21
1

A morte é uma flor

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro de poesia de Paul Celan. Tradução de João Barrento.Publicado por Livros Cotovia.

Citation preview

Page 1: A morte é uma flor

1

Page 2: A morte é uma flor
Page 3: A morte é uma flor

Paul Celan fotografado por Lutfi Özkök, Paris 1963

Page 4: A morte é uma flor

Título original: Die Gedichte aus dem Nachlass

© Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1997© Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 1998

Concepção gráfica de João Botelho

ISBN 972-8423-15-2

Page 5: A morte é uma flor

Paul Celan

A Morte É Uma FlorPoemas do Espólio

Tradução, posfácio e notas deJoão Barrento

Cotovia

Page 6: A morte é uma flor

6

PAUL CELAN

Page 7: A morte é uma flor

7

A MORTE É UMA FLOR

Índice

De todas as feridas p. 13(Aus allen Wunden)

A Morte 15(Der Tod)

Negro real 17(Königsschwarz)

Retrato de uma sombra 19(Bildnis eines Schattens)

Na margem negra da tua nostalgia 21(Am schwarzen Rand deiner Sehnsucht)

O outro 23(Der Andere)

Também nós queremos estar 25(Auch wir wollen sein)

Sobre verde carregado 27(Auf tiefem Grün)

Grão-de-lobo 29(Wolfsbohne)

Conversas com cascas de árvores 37(Gespräche mit Baumrinden)

Sem brilho, levado 39(Glanzloser, ganz)

Claridade 41(Helligkeit)

Ricercar 43(Ricercar)

Page 8: A morte é uma flor

8

PAUL CELAN

A dor dorme com as palavras 45(Der Schmerz schläft bei den Worten)

Il cor compunto 47(Il cor compunto)

Quando a distante 49(Wie das Ferne)

A arte paga o seu preço 51(Die Kunst zahlt den Preis)

Este é o momento em que... 53(Dies ist der Augenblick, da...)

Ars poetica 62 55(Ars poetica 62)

Quando do cântaro de oferendas 59(Als aus dem Spendekrug)

Ouro líquido 61(Flüssiges Gold)

Minado 63(Unterhöhlt)

Em círculo, ouvi 65(Im Kreis, leer)

A corda 67(Das Seil)

O centro vazio 69(Die leere Mitte)

Não te apagues totalmente 71(Erlisch nicht ganz)

Não te escrevas 73(Schreib dich nicht)

Com o vento pelas costas 75(Den Wind im Rücken)

A pequena realidade 77(Die Kleinzweiige)

E quem se não tem 79(Und wer sich nicht hat)

Page 9: A morte é uma flor

9

A MORTE É UMA FLOR

Poema-fechado, poema-aberto 81(Gedichtzu, Gedichtauf)

Agora juntas ao teu peso 83(Jetzt wächst dein Gewicht)

Oiço tanta coisa de vós 85(Ich höre soviel von euch)

No meu joelho desfeito 87(In meinem zerschossenen Knie)

No inaclarável 89(Im Unaufhellbaren)

Nas soleiras dos espíritos 91(Auf den Geisterschwellen)

As bandeiras guardam as aparências 93(Die Fahnen wahren den Schein)

Vive as vidas 95(Leb die Leben)

Mando o sonho através do crivo 97(Durchs Schüttelsieb...)

Buscas abrigo 99(Du suchst Zuflucht)

Na selva do sangue 101(Im Blutdschungel)

No brilho da terra 103(Bei Erdschein)

Estacas com bandeiras 105(Fahnige Stecklinge)

Escavo o rasto 107(Ich schachte die Spur)

O meu peso 109(Dir in die un-)

No poço do tempo 111(Im Zeithub)

Kew Gardens 113(Kew Gardens )

ÍNDICE

Page 10: A morte é uma flor

10

PAUL CELAN

Mundo 115(Welt)

Àquele a quem o que ouviu 117(Dem das Gehörte)

Sem vitória, vives comigo 119(Sieglos lebst du mit mir)

Notas 121Posfácio:

João Barrento, Memória e Silêncio 127

Page 11: A morte é uma flor

11

A MORTE É UMA FLOR

Para a Yvette Centeno, que sabe, como Celan,que a Morte é uma flor…

Page 12: A morte é uma flor

12

PAUL CELAN

AUS ALLEN WUNDEN

Wirf mir den Handschuh der Stille vors Herz:nur einmal im Herbst grünt der Stein — das war gestern;das war, als das Salz auf den Straßen so rot war;so rot, daß man glaubte, die Zeit breche an,der man winkt mit den Mitternachtsschleiern;das Tulpenwetter der Zeit,da der Wunsch eines jeglichen Glas füllt,eines jeglichen Wiege und Sarg,eines jeglichen Fußspur —die Zeit, die dein Aug aus dem Eis führt,dich schürzen läßt deinen Schattenund den Glocken ihr Schweigen entlockt, wenn du tanzt.

Wirf mir den Handschuh der Stille vors Herz:das war gesternund liegt mit uns beiden im Blut.

(1949/1950)

Page 13: A morte é uma flor

13

A MORTE É UMA FLOR

DE TODAS AS FERIDAS

Lança-me aos pés do coração a luva do silêncio:Só uma vez no Outono a pedra reverdece — foi ontem;foi quando o sal nas ruas era tão vermelho,tão vermelho que se pensaria que era chegada a horaa que se acena com os véus da meia-noite:o tempo-de-tulipas dessa horaem que o desejo enche o copo de toda a gente,o berço e o caixão de toda a gente,as pegadas de toda a gente —a hora que liberta do gelo o teu olhar,te faz arregaçar a tua sombrae arranca aos sinos o seu silêncio quando danças.

Lança-me aos pés do coração a luva do silêncio:foi onteme jaz no sangue com nós dois.

Page 14: A morte é uma flor

14

PAUL CELAN

DER TOD

Für Yvan Goll

Der Tod ist eine Blume, die blüht ein einzig Mal.Doch so er blüht, blüht nichts als er.Er blüht, sobald er will, er blüht nicht in der Zeit.

Er kommt, ein großer Falter, der schwanke Stengel schmückt.Du laß mich sein ein Stengel, so stark, daß er ihn freut.

(13-2-1950)

Page 15: A morte é uma flor

15

A MORTE É UMA FLOR

A MORTE

Para Yvan Goll

A morte é uma flor que só abre uma vez.Mas quando abre, nada se abre com ela.Abre sempre que quer, e fora de estação.

E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.

Page 16: A morte é uma flor

16

PAUL CELAN

KÖNIGSSCHWARZ

Nur die Nacht vor den Augen laß reden:nur das Blatt, das hört, wo noch Wind ist;nur die Stimme im Vogelbauer.

Nur sie, nur sie allein.Dich aber tritt mit dem Fuß und sprich zu dir selber: Sei tapfer,sei würdig des Steins über dir,bleib Freund mit den Bärten der Toten,füg Blume zu Wurm,hiß den Segel auf Särgen,nimm die Käfer der unteren Fluren an Bord,gib Kunde den Trüben.

Gib ihnen zwiefache Kunde:von dir und von dir,von beiden Tellern der Waage,vom Dunkel, das Einlaß begehrt,vom Dunkel, das Einlaß gewährt.

Gib Kunde den Käfern,gib Kunde den Trüben,füg Blume zu Wurm,hiß den Segel auf Särgen,bette dein Herz dir zu Häupten.

(1948?)

Page 17: A morte é uma flor

17

A MORTE É UMA FLOR

NEGRO REAL

Só a noite deves deixar falar diante dos olhos:só a folha que ouve onde ainda há vento;só a voz na gaiola do pássaro.

Só elas, elas e nada mais.Mas a ti mesmo dá um pontapé e diz: sê corajoso,sê digno da pedra sobre ti,não quebres a amizade com a barba dos mortos,junta a flor ao verme,iça a tua vela sobre caixões,traz para bordo os escaravelhos das campinas mais baixas,dá a notícia aos obscuros.

Dá-lhes a dupla notícia:de ti e de ti,de ambos os pratos da balança,da escuridão que quer entrar,da escuridão que deixa entrar.

Dá a notícia aos escaravelhos,dá a notícia aos obscuros,junta a flor ao verme,iça a tua vela sobre caixões,deita o teu coração à cabeceira.

2

Page 18: A morte é uma flor

18

PAUL CELAN

BILDNIS EINES SCHATTENS

Deine Augen, Lichtspur meiner Schritte;deine Stirn, gefurcht vom Glanz der Degen;deine Brauen, Wegrand des Verderbens;deine Wimpern, Boten langer Briefe;deine Locken, Raben, Raben, Raben;deine Wangen, Wappenfeld der Frühe;deine Lippen, späte Gäste;deine Schultern, Standbild des Vergessens;deine Brüste, Freunde meiner Schlangen;deine Arme, Erlen vor dem Schloßtor;deine Hände, Tafeln toter Schwüre;deine Lenden, Brot und Hoffnung;dein Geschlecht, Gesetz des Waldbrands;deine Schenkel, Fittiche im Abgrund;deine Kniee, Masken deiner Hoffart;deine Füße, Walstatt der Gedanken;deine Sohlen, Flammengrüfte;deine Fußspur, Auge unsres Abschieds.

(1948)

Page 19: A morte é uma flor

19

A MORTE É UMA FLOR

RETRATO DE UMA SOMBRA

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos;a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;as tuas sobrancelhas, orla do caminho da tragédia;as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;as tuas faces, campo de armas da madrugada;os teus lábios, hóspedes tardios;os teus ombros, estátua do esquecimento;os teus seios, amigos das minhas serpentes;os teus braços, álamos à porta do castelo;as tuas mãos, tábuas de juras mortas;as tuas ancas, pão e esperança;o teu sexo, lei do fogo na floresta;as tuas coxas, asas no abismo;os teus joelhos, máscaras da tua altivez;os teus pés, campo de batalha dos pensamentos;as tuas solas, criptas em chamas;as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

Page 20: A morte é uma flor

20

PAUL CELAN

AM SCHWARZEN RAND DEINER SEHNSUCHT

schläft die Fremde mit julifarbenem Haar.Nicht sie ist dein Sommer:ihr ging der schattige Stern deines Auges nicht früh genug

auf.Sie lag, eine Nebelschalmei, im Sand von Marokko,sie lag zwischen Bärten und Messern,als du in den Stein über dir ihr loses, ihr Herz schnittst.

Sie ringelt ihr Haar um den Dorn eines Mondstrahls,die schottische Rose,Leslie, das Nest deiner Himmel,Leslie, der Hauch und der Schimmer,Leslie, der Tod, dem du lächelnd das Fußgelenk küßt.

(1948?)

Page 21: A morte é uma flor

21

A MORTE É UMA FLOR

NA MARGEM NEGRA DA TUA NOSTALGIA

dorme a forasteira do cabelo cor de Julho.Não é ela o teu verão:deu tarde de mais pela frondosa estrela do teu olhar.Estava deitada, charamela de névoa, nas areias de Marrocos,deitada entre barbas e facas,quando esculpiste o leviano, o seu coração, na pedra sobre a

tua cabeça.

Enrola o cabelo à volta do espinho de um raio de lua,a rosa escocesa,Leslie, o ninho dos teus céus,Leslie, o sopro e o brilho,Leslie, a morte, a quem sorrindo beijas o tornozelo.