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A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NO PERÍODO MILITAR

: Vera Regina Miranda1

: Carmem Lúcia Gomes De Salis2

RESUMO:

O objetivo deste artigo é discutir o uso da música como fonte histórica em sala de aula, mais especificamente a análise das músicas de Chico Buarque de Holanda do período da Ditadura Militar ocorrida de 1964 a 1985. A utilização da música dá-se como uma metodologia mais eficaz e significativa para o trabalho com os alunos do 3º ano do Ensino Médio para que estes construam conhecimento histórico acerca da sociedade e da cultura do período da ditadura militar através das músicas de Chico Buarque de Holanda. Além disso, possibilita reconhecer que a música popular brasileira, por meio de sua melodia e ritmo, transmite uma ideologia de contestação ao regime imposto ao país naquele momento. Assim, foram escolhidas as músicas: “Acorda Amor”; “Apesar de você”; “Roda Viva” e a fábula musical inspirada no conto dos irmãos Grimm “Os músicos de Bremen”, a qual teve adaptação de Chico Buarque e levou o nome de “Os Saltimbancos”.

PALAVRAS-CHAVE: Ditadura Militar; Censura; Repressão; Música; Resistência Social.

ABSTRACT

This paper intends to discuss the using of music as History subject source in classes. Specifically, Chico Buarque de Holanda’s songs written through the Brazilian Military Dictatorship occurred from 1964 to 1985. The intention of this approach is to use songs as improved methodology due to work with 3rd grade High School students so

11. Professora da Rede Estadual de Ensino - Integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional do Para-ná - PDE. E-mail – [email protected]

2. Professora Orientadora – Departamento de História – IES – Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNI-CENTRO – PR - E-mail – [email protected]

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they can earn knowledge about the society and culture from that period with this author’s songs. Moreover, it allows recognizing that Brazilian music through its melody and rhythm, conveys an ideology of opposition to the polity imposed on the country at that time. Thus, the following songs were chosen: “Acorda Amor”; “Apesar de você”, “Roda Viva” and the musical tale inspired by Grimm brothers’ tale “Os músicos de Bremem”, which have been adapted by Chico Buarque and was named as “Os Saltimbancos.”

KEY-WORDS: Military Dictatorship Censure; Repression; Music; Social Resistence.

INTRODUÇÃO

O presente artigo consiste na realização de pesquisa sobre o período da

Ditadura Militar no Brasil, ocorrida de 1964 a 1985. Por meio de pesquisa

bibliográfica e análise das fontes, propusemo-nos trazer ao conhecimento dos

alunos do 3º Ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Mahatma Gandhi um estudo

mais aprofundado sobre o contexto do período militar, mais especificamente sobre

as contestações ao Regime, utilizando como fonte historiográfica para o

desenvolvimento do trabalho, as músicas de Chico Buarque de Holanda, figura

representativa dos compositores que criaram a ideia de MPB.

Partindo desse princípio, para o trabalho proposto, a escolha específica pela

cultura no Brasil do período militar, em especial a música popular brasileira, deveu-

se ao fato de termos percebido o pouco conhecimento que os alunos têm sobre a

música daquele período. Isso não significa que todos os alunos desconhecem a

música popular brasileira, porém temos a convicção de que grande parte deles não

ouve música popular e aqueles que ouvem não conseguem relacionar a mensagem

que elas traziam em relação ao período já citado.

Ao longo de nossa caminhada, em sala de aula e, assim, do trabalho até

então realizado com livros didáticos, foi observado que estes exploram muito pouco

o Regime Militar, sendo que, em sua maioria, limitam-se a descrever a troca de

presidentes generais que se revezavam na presidência da República durante aquele

período. Além do revezamento dos generais na presidência e do milagre econômico,

os livros didáticos citam apenas os Atos Institucionais pelos quais o país foi

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governado durante vinte e um anos. Dentre os Atos Institucionais citados,

encontramos o AI-5 (Ato Institucional nº. 5), o qual implantou no país a censura aos

meios de comunicação e a limitação à liberdade de expressão pelos cidadãos

brasileiros.

A atitude tomada pelo governo através do AI-5 em relação à censura e à

liberdade de expressão provocaram, na sociedade brasileira, diversas

manifestações sociais, sejam estas de resistência ao governo e/ou de conivência a

ele. As manifestações culturais que surgiram a partir do AI-5 tornaram-se o centro de

questionamentos contra o sistema imposto pelo Regime Militar.

Em virtude da necessidade e da busca por uma metodologia mais eficaz, e

ao mesmo tempo significativa, é que nos propusemos a trabalhar com a música

(como fonte) para que os alunos tivessem um conhecimento mais aprofundado

sobre a Ditadura Militar, principalmente no que diz respeito à censura, à repressão e

à resistência social ocorridas naquele momento.

Nas atividades propostas aos alunos, foi sugerido o uso da música como

fonte histórica em sala de aula. Foram abordados os conteúdos referentes à

Ditadura Militar de 1964 a 1985, dando ênfase à censura, à repressão e à

resistência social, esta última encabeçada por intelectuais, professores, artistas,

músicos e estudantes.

Diante do propósito de produzir conhecimento histórico com os alunos, foi

proporcionada a escuta das músicas de Chico Buarque de Holanda, como também a

análise de suas letras, para que os alunos pudessem, após a escuta e a leitura,

refletir sobre o contexto histórico, político e social dessas duas décadas.

Como primeira atividade, foi apresentado, aos alunos, o projeto como um

todo. A apresentação deu-se por meio da TV pendrive, ocasião em que foi abordado

o que se pretendia e o conteúdo a ser trabalhado. Concluída a apresentação, foi

aberto espaço para tirar dúvidas dos alunos e mostrar a importância das suas

participações para o êxito do projeto. Após a apresentação geral, foi marcado um

novo encontro, quando os alunos deveriam trazer respondido um questionário sobre

o tema do projeto, o qual continha as seguintes perguntas: O que você sabe sobre o

Golpe Militar ocorrido no Brasil em 1964? O que é repressão? O que é censura?

Você sabe o que é resistência social? O que foi o movimento da Música Popular

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Brasileira? Você sabe quem é Chico Buarque de Holanda?

O encontro seguinte foi marcado para o estudo do questionário respondido

pelos alunos. Por esse questionário foi possível perceber as suas ideias prévias

sobre o Regime Militar instalado no Brasil em 1964, e as manifestações culturais do

período em questão, como, por exemplo, a MPB e os sujeitos que compuseram tal

movimento.

Após a análise das narrativas dos alunos, foi apresentada uma aula sobre

os motivos que levaram os militares a tomarem o poder no Brasil. Foi feito então

uma explanação sobre o governo João Goulart e o que ele pretendia para o Brasil.

Ainda neste encontro, mostrou-se, através de vídeo, o discurso inflamado de Jango

na sede do Automóvel Club no Rio de Janeiro, onde ele era homenageado pelos

sargentos e como isso antecipou os acontecimentos, ou seja, o golpe que havia sido

programado para o dia 02 de abril de 1964.

Ressaltamos a questão do processo contínuo de endurecimento do Regime,

bem como o surgimento e fortalecimento dos movimentos culturais (musicais) de

resistência ao contexto político marcado pela supressão de diversos direitos civis.

Analisamos ainda que os comandantes das Três Forças (Exército, Marinha e

Aeronáutica) instalaram, no início do regime, o primeiro Ato Institucional, o AI-1, o

primeiro dos tantos outros que viriam a seguir.

Dentre todos os Atos Institucionais, nos detivemos no AI-5, que fora

outorgado em dezembro de 1968. Através deste, o presidente voltou a ter poderes

para fechar temporariamente o Congresso Nacional, intervir nos Estados e

Municípios nomeando interventores, cassar mandatos, suspender direitos políticos e

demitir ou aposentar funcionários públicos. O AI-5 ainda suspendeu a garantia de

habeas corpus aos acusados de crimes contra a segurança nacional. O motivo pelo

qual nos detivemos no AI-5 é que este viabilizou determinadas práticas de tortura,

como: espancamentos, afogamentos, choques elétricos em partes sensíveis,

isolamento do preso em locais inóspitos e, em casos extremos, estupros coletivos de

presos e presas por torturadores; tudo isso executado em nome da “ordem” e dos

“bons costumes”.

No encontro seguinte, foi falado sobre a cultura durante o período da

Ditadura Militar. Essa aula foi apresentada em slides na TV pendrive. O primeiro foco

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foi o surgimento da MPB, movimento que surge em meio a um regime o qual todos

aqueles que não concordassem com suas regras sofriam sansões que iam da prisão

até a morte. Mostrou-se, nesse momento, que foi o AI-5 o ato da repressão que

procurou calar aqueles que faziam a cultura do país. Assim, em 1968, a censura

torna-se mais acirrada, não só no controle da música, que é o foco principal deste

artigo, mas também no teatro, no cinema, na televisão, nos jornais e revistas, nas

universidades; enfim, em todos os setores que procuravam contestar o regime

instalado no país.

Trabalhamos, com os alunos, que a arte engajada ganhou adeptos nesses

e em outros setores. Os textos teatrais, por exemplo, traziam temas políticos e

sociais retratando o momento pelo qual passava o nosso país. Não deixamos de

falar sobre os exemplos de montagens que contestavam a ordem social vigente,

como “Show Opinião”, “Teatro de Arena”, “Teatro Oficina”, que estiveram sob a

direção de José Martinez Corrêa. Ainda foi salientado que a resistência artística,

bem como a censura, teve diferentes fases durante o Regime Militar. Nos primeiros

anos, a censura teve limites, porém a partir do endurecimento do regime, após 1968,

a resistência cultural passou a viver maus momentos, uma vez que as redações de

jornais e revistas eram constantemente invadidas por funcionários da Divisão de

Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal, órgãos que controlavam tudo o

que seria publicado. Impedidos de publicar notícias de cunho político, as quais

demonstravam os verdadeiros caminhos trilhados pelo país, os órgãos da imprensa

brasileira passam a publicar em seus espaços, em sinal de protesto, na maioria das

vezes, receitas culinárias, versos de Camões e outras futilidades de moda. Enfim,

escrevia-se de tudo, menos aquilo que interessava ao cidadão brasileiro: a vida

política do momento.

Ainda se falou sobre o fato de qualquer tipo de expressão cultural (fosse ela

recitada, cantada, escrita ou representada) ser motivo de perseguição por parte do

governo militar. Além disso, a ameaça aos artistas e intelectuais passou a ser física

também. Os artistas, então, para poderem divulgar seus trabalhos, faziam uso de

metáforas e mensagens disfarçadas em suas músicas e peças teatrais. Chegou-se,

nesse momento, ao foco principal deste artigo: a música, que, por conta da censura,

tornou-se o principal canal de protesto, com suas letras que guardavam mensagens

implícitas de condenação ao regime e suas manifestações. Assim, buscamos a

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música como fonte de estudo para questões como repressão e censura, estas que

se manifestaram implícita ou explicitamente pela violência.

Passou-se então, a falar sobre Chico Buarque de Holanda e suas músicas,

em especial aquelas escolhidas para este trabalho. Num primeiro momento, foi

contado como apareceu o ícone da música popular brasileira Chico Buarque de

Holanda. O seu surgimento acontece no II Festival da Canção, promovido pela TV

Record, em 1966, quando, no final, Chico Buarque se encontra com o poeta Geraldo

Vandré. Eles dividiram o primeiro lugar nesse festival, resultado que não agradou ao

público, o qual não via a música cantada por Chico Buarque – “A Banda” – como

uma canção de protesto.

Para finalizar as atividades propostas no projeto, foi apresentada, aos

alunos do 3º ano Ensino Médio, a fábula “Os Saltimbancos”, adaptada por Chico

Buarque de Holanda, esta foi inspirada em “Os músicos de Bremen” dos Irmãos

Grimm. Tal fábula narra a história de quatro animais que abandonam seus donos por

causa dos maus tratos que sofriam. A personagem de maior evidência é o burro, que

é quem dá lições de moral e vira chefe e maestro do grupo. É, praticamente, o autor

presente em forma de personagem. A apresentação dessa fábula foi encenada em

forma de teatro de bonecos confeccionados com a ajuda da professora de artes (tais

fantoches representavam o Jumento, o Cachorro, a Gata e a Galinha). Foi um

sucesso entre os alunos, direção, equipe pedagógica e convidados.

DESENVOLVIMENTO OU FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O ensino de História e o uso de fontes na sala de aula

O debate sobre o uso da música em sala de aula não deve prescindir de

uma discussão que nos evidencie a historicidade da disciplina. Isso faz com que

possamos entender o debate atual sobre a necessidade do uso das fontes históricas

em sala de aula como elemento essencial para produção do conhecimento histórico.

Ao analisar a trajetória do ensino de história, percebemos que ele foi

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marcado por avanços e recuos significativos resultantes do próprio debate sobre o

lugar social atribuído à disciplina de História, que, invariavelmente, esteve atrelada

ao contexto histórico no qual estava inserida. Assim, a historicidade da disciplina

auxilia no entendimento das mudanças de concepções quanto ao ensino da

disciplina, remetendo-nos a pensar no papel do professor, ontem e hoje, e também

nas metodologias pensadas para a sala de aula.

Devemos ressaltar que, embora a trajetória do ensino de história possa ser

pensada a partir do final do século XIX, verificamos que é a partir da segunda

metade do século XX que mudanças substanciais começam a se delinear em seu

campo epistemológico.

Isso porque, a partir década de 1980, novas reflexões são apresentadas a

respeito de abordagens e temáticas para o ensino de História, surgindo, então,

questionamentos acerca dos conteúdos curriculares, das metodologias de ensino, do

livro didático e das finalidades do seu ensino.

Podemos notar, então, que a década de 1980 é marcada por debates sobre

a retomada da disciplina de História em substituição aos Estudos Sociais, quando

ganham espaço as discussões acerca da necessidade de um ensino crítico,

centrado em discussões sobre temáticas relacionadas ao cotidiano do aluno e que,

ao mesmo tempo, fizesse frente ao paradigma evidenciado no período militar,

marcado por um ensino calcado na busca da legitimidade do próprio regime. Nessa

perspectiva, tanto alunos quanto professores caracterizavam-se como,

respectivamente, receptores e transmissores de conteúdos. Assim, na virada da

década de 80, segundo Schmidt e Cainelli, “[...] essa retomada vai ter como objetivo

recuperar o aluno como sujeito produtor da História, e não como mero espectador de

uma história já determinada, produzida pelos heroicos personagens dos livros

didáticos”. (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 13)

Tais demandas, exaustivamente discutidas tanto no âmbito da universidade

quanto da escola, sem dúvida, apontavam para a necessidade de mudanças curricu-

lares que, no caso da História, permitissem a incorporação dos debates acerca da

produção do conhecimento histórico e do papel do professor/aluno nesse processo,

em consonância com as inovações historiográficas.

De certa forma, observamos que a necessidade de adaptação de currículos

fez surgir a defesa de uma referência curricular global para a disciplina de História

em todos os estados brasileiros. Dentro dessa perspectiva, em 1996, uma nova LDB

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– Lei de Diretrizes e Bases – foi aprovada. Assim, a Lei Federal nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, determinava como competência da União, do Distrito Federal e

dos municípios, o estabelecimento de novas diretrizes para a organização dos

currículos e seu conteúdo mínimo. Toda essa mudança acontece não somente para

as disciplinas bases, mas também para a disciplina de História.

Segundo, Bitencourt:

As mudanças curriculares devem atender a uma articulação entre os fundamentos conceituais históricos, provenientes da ciência de referência, e as transformações pelas quais a sociedade tem passado, em especial as que se referem às novas gerações. […] Diversidade cultural, problemas de identidade social e questões sobre as formas de apreensão e domínio das informações impostas pelos jovens formados pela mídia, com novas perspectivas e formas de comunicação, têm provocado mudanças no ato de conhecer a aprender o social. (BITTENCOURT, 1992-3. p.135).

No ano seguinte, em 1997, a Secretaria de Educação Fundamental do MEC

propõe os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que abrangeriam o primeiro e

segundo ciclos, ou seja, as séries iniciais da escola fundamental. No ano seguinte,

esses parâmetros seriam propostos também para o terceiro e quarto ciclos, que se

referiam, nesse momento, da 5ª a 8ª série do extinto Primeiro Grau e do 1º ao 3º ano

do então Segundo Grau. Para os defensores dos Parâmetros Curriculares

Nacionais, sua criação era necessária para a “organização curricular”, diminuindo as

discrepâncias regionais, sendo entendidos como referência para os professores no

trabalho de organização dos conteúdos e metodologia.

No que diz respeito à área de História, a ideia básica dos Parâmetros

Curriculares Nacionais era a de transformar os conteúdos até então organizados de

forma linear, em eixos temáticos, numa tentativa de superar o ensino de História

caracterizado como tradicional calcado na questão política e cronológica. Vamos

perceber, então, que os Parâmetros propunham a incorporação de novas

perspectivas historiográficas e metodológicas para o ensino de história.

O trabalho com fontes históricas também passou a ser estimulado,

indicando que a sala de aula poderia ser um lugar de produção de saberes. Desse

modo, o trabalho com documentos seria uma forma de produzir conhecimento junto

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com os alunos, distanciando-se, portanto, do conhecimento “pronto e acabado”.

Assim, seguindo a tendência proporcionada pelas mudanças no campo

epistemológico da História, que possibilitou a ampliação do conceito de fontes,

abordagens e métodos, o professor passou a utilizar uma gama até então

impensada de fontes para a sala de aula: cinema, música, fotografia; além do

trabalho com documentos escritos.

Sugeria-se, então, que o professor desenvolvesse um trabalho contínuo, o

qual privilegiasse a aprendizagem como processo, e não com produto para ser

medido em uma prova. (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 14).

Apesar da proposta, de certa forma inovadora, os PCN’s foram, também,

alvo de críticas por parte dos professores, que salientavam a forma impositiva da

proposta, construída sem a participação efetiva deles. Daí resulta a resistência do

professorado com relação a ela e a dificuldade de operacionalizá-la em sala de aula.

É dentro desse contexto que residia a reivindicação dos professores no

sentido de participarem ativamente do processo de construção dos currículos,

objetivando, com isso, torná-los mais próximos à realidade vivenciada por eles no

ambiente escolar. Assim, a partir do início do século XXI, tomando a experiência

acumulada com os debates sobre o Ensino de História, tanto no meio acadêmico

quanto no ambiente escolar, pós-período militar, vários estados começam o

processo de organização de suas Diretrizes Curriculares em atendimento as suas

especificidades regionais. É o caso específico do Estado do Paraná que, em 2008,

após um longo período de discussões, lança as Diretrizes Curriculares da Educação

Básica do Paraná. No caso da disciplina História, embora ancorada em uma

concepção diferente dos PCN’s, tais Diretrizes invocam os trabalhos com as fontes

históricas na sala de aula objetivando instigar no aluno a construção do pensamento

histórico, bem como estabelece a sala de aula como um local de construção do

conhecimento histórico:

Para tanto, sugerem a inserção de diferentes e novas metodologias no ensino, bem como documentos visuais, orais e escritos como postulados para fazer o aluno pensar historicamente e criticamente, ou seja, buscava-se incorporar o aluno enquanto sujeito no processo de ensino aprendizagem substituindo a memorização – procedimento mecânico - pela reflexão histórica por meio da aproximação com os métodos da História, a partir da análise dos vestígios do passado em sala de aula. Assim, objetivava-se que a partir do trabalho com as fontes, o aluno fosse estimulado a pensar e refletir criticamente o seu

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lugar social; as diferentes temporalidades; comparar épocas e processos históricos; as relações de tempo/espaço e a construção do discurso histórico. (SALIS; COSTA, 2012, p. 76)

Essa nova proposta de trabalho menos expositivo e mais participativo faz

com que o professor também desempenhe um novo papel em sala de aula, o de

mediador e não de transmissor de conhecimento. Assim, de acordo com Salis e

Costa:

Podemos redimensionar também uma nova concepção do próprio espaço da sala de aula, como um espaço privilegiado para os papéis dos sujeitos presentes neste ambiente, pois o aluno assumiu um novo papel neste processo, possibilitando assim que ocorra a produção do conhecimento histórico, ou seja, do encontro do conhecimento que o professor possui e pela sua ação mediadora3, este partirá dos conhecimentos prévios de seus alunos, por meio do diálogo com os mesmos e construirão um conhecimento diferente daquele que ambos tinham antes desse encontro. (SALIS; COSTA, 2012, p. 28)

No entanto, embora as diretrizes pós-período militar instiguem o trabalho

com as fontes como instrumento rumo à construção do pensamento crítico reflexivo

dos alunos, há que se observar que o papel do professor, enquanto mediador, torna-

se fundamental para que o uso dos vestígios do passado não passe a ser visto

enquanto uma fonte de ilustração para as aulas de História ou, então, como uma

atividade lúdica por parte dos alunos. Nesse sentido, ressalta-se, mais uma vez, a

importância do conhecimento, por parte do professor, do campo epistemológico de

sua disciplina de referência. Se o professor não conhece sua disciplina como irá

indagar as fontes? Assim, “[...] o processo de identificação/problematização das

fontes e seu tratamento metodológico específico deveria ser um trabalho familiar ao

historiador [...]” (SALIS; COSTA, 2012, p. ), portanto, ao professor de História.

Além disso, de acordo com Rocha e Souza,

É preciso também ressaltar que o professor precisa ter “intimidade” com o documento que escolhe trabalhar em sala de aula. Quando

3 De acordo com as autoras “Para Lana Mara de Castro Siman a construção do conhecimento no inte-rior da escola ocorrerá entre o aluno e o objeto a ser conhecido e entre os dois há ação mediadora do professor, além da ação mediada da linguagem, de signos entre outros. (SIMAN, 2004, p.80)”

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isto não ocorre, uma tarefa que poderia ser produtiva transforma-se em puro momento de “lazer” para o aluno ou, o que é pior, pode ser visto como estratégia adotada por um professor pouco dedicado para preencher o tempo na sala de aula. Ao contrário, quando o docente tem o traquejo necessário para tratar o documento como parte importante do processo de ensino, e demonstra o quanto é importante este trabalho para a aquisição de conhecimento, certamente o aluno saberá reconhecer a dimensão relevante que o documento tem para o aprendizado. (ROCHA; SOUZA, 2008, p. 93)

Com base nesses pressupostos desafiadores é que escolhemos a música

como fonte para o trabalho em sala de aula com os alunos do 3º ano do Ensino

Médio para analisarmos o conteúdo sobre o Regime Militar no Brasil, 1964 – 1985.

A música como fonte histórica na sala de aula

O trabalho realizado, tomando as músicas enquanto fonte, visou

proporcionar aos alunos do 3º Ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Mahatma

Gandhi a oportunidade de construir conhecimento histórico sobre o Período Militar,

especificamente sobre as contestações ao Regime, utilizando para o seu

desenvolvimento as músicas de Chico Buarque de Holanda, figura representativa da

estirpe de compositores que criaram a ideia de MPB e que, naquele momento,

procurou através de suas canções contestar o regime recém implantado no país

(Naves, 2010). Além disso, por meio da música, outros temas referentes ao período

foram explorados no trabalho, tais como: censura, repressão e resistência social.

Partindo desse princípio, a escolha da música enquanto fonte deve-se ao

fato de estarmos cientes de que isso vem ao encontro com o proposto no texto das

Diretrizes Curriculares para o ensino de História da Educação Básica do Estado do

Paraná, a qual afirma que: “[...] as imagens, livros, jornais, histórias em quadrinhos,

fotografias, pinturas, gravuras, museus, filmes, músicas são documentos que podem

e devem ser transformados em materiais didáticos” (DCEs, 2008), “desde que o

professor saiba como trabalhar com os mesmos, tornando-se, assim, elementos

essenciais no processo de construção do conhecimento histórico em sala de aula”.

(DCEs, 2008)

Nesse sentido, Marcos Napolitano, em seu livro História e Música, escreve

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que “[...] A esfera da música popular urbana no Brasil tem uma história longa,

constituindo uma das mais vigorosas tradições da cultura brasileira. E isso não é

pouca coisa num país acusado de não ter memória sobre si mesmo”.

(NAPOLITANO, 2005, p. 39)

Sobre o trabalho com música no ambiente escolar, Martins Ferreira descreve

que “[...] Com a música, é possível ainda despertar e desenvolver nos alunos

sensibilidades mais aguçadas na observação de questões próprias à disciplina alvo.

[...] A música é, por essa razão, um tipo de expressão humana dos mais ricos e

universais e também dos mais complexos e intrincados. [...]” (FERREIRA, 2010, p.

13)

Quando o trabalho em sala de aula está relacionado ou tem como fonte

histórica a música, Claudia Sapag Ricci ressalta que sua utilização, como qualquer

fonte histórica, não deve ser utilizada como mera ilustração visando deixar as aulas

de História mais atrativas aos alunos, pois para a autora:

[...] É preciso não esquecer que se trata de uma expressão artística que merece um cuidado muito especial. Não deve ser entendida como um simples recurso ilustrativo, que contém apenas informações ou um conteúdo a ser trabalhado. A música provoca memória, expressa ideias e sentimentos de uma época, aliando significados coletivos aos pessoais. Além da dimensão racional, a música traz à tona sentimentos, emoções, desejos... [...] O trabalho com música pode desencadear a produção de novas letras, utilizando as melodias ou mesmo a criação de letras e músicas. [...] (RICCI, 2007, p. 31)

Nesse sentido, cabe ao professor de História, quando opta por esse tipo de

fonte, questionar e refletir sobre o contexto em que foi produzida a letra. Enfim, para

que seu uso faça sentido para os alunos, devem estar claras para o professor

algumas questões norteadoras: como? por quê? e para quê? ele está utilizando

essa fonte em suas aulas. Além disso, é preciso evidenciar aos alunos que a letra da

música não retrata uma verdade absoluta, mas sim uma espécie de linguagem com

uma intencionalidade. Nesse sentido:

[...] Devemos expor o jovem à linguagem musical de forma a criar um espaço de diálogo a respeito de música por meio dela. Como acontece com qualquer outra linguagem, cada povo, grupo social ou

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indivíduo tem sua expressão musical. Portanto, cabe ao professor, antes de transmitir sua própria cultura musical (no caso, relacionada ao conhecimento histórico), pesquisar o universo musical ao qual o jovem pertence e, daí encorajar atividades relacionadas com a descoberta e construção de novas formas de conhecimento por meio da música. [...] Outro aspecto fundamental entre História, música e o processo de aprendizagem é a articulação entre texto e contexto para que a análise histórica não seja reduzida, limitando, assim, a própria importância do objeto analisado. [...] O aluno, mesmo sem conhecimento técnico, possui dispositivo (alguns inconscientes) para dialogar com a música. (ABUD, 2010, p. 61- 62).

No entanto, não devemos esquecer que a música é uma expressão artística

que merece um cuidado especial. Precisamos entendê-la como “um recurso que

provoca a memória, expressando ideias e sentimentos de época e que alia

significados coletivos ou pessoais”. (RICCI, 2007)

Assim, o primeiro passo constitui em analisar as músicas e suas letras

enquanto uma representação, não como um discurso neutro desprovido de

intencionalidade, ou mesmo como um retrato fiel dos acontecimentos. Mas sim,

conforme nos mostra Abud, como “[...] em diferentes lugares e em diferentes

tempos, uma determinada realidade social é pensada e construída. Serão também

instrumentos para a construção de representações intelectuais como os diferentes

grupos constroem, contraditoriamente, a realidade social”. (ABUD, 2005, p. 312). No

nosso caso, a intenção foi trabalhar, com os alunos, com um grupo específico de

músicos e intérpretes que faziam parte do que chamamos MPB, os quais

manifestaram, por meio de suas letras, a insatisfação com o regime político militar e

ao mesmo tempo como este mesmo regime foi retratado.

Destarte, as músicas tornam-se um importante instrumento para

trabalharmos as diferentes narrativas possíveis sobre o tema, ao fazer um

contraponto com a forma como o conteúdo é abordado nos materiais didáticos

disponíveis aos alunos. Para Xavier,

Assim, tem se tornado comum que alguns documentos, como uma imagem, uma canção ou um objeto da cultura material, apareçam com certa frequência nos materiais didáticos e, através do professor, na prática de sala de aula, podem ser utilizados como uma mediação na aprendizagem de História. […] O professor, ao se utilizar da fonte histórica, não a utiliza como os historiadores na academia, mas com o objetivo de levar o aluno a perceber como se constitui a história, como os conteúdos históricos se contextualizam com essa fonte. A fonte torna-se, então, uma ferramenta psicopedagógica que poderá

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certamente auxiliar o professor na difícil tarefa de estimular o imaginário do aluno na aprendizagem da História. (XAVIER, 2010, p. 1098).

O uso da música em sala de aula nos permite trabalhar, com os alunos,

“como os sujeitos viveram e exprimiram determinadas vivências do passado,

possibilitando a compreensão histórica de conceitos próprios da disciplina”. (ABUD,

2005)

O aluno, a música e o regime militar.

As ações foram desenvolvidas com os alunos do 3º Ano do Ensino Médio do

Colégio Estadual Mahatma Gandhi. A primeira atividade consistiu na apresentação

geral da proposta para a comunidade escolar. Percebemos que os alunos ficaram

empolgados com a proposta de organizarem uma apresentação teatral a partir da

peça “Os Saltimbancos” como resultado final do projeto de intervenção.

A primeira preocupação foi esquadrinhar as ideias prévias dos alunos acerca

do regime militar imposto em nosso país no ano de 1964 e que durou 21 anos. Outro

levantamento feito foi o conhecimento que eles tinham sobre Chico Buarque de

Holanda e suas músicas, em especial aquelas produzidas por ele durante o período

da Ditadura Militar, as quais tinham em suas letras o protesto contra o regime e as

maneiras como os militares estavam conduzindo a vida dos cidadãos brasileiros. Tal

levantamento foi importante para que pudéssemos organizar as demais atividades,

principalmente as aulas expositivas, pois para Isabel Barca a partir delas:

Conclui-se que as crianças têm um conjunto de ideais relacionadas com a História, quando chegam à escola. O meio familiar, a comunidade local, os media, especialmente a TV, constituem fontes importantes para o conhecimento histórico dos jovens, que a escola não deve ignorar nem menosprezar. É a partir da detecção dessas ideias – que se manifestam ao nível do senso comum, e de forma muitas vezes fragmentada e desordenada – que o professor poderá contribuir para as modificar e tornar mais elaboradas.(BARCA, 2001, p.15)

Esse levantamento ocorreu através de questões que os alunos

responderam, e que nos pareceram de maior significação para apreensão do

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conhecimento histórico a respeito do regime militar no Brasil:

O que você sabe sobre o Golpe Militar ocorrido no Brasil em 1964?

O que é repressão?

O que é censura?

O que é resistência social?

O que foi o movimento da MPB (Música Popular Brasileira)?

Na questão que perguntava sobre o que os alunos sabiam em relação ao

Golpe Militar ocorrido no Brasil em 1964, eles responderam: “não sei; já estudei,

mas não lembro”; “acho que já vi alguma coisa”. Percebe-se, através dessas

respostas, que os alunos, embora já tenham estudado sobre o conteúdo aqui citado,

ou seja, A Ditadura Militar no Brasil, não apreenderam esse conhecimento, talvez

porque o conteúdo tenha sido apenas “transmitido” através de leitura ou de forma

expositiva. Talvez não tenha feito sentido para os alunos esse determinado

conteúdo, porque o professor não tenha conseguido levar em consideração as ideias

prévias deles. Nota-se também que um aluno respondeu que “já viu alguma coisa”,

isso provavelmente aconteceu em algum noticiário da TV, em que a questão da

abertura dos arquivos militares e a reivindicação de movimentos organizados acerca

da punição para os crimes de tortura do período tenham estado, com certa

frequência, nos noticiários da mídia.

Outros disseram: “foi uma crise política” pela renúncia de Jânio Quadros; foi o golpe em que um militar entrou no governo; foi quando os militares tomaram o poder de João Goulart; nesse ano o povo foi dominado pelo governo; foi o ano em que os militares marcharam pelas ruas do país e João Goulart teve que se exilar no Uruguai; acho que foi um ano difícil cheio de tortura contra os comunistas; nesse período morreram muitas pessoas inocentes e várias ficaram feridas; acho que foi uma revolta do povo; uma ditadura muito rígida no Brasil onde os militares assumiram a liderança do Brasil e ninguém podia ser contra o governo; foi um golpe contra o povo; os militares tomaram o poder e assumiram o comando do país; golpe dado para deixar o país nas mãos do exército; um golpe onde houve muitas mortes, muita repressão, as pessoas daquela época contam que sofreram muito; um momento em que houve muita violência contra os próprios brasileiros; um momento difícil para a população.

Nesse grupo de respostas, os alunos demonstraram a diversidade de

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percepção acerca do tema a ser abordado, resultado, sem dúvida, de suas vivências

e experiências.

Percebe-se que a maioria cita o nome de João Goulart, como o governo que

foi deposto pelos militares e estes como protagonistas de um “momento difícil para a

história do Brasil”. A única resposta que se contrapõe às demais é a do aluno que

coloca o golpe como uma “revolta do povo”, o que denota outra tentativa de

explicação para a questão do golpe e a saída de Goulart do poder. Assim também é

para o aluno da primeira resposta destacada, que diz que o golpe militar é resultante

de uma crise política anterior (renúncia de Jânio Quadros), o que indica uma ideia de

processo histórico.

A maioria absoluta não aventa outras possibilidades interpretativas. Nesse

sentido é que reside o papel fundamental do professor enquanto mediador que, com

os trabalhos com as fontes, particularmente aqui as músicas, tentará instigá-los a

pensar em outras perspectivas no que concerne à produção do conhecimento

histórico referente ao tema.

Quando questionados sobre a questão da repressão, os alunos

responderam:

Forma de não deixar movimentos sociais se manifestarem; quando as pessoas queriam fazer algo e o governo não concordava; momento em que as pessoas por se manifestarem eram torturadas até a morte; proibição imposta a um grupo de pessoas quando estas procuram exigir seus direitos; proibição a alguma manifestação contrária ao governo; ato de não deixar o povo se manifestar; atitude adotada pelos militares para impedir manifestações contra o governo; atos de impedir a expressão de ideias; forma rígida de punir o povo que se manifesta contrário ao governo; ato adotado para impedir que uma pessoa ou um grupo de pessoas possam expressar suas opiniões em relação ao governo; atitude de violência adotada pelos militares contra a população.

Às respostas quanto ao significado de repressão, os alunos atrelaram suas

respostas à questão da proibição, muitas vezes de forma violenta, das

manifestações individuais ou coletivas, o que denota uma percepção de que

repressão está ligada à falta de liberdade de expressão e de manifestações

contrárias a qualquer regime político, já que a expressão, regime militar, não

aparece de forma clara na maioria das respostas. Apenas um aluno ressalta que

repressão é o “momento em que as pessoas, por se manifestarem, eram torturadas

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até a morte”. Veja-se que, para o aluno, a repressão sempre vem acompanhada de

tortura e morte. Para os demais, a repressão pode fazer parte de qualquer governo.

Nesse sentido, é interessante verificar que a “repressão” das passeatas, por

exemplo, vista na TV, nos jornais e internet, constitui, para os alunos, uma forma

também de repressão, porque suprime o direito do cidadão.

Em seguida, colocamos aos alunos a seguinte questão: O que é censura?

Para eles, é:

Cortes feitos por alguém em trechos de música; modo de impedir que o povo saiba a verdade sobre determinado assunto ou atitudes do governo; corte nos meios de comunicação sobre ideias que vão contra o governo; proibição de propagandas, manifestações e músicas que expressem ideias contrárias ao governo; ato de impedir certos textos contrários ao governo em jornais; proibição a críticas contra o governo; ato utilizado pelo governo de impedir através da força de calar membros da sociedade de expressar sua opinião; proibição de publicação escrita para jornal ou revista; ato de controle sobre intelectuais por parte do governo para que estes não se manifestem por escrito ou oralmente; ocultação de livre expressão de artistas ou intelectuais pelos meios de comunicação; cortes feitos por alguém do governo em textos de jornais, letras de músicas que questionem a atuação do governo; proibição do governo em letras de músicas; ato de impedir o surgimento de movimentos sociais.

Pelas respostas dadas, percebemos que os alunos constroem um

significado para o termo censura ligado à restrição de liberdade e mobilização, mas,

novamente, a censura é citada como algo comum a qualquer sistema de governo,

em nenhum momento relaciona censura versus governo autoritário, por exemplo, ou

democracia versus liberdade de expressão. É interessante observar também que

existe certa confusão com relação a quem censura, pois para um aluno “ocultação

de livre expressão de artistas ou intelectuais pelos meios de comunicação”. No

entanto, uma maioria coloca que quem censura é o “governo” que impede os meios

de comunicação, setores organizados da sociedade e intelectuais de se

manifestarem. Mais uma vez acreditamos que a experiência/vivência dos alunos

influencia sobremaneira suas respostas. Nesse sentido, podemos salientar a

resposta relacionada ao impedimento quanto a organização de movimentos sociais,

tão em voga nos noticiários, com reportagens que ora defendem ora rechaçam

esses movimentos, tais como as ações de reintegração de posse e/ou ocupação e

entrevistas concedidas, de lado a lado; de certa forma, isso faz com que os alunos

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signifiquem o termo.

Apesar de não haver menção clara, muitos insistiram na questão da censura

a jornal ou revista, questão que, aliás, esteve muito em voga nos últimos anos. Com

relação à menção da música como elemento passível de censura, acreditamos que

a apresentação da proposta tenha, de certa forma, induzido a resposta dos alunos.

O que é resistência social? Alguns dos alunos deram as seguintes

respostas:

[...] é quando os cidadãos não concordam com alguma decisão tomada pelo governo e resolvem em forma de greve ou protesto demonstrar sua opinião; quando a sociedade está resistente a alguma repressão, ou não acatando leis ou tipo de governo, ou seja, não aceitando alguma ideia; é quando a sociedade resiste; atitude contrária da sociedade a tudo que houve de ruim em 1964; quando a sociedade sai às ruas em protesto ao que o governo oferece; quando a sociedade se organiza para resistir a alguma tomada de decisão do governo; é quando as pessoas se juntam formando um grupo para protestar sobre seus direitos de cidadão e de trabalhador contra o governo, muitas vezes lutando contra a polícia; é quando a população vai contra imposições que a prejudica, buscando melhorias para sua vida; quando o povo vai para a rua lutar por seus direitos, por um país melhor, onde todos tenham voz, com movimento contra a ditadura; luta do povo pelos seus direitos; são movimentos em que a sociedade reivindica melhores condições de vida; resistência ao poder por uma causa justa, envolvendo instituições sociais; luta da sociedade por algum direito; é o ato de não concordar com atos do governo; protesto do povo contra decisões do governo; resistência do povo; quando pessoas vão à rua protestar por algum.

Percebe-se, pelas respostas dos alunos, que eles entendem a questão da

resistência atrelada, na maior parte das vezes, à organização do povo em prol da

reivindicação de direitos ou, então, para protestar contra medidas que não agradam

a maioria. Podemos verificar que a questão da resistência vincula-se às ações do

povo na rua, ou seja, em ações que são visíveis (greves, protestos,

movimentações). Em nenhum momento colocaram que a resistência pode estar

ligada a movimentos culturais como, por exemplo, à música.

Em seguida, perguntamos o significado da sigla MPB. Alguns alunos não

responderam a essa questão, alegaram que não tinham ideia de seu significado.

Outros, embora não soubessem o que foi a MPB, tentaram dar resposta a essa

questão. Assim, as respostas foram:

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Protesto contra a ditadura militar através da música; foi um movimento a favor dos cantores brasileiros, numa época em que a música brasileira quase não tinha vez; movimento que era falado o que o povo pensava através de músicas; movimento que o povo fala através da música; acredito que através dela hoje conhecemos outros estilos musicais; foi um movimento que marcou a história da música brasileira; protesto à ditadura através da música; revolução da música no Brasil onde nasceram ali grandes cantores e cantoras mostrando várias músicas criadas de suas raízes; foi a forma que foi encontrada para se manifestar contra a ditadura; em que os cantores escreviam suas músicas como críticos sobre o que o governo faz; foram cantores que usavam das músicas para expressarem seus pensamentos críticos contra a ditadura; foi quando vários artistas começaram a cantar as suas músicas expondo histórias de vida e ideias sem se importar com a censura; foi um movimento em que vários cantores criticaram o governo através de suas músicas; foi um estilo que nasceu com alguns músicos que foram feitas para criticar o governo; um movimento em que artistas escreviam o que viviam e cantavam para mostrar as pessoas; foi o movimento liderado por Chico Buarque, Roberto Carlos e outros importantes músicos para tentar mudar o Brasil na ditadura; cantores e compositores brasileiros que faziam música popular, falavam sobre o povo e o Brasil.

Se na questão sobre a censura não aparece referência à música enquanto

um elemento de resistência à política adotada no período, a mesma afirmação não é

válida para a questão da MPB, quando esta aparece como um movimento musical

de protesto ao regime, sem que haja outra referência que a coloque enquanto um

movimento com “vida própria”, externa ao regime. Podemos destacar uma única

resposta que tenta qualificar a MPB, desvinculando sua origem à resistência ao

regime: “revolução da música no Brasil onde nasceram ali grandes cantores e

cantoras mostrando várias músicas criadas de suas raízes.”

A partir das respostas dos alunos e levando em conta suas ideais, pensamos

em algumas aulas que pudessem esclarecer alguns pontos apreendidos por suas

respostas e também trabalhar o contexto das músicas que seriam trabalhadas

posteriormente, pois, para Pieroli, “para que este tipo de documento seja

efetivamente analisado, é necessário que haja uma relação entre texto e contexto do

mesmo. É importante que se consiga alcançar o sentido da canção, e a maneira

como ela está inserida na sociedade e na história”. (PIEROLI, 2007, p.8).

Assim, seria importante que eles compreendessem os motivos que levaram

os militares a tomar o poder no Brasil. Com base em estudos anteriores sobre o

conhecimento dos alunos a respeito do conteúdo, analisamos como foi o governo de

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João Goulart, mostrando que no momento da renúncia de Jânio Quadros, ele

encontrava-se em visita à China, sua posse foi conturbada porque tanto a elite

brasileira, a classe média e os militares o associavam com o comunismo. Após a

aula, que transcorreu com a participação dos alunos, perguntamos que eles

entenderam e a sua opinião sobre o governo João Goulart.

Os alunos começaram a se posicionar a respeito do que havíamos

perguntado. A primeira pergunta deles foi se o então presidente era mesmo

comunista. Colocamos que embora ele estivesse visitando a China, não significava

que fosse um comunista. Foi interessante perceber como está arraigado nos alunos

o suposto ideário comunista de Goulart e sua relação com o golpe.

Outro tema analisado com os alunos foi o Golpe Militar, cujo foco centrou-se

nos Atos Institucionais decretados pelos militares. Mostrou-se que o Brasil, durante o

regime militar, foi governado por Atos Institucionais, com especial atenção ao Ato

Institucional Nº. 5, AI-5. Assim, pelas proibições impetradas pelo AI-5, analisamos

que, por meio deste, ficava proibida no Brasil qualquer forma de manifestação em

protesto ao regime vigente no país. Além disso, ressaltamos que foi a partir desse

contexto de restrição de liberdade de expressão e manifestação que os intelectuais

do país passaram a se mobilizar em defesa da democracia.

Sendo assim, foi a partir desse ato que a Música Popular Brasileira adquire

uma grande visibilidade e contornos de música de protesto. Falou-se também sobre

as formas de torturas utilizadas contra os cidadãos brasileiros que se opuseram ao

governo. Também ressaltamos que, nesse contexto, muitos brasileiros foram mortos

ou permaneceram desaparecidos, outros foram exilados ou se autoexilaram como

forma de protesto.

Os alunos se mostraram impressionados. No momento do debate, uns se

colocaram a favor da ditadura no sentido de que, se os militares ainda estivessem

no poder, a violência, o roubo e outras atrocidades não teriam o peso que têm hoje

em nosso país, em nossa cidade. Em contrapartida, aqueles que se colocaram

contra o governo militar procuraram mostrar aos colegas o quanto seria ruim não

poderem falar o que quisessem, sair às ruas na hora que bem entendessem, ouvir a

música que desejassem. Vimos que as opiniões se dividiram em relação ao governo

militar.

O encontro seguinte foi destinado à cultura no Brasil no período da Ditadura

Militar, em específico à Música Popular Brasileira, através das músicas de Chico

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Buarque de Holanda. Explicamos à turma que a música popular no Brasil tem uma

história que atravessa boa parte do século XX, que, na década 1930, a música

predominante no país era os chorinhos e os maxixes cantados e compostos

anonimamente, a autoria das canções não tinha grande importância como hoje.

Essa situação, em relação à música no Brasil, muda radicalmente quando Getúlio

Vargas estatiza a Rádio Nacional. Durante o Estado Novo, criaram-se as primeiras

indústrias fonográficas. Essas mudanças estimularam o fim da criação musical

anônima e os artistas passaram a gravar discos e a se apresentar ao vivo nas

emissoras de rádio.

No período da ditadura, que se iniciou em 1964, foi adotada uma política de

repressão a artistas e movimentos populares, mas, mesmo assim, setores da

população, além de sindicatos e estudantes, começaram a exigir maior justiça social

e a se mobilizar politicamente. Nesse período, a MPB assume a tarefa de divulgar e

difundir as aspirações populares que se tornam fortemente ideologizadas. Assim,

passou-se a ouvir canções que defendiam a reforma agrária e a luta contra os

privilégios sociais. Com a crescente repressão e a instituição do Ato Institucional nº

5, em 1968, intensificaram-se a censura e a perseguição a artistas e intelectuais.

Nesse contexto, foram organizados vários festivais de canção. No festival

promovido pela TV Excelsior em São Paulo, surge Chico Buarque de Holanda.

Falou-se então aos alunos sobre Chico Buarque de Holanda, que, filho do

historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, em 1963, ingressou na

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, na qual ficou só até o terceiro ano.

Em 1964, inscreveu-se no festival promovido pela TV Excelsior em São Paulo com a

música “Sonho de um Carnaval”, a qual foi cantada por Geraldo Vandré. Sua

consagração deu-se no festival de MPB da TV Record, também em São Paulo,

quando concorreu com a música “A Banda”, que fora interpretada por Nara Leão.

Sua música venceu o festival junto com “Disparada” de Geraldo Vandré, interpretada

por Jair Rodrigues. Foi assim que Chico ganhou projeção nacional e sua carreira

tomou impulso. A sua produção artística sofreu certo impacto com o acirramento da

ditadura militar. Em 1967, Chico Buarque estreou a peça teatral “Roda Viva”, que foi

censurada pelos censores da ditadura. Devido à repressão política no país, Chico

Buarque preferiu exilar-se na Itália, onde permaneceu até 1970, quando retorna ao

Brasil e lança o álbum “Construção”. Em 1975, Chico lançou o disco “Os

Saltimbancos”, uma fábula musical traduzida e adaptada do italiano, “Musicanti”, de

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Luiz Enriquez e Sérgio Bardotti. “As canções deste disco foram um grande sucesso

e levaram à montagem teatral ‘Os Saltimbancos’”.

(http://www.netsaber.com.br/biografias/index.html).

Ao término dessa aula, novamente foi feito um debate. Os alunos disseram

que gostaram muito do que ouviram. Perguntaram se em algum momento iriam ouvir

as músicas de Chico Buarque, mostrando-se curiosos em relação a elas,

principalmente aqueles que não conheciam Chico Buarque e suas músicas.

Os encontros seguintes foram dedicados à análise das músicas e suas

letras. Ouviu-se, em CD, a música “Acorda Amor”,

(www.latinoamericano.jor.br/música_brasil_mpb_ditadura), em seguida foi visto um

clipe dela na TV pendrive, depois os alunos receberam um trecho da música para

análise:

“Acorda amor

Eu tive um pesadelo agora

Sonhei que tinha gente lá fora

Batendo no portão, que aflição

Era a dura, numa muito escura viatura

minha nossa santa criatura

chame, chame, chame, chame o ladrão

Acorda amor”

Após ouvir e ver o clipe, os alunos mostraram-se extasiados com a música.

Foram unânimes em demonstrar que não a conheciam, mas que gostaram do que

tinham visto e ouvido. Segundo o relato de alguns alunos, a letra mostra que os

cidadãos brasileiros daquele período tinham medo da polícia porque esta significava

prisão e tortura, e muitas vezes a morte. Assim, nas palavras de um aluno:

“professora, então o pesadelo era a polícia e os cidadãos preferiam que um ladrão

entrasse em casa do que a polícia, pois sabiam que se a polícia entrasse na casa

sabiam que não mais voltariam para sua família”. Além disso, alguns ressaltaram

que a letra falava de uma pessoa que estava sendo procurada pelo regime e vivia

assustada com a possibilidade de ser presa e torturada.

Em seguida foi ouvida a música “Apesar de Você”,

(www.latinoamericano.jor.br/música_brasil_mpb_ditadura), da qual também viu-se

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um clipe na TV pendrive. Esta fala do presidente, o general Emílio Garrastazu

Médici, cujo governo foi o mais repressivo e violento da era militar. Sobre o trecho

“Hoje você é quem manda

Falou, tá falado

Não tem discussão, não.

A minha gente hoje anda

Falando de lado e olhando pro chão” , os alunos disseram que estava

retratando os militares, porém, não souberam dizer se era o presidente ou a polícia.

Apenas um dos alunos escreveu que achava que a música falava do presidente da

República, sem saber qual. No entanto, em vários momentos, destacaram a falta de

liberdade de expressão e contestação ao regime. A última palavra seria sempre do

governo. Mas também ressaltaram que não acharam que a música falava de forma

velada, mas sim percebiam uma clara crítica ao regime. Quanto ao ritmo, alguns

acharam as músicas muito “paradas” um ritmo que “dá sono”. Interessante foi

acharem mais fácil apreender a mensagem da música acima do que a “Acorda

Amor”.

Foi feita também a análise da música “Roda Viva”,

(www.latinoamericano.jor.br/música_brasil_mpb_ditadura), cuja letra está associada

à morte. Também foi ouvida em CD e visto o clipe na TV pendrive. A escolha desta

não foi muito feliz, pois ela é um tanto complicada e os alunos não conseguiram

analisar da forma que se pretendia, ou seja, eles não conseguiram entender a

música.

O trecho escolhido para análise foi:

“Na volta do barco é que sente

O quanto deixou de cumprir

Faz tempo que a gente cultiva

A mais linda roseira que há

Mas eis que chega a roda viva

E carrega a roseira pra lá...

Roda mundo, roda gigante

Roda moinho, roda pião

O tempo rodou num instante

Nas voltas do meu coração...”

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Esperava-se que os alunos entendessem que a letra da música dizia

respeito ao corte abrupto da vida do brasileiro que já não podia mais exercer o seu

direito à liberdade. Bem como o fato de que ela fazia referência a um desnorteio

vivido pelo povo que não concebia a ditadura como algo natural.

Ao observar e conversar com os alunos, após cada audição e análise das

letras, percebemos o quão rico pode ser o trabalho com esse tipo de fonte. Muitos

relataram que não imaginavam que, por meio da música, era possível estudar sobre

esse período da História do Brasil, de forma diferente da que eles estavam

acostumados, com a leitura do livro didático. Entendemos que as músicas atingem

sujeitos que, muitas vezes, não são abordados em profundidade e com tanta

emoção. Disseram que é possível identificar sentimentos: medo, ansiedade e, ao

mesmo tempo, alegria. Segundo isso, é possível humanizar a história.

Para o encerramento, realizamos um teatro de bonecos com as músicas do

disco “Os Saltimbancos”, quatro alunos participaram da peça. Utilizamos as

músicas, e os diálogos foram feitos pelos alunos. Todos gostaram da apresentação.

Ao seu final, feita pelos alunos para seus colegas, representantes do NRE, direção

colégio, pedagoga responsável pela professora PDE e demais convidados, os

alunos que assistiram comentaram que não devia ter sido fácil viver durante a

Ditadura Militar, e que eles não se imaginavam vivendo um período como aquele.

Ao término das atividades propostas, do trabalho com música como fonte

historiográfica na produção do conhecimento histórico pelos alunos, foi possível

observar que os alunos passaram a entender melhor os conteúdos relacionados à

Ditadura Militar. E que esse período não foi feito somente de política, violência; mas

também de cultura e de música.

Foi possível observar também que os alunos passaram a ter um interesse

maior sobre a música popular brasileira, interesse este que era o nosso objetivo

principal, levar os nossos alunos a conhecerem e gostarem da música popular,

especificamente as de Chico Buarque de Holanda, um dos ícones daquele momento

histórico do nosso país.

Entende-se que o trabalho desenvolvido no projeto proposto ao PDE foi de

suma importância no que diz respeito à produção do conhecimento histórico pelos

alunos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do trabalho desenvolvido em sala de aula, percebemos que a música

pode ser considerada uma importante fonte para as aulas de História, contribuindo

para o processo de ensino-aprendizagem. Isso porque, por meio das audições e

análise das letras das músicas do movimento MPB, especialmente as de Chico

Buarque, foi possível construir conhecimento histórico sobre o tema em tela, qual

seja, o Regime Militar no Brasil, já que a música instigou o aluno a refletir sobre o

contexto histórico ao trazer elementos que geralmente não são retratados nos

manuais didáticos.

Essa constatação pode ser claramente evidenciada por meio da sondagem

realizada com os alunos após as ações intervencionistas. Ficou evidente que para

eles, “é possível estudar história de forma diferente”.

Percebemos que o trabalho com as fontes, especialmente a música, fez com

que os alunos se sentissem protagonistas do processo de ensino aprendizagem, na

medida em que, com a mediação do professor, questionaram, criaram hipóteses,

refletiram sobre o conteúdo, de forma que englobasse vários elementos que até

então desconheciam, como, por exemplo, os movimentos culturais do período, os

intelectuais, e como estes sujeitos, de alguma forma, protestaram contra o regime

político.

Mas, talvez, o mais importante tenha sido o fato de que, por meio da análise

das letras das músicas, os alunos compreenderam as especificidades da disciplina

no que concerne à questão da narrativa histórica. Perceberam como a história é

construída por diversos sujeitos envolvidos no processo histórico, refletiram sobre

rupturas e permanências no processo histórico e perceberam que, na história, não

há um único discurso detentor da verdade absoluta.

Destacamos também que o trabalho pedagógico envolvendo a música

facilitou a relação professor-aluno, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo do

alunado e para a produção efetiva do conhecimento histórico.

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