

Europa, Inglaterra e País de Gales foram os primeiros a utilizar essa tecnologia em 1989;

depois, vieram Suíça, a partir de 1994, Países Baixos, desde 1995 e Bélgica, em 1998.317

Suécia, em 1994, e Holanda, em 1995, também conceberam projetos de

monitoração eletrônica

Vários outros países estão em fase de implantação e/ou aperfeiçoamento de

programas de monitoração: África do Sul, Alemanha, Andorra, Austrália, China,

Dinamarca, Escócia, Espanha, França, Hungria, Israel, Itália, Japão, Noruega, Nova

Zelândia, Portugal, Singapura, Suíça318 e Tailândia.319

Inglaterra, Canadá, Holanda, País de Gales e Suécia já possuem programas

mais amadurecidos.320

A monitoração eletrônica, como uma opção na fase anterior ao julgamento

em alternativa à prisão provisória, também é utilizada na Inglaterra, País de Gales,

Alemanha e Portugal.321

A Argentina aplica a monitoração eletrônica de presos desde 1997,

passando utilizá-la para detidos sem condenação definitiva a partir de 2003.322

Por certo, em decorrência dos avanços tecnológicos e da reação (favorável

ou não) de cada sociedade, esse quadro está sujeito a permanente mudança.

É relevante frisar a preocupação dos povos europeus com a preservação da

privacidade dos indivíduos, traço que se exterioriza por meio de Tratados e Convenções

internacionais.323

317 Disponível em <http://prisions.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011. Informações do Ministério da Justiça francês: “Une alternative à l’incarcération: 1er juin 2008: 3.924 placements sous bracelet électronique”. 318 Na Suíça, o mecanismo de monitoração eletrônica tem sido chamado de “pulseira mágica”. LEHNER, Dominik. Monitoramento eletrónico como alternativa. Porto Alegre: Revista Síntese, n. 65, dez-jan-2011, p. 65. 319 Ernesto Schargrodsky nos dá informações sobre alguns outros países: a Colômbia implementou um sistema de monitoração eletrônica com G.P.S. em 2009; o Peru também aprovou uma lei sobre o mesmo tema, a qual ainda não estava regulamentada; na data da publicação do artigo havia propostas em andamento no Chile, Costa Rica, México e Uruguai; o autor destaca também que a Inglaterra está utilizando sistema com reconhecimento de voz. SCHARGRODSKY, Ernesto. Monitoreo electrónico de detenidos como alternativa al encarcelamiento, Fundación Paz Ciudadania, Santiago de Chile, 11 de mayo de 2011. Disponível em: <http://www.pazciudadana.cl/docs/ext_20110511182706.pdf> Acesso em: 09 out. 2011. 320 OLIVEIRA, Edmundo. Direito penal do futuro – A prisão virtual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 35-6. 321 LEHNER, Dominik. Monitoramento ... op.cit., p. 66. 322 SCHARGRODSKY, Ernesto. Monitoreo electrónico de detenidos como alternativa al encarcelamiento, Fundación Paz Ciudadania, Santiago de Chile, 11 de mayo de 2011. Disponível em: <http://www.pazciudadana.cl/docs/ext_20110511182706.pdf> Acesso em: 09 out. 2011.

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Após sucinta referência aos países que adotaram a monitoração eletrônica, o

presente estudo visa a trazer algumas informações sobre os sistemas implantados pelos

Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales, Escócia, Canadá, Suécia, Itália, França, Portugal

e Argentina.

Outro ponto a destacar reside no fato de que não serão tratados com

profundidade, além do necessário, aspectos de cautelaridade de cada um desses países,

priorizando-se os sistemas de monitoração, momentos processuais em que se aplica a

vigilância eletrônica, seus problemas e suas vantagens.

Apesar de várias características comuns entre os diferentes países, cada um

deles tem peculiaridades próprias em relação à monitoração eletrônica e, justamente por

conta disso, preservou-se, o quanto possível, a nomenclatura e as especificações de cada

sistema.324

Como base de consulta atualizada sobre os progressos da monitoração

eletrônica, nos vários países do mundo, pode ser citada a Conference Permanente

Europeenne de la Probation (C.E.P.)325 que já realizou sua primeira conferência em 1998 e

a segunda em 2001. A partir desse ano, as conferências passaram a ser bianuais, sendo a

última em maio de 2011.

6.2 Monitoração eletrônica nos Estados Unidos

6.2.1 Abordagem preliminar

Os questionamentos e problemas que envolvem o cárcere vêm de longa

data. À medida que a civilização evolui, a consciência de que a prisão não é a melhor

alternativa parece também crescer. A questão fica mais latente quando estamos diante de

uma prisão processual, em que, por definição, não há título executivo penal.

323 Na Europa, o direito à privacidade é elevado ao status de um direito fundamental. O artigo 8º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais afirma: "Todo homem tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, seu domicílio e da sua correspondência." O Tratado da União Europeia reconhece esta Convenção e impõe aos Estados-Membros a obrigação de respeitar os direitos fundamentais garantidos nele. 324 “É esta, também, outra tarefa de simples aproximação. Um escritor contemporâneo, preocupado com as diferenças de acepção entre palavras idênticas no common law e no direito codificado continental, pôs-nos de sobreaviso contra o perigo inerente a toda tradução de vocábulos jurídicos de um idioma para outro.” COUTURE, J. Eduardo. “A tradução para outros idiomas”. Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 195. 325 www.cep-probation.org.

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A ideia de retirar presos da cadeia e mantê-los sob vigília em seu domicílio

também não é nova. O Canadá foi um dos primeiros países a colocar em prática essa

alternativa, no ano de 1946.326

Parece haver consenso entre os pesquisadores quanto ao fato de que a

monitoração eletrônica nasceu nos E.U.A., sendo este o primeiro país do mundo a

implantar sistemas dessa natureza, naturalmente com a tecnologia disponível na época.

Nos E.U.A., os sistemas de monitoração eletrônica surgiram em 1966,

quando, pela primeira vez, Ralph Schwitzgebel montou o protótipo de um mecanismo que

possibilitava seguir os movimentos de quem o utilizasse, encontrando-se no interior de um

edifício.327

Segundo Céré, o bracelete eletrônico foi idealizado em agosto de 1979 pelo

juiz norte-americano Jack Love, na cidade de Albuquerque, Novo México. A idéia foi

inspirada na história em quadrinhos do Homem-Aranha, em que o vilão utilizava um

mecanismo dessa natureza para localizar o herói, o qual tinha em seu braço uma espécie de

radar.

O magistrado entrou em contato com um engenheiro eletrônico e lhe pediu

para desenvolver um sistema de monitoração. Em 1983, o mesmo juiz fez testes consigo

utilizando por várias semanas um bracelete. Na sequência, ele experimentou o artefato em

cinco presos.

A invenção sofreu constantes inovações e se desenvolveu em vários Estados

americanos por meio de projetos-piloto (Washington, Virginia e Flórida). Menos de quatro

anos depois, vinte e seis Estados americanos já utilizavam mecanismos de vigilância

eletrônica, passando, na década seguinte, para vários países da Europa.

Moretti menciona, em paralelo ao histórico narrado por Céré, que os

primeiros projetos de monitoração eletrônica nascem em torno dos ano 80, quando são

326 CÉRÉ, Jean-Paul. La Surveillance Électronique: une réelle innovation dans le procès penal? Net, Rio de Janeiro: Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano VII, n. 8, 8 jun. 2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/24715/surveillance_eletronique_une_reelle.pdf?sequence=1.> Acesso em: 14 out. 2011. RODRÍGUES-MARGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel electrónica para la creación del sistema penitenciário del siglo XXI. Disponível em: <http://dspace.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/6128/C%c3%a1rcel_Gud%c3%adn_AFDUA_2004_2005.pdf?sequence=1> Acesso em 15 out. 2011. O autor também faz breve histórico sobre as origens dos dispositivos de controle eletrônico. Da mesma forma Edmundo Oliveira nos traz informações sobre o nascimento dos mecanismos de contenção eletrônica. OLIVEIRA, Edmundo. Direito penal do futuro ...op. cit., p. 27 e seguintes. 327 MORETTI, Barbara. Day reporting Center: un’esperienza integrata di – community service – e monitoraggio elettronico. Rassegna Italiana di Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 115.

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experimentados os D.R.C. (Day Reporting Centers), seguindo exemplo dos Day Centers

desenvolvidos na Inglaterra e voltados para autores recorrentes com um baixo nível de

criminalidade, derivado sobretudo do abuso de substâncias entorpecentes e com falta de

instrumentos mínimos que permitam uma vida socialmente regrada (basic life skills).328

6.2.2 Implantação e desenvolvimento atual

A monitoração eletrônica avançou rapidamente nos E.U.A., em face dos

avanços tecnológicos e o “verdadeiro contágio” com que o novo sistema atingiu os

políticos americanos. A principal razão desse otimismo exarcebado: primordialmente, o

forte apelo popular que a medida obtinha com o argumento de que seriam economizados

milhões de dólares no esvaziamento das prisões (fato que, não demorou muito a se

perceber, não ocorreria com o vigor e velocidade pretendidos inicialmente).

Aliás, esse foi o mesmo “motor” que fez com que a monitoração eletrônica

se espraiasse rapidamente por vários países do mundo.

Em 1990, existiam aproximadamente 12.000 delinquentes sujeitos a

monitoração eletrônica nos E.U.A., os quais eram geridos por agências legais, privadas e

voluntárias, com diferentes objetivos.329

A evolução do sistema de tracking330 se deu com o uso da mesma

metodologia antiga de trabalho, só que com o apoio de monitoração por satélite, programa

que está em uso experimental desde 1997, especialmente na Flórida, Texas, Nova Jersey e

Michigan. É utilizado para vigiar condenados por crimes violentos ou de viés sexual.

Segundo esclarece John Steer , em 2004, nos Estados Unidos, havia mais de

20.000 sentenciados cumprindo medidas judiciais sob regime de monitoração eletrônica

(pretrial release ou electronic monitoring for pretrial release - liberação de monitoração

eletrônica pré-julgamento), que é implementado por meio de tornozeleiras eletrônicas

328 MORETTI, Barbara. Day reporting Center: un’esperienza integrata di – community service – e monitoraggio elettronico. Rassegna Italiana di Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 116. 329 NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 40 e 52. O autor explica também o funcionamento da fiscalização por tracking. 330 O tracking indica outra forma de fiscalização que surgiu nos E.U.A., na década de 70, consistindo num método de supervisão intensiva e individualizada, acoplado a um trabalho consistente de proporcionar visitas frequentes e inopinadas em domicílio, na escola e com os amigos, assim como aconselhamento e também apoio jurídico.

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colocadas no tornozelo do apenado. Naquele país, a medida é considerada um benefício

para o condenado.331

Já o pesquisador americano Mark Renzema estima que no mesmo ano, isto

é, em 2004, havia cerca de 100.000 americanos utilizando algum tipo de mecanismo de

monitoração eletrônica diariamente (considerando-se o emprego nas fases pré e pós

julgamento), mas concluiu que: “passados mais de 20 anos da implantação da tecnologia,

não sabemos tanto quanto deveríamos saber”.332

De acordo com Céré, a monitoração eletrônica é amplamente aplicada nos

Estados Unidos. Seu apelo é de tal porte, que é difícil contar exatamente a pessoas que

utilizam a pulseira electrônica. A legislação federal projetou o dispositivo como uma

alternativa à suspensão condicional da pena e à liberdade vigiada e os Estados adicionam a

medida nas sentenças ou medidas de prisão domiciliar.

As vantagens do sistema estão no menor custo para o Estado em relação à

pena privativa de liberdade, além da possibilidade de o condenado trabalhar para arcar com

as despesas da própria pena. Outro ponto que merece destaque é o fato de a monitoração

eletrônica permitir que um provimento cautelar ou uma pena sejam cumpridos de forma

mais digna, com maior respeito à dignidade333 e privacidade do indivíduo.

Entretanto, com base nas informações de Céré, a monitoração eletrônica

também é aplicada a menores de idade, situação que é estranha ao ordenamento jurídico

brasileiro, ao menos por enquanto. O autor acrescenta que a monitoração eletrônica é

muito utilizada para infratores de trânsito e da legislação antidrogas que necessitam de um

acompanhamento rigoroso na comunidade.

331 A informação foi prestada por John Steer, na condição de Conselheiro Geral da Comissão de Sentenças dos E.U.A., durante a Conferência Internacional sobre Penas Alternativas, realizada em Brasília, em maio de 2004. TOFIC SIMANTOB, Fábio. O monitoramento eletrônico das penas e medidas alternativas – efetividade ou fascismo penal? Boletim IBCCrim nº 145, dez. 2004, p. 13. 332 Mark Renzema é psicólogo nos E.U.A.; fundou o Journal of Electronic Monitoring, em 1987, e é um dos poucos especialistas em monitoração eletrônica, internacionalmente, reconhecido. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 53. 333 Embora tratando de privacidade de informações pessoais, o texto que segue fornece uma visão abrangente sobre o tema. A lei norte-americana nesta área se destaca da maioria do mundo, que começa da posição de que o direito à privacidade é um princípio fundamental da dignidade humana. A dignidade humana significa "ser concedido o respeito e status adequado para um ser humano ser tratado de uma forma que permita se viver uma existência por vez." LASPROGATA, Gail; KING, Nancy J.; e PILLAY, Sukanya. Regulamento de Monitoramento Eletrônico de empregados: Identificar os Princípios Fundamentais de Privacidade dos funcionários através de um Estudo Comparativo de Dados de Legislação de privacidade na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. December 20, 2004 – Cite: 2004 STAN. TECH. L. REV. 4. Disponível em: <http://stlr.stanford.edu/2004/12/regulation-of-electronic-employee-monitoring/ > Acesso em 15 set. 2011.

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Com dados semelhantes àqueles apresentados por Renzema, Céré considera

que o número de indivíduos colocados sob vigilância eletrônica é de cerca de 100.000,

permanentemente. De fato, como um investimento é feito, em média, a cada três ou quatro

meses, cerca de 400.000 pessoas são colocadas sob vigilância eletrônica por ano. Os

programas de monitoração eletrônica são geralmente acompanhados de medidas sócio-

educativas fornecidas por oficiais de liberdade condicional e não representam um mero

instrumento de controle. O público beneficiado com as medidas é selecionado, em

especial, de acordo com a infração original (o abuso ou violência sexual são excluídos) e o

perfil psicológico apresentado por indivíduos (os mais vulneráveis são excluídos).334

6.3 Monitoração eletrônica na Inglaterra, País de Gales e Escócia

6.3.1 Abordagem preliminar

Mike Nellis elaborou estudo sobre o tema da monitoração eletrônica,

trazendo comparações com a situação existente até os anos 80, quando a exigência era de

que o condenado comparecesse periodicamente ao fórum para assinar um registro de

presença e fornecer qualquer alteração de residência ou emprego, com a opção de pedir

ajuda de um assistente social, caso o desejasse (depreende-se que nesse período não havia

aplicação da vigilância eletrônica).335

Em razão da ausência de procedimentos técnicos mais eficientes, esse

padrão de conduta é adotado até hoje nos fóruns brasileiros.

Outra forma de fiscalização que surgiu nos E.U.A., na década de 70, e que

foi importada para a Inglaterra na década seguinte, denomina-se tracking e pode ser

definido como método de supervisão intensiva e individualizada. O trabalho consiste em

proporcionar visitas frequentes e inopinadas em domicílio, na escola e com os amigos,

assim como aconselhamento e também apoio jurídico.

334 CÉRÉ, Jean-Paul. La Surveillance Électronique ... op. cit. 335 O autor é professor de Justiça Criminal e Comunitária na Glasgow School of Social Work, da Universidade de Strathclyde, PhD pelo Institute of Criminology, Cambridge, Doutor pelo Instituto de Criminalística, Cambridge. Esse artigo foi publicado pela primeira vez em 2004, recebendo atualizações posteriores, inclusive com revisão recente de Nuno Caiado, especialista português em matéria de vigilância eletrônica. O texto foi utilizado como base para elaboração deste tópico sobre “Inglaterra, País de Gales e Escócia”. As considerações que têm origem em outros textos estão devidamente identificadas. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 37-61.

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O tracking sobrevive como um elemento chave de uma prática eficaz nas

Equipes de Delinquentes Juvenis (e mais dificilmente nos serviços de probation), mas é

mais frequentemente designado como “tutoria” e entendido mais como apoio do que

vigilância.

O confinamento domiciliar não constitui em si mesmo forma de vigilância,

mas representa restrição significativa, principalmente durante o período noturno.

Independentemente da vigilância eletrônica, essa medida já estava prevista no Criminal

Justice Act de 1967 e contemplava aplicação na “fase anterior ao julgamento”.

6.3.2 Implantação e desenvolvimento atual

Inglaterra e País de Gales foram os primeiros países da Europa a terem

contato com a vigilância eletrônica, a partir de 1987.

A pulseira eletrônica foi experimentada na Escócia somente em agosto de

1998, com sentenças de restrição de liberdade executadas eletronicamente.

Com o advento da monitoração eletrônica, o confinamento domiciliar foi

revitalizado por meio do Livro Verde “Punição, Custódia e a Comunidade” (Ministério do

Interior, 1988).

O sistema de monitoração começou a ser utilizado em Nottinghan, New

Castle e Londres em 1989, substituindo pequenas penas privativas de liberdade e a “prisão

provisória”, somente para infratores maiores de 17 anos.

A implantação da monitoração eletrônica foi gradual à medida que a nova

tecnologia provava sua eficiência.

O White Paper denominado “Crime, Justiça e Proteção ao Público”

(Ministério do interior, 1990) vinculou o governo a um confinamento vigiado

eletronicamente. Nesse período, foi desenvolvido pelo governo um “ensaio curto” sobre

confinamentos vigiados eletronicamente, com pessoas sujeitas a confinamento domiciliar

obrigatório, “incluindo acusados ainda sem condenação, como alternativa à prisão

provisória”.

Em 1991, o Parlamento inglês editou o Criminal Justice Act, tornando

disponível a tecnologia como sentença condenatória para maiores de 16 anos e por um

período máximo de seis meses. A intensa oposição dos serviços de probation à utilização

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de pulseiras eletrônicas obrigou o Ministério do Interior a entregar o desenvolvimento

dessa tecnologia a empresas privadas.

O Act de 1991 foi modificado pelo Criminal Justice Order Act, de 1994,

incorporando a novidade ao sistema legal.

Apesar da resistência inicial, os próprios serviços de probation passaram a

aceitar a monitoração eletrônica quando perceberam que até países considerados mais

liberais, como Suécia e Holanda, estavam favoráveis à nova tecnologia.

O alto custo das prisões e a insuficiência de outras opções levaram a Grã-

Bretanha a regulamentar a vigilância eletrônica para constatação de presença ou ausência

de um acusado em determinado lugar. Um dos objetivos previstos é avaliar a eficácia e a

viabilidade da monitoração eletrônica, visando a estender a medida para todo o território

nacional.336

Em julho de 1995, outro projeto foi aprovado em Manchester, Norfolk e

Reading, permitindo que oitenta e três pessoas se beneficiassem com a monitoração

eletrônica, no período de um ano.337

Entretanto os testes com confinamento fiscalizado por monitoração apenas

começaram em 1996. Como condição, o infrator tinha um horário determinado para

recolhimento a sua residência ou ambiente designado pelo juiz. Em 1998, houve novo

aprimoramento legal, autorizando-se o monitoramento na residência do infrator, como

forma de liberação antecipada, através do Crime and Disorder Act.

No final da década de 90, o governo deu grande apoio ao desenvolvimento

da monitoração eletrônica, contratando três empresas privadas para partilhar a cobertura

nacional do país (Securicor, Premier and Reliance).

Como na Escócia a vigilância eletrônica somente foi implantada em 1998,

os programas nesse país tiveram andamento diverso daquele experimentado por Inglaterra

e País de Gales. Na Escócia, as Sentenças de Restrição de Liberdade (Restrition of Liberty

Ordens), com emprego de pulseira eletrônica, incluíam dois tipos de confinamento: em

local específico durante o máximo de doze horas diárias (permanecer em um determinado

336 RICHARDSON, Françoise. Electronic tagging of offenders: trials in England. Howard Journal of Criminal Justice. Vol. 38 (2), maI. 1999, p.158-172. Abstract disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1468-2311.00124/abstract> Acesso em 09 out. 2011. 337 BARBAGALLO, Isidoro. La sorveglianza elettronica dei detenutti: profili di diritto comparato. Rassegna Italiana di Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 355.

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local) e com exclusão de um local específico por até 24 horas por dia (não acessar um

determinado local).338

Em janeiro de 1999, foi lançada a Home Detention Curfew (HDC) na

Inglaterra, um esquema não testado de liberação prisional antecipada para delinquentes

condenados a penas inferiores a quatro anos.

A partir de 1º de dezembro de 1999, ocorreu regulamentação conjunta por

Inglaterra e País de Gales, no que concerne a jovens com mais de dez anos de idade

condenados por pequenos atos de delinquência repetitiva, ou pelo não pagamento de multa,

ou não realização do trabalho comunitário, desde que tenham residência fixa e expressem

consentimento.

A Grã-Bretanha implantou a partir de 2001 um sistema de monitoração de

jovens infratores reincidentes que permite a vigilância integral, com auxílio de câmaras de

vídeo instaladas em vários pontos da cidade, que reconhecem os portadores desses

mecanismos. O sistema é administrado pelo setor privado.

Em paralelo, foi desenvolvido um programa experimental de “prisão

domiciliar antes do julgamento”, dirigido aos adolescentes infratores com idades entre 12 e

16 anos (confinamento), que foi ampliado em julho de 2002 para incluir os jovens de 17

anos.

Além da radiofrequência, outras tecnologias podem ser utilizadas, como por

exemplo: verificação de voz, autenticação biométrica e posicionamento global (G.P.S.).

A evolução dos sistemas de controle passa pela conexão aos aparelhos

celulares e por testes em voluntários, com a inserção no corpo de microchip conectado a

um sinalizador via satélite.339

De acordo com Nellis, há três centros de vigilância pertencentes ao setor

privado, em Salford, Norwich e Swindon que recebem informações remotamente e em

tempo real sobre o correto cumprimento de medida de confinamento domiciliar que lhe foi

imposto, em qualquer lugar da Inglaterra e Gales. Existe um quarto centro na cidade de

Glasgow, que faz a cobertura de toda a Escócia.

Esses centros recebem e registram os sinais emitidos pelas pulseiras

eletrônicas usadas pelos acusados que devem manter-se na proximidade dos transmissores

338 Segundo Nellis, até 2004, a Irlanda do Norte não tinha qualquer projeto de vigilância eletrônica. 339 OLIVEIRA, Edmundo. Direito penal do futuro ...op. cit., p. 39/41.

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que estão conectados ao seu telefone residencial (radiofrequência). O período de

confinamento é estabelecido pelo Tribunal.

Um dos méritos dos confinamentos com monitoração eletrônica apontado

pelos técnicos de probation indica a interrupção dos padrões temporais dos crimes, como

por exemplo, realizar compras durante o dia e praticar violências no período noturno.

Algumas conclusões apresentam unanimidade entre os técnicos: a não

utilização das pulseiras eletrônicas em condenados violentos e reincidentes (principalmente

no âmbito da violência doméstica), em condenados com problemas de saúde mental ou

física ou quando o emprego da pulseira pudesse trazer problemas familiares.

Verifica-se que as opiniões iniciais dos técnicos sobre a monitoração

eletrônica eram no sentido de que a medida era pesada, mas, com o decorrer do tempo, os

inquiridos se mostravam mais inclinados a caracterizá-la como uma sanção mais leve.

O dispositivo também foi utilizado nos confrontos dos “hooligans” para

controlar o acesso de pessoas que iam aos estádios de futebol com o objetivo de promover

algazarras e brigas, impedindo que os torcedores pudessem assistir pacificamente aos

espetáculos esportivos.340

Acerca do tipo de monitoração eletrônica utilizada, Dominik Lehner

esclarece que Inglaterra, País de Gales e Escócia utilizam um conjunto de programas de

monitoração, ao contrário, por exemplo, da Dinamarca, que tem apenas um programa. O

tipo mais comum de programa é o de pré-liberação ou de liberação antecipada. A

monitoração eletrônica, como uma opção na fase anterior ao julgamento em alternativa à

prisão provisória, também é utilizada na Inglaterra, País de Gales e Escócia.341

Na Inglaterra e País de Gales, a monitoração eletrônica também é utilizada

pelas autoridades de imigração para estrangeiros requerentes de asilo, bem como para

fiscalizar o cumprimento de prisão domiciliar de suspeitos de terrorismo.342

Como contraponto, Barbagallo adverte que, apesar de a vigilância eletrônica

ser vista com otimismo pelo governo do Reino Unido, ainda há resistências de várias

340 Revista Polizia Penitenziaria – Società, Giustizia, Sicurezza, L’Elettronica salverà i detenuti, Punto Informatico, Attualità, 28/11/2007. Disponível em: <http://punto-informatico.it/2126613/PI/News/italia-elettronica-salvera-detenuti.aspx> Acesso em 28 out. 2008. 341 LEHNER, Dominik. Monitoramento ... op.cit., p. 66. 342 Id. Ibid.

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associações e de profissionais que chegam a caracterizar como desastrosos os resultados de

tais experiências.343

Como se pode constatar, apesar de existir grande pressão política para

ampliação dos programas de monitoração eletrônica, não há unanimidade sobre a

efetividade dessa medida.

6.3.3 Estatísticas

As sentenças de confinamento com monitoração eletrônica foram

inicialmente experimentadas em Norfolk, Reading e Grande Manchester. Pesquisas

realizadas entre julho de 1996 e junho de 1997 indicam que foram decretadas 83 sentenças

no primeiro ano e 375 no segundo.344

Pesquisadores ingleses coletaram dados a partir de 1996 com objetivo

principal de diagnosticar o processo de implementação dos confinamentos com

monitoração eletrônica, focando o seguimento dos adolescentes, mas obtendo uma média

de 73% de taxa de reincidência, principalmente por furto ou violência.345

A Grande Manchester foi a responsável pelo maior número de sentenças,

em Reading houve forte resistência, resultando na menor aplicação a monitoração

eletrônica.

A pulseira eletrônica era mais utilizada em homens do que em mulheres,

talvez em razão de questões estéticas ligadas ao vestuário.346

A média de duração das sentenças de confinamento era um pouco superior a

três meses, sendo de 82% a taxa de conclusão.

De acordo com Nellis, outro aspecto interessante apurado nas pesquisas

refere-se aos custos dos programas: o confinamento com monitoração eletrônica custa em

torno de l.900 libras esterlinas cada, enquanto o confinamento, quando concomitante com

343 BARBAGALLO, Isidoro. La sorveglianza elettronica dei detenutti: profili di diritto comparato. Rassegna Italiana di Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 356. 344 Os dados apresentados neste item foram coletados por Nellis, a partir de várias pesquisas realizadas por especialistas na Inglaterra. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 44 e seguintes. As estatísticas anuais estão disponíveis em <www.probation.homeoffice.gov.uk>. 345 Constata-se que os dados trabalhados pelas pesquisas referem-se, em sua maioria, ao emprego da vigilância eletrônica na fase de execução de pena, tanto de adultos, quanto de adolescentes. O emprego da monitoração eletrônica na fase pré-julgamento tem números proporcionalmente bem menores. 346 Ao revisar o texto já traduzido de Nellis, Nuno Caiado esclarece que a aplicação padrão das “pulseiras” eletrônicas é no tornozelo. NELLIS, Mike. O monitoramento ...op.cit.

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outra pena (normalmente comunitária), custa em torno de 2.200 libras esterlinas cada.347

Tomando-se por base esses dados, se fossem sentenciados anualmente 8.000

confinamentos com monitoração eletrônica simples ou conjuntos com trabalhos

comunitários, três quartos deles substituindo penas de três meses de prisão, deixariam de

ser utilizados aproximadamente 1.300 lugares em prisões, economizando-se milhões de

libras anualmente.348

Esse apelo econômico é muito forte nos sistemas de common Law. Por

certo, essas conclusões foram levadas em conta pelo governo na decisão de implementar os

confinamentos com monitoração eletrônica em nível nacional a partir de dezembro de

1999.

Para se ter uma ideia, as estatísticas informam que entre janeiro de 1999 e

fevereiro de 2004, no conjunto de todos os programas colocados em prática, estiveram

sujeitos a monitoração eletrônica cerca de 144.000 pessoas, registrando-se que, durante o

ano de 2003, houve um aumento dos confinamentos com monitoração eletrônica em

adultos (9.264 comparados com os 5.628 do ano anterior).

Em janeiro de 1999, o governo inglês aplicou, em nível nacional, a medida

de confinamento domiciliar no âmbito da libertação antecipada para 16.000 condenados

(com emprego da monitoração eletrônica).349 Esse número representou somente 30% dos

tecnicamente elegíveis em razão da cautela dos diretores prisionais. A taxa de

cumprimento foi de 95%, salientando-se que o período antecipado na pena foi de apenas

dois meses.

Uma avaliação mais profunda foi realizada 16 meses depois, quando já

tinham sido liberados 21.400 condenados, mantendo-se as taxas acima mencionadas. Essa

segunda avaliação, que constatou os mesmos 5% de encarceramento, era formada de maior

número de penas de roubo e menor número para as de fraude.

Todos os índices apresentados contribuíram para tornar o programa de

confinamento domiciliar, no âmbito da libertação antecipada (com emprego da

347 Em 12/10/2011, o valor de 1.200 libras esterlinas equivalia a aproximadamente R$ 3.360,00 e 2.200 libras esterlinas a R$ 6.160,00. 348 NELLIS, Mike. O monitoramento ...op.cit. Anote-se que as estatísticas apresentadas pelo autor não indicam os custos do sistema prisional, dificultando o fechamento dos cálculos; por essa razão, tais dados devem servir, exclusivamente, como “mera referência” e não como “base concreta” para estudo. 349 Ao revisar o texto já traduzido de Mike Nellis, Nuno Caiado esclarece que, no original, o confinamento domiciliar no âmbito de uma libertação antecipada, denomina-se Home Detention Curfew. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit.

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monitoração eletrônica), mais confiável. Entretanto a diminuição de despesas continuou a

ser a pedra fundamental de manutenção do programa.

O período médio de detenção domiciliar foi de 45 dias, com um custo

aproximado de 1.300 libras esterlinas, por confinamento, com redução de 1.950

condenados da população prisional, resultando na economia aproximada de 63,4 milhões

de libras esterlinas.350

Pesquisas também foram realizadas com relação à “monitoração eletrônica

na fase pré-sentencial”, conforme se verá a seguir.

As primeiras tentativas de aplicação na “fase pré-julgamento” ocorreram em

1989 e 1990. Apesar do tempo decorrido, os princípios e a tecnologia disponível já eram

suficientes, mas as baixas taxas de cumprimento faziam com que os vigiados fossem

considerados um grupo-alvo inadequado.

Depois do relativo sucesso da monitoração eletrônica na fase pós-

julgamento (após 1996), o Ministério do Interior voltou a testar a monitoração eletrônica

na fase pré-julgamento.

Nova pesquisa examinou 9.000 decisões de novo encarceramento tomadas

entre abril de 1998 e agosto de 1999, constatando 198 (cento e noventa e oito)

confinamentos, a maioria homens de 17 a 35 anos de idade. Os resultados não foram

animadorecs, uma vez que 66% dos vigiados violaram seriamente a decisão judicial, tendo

95% praticado infrações que não implicaram em revogação. 42 (quarenta e dois) vigiados

romperam com o programa, dos quais 24 (vinte e quatro) permaneceram custodiados, 07

(sete) reincidiram e 11 (onze) fugiram.

No total, 124 (cento e vinte e quatro) completaram o confinamento sob

caução, alguns após infração e continuação. Constatou-se que o apoio familiar foi

extremamente importante para o sucesso da medida, principalmente das mulheres dos

acusados.

Os pesquisadores estimaram que apenas metade dos confinamentos com

monitoração eletrônica foram concretizados com acusados em risco de prisão provisória.

Esse é um fator de deveria ser aperfeiçoado, caso contrário o custo com um sistema

nacional de monitoração eletrônica poderia ultrapassar os custos com o encarceramento, na

fase pré-sentencial.

350 Em 12/10/2011, o valor de 1.300 libras esterlinas equivalia a aproximadamente R$ 3.640,00 e 63,4 milhões de libras esterlinas a R$ 177.520.000,00.

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163

Para corroborar a assertiva de que a vigilância eletrônica é, efetivamente,

uma nova forma de supervisão em comunidade, vêm os números de indivíduos sob

monitoração diariamente na Inglaterra e País de Gales (cerca de 10.338 – dez mil, trezentos

e trinta e oito) e Escócia (393 – trezentos e noventa e três), a partir de 30 de junho de 2004.

Entretanto, qualquer comparação com o sistema de medidas cautelares no Brasil deve levar

em conta as peculiaridades de cada país.

Algumas considerações finais podem ser extraídas dos textos sobre

Inglaterra e País de Gales: até o final da década de 70, esses dois países somente

utilizavam o sistema de registro de presença no fórum, muito similar àquele, ainda,

existente no Brasil; na década de 80, o tracking (método de supervisão intensiva e

individualizada) foi implantado, representando uma mudança no controle de pessoas sob

fiscalização da justiça; especialmente a partir de 1990, foram implantados os

confinamentos vigiados eletronicamente, inclusive antes da condenação; os elevados

custos das prisões foram o fator preponderante para que os projetos de monitoração

eletrônica progredissem; são utilizadas técnicas variadas de monitoração eletrônica; jovens

também são inseridos nos programas de monitoração eletrônica; os técnicos avaliavam,

inicialmente, a monitoração eletrônica como uma medida pesada, passando, com o tempo,

a caracterizá-la como sendo mais leve; os Tribunais fixam os períodos de confinamento

com monitoração eletrônica (espécie de emprego mais utilizado); o apoio das famílias das

pessoas inseridas nos projetos de monitoração eletrônica é muito importante.

Focando a monitoração eletrônica na fase anterior ao julgamento, que é o

tema de estudo deste trabalho, uma conclusão relevante com relação, principalmente, à

Inglaterra, pode ser extraída do texto: a monitoração eletrônica, na fase anterior à

condenação, somente se mostrou viável economicamente quando imposta para substituir a

custódia preventiva. Depreende-se, portanto, que em razão de os juízes aplicarem a medida

sem o necessário critério, isto é, sem que fosse, somente, nos casos em que seria decretada

uma das modalidades de custódia cautelar, todo o programa foi prejudicado e sofreu abalo

em sua credibilidade.

6.4 Monitoração eletrônica no Canadá

O mecanismo mais empregado no Canadá é o bracelete eletrônico.

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Conforme já mencionado, algumas províncias canadenses começaram a

empregar o monitoramento eletrônico em 1987. Os dispositivos do monitoramente se

aplicam, na maioria dos casos, aos condenados a penas privativas de liberdade com

duração entre sete dias e seis meses de prisão, sendo essencial que o condenado desenvolva

alguma atividade de caráter permanente, como um trabalho ou estudo.

Outras províncias daquele país, como Quebec, não adotaram o dispositivo,

considerando-o de custo incompatível com o resultado alcançado, mas essa restrição

constitui-se uma exceção.

Pessoas com alguma condição especial também podem fazer parte do

programa, como por exemplo, mulheres grávidas, condenados portadores de AIDS,

doentes terminais e idosos.

No sistema canadense de monitoração eletrônica também pode ser inserido

quem é condenado por dirigir veículo automotor embriagado ou sem habilitação.

Para finalizar, importa destacar que o respeito à privacidade351 do indivíduo

é traço marcante da cultura canadense, o que influencia todos os tecidos sociais,

repercutindo, igualmente, na área judiciária.

6.5 Monitoração eletrônica na Suécia

As primeiras experiências com o monitoramento eletrônico na Suécia

remontam a 1994, completando-se a sua implantação em 1997.

Sua aplicação é prevista para penas privativas de liberdade inferiores a três

meses.

351 Embora tratando de privacidade de informações pessoais, o texto que segue fornece uma visão abrangente sobre o sistema canadense. O Canadá define o direito à privacidade como um direito fundamental. Embora a privacidade não seja um direito expressamente garantido pela Carta Canadense dos Direitos e Liberdades, a noção de direito à privacidade emerge de ideais democráticos em relação ao individual, do Estado e das liberdades fundamentais necessárias para a democracia. No Canadá, a mais alta corte decidiu que "a privacidade é o cerne da liberdade em um Estado moderno [democrático]". Com a evolução das novas tecnologias computacionais, o foco nos últimos anos tem sido sobre o direito à privacidade de informação, que inclui a proteção das informações pessoais a partir da intromissão indevida por terceiros. No Canadá, o direito à privacidade informacional tem sido descrito como "o direito do indivíduo de determinar por si mesmo quando, como e em que medida ele vai liberar informações pessoais sobre si mesmo". LASPROGATA, Gail; KING, Nancy J.; e PILLAY, Sukanya. Regulamento de Monitoramento Eletrônico de empregados: Identificar os Princípios Fundamentais de Privacidade dos funcionários através de um Estudo Comparativo de Dados de Legislação de privacidade na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. December 20, 2004 – Cite: 2004 STAN. TECH. L. REV. 4. Disponível em: <http://stlr.stanford.edu/2004/12/regulation-of-electronic-employee-monitoring/> Acesso em 15 set. 2011.

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São condições para sua implantação: domicílio fixo, existência de uma linha

telefônica em casa, exercício de atividade profissional ou estudantil, depósito de cerca 50

coroas (aproximadamente 5,40 Euros) para auxiliar nas despesas do sistema.

O meio de controle tecnológico é, normalmente, utilizado em casos de

abuso de álcool e drogas, havendo, também, a necessidade de adesão a treinamento,

frequência a cursos voltados para o afastamento do vício, além do compromisso de

abstinência com relação às referidas substâncias.

Em caso de alerta de violação ou descumprimento das obrigações, o serviço

socioeducativo é acionado para que seja feito contato com o indivíduo, podendo, a

comissão encarregada, optar pelo encarceramento do infrator.352

O programa sueco de “supervisão intensiva com monitoração eletrônica” é

oferecido à maioria dos condenados e vem substituir três meses de sentença em custódia.

Trata-se do sistema europeu que, provavelmente, melhor integra a monitoração eletrônica

na probation e parece ter conseguido reduções significativas do uso da prisão.353

A Suécia não adota unicamente o confinamento como pena e o tempo de

permanência no domicílio é bem mais prolongado que na Inglaterra, por exemplo. Na

Suécia, quem está em cumprimento de confinamento com monitoração eletrônica tem

somente 46 horas livres por semana, permanecendo as demais em domicílio.

6.6 Monitoração eletrônica na Itália

6.6.1 Abordagem preliminar

O art. 13 da Constituição italiana estabelece a inviolabilidade da liberdade

pessoal, inadmitindo detenção, inspeção ou mesmo busca pessoal, ou qualquer ato que

importe em restrição à liberdade pessoal, salvo por ordem judicial.

O Livro IV do Código de Processo Penal italiano é dedicado às medidas

cautelares pessoais (Título I) e reais (Título II). O Capítulo I do Título I trata das

disposições gerais afetas às medidas cautelares pessoais (artigos 272 a 279 do C.P.P.). O

Capítulo II trata das medidas coercitivas (artigos 280 a 286-bis do C.P.P.).

352 OLIVEIRA, Edmundo. Direito penal do futuro ...op. cit., p. 44-5. 353 NELLIS, Mike. O monitoramento ...op.cit., p. 54.

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As medidas pessoais coercitivas são: proibição de saída do país; obrigação

de apresentação à polícia judiciária; afastamento da casa familiar; proibição de moradia em

determinados lugares; arresto domiciliar; custódia cautelar em cárcere e custódia cautelar

em hospitais (artigos 281 a 286).

O Capítulo III trata das medidas interditivas (artigos 287 a 290 do C.P.P.).

São medidas pessoais restritivas de direitos: suspensão do exercício do pátrio poder dos

pais; suspensão do exercício de uma função ou serviço público; proibição temporária de

exercer determinadas atividades profissionais ou empresariais (artigos 288 a 290).

O Capítulo IV trata da forma de execução dos provimentos (artigos 291 a

298 do C.P.P.).

O Capítulo V trata da extinção das medidas (artigos 299 a 308 do C.P.P.).

O Capítulo VI trata das impugnações (artigos 309 a 311 do C.P.P.).

O Capítulo VII trata da aplicação provisória de medida de segurança

(artigos 312 a 313 do C.P.P.).

O Capítulo VIII trata da reparação pela injusta detenção (artigos 314 a 315

do C.P.P.).

Os princípios gerais que regem a matéria podem ser agrupados da seguinte

forma:

I – Taxação das medidas cautelares;

II – Necessidade de subsistência de graves indícios de culpabilidade;

III – Inaplicabilidade de medidas limitativas (presença de uma causa de

justificação de não punibilidade);

IV – Impossibilidade de provimentos automáticos restritivos;

V – Presença dos princípios da adequação e proporcionalidade;

VI – As exigências cautelares não podem ser incompatíveis com a tutela

dos direitos da pessoa submetida a essas medidas;

VII – Jurisdicionalidade das medidas cautelares;

VIII – Possibilidade de modificação, revogação e definição de duração

máxima com consequente caducidade, decorrido o prazo;

IX – Impugnação dos provimentos relativos às medidas coercitivas e

apelação em relação às medidas cautelares pessoais em geral;

X – Possibilidade de aplicação de medida de segurança no decorrer do

processo;

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XI – Direito à reparação da injusta custódia cautelar.

Segundo Giuseppe e Rodolfo Bettiol, essas são as balizas legais que

norteiam o estudo das medidas cautelares naquele país.354

O ordenamento italiano permite que, em casos de necessidade e urgência, a

autoridade de segurança poderá adotar “providências provisórias” que deverão ser

convalidadas pela autoridade judicial, no prazo de 48 horas.

Encontram-se na Carta Magna os limites para atuação das autoridades.

O texto não deixa margem de dúvida quanto à intenção do legislador

constitucional de vedar qualquer forma de abuso de autoridade.

As regras de nº 32 e 34 da Lei Delegada regulam a prisão em flagrante e

tratam do fermo, pelo qual a polícia judiciária tem o poder-dever de prender, cabendo ao

Ministério Público resolver a prisão, no prazo de 24 horas. Essa modalidade de prisão se

aplica quando há fortes indícios de prática de delitos graves e quando há fundado perigo de

fuga.355

Fermo di indiziati di reato está previsto nos artigos 384 a 391 do C.P.P..

O Arresto in flagranza obrigatório (art. 380 do C.P.P.) e facultativo (art. 381

do C.P.P.) correspondem em linhas gerais à prisão em flagrante do Brasil.

6.6.2 Implantação e desenvolvimento atual

O Título I do Livro IV do C.P.P. italiano contempla as medidas cautelares

pessoais, merecendo destaque, em face das limitações do presente estudo, aquela que trata

do controle eletrônico do acusado ou por outros meios técnicos.

O art. 275-bis prevê a possibilidade de o juiz decretar a medida cautelar de

prisão domiciliar como substitutivo da detenção cautelar. Levando-se em conta a natureza

dos fatos e a exigência cautelar para fazer frente ao caso concreto, o magistrado pode

prescrever procedimentos de controle eletrônico (sorveglianza elettronica) ou por outros

meios técnicos, sempre que disponibilizados pela polícia judiciária.

354 BETTIOL, GIUSEPPE e RODOLFO. Instituições de direito e processo penal. Trad. Amilcare Carletti. São Paulo: Pillares, 2008, p. 220-3. 355 Scarance Fernandes assinala que Itália e Portugal promulgaram leis delegadas que ditaram as regras e princípios a serem seguidos pelo governo para edição dos novos C.P.P. desses países. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Prisão temporária e “fermo”: estudo comparativo, Justitia, São Paulo, 54 (157), jan/mar 1992, p. 23.

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Em caso de recusa do acusado em fornecer seu consentimento para a

vigilância eletrônica, o juiz pode decretar a prisão preventiva.

O funcionário responsável por cumprir a ordem judicial deve colher o

consentimento ou a discordância do acusado em relação à monitoração eletrônica, sempre

por meio de declaração expressa, a qual deve ser encaminhada ao juiz que emitiu a ordem

e ao Ministério Público.

Essa remessa deve ser acompanhada do relatório previsto no artigo 293, I,

do C.P.P.. O relatório informa se foram cumpridas todas as exigências legais em relação ao

acusado: entrega de cópia do mandado judicial; advertência ao acusado de que tem a

faculdade de nomear um defensor de sua confiança; imediata intimação do defensor

nomeado pelo acusado.

Após aceitar a vigilância eletrônica, o acusado deve facilitar os

procedimentos de instalação dos mecanismos, além de cumprir as condições que lhe forem

determinadas.356

6.7 Monitoração eletrônica na França

6.7.1 Abordagem preliminar

Como em outros países da Europa, a monitoração eletrônica na França

(Placement sous Surveillance Électronique – P.S.E.) também remonta a período

relativamente recente. A evolução tecnológica vem permitindo a modernização dos meios

de vigilância dos acusados, tanto na fase anterior do processo, quanto durante o seu

desenvolvimento e mesmo após a sentença condenatória.

Não se pode ignorar que as primeiras iniciativas de monitoração eletrônica

ocorreram em função do número expressivo de presos do sistema francês, da pouca

dignidade da pena privativa de liberdade e do custo que isso representa para a sociedade.357

Essa motivação é traço marcante de todos os sistemas que aderiram à

monitoração. Quer na fase anterior à condenação (presos provisórios), quer na posterior, o

356 Articolo introdotto dall’art.16 comma 2 del D.L. 24 novembre 2000, n. 341, convertito, con modificazioni, nella L. 19 gennaio 2001, n. 4, in G. U. n° 16 del 20 gennaio 2001. 357 Em 1998 foi montada uma comissão para analisar as soluções encontradas pelos outros países acerca do tema. Essa comissão identificou que a monitoração eletrônica nasceu nos E.U.A., onde se desenvolveu muito entre 1988 e 1998. Bulletin Officiel Du Ministère De La Justice, disponível em: <http:// www.textes.justice.gouv.fr/art pix/boj 20080001 0000 0017.pdf > Acesso em 24 mai. 2011.

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respeito às garantias constitucionais deve ser observado, anotando-se que a mesma

evolução tecnológica serve para ambos os momentos processuais.

O que muda de um país para outro são as normas legais e a forma como

cada sociedade resolve implementar o sistema de monitoração.

Um relatório de 1995 enviado pelo Senador Guy-Pierre Cabanel ao Primeiro

Ministro francês propunha a aplicação da vigilância eletrônica no âmbito da detenção

domiciliar. A ideia era impor a medida aos condenados a penas privativas de liberdade não

superiores a três meses.

O art. 15 da Lei nº 96-1235, de 30/12/1996, tratando da detenção cautelar,

entre outros assuntos, incluiu a vigilância eletrônica, para alguns casos, entre as medidas

alternativas (e substitutivas) da detenção.358

O art. 142-5 do C.P.P. prevê uma modalidade de prisão correicional em

residência cumulada com vigilância eletrônica 359

O equipamento utilizado na França recebe o nome de bracelet electronique.

A lei de 19/12/1997 prevê a Colocação sob Vigilância Eletrônica (P.S.E.) no

quadro de alternativas à prisão para todas as penas de prisão inferior a um ano.360 O

decreto de aplicação dessa lei foi assinado em 03/04/2002 e essa modalidade de aplicação

da P.S.E. vem prevista no art. 723-7 do C.P.P..361

As primeiras experiências começaram em outubro de 2000, com uma

centena de detidos. Foram utilizados braceletes por um período de quatro meses, que

transmitiam os sinais automaticamente a um receptor colocado no local de assinatura

(domicílio, trabalho, escola, etc.). Este receptor envia as mensagens, por intermédio de

uma linha telefônica, a um centro informatizado de supervisão, que fica responsável por

acionar alarmes em caso de inobservância de procedimentos ou de dano ao equipamento.

358 BARBAGALLO, Isidoro. La sorveglianza elettronica dei detenutti: profili di diritto comparato. Rassegna Italiana di Criminologia. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 356. 359 Sous-section 2: De l'assignation à résidence avec surveillance électronique. Article 142-5 do C.P.P. francês. L'assignation à résidence avec surveillance électronique peut être ordonnée, avec l'accord ou à la demande de l'intéressé, par le juge d'instruction ou par le juge des libertés et de la détention si la personne mise en examen encourt une peine d'emprisonnement correctionnel d'au moins deux ans ou une peine plus grave. Cette mesure oblige la personne à demeurer à son domicile ou dans une résidence fixée par le juge d'instruction ou le juge des libertes. 360 Sob a iniciativa da Assembleia Nacional, o Parlamento estabeleceu, no quadro de discussão dos projetos de lei relativos ao reforço da presunção de inocência e dos direitos das vítimas, várias medidas, destacando-se aquelas destinadas a evitar certas detenções provisórias. Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011. 361 Article 723-7.

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A prisão de Angers foi a primeira de l’Quest a experimentar a monitoração

em domicílio. Em 2002, cerca de 50 (cinquenta) detidos receberam braceletes eletrônicos

que facilitaram sua reinserção social. Outras prisões também experimentaram a nova

tecnologia: Lille, Marseille, Agen e Béziers.

Antes dessa ampliação, mais precisamente em 27/06/2001, a Comissão de

leis constitucionais, de legislação e de administração geral da República já havia recebido

relatórios sobre a monitoração eletrônica aplicada no período precedente. Em paralelo à

aprovação das medidas, houve a proposta de que referida vigilância deveria ser aplicada

por um período máximo de quatro meses, em razão das limitações impostas aos detidos. 362

O art. 137 do C.P.P. francês (alterado pela Lei nº 2009-1436 de 24/11/2009

– art. 71) estabelece que qualquer pessoa sob investigação, por ser considerada inocente,

permanece livre. No entanto, devido às exigências da investigação ou como medida de

segurança, pode ser compelida por uma ou mais obrigações de controle judicial ou, sendo

elas insuficientes, ser colocada em prisão domiciliar com monitoração eletrônica

Excepcionalmente, se as obrigações de prisão judicial, ou em casa com

monitoração eletrônica não atingirem esses objetivos, ela pode ser colocada em custódia.363

Quem decide decretar ou prorrogar a detenção provisória é o juge des

libertés et de la détention.

6.7.2 Implantação e desenvolvimento atual

A P.S.E. é uma modalidade de controle judiciário (antes da sentença) ou um

modo de execução de pena privativa de liberdade, que pode ocorrer no interior de um

estabelecimento penitenciário ou em outro local fixado pelo juiz. O agente pode ser

submetido (cumulativamente) à interdição de se ausentar de seu domicílio ou de outro

local durante períodos fixados.364

A decisão de P.S.E. não leva em conta o tipo de infração penal pela qual a

pessoa foi ou poderá ser condenada, mas a duração da pena prevista.

362 Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em: <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011. 363 Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=0F30D6271BC38E0EBFC473AA58E90703.tpdjo10v_1?idSectionTA=LEGISCTA000021331523&cidTexte=LEGITEXT000006071154&dateTexte=20111006 > Acesso em 06 out. 2011. 364 “Les modalités d’application – Bracelet électronique’s Weblog.” Disponível em: <htt://beaury.wordpress.com/synthese/ii-les-modalites-dapplication> Acesso em 25 mai. 2011.

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A medida de P.S.E. pode ser aplicada nas seguintes fases processuais: antes

do processo criminal, na esfera de controle judicial; no momento do julgamento, como

alternativa à detenção; após o julgamento, como medida prévia à imposição de pena e

juntamente com a detenção, na esfera de vigilância judiciária.

Depois da lei de 09/03/2004, em razão da evolução da criminalidade, a

P.S.E. pode ser acordada dentro do quadro de “procedimentos de reconhecimento prévio

de culpabilidade”. Ela pode ser proposta como ameaça de uma pena de prisão inferior a um

ano pelo Procurador da República e homologada pelo Presidente do Tribunal de Superior

Instância, assim como pelo juiz de aplicação de penas, nos termos do art. 495-8 do C.P.P.

francês.365 Sua duração é de um ano no máximo.

Na fase anterior à sentença, a P.S.E. pode ser aplicada pelo juiz de instrução

(art. 138 do C.P.P. e art. R. 57-33 do C.P.P. francês) como modalidade de controle judicial.

Outros juízes também são competentes para pronunciar essa medida: o juiz das liberdades

e da detenção, o juiz de menores, e o tribunal dos conflitos, se houver um encaminhamento

do caso.

A P.S.E. tem duração máxima de um ano. Essa modalidade de medida foi

introduzida pela lei de 09/09/2002 e aplicada após o decreto de 17/03/2004.366

Para fixar os horários e os lugares de controle de presença, o juiz deve levar

em conta a atividade profissional e o contexto familiar do acusado. Em contrapartida, as

comissões do governo francês concluíram que a monitoração eletrônica não deve ser

aplicada em caso de penas muito curtas, para se evitar reações psicológicas nos usuários

dos equipamentos, o que poderia levar até ao suicídio.367

A aplicação da P.S.E. pode ser acompanhada de obrigações que o juiz pode

impor de uma lista de vinte e duas: responder às convocações do juiz de aplicação de penas

ou do trabalho social, abster-se de conduzir certos veículos, de entrar em contato com

certas pessoas (vítimas ou cúmplices de infrações) ou, ainda, de não frequentar certos

locais.

365 Article 495-8. 366 Em 01/10/2002, havia 13 jurisdições aplicando a monitoração eletrônica, com as seguintes estatísticas: 363 medidas aplicadas, sendo 272 terminadas e 91 em curso (18 sem conclusão, sendo 04 por evasão). O parecer final foi pela viabilidade da medida. Em 01/02/2004, havia 369 presos sob monitoração eletrônica; Em junho de 2004, havia 698 presos sob monitoração eletrônica Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011. 367 Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011.

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Seis motivos podem ser invocados para cancelamento da P.S.E. (art.723-13

do C.P.P.):368

- inobservância de certas interdições ou obrigações previstas em lei;

- má conduta notória;

- descumprimento de obrigações impostas pelo o juiz de aplicação de penas;

- nova condenação;

- recusa pelo condenado de uma modificação imposta das condições de

execução;

- pedido do condenado.

A Lei nº 2005-1549, de 12/12/2005, relativa ao tratamento de reincidência

criminal introduziu a Colocação sob Vigilância Eletrônica Móvel (Placement sous

Surveillance Électronique Mobile - P.S.E.M.) para liberação do condenado como parte do

monitoramento judicial e social. O Decreto Estadual nº 2007-1169 do Conselho, de

01/08/2007, alterou o C.P.P. introduzindo a medida, após parecer da Comissão Nacional

sobre Informática e Liberdades.

Em contrapartida, a P.S.E.M. somente pode ser aplicada em determinados

tipos de infração penal e de acordo com três modalidades mais restritivas, que levam em

conta a infração e não se baseiam mais, unicamente, na duração da pena ou da previsão de

pena. A P.S.E.M. é utilizada na fase posterior à sentença condenatória, em casos que

envolvem crimes sexuais, mediante o preenchimento de algumas condições previstas em

lei.

Depreende-se que, normalmente, a aplicação da P.S.E.M. depende da

concordância do acusado, mas, em situações específicas, a medida pode ser imposta sem o

consentimento (Ex.: internação compulsória).369

A pessoa colocada sob vigilância eletrônica é equipada com um transmissor

móvel (agora estendido até o tornozelo, ou padrão de pulso) e uma unidade de transceptor

portátil também conhecida como a geolocalização. O transmissor envia um sinal de rádio

contínuo pelo transceptor. O receptor é usado em um cinto ou alça a tiracolo e tem um

G.P.S. (posicionamento por satélite).

368 Article 723-13. 369 O próprio condenado (portanto, na fase de execução) também pode postular a monitoração eletrônica, sempre na presença de um advogado de sua confiança ou de um defensor nomeado pelo Estado. Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011.

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Esse receptor recebe continuamente o sinal de satélite para localizar a

pessoa. Se não houver recepção de satélite, há um relê que auxilia a localização pelo

sistema de posicionamento (L.B.S.), baseado no telefone (G.S.M.). Este receptor tem

duração de cerca de 16 horas, após o que deve ser recarregado. Há também um receptor

portátil que pode ser colocado na casa ou local de trabalho do usuário do equipamento.370

Em caso de descumprimento da monitoração eletrônica ou de nova

condenação, o juiz pode, após instaurar procedimento contraditório na presença de

advogado, revogar a medida, decisão sujeita a recurso de apelação no prazo de 10 dias.371

Até 2004, o sistema penitenciário estava encarregado de fiscalizar e

verificar o bom funcionamento dos equipamentos. A partir de 2005, a tarefa foi transferida

para a iniciativa privada.

370 Bulletin Officiel Du Ministère De La Justice, disponível em: <http:// www.textes.justice.gouv.fr/art pix/boj 20080001 0000 0017.pdf > Circulaire de la DACG nº CRIM 08-05/E3 du 28 janvier 2008, relative au placement sous surveillance électronique móbile. Acesso em 24 mai. 2011. 371 Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011.

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6.8 Monitoração eletrônica em Portugal

Com o objetivo de implantar em alguns Estados brasileiros, bem com de

aprimorar o sistema de vigilância electrónica (como é denominada em Portugal) em

outros, é de extrema importância que a experiência desenvolvida em Portugal seja

estudada. A respeito do tema, um acordo de cooperação foi assinado durante a 16ª

Conferência de Ministros da Justiça de Países Ibero-Americanos, na Cidade do México,

ocorrida em 21/10/2010.372

As origens históricas e culturais que aproximam Brasil e Portugal estão a

recomendar o estudo desse paradigma. Esse acordo tem como objeto a transferência de

conhecimentos, cooperação técnica e prestação de assistência técnica e jurídica entre

Portugal e Brasil.

A complexidade de um sistema de monitoração exige estrutura bem

planejada e organizada para servir de retaguarda às questões jurídicas e práticas que

inexoravelmente surgirão.

O C.P.P. português prevê as seguintes medidas cautelares (entre os art. 196

e 202): termo de identidade e residência; caução; obrigação de apresentação periódica;

suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos; proibição de permanência, de

ausência e de contatos; obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva.373

O art. 201 possibilita que as medidas entabuladas nos nº 1 e 2 sejam

fiscalizadas por meios técnicos de controle à distância, nos termos da lei. As medidas são

as seguintes: não se ausentar, ou não se ausentar sem autorização da habitação própria ou

de outra em que resida, ou de instituição de apoio social e de saúde, quando houver fortes

indícios de prática de crime doloso com pena de prisão de máximo superior a três anos;

essa obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contatar,

por qualquer meio, com determinadas pessoas.374

372 Disponível em: <http://www.dnt.adv.br/noticias/sistema-portugues-de-monitoramento-eletronico-de-presos-pode-servir-de-exemplo-ao-brasil/ > Acesso em 08 jan. 2011 (Agência Brasil). 373 Scarance Fernandes assinala que Portugal e Itália promulgaram leis delegadas que ditaram as regras e princípios a serem seguidos pelo governo para edição dos novos C.P.P. desses países. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Prisão temporária e “fermo”: estudo comparativo, Justitia, São Paulo, 54 (157), jan/mar 1992, p. 23. 374 A Lei nº 33, de 02 set. 2010, regula a utilização de meios técnicos de controle à distância (vigilância eletrônica) prevista no art. 201 do C.P.P. português e revoga a Lei nº 122, de 20 ago. 1999, que tratava da mesma matéria. A Portaria 109 de 27 jan. 2005 também trata do tema. A Lei nº 33-10 prevê a fiscalização da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação prevista no art. 201 do C.P.P. e da execução da pena, nos casos em que cabe a vigilância eletrônica. Basicamente, a lei traz as seguintes previsões: impõe o consentimento da pessoa monitorada; estabelece a ausência de qualquer encargo para da pessoa

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A legislação processual penal portuguesa também tem previsão de

fiscalização por meios técnicos de controle à distância para o condenado em liberdade

condicional. Os artigos 484, 487 e 488 trazem os requisitos legais para usufruto do

benefício, estipulando como ocorre a adaptação à liberdade condicional em regime de

permanência na habitação e o cumprimento da prisão por dias livres e em regime de

semidetenção.

Embora se referindo à monitoração eletrônica na fase de execução penal em

Portugal, mas com pertinência para o presente estudo, Caiado alerta para a importância dos

debates sobre o tema, ressaltando que deve haver informação adequada com

desprendimento mental e ideológico.375

A conclusão antecipada do autor português é de que a monitoração

eletrônica prevalecerá porque não há como se imunizar o sistema penal do avanço

tecnológico, que é inexorável em todas as áreas do conhecimento humano.

Com base nos dados obtidos durante a Conferência de Ministros da Justiça

de Países Ibero-Americanos, verificou-se que Portugal começou a estudar a monitoração

eletrônica de presos em 1996, mas só implantou efetivamente o sistema em 2004, havendo,

atualmente, cerca de 500 pessoas com o monitoramento em Portugal.

Somente por esse período de estudo já é possível constatar a preocupação do

governo daquele país com a adoção de um sistema que esteja bem sedimentado.

Como toda inovação, a monitoração eletrônica apresenta riscos e não pode

ser vista como a panaceia para todos os problemas.

monitorada; contempla o respeito à dignidade pessoal da pessoa humana; relaciona os direitos e deveres do monitorado; cria a Direção Geral de Reinserção Social (D.G.R.S.) para gerenciamento do sistema, que pode contratar empresa privada para execução das medidas; e determina o reexame obrigatório da medida imposta a cada três meses, ouvindo-se o Ministério Público e o monitorado. Disponível em: http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/livro-iv-leis-criminais/leis-processuais/outra-legislacao/vigilancia-electronica. Acesso em 31 dez. 2011. 375 CAIADO, Nuno. 16 pontos críticos para a construção de um projeto de vigilância eletrônica como meio de controle penal. N. 65, Porto Alegre: Revista Síntese, dez-jan-2011, p. 22-36. O autor apresenta um verdadeiro “projeto básico” para implementação de um programa de monitoração eletrônica (ver a respeito o subitem 3.7.5, que trata da Operacionalização do sistema).

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6.9 Monitoração eletrônica na Argentina376

Na Província de Buenos Aires, o sistema de monitoração eletrônica teve

início em dezembro de 1997, exclusivamente, para presos maiores de idade com doenças

terminais, sendo ampliado, posteriormente, para o sistema prisional.

Em 1998, entrou em vigor o novo Código Processual Penal da Província de

Buenos Aires, havendo previsão expressa de duas formas relacionadas à coerção pessoal

durante o processo, que serão vistas no próximo item.

O art. 159 do C.P.P. da Província de Buenos Aires permite a aplicação de

medidas alternativas à prisão preventiva, quando houver indicações de que o perigo de

fuga ou a ocultação de provas pode ser razoavelmente evitado por uma medida menos

onerosa. Conta-se com o apoio da monitoração eletrônica para impor limites à liberdade de

locomoção, levando em conta o endereço do indiciado ou acusado, a região ou a zona em

que reside.

O art. 163 do diploma legal permite atenuar a coerção, mitigando a prisão

preventiva, adotando modalidades de prisão domiciliar, encarceramento com permissão

para saídas de trabalho ou para reforçar os vínculos familiares, além de possibilitar o

ingresso em instituição educativa ou terapêutica.

Com o apoio legal, os juízes começaram a utilizar a monitoração eletrônica

para controlar a liberdade de locomoção de pessoas submetidas a processo. Em muitos

casos, a aplicação se fez prática, como nas saídas para o trabalho ou para atividades

terapêuticas, seja desde o início do cumprimento da prisão domiciliar, seja depois de

transcorrido um tempo de cumprimento de reclusão em domicílio.

Essa forma descrita é mais frequentemente utilizada na Província de Buenos

Aires.377

A legislação somente permite a monitoração eletrônica como uma forma de

redução da severidade da pena a ser aplicada para aqueles acusados que estejam em

julgamento ou aguardando sentença.

376 Apesar de o título fazer referência expressa à Argentina, ao que se tem notícia, somente a Província de Buenos Aires implantou a monitoração eletrônica. Optou-se por manter o nome do país visando a preservar a igualdade de tratamento em relação aos demais países. 377 GARIBALDI, Gustavo E. L. “A prisão domiciliar controlada por meio de monitoramento eletrônico: aplicação prática”. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); e MACEDO, Celina Maria. Monitoramento Eletrônico: uma alternativa à prisão? Experiências internacionais e perspectivas no Brasil. Brasília: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2008, p. 135-6. O autor é Professor Regular Adjunto de Palermo e Juiz do Tribunal Penal de San Martin, Província de Buenos Aires.

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Tendo em vista a lentidão do sistema judiciário argentino, o período de

duração do processo pode ser substancial. Cerca de 85% dos acusados na Província de

Buenos Aires estavam esperando sentença, sendo que a maioria saiu em liberdade antes de

receber a decisão final.378

A monitoração eletrônica pode ser aplicada para qualquer de crime.

O programa é relativamente reduzido e tem capacidade para manejar cerca

de 300 detidos simultaneamente. Quando não há pulseiras suficientes, os detidos passam a

integrar uma lista de espera, sendo chamados por ordem de inscrição no programa.

Os acusados devem permanecer em suas casas, com monitoração por

G.P.S., podendo receber autorização de trabalho ou de estudo.

Na Província de Buenos Aires, a inserção no programa de monitoração

eletrônica depende de decisão discricionária do juiz da causa. Há grande diferença

ideológica entre os magistrados, sendo que os mais garantistas aplicam a monitoração

eletrônica com frequência, enquanto outros, considerados “linha dura” nunca impõem a

medida.

As estatísticas colecionadas por Schargrodsky concluem que a reincidência

é menor entre os detidos inseridos no programa de monitoração eletrônica (cerca de 10%),

se comparada com aqueles que foram para a prisão.

Os indivíduos com antecedentes prévios são mais suscetíveis de não

cumprir as medidas do programa, evadir-se e reincidir. A conclusão, neste caso, é de que a

monitoração não deveria ser aplicada para reincidentes e autores de crimes graves.

Os resultados da pesquisa, aliado ao custo mais elevado do sistema

prisional, sugerem que a monitoração eletrônica constitui uma alternativa válida ao

encarceramento.

Uma análise de custo-benefício deveria levar em conta outros aspectos

como, por exemplo: potencial efeito negativo sobre as vítimas, enfraquecimento dos

efeitos dissuasórios da prisão e os efeitos potencialmente positivos sobre os familiares dos

detidos.

Garibaldi esclarece que, além do uso de linha telefônica fixa, é possível

fazer uso de equipamentos ligados em um determinado endereço em um telefone celular.

378 SCHARGRODSKY, Ernesto. Monitoreo electrónico de detenidos como alternativa al encarcelamiento, Fundación Paz Ciudadania, Santiago de Chile, 11 de mayo de 2011. Disponível em: <http://www.pazciudadana.cl/docs/ext_20110511182706.pdf> Acesso em: 09 out. 2011. O autor é Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard e, atualmente, Reitor da Universidade de Torcuato Di Tella, Buenos Aires, Argentina.

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Como as possibilidades de acesso a esse tipo de serviço telefônico são mais simples e

econômicas, adapta-se melhor aos indiciados ou acusados com poucos recursos. Neste

caso, instala-se um modem no celular e um aparelho, dotado de um sensor de movimento,

que é colocado e conectado à rede, em determinado lugar da casa, do qual não pode ser

removido sem que o agente de controle seja avisado.379

Schargrodsky menciona um evento ocorrido em julho de 2008, na

Argentina, em que um condenado (com antecedentes por triplo homicídio e estupro) fugiu

do programa de monitoração eletrônica e matou uma família inteira, em episódio que ficou

conhecido como La masacre de Campana.

Um crime dessa magnitude e com toda a cobertura da imprensa, praticado

durante o programa de monitoração eletrônica, é suficiente para desestabilizar todo o

trabalho que vinha sendo executado a mais de 10 anos na Argentina.

O autor esclarece que os inúmeros crimes que deixaram de ser praticados

em razão do uso de mecanismos de monitoração eletrônica não aparecem nas primeiras

folhas dos jornais.

Em decorrência, nesses momentos de tensão, é essencial que os estudos

científicos comprovem a evolução da tecnologia e dos meios de se aplicar a monitoração

eletrônica, com evidências fortes, com crédito e de forma independente, acerca dos

benefícios da medida.380

Essa citação vem reforçar a série de cuidados que devem ser adotados para

implementação de um programa de vigilância eletrônica, desde a seleção e qualificação

dos recursos humanos que irão cuidar do desenvolvimento e acompanhamento do sistema

de monitoração, passando pela imprescindível estrutura tecnológica para dar sustentação

ao projeto e culminando com a vontade política das autoridades de imprimir a necessária

seriedade ao programa.

Esse estudo da monitoração eletrônica na Argentina levou seu articulista a

algumas conclusões: o sistema de monitoração parece evitar os efeitos negativos do

cárcere, induzindo à redução significativa das taxas de reincidência; permite importante

economia de recursos governamentais; deve ser usada com limitação, excluindo-se

reincidentes e autores de crimes graves; deve ser acompanhada de uma implementação

379 GARIBALDI, Gustavo E. L.. “A prisão domiciliar ... op. cit., p. 136. 380 SCHARGRODSKY, Ernesto. Monitoreo electrónico ... op. cit.

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exigente e avaliações rigorosas para otimizar sua utilização e sustentabilidade; não é uma

panaceia, mas sim uma ferramenta valiosa para ser utilizada em uma população adequada.

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7 PERSPECTIVA DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA COMO MEDIDA

CAUTELAR PROCESSUAL

7.1 Viabilidade da monitoração eletrônica

Com base nas informações colhidas no decorrer do presente estudo, o que se

constata é que há uma série de questões de natureza doutrinária e política, bem como

obstáculos de ordem operacional do sistema tecnológico, a implementação da monitoração

eletrônica no Brasil.

Sob o prisma da legalidade, a monitoração eletrônica pode ser aplicada pelo

juiz, desde que preenchidos os requisitos legais, tanto os genéricos, quanto os específicos.

Quanto aos genéricos, é preciso lembrar-se do fumus comissi delicti e do

periculum in libertatis (item 2.4.1).

Com relação aos requisitos específicos, são eles necessários para a

aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos

expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, sem contar a

imprescindível adequação ao caso concreto (item 2.4.2).

Há de se levar em conta também que a monitoração somente é cabível para

infração penal a que for cominada, de forma isolada, cumulativa ou alternativamente, pena

privativa de liberdade.

Assim, quanto à legalidade não se identificam grandes dificuldades,

levando-se em conta a recente alteração do C.P.P. que contemplou a monitoração

eletrônica como medida cautelar.381

A polêmica persiste no campo doutrinário e no político, tendo em vista a

ausência de consenso entre os estudiosos do tema e a existência de interesses políticos

conflitantes. A viabilidade da monitoração eletrônica para a realidade brasileira é centro de

intenso debate entre os especialistas, órgãos do governo e particulares interessados no

assunto (compõem esse último grupo, principalmente, os empresários do setor que fornece

equipamentos e programas de computador para os sistemas de monitoração eletrônica,

além de entidades da sociedade civil que possam ter interesse no assunto).

381 O Decreto Federal nº 7.627 de 24-11- 2011 regulamentou a monitoração eletrônica como medida cautelar e aquela aplicada na fase de execução penal.

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Entretanto essa constatação não é exclusividade brasileira, porque em vários

países a vigilância eletrônica somente sobreviveu porque representa, em primeiro lugar,

uma significativa economia de recursos públicos para substituir a contenção de pessoas

detidas, provisoriamente ou definitivamente e, em segundo lugar, porque é uma medida

que, num primeiro momento, apresenta grande apelo político. Esse último aspecto ficou

muito nítido quando foi estudada a situação da Inglaterra, local em que os programas de

vigilância eletrônica avançaram e retrocederam conforme a influência política dos

governantes.

Outro obstáculo para a implantação de um sistema de vigilância eletrônica

está no custo dos equipamentos e da infraestrutura necessária para atender a demanda do

sistema judiciário. Conforme apurado no presente estudo, ainda existe um número restrito

de fornecedores (inclua-se fabricação, instalação e manutenção de boa qualidade) desse

tipo de equipamento.382

Por outro lado, a necessidade de substituição das prisões cautelares por

outras medidas menos invasivas é premente,383 entretanto a dificuldade está em adequar a

medida ao caso concreto. No caso da monitoração eletrônica, isto dependerá, naturalmente,

da estrutura de equipamentos e pessoal especializado que deverão ser colocados à

disposição do Poder Judiciário.

O Brasil ainda não pode ser considerado um país-modelo quando o assunto

é o sistema judiciário como um todo e isso, lamentavelmente, pode ser transposto para o

tema da monitoração eletrônica, tendo em vista que os dispositivos de monitoração

dependem de uma firme opção política e de razoável investimento por parte do poder

público.

Nesse tópico, a conscientização dos políticos com poder de decisão sobre os

investimentos necessários é crucial para que os projetos de vigilância eletrônica tornem-se

382 Na Inglaterra, por exemplo, até data recente, o governo havia identificado somente três empresas privadas em condições de atender todas as exigências do programa desenvolvido naquele país. São elas: Securicor, Premier e Reliance. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 43. 383 Essa questão é praticamente pacífica entre os operadores do direito. Essa também é a posição externada pelo Coordenador Jurídico da Pastoral Carcerária de São Paulo, Rodolfo de Almeida Valente: “[...] Com um rol mais amplo de medidas cautelares de um lado e a restrição da prisão preventiva de outro, o Judiciário poderá impedir que pessoas sejam presas desnecessariamente, o que reduzirá, por via de consequência, a estigmatização e a destruição de relações familiares e profissionais provocadas pela prisão”. ALMEIDA VALENTE, Rodolfo de. As boas novidades da lei 12.403 de 2011. Boletim IBCCrim nº 225, ago. 2011, p. 09.

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verdadeiros programas de sucesso. Em paralelo, é essencial que os critérios técnicos para

escolha das tecnologias e dos recursos humanos não sejam colocados em segundo plano.384

O treinamento de pessoal especializado para controle do sistema de

monitoração mostra-se de extrema importância para que não haja desperdício de verbas

públicas e dos esforços dos administradores.385

A mudança de paradigma dos operadores do direito, especialmente dos

magistrados, é fundamental para que a monitoração eletrônica possa adquirir status de

verdadeira medida cautelar e seja empregada como auxílio na fiscalização de indiciados ou

acusados. O juiz passa a ter um papel de maior relevância na aferição da melhor medida a

ser aplicada ao indiciado ou acusado, ficando livre das amarras de um sistema bipolar que

se resumia à prisão cautelar ou à liberdade provisória. Atualmente, o ordenamento jurídico

permite que o julgador possa exercer um verdadeiro juízo progressivo de valoração entre

as medidas cautelares previstas na legislação.

Entretanto a aplicação da monitoração eletrônica não pode extrapolar alguns

limites físicos e temporais para que o sistema judiciário possa atingir as metas que devem

ser estabelecidas caso a caso. Com relação aos limites físicos, os equipamentos de

vigilância eletrônica não podem atrapalhar o indiciado ou acusado no desempenho de

atividades laborais, familiares ou sociais. Quanto aos limites temporais, deve haver um

prazo preestabelecido para que a medida cautelar seja cumprida, do qual deve estar

plenamente ciente o indiciado ou acusado.

384 Traçando um paralelo com o programa de monitoração eletrônica inglês, a impressão que fica sobre os procedimentos do Ministério do Interior daquele país é de que a perspectiva política tem superado os estudos das evidências científicas sobre a eficácia da vigilância eletrônica. NELLIS, Mike. O monitoramento ...op.cit., p. 45. Nesse mesmo sentido é a conclusão do especialista americano Mark Renzema, que afirma que pode parecer surpreendente que a monitoração eletrônica esteja crescendo tão rapidamente em nível mundial e assevera que os políticos manifestamente aplicam critérios menos minuciosos para avaliar algumas pesquisas, concluindo que a expansão da monitoração eletrônica seja influenciada por outros fatores que não a eficácia direta sobre a redução do crime. Id. Ibid., p. 53-4. 385 Os procedimentos operacionais utilizados são tão importantes quanto o equipamento para avaliar a utilidade da monitoração eletrônica. O escritório que gerencia a monitoração pode ser um braço do governo, com funcionários civis, ou provenientes das fileiras profissionais dos departamentos de polícia ou de liberdade condicional, ou uma combinação de pessoal civil e profissional. Alternativamente, a monitoração pode ser contratada com organizações civis com ou sem fins lucrativos. O pessoal utilizado, sua formação, experiência e os níveis de competência influenciam no resultado final do sistema de monitoração. Inevitavelmente, existem grandes diferenças na capacidade das pessoas para responder eficazmente aos procedimentos operacionais. HASSETT, Patrícia. The use of electronic monitoring for pretrial release, Bileta – British & Irish Legal Education Technology Association. Disponível em <http://www.bileta.ac.uk/Document%20Library/1/The%20Use%20of%20Electronic%20Monitoring%20for%20Pretrial%20Release.pdf> Datado de 03/04/2005. Acesso em 29 ago. 2011.

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As metas a serem alcançadas devem ser fixadas previamente pelo juiz,

respeitando-se as particularidades de cada situação. A título de exemplo, se o ilícito penal

praticado envolver, de qualquer forma, entorpecentes, se mostra de todo recomendável que

o juiz, ao impor a monitoração eletrônica, proceda à cumulação com a medida de proibição

de acesso ou frequência a locais conhecidos pelo uso, compra ou venda de drogas.

Finalizado o prazo fixado para a monitoração eletrônica, deve haver um relatório

circunstanciado sobre a efetividade da medida aplicada.

Essas advertências têm sua razão de ser: o estudo realizado nos sistemas de

vigilância dos outros países permite concluir, conforme já salientado, que a monitoração

eletrônica deve ser reservada para situações específicas e por um prazo predeterminado,386

pois o emprego indiscriminado desse tipo de vigilância pode levar a que a medida não seja

utilizada nos casos realmente importantes.387

A necessidade de permanente atualização da tecnologia é outro fator-

complicador, em razão da rapidez com que são concebidos novos programas de

computador e novos equipamentos, como braceletes, tornozeleiras ou mesmo chips que

possam ser colocados junto ao corpo de indiciados ou acusados. Há de se considerar que

fatores como uso contínuo, dano, ou mesmo extravio desses mecanismos, também levarão

à necessidade de substituição, exigindo um planejamento prévio para adequada previsão de

custos.

Conforme assinala Rogério Greco:

A tendência é que o monitoramento eletrônico fique cada vez mais imperceptível por outras pessoas, que não aquele que o utiliza. Quem não se recorda do tamanho inicial dos telefones celulares? Hoje, são multifuncionais, e os menores possíveis. Da mesma forma, em um futuro muito próximo, ao invés de pulseiras, tornozeleiras ou cintos, o monitoramento poderá ser levado a efeito, por exemplo, através de um aparelho contido no relógio de pulso daquele que se viu beneficiado com a sua utilização. O microchip subcutâneo já é uma realidade, e impede qualquer visualização por parte de terceiros, podendo,

386 O governo francês, por exemplo, defende a ideia de que a monitoração eletrônica tenha um prazo de duração de cerca de quatro meses. Site Prisons, Le bracelet electronique, disponível em <http://prisons.free.fr/bracelet.htm> Acesso em 24 mai. 2011. A lembrança do episódio ocorrido na Argentina, que ficou conhecido como “La masacre de Campana” (citado no item 6.9), demonstra o quanto é delicado e sensível o assunto. 387 Referindo-se às alterações das medidas cautelares de forma geral, os comentários de Aury Lopes são plenamente pertinentes ao tema da monitoração eletrônica que foi incorporada como medida cautelar pessoal: “Vislumbramos, desde já, um novo risco: a degeneração e a banalização das medidas cautelares diversas. Pensamos nessas medidas como alternativas à prisão, mas elas podem ser banalizadas e representar uma imensa expansão do controle penal”. LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção ... op.cit., p. 06. Patrícia Hassett também destaca a preocupação com a expansão do controle excessivo das pessoas detidas nos E.U.A., lembrando que os opositores da vigilância eletrônica veem nesses procedimentos um caminho para que o Estado amplie sua fiscalização sobre os cidadãos. HASSETT, Patrícia. Op. cit.

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inclusive, conter todas as informações necessárias relativas ao cumprimento da pena do condenado que dele se utiliza.388

Não é demais ressaltar que a vigilância eletrônica, apesar de representar

uma alternativa importante no controle de comportamentos não autorizados ou ilegais de

indiciados ou acusados, também não deixa de ser uma forma invasiva de restrição à

liberdade individual dos monitorados.389

Os novos mecanismos de vigilância não podem representar uma penalização

para seus usuários, pois esse não é o objetivo da medida, que deve manter sua natureza

jurídica de medida cautelar.390

Ainda que o dispositivo de monitoração pessoal seja imperceptível para

terceiras pessoas (como destaca Rogério Greco), teremos uma situação, no mínimo

incômoda, que pode levar o usuário a se sentir, com o decurso do tempo, com sua

liberdade seriamente atingida, face à vigilância ininterrupta.

É importante enfatizar que a monitoração prevista no art. 319, IX, do C.P.P.

não tem por objetivo, em princípio, cercear a liberdade da pessoa submetida à vigilância

eletrônica (exemplificativamente, os sistemas que utilizam a monitoração via G.P.S.), mas

somente identificar onde essa pessoa se encontra.

Situação diversa ocorre quando os sistemas eletrônicos são utilizados em

cumulação com alguma outra medida cautelar que restrinja ou prive a liberdade do vigiado

(como, por exemplo, o recolhimento domiciliar no período noturno).

Dessa forma, é essencial que sejam preservadas a privacidade e a dignidade

do indiciado ou acusado, consoante já abordado no capítulo relativo às garantias

constitucionais.

As restrições impostas com a vigilância trazem consequências indesejáveis,

mas que não podem ser de tal ordem que inviabilizem o sistema de monitoração eletrônica.

Mesmo assim, se o projeto for concebido depois de estudos e reflexões, e executado de

forma cautelosa e eficiente, poderá contribuir para obtenção de significativo sucesso nos

resultados esperados.391

388 GRECO, Rogério. Monitoramento eletrônico, Clubjus, Brasília-DF: 13 set. 2010. Disponível em <http://www.clubjus. com.br/?artigos&ver=2.32159> Acesso em: 01 out. 2010. 389

Sobre o tema, ver o item 4.6 e respectivos subitens, deste trabalho. 390 Uma limitação desnecessária sobre a liberdade de um acusado constituiria castigo que, claramente, não é um objetivo admissível nos procedimentos da fase de pré-condenação. A imposição de uma condição mais onerosa do que o necessário é algo indesejável pelos defensores e pelos críticos das medidas de monitoração na fase pré-condenação. HASSETT, Patrícia. The use of electronic monitoring …op. cit. 391 Sobre esse tópico, verificar subitem 3.7.5, que trata da “Operacionalização do sistema”.

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Em recente publicação, Caiado sintetiza alguns princípios que devem ser

observados para admissibilidade ética da monitoração eletrônica: melhor compreensão do

significado e de suas vantagens; concepção, planejamento, implementação, monitorização

e avaliação do projeto, visando a reinserção social do indiciado ou acusado; previsão legal

e regulamentação adequada; legitimação judicial; respeito aos direitos humanos; emprego

de modo proporcional, com a tecnologia adequada ao caso concreto (consoante a

finalidade, existem tecnologias diferentes); contar com o consentimento do indiciado ou

acusado para plasmar um compromisso de cooperação; investir na relação direta com o

indiciado ou acusado, o que pressupõe a existência de pessoal qualificado e treinado; e,

evitar a estigmatização da pessoa monitorada, conscientizando-a do maior benefício da

monitoração eletrônica em relação ao encarceramento, bem como dando conhecimento à

comunidade da existência de pessoas que circulam, de modo vigiado e controlado, de

forma que a própria comunidade participe e integre a realização da justiça, repudiando a

prisão prolongada e generalizada.392

Acerca da efetividade dos sistemas de monitoração, em texto sobre o

denominado “cárcere eletrônico” na Espanha, Rodríguez-Margariños faz apontamentos

que podem ser utilizados no presente estudo em razão da similaridade das questões

abordadas sob o enfoque da execução penal e das medidas cautelares:

[...]Os modernos sistemas de vigilância aparecem como uma via idônea para humanizar as prisões, pois facilitam o trabalho de reinserção, não dentro de um círculo fechado e dominante,mas dentro da própria sociedade. Com o novo sistema, ao desaparecerem as barras, desaparece, do mesmo modo, o maior obstáculo que impedia alcançar a ressocialização.393

Analisando um tema mais amplo, Roxin discorre sobre a pertinência de uma

vigilância mais intensiva e, sob esse aspecto, podemos encontrar pontos comuns com a

medida cautelar de monitoração eletrônica: “Entretanto, nos limites do possível e do

permitido, ela - o autor se refere à vigilância mais intensiva - é um meio eficiente de

combate à criminalidade, que deverá, assim, integrar o direito penal do futuro”.394

Referindo-se à prisão domiciliar, Roxin menciona expressamente a

vigilância eletrônica como um moderno sistema de segurança que permitirá que se evite o

392

CAIADO, Nuno. Notas sobre a admissibilidade ética do monitoramento eletrônico. Boletim IBCCrim nº 225, ago. 2011, p. 5. 393 RODRÍGUES-MARGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel electrónica para la creación del sistema penitenciário del siglo XXI. Disponível em: <http://dspace.uah.es/dspace/bitstream/handle/10017/6128/C%c3%a1rcel_Gud%c3%adn_AFDUA_2004_2005.pdf?sequence=1> Acesso em: 15 out. 2011. 394 ROXIN, Claus. “Tem futuro o direito penal?” In Estudos de ...op.cit., p. 09.

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cerceamento de liberdade em prisões fechadas.395 O mesmo raciocínio pode ser utilizado

para a prisão cautelar que, igualmente, poderá ser deixada para casos extremos fazendo uso

de métodos mais avançados e menos invasivos, como a monitoração eletrônica.

O que se constata, de forma geral nos países que foram estudados e que

utilizam sistemas de vigilância eletrônica durante a fase processual ou no momento da

execução da pena, é que os mecanismos de vigilância vêm se modernizando com os mais

avançados artefatos de monitoração eletrônica.

Os dispositivos eletrônicos somente se tornaram viáveis, sob o aspecto

econômico, com a evolução tecnológica que permitiu o desenvolvimento de mecanismos

eficientes, com custo razoável.

Qualquer desses componentes que não seja implementado de forma

adequada pode prejudicar a eficiência do sistema de controle. Por exemplo, um

equipamento que não funcione a contento não fornecerá as informações necessárias para

acompanhamento contínuo da pessoa monitorada.

De outro lado, o custo excessivo tornaria extremamente onerosa a

implantação de medidas de monitoração no sistema judiciário brasileiro, inviabilizando o

projeto.

Ainda com relação ao quesito custo, Carlos Japiassú e Celina Macedo

alertam que:

[...] não basta comparar o preço do bracelete eletrônico ao valor gasto com um dia de encarceramento, eis que tais cálculos não levam em consideração senão uma parte dos gastos induzidos pela medida, a qual necessita de meios humanos e financeiros que geram custos indiretos. O monitoramento eletrônico pode não apresentar vantagem financeira se for utilizado para substituir medidas menos custosas ou se o sistema não funcionar à plena capacidade quando os dispositivos forem alugados antecipadamente.396

Apesar das ressalvas quanto à forma de cálculo das despesas com a

monitoração eletrônica, a estimativa dos autores citados é de que esse tipo de sistema possa

395 Id. Ibid., p. 21. 396 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); MACEDO, Celina Maria. “O Brasil e o monitoramento eletrônico”. Monitoramento Eletrônico ... op. cit., p. 27. Também, nesse sentido, a posição esboçada por Bottini: “Ademais, ainda que este não seja o principal argumento, é importante ressaltar que os gastos com os dispositivos de monitoramento eletrônico são menores do que as despesas com o encarceramento, o que reforça a racionalidade em sua adoção, também sob a perspectiva econômica”. CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ... op.cit., p. 401.

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representar em torno de cinquenta por cento de economia em relação à prisão

convencional.397

Não soa exagerado repetir que o desenvolvimento de mecanismos de

vigilância de fácil emprego diário, por parte dos usuários, e que não comprometam as

atividades diárias da pessoa monitorada torna-se vital para sucesso do sistema.

Reforçando a tese defendida no presente estudo quanto à necessidade de

alternativas à prisão processual, como a monitoração eletrônica, e repercutindo os

ensinamentos de Carrara, o mestre João Mendes Júnior destaca que a prisão antes da

condenação é sempre uma injustiça e, não raramente, uma crueldade.398

A atualidade da advertência, em que pese o decurso de várias décadas,

revitaliza a necessidade de acurada análise dos pressupostos para aplicação das medidas

cautelares, conduzindo ao raciocínio de que, nas situações em que se mostra pertinente

qualquer das modalidades de custódia preventiva, pode o juiz, eventualmente, aplicar a

monitoração eletrônica, de forma substitutiva, normalmente cumulada com outra cautelar,

antes de recorrer ao cárcere.

A própria legislação processual impõe o esgotamento de todas as

alternativas legais antes da decretação da prisão preventiva e, nesse horizonte, a

monitoração eletrônica, quando bem implementada e fiscalizada, se apresenta como uma

possibilidade concreta de evitar as agruras das prisões.

Caso essas premissas entabuladas anteriormente não sejam observadas,

poderá haver rejeição ou mesmo desrespeito à medida de monitoração imposta ou, ainda,

falta de colaboração com as autoridades responsáveis pela fiscalização da execução das

medidas.

Se os parâmetros propostos forem respeitados adequadamente antes da

aplicação da monitoração eletrônica, o indiciado ou acusado se beneficiará de um medida

menos invasiva que a prisão, desenvolvendo suas atividades normalmente e mantendo seu

convívio social. Nesse sentido:

O século XXI está aqui e com ele a revolução tecnológica que está rompendo todos os níveis da sociedade. E, correspondentemente, parece que o cárcere, uma das instituições mais vilipendiadas do século XX, está mudando

397 IGLESIAS RIO, Miguel Angel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y su seguimiento com medios de control electrónico. Net, México, 2006. Biblioteca Jurídica Virtual del Instituto de Investigaciones Juridicas de la Universidad Autónoma de México. Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/pr21.pdf> Acesso em 30 out. 2011. 398 MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, João. O processo criminal brasileiro. 4ª ed., v. I. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1959, p. 348.

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suas expectativas e fundamentos, tratando de obter o que o século passado não pode conseguir: ser um instrumento paulatino que facilite a ressocialização.399

Tão importante quanto controlar a permanência ou deslocamento da pessoa

monitorada é não expô-la a situações vexatórias que possam gerar mais problemas do que

soluções. Em decorrência disso, enfatize-se que mecanismos pequenos e que não sejam

perceptíveis por outras pessoas são essenciais para que a pessoa monitorada não seja

colocada em situações constrangedoras.

A questão ética que permeia a monitoração eletrônica deve ser enfrentada

de forma direta. Sob esse enfoque, Caiado destaca dois pontos:400

O primeiro, de caráter ideológico, em razão de a monitoração eletrônica

representar mais um instrumento de controle sobre a vida dos cidadãos. O autor lembra que

a América Latina viveu ditaduras militares horríveis, que levaram a intensa repressão,

situação bem diversa da vivenciada nos dias de hoje, em que, apesar das críticas,

predomina o Estado Democrático. Essa outra realidade implica em uma monitoração que é

objeto da justiça penal.

O segundo é o medo da tecnologia, pois a monitoração eletrônica é o big

brother. Isso decorre da ignorância sobre as funcionalidades das tecnologias que, nas

versões mais intrusivas, limitam-se a conhecer a posição do vigiado num espaço público ou

sua permanência na habitação. Questiona-se por que razão a justiça não pode adotar

mecanismos da sociedade telemática em que todos vivemos e dos quais, de forma

generalizada, todos dependemos?401

As experiências realizadas nos outros países devem servir como referência

e, ao mesmo tempo, de alerta acerca dos procedimentos a serem adotados pelo Brasil para

implantação da monitoração eletrônica, bem como da tecnologia mais avançada, menos

onerosa e mais efetiva para a realização do objetivo colimado.402

Resultados negativos como aqueles constatados em algumas pesquisas

realizadas na Inglaterra, principalmente nos confinamentos com monitoração eletrônica na

399 RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel electrónica ... op. cit. 400

CAIADO, Nuno. Notas sobre a ... op. cit. 401

É oportuno lembrar que todos dependem da informática, em maior ou menor grau. Os sistemas telemáticos estão em toda parte, desde a recepção de sinais digitais de televisores, computadores, etc., passando por cartões de crédito que utilizam chips cada vez mais sofisticados, até celulares que contém recursos extremamente sofisticados, com controles variados a longa distância. 402 O texto de Patrícia Hassett revela a preocupação com a efetividade do sistema de monitoração adotado nos E.U.A. A autora questiona a utilidade desta tecnologia na fase do pré-julgamento. Hasset informa que, nos E.U.A., aqueles que são favoráveis, defendem a monitoração eletrônica como uma alternativa mais humana em relação à prisão preventiva, enquanto os críticos assinalam tratar-se de mais um passo para o aprisionamento da sociedade. HASSETT, Patrícia. The use of electronic monitoring …op. cit.

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fase pré-julgamento (as pesquisas realizadas com os dados da fase pós-julgamento são

promissoras) não devem influenciar negativamente as tentativas brasileiras, principalmente

agora que a legislação processual encampou a monitoração eletrônica como medida

cautelar.

Oferecer mais uma alternativa ao sistema judiciário com que possa manejar

os presos provisórios e, em situações menos graves, aplicar a monitoração eletrônica

cumulada com as outras medidas cautelares, é uma opção de política criminal que não

pode ser desprezada. Bottini sustenta essa posição na doutrina brasileira:

Os efeitos deletérios da prisão são evidentes, e dispensam comentários. A privação de liberdade, seja definitiva, seja provisória, é a intervenção mais grave do Estado na dignidade humana, e qualquer instrumento voltado para sua restrição é digno de apreço. A utilização do monitoramento como método de vigilância estatal em substituição à prisão significa a compreensão das desvantagens sociais da submissão de um contingente tão grande de cidadãos aos efeitos nefastos do sistema carcerário brasileiro, e a crença na possibilidade de reintegrar estas parcelas da população por meios menos cruéis e agressivos.403

Especialistas internacionais no assunto afirmam que a experiência vem

demonstrando que cada país tem sua forma de aplicar a vigilância eletrônica, em razão das

peculiaridades locais, o que tem proporcionado sucesso de alguns programas e ocasionado

dificuldades em outros. Parece relevante registrar que a monitoração eletrônica se

transformou numa forma politicamente aceitável de controlar a dimensão da população

prisional quando esta atinge níveis críticos.404

Apesar da divergência entre as opiniões trazidas pela doutrina acerca do uso

da monitoração eletrônica, da natural influência política que poderá incidir sobre o tema,

das dificuldades operacionais e dos custos necessários para implementar a monitoração

eletrônica no Brasil, deve ser ressaltado que se trata de uma medida moderna, que já foi

adotada com sucesso em diversos países, que pode ser aplicada isolada ou

cumulativamente com outras medidas cautelares, e cuja finalidade é permitir ao juiz e ao

sistema de justiça, em geral, manter sob fiscalização os indiciados e acusados durante a

tramitação da investigação e do processo para evitar que eles pratiquem condutas ilegais,

tais como, molestar vítimas ou testemunhas, dificultar de outro modo a marcha processual,

repetir a prática infracional ou dificultar a aplicação da lei penal, sem que o juiz utilize a

403 CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ... op.cit., p. 400. 404 “Em geral, o âmbito, a complexidade e as idiossincrasias legais e administrativas dos programas de ME europeus (na Suécia, Holanda, Bélgica, França, Portugal, Catalunha, Alemanha e Suíça) desafiam a qualquer tentativa de resumo, mas merecem atenção porque demonstram modelos contrastantes de operação com os quais Inglaterra poderá aprender (Mayer, Haverkamp e Levy, 2003; Kensey et al, 2003)”. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 54.

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prisão antes da sentença além do necessário, cujos efeitos negativos são conhecidos da

comunidade jurídica e de toda a sociedade.

7.2 Propostas para implementação da monitoração eletrônica

Toda alteração do sistema jurídico implica mudanças de comportamentos

que exigem um determinado amadurecimento, tanto da metodologia empregada, quanto da

colocação em prática da nova legislação.405

Ainda que a Lei nº 12.403/11 represente uma reforma parcial da legislação

processual penal brasileira, a doutrina e, na sequência, a jurisprudência, devem se pautar

pela interpretação que melhor atenda aos anseios sociais, representados pela atuação do

legislador.406

Citando o caso da Inglaterra, algumas propostas apresentam unanimidade

entre os técnicos daquele país: a não utilização das pulseiras eletrônicas em condenados

violentos e reincidentes (principalmente no âmbito da violência doméstica), bem como em

condenados com problemas de saúde mental ou física ou quando o emprego da pulseira

possa trazer problemas familiares. Outro fator que apresenta relevância é a necessidade de

alguma coação para compreender a relação entre a monitoração eletrônica e as penas

tradicionais de execução na comunidade.407

A referência a problemas familiares cinge-se ao aspecto de que a pessoa

monitorada pode gerar revolta contra o sistema judiciário no próprio seio familiar, e

mesmo contra o indiciado ou acusado, isto por ter praticado condutas ilícitas. A menção ao

termo coação indica a conveniência de que a pessoa sob monitoração esteja ciente do

benefício que está recebendo, existindo a possibilidade de decretação de prisão cautelar,

em caso de descumprimento.

405 A lição do preclaro mestre João Mendes Júnior é sempre viva quando nos alerta para o temor que as sociedades têm das mudanças: “Os Locrios, - dizia DEMÓSTENES no seu discurso contra Timócrates, - “são tão aferrados a sua antiga legislação, aos regulamentos de seus pais, tão inimigos de inovações, sobretudo em matéria de processo criminal, que o autor de uma moção nova a propõe com uma corda ao pescoço. Se é julgada boa, ele se retira vivo; mas, se é julgada prejudicial, é ele estrangulado”. MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, João. O processo criminal ... op. cit., p. 14. 406 Eduardo Couture cita várias passagens do Digesto para sustentar a correta interpretação das leis: “O direito romano formulou uma série de apótemas simples de interpretação da lei. Antes de tudo, o sentido das palavras. Nunca se devem alterar as disposições que sempre tiveram uma interpretação certa. O costume é a melhor interpretação da lei. E, caso não bastassem essas máximas, primeiramente, a liberdade; ou, quando muito, a bondade e a indulgência”. COUTURE, J. Eduardo. Interpretação das leis processuais. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 14. 407 NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 47.

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Oportuniza-se o momento para listar alguns procedimentos, a título de

propostas, para estimular a aplicação da monitoração eletrônica:

- cumprimento baseado em incentivos – oferecer algo desejado no momento

ou no final do processo como, por exemplo, revogação antecipada e obtenção de emprego

(alguns incentivos somente são possíveis com o desenvolvimento de um programa paralelo

de apoio psicossocial, que pode ser capitaneado por um órgão estatal ou entidade privada

sem fins lucrativos);

- cumprimento baseado na confiança – criar uma sensação de obrigação

normativa por meio da obtenção do consentimento do acusado, acreditando em sua palavra

e aceitando sua “promessa” de que cumprirá o que lhe é exigido;

- cumprimento baseado em alguma forma de efeito intimidativo – instilar

receio de sanções futuras como, por exemplo, administrar sanções sempre que não são

cumpridas as regras;

- cumprimento baseado na vigilância – instilar a compreensão de parâmetros

imediatos como resultado de ser observado, de forma permanente ou intermitente,

colocando-se vigilância em tempo real sobre os seus movimentos e horários, com

armazenamento de detalhes irrefutáveis em base de dados;408

- cumprimento baseado em incapacitação – ir além da mera restrição até a

privação da liberdade de ação do acusado, geralmente, mas não necessariamente, através

da remoção para um local de encarceramento, inibindo, e não apenas proibindo, uma ação

específica.409

Outro fator de extrema relevância refere-se à criteriosa seleção de pessoal

para trabalhar nas equipes de monitoração eletrônica, principalmente aqueles grupos que

executarão trabalho de campo, isto é, que manterão contato direto com os indiciados ou

acusados. Essa seleção pressupõe qualificação adequada, de preferência de nível superior,

para cada vaga a ser preenchida.

408 A monitoração eletrônica combinada com a “supervisão intensiva social” é apenas uma resposta às novas expectativas para as autoridades públicas que lidam com o combate ao crime. Muitos Estados têm mostrado que mais legislação e penas mais severas não são uma resposta suficiente para responder aos índices de criminalidade. A palavra-chave é prevenção da criminalidade. LEHNER, Dominik. Monitoramento ... op.cit., p. 68. 409 Nellis esclarece que a monitoração eletrônica é uma forma de vigilância e não uma modalidade incapacitante, porque funciona não por impor uma restrição física sobre os sujeitos, mas por levar à conscientização de que estão sobre “observação” remota, constante ou intermitente, pelo que quebrar regras, apesar de ser possível, não é aconselhável. NELLIS, Mike. O monitoramento ... op.cit., p. 56.

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A contratação poderá ser feita mediante concurso a ser promovido pelos

órgãos públicos envolvidos na atividade de monitoração eletrônica ou diretamente pelas

empresas escolhidas para desempenhar esse trabalho, conforme o modelo escolhido.

Complemento indissociável da boa seleção é o subsequente treinamento

adequado para as missões que serão executadas. É importante que seja escolhido um staff

competente para oferecer uma formação gabaritada.

Conforme já visto nas propostas feitas pelos especialistas citados neste

estudo, o desenvolvimento de um programa de acompanhamento psicossocial dos

indiciados ou acusados submetidos à monitoração eletrônica é essencial para o sucesso do

projeto. Sem esse respaldo técnico por equipes multidisciplinares (assistentes sociais e

psicólogos, principalmente), os programas de monitoração eletrônica perdem grande parte

de sua capacidade de obtenção de altos índices de resultados.

Esse contato direto com as pessoas monitoradas deve ser muito criterioso

porque, invariavelmente, um dos passos desse trabalho é a realização de visitas nas

residências dos indiciados ou acusados, tudo previamente autorizado por eles mesmos e

pelo juiz competente.

Como se pode constatar, a implementação de programas de vigilância

eletrônica vai muito além de, simplesmente, contratar uma empresa de monitoramento e

separar os indiciados ou acusados que serão submetidos a esse tipo de cautela penal.

É oportuno salientar que, mesmo que o Brasil ainda não tenha um programa

implantado de monitoração eletrônica processual, alguns estudiosos do tema já

sustentavam a necessidade dessa medida há algum tempo.410

Analisar as experiências bem sucedidas dos outros países com relação à

vigilância eletrônica se mostra um caminho bastante razoável até para que se evitem

desperdícios de esforços e de verbas públicas. Parece relevante, também, aprender com as

tentativas que não tiveram sucesso, para evitar que os mesmos caminhos sejam trilhados

novamente.411

410 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano (Org.); MACEDO, Celina Maria. “O Brasil e o monitoramento eletrônico”. Monitoramento Eletrônico ... op. cit., p. 30. Os autores já defendiam a necessidade de se pensar em alternativas para as prisões processuais, “sempre que presentes as razões que a elas dariam ensejo”, especialmente no caso da prisão preventiva para aplicação da lei penal, até para “impedir que o acusado se furte à necessidade das reprimendas legais sem a necessidade de encaminhamento ao cárcere”. 411 “Dessa forma, a aplicação do monitoramento no Brasil deve ser realizada por etapas, antes de maneira experimental, para, posteriormente, de posse das análises dos resultados da prática, traçar planos de expansão e replicação, com uma estratégia cuidadosa de diagnóstico dos sucessos e fracassos da medida em cada região”. CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do ..., op.cit., p. 403.

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As experiências nacionais em sede de execução penal também devem ser

analisadas, principalmente sob o aspecto tecnológico dos sistemas escolhidos. Identificar

os problemas operacionais que ocorreram com a implementação da Lei nº 12.258/10

(monitoração eletrônica - sanção), e mesmo das legislações estaduais que surgiram antes e

depois da citada lei federal, pode oferecer uma gama importante de dados para lastrear a

implantação de projetos-piloto de monitoração eletrônica processual.

Em suma, as propostas para que a monitoração eletrônica seja efetivamente

viável dependem de uma aplicação madura da lei processual, baseada na interpretação da

jurisprudência, nas posições doutrinárias e nas experiências consagradas em outros países,

sem perder de vista a experiência nacional desenvolvida na fase de execução da pena. É

essencial que as atividades de monitoração eletrônica sejam desenvolvidas por pessoal

especializado e que haja o permanente acompanhamento psicossocial dos indiciados ou

acusados.

7.3 Proposta de alteração do art. 319, VII, do Código de Processo Penal

(internação provisória)

Antes de finalizar este capítulo, há uma medida cautelar que, em nossa

ótica, mereceria reparo na legislação processual recém alterada pela Lei nº 12.403/11.

Apesar de não fazer parte do tema principal deste estudo, a internação

provisória foi objeto de análise em confronto com a monitoração eletrônica no item 5.8,

oportunidade em que se identificou a possibilidade de realização de uma proposta de

alteração legislativa, consoante segue.

Relembre-se que não cabe aplicação de qualquer modalidade de medida

cautelar em infrações penais a que a lei não comine isolada, cumulativa ou

alternativamente pena privativa de liberdade.

Exemplo típico de infração penal que pode gerar inimputabilidade ou semi-

imputabilidade é aquela prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/06, que trata do porte de

entorpecentes, entre outras condutas, mesmo porque, como ocorre em muitos casos, o

agente normalmente é surpreendido sob efeito de alguma droga. A par da discussão sobre a

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continuidade da criminalização da conduta, é certo que o dispositivo penal se mantém em

nosso ordenamento, apesar de não mais conter previsão de pena privativa de liberdade.412

Seja pela previsão de pena não privativa de liberdade, seja pela ausência de

violência ou grave ameaça, ainda que o agente tenha comprometido o seu entendimento

sobre a conduta que praticou e que se apresente como necessária e adequada à aplicação de

internação provisória, o juiz fica legalmente impedido de aplicá-la, assim como as demais

cautelas legais (estas somente pela falta de previsão de pena privativa de liberdade).

A restrição legal retirou do magistrado a possibilidade de, em casos

específicos, impor a medida de internação provisória, mesmo que seja uma forma de

preservar a própria integridade física e psíquica do agente. Pelos mesmos fundamentos,

também não será possível a decretação de prisão preventiva.

Nesse particular, em nosso ponto de vista, o legislador não andou bem, pois

deveria ter deixado alguma opção para que o juiz pudesse internar provisoriamente o

agente, em casos extremos (art. 28 da Lei nº 11.343/06).

O princípio da proporcionalidade deve ser utilizado não só para evitar que o

poder estatal imponha rigor excessivo em face da prática de certas infrações penais, mas

também em benefício do próprio agente, que, em situações devidamente comprovadas

pericialmente, perde total ou parcialmente a capacidade de entendimento sobre seus atos.

Respeitando profundamente as opiniões em contrário, entendemos que o

estágio de desenvolvimento socioeconômico do Brasil e a fase de maturação de nossas

instituições ainda não permitem que se centralize, exclusivamente, no sistema de saúde o

trato (englobando nesse termo não só a questão do tratamento que, naturalmente, é uma

questão de saúde pública, mas também a abordagem inicial imediatamente após a infração

penal e após eventual internação) das pessoas que praticam certas infrações penais sob o

efeito de drogas.

As amarras impostas pelo legislador refletem sua preocupação em não

permitir que o juiz criminal intervenha em casos considerados de menor gravidade sob o

ponto de vista jurídico, ainda que extremamente graves socialmente.

412 Para Luiz Flávio, a Lei nº 11.343/06 descriminalizou o uso de drogas, na medida em que teria retirado o caráter ilícito penal da conduta, sem, no entanto, a legalizar. GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei Antidrogas Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 108. Sérgio Ricardo afirma que o legislador não optou pela descriminalização das condutas a que se refere o art. 28, mas procedeu a uma “despenalização moderada”, mantendo o caráter delituoso delas, mas evitando estigmatizar os infratores com a imposição do cárcere. SOUZA, Sérgio Ricardo. A Nova Lei Antidrogas – Lei 11.343/2006 – Comentários e Jurisprudência. 2. ed. Niterói: Ipetus, 2007, p. 27 e 30.

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Em caráter excepcional, feitas essas breves considerações sobre a internação

provisória, não havendo previsão de pena privativa de liberdade para o tipo penal do art. 28

da Lei da Lei nº 11.343/06, fica impossibilitada a aplicação de internação provisória, ainda

que, eventualmente, necessária e adequada, justamente para se evitar a quebra do princípio

da proporcionalidade.

A proposta de alteração legal visa a que o legislador acrescente uma

possibilidade ao texto do art. 319, VII, do C.P.P., permitindo que o juiz possa determinar a

medida cautelar de internação provisória, em situações excepcionais, mantendo-se a

necessidade de constatação pericial, retirando-se, entretanto, as amarras de se aplicar a

medida “somente” nas hipóteses de infrações penais a que a lei comine isolada, cumulativa

ou alternativamente pena privativa de liberdade e que tenham sido praticados com

violência ou grave ameaça.

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8 CONCLUSÃO

Quem milita na área jurídica sabe que as novas leis devem ser resultado de

um longo processo de maturação social que nem sempre caminha na velocidade

compatível à dos avanços tecnológicos. Invariavelmente, as leis aprovadas de afogadilho e

sem a necessária discussão pela sociedade estão fadadas ao insucesso. No campo

processual penal, a situação é mais crítica porque está em jogo a liberdade do cidadão.

Senão impossível, é extremamente difícil ao legislador antever todos os

efeitos da aprovação de um determinado diploma legal. Como a vigilância eletrônica tem

um de seus vértices de sustentação no progresso tecnológico, há de se ter um paradigma de

comparação para se saber se realmente houve progresso e no que ele consistiu.

No que toca à utilização de mecanismos de monitoração eletrônica, um dos

pontos a destacar é o elevado custo de se manter uma pessoa detida provisoriamente,

comparando-se com o custo (também significativo) dos sistemas de controle eletrônico.

Esse talvez tenha sido o principal motivo que levou o governo a aprovar essa modalidade

de vigilância.

Por outro lado, parece irreversível a tendência de que as formas de controle

físico (como as prisões e até mesmo os comparecimentos obrigatórios em tribunais para

assinatura e confirmação de presença) sejam gradativamente substituídos por mecanismos

de controle a distância.

O emprego de algumas das medidas cautelares (artigos 319 e 320 do Código

de Processo Penal) vem ao encontro dessa afirmação, pois tem por objetivo principal

evitar, em boa parte dos casos, a detenção de pessoas ainda não condenadas

definitivamente.

O legislador pátrio entendeu que a monitoração eletrônica é mais uma

ferramenta para se evitar o cárcere cautelar, cabendo aos magistrados, promotores de

justiça, advogados e defensores, protagonizar e tornar realidade esse novo diploma legal.

Nesse particular, é interesse lembrar os problemas ocorridos na Inglaterra

com a monitoração eletrônica na fase pré-sentencial, justamente, em razão da aplicação

inadequada da medida (aplicação para substituir outras medidas menos onerosas que a

monitoração eletrônica e não, somente, a prisão cautelar), ou seja, a vigilância eletrônica

somente se mostrou viável economicamente, na Inglaterra, quando imposta para substituir

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a custódia preventiva (essa é uma das lições que podem ser serem extraídas do texto de

Mike Nellis (item 6.3 e subitens do presente trabalho).

O emprego da monitoração eletrônica como medida substitutiva de outras

que tenham menor dispêndio econômico deve ser analisado com extremo cuidado para que

o Brasil não incorra nos mesmos erros.

É bem verdade que os custos no Brasil são muito diferentes daqueles da

Inglaterra, sem contar as questões culturais e mesmo as raízes jurídicas de ambos os países.

Outro ponto importante que diferencia os dois países centra-se no fato de que os ingleses

optaram por cumular, em regra, a monitoração eletrônica com a prisão domiciliar,

enquanto no Brasil ainda não há histórico a esse respeito, até pela recentidade das

mudanças.

Entretanto, de qualquer forma, os resultados dos programas desenvolvidos

mundo afora têm de ser mais bem estudados para embasar o projeto a ser colocado em

prática no Brasil.

Outra conclusão a que se chegou com o desenvolvimento da presente

pesquisa reside nas diferentes características que apresentam os sistemas de monitoração

eletrônica da fase pré-julgamento e da fase pós-julgamento, ou seja, por mais que a

tecnologia aplicada seja, basicamente, a mesma, não se pode perder de vista que a

motivação do indiciado ou acusado para cumprir as obrigações assumidas, não deve ser

comparada com a motivação do condenado.

Explica-se: no caso da monitoração eletrônica prevista no art. 319, IX, do

C.P.P., o indiciado ou acusado sabe, por meio de sua defesa técnica, que a lei processual

lhe favorece ao possibilitar substituições e cumulações de outras medidas cautelares (que

não a monitoração eletrônica), fator que, se não for muito bem sopesado pelo juiz no

momento da aplicação da monitoração eletrônica, pode contribuir para que o provimento

cautelar caía em descrédito.

Inversamente, na fase de execução de pena, a monitoração eletrônica

somente pode ser aplicada em casos bem específicos (saída temporária em regime

semiaberto e prisão domiciliar), o que limita bastante o universo de condenados que poderá

se beneficiar da medida. Entretanto, a possibilidade de usufruir da liberdade, ainda que

vigiada, é um atrativo muito interessante ao condenado.

A necessidade de compatibilizar os direitos fundamentais do homem com a

sempre inadiável preservação da segurança da sociedade não é tarefa fácil, mas é

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justamente esse o desafio permanente que deve ser enfrentado. O sucesso dessa empreitada

jurídico-social depende de constante atenção dos poderes constituídos, de suas autoridades

e dos cidadãos, para que a balança da Justiça não penda, indevidamente, para nenhum dos

lados. O fiel deve ser ajustado sempre que uma dessas balizas for afetada.

As experiências de alguns outros países, como E.U.A., Inglaterra, França,

Itália e Portugal, evidenciam os fatores positivos da monitoração eletrônica: redução dos

custos com Centros de Detenção Provisória (C.D.P.); redução da probabilidade de

estigmatização (comparativamente à custódia cautelar); reserva das vagas em

estabelecimentos prisionais para os casos em que a medida carcerária seja realmente

necessária; redução dos custos sociais por permitir que indiciados e acusados possam

manter seu trabalho, apoiando suas famílias; e, dentre outros, prevenir que indiciados e

acusados sejam submetidos a alguma forma indevida de violência ilegal ou

constrangimento desnecessário dentro das prisões.

Naturalmente, não se pode esquecer que todo novo sistema implica

mudança de paradigmas e demanda tempo de amadurecimento. Em contrapartida, quando

surge a oportunidade de substituir a prisão cautelar pela monitoração eletrônica (sem

esquecer-se das outras medidas legalmente previstas), surge uma realidade que não pode

ser ignorada.

As advertências dos especialistas também não devem ser esquecidas, como

aquela feita pelo pesquisador americano Mark Renzema que estimou que, em 2004, havia

cerca de 100.000 americanos utilizando algum tipo de mecanismo de monitoração

eletrônica diariamente, mas concluiu que, passados mais de 20 anos da implantação da

tecnologia, “não sabemos tanto quanto deveríamos saber” (item 6.2.2 deste estudo).

Esses dados, ainda que representem estimativas, indicam a necessidade de

um controle estatístico em nível nacional concomitante ao desenvolvimento dos programas

de monitoração eletrônica, sendo que essas informações poderiam ser centralizadas, por

exemplo, junto ao Conselho Nacional de Justiça.

Durante todo o curso deste trabalho, houve a tentativa de expor, não

somente os pontos favoráveis da monitoração eletrônica, mas principalmente os aspectos

críticos dessa modalidade de vigilância, sempre na expectativa de suscitar questões de

relevo visando a contribuir de forma original para o aperfeiçoamento dos avanços

tecnológicos que estão postos à disposição dos operadores do direito.

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Consoante análise feita no tópico sobre a “viabilidade da monitoração

eletrônica como medida cautelar” (item 7.1.), foram relacionadas algumas dificuldades que

serão enfrentadas para aplicação da nova cautelar.

A par da posição favorável à monitoração eletrônica defendida neste estudo,

não se ignora que há um extenso caminho pela frente, mesmo porque existem abalizadas

opiniões em contrário.

Acreditamos que, das questões colocadas para discussão (aspectos positivos

e negativos da monitoração eletrônica), extrai-se um resultado que permite ao leitor formar

uma opinião sobre os sistemas de vigilância eletrônica.

Esteve sempre presente o interesse de motivar o debate sadio e dar respaldo

a conclusões científicas sobre os principais pontos que envolvem o assunto.

Com o estudo da monitoração eletrônica, sinceramente, esperamos ter

contribuído, ainda que de forma muito singela, para o aperfeiçoamento desse novo instituto

de natureza cautelar que é incorporado ao sistema jurídico brasileiro.

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RESUMO

A MONITORAÇÃO ELETRÔNICA

COMO MEDIDA CAUTELAR NO PROCESSO PENAL

A inclusão da monitoração eletrônica no Código de Processo Penal como

medida cautelar por meio da Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, é uma das mais

recentes alterações do ordenamento jurídico brasileiro e indica a firme intenção do

legislador de aparelhar nosso sistema judiciário com alternativas que possam substituir as

modalidades de prisão cautelar.

A monitoração eletrônica pode ser utilizada no Brasil como uma opção

viável, seja com aplicação autônoma em casos excepcionais, seja cumulada com outras

medidas cautelares, como, por exemplo: proibição de acesso ou freqüência a determinados

lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; proibição de ausentar-se da

Comarca; recolhimento domiciliar; fiança; e, prisão domiciliar.

O presente trabalho está estruturado a partir da verificação de vários

aspectos da cautelaridade no processo penal, passando-se ao estudo da monitoração

eletrônica como medida cautelar e análise dos sistemas dessa natureza utilizados por outros

países, sempre mantendo o objetivo de obter informações que possam subsidiar as

autoridades públicas brasileiras na implantação de um programa consistente de

monitoração eletrônica, com técnicas avançadas e efetivas, aliadas ao menor custo

possível.

Já com a nova natureza jurídica, o próximo passo é a verificação do

procedimento legal para concessão do instituto jurídico, abordando-se requisitos legais,

legitimidade, formas de aplicação, controle, operacionalização e conseqüências em caso de

descumprimento da ordem judicial que determinar a monitoração eletrônica.

Em seguida, a monitoração eletrônica é confrontada com as seguintes

garantias constitucionais: presunção de inocência, motivação, prazo razoável,

contraditório, direito à privacidade e à dignidade.

Como decorrência natural dessa série de colocações eclodem singelas

propostas na expectativa do aprimoramento das novas medidas cautelares, em especial, da

monitoração eletrônica, as quais foram lançadas ao final do texto, precedendo a conclusão.

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Para finalizar, quando se trata do tema “monitoração eletrônica como

medida cautelar”, seja por sua própria natureza jurídica, que sempre comporta várias

interpretações e contestações, seja em razão da recentidade do dispositivo, não há como se

esperar, ao menos por algum tempo, que haja consenso sobre a efetividade da monitoração

eletrônica como medida cautelar, tese defendida neste estudo.

De qualquer forma, não se pode deixar de saudar a iniciativa do legislador

em explicitar as novas medidas cautelares, ainda que elas suscitem alguns

questionamentos, conforme se verá no decorrer do estudo.

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RIASSUNTO

LA SORVEGLIANZA ELETTRONICA

COME MISURA CAUTELARE NEL PROCESSO PENALE

L’introduzione della sorveglianza elettronica nel Codice di Procedura

Penale come misura cautelare mediante la Legge nº 12.403, del 04 maggio 2011, é una

delle modifiche piú recenti dell’ordinamento giuridico brasiliano e indica la decisa

intenzione del legislatore di fornire al nostro sistema giudiziario alternative che possano

sostituire le modalitá della custodia cautelare.

La sorveglianza elettronica puó essere utilizzata in Brasile come valida

opzione, sia quando applicata autonomamente in casi eccezionali, sia quando cumulata ad

altre misure cautelari, come ad esempio: interdizione all’accesso o alla frequenza di

determinati luoghi; divieto d’incontro con determinata persona; obbligo di residenza nella

propria giurisdizione; libertá vigilata; cauzione; e, arresti domiciliari.

La presente tesi parte dalla verifica dei diversi aspetti della tutela cautelare

nel processo penale e abborda, poi, lo studio della sorveglianza elettronica come misura

cautelare e dei sistemi di tale natura utilizzati da altri paesi, avendo sempre l’obiettivo di

ottenere informazioni che possano aiutare le autoritá pubbliche brasiliane ad

implementare un programma consistente di sorveglianza elettronica dotato di tecniche

avanzate e sicure al minor costo possibile.

Dopo la nuova natura giuridica, il prossimo passo é la realizzazione del

procedimento legale per la concessione dell’istituto giuridico, abbordando i requisiti

legali, la legittimitá, le forme di applicazione, il controllo, l’operativitá e le conseguenze in

caso di violazione dell’ordine dell’autoritá giudiziaria che stabilisce la sorveglianza

elettronica.

In seguito, la sorveglianza elettronica é messa a confronto con le seguenti

garanzie costituzionali: presunzione d’innocenza, motivazione, termini ragionevoli,

contraddittorio, diritto alla privatezza e alla dignitá.

Naturalmente, in decorrenza di questa serie di considerazioni, si

sviluppano sincere proposte, inserite alla fine del texto prima delle conclusioni finali, tese

a perfezionare le nuove misure cautelari, in special modo la sorveglianza elettronica.

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Per finire, quando si tratta del tema “ La sorveglianza elettronica come

misura cautelare”, sia per la sua propria natura giuridica, che sempre comporta varie

interpretazioni e contestazioni, sia in virtú della sua recente disposizione, non c’é come

sperare, perlomeno nei primi tempi, che ci sia un consenso per quanto riguarda la

realizzazione della sorveglianza elettronica come misura cautelare, tesi difesa in questo

studio.

Comunque, non si puó non lodare l’iniziativa del legislatore di chiarire le

nuove misure cautelari, anche se esse ancora suscitano alcuni dubbi come si vedrá nella

stesura dello studio.

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RÉSUMÉ

LA SURVEILLANCE ÉLECTRONIQUE COMME MESURE

PREVENTIVE DANS LA PROCÉDURE PÉNALE

Le placement sous surveillance électronique dans le Code de la Procédure

Pénale comme mesure préventive par la Loi nº 12.403 du 04 mai 2011 est l’un des

changements les plus récents de l’ordonnancement juridique brésilien. Il montre la ferme

intention de l’homme de loi d’offrir à notre système judiciaire des alternatives pouvant

remplacer les modalités de détention provisoire.

La surveillance électronique peut être utilisée au Brésil comme option

viable, soit comme application autonome dans des cas exceptionnels, soit combinée à

d’autres mesures préventives, comme par exemple, l’interdiction d’accès ou de

fréquentation de certains endroits, l’interdiction de contact avec un certain individu,

l’interdiction de s’absenter de la circonscription judiciaire , l’ assignation à domicile, la

caution et la résidence surveillée.

Ce travail est structuré à partir de la vérification de divers aspects de

prévention dans la Procédure Pénale, passant à l’étude de la surveillance électronique

comme mesure préventive et à l’analyse de ce type de systèmes utilisés dans d’autres pays.

Son objectif est d’obtenir des informations pouvant subventionner les autorités

brésiliennes dans l’implantation d’un programme consistant de surveillance électronique

avec des techniques avancées et effectives alliées au meilleur prix de revient possible.

A cause d’une nouvelle nature juridique, le prochain pas doit être la

vérification de la procédure légale pour la concession de l’institut juridique , abordant les

exigences légales, la légimité, les formes d’application, le contrôle, la mise en oeuvre et les

conséquences en cas de non-exécution de l’ordre judiciaire déterminant la surveillance

électronique.

La surveillance électronique est ensuite confrontée aux garanties

constitutionnelles suivantes: présomption d’innocence, motivation, délai raisonnable,

contradiction, droit à la privacité et à la dignité.

De singulières propositions naissent comme conséquence naturelle de cette

série d’expositions dans l’attente de l’amélioration des nouvelles mesures préventives,

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spécialement celles de la surveillance électronique, lancées à la fin du texte, avant la

conclusion.

Em conclusion, quand Il s’agit du thème ”surveillance électronique comme

mesure préventive” soit par sa propre nature juridique qui comporte toujours plusieurs

interprétations et contestations, soit en raison de la nouveauté du dispositif, nous ne

pouvons pas nous attendre, du moins pour l’instant, à un consensus sur l’effectivité de la

surveillance électronique comme mesure préventive, thèse défendue dans cette étude.

De toute manière, nous ne pouvons pas oublier de saluer l’initiative de

l’homme de loi cherchant à expliciter les nouvelles mesures préventives mêmes si celles-ci

suscitent quelques questionnements, conformément à ce que nous verrons au cours de

l’étude.

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BANCA EXAMINADORA

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Antonio Magalhães Gomes Filho pelo acolhimento nesta

centenária Escola e por sua orientação.

Ao Prof. Dr. Antonio Scarance Fernandes e Prof. Dr. José Raul Gavião de

Almeida, por, juntamente com o Prof. Dr. Antonio Magalhães Gomes Filho, darem as

instruções necessárias na fase de qualificação para elaboração do presente trabalho.

À minha esposa Vania e meus filhos Vivian, Beatriz e Diego pela

compreensão em relação às horas subtraídas do convívio familiar.

Aos amigos Mário Sérgio e Rodrigo Brito pelo essencial apoio durante a

fase final de elaboração do presente trabalho.