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A Morte e Legal - Jim Anotsu

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • A Morte Legal

    Jim Anotsu1a edio

    Editora Draco

    So Paulo2012

  • Jim Anotsu uma lontra. Ou um dinossauro. Sua aparncia muda cada vez que come alface ele uma orca h dois anos. Nasceu,cresceu e aprendeu a ler numa caverna no Tibete. Decidiu ser escritor porque a nica profisso que permite exerceragorafobia em paz. E pelo fato de que odiaria sair de casa num dia chuvoso para trabalhar num lugar entediante. dono de algochamado Humbug, um aliengena disfarado de labrador. Morou em Seattle por tempo suficiente para admirar guarda-chuvas eodeia comer aves. Seus autores favoritos esto mortos ou reclusos. Sua famlia e os cientistas afirmam que a razo de seucomportamento agressivo e antissocial que inclui morder a perna de idosas no nibus a extensa audio de hardcoreemocional e a msica britnica triste. Tambm autor de Annabel & Sarah (2009) o livro que tem um panda mafioso etortas de morango e do conto Garota Invisvel (2012).TWITTER @jimanotsu BLOG popdivision.blogspot.com.br

    2012 by Jim Anotsu

    Publisher: Erick Santos CardosoEdio: Cirilo S. LemosProduo editorial: Janaina ChervezanArte e capa: Ericksama (projeto grfico e vinhetas), Maria Claudia Mller (ilustrao dos personagens na capa e pgs. 10, 116,207 e 305), Kenya de Almeida Foschiera (letras da capa)

    Todos os direitos reservados Editora Draco

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Ana Lcia Merege 4667/CRB7

    A 615

    Anotsu, Jim A morte legal / Jim Anotsu. So Paulo : Draco, 2012.

    ISBN 978-85-62942-73-0

    1. Literatura infantojuvenil I. Ttulo.

    CDD 028.5

    ndices para catlogo sistemtico:1. Literatura infantojuvenil 028.5

    1a edio, 2012

    Editora DracoR. Jos Cerqueira Bastos, 298Jd. Esther Yolanda So Paulo SPCEP 05373-090editoradraco@gmail.comwww.editoradraco.comwww.facebook.com/editoradracotwitter: @editoradraco

  • ndiceFolha de rostoCrditosPrefcioA Morte Legal - Jim Anotsu

    EpgrafesPARTE UM

    Captulo UMCaptulo DOISCaptulo TRSCaptulo QUATROCaptulo CINCOCaptulo SEISCaptulo SETECaptulo OITOCaptulo NOVECaptulo DEZCaptulo ONZECaptulo DOZECaptulo TREZECaptulo QUATORZECaptulo QUINZECaptulo DEZESSEISCaptulo DEZESSETECaptulo DEZOITOCaptulo DEZENOVECaptulo VINTECaptulo VINTE E UMCaptulo VINTE E DOISCaptulo VINTE E TRSCaptulo VINTE E QUATROCaptulo VINTE E CINCOPARTE DOIS

    Captulo VINTE E SEISCaptulo VINTE E SETECaptulo VINTE E OITOCaptulo VINTE E NOVECaptulo TRINTACaptulo TRINTA E UMCaptulo TRINTA E DOISCaptulo TRINTA E TRSCaptulo TRINTA E QUATRO

  • Captulo TRINTA E CINCOCaptulo TRINTA E SEISCaptulo TRINTA E SETECaptulo TRINTA E OITOCaptulo TRINTA E NOVECaptulo QUARENTACaptulo QUARENTA E UMCaptulo QUARENTA E DOISCaptulo QUARENTA E TRSCaptulo QUARENTA E QUATROCaptulo QUARENTA E CINCOPARTE TRS

    Captulo QUARENTA E SEISCaptulo QUARENTA E SETECaptulo QUARENTA E OITOCaptulo QUARENTA E NOVECaptulo CINQUENTACaptulo CINQUENTA E UMCaptulo CINQUENTA E DOISCaptulo CINQUENTA E TRSCaptulo CINQUENTA E QUATROCaptulo CINQUENTA E CINCOCaptulo CINQUENTA E SEISCaptulo CINQUENTA E SETECaptulo CINQUENTA E OITOCaptulo CINQUENTA E NOVECaptulo SESSENTACaptulo SESSENTA E UMCaptulo SESSENTA E DOISCaptulo SESSENTA E TRSCaptulo SESSENTA E QUATROCaptulo SESSENTA E CINCOCaptulo SESSENTA E SEISCaptulo SESSENTA E SETECaptulo SESSENTA E OITOCaptulo SESSENTA E NOVEEPLOGO

    AmberAndrewAfogamento e Dvida

  • Prefcio

    Voc est prestes a ser enganado. Talvez tenha sido a capa, ou talvez a sinopse. Pode ter sidoo primeiro pargrafo. No importa. Este livro no o que voc pensa sobre ele.

    Isso normalmente acontece com os bons livros. Eles despedaam expectativas, planos eprojees. Como um namoro. Um bom namoro. Ou como um coelho branco. Esses tambmnutrem um enorme prazer em acabar com os planos de qualquer um. Pensando bem, talvez amorte tambm seja assim, enganadora e surpreendente. No fim das contas, a morte pode noser o fim de tudo, ou a pior coisa passvel de acontecer a um ser humano. . A morte deve serbem enganadora. Como um bom livro. Como este livro.

    Deixe-me dizer: voc vai achar que este livro sobre um relacionamento improvvel, ousobre a busca por um romance no correspondido. Vai torcer para que o mocinho conquisteseu objetivo. Vai vibrar com a primeira cena de beijo. Mas aps alguns captulos voc verque o mocinho no o nico com razo. Que a moral daqueles por quem voc torce no estno manual do bom-mocismo. No estamos em Kansas, diria o protagonista. No estamosmesmo.

    E fora de Kansas, todo tijolo na estrada tem um nome, um significado e uma histria paracontar. E quando essas palavras-tijolos falarem com voc, leitor, voc perceber que foienganado pela segunda vez. Porque normalmente buscamos conforto nos livros. Mesmo nosbons livros. Queremos uma histria que emocione, que surpreenda, que amedronte, at, masque apenas entregue um bom desfecho. Que seja uma leitura assim: pgina aps pgina, decabo a rabo.

    Pois aposto que antes da dcima pgina voc estar googlando a primeira referncia queconseguir pescar. Estar na Wikipedia e nos fruns da internet tentando juntar cacos de culturapop que te faltam para entender esses personagens adorveis e terrveis. Porque,honestamente, pouca gente entende, ao mesmo tempo, de hip-hop, rock alternativo e literaturaps-moderna. Eu no entendo. No de tudo ao mesmo tempo. E nem voc, admita.

    Alguns, no entanto, conhecem. E estes acabam adquirindo o hbito de escrever livros spara trollar o leitor, s para jog-los no fosso de seus prprios sonhos. Como um coelhobranco muito mal intencionado. Esta m inteno outro fator indicativo que voc serenganado. Porque este livro entrega coisas para alm da histria. Pouqussimos livros ousamentregar esta carga cultural a leitores jovens ou maduros.

    Ento, se voc adolescente, ou um jovem adulto, como dizem os anglfonos, saiba quevoc acaba de ganhar um tquete para uma montanha-russa literria. Voc no ler apenassobre Andrew e Ive. Ler sobre Alice e Holden Caulfield. Huckleberry Finn e Sandman.Tupac e Rivers Cuomo. J voc, leitor adulto, que achou ter nas mos um livro paraadolescentes, sinto muito. Voc tambm foi enganado. Porque voc no esperava um jovemautor brasileiro usar Pynchon, Beckett e T.S. Elliot de forma divertida e ainda colocando uns

  • mortos-vivos no caminho.Ah, sim, este livro tem muitos mortos-vivos. Shakespeare. Cervantes. Goethe. Esto todos

    aqui. Voc s ter que encontr-los.Essa, por fim, a maior das artimanhas deste livro enganador. Voc vai buscar referncias,

    mesmo quando no houver nenhuma. Voc passar desapercebido por outras que tornariam aleitura muito mais profunda e, por outro lado, dedicar alguns minutos, horas, meditando sobreuma aluso que est l apenas para colorir. Voc no ser obrigado a ler mais de uma vez, masvai querer faz-lo. S para ter certeza. Voc seguir o coelho branco. E eles nos enganar atodos com suas letras.

    Jacques Barcia [1], 16 de julho de 2012

    [1] escritor de fico especulativa com foco no bizarro, surreal e estranho. Jacques tem diversos contos publicados nosEstados Unidos, Inglaterra e Brasil.

  • A Morte Legal - Jim Anotsu*

    Para Mary:Pequena rainha do rocknroll.Domadora de um hipster lo-fi.Garota chamber-pop.Obrigado:Por fazer meu ch.Mesmo que imaginrio.E por me deixar ficar.Quando no tenho lugar para ir.Dinossauros.

    * Esta uma obra de fico, acredite ou no caso seja um aliengena. Nomes,personagens, lugares e incidentes, so produtos da imaginao do autor ou voc acha queexiste o mundo das fadas , foram usados de forma fictcia. Qualquer semelhana com pessoasvivas ou no, acontecimentos ou localidades, mera coincidncia. At mais e obrigado peloatum.

  • Crianas de era futura,Lendo essa pgina indigna,Saibam que num tempo passadoO amor, doce amor, foi considerado crime.

    A Little Girl Lost, William Blake

    Dar nomes aos gatos uma tarefa difcilNo s um de seus jogos de feriado;Talvez voc pense que sou to louco quanto um chapeleiroQuando lhe digo que um gato deve ter TRS NOMES DIFERENTES.

    The Naming of Cats, T.S Eliot

    Quem mais forte que a esperana? Morte.Quem mais forte que a vontade? Morte.Mais forte que o amor? Morte.Mais forte que a vida? Morte.

    Mas quem mais forte que a morte? Eu, evidentemente.

    Examination at the Womb-Door, Ted Hughes

  • PARTE UMDVIDA RAZOVEL

    Voc to engraada. disse a lontra Eu gosto de voc como lpis de colorirespalhados pelo cho. O que no quer dizer que eu goste de voc como latas de ervilha,veja bem. Gosto de usar exemplos claros para que as pessoas entendam o que eu querodizer.

    Trecho de A Violinista de Fevereiro.

  • Captulo UMNo tempo dos chimpanzs eu era uma ameba, lamento informar assim

    to de repente.

    Todo garoto apaixonado um pouco ridculo. Esta a histria de Andrew Webley: Um garotomuito ridculo. Tambm sobre como amor, msica, morte e alguma literatura seembaralharam no meio da estrada. As coisas comearam no pior dia do calendrio o dia dosnamorados , com a excluso de um pargrafo.

    Sentado no cho do quarto. Cotovelo sobre a perna e mo no rosto, olhar baixo encarandoa pgina em branco do caderno escrevia mo porque no lidava bem com mquinas. Noconseguir escrever o incomodava, como se as palavras fossem rebeldes s suas ideias. Issolhe dava a impresso de que sua vida corria para fora de controle gota a gota, pernada apernada.

    Olhou para o embrulho vermelho em cima da cama. Um presente de aniversrio para suaamiga: Briony OHanlon. A melhor amiga que tinha. Briony. Seu amor platnico h trs anos.Bri-o-ny. Que tocava violino como ningum.

    Fechou o caderno e o guardou. Deixou as canetas na ordem correta sobre a mesinha doquarto e foi terminar de se arrumar. Andrew tinha dezenove anos, era alto e dono do portefsico de algum em risco constante de ser levado pelo vento. Um bicho da terra sem graa,tristonho e pouco carismtico, do tipo que leva uma vidinha emocionante feito alho-por.Cabelos escuros e curtos que combinavam com seus olhos verdes e o deixavam parecido comuma verso jovem de Damon Albarn sob calmantes. Usava sempre luvas e cachecis de lmesmo quando o clima no estava muito ruim, mania adquirida na infncia. Naquela manh,vestia jeans escuro, tnis, camisa preta cuidadosamente engomada e um casaco de chemois.

    Saiu do quarto. Presente e guarda-chuva na mo. Chave no bolso da cala. Conferiu orelgio mais uma vez. Todo minuto que antecedia um encontro com Briony fazia com quetremesse, suasse e que seu estmago se comportasse como um epiltico na pista de dana.Desceu os degraus. Sua irm assobiando uma cano pop na cozinha. Seu pai, sem pata dedvida, j trabalhando no banco.

    A irm colocava leite num prato com cereal quando chegou cozinha. Garotinha de quinzeanos com cabelos pretos e algumas sardas no rosto. Parecia-se com a me, morta anos antesde uma doena com nome de jogador de beisebol.

    Bom dia, Andrew disse ela ao v-lo. A propsito, voc est com uma cara horrvel. Horrvel, mas ainda assim melhor que a sua, Amber. Pense nisso. At mais. Ei, no se esquea de comprar um microfone novo para mim. Se eu no estiver com ele

    no prximo ensaio, Jonas vai devorar meu corao.Amber se interessou por rap aos dez anos de idade, uma forma de se distrair da perda da

    me, comentou seu pai uma vez. O lado ruim foi o sumio da paz. Andrew conjeturava se a

  • tranquilidade de sua casa havia se refugiado com Thomas Pynchon ou algum outro recluso emqualquer canto do globo. Tambm ficaria grato em saber se havia espao para mais um.

    No acredito que o hbito alimentar dele seja to ruim. Por favor, Andy, no tente fazer piadas, isso to-no-voc.Andrew deu de ombros e pegou um livro e seu Ipod antes de sair de casa. Devia se

    encontrar com Briony em frente ao Caf Nickleby, que ficava a alguns blocos de distncia.Caminhava a passos rpidos e vez ou outra cumprimentava alguma pessoa conhecida davizinhana.

    A chuva que caa sobre a cidade era fina. Sunny Day Real Estate tocava nos seus fones deouvido. No havia momento mais interessante para Andrew do que aquele em que caminhavapelas ruas de Dresbel. As centenas de cafs e livrarias e parques. A sensao de que mesmonum espao com milhes de habitantes, conhecia a cidade e sabia que sempre havia algo quevalia o tempo de algum em meio ao barulho e agitao constante. O clima fechado e chuvosono incomodava, acreditava ser o mais adequado do mundo. Mas naquele dia em especial, acidade no lhe proporcionava o conforto rotineiro. Da decorao aos transeuntes, tudocolaborava para isso.

    Odiava o dia dos namorados. O clima romntico incomodava porque remetia a todas assuas experincias amorosas malsucedidas e isso ampliava a sensao de incompetncia.Pensava nas meninas que nunca o aceitaram. Como daquela vez na oitava srie. Havia essagarota chamada Marie, filha de franceses, pela qual se apaixonou e que lhe deu o fora noponto de nibus em frente ao colgio. No dia seguinte ela beijou seu melhor amigo.

    Algum buzinou antes de quase atropel-lo, fazendo com que o livro que carregava OsMoedeiros Falsos casse numa poa dgua. Em Dresbel, o trnsito confuso lhe obrigava aficar sempre atento. Murmurou um xingamento ao pegar o volume molhado, sacudiu para tiraro excesso e o colocou sob o brao. Andrew entendia bem de livros e msica triste alternativa,mas em relao a meninas, era como prego numa parede de gesso. Era um garoto doce etentava viver, mas faltava-lhe algo e sempre acabava se apaixonando pelas garotas erradas.ntimo de Holden Cauldfield e Gatsby e Dom Quixote. Conhecia seus coraes e deles sabiatudo, enquanto no tinha nem uma ervilha do pensamento autntico de uma pessoa.

    Chegou ao Nickleby depois de algumas ruas. Vrios consumidores entravam e saam.Andrew ficou esperando encostado num poste. Ainda faltavam vinte minutos para que elachegasse. Observava o fluxo de carros e pessoas.

    Andrew viu um casal se escondendo da chuva sob o toldo de uma loja de equipamentosesportivos. Reconheceu a garota como sendo uma ex-colega de escola. No sentia inveja dapessoa com ela, mas no deixava de imaginar o que havia de to errado em si prprio paraque no conseguisse o mesmo que ele. Pensou em alguns motivos, mas, quando sua lista mentalultrapassou a marca de setenta itens, viu que era melhor deixar de lado e s ficou ali, com opresente de aniversrio para a garota que talvez o visse somente como um melhor amigo.

    Poderia ter escolhido outra data para nascer. resmungou consigo Seria bem maiseducado.

    Ei!Andrew assustou-se e tropeou. Pde ouvir uma risada baixa sendo sufocada. Sem

  • nenhuma outra opo, riu de volta para a garota. Estava to entretido com seus pensamentosque nem a vira se aproximar.

    Ol, Briony.

  • Captulo DOISEstou tentando dizer que sorvete to legal quanto sabo, mas voc

    no ouve!

    Andrew e Briony decidiram procurar algum lugar mais calmo para conversarem. Raramentetinham algo em mente quando saam, sendo que o mais frequente era caminharem a esmo atque algo surgisse. Andava ao lado dela e a espiava pelo canto dos olhos. Ela dava passoscurtos e leves como se caminhasse sobre bolhas de sabo.

    Feliz aniversrio. Disse ao entregar o presente.Ela mostrou um pequeno sorriso e o abraou. Gostava desse carinho com o qual era

    tratado. A dormia um dos motivos que lhe impediam de simplesmente falar. Caso no dessecerto, perderia sua amiga e, mais do que tudo, gostava da sua presena. Observou-a rasgar oembrulho e tirar uma delicada boneca de pano com aroma de uva.

    Iam andando sob a chuva. Havia engarrafamento na maior parte do caminho e os pedestreseram mais rpidos do que os motoristas. Na regio central tudo era colorido com mltiploscartazes de anncios, placas e televisores. Teles em prdios e vozes suaves que escapavamde alto-falantes ocultos.

    Espero que goste, a moa da loja disse que so timos enfeites. Se no gostar, finja quegostou para aliviar a minha conscincia por no saber escolher presentes.

    Eu amei! ela ento tirou um pequeno aparelho prateado da bolsa e mostrou a Andrewdizendo: Comprei um novo, porque no meu antigo no cabiam mais msicas e eu no queriaapagar as que j tinha.

    Andrew observou sem dizer muita coisa, j que no se interessava muito por tecnologia esua ateno estava focada em outro lugar. Briony tinha cabelos castanhos e longos, onduladosalm dos ombros. Era baixa e naquele dia vestia jeans e uma blusa rosa, tinha a pelebronzeada e lbios finos. Mas eram os olhos que mais chamavam a ateno de Andrew,estreitos e expressivos. Os pontos mais interessantes da via lctea.

    Voc j conseguiu alguma ideia para o seu livro? perguntou Briony. Nada. respondeu coando a cabea. Imagino se vou terminar isso de verdade.Andrew lutava h dois anos contra A Violinista de Fevereiro um ttulo precrio e que

    nunca revelara para Briony mas nada parecia surgir em seu auxlio para remediar sua faltade inspirao.

    No se preocupe tanto. As ideias vo vir at voc.Andrew encolheu os ombros e respondeu: Elas deveriam escolher uma forma mais rpida de transporte. O preo da passagem

    area caiu bastante, elas podem abandonar os camelos.Sentaram num dos bancos da Praa Benjamim W. Era circundada pelas principais avenidas

    de Dresbel e fontes que se iluminavam durante a noite, esttuas e bancos de madeira, em que

  • vrias pessoas se sentavam. As rvores, flores e gramado estavam impecveis assim como omuseu municipal que ficava por ali. Sentaram num banco coberto, prximo a uma garota commechas verdes no cabelo que brincava com um coelho.

    Ela gosta de mim mas no gosta de mim, pensou ele. Que pssimo! Talvez no devessem semisturar no final das contas, como se ele fosse lo-fi e ela, chamber-pop. Melhor seria afastaresses pensamentos da cabea.

    O que voc vai fazer no prximo fim de semana? perguntou ela. Provavelmente o mesmo de sempre: Nada. O mximo de diverso que a minha vida

    permite assistir a reprises de filmes iranianos na TV a cabo. Acho que voc precisa sair um pouco mais de casa, amigo.Ela segurou a mo de Andrew. Dedos pequenos e macios, uma coisinha delicada e quente.

    Talvez esse fosse o momento ideal para se declarar. Havia lido certa vez que o contato fsicoera a linguagem corporal feminina emitindo sinais de interesse. Seria uma brecha? Mas elatambm o chamara de amigo e essa palavra capaz de minar as esperanas de qualquerpretendente.

    Eu e Kayla iremos tocar perto da minha casa. O nome do lugar Espao 319. bemconhecido.

    Andrew deu de ombros e respondeu: Farei o possvel para estar l, com certeza. No. Voc vai estar l. Eu nem me lembro quando foi a ltima vez em que voc foi a um

    show meu.O garoto a ouviu discorrer sobre inmeras outras coisas, mas sua cabea estava longe,

    imaginando como seria agradvel silenci-la com um beijo. E tudo estaria em silncio. Olhosfechados, seu corao saltaria uma batida. Aos poucos, ambos desapareceriamcompletamente. Soltou o ar dos pulmes e decidiu que era hora de falar a verdade. Aspalavras estavam na ponta da lngua.

    Briony...eu tenho...sabe... uma coisa. Uma coisa para te contar... no conseguia evitar otremor na voz.

    Ela o encarou nos olhos. Isso deixava tudo to mais complicado. Sempre que estava diantedessa situao, lembrava-se de um poema de Elizabeth Jennings que falava sobre a timidezque as pessoas tm para com aquelas que mais amam.

    Sim? Eu queria... ter contado isso antes...a verdade que eu gosto muito...Mas Briony no estava lhe dando ateno. Estava ocupada procurando o celular que

    tocava dentro da bolsa. A centsima tentativa falha. Ou interveno divina para salv-lo de umvexame. Como se fosse possvel fazer o que planejava e no parecer estpido ao mesmotempo.

    Era a minha me, est numa loja e pediu que eu fosse at l. Termine o que voc estavadizendo.

    Andrew balanou a cabea e apressou-se em responder: No era nada importante. Era s para contar que assisti a um timo filme essa semana.A menina o observou em silncio. Em alguns momentos ela movimentava os lbios e ele

  • pensava que palavras saltariam. Mas no fim era apenas um suspiro e uma frase banal: Tudo bem. melhor no deixar minha me esperar muito.Os dois se abraaram e ela deu alguns passos antes de parar e perguntar com um sorriso: Andrew... voc realmente iria comentar sobre o filme? Sei l, fiquei com a impresso de

    que voc estava para falar sobre alguma coisa mais sria do que isso.Um redemoinho em seu estmago. Aquele olhar talvez fosse a indicao de que em algum

    nvel ela soubesse o que as palavras omitiram. Engoliu em seco. Fez um movimento facialparecido com um sorriso e respondeu:

    No... era isso mesmo. Pura bobagem.Briony o olhou por mais um momento antes de dar de ombros e responder: Tudo bem, ento. At mais, querido. A gente se v e muito obrigada pelo presente. No precisa agradecer. Feliz aniversrio mais uma vez.Andrew viu o momento em que ela abriu o guarda-chuva amarelo e atravessou a rua para

    desaparecer numa esquina. A garota no voltou o olhar em nenhum momento. Pensava em simesmo como um Cyrano sem espada ou poesia.

  • Captulo TRSPerturbando o universo e calculando as coisas daquele jardim que

    voc no pode visitar.

    Pessoas acordaram em 8 de dezembro de 1980 para descobrirem que o sonho estava acabandoporque John Lennon havia morrido. E em 1994 a MTV falava sobre o suicdio de Kurt Cobain.2003. Elliot Smith morre em Los Angeles. Andrew no se recordava de nenhum desses fatos,mas conhecia bem o sentimento de abandono que um f sente ao ver seu dolo partir: era o queacontecia quando Briony sumia de vista.

    Deixou a tenso afrouxar e ficou de cabea baixa, encarando o cho. Como era complicadoser interessante na frente dela. O que poderia fazer? Estava com essas coisas em mente quandonotou um passarinho morto a pouco mais de um passo. Olhou para o alto da rvore maisprxima e viu o ninho de onde provavelmente cara. Estava completamente absorto quando suaateno foi desviada.

    Problemas com garotas?Olhou na direo de quem havia falado e viu a garota com seu coelho. Tinha aparncia

    oriental e cabelos negros com mechas verdes. Vestia-se de forma despojada e elegante, comum trench coat de gabardine preto sobre cala de mesma cor e sapatos. Ela sentou-se ao seulado.

    Sorriu um pouco constrangido e respondeu: Culpado. to evidente assim? Vamos dizer que voc tem essa aura ao seu redor. Meu nome Ive, sou nova na cidade.

    Intercmbio. E essa a Prozy disse ela, mostrando o animal em seus braos. Tinha umsotaque leve e agradvel.

    Andrew balanou a cabea de um lado para o outro e movendo as mos respondeu: Prazer em conhec-la, eu sou Andrew. Ive no um nome muito oriental. Espero que

    goste de Dresbel, um lugar interessante se voc gosta de caf e bolinhos. Eu no vim do oriente. Cara, eu amo essa cidade, srio, as pessoas daqui so

    engraadas. E fiquei viciada em chocolate, juro, posso comer milhares e no enjoar, tambmadoro a chuva, uma coisa to... to diferente.

    Andrew riu do entusiasmo com que ela falava. A garota o acompanhou na risada. bom voc gostar de chuva. E quanto a chocolates, tem uma loja no muito longe daqui

    que vende os melhores, posso levar voc at l se quiser fez uma pausa, e acrescentou: humor com certeza uma dessas coisas que muda drasticamente de pas para pas, afinal, sassim algum poderia considerar um dresbelino engraado.

    Mesmo? Eu iria amar! E poderamos trocar chocolates de amizade por causa do dia dosnamorados. Eu adorei esse costume de vocs, no lugar de onde eu venho quase impossvelachar alguma coisa legal assim. Uma sociedade cheia de etiquetas velhas e tal, no tem um

  • pingo de vida.O bastante. A lembrana do dia fez com que Andrew se abatesse como um narciso no meio

    do Saara. E a garota pareceu notar isso imediatamente, pois seu semblante perdeu um poucode graa e sua voz ganhou um tom mais srio ao falar:

    Ei, no fique assim. Ainda pode dar certo, uma das coisas que aprendi na vida que aspessoas surpreendem. No se coloque to para baixo por causa de uma garota, isso podedestruir voc. Mas se voc acha que existe uma chance, corra atrs.

    No costumava expor seus sentimentos para estranhos, mas ela o deixava vontade e aspalavras simplesmente foram marchando uma depois da outra.

    Voc no entende, eu no teria chance. Voc nunca viu os caras com os quais elanamorou, eram misturas de tanques de guerra com cachorros. E o pior de tudo: ela minhaamiga e provavelmente nem pensa em mim de outra forma.

    Ive colocou Prozy no cho e de modo bem calmo respondeu: Tem certeza de que voc no uma garota? Andy, voc um cara legal, mas tem um

    pensamento bem pattico. Obrigado. Bom saber que sou a graxa para a mquina de piadas de algum. No seja to dramtico. Voc nunca pode imaginar o que uma garota pensa, porque ela

    nunca est pensando o que voc acha que ela est pensando. E voc diz isso do alto da prpria experincia. Nem tanto, nunca me envolvi muito nesse tipo de coisa. E ela provavelmente j sabe que

    voc gosta dela.Andrew balanou a cabea negativamente e contestou: Isso impossvel. Se ela soubesse, provavelmente as coisas estariam diferentes... a

    tendncia natural seria ela se afastar. No. Isso poderia dizer que ela egosta, do tipo: Se ele falar alguma coisa, eu penso,

    e, se ele no falar, eu finjo que no sei. Toda garota gosta de se sentir atraente. Mas como euno a conheo, estou chutando.

    Andrew tinha aquelas palavras como um dos grandes medos dentro de si e odiava no sercapaz de perscrutar a cabea de Briony em busca das respostas exatas. Levantou-se e forandoum sorriso respondeu:

    Vou torcer para que voc esteja errada.Ive levantou-se e encarou-o de uma forma sria. Havia um jogo nos olhos escuros dela.

    Um jogo de olhos capaz de fazer com que um urso faminto rolasse e fingisse de morto. Voc realmente gosta dessa menina? Claro que sim. E se houvesse uma forma de voc ficar com ela sem sofrer, voc aceitaria? Se fosse possvel... Quem no desejaria isso? Mas as coisas simplesmente no

    funcionam assim. Funcionam, Andy, garoto de pouca f.Andrew no entendeu de imediato o que ela queria ao se abaixar na grama e apanhar

    alguma coisa, mas logo viu se tratar do pssaro morto. Ela o segurava cuidadosamente epassou uma das mos para ajeitar as penas. Sua mente no conseguia adivinhar o propsito

  • daquilo e estava comeando a pensar que a garota tinha um srio desajuste mental. Nunca conte isso para minha me, seria ruim para os negcios da famlia. E o mais

    importante... silncio, bobinho. O que voc... No diga nada. Eu preciso de concentrao.Ficou observando sem entender o desenrolar da cena. Viu os lbios dela se moverem em

    silncio. Estava comeando a se sentir desconfortvel. Olhou em todas as direes parachecar se mais alguma pessoa estava com os olhos postos sobre aquela situao atpica. Masas pessoas de Dresbel no davam ateno a qualquer coisa que no fosse um obstculoimediato ao prximo passo.

    O que voc est fazendo? perguntou, a voz esganiando como na puberdade.Nenhuma resposta. Talvez o melhor fosse simplesmente se despedir dessa garota esquisita

    e ir para casa escrever. Imaginou o que um observador casual poderia pensar ao ver aquelacena. Preocupar-se com as opinies alheias era to natural quanto respirar para ele. Talvezisso fosse culpa de sua garota de treze anos interior, uma drama queen cuja escala Richter deataques ia de nada a dez num piscar de olhos.

    Andrew nunca havia sido raptado por aliengenas nem enfrentado um rinoceronte faminto.Nunca se meteu em uma briga ou nadou alm do que seus ps alcanavam. Nem mesmo viu umfantasma ou esteve em um tiroteio. Sua vida tinha sido um grande tdio desde o incio. Mas nosegundo em que viu o pssaro comear a bater asas e sair voando para o alto e mais umpouco, pensou: Ah, droga!

  • Captulo QUATROEu dormi em paris e acordei em Tquio, no entre em pnico, por

    favor.

    Algumas coisas sobre o mundo animal so realmente interessantes. Os crocodilos seremdaltnicos e as girafas no possurem cordas vocais, golfinhos dormirem com um olho abertoe as corujas serem as nicas aves a enxergarem a cor azul. Mas nada mais surpreendente doque um pssaro que, rebelde s leis da existncia, insiste numa vida aps a morte. Andrewsabia disso e qualquer pessoa que visse todas as expresses de medo convergindo para seurosto ficaria ciente do mesmo.

    Como voc fez isso? Quer dizer, ele estava s desmaiado, no ? Qualquer respostanegativa ser tratada como o fim de uma possvel amizade.

    Ive sorria, o queixo levemente erguido e as sobrancelhas arqueadas numa demonstrao dodivertimento que o garoto lhe proporcionava e com um ar indiferente respondeu:

    por sua conta acreditar ou no, mas no final eu ainda ressuscitei o emplumado. Esperoque ele aproveite porque no vai durar muito.

    Voc no pode fazer isso. No. Definitivamente no. Voc maluca, doida como umabeterraba! Por que voc est fazendo isso comigo?

    A garota deu um passo frente e antes que Andrew pudesse recuar, ela pegou suas mos eficou to prxima que podia sentir-lhe o hlito. A primeira vez em anos que o sexo opostoinvadia seu espao pessoal daquela forma. Andrew podia sentir uma rigidez tomando conta deseus msculos.

    Eu no sei o que existe de louco numa beterraba, voc sabe? O que eu sei que consigover a aura das pessoas, Andy. A sua est vermelha, voc deseja alguma coisa, muito. E eu soua garota que pode te ajudar a conseguir. coisa de uma vez na vida, a chance de conquistar oseu sonho. Com um sorriso de canto da boca acrescentou E ainda por cima ficar na minhacompanhia, essa a parte mais incrvel!

    Nusea e sufocamento. Suas mos ficaram geladas e midas e sua respirao parecia virmais difcil ao mesmo tempo em que seu corao acelerava. No sabia a razo disso, mas erao tipo de coisa que acontece quando algum pressente uma catstrofe. Forou palavras asarem dos lbios.

    Quem voc? Humn. A pergunta mais adequada seria o qu e no quem. Acho que posso explicar da

    seguinte forma, a minha me dona da empresa que paga o ltimo salrio de todos. Voc est dizendo que... Andy, querido, voc legal, mas no muito esperto, no ? Estou dizendo que sou a

    filha mais nova da Morte.Sua mente era um pas cindido. De um lado estava a vontade de jogar a cabea para trs

  • com uma risada alta, de outro estava a neve percorrendo sua espinha e entre as duas coisasestava o passarinho cantarolando num galho, confirmando que a garota no estava mentindo.Morte, pensava consigo mesmo, no era algo com o qual deveria se deparar naquela idade,era algo a se evitar e da qual fugir e sendo a garota quem dizia ser, estava na hora de fazervaler as poucas aulas de educao fsica de que participara. Gostaria de desaparecer, mas aomesmo tempo havia uma curiosidade que o inclinava a investigar.

    Eu preciso sair disse Andrew. Eu no sei se faz algum sentido, mas eu tenho que irpara casa.

    melhor acreditar nela. Ive no aprendeu a contar piadas e sinceramente espero quecontinue assim.

    Andrew olhou para os lados a procura da dona da voz e no encontrou coisa alguma.Somente ao olhar para perto dos ps da garota viu quem poderia ser. O medo ia sendomultiplicado e sentia-se como algum adentrando uma avalanche.

    No reclame da vida, voc sabe quo entediante a morte pode ser. A coelha falou... disse Andrew. A Prozy fala bastante, mas melhor no ouvir as coisas dela, estraga seu humor de

    verdade. Est mais deprimida que o normal ultimamente. A coitadinha no gostou de sertransformada em coelha porque alrgica a pelos. Mostre para ele um truque, querida.

    Lamento, no sou um cachorro para pular e fingir de morta respondeu a coelhinhadiante do ainda assustado Andrew. Resolvam isso depressa, preciso ir para casa e trabalharmeu estgio de negao em paz. Eu sou alrgica a mim mesma, como isso legal?

    Por favor, no me mate. Eu ainda tenho um monte de coisas, por favor, espere s euterminar o meu livro e me declarar.

    Ive riu com entusiasmo e quando finalmente parou para se recompor, respondeu: Eu no vou te matar, ainda sou uma ceifadora estagiria aps uma pausa Estou aqui

    para lhe fazer uma oferta, Andrew. Eu posso fazer com que voc fique com a menina dos seussonhos. E isso vai ser mais fcil do que preparar um waffle de chocolate. Amor incondicionale sem contestao.

    Ele no queria ouvir o que ela tinha a dizer. Tinha mais interesse em sair dali o maisrpido possvel. Mas Andrew admitia, ainda que com hesitao, que a garota havia capturadoseu interesse, uma chance prodigiosa de ter Briony e sem os sofrimentos que j enfrentavahavia trs anos. O seu olhar e o de Ive se encontraram e ela estava sorrindo como se houvesseacabado de falar sobre o clima ou como sorvete de morango melhor do que limonada.

    Andrew tentou se afastar, mas ela segurou suas mos e disse: Voc no precisa responder agora. Sei que isso deve ser meio estranho e tudo mais. Ive

    tirou uma folha de papel verde do bolso Vamos fazer o seguinte, vou te dar isso e se vocmudar de ideia e aceitar a oferta, escreva sua resposta aqui e queime.

    Prefiro no me envolver. respondeu Andrew. Eu quero ir embora e no me encontrarcom vocs de novo.

    Bem, voc pode at no querer, mas uma hora ou outra a gente vai se encontrar, sabecomo ... mame.

    No houve resposta ou movimento da parte de Andrew quando ela depositou o papel em

  • sua mo. Direcionou seu olhar para baixo e com um ranger de dentes guardou aquilo no bolso,talvez jogasse fora na primeira lixeira. Havia a sensao de estar acordado e inconsciente aomesmo tempo, incapaz de separar a realidade do sonho.

    No me procurem disse Andrew. Obrigado pela oferta, mas eu acho que melhordispens-la. E nem precisa se preocupar, eu vou manter minha boca fechada, eu juro.

    Ah, mas eu no vou te procurar, ora! disse ela Eu tenho tantos lugares para visitar,coisas para comer e gente para conhecer, que perseguir voc seria de uma chatice sem igual.Eu j ofereci algo que do seu interesse. Voc sabe como me achar, docinho de tinta. Agora,eu e Prozy iremos ao zoolgico. J te falei que amo zebras?

    A garota pegou a coelha em seus braos e antes de comear a se afastar com passosligeiros e quase saltitantes, falou:

    At mais, Andy. Mas que ora... acho melhor deixar para depois a nossa visita loja dechocolates. Quebrou um pouco o clima, no ? Mas... Feliz dia dos namorados.

    Ficou l, medusado, com a mo no corao e sufocando soluos. O aparecimento daquelesnovos personagens em sua vida o intrigaria pelo resto das horas seguintes. Olhou para o cudo meio dia que transcorria acima de si e pegou o livro que trouxera. Havia uma luta toruidosa em sua mente que Andrew imaginou se no mundo inteiro no havia um esconderijo.

    Colocou um p depois do outro e foi atravessando as ruas de Dresbel, sua companheiraindolente. Ganhou amostras de perfume numa loja e deu moedas para uma mulher-esttua nocentro da cidade, mas nenhuma dessas coisas fez com que se sentisse melhor. O dia dosnamorados continuava uma droga pelo dcimo nono ano consecutivo.

  • Captulo CINCOA nossa revoluo no ser televisionada, mas far at os ossos de

    Tutankamon danarem.

    Delivery: Essa a palavra chave que uma pessoa deve ter em mente quando pensa em rap:ritmo e poesia, porque disso que consiste o gnero. O delivery a forma de imposio deum MC mestre de cerimnias; o timbre, o volume e a entonao, aquilo que se colocasobre as quatro batidas. isso que separa os aspirantes daqueles que realmente esto prontospara o jogo. Logo, no era de surpreender que Amber Webley se irritasse profundamentequando Jonas a interrompeu pela quarta vez, no est bom, Amby, disse ele, voc no podemetralhar a msica dessa forma, est adiante da batida. A garota o fuzilou com uma carrancaque faria um rinoceronte louco voltar a pastar.

    Eu estou fazendo o que posso aqui. respondeu Amber. Srio, a minha rima estavaperfeita! Eu consigo mandar um flow [1] to rpido que daria mil voltas ao seu redor antesque voc pensasse em piscar.

    As suas rimas so timas. De boa, voc atira palavras como ningum, legal e tudomais, mas nem sempre d certo. Voc est lutando karat quando a batida est pedindo porxadrez.

    Estavam no pequeno estdio caseiro que ficava no poro da casa do garoto. Jonas Hurstontinha cabelos curtos e negros e pele cor de chocolate. Estava sentado de forma relaxada emfrente a um velho sintetizador e, como que alheio ao olhar de censura dela, sorria etamborilava os dedos na perna. Amber sabia que a msica sempre fora tradio em suafamlia. O av tocara piano com Miles Davis numa apresentao em 1962, o pai era umhabilidoso saxofonista numa banda de jazz enquanto a me, professora de Histria da Artenuma universidade, integrava o coral da igreja dominical. No foi muita surpresa quandoJonas se interessou por msica, e em especial pelo hip-hop.

    Amber tirou colocou o microfone no pedestal e se jogou sobre as almofadas espalhadaspelo carpete. O lugar estava abarrotado de fios, instrumentos musicais e caixas de som. O paide Jonas havia recoberto as paredes com materiais isolantes, portanto, estavam livres parafazer todo o barulho necessrio. Olhou para o garoto que havia acabado de se levantar paraconferir no computador o resultado da ltima tentativa.

    Se eu tiver que repetir isso mais uma vez, eu juro que vou vomitar. Estou cansada e amelhor coisa que vou conseguir fazer vai ser desmaiar.

    Ei, eu produzo batidas pelas quais Marley Marl e Kayne West salivariam, o mnimo quevoc tem a fazer jogar algo espetacular pra combinar com elas.

    Voc muito convencido respondeu a garota atirando uma das almofadas sobre ele.Jonas riu e no respondeu, deixou que a msica comeasse a tocar. A garota era obrigada a

  • admitir que ele tinha um dom forte para produzir barulhos criativos e cheios de fora. Fechouos olhos e ouviu a linha do sintetizador se misturar com as notas do piano sob as pancadaseletrnicas. Amber sentia as progresses da msica e o crescendo ganhando mais espao. Esteera o momento em que sua voz vinha cheia de potncia e velocidade; respirao perfeita. Doque ele est reclamando? , pensou.

    Ouviram at o fim. Amber deixou explcito em sua cara que no encontrava nenhumdefeito. Estava irritada porque aquela era a quinta tentativa e ela j havia tentado de todas asformas mudar o seu delivery, mas sem resultado. Jonas colocou algo para tocar e ela nolevou nem um segundo para reconhecer a voz de Tupac Shakur, o dolo de ambos.

    Eu no sei o que voc no gostou, est tudo legal. , eu sei. Est muito bom na verdade mas d para fazer melhor. Amby, voc precisa

    enxergar de verdade a msica, conversar com ela. Ela est pedindo para relaxar, voc cantacomo se estivesse pronta para morrer e no o que precisamos. As batidas esto pedindoboas vibraes.

    Qual o prximo passo, hip hop de bom corao? Voc acha que usaro isso empalestras motivacionais? Caso voc no tenha entendido, esse estilo de msica que a gente faztem muito a ver com rimar fora e violncia.

    Jonas riu e respondeu que talvez ela estivesse certa, mas Amber sabia que ele dizia issosomente para encerrar a discusso. Cabea dura, pensou ela, simplesmente no entende. Elepegou um caderno que estava sobre a mesa de som e disse:

    Temos que nos dedicar bastante porque estou com um plano, coisa grande. Vamos gravaruma fita demo e faz-la viajar at a Califrnia... at as mos do Dr. Dre.

    Amber demorou um tempo para saber se o amigo estava fazendo uma piada mas percebeuque no era o caso: Jonas tinha o olhar de algum determinado a fazer algo estpido. Dr. Dre?!Ele no podia estar falando srio. O maior produtor de rap do mundo nunca daria a mnimapara uma dupla de crianas de Dresbel. O que seu amigo esperava? Que colocassem uma fitacaseira no correio todo dia at que o dilvio de gravaes rendesse algo?

    Cara, voc est bebendo ou usando drogas, no ? A nica coisa que Dre vai notar ser apilha de lixo ficando maior. E se voc no notou, somos apenas duas crianas.

    Jonas sacudiu a cabea e respondeu: Isso no problema. Os dois garotos do Kriss Kross eram mais novos do que ns

    quando entraram no jogo e conseguiram fazer sucesso. A gente pode chegar l, confie em mim, s nos dedicarmos de verdade.

    Amber conhecia aquele olhar: era o mesmo que exibia quando criava algo novo, como sevisse coisas slidas se transformando em som dentro da cabea. Ponderou sobre o que estavasendo sugerido. E mesmo que no tivessem sucesso, seria uma experincia interessante. Estoudentro disso, disse ela, e o garoto riu satisfeito.

    Amby, ns vamos chegar longe, o cu o limite, acredite replicou Jonasdivertidamente e, mudando de assunto, acrescentou: estou trabalhando numa coisa nova parausarmos, acho que est no gravador do meu pai.

    A garota o viu ir at o armrio onde o Sr. Hurston guardava seus equipamentos e esticar obrao para alcanar o aparelho mencionado. Teria sido uma ao completamente banal se algo

  • no houvesse chamado sua ateno. A camisa de Jonas havia subido levemente quando eleesticara o brao e por um breve momento Amber viu marcas roxas inconfundveis.

    O que aconteceu com voc? indagou, mais alto do que pretendia.Jonas ajeitou a roupa apressadamente e a encarou assustado. A calma leve e relaxada

    trocada por sbita apreenso que no passou despercebida a Amber. Ficou esperando.Nenhuma resposta flutuou dele para ela e a pergunta foi repetida de forma implacvel:

    O que aconteceu? No foi nada, eu ca de skate na rua retorquiu ele. E eu tenho um dinossauro no bolso, invente uma coisa melhor Amber caminhava na

    direo dele. Quem fez isso com voc? Foi algum na escola, um vizinho, seu pai?Ela estava certa de que poderia extrair algo, eram amigos e esse lao implicava em no

    manter segredos um com o outro. A situao fez com que se lembrasse do irmo e de como eradifcil v-lo falar sobre o que o incomodava ou alegrava, sempre trancado com livros emsica ruim no quarto. Contudo, Jonas no era assim e aquela sbita reserva lhe intrigava.

    Estavam um diante do outro quando a porta se abriu e puderam ouvir o som de algumdescendo as escadas. Amber olhou para o garoto e a expresso que ele tinha era a de quempor um triz escapara da morte. Ela murmurou que aquilo no havia acabado e ergueu o olharpara ver a Sra. Hurston magra, alta e simptica trazendo biscoitos e leite.

    Ol, crianas, trouxe um lanche para vocs, j faz muito tempo que esto aqui em baixosem comer nada. Amber, voc fica para o jantar?

    Que devia fazer? Pensou em alguma desculpa para recusar o convite, mas antes quepudesse emitir qualquer resposta, Jonas tomou a palavra e falou:

    Ela disse que j est de sada, parece que tem um compromisso com o pai. Uma pena comentou a me e se virou para sair.Amber olhou para ele e ficou em silncio. Havia mais significado entre as palavras que

    no estavam ditas do que todas as longas frases do mundo. Ante aquele evento, decidiu quepor ora no foraria nada. E sem dizer nada, um se afastou do outro e se colocou a guardar ascoisas num silncio incmodo. Sentia raiva por tentar ser uma boa amiga e receber esse tipode tratamento, mas iria descobrir o que estava acontecendo. Encaminhou-se diretamente para aporta e foi embora. No se despediu.[1] a forma como um rapper encaixa seus versos na batida. O sistema de ritmos e rimas, a cadncia.

  • Captulo SEISCervantes escreveu que s vezes pior que a encomenda, acredito

    nele.

    Norte e Sul algum pode muito bem comear por qualquer um deles e caminhar em linha retaat chegar ao outro. No faz muita diferena, porque voc nem sempre est alerta o suficientepara compreender esse tipo de coisa. Andrew com certeza no estava. Sua situao era dealgum longe de encontrar uma estrada aberta.

    quela hora da noite, empurrava a comida de um lado para o outro no prato uma lasanhapreparada pelo homem de olhar severo do outro lado da mesa. Homem de compleio forte,intimidador, sempre atento feito co de caa. Comiam em silncio e um observador casualpoderia muito bem ser levado a acreditar que ali se encontravam trs estranhos uns aos outrose no um pai e seus dois filhos.

    Engoliu mais um pouco e no sentiu gosto algum. Pensava na proposta de Ive. Ora, uma vezque a oportunidade se apresentava, no seria mais lgico que aceitasse? Seus pensamentosvoltaram-se tambm para Sylvia a protagonista de seu romance e as dificuldadesenfrentadas para solucionar um problema de enredo. Deveria ela fugir de casa ou aceitar ocasamento com o odioso prncipe Bll? No sabia.

    Suspirou cheio de irritao um pouco mais alto do que pretendia. O olhar do Sr. Webleycaiu sobre si e as palavras dele vieram logo em seguida:

    Algum problema com o jantar...? No, pai, nenhum problema. Voc no sabe cozinhar, no era uma afirmativa simples e num tom pouco maior que

    um sussurro. Andrew sabia o rumo que essa conversa tomaria. Com a sua idade eu j sabiacozinhar e tambm tinha um emprego, alis, desde os quinze. Acho que voc deveria conseguirum emprego.

    Andrew olhou para a irm que lhe devolveu solidariedade muda com os olhos, incapaz deir alm daquilo. O garoto ficaria em silncio. No responderia pela segunda vez que desejavase tornar um escritor a primeira experincia havia sido ruim o bastante.

    Eu ainda vou arrumar um emprego, pai. Tenho outros interesses no momento.O pai cruzou os braos. Silncio. Andrew olhou para o prato. Ali estava uma coisa que

    nunca conseguiria mimetizar: o ar da incontestvel autoridade. O porte de algum capaz dereger tudo sobre o que pe a vista. Queria desaparecer completamente.

    Voc j tem idade suficiente para seguir um caminho reto na vida prosseguiu ele. Nopode trancar-se o dia todo com livros, isso um passatempo e no a vida real. triste veruma pessoa sem grandes sonhos nem perspectivas, Andrew. Falo isso porque me importo. Seuprimo Aiden tem a sua idade e est na faculdade, ser advogado, enquanto voc apenas umpirralho ingrato e egosta.

  • Ser que no d pra voc gostar de mim pelo que realmente sou e no pelo que vocacha que eu deveria ser? Lamento no ser perfeito de todas as formas possveis. Lamentoainda mais por no ser igual a qualquer outro adolescente que padro-voc de qualidade. Eme desculpe se o meu melhor nunca ser o bastante.

    Andrew sentiu a mo da irm segurar a sua por debaixo da mesa. O pai no parecia seincomodar que ela tivesse cantasse rap, mas tudo o que o filho fazia ou no estava errado eno hesitava em demonstrar isso.

    Esse o problema: voc nunca faz o seu melhor. Tanto desperdcio de tempo combobagens e no faz nada de til para dar um jeito na sua vida. Eu quero me orgulhar de voc,filho.

    Eu quero me orgulhar de voc, filho, Andrew repetiu a frase em sua mente um milhode vezes por segundo. Ou seja, no fui motivo de orgulho nenhum, s de aborrecimento,pensou. Seria ele um Van Gogh da arte de fracassar nas coisas simples? Talvez estivessecasado com aquela situao aquele tipo de casamento no qual nenhum dos lados temcoragem de pedir divrcio.

    Andrew riu e nem sabia por que, simplesmente riu e quando palavras saram de sua boca,eram frias e destitudas de qualquer emoo.

    Eu queria que voc e no a minha me tivesse morrido. Teria sido bem melhor para todomundo.

    No houve resposta da parte do homem do outro lado da mesa. A irm olhava-o, plida ecom olhos grandes, os lbios dela se moviam. Ou ela no disse coisa alguma ou ele noconseguiu ouvir. Andrew cerrou os lbios e desejou no ter dito nada queria um barbantevermelho atravs do qual pudesse puxar as palavras de volta e coloc-las na boca. Mas nopoderia faz-lo: a flecha lanada voava longe. A palavra errada, pronunciada. A oportunidadede calar a boca, perdida.

    Levantou-se em silncio e se retirou. Pegou o cachecol e o casaco no quarto e saiu de casacom os pensamentos escorregando na pista de dana da cabea. Podia sentir o peso daverdade se avolumar dentro de si: No tinha o que era necessrio para conseguir ser algo.Enxugou as lgrimas com a manga da camisa.

    A noite estava fria e o cu no indicava nenhum sinal de chuva. Mas Andrew no ligavapara isso. Como seu pai podia ser to cruel? Estava to cansado de tudo aquilo que chegava aser difcil sobreviver quela melancolia. Dezenove e sem ter conquistado coisa alguma daqual se orgulhasse.

    Foi ento que um pensamento cruzou sua mente. Tinha sim algo que podia conquistar:Briony. Pensou na proposta de Ive e viu que era a nica oportunidade real que surgira em suavida nos ltimos tempos. Sentia medo, mas estava na hora de enfrent-lo por alguma coisa.Pegou o papel verde que ainda estava no bolso de sua camisa e pegou uma caneta que sempretinha consigo para caso tivesse uma ideia para A Violinista de Fevereiro.

    Apoiou-se num prdio e rabiscou sua resposta com fora, a ponto de fazer um pequenorasgo. Agora precisava encontrar uma forma de queimar aquilo, no podia voltar para casa no estava a fim de lidar com seu pai naquele momento. Pensou em abordar alguns transeuntese pedir por fogo, mas ficou com vergonha e deu mais passos at encontrar um mendigo que

  • fumava sozinho perto das ruas Corneille e Donne. Ei, pode me emprestar fogo? perguntou, olhando para os lados para confirmar que no

    havia nenhuma pessoa conhecida.O homem acendeu um fsforo e estendeu ao garoto que deixou o papel queimar de baixo

    para cima. Deu uma nota a ele e jogou o papel flamejante numa lixeira, as palavras sendoconsumidas pelo fogo: Eu aceito, me encontre no Lago Lou-Heaney.

    E de corao dobrado Andrew deu incio a tudo o que tornaria sua vida um pouco maisfantstica dali em diante. Pensou em Briony, que sempre estava sorrindo, mesmo quando ascoisas no estavam to bem e que conseguia levantar seu nimo. Caminhava sob as estrelas,um garoto desterrado.

  • Captulo SETEO felino e a barriga da baleia no so assim to diferentes.

    Um homem chamado Samuel Beckett escreveu uma pea Esperando Godot aos 43 anos deidade, obra que foi lida por Andrew Webley aos dezoito anos, sete meses, trs semanas ecinco dias de vida. A histria fala sobre dois homens, Estragon e Vladimir, que esperam eesperam por um certo Godot que nunca chega. Andrew tambm aguardava seu Godot: umGodot que abrisse os olhos de seu pai, um Godot que o tranquilizasse e mais importante fundamental um Godot que o tirasse da barriga da baleia.

    Caminhou pela calada que margeava o Lago Lou-Heaney, precisara de um nibus equarenta minutos para estar ali. A lagoa era um dos pontos tursticos da cidade e estavasempre bem cuidada, iluminada e movimentada. Esfregou as mos para afastar o frio. Algumaspessoas caminhavam por ali e outras estavam sentadas no gramado.

    Andrew conferiu o relgio e tentou encontrar Ive em algum ponto, mas no obteve nenhumsucesso. Suspirou. Queria ligar para Briony, talvez ouvir a voz dela melhorasse seu nimo.Isso fez com que pensasse mais uma vez se teria a coragem necessria para faz-la am-lo deforma artificial. Teria felicidade em algo no qual no trabalhou nem fez crescer? Mas semprefora um timo garoto, pensou, no era a hora de finalmente pensar em si e buscar sua prpriafelicidade?

    Pegou uma pedra e atirou-a no lago, bateu trs vezes antes de afundar. Tanto incmodo,pensou Andrew, tanto incmodo? J se sentira pssimo antes, contudo aquela vez eradiferente. Sentou-se na relva, murmurava uma cano do Texas Is The Reason.

    Voc poderia ter escolhido um lugar mais fcil de achar, senhorito, mas sem problemas,aqui legal tambm, bonito mesmo.

    Andrew olhou de soslaio para confirmar a presena de Ive, com um sorvete de baunilha esua coelha de estimao. No se mexeu, mas continuou a olhar as guas calmas e escuras dolago. A garota sentou ao seu lado e deixou que Prozy se aninhasse aos seus ps. QuandoAndrew abriu a boca, seu tom era grave e suas palavras pareciam vir de longe.

    Eu vou aceitar a sua proposta. Estou disposto a fazer qualquer coisa se isso me trouxerBriony, a nica coisa que importa.

    , imagino que sim, caso contrrio no teria me chamado. Andy, fico contente que tenhaaceitado, vai ser bacana ter companhia.

    Fale por si prpria comentou a coelha. Eu ainda acho que um humano ser to tilquanto coc de lhama nessa histria. Sinceramente, ter vindo para esse mundo horrvel j sofrimento demasiado.

    Uma coelha niilista que fala, vai ser difcil me acostumar com isso disse Andrewainda cheio de receios. O mundo inteiro parecia cada vez mais inslito. Afastou-se de Prozy eprosseguiu: como funciona tudo isso, eu preciso assinar alguma coisa com meu sangue ou

  • coisa assim?Ive olhou-o com uma expresso de espanto que foi sendo substituda por sorriso

    incontrolvel, combinada a uma risada espontnea e to alta que chamou a ateno de um eoutro transeunte que acontecia de estar passando por ali. Andrew ficou desarmado com aquelareao tendo em vista que havia perguntado seriamente.

    Andy, o humano mais engraado do mundo. Isso no pacto com um demnio. Voc estajudando a mim e a ningum mais, minha me pode saber que eu te coloquei nessa histria...

    Caso contrrio...? perguntou o garoto, j temendo a resposta. Ora, voc morreria respondeu Prozy, como se fosse um fato banal e corriqueiro. Mame muito rigorosa com relao a sigilo empresarial completou Ive. Tomou mais

    um pouco do sorvete e colocou o pote ao seu lado. Ela parecia mais sria quando voltou afalar. Dresbel a cidade mais mgica desse mundo, Andy. como um farol para todas ascriaturas espirituais e ningum sabe por qu. Estou aqui para procurar os trs nomes de umgato...

    Andrew deixou que um ponto de interrogao ficasse explcito em sua face, mas no ainterrompeu. No conseguia conceber que sua cidade, uma metrpole como tantas outras,pudesse ser algo alm disso. Tanto concreto e asfalto no poderiam abrigar algo alm docotidiano, pensou o garoto, mas sabia que estava errado e esse pensamento ia e voltava feitoum bumerangue.

    ...Mas no um gato comum, veja bem. Eu me refiro a uma criatura mais antiga do que esseuniverso e que vagou pelo espao at cair aqui h mais de trs bilhes de anos. Atualmente eletem a forma de um gato e se uma pessoa descobrir seus nomes verdadeiros ter dois desejosatendidos. Um para mim e outro para voc, entendeu?

    Ficou em silncio quando Ive parou de falar e observou Prozy lamber o que restara dosorvete.

    Por que voc me colocou no meio de tudo isso? Eu no sou especial nem coisa parecida.Entendo de livros, no sei em que poderia contribuir. Por que eu e no outra pessoa? perguntou ele.

    A garota depositou a mo sobre seu ombro, um gesto leve e que no durou muito. Andrewvoltou seu olhar para ela que agora enrolava uma de suas mechas verdes com o indicador, viuum sorriso agridoce no canto dos lbios dela.

    Eu no posso ler mentes... embora adentrar numa com convite seja diferente. Contudo,tenho a capacidade ver a aura das pessoas. A sua vermelha, Andy, como a minha. Vocdeseja muito alguma coisa e eu poderia lhe ajudar. E bem... seria interessante ter um amigodurante o intercmbio.

    E isso ser muito perigoso?A garota confirmou com um aceno de cabea. Extremamente, caso contrrio no valeria a pena, certo? E no seremos os nicos

    procurando. Existe um casal atrs dos nomes, mas no acho que causaro muitos problemas.Est dentro?

    Andrew estava.A nova cadncia que pulsava em sua alma lhe assegurava isso. Aquela era a hora em que

  • finalmente lutaria e conquistaria o que desejava em que sairia vencedor e deixaria suainvisibilidade para trs. O destino o havia ungido com aquela oportunidade, o tempo decovardia devia chegar ao fim. Seu corao confrangeu, mas Andrew tinha certeza de que issoera o resultado da emoo que o tomava. No disse nada, Ive sabia qual era sua resposta. Nose levantaram nem falaram nada durante um tempo, ficaram l parados e olhando o lago medida que as outras pessoas iam embora e o lugar se tornava deserto. Andrew simplesmenteera. Briony no estava mais to longe e dessa vez a luz no fim do tnel no era a de um trem.

  • Captulo OITOMakaveli j havia falado sobre isso e se voc no sabia, agora est

    sabendo.

    O sol surgia timidamente entre as nuvens escuras daquela manh. Um prdio estava sendoconstrudo no muito longe dali e o barulho voava em todos os cantos. Os trabalhadoresandavam com seus capacetes e ferramentas, algum l em cima havia perdido uma das plantasque caiu num vai-e-vem, sendo empurrada pelo vento at ficar aos ps de Amber e Jonas naarquibancada da pista de skate onde vrios jovens lutavam contra a gravidade sobre quatrorodas. Um dos garotos trouxera um aparelho de som e doava a trilha sonora para o dia: Jay-Zrimando seu Takeover.

    A garota sabia de memria cada verso e inclua alguns quando encontrava uma brecha nasbatidas. Jonas ouvia em silncio e olhava para os garotos e manobras. Amber imaginou se eleno estava gostando do que via ou do que ouvia. Ela continuou at que a msica foi perdendovolume at ceder lugar para a faixa seguinte.

    Voc tem linhas matadoras, Amby, mas no tem um alvo e chuta qualquer coisa. O jogo no est procurando Buda, a coisa mais no estilo Bruce Lee. Voc ainda est

    pensando em mandar a demo?Jonas sorriu e assentiu com a cabea, sim, disse ele, assim que terminarmos aquela faixa

    que a melhor coisa que j produzi. Amber realmente considerava #36 ainda sem um ttulodefinitivo contagiante de forma nica e sabia exatamente o que fazer para que funcionasse.Mas precisava, antes de tudo, convenc-lo de que ela estava certa sobre como deveria cantar.

    Eu s acho que devemos cair na msica com um flow assassino. Precisa ser feito comfora e velocidade, Jo. Precisamos de napalm nesses versos ou ningum vai nos respeitar.

    Ou talvez a gente precise de boas vibraes. Voc no pode cantar como se estivessepronta para morrer, Amby, aquele som mais para vida aps a morte, entende o que eu querodizer?

    As tenses musicais eram frequentes e cansativas entre eles, discutiam sobre um arranjo ouritmo durante semanas at que um desistisse. Mas era a primeira vez em que realmentefalavam sobre tomar uma atitude e no apenas brincar no estdio do pai dele. Imaginou comofoi quando Notorious B.I.G decidiu se devotar msica. Teria ele hesitado antes do primeiropasso? Ela sabia que perseguir um sonho traria um monte de decepes e talvez no trouxesseresultados, via o irmo sofrendo com aquele livro que crescia rpido feito uma pedra notinha certeza de que queria terminar como ele. Jonas, disse Amber num tom de voz que pareciadistante e despido do ego habitual, voc acha que realmente temos uma chance de... sabe,chegar l?

    Ela esperou e Jonas no respondeu, mas fitou a Rua Holton que estava alm da grade que

  • circundava a regio: os carros e a massa de annimos apressados que no se esbarravam. Ostrabalhadores e o prdio em construo. Uma pequena discusso parecia estar acontecendoentre dois grupos na pista, mas Jonas ignorou isso e apontou a planta arquitetnica que haviavoado do prdio e agora estava pressionada pelo vento num poste.

    Olhe um pouco adiante do papel, Amby disse ele com um sorriso. Preste bastanteateno e me diz o que voc est vendo, acho que um daqueles momentos em que Bruce Leeouve o que Buda tem a dizer.

    Amber riu e balanou a cabea. A sombra do que acontecera no estdio dias atrsdesaparecida por um momento. Ainda estava incomodada com toda aquela histria, mas talvezdevesse simplesmente ficar num canto e esperar que o amigo viesse falar o que estavaacontecendo. Estreitou os olhos viu o que ele mostrava: uma flor perto do garoto com oaparelho de som. E entendeu o que ele estava dizendo. Tupac falou sobre isso em um de seuspoemas, sobre a rosa que nasceu de uma rachadura no concreto. Sobre a rosa que ganhou forae cresceu mesmo quando tudo estava contra. A rosa que vira uma chance onde todas as outrasestavam dizendo no podemos. Shakur estava certo, eles tinham uma chance de sair doconcreto e fazer alguma coisa e detonar um monte de outras. Acho que vale a pena tentar,pensou ela, e da se o Dr. Dre nem ouvir a nossa msica? E da se ele jogar a fita no lixo? Oimportante manter as mos ocupadas e as palavras fluindo. Se perdendo na msica e nomomento, como Eminem cantava. Amber deixou um sorriso pendurar no canto da boca erespondeu: acho que devemos mesmo fazer a nossa coisa e chutar o universo onde di mais,entre as pernas.

    A dupla riu e conversou sobre inmeros outros assuntos e tambm com os outros jovens alipresentes. Algum pediu para que Amber improvisasse enquanto Jonas fazia o beatbox [1].Fizeram um circulo e alguns garotos se revezaram para desafia-la. A ateno se desviou dapista e se focou nos adolescentes que riam, aplaudiam e vaiavam uns aos outros. At mesmocuriosos paravam por um breve espao de tempo e observavam de longe o que acontecia.

    Mas o que ningum percebeu naquele momento e nem mesmo depois foi que o garoto doaparelho de som, em seus passos at a roda de duelo, pisou sobre a flor branca, aquela queassim como a rosa de Tupac Shakur, nascera de uma fissura no concreto. E ningum seimportou. No conseguiam parar de festejar.[1] Uso de percusso vocal no hip-hop. Reproduzir sons de bateria e outros instrumentos musicais com a voz, boca e cavidadenasal.

  • Captulo NOVEMe, eu sou como uma pintura de Banksy nas ruas de Bristol.

    Um adulto no entenderia a solido de Andrew naquela madrugada. Cabea recostada najanela com o olhar sobre a cidade em chuva, pensando em Briony enquanto ouvia uma canodo The Get Up Kids ou Rites of Spring no escutava com ateno suficiente para distinguir.Um adulto no entenderia isso. Kafka, Gabriel Garca Mrquez ou Bukowski entenderiam.Mas no um adulto como seu pai. Pensou nele e no sabia como seus pensamentos haviamtransitado de Briony para a face paterna. Ele to forte e prtico e amplo em todas as coisas,enquanto Andrew se aninhava na fragilidade que barrava o caminho da retido. Deveriaestudar alguma coisa til como engenharia ou odontologia, pensava, ou no mnimo procurarum emprego.

    Tudo. Exceto escrever. verdade universalmente conhecida que literatura no serve paranada. O velho Plato expulsou os poetas de sua repblica ideal! exclamava consigo. Contudo, no seria feliz acordando de manh e indo para um emprego entediante ondecolocaria dinheiro nos bolsos de algum provavelmente menos inteligente do que ele. ApenasWallace Stevens conseguiu ser escritor e levar uma vida burocrtica e calma. Sentia-se comoum pssaro que lutava para cantar numa gaiola lembrou-se do incidente na praa e da paixode sua me por aves.

    Sua me teria apoiado que continuasse a escrever, ela provavelmente teria apoiadoqualquer coisa que escolhesse. O primeiro sinal de que ela estava doente veio quando umcopo escapou de suas mos, subitamente dbeis, e dali em diante cada extenso do seu corposofreu o mesmo destino at que por fim tudo havia sido derrubado. Foi mais ou menos nessapoca que o mundo comeou a se tornar mais cru e escuro enquanto seu corao e estmagoiam se comprimindo em ns.

    Suspirou. Pensava no Etna de erros e fracassos que era sua vida. Como se todas as portasestivessem trancadas. Quando conseguisse reunir os nomes do gato com Ive as coisas seriamdiferentes e nunca mais precisaria se sentir to sozinho. Olhou para o manuscrito inacabadosobre a mesa: A Violinista de Fevereiro. A histria de uma garota perdida num mar de eventosque no deseja compreender.Mas Andrew no pensaria nisso por enquanto. Estava maispreocupado com a figura encostada na parede. Conteve o grito que subia pela garganta e ficouolhando assustado para a outra pessoa no canto do quarto escuro. Um jovem de aparentementevinte e poucos anos, alto e magro, pele cor de oliva. Seus cabelos eram pretos, encaracoladose curtos. Lbios eram finos e estavam comprimidos numa linha. Tinha o queixo proeminente euma barba rala. Os olhos eram intimidantes. Vestia-se com uma cala jeans e uma jaquetapreta de couro sobre camisa de mesma cor.

    No grite. Ou seus pedaos ainda estaro sendo recolhidos daqui a um ms disse ele,friamente. Qual o primeiro nome?

  • Com a voz to tremida quanto o resto de seu corpo, Andrew respondeu: Eu no sei de nada. No minta para mim. Eu o vi com ela e tenho observado com ateno. Olhe pra mim e

    diga a verdade.Andrew reuniu a coragem que restava dentro de si: Eu. No. Sei. Insistir no vai fazer com que eu fique sabendo atravs de osmose do ar.Um soco atingiu seu rosto. Qual o primeiro nome? continuava a exigir o outro jovem. Responda.Seu nariz comeou a sangrar. Andrew usou uma das mos para limpar e repetiu sua

    resposta enquanto fechava os olhos para esperar um novo golpe. Houve um som de tosse eAndrew foi jogado ao cho. Somente ento percebeu uma segunda figura no quarto. Aocontrrio da primeira, no era forte e nem jovem. Era uma mulher cujo rosto no ocultavaestar farto de anos. Tinha longos cabelos grisalhos e a pele rosada. Usava um longo vestidobranco com luvas e estava descala. Percebia-se que j havia sido muito bela no passado e aov-la tomada pelo violento acesso de tosse, Andrew sentiu pena.

    O jovem de cabelo escuro a amparou cuidadosamente e com voz mansa disse: Desculpe-me, Stella, eu no tinha a inteno de me exasperar. Garoto, se eu no

    encontrar os nomes logo, ela morrer. No se envolva nessa histria. D-me a informao e seesquea de tudo.

    Andrew podia ver nos olhos do outro uma clera e abatimento sem par. Ouvia a respiraodescompassada e entrecortada dele, fato que lhe afetava. Lamentava que estivessem ambosnuma corrida pela mesma coisa.

    Astrophel murmurou a velha, e aps uma pausa acrescentou Vamos embora, estoucansada.

    Andrew ficou em silncio observador enquanto o jovem ajudava a idosa a se recompor elhe dirigia a palavra:

    melhor que voc no esteja mentindo. Fale para a sua amiga que estou a um passo delae que ela escolheu jogar contra a pessoa errada. Os nomes so meus e eu no terei clemnciade pessoa alguma. Seja voc, garoto, ou a filha da Morte.

    Havia uma certeza naquele cenrio: Astrophel no estava mentindo. Andrew no viu oinstante em que desapareceram. Tudo aconteceu antes que seus olhos registrassem qualquerevento. Ficou sentado no cho durante algum tempo a espera de entender o que havia sepassado ali. Quando ficou claro que isso no aconteceria, levantou-se e foi at a cozinhaprocurar gelo para colocar sobre o rosto. Murmurou todos os improprios conhecidos. Aindachovia torrencialmente l fora.

  • Captulo DEZEstou danando por dentro, e isso me d passos inusitados.

    Olharam. Encaravam com os olhos daqueles que respeitam e admiram e temem. A panteranegra se deslocava lentamente, deixando seu corpo balanar de um lado para o outro sem sepreocupar com as inteis opinies alheias, passos de criatura entorpecida. Existe umsentimento diferente em observar um predador artificialmente pacato, artificialmente dcil ecordial. Para entender isso preciso ter a conscincia de que o felino enjaulado diversosegura para os observadores o mesmo que espreita e dilacera suas presas numa eficciampar. Amber sabia disso. Jonas tambm.

    Os pais do garoto lhe convidaram para se juntar a eles naquele sbado e sem nenhumaoutra atividade planejada, Amber terminou no zoolgico com a famlia Hurston. Era umamanh nublada e fria, mas as pessoas pareciam contentes e interessadas em ver animaisexticos. O passeio comeou pelo setor das aves e seguiu pelos anfbios e rpteis e peixes esmios na parte oeste. Estavam se divertindo e embora Jonas ainda se mostrasse levementereservado com ela por causa do acontecimento de duas semanas antes, o fato de a garota notrazer o assunto tona deixou tudo num humor mais confortvel.

    Quando os adultos foram descansar sob um carvalho, as duas crianas correram para veros grandes felinos. Visitaram um leo sonolento que apenas ficava deitado e bocejando. Umtigre que marchava cheio de pompa e circunstncia. O guepardo no sara de sua toca nem porum minuto, deixando uma multido de crianas em polvorosa. Me, eu quero ver aquele gatogrande, choramingava uma delas.

    Todos os felinos haviam conquistado a ateno da dupla, mas nenhum mais do que apantera. Panthera onca, dizia uma placa de informao, felino da famlia panthera genus e tambm a nica da famlia panthera que pode ser encontrada nas Amricas. Este espcimefoi nomeado Abim. A menina leu as informaes e deteve os olhos sobre o animal. Umcalafrio pontilhou seu corpo, era como se tivesse visto um fantasma.

    Voc acha que ela atacaria pessoas, caso fosse possvel escapar da? perguntou Jonas.A menina deu de ombros e respondeu: No sei... Acho que no. um animal de cativeiro, deve ser bem calma e pacata,

    provavelmente ficaria perdida e desorientada demais para fazer qualquer coisa. Eu ouvi dizerque quando algumas baleias de cativeiro so libertadas, elas so incapazes de caar por siprprias.

    Isso no uma baleia, Amber. Pode ser apenas aparncia, fingir estar domada enquantose prepara para voltar superfcie e chutar o traseiro de todo mundo.

    Amber riu daquilo embora soubesse que ele falava srio. Comearam a caminhar para veros outros animais, iam com passos lentos e se detinham aqui e ali para tirarem uma foto.Compraram bons em forma de elefante e peixes dourados que vinham em saquinhos plsticos.

  • No ficaram muito em frente jaula dos babunos porque eles tinham o hbito poucorequintado de atirar excrementos em quem passava.

    Na entrada do aqurio havia um homem entregando panfletos e os dois jovens ficaramprximos para ler o anncio de um duelo de MCs que aconteceria dali a alguns dias. Amber eJonas se entreolharam cheios de excitao.

    Ns temos que ir disse a garota. Meus pais chamariam a polcia se eu fizesse isso. muito tarde, eles nunca levariam a

    gente at l. Eles no precisam nos levar, podemos muito bem ir sozinhos. Eu no posso afirmar

    quanto a voc, mas eu no sou um beb que no sabe se cuidar. Eminem no teria se tornado osegundo melhor rapper se tivesse ficado com medo de sua me no deixar que andasse porDetroit.

    Jonas sentou-se num banco e respondeu: Voc sinceramente acha que meus pais vo me deixar por a noite? Ambie, pessoas so

    roubadas e mortas quando isso acontece. E por favor, no tente forar comparaes: Eminemmorava num trailer e no se preocupava em pedir permisso para a me porque os dois seodiavam.

    Ela sentou-se ao lado dele e segurando-lhe o ombro, disse: Eles no precisam saber. Ns vamos sair escondidos e voltaremos antes de eles sequer

    perceberem que no estamos em sono profundo.Amber viu diversas coisas passarem pelo rosto do garoto vontade, medo e desejo. Era

    uma oportunidade que no poderia perder, mas ao mesmo tempo no queria se arriscar. Talvezele fosse dizer alguma coisa quando uma voz os distraiu.

    Ei, Hurston! disse um garoto plido e gordo que estava cercado por outros de aspectopior. Estamos precisando de mais um no time de futebol. Acho que voc perfeito paraservir de bola.

    Amber olhou para o amigo. Ele fechava os punhos e sua respirao estava entrecortada.Medo. Podia senti-lo escapar de cada poro do amigo. Os outros garotos riam e trocavamapertos de mos como se houvessem acabado de marcar um gol numa partida importante.Jonas permanecia quieto e mudo e aptico e apenas observando os outros virarem as costas.Sabia agora como ele havia se machucado e no gostava disso.

    Voc tem que fazer alguma coisa! disse ela.Jonas balanou a cabea negativamente e retorquiu num murmrio: Aquele Gabe e seus amigos idiotas, ningum gosta deles na escola. melhor deixar

    para l. Eles perdem a graa se voc no d muita ateno. No assim que funciona respondeu a garota e comeou a caminhar no rumo dos

    garotos. Gritou por eles, mas ningum se virou. Jonas a seguiu pedindo para que no fizesseaquilo. Amber ignorou e continuou andando. A raiva estava subindo dentro de si. Eles notinham o direito de ofender seu amigo daquela forma. Pegou uma lata de Coca no cho e atiroucom toda sua fora. O gordo soltou um grito de raiva e colocou a mo na cabea. Os olhosdele e da garota se encontraram.

    Voc enlouqueceu? perguntou ele, de forma exasperada.

  • No, isso foi apenas um aviso, fique longe do meu amigo. Voc faz isso para descontar ofato de que voc no tem crebro? Eu no ficaria triste se fosse voc, aposto que consegueemprego num circo.

    Eu no ligo de bater em meninas respondeu ele, dando passos adiante.Amber riu e disse: Eu tambm no ligo se a outra menina for voc, mas te machucar errado. Ouvi dizer

    que as baleias do seu tipo esto em extino.Os amigos do primeiro garoto tomaram partido e dispararam insultos contra a dupla.

    Amber simplesmente deu de ombros e comeou a caminhar na direo oposta. Seu amigo est marcado e eu vou me certificar de que ele ganhe o que merece gritou

    um deles, que foi prontamente ignorado. Jonas, que havia ficado em silncio duranteacompanhou a amiga. Os improprios continuavam e nenhum dos dois ligou para aquilo.

    Corriam tanto que os transeuntes se afastavam com burburinho. A pantera rugiu comviolncia quando passaram em frente a ela mais uma vez. Foi um rugido cheio de potncia efora. As duas crianas riram e conversaram em voz alta. Aquele estava sendo um bom dia.

  • Captulo ONZETalvez exista somente um rei, o rei do sorvete.

    Ei, acorde, a moa de cabelos verdes est aqui. Voc no contou traria sua amiga. Oumelhor, voc nunca contou que tinha uma amiga.

    Andrew foi acordado pela voz da irm. Tentou virar para o lado e continuar a dormir, masno seria possvel, podia ouvir passos subindo a escada e as vozes de Ive e Amber. Estavamimersas numa conversa agradvel a julgar pelo som de risos. Sentou-se na cama e tocoulevemente os lbios. A madrugada anterior infelizmente acontecera.

    A porta foi aberta e Ive entrou. Amber estava com Prozy nos braos e perguntou o quehavia acontecido com seu rosto. Inventou uma desculpa qualquer e a irm saiu para cuidar desuas coisas. Ive o observava atentamente e ele sabia que ela estava ciente de que alguma coisaacontecera, mas conversariam sobre isso quando estivessem fora de casa.

    Levante e brilhe, estrelinha, vamos a uma sorveteria! Tenho alguma outra opo? Sim. Morrer. sempre bom conhecer pessoas abertas ao dilogo.Andrew se levantou e foi tomar um banho enquanto Ive olhava os livros de sua estante,

    detendo-se com entusiasmo entre um e outro. Agasalhou-se e arrumou sua cama rapidamente.Ela pediu um volume emprestado e, embora o garoto odiasse que fizessem isso, acaboucedendo, afinal, a me dela era uma pessoa ligeiramente importante. Tentou no ficar selembrando de que aquela era uma edio rarssima de O Vento nos Salgueiros e que Iveprovavelmente abriria o volume num ngulo maior que noventa graus. Suspirou e desceu asescadas.

    Deparou-se com seu pai tomando caf e absorto na leitura do jornal municipal. O homem ocumprimentou com um leve aceno de cabea e voltou-se para a leitura. Andrew sentia como sesuas roupas estivessem cada vez mais apertadas. Ive se despediu e, aps tomar a coelha emseus braos, a dupla ganhou a rua.

    Iam a passos rpidos ao longo da Rua Astilbe. Por sorte no havia chuva nem muito ventonaquele dia e os oito graus nem pareciam to ruins quando comparados aos nveisinegavelmente frios do ano anterior. Pegaram um nibus duas esquinas adiante e se sentaramno fundo. Prozy teve uma crise de espirros por causa de sua autoalergia e comentou:

    Buda disse que a vida sofrimento, mas se ele me conhecesse com certeza acrescentaria:nada em excesso.

    No seja to pessimista, querida disse Ive. Veja o lado bom das coisas, voc no um poodle ou uma chinchila.

    Eu no sou pessimista, mas uma realista... Nada tem o mnimo valor, sentido oupropsito. Ser que essa coisa no anda mais depressa?

  • Sou quase capaz de gostar dela s vezes comentou Andrew e acrescentou: Ive, ontem noite, as pessoas sobre as quais voc falou apareceram no meu quarto. Astrophel no vaiparar enquanto no conseguir os nomes.

    Astrophel e Stella... Eu no esperava que eles soubessem sobre voc, provavelmenteestavam me seguindo. Bem, Andy, parece que o jogo vai ficar mais emocionante.

    Emocionante?! indignou-se o garoto. Lamento, mas no foi voc quem levou umasurra. E voc pode me explicar quem so eles?

    Ningum sabe muita coisa. Podemos resumir assim: Astrophel era um mago e Stella umafada, eles se apaixonaram. A o resto bem lgico, Astrophel era humano e no poderia viverpara sempre ou pelo menos no tanto quanto ela. Stella encontrou uma forma de mant-lo vivo,usando das energias dela.

    E esse dreno de energia a envelheceu constatou o garoto. por isso que Astrophelest procurando pelos nomes, para faz-la voltar ao normal.

    No me diga. murmurou Prozy.A dupla desceu na Avenida Freesia e Ive apontou adiante: O Rei do Sorvete. Era um lugar

    bastante simptico. Pintado em branco e de telhado vermelho. Heras cuidadosamenteplantadas subiam pelas paredes at certa altura e um letreiro iluminado mostrava o nome e ohorrio de funcionamento. Um bom nmero de pessoas podia ser visto pela vitrine. Ali perto,um homem tocava seu violo azul e ganhava alguns trocados:

    Vermelho no bom,Roxo bem melhor,Corao de teflon,Podia ser pior...

    Andrew esboou um leve sorriso pela msica do homem e deixou algumas moedas noestojo aberto. A dupla entrou na sorveteria e escolheu uma das mesas ao fundo enquanto Prozyse encolheu aos ps de sua dona e fez aquilo que deveria ser o som de uma coelha espirrando.

    Tem certeza de que esse o lugar certo?Ive riu e respondeu: Sim, senhor, senhor. Voc no sabe, mas Dresbel fica bem em cima do ponto mais mgico

    do seu mundo. Apenas alguns pontos da Austrlia e do Marrocos conseguem ser to espirituaisquanto aqui.

    Andrew, que comentava para si prprio que gostaria de olhar seu cotidiano e v-lo maismgico, achou graa da ironia que era a situao exposta pela menina.

    E voc est dizendo que vamos encontrar a localizao do primeiro nome nessasorveteria?

    Claro que no, Andy, voc to estranho... A entrada para o reino das fadas fica debaixodesse lugar e quem cuida de tudo um homem em dvida com a minha famlia.

    O reino das fadas, pensou , era uma das coisas que nunca pensara em ouvir como algosrio ou como um lugar no qual efetivamente chegasse a pisar. Considerando que levava umavida to emocionante quanto um longo artigo sobre qumica orgnica, isso era muito mais doque podia conceber. Tentou no deixar sua perplexidade chegar ao rosto. Falhou

  • miseravelmente.Estava a ponto de indagar alguma coisa quando a atendente se aproximou para tomar os

    pedidos. Ive escolheu um milk-shake de chocolate para viagem e disse que gostaria deconversar com Tord Sandspittown, o dono, e que dissesse que era a filha de uma amiga quemo chamava.

    O homem que veio ter com eles dali a pouco era loiro, magro e de rosto grande e feio,caso fosse uma esttua, poder-se-ia dizer que fora esculpido por um bbado.

    Ol, Ive, Princesa do Fim Inevitvel disse ele. Vejo que tem companhia. Ol, voc, Tord. Andrew o meu amigo e est me ajudando com algumas coisas e Prozy

    voc j conhece.Andrew apertou a mo de Tord Sandspittown, que pegou uma cadeira e sentou-se. O garoto

    nunca imaginaria que o dono da sorveteria mais conhecida da cidade fosse algo alm disso ese colocou a imaginar quais outras pessoas escondiam segredos.

    Estou aqui porque preciso de uma coisa disse Ive. Quero ir ao reino das fadas meencontrar com Mirtza Sosostriz. E o mais importante: minha me no pode ficar sabendo.

    O homem estava em silncio, mas era evidente que desaprovava o pedido. Olhou para osdois jovens e aps conferir o relgio, disse:

    Voc sabe a dvida que tenho com sua famlia... Mas o que voc est me pedindo arriscado. O caminho est cheio deles e eu no gostaria de ser o culpado por te colocar emperigo, estou cansado desse mundo. Lamento, mas no abrirei a porta, caso contrrio eupermaneceria aqui para sempre.

    S existe essa forma de ir at l? perguntou Andrew. Sim, a menos que voc se mude para Naracoorte na Austrlia respondeu Tord. Ive,

    pessoas so atacadas l embaixo, e o fato de sua me ser quem no faz diferena para eles.A conversa foi interrompida quando a atendente veio entregar o pedido feito. Havia tenso

    girando ao redor da mesa durante todo aquele breve momento de silncio que foi partidoapenas quando a garonete se afastou e Ive respondeu entre um gole e outro:

    Eu sou uma garota crescida, sei me cuidar e realmente preciso ir at o lado de l disseIve, no tom de uma criana que pede para colocar o dedo na tomada. Minha me te deixouencarregado de cuidar desse lugar para sanar sua dvida, mas confie em mim, ela nem vaisaber. Eu no vou estar sozinha, Andrew ir comigo.

    Prozy, que at ento escutava a conversa numa mistura de espirros alrgicos e tdio,comentou:

    Ive, isso a mesma coisa que ir sozinha. No surpresa que voc seja alrgica a si prpria, eu tambm no me aguentaria se

    fosse voc, sua coelha rabugenta. Se isso que voc deseja, eu no posso impedi-la disse Tord Sandspittown,

    circunvagando o olhar pelo estabelecimento. Sou um mero servo de sua famlia, voc bemsabe.

    Andrew viu a garota concordar com um entusiasmo mil vezes maior que o dele, que eranulo. Sabia pelo nvel da conversa que as coisas seriam piores do que a surra que Astrophellhe deu. O corao saltou batidas e lhe disse para tomar um txi e nunca mais conversar com a

  • filha da Morte ou tentar conquistar Briony. Mas no era inteligente o bastante para escutar umbom conselho.

    ...a minha irm j foi de l para c um milho de vezes e nunca aconteceu nada diziaIve.

    Rayla a capit da D.I.E e todos conhecem o tamanho de suas habilidades. D.I.E? indagou Andrew. Diviso de Investigao Espiritual respondeu Tord A irm de Ive a capit mais

    jovem da histria e a chefe de operaes. Venham, abrirei a porta, mas depois disso estarosozinhos.

    Andrew pegou a coelha e seguiu a garota e o homem at o fundo da loja onde entraramnuma pequena sala abarrotada de caixas e livros de contabilidade. Andrew fechou a porta eajudou Tord a empurrar uma estante que era quase do tamanho da parede. Puderam ento verque uma porta vermelha se escondia ali.

    Essa a entrada disse o homem.No tinha nada de especial ou anormal que chamasse a ateno de algum, feita de madeira

    e sem nenhum adorno. Mas Andrew sabia que as aparncias do mundo estavam erradas e quedesde que conhecera Ive, qualquer coisa slida poderia se desmanchar no ar de um instantepara o outro.

    Se acontecer qualquer coisa, voc pode dizer a minha me que eu te forcei a abrir disse Ive. E a propsito, seu milk-shake timo.

    Tord Sandspittown tirou uma chave dourada do bolso e a colocou na fechadura. A porta seabriu com um movimento suave e uma forte lufada de vento escapou, batendo em seus rostos eespalhando papis. Havia somente uma escada que descia em caracol e escurido.

    Acho que hora de irmos disse Andrew. No que eu esteja muito ansioso para isso.O grupo se despediu do homem. Ive, carregando Prozy, foi a primeira a comear a descer

    os degraus, sendo seguida por Andrew. No haviam descido muito quando a porta vermelha sefechou atrs deles. Andrew estava plenamente consciente de que caso algo acontecesse daliem diante, seu corpo nunca seria encontrado. Um barulho vindo de baixo. Isso possivelmenteno era um bom sinal, pensou Andrew, mas algum que aceitava descer aquelas escadas com agarota das mechas verdes no devia ser muito sensato desde o incio.

    E deste modo comearam os eventos que colocariam o rei na guilhotina, ou melhor:Andrew em apuros.

  • Captulo DOZE apenas o que voc diz, um gubbinal.

    Andrew mal podia acreditar em sua prpria situao. Cada pelo do corpo eriado. Aquelaescurido acumulada impedindo a viso do milmetro seguinte. Tropeou num degrauquebrado e quase rolou, mas foi amparado por Ive, que tomou sua mo enquanto continuavam.Sua alma estava ancorada no medo, nem firme ou segura. O mau agouro pousado em seusombros.

    Estava a mais de meia hora descendo a escadaria quando um barulho chamou sua ateno.Podia ouvir um formando cada vez mais alto. Invadia seu ouvido lentamente e no erairreconhecvel: o som de gua corrente.

    Estamos chegando murmurou Ive.Os olhos de Andrew, agora mais acostumados escurido, conseguiam divisar os degraus

    e at mesmo as pinturas rupestres nas paredes. Quando finalmente terminaram a descida,estavam no incio de um longo tnel. Prozy foi colocada no cho e sua dona disse:

    Voc sabe o que fazer. Infelizmente respondeu a coelha.Andrew observou o pequeno animal comear a tremer e riscar o cho com suas patas, no

    mesmo instante cada um de seus pelos comeou a brilhar num leve tom azul turquesa. Ocaminho se iluminou permitindo que Andrew pudesse ver milhares de pinturas em todos oscantos cenas que pareciam ter sido extradas de um filme assustador. E ossos espalhadospelo cho, nem todos humanos.

    Onde estamos? perguntou Andrew. No meio do caminho para o mundo das fadas respondeu a garota. Mas no precisa se

    preocupar, docinho de tinta, est tudo sob controle, no pense demais nisso. Fique em silncio,no podemos chamar ateno aqui embaixo.

    Como se pudesse faz-lo, constatou para si, era o equivalente a jogar uma pessoasangrando no mar e pedi-la para no pensar nos enormes tubares que a rodeavam. Olhou paraos restos ao longo do lugar e confirmou que sim, iria pensar demais no assunto.

    Ive desvencilhou-se de sua mo e foi caminhando logo atrs de Prozy. Andrew a seguiabem de perto. O barulho de gua ia se tornando mais presente. Avanavam com cautela.Viraram direita no fim do corredor e foram seguindo o tnel.

    Andrew apontou para um contorno nas sombras, no fim da curva. Ive assentiu com acabea e foi se aproximando lentamente. Havia uma multido de novos temores medida quediscernia a forma esparramada no cho: Tinha o aspecto de uma pessoa com quase doismetros, estava envolto em uma tnica carmesim esfarrapada. Uma coisa to magra que a pele branca como leite e suja como esgoto se esticava sobre os ossos protuberantes. Nopossua orelhas, os olhos eram verdes e fixos, a boca era uma fenda costurada.

  • O que isso? perguntou Andrew, tampando o nariz com a mo. Um gubbinal morto, provavelmente de fome. Eles vivem no caminho entre os mundos e

    se alimentam de cores, imaginao e pensamentos eles tm bocas nas mos. Uma criaturaassim s consegue viver num mundo feio onde as pessoas so tristes.

    Andrew nunca sentiu tanto medo quanto naquele instante. Para uma pessoa como ele, tersua imaginao roubada seria o pior tipo de sofrimento possvel. O pequeno conceito defelicidade que habitava sua vida provinha da imaginao e se isso fosse tomado, no haveriamuito pelo qual viver. Olhou para o gubbinal e pediu do fundo da sua alma que noencontrassem outros pelo caminho. Seria vlido pr em risco a coisa mais importante porcausa de uma garota? Comeava a se perguntar.

    Temos que ir disse Ive.O barulho de gua foi se tornando cada vez mais forte. Andrew olhou para a garota e viu

    que ela, apesar de no deixar transparecer tanto, estava to assustada quanto ele tremendo eolhando para todos os lados. Foi sua vez de segurar a mo dela. Ive o olhou e mexeu os lbiosem agradecimento, nenhum som veio, mas ele soube o que ela quis dizer. Havia um brilho nomuito distante e por isso caminharam mais depressa.

    Chegaram at a origem do som e luz. Estavam margem de um rio volumoso e enorme emtodos os sentidos, e havia vrios outros tneis que desembocavam ali. As margens eramcobertas de grama e pedras redondas que pavilhavam o caminho at uma ponte vermelha emestilo japons que levava at uma porta do outro lado. Contudo, no foi nada disso quecapturou a ateno do garoto. Ao se aproximar da gua viu coisas brilhantes que noreconheceu de imediato, mas ao fixar sua ateno reconheceu serem letras dos mais diversostipos e feitas de luz. Tambm havia as carpas que arrastavam os nomes em suas caudas.

    O que isso? perguntou. Um rio de nomenclaturas. Quando uma pessoa morre o nome dela vem parar aqui e corre

    at voltar para o lugar de onde vm, nem a minha me sabe onde fica. Aqui o ponto exatoque divide o mundo mortal da terra das fadas.

    Andrew se abaixou e esticou o brao para tentar colocar a mo em algum nome, mas antesque fizesse isso, Prozy lhe disse:

    Eu no faria isso se voc fosse. Um nome apegado ao seu dono e ir te atacar se toc-lo sem per