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1 ANA CRISTINA DA SILVEIRA A MULHER E A ARTE X SOCIEDADE PATRIARCAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL- REI São João del-Rei, 30 de junho de 2014

A MULHER E A ARTE X SOCIEDADE PATRIARCAL · um ‘velho mestre’, e uma grande obra de arte era uma ‘obra prima’” ... à ciência, como é o caso de Hipácia de Alexandria

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1

ANA CRISTINA DA SILVEIRA

A MULHER E A ARTE

X

SOCIEDADE PATRIARCAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL- REI

São João del-Rei, 30 de junho de 2014

2

Ana Cristina da Silveira Pedroso

Orientadora: Ms. Luciana Beatriz Chagas

A MULHER E A ARTE

X

SOCIEDADE PATRIARCAL

“Trabalho apresentado ao Curso de bacharelado em Artes Aplicadas com

Ênfase em Cerâmica, para conclusão do curso TCC”

São João del-Rei, 30 de junho de 2014

3

Dedico este trabalho às mulheres que lutaram e que ainda

lutam por igualdade diante dos homens.

4

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora professora Ms. Luciana Beatriz Chagas pela

dedicação.

Aos professores Ms. Bruno Amarante, Ms. Kléber José da Silva, Dra. Zandra

Miranda, Ms. Cristiano Lima, Ms. Ricardo Coelho e Ms. Gedley Belchior por

partilhar o conhecimento.

5

“A linguagem da história e da crítica da arte nem se quer

reconhecia as mulheres para que pudesse negá-las. Em

vez disso, ela presumia que as mulheres simplesmente

não precisavam ser consideradas. Um grande artista era

um ‘velho mestre’, e uma grande obra de arte era uma

‘obra prima’”

Michael Archer

6

SUMÁRIO

1. JUSTIFICATIVA ....................................................................................................................... 9

2. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................................ 12

2.1. Referências Artísticas .................................................................................................. 14

2.1.1. Cândido Portinari ................................................................................................ 14

2.1.2. Auguste Rodin e Emile Antoine Bourdelle .......................................................... 15

2.2. Referências Históricas ................................................................................................. 18

2.2.1. Artemísia Gentileschi .......................................................................................... 18

2.2.2. Judy Chicago ........................................................................................................ 20

2.2.3. Camille Claudel .................................................................................................... 21

2.2.4. Frida Kahlo ........................................................................................................... 23

2.2.5. Berthe Morisot .................................................................................................... 25

3. TRABALHOS ANTERIORES .................................................................................................... 27

3.1. Do processo criativo ao trabalho plástico. .................................................................. 27

4. JARDIM CERÂMICO.............................................................................................................. 39

4.1. Flores, uma intervenção poética ................................................................................. 39

4.1.1. Botão de Rosa ...................................................................................................... 44

4.1.2. Copo de Leite ....................................................................................................... 45

4.1.3. Hibiscus ............................................................................................................... 46

4.1.4. Flor selvagem ...................................................................................................... 47

4.1.5. Orquídea .............................................................................................................. 49

4.1.6. Margarida ............................................................................................................ 50

7

4.1.7. Rosa ..................................................................................................................... 52

4.1.8. Estrelítizia ............................................................................................................ 53

4.1.9. Orelha de Pau ...................................................................................................... 55

4.1.10. Amor Perfeito ...................................................................................................... 57

4.1.11. Flor Singela .......................................................................................................... 59

4.1.12. Tulipa ................................................................................................................... 61

4.2. Do tema ao processo criativo ...................................................................................... 62

5. METODOLOGIA .................................................................................................................... 66

5.1. Preparação da massa .................................................................................................. 66

5.2. Molde .......................................................................................................................... 67

5.3. Moldagem ................................................................................................................... 67

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 77

7. REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 79

8

RESUMO

O trabalho aqui apresentado parte dos seguintes questionamentos sobre a representatividade das mulheres na história da arte. Por que há um número muito inferior de mulheres artistas na história da arte? Por acaso são menos talentosas que os homens? Onde elas estavam? Diante dessas indagações procurei saber como as obras de algumas artistas tinham conseguido alcançar o sucesso, ou ao menos, ser reconhecida. Em suas histórias de vida pudemos conhecer as barreiras impostas pela sociedade patriarcal e as batalhas que elas travaram contra essa tradição cultural. À vista disso, procurei homenagear as mulheres por meio de meus trabalhos, evidenciando com delicadeza a beleza singular, a feminilidade e a conquista da liberdade. Cada escultura em cerâmica da série Flores foi dedicada a uma personalidade feminina, com o intuito de ressaltar a fertilidade, em sentido simbólico, como propulsora da força germinativa de ideias.

9

1. JUSTIFICATIVA A história da arte ocidental até o início do século XX foi construída por

trabalhos feitos na maior parte por homens e a presença da mulher artista é

pouco frequente. Diante disso, procurei entender o que causou essa

disparidade no ambiente artístico.

Segundo Virgínia Woolf, em Um Teto Todo Seu, o principal motivo disso foi a

barreira imposta pela cultura patriarcalista, que durante séculos tem negado à

mulher a participação fora das questões do lar.

As poucas mulheres artistas que tiveram seus trabalhos reconhecidos lutaram

contra convencionalismos sociais que tendiam a isolar a mulher no âmbito

privado. A luta feminina tomou mais força e notoriedade por meio dos

movimentos feministas no século XX.

A obra The Dinner Party (1974-1979), Figura 1, de Judy Chicago é uma das

referências desta pesquisa. Esse trabalho de Judy Chicago consiste em uma

grande mesa de jantar em formato de triângulo, contendo trinta e nove lugares,

com seus respectivos pratos e toalhas. Cada lugar é de uma personagem

histórica, e seus nomes estão bordados em relevo dourados nas toalhas. No

chão, escritos em tinta dourada sobre azulejos triangulares, estão os nomes de

outras 999 mulheres que destacaram na história da humanidade. Algumas

delas, como Artemísia Gentileschi, Figura 2, Hipácia de Alexandria, Figura 3, e

Virgínia Woolf, Figura 4, homenageadas em The Dinner Party também

embasam essa pesquisa.

10

FIGURA 1

Judy Chicago. The Dinner Party ,1974–79. Técnica mista: cerâmica, porcelana, têxtil. Museu do Brooklyn,

Doação da Fundação Elizabeth A. Sackler, 2002.10. © Judy Chicago. Foto: Jook Leung

11

FIGURA 2 FIGURA 3

FIGURA 4

FIGURAS 2, 3 e 4. Judy Chicago. The Dinner Party (Assentos de Artemísia Gentileschi, Hipácia de

Alexandria e Virginia Woolf), 1974–79. Técnica mista: cerâmica, porcelana, têxtil. Museu do Brooklyn,

Doação da Fundação Elizabeth A. Sackler, 2002.10. © Judy Chicago. Foto: Jook Leung

12

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A base principal desta pesquisa é a obra literária de Virgínia Woolf, que trata do

universo feminino e das delimitações impostas em consequência da situação

cultural à qual a mulher foi submetida durante séculos. Incumbidas somente de

cumprir o papel de esposas, mães e donas de casa, ou seja, estavam sempre

em função do marido e da família. Era negado a elas o direito de desenvolver

atividades intelectuais e artísticas com fins comerciais, bem como construir

carreira profissional, segundo a pesquisadora e artista Flávia Leme, em sua

tese Mulheres Recipientes: Recortes Poéticos do Universo Feminino nas Artes

Visuais.(LEME, 2009, p.17)

Virgínia Woolf, em Um Teto Todo Seu, simula um caso problema, supondo que

se o grande dramaturgo Willian Shakespeare tivesse uma irmã tão talentosa

quanto ele, a garota seria amplamente repreendida pelos pais e fugiria de casa

a fim de ocupar um lugar no teatro. Porém encontraria somente abusos e não

reconhecimento de seu talento por ser mulher, seu fim seria o suicídio.

(WOOLF, 1985, p.63)

O filme Shakespeare Apaixonado dirigido por John Madden, conta uma história

mais feliz, não de uma Irmã de Shakespeare, mas de uma namorada. A moça

em questão se viu obrigada a se fantasiar de rapaz para ser aceita na peça.

Visto que, até mesmo os papéis femininos eram interpretados por homens,

sendo proibida a participação de mulheres no teatro. (MADDEN, 1998)

O poder do homem e a dominação sobre a mulher é herança histórica e tem

sido tema recorrente da literatura e do cinema. Razão e Sensibilidade, Orgulho

e Preconceito de Jane Austen, discorrem sobre a situação da mulher em frente

à sociedade tradicionalista da Inglaterra no século XIX.

A situação dos embargos sofridos pelas mulheres tem trazido prejuízos à arte e

à ciência, como é o caso de Hipácia de Alexandria. A cientista, filósofa e

astrônoma do século IV, foi assassinada pela ignorância dos cristãos, acusada

de criar conflitos entre duas figuras, o governador e o bispo. O conflito foi

13

instigado por Hipácia ser uma mulher. A morte dela marcou a queda intelectual

de Alexandria. Carl Sagan, em sua obra Cosmos, especificamente no 13°

episódio da série televisiva “Cosmos” intitulado Quem Pode Salvar a Terra?

relata a triste história de Hipácia como grande perda para a humanidade.

(SAGAN, 1980)

Em algumas religiões a mulher é inferior ao homem. Por exemplo, no

cristianismo o livro de I Coríntios do Novo Testamento escrito por Paulo, a

mulher é ensinada a ficar calada na igreja, e se quiser saber algo, deve

perguntar ao seu marido em casa. (I CORÍNTIOS. 1999, p. 203)

Na Índia, segundo As Leis de Manu (livro sagrado), as mulheres devem

obediência aos maridos, na falta dele aos filhos homens. Segundo este texto

sagrado, as mulheres viúvas não podem casar novamente, no capítulo 5 verso

156-161 diz: “Uma viúva deve sofrer, ser moderada e casta. Esposa que segue

casta após a viuvez vai para o paraíso. Uma viúva infiel renasce no útero de

um chacal.” (MEHTA, 2005.)

O filme indiano Rio da Lua, de Deepa Mehta, conta a triste história das viúvas,

em especial a da personagem Chuyia, uma garota de 8 anos, que já é viúva e

nem sequer sabe quem era o marido, muito menos se lembra do casamento.

A pequena é levada pelo pai para uma casa de viúvas, lugar onde as mulheres

nessa condição ficam até o final de seus dias. Kalyani, uma jovem viúva com

quem Chuyia fez amizade, ousa desafiar as regras imposta às viúvas de se

manterem castas quando se apaixona por um jovem. Kalyani tem um final

infeliz, suicida-se ao saber que não casará. O rapaz, que era um jovem

diplomado, questiona a situação imposta pelas famílias às viúvas, pois

segundo a lei, podem se casar novamente. Ele enxerga mais longe, afirmando

que o principal motivo das mulheres serem enviadas a essas casas é

meramente econômico. Os ricos não querem dividir a herança, enquanto os

pobres querem se livrar de uma boca para sustentar.

14

2.1. Referências Artísticas 2.1.1. Cândido Portinari

Os estudos produzidos por Cândido Portinari para o grande painel Guerra e

Paz me impressionou pelo nível de expressividade. A guerra não é

representada por soldados em campo de batalha, mas expressa pela dor da

mãe pela morte do filho. A paz se faz presente por meio das alegres e

inocentes brincadeiras de criança.

A imagem abaixo, Figura 5, foi tirada durante minha visita ao Cine Theatro

Brasil Vallourec na Praça Sete em Belo Horizonte durante a exposição Guerra

e Paz- Portinari em 2013. O estado de angústia representado por esse estudo

me tocou profundamente, pois lembra a dor e o abandono sofrido, não só por

esta mulher, mas também por muitas outras.

.

FIGURA 5

Cândido Portinari: Estudo para Guerra e Paz, lápis sobre papel

15

2.1.2. Auguste Rodin e Emile Antoine Bourdelle

A representação escultórica do corpo humano, o movimento e as torções

exploradas por Rodin e Bourdelle em suas obras influenciaram diretamente

meu trabalho. Nas obras desses artistas são recorrente a representação da

ternura, sensualidade, dor e sofrimento por meio dos movimentos.

FIGURA 6

Auguste Rodin; Eve against a Pillar; Bronze; 42 x 12 x 12 cm (JARRASSÉ, Dominique. p.95)

16

FIGURA 7

Auguste Rodin; Kneeling Fauness; 1880; Bronze 57 x 22 x 28 cm; Museu Rodin, Paris (JARRASSÉ,

Dominique. p.100)

17

FIGURA 8

Emile Bourdelle; São Sebastião; Bronze – 70 x 35 x 30 cm; 1883; Coleção Dufet-Bourdelle, Paris

(PINACOTECA do Estado de São Paulo. 1998, p.31)

18

2.2. Referências Históricas

As artistas Artemísia Gentileschi, Judy Chicago, Frida Kahlo, Camille Claudel e

Berthe Morrisot tiveram seus nomes lembrados e seus talentos reconhecidos.

Sendo mulheres, passaram por privações e quebraram tabus.

2.2.1. Artemísia Gentileschi

Artemísia Gentileschi 1593-1652, artista italiana do século XVII, teve o apoio de

seu pai e também pintor Orázio Gentileschi para dedicar-se à arte. Abusada

sexualmente pelo professor de pintura Agostino Tassi, sofreu o impacto de ter

a sua reputação manchada, vítima das fofocas que a tomavam por uma mulher

promíscua. A condenação de Tassi só aconteceu após um logo processo.

Artemísia casou contra sua vontade com um amigo dos pais para limpar a

honra da família. O casamento durou dez anos e resultou em duas filhas, que

também se tornaram pintoras. Com a separação, ela se tornou chefe de sua

casa e desfrutou de mais liberdade.

Artemísia foi a primeira mulher a ser aceita na Academia de Belas Artes de

Florença, em 1616. As Academias não aceitavam mulheres em razão da

presença de modelo nu masculino durante as aulas.

Durante sua vida ela teve seu trabalho reconhecido. No entanto, após sua

morte grande parte foi atribuída ao seu pai e outros artistas seguidores de

Caravaggio, o que fez com que seu nome fosse esquecido. Segundo a

historiadora Mary Garrard, ela “sofreu uma negligência que é impensável para

um artista de seu calibre”. (GARRARD, 1993, apud Museu do BROOKLYN)

É recente a consagração de Artemísia como grande representante da arte de

personagens bíblicos sob uma perspectiva feminina, segundo informação

contida na página da web do Museu do Brooklyn.

19

A temática de Artemísia é forte, com a presença de agressividade, como se

quisesse mostrar a sua angústia através de seus quadros. Seu foco está em

heroínas bíblicas, como exemplo a obra Judith decapita Holofernes.

FIGURA 9

Artemísia Gentileschi. Judith decapita Holofernes, 1612-1621; Galleria Degli Uffizi, Florença

20

2.2.2. Judy Chicago

Judy Chicago é artista, autora, educadora, feminista e intelectual. Lutou contra

o preconceito à arte feminina, ligada aos trabalhos manuais, como a cerâmica,

o bordado e a tapeçaria. O trabalho de Judy Chicago The Dinner Party é uma

reunião dessas técnicas, produzido durante quatro anos por um grupo reunido

pela artista, e que era composto em maior parte por mulheres, a fim de

valorizar a arte tida como feminina, resultando numa grande mesa triangular

com 39 lugares, nomeados com personagens femininas históricas. No total,

1038 mulheres são homenageadas.

Judy Cohen adicionou Chicago ao nome, em homenagem à sua cidade, em

detrimento de carregar um sobrenome que determinava ser dominada pelo

sexo oposto (do pai ou do marido).

FIGURA 10

Judy Chicago, The Dinner Party, 1974-1979, Porcelana, cerâmica, têxtil; Museum Brooklyn. Foto: Jook

Leung (BROOKLYN Museum)

21

2.2.3. Camille Claudel

Camille Claudel, escultora francesa, nascida em 1864.

Ainda menina, encantava o pai Louis Prosper com pequenas esculturas bem

realistas, o talento precoce agradava-o levando a não medir esforços para que

filha tivesse instrução na arte. Quem não via com bons olhos era a mãe, sua

filha deveria ser educada para ser dona de casa, e não exercer uma profissão

masculina, segundo ela, um mero capricho cedido pelo pai.

Mesmo sob a censura da mãe, assistia às aulas de Alfred Boucher na

Colarossi Academy. Por intermédio de seu mestre conheceu Rodin, por quem

devotaria seu amor. Foram dez anos junto à Rodin, seu trabalho se

assemelhava ao do mestre, a ponto de confundir a identificação.

A ruptura se dá quando percebe que nunca terá Rodin como marido. Continua

freneticamente sua produção em meios aos delírios e a solidão. Na obra O

Destino, Camille expressa literalmente esse abandono, onde uma mulher de

joelhos estende as mãos para uma figura masculina que a deixa, levado por

outra mulher, representada pela morte.

FIGURA 11

Terceira Idade ou O Destino, 1899, bronze, Museu Rodin

22

A vida de Camille estava conturbada, tinha poucos trabalhos encomendados,

estava com sintomas de esquizofrenia, denominado na época por delírio

psicótico. Em todo o momento achava que iam roubá-la e copiá-la. Destruía

suas obras e as enterrava.

Com a morte do pai, a artista tem uma crise histérica e termina em um

manicômio, onde passa o fim de seus dias, abandonada pela própria família.

Mesmo tendo recuperado em grande parte sua saúde mental, sua mãe insiste

em deixá-la internada.

Foram longos trinta anos de exílio, onde Camille não produziu mais, sua alma

estava presa, e ela não via razão para criar. E terminou assim a grande

escultora, pouco compreendida pela sua época.

Hoje, parte dos trabalhos produzidos por Camille estão junto ao seu grande

mestre e amante no Museu Rodin. (RODIN Museu)

FIGURA 12

A valsa, 1889-1905, bronze fundido, Museu Rodin

23

2.2.4. Frida Kahlo

Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon nasceu em 6 de julho de 1907 no

México.

Desde menina, acompanhava o pai em seu estúdio de fotografia, foi lá que ela

começou a desenvolver a prática da pintura. Seu pai não via mal nenhum em

sua filha interessar-se pela atividade artística. Foi dele que Frida recebeu todo

seu apoio.

A vida de Frida Kahlo foi o retrato da dor e do sofrimento. Passou por uma

paralisia infantil, que a deixou manca, e em 1925 um acidente que mudou para

sempre sua vida.

O choque entre ônibus - em que ela viajava - com um bonde, a feriu

gravemente. Sofreu várias fraturas, escoriações e teve seu corpo perfurado por

uma barra de ferro. Várias cirurgias foram necessárias, e, além disso, ela foi

obrigada a usar permanentemente um colete de gesso.

Durante seu período de convalescência, presa a uma cama, começa a pintar

freneticamente. O tema era o autorretrato porque o que ela mais conhecia, era

a si mesma. Segundo a artista, pintava porque se sentia só.

O casamento de Frida com Diego Rivera, um famoso pintor muralista do século

XX, foi marcado por infidelidades. Diego era 21 anos mais velho e um

tremendo mulherengo. Porém a tristeza maior de Frida era não ter filhos, sofreu

vários abortos resultados da seqüela do acidente que sofrera em 1925.

Frida Kahlo usava cores fortes a fim de representar sua vida tumultuada por

dores físicas e dramas emocionais. Em seus quadros, é constante a

representação do sofrimento.

A obra O Veado Ferido, Figura 13, é mais uma das representações da dor

física que acompanhava a artista e foi realizado depois de uma das cirurgias.

Nessa obra, o veado, mesmo aparentando ferido por várias lanças, segue em

24

pé, firme e ereto, com se nada pudesse detê-lo. É também a imagem

verdadeira da forte personalidade de Frida e de sua constante superação.

FIGURA 13

Frida Kahlo, O Veado Ferido.1946,óleo sobre masonite; Coleção Particular

25

2.2.5. Berthe Morisot

Berthe Morisot, nascida na França em 1841, filha de funcionário de alto nível

do governo, pode receber educação artística com grandes mestres, como

Geoffrey-Alphonse Chocarne, Joseph Guichard e Camille Corot.

Durante o século XIX, as mulheres tinham instruções sobre arte apenas para

entretenimento, não lhes era permitido para exercerem como profissão.

O talento de Berthe e de suas irmãs não passou despercebido para Corot, que

certa vez escreveu uma carta à mãe delas que dizia:

Com personalidades como suas filhas, o meu ensino irá torná-las pintoras, e não talentos amadores menores. Você sabe o que isso significa no mundo da grande burguesia em que faz parte, seria uma revolução? Diria mesmo uma catástrofe. (Higonnet, 1991, p. 19 Tradução minha)

Berthe conheceu vários artistas em suas viagens, posou como modelo para o

pintor Édouard Manet, através dele conheceu seu irmão Eugène Manet, com o

qual acabaria por se casar.

Embora em época em que mulheres artistas não eram bem vindas, Berthe

conseguiu seu espaço e alcançou sucesso participando do grupo de

impressionistas, era a única mulher da equipe.

Seu trabalho na maioria das vezes retratava cenas domésticas. O Berço,

Figura 14, representa a doçura e o amor maternal através delicadeza dos

personagens e a sutileza das cores e pincelada.

26

FIGURA 14

O Berço. 1872; óleo sobre tela; Museu D’Orsay; França

27

3. TRABALHOS ANTERIORES

3.1. Do processo criativo ao trabalho plástico.

O jogo de xadrez, Figura 15, produzido durante a disciplina de Plástica e

Design foi inspirado no movimento Art Noveau, em especificamente no artista

Alphonse Mucha, nesse trabalho se nota a influência por movimento e torções.

O jogo de Xadrez foi selecionado para a exposição Xeque no Centro Cultural

Yves Alves na cidade de Tiradentes em 2013.

FIGURA 15

Jogo de Xadrez, 2011-2013; cerâmica de alta temperatura: 1280°C, madeira; Acervo Pessoal. Foto:

Ana Cristina

28

Os trabalhos desenvolvidos durante a disciplina Modelagem do Corpo Humano

trouxeram o gosto pelo realismo, sendo também presente o movimento através

das torções.

FIGURA 16

Bela Adormecida, 2012; cerâmica de alta temperatura: 1280°C, queima à lenha;

Acervo Pessoal. Foto: Ana Cristina

Os trabalhos seguintes produzidos durante essa disciplina foram tomando

proporções exageradas. A obra abaixo tem mãos enormes.

FIGURA 17

R Coelho, 2012; cerâmica de alta temperatura: 1280°C, queima à lenha;

Acervo Pessoal. Foto: Ana Cristina

29

A escultura Retrato de Mulher, Figura 18, também realizada durante a

disciplina de Modelagem do Corpo Humano fez parte da exposição de Arte

Moderna de nome Retratos da curadoria do professor Cristiano Lima.

Realizada durante a I Semana Acadêmica de Artes Aplicadas no Campus

CTan em maio de 2014. Ocasião em que recebeu o nome Retrato de Mulher.

Pés e mãos têm proporções diferentes, um pé grande e uma mão grande para

dar equilíbrio visual e ressaltar a importância desses membros. O pé é o apoio

do nosso corpo, é ele que nos leva onde queremos. A mão é que acolhe,

acaricia e nos alimenta.

FIGURA 18

Retrato de Mulher. 2012; cerâmica; dimensões: 21 x 20 x 17 cm, queima em forno à lenha, alta

temperatura, esmalte marrom.

30

Vejo semelhança entre Retrato de Mulher, Figura 19, e a obra Abaporu, Figura

20, de Tarsila do Amaral quando a proporção dos pés e o alongamento do

corpo.

FIGURA 19

Retrato de Mulher. 2012; cerâmica; dimensões: 21 x 20 x 17 cm, queima em forno à lenha, alta

temperatura, esmalte marrom.

FIGURA 20

Amaral, Tarsila do. Abapuru, 1928; óleo sobre tela. 85x73cm; Fundación Costantini; Reprodução

fotográfica Rômulo Fialdini (ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural)

31

O ventre, Figura 21, peça produzida para a disciplina História da Cerâmica

Artística é junção da figura humana ao utilitário, tendo como resultado uma

peça decorativa e utilitária.

A mão sobre o ventre representa a fertilidade feminina.

FIGURA 21

O ventre. 2012; cerâmica de baixa temperatura; dimensões: 25x25cm

32

A torção se fez presente também durante os trabalhos realizados durante a

disciplina de Desenho Técnico e Metodologia do Projeto. Foi sugerida a

montagem de uma prancha de ambientação, Figura 22, através de recortes em

revistas, colei imagens que me agradava, sem nem sequer saber o porquê

daquelas figuras.

A partir da prancha de ambientação iria criar peças. Então fui procurar entender

a escolhas das imagens. O que significava? O que me atraía nelas? O que

poderia ser usado para modelar as peças?

Levei algum tempo analisando as figuras, veio a surpresa: estavam todas

ligadas. Representava o movimento, as torções, os traços finos e delicados. As

próprias frases sugeriam movimentos.

FIGURA 22

Prancha de Ambientação, 2012; colagem sobre papel cartão

As peças realizadas foram uma luminária de parede, Figura 23, um alimentador

de pássaro, Figura 24, e um vaso, Figura 25.

33

FIGURA 23

Luminária. 2012, cerâmica; dimensões: 30 x 22 x 15 cm, espessura 1,3 cm,

queima em forno à lenha, alta temperatura, cone 10 (1300°C), esmalte

marrom

34

FIGURA 25

Vaso. 2012; cerâmica; dimensões: 20 x 16 x

12 cm, espessura: 0,7 cm; queima em forno à

lenha, alta temperatura, esmalte marrom

FIGURA 24

Alimentador de Pássaros. 2012; cerâmica;

dimensões: 30 x 25 x 12cm, espessura: 1,3cm;

queima em forno à lenha, alta temperatura,

cone 10 (1300°C); esmalte marrom

35

Hoje, analisando a Prancha de Ambientação de 2012 vejo além. Não são

somente as torções que estão presentes. O universo feminino renasce em

todas as figuras, desde a simples flor no

cabelo à face sem traços, que guarda a

delicadeza e a feminilidade. O vento que

acaricia o rosto como um acalanto à

explosão do vulcão. A dualidade de

emoções continua ainda no redemoinho do

liquidificador, Figura 26, à frase ao lado

esquerdo que diz “somos livres pra sonhar,

deixa levar... solta no ar!” indicada na seta

em vermelho

FIGURA 26 Recorte da Prancha de Ambientação

Para a exposição Devoções de Nhá Chica, realizada no Museu de Arte Sacra

de São João del-Rei esculpi a representação de Nossa Senhora da Conceição,

Figura 27 e 28, a peça foi inspirada na Vênus de Botticelli, destaca o

movimento e a torção do corpo.

FIGURA 27 e 28. Vênus. 2013; cerâmica

36

Até mesmos nas peças modeladas a partir de placas na disciplina de

Modelagem e Conformação Cerâmicas, Figura 29, é presente o movimento por

meio de torção.

FIGURA 29

Porta sabonete líquido. 2012; cerâmica

Em 2013, sob orientação de Kléber José da Silva, professor do curso de Artes

Aplicadas modelei uma peça maior do que as anteriores. A proposta seria

trabalhar o tema Asas para uma futura exposição em conjunto com outros

alunos do curso.

Pensei em algo que dialogasse com o tema. Asas me sugeria liberdade,

leveza, viagem. Naquele momento pensei em algo que remetesse a uma

viagem, não em seu sentido figurado, mas em algo psicológico.

37

A peça resultante desse tema foi a escultura de uma mulher que folheava um

grande livro, sentada sobre ele, aludindo a viagem através do conhecimento.

O título dessa obra me veio somente agora em 2014, em homenagem à grande

cientista de Alexandria, Hipácia.

FIGURA 30

Estudo realizado a partir de modelo vivo

38

FIGURA 31

Hipácia, ainda em etapa de modelagem.

Hipácia não resistiu a primeira queima, em que chamamos de queima de

biscoito. Durante a queima que realizamos a gás, ela veio a estourar. Teve

fraturas nas pernas e ombros, que podem estar ligadas à velocidade da subida

da temperatura ou mesmo a bolhas de ar que poderiam estar na parede da

peça. Este ainda não será o fim, pois pretendo restaurá-la a frio com o auxílio

de cola rápida tipo gel. Depois será encerada com betume e posteriormente

polida com escova ou pano macio.

39

4. JARDIM CERÂMICO

A série Flores, surgiu na disciplina de Processos Alternativos em Cerâmica, a

partir da proposta de criar um conjunto de flores para uma intervenção em

frente a igreja São Francisco, prevista para o dia 26 de julho de 2014 em São

João del-Rei,. O projeto recebe o nome de Jardim Cerâmico e tem como

organizadores Kléber José da Silva e Cristiano Lima, ambos professores do

curso de Artes Aplicadas da Universidade Federal de São João del-Rei, UFSJ.

4.1. Flores, uma intervenção poética

Flor é um tema recorrente na arte, como história da humanidade e da vida

cotidiana.

No Egito era de comum uso de flores nos sepultamentos, cerimônias religiosas,

banquetes e até eram oferecidas como presente aos visitantes. No Japão é

presente nas cerimônias religiosas. Na Idade Clássica, se fazia presente nos

capitéis Coríntios junto às folhas de acanto. No estilo gótico mostrava sua

graça nas rosáceas que iluminavam as gigantescas catedrais, no Barroco se

mostrou junto aos detalhes decorativos num estilo que primava a

grandiosidade, o movimento e a contorção das formas.

As flores presente na Art Nouveau, as belas formas orgânicas exploradas por

Alphonse Mucha encantaram a Europa. As cores suaves, a leveza e o

movimento dos traços e a mulher como tema central recorrente na obra de

Mucha é presente influência na minha série Flores.

40

FIGURA 32

Alphonse Mucha,Cartaz Bières de la Meuse, litogravura. 1987(FOUNDATION Mucha)

FIGURA 33

Alphonse Mucha, Monaco-Monte Carlo, litografia. 1897 (FOUNDATION Mucha)

41

Penso, não somente como símbolo de beleza e feminilidade, mas vejo

também a flor como fertilidade ligada ao mágico ciclo da vida. Assim como foi

considerada mágica a mulher na pré-históricas. Pois tinham o poder de gerar

filhos.

Durante muito tempo a mulher fora venerada, estava ligada diretamente a

fertilidade, a germinação da terra e a maternidade. Era a Grande Mãe.”São

lhes prestada honra por sua qualidade de dar e manter a vida: do seu ventre

surge o grande mistério, e tudo volta a ela.” (Getty.1997 p.5 apud LEME. 2009

p. 35)

O homem ainda não entendia o seu papel na geração dos filhos, viviam todos

juntos e as crianças eram filhas de todos, como numa grande família. No

período Neolítico, quando começou a domesticar animais, passa-se a observar

que as fêmeas que estavam apartadas dos machos, não geravam.

Logo o homem percebe que ele faz parte da geração dos filhos. O pior é que

começam a pensar que eles são os únicos responsáveis, as mulheres passam

a ser são consideradas como meros recipientes que carregam o filho. Seu

papel passa ser a da procriadora e mantedora dos herdeiros do patriarca. A

figura da Grande Mãe, a deusa passa a dar lugar ao patriarca, o deus

masculino.

A mulher do papel da grande mãe passa a ser inferiorizada, a origem da

mulher passa a ser ligada ao homem, como no cristianismo e na mitologia

grega.

Na mitologia grega a mulher foi criada por Zeus para vingar de Prometeu que

entregou o fogo aos homens, visto assim como castigo. Os cristãos acreditam

na criação da mulher através da costela de Adão, o primeiro homem. Sendo

assim dependente dele. Eva, a mulher de Adão, come do fruto proibido e dá ao

marido, por isso ambos são amaldiçoados. Ela com dores de parto e ele com o

castigo do trabalho para sustentar a família. Eva, a primeira mulher, carrega em

si o peso do pecado.

42

A imagem da grande mãe só aparece tempos depois na figura da Virgem

Maria, a mãe do filho de Deus. A devoçaõ à mãe de Cristo é tradição nas

culturas cristãs e tema recorrente na obras de arte. Representada na maioria

das vezes com olhar terno voltados para o filho.

Na obra Mãe e filho - Subsistência, Figura 34, de minha autoria, destaco

também a beleza do encanto materno. A mãe olha ternamente o filho

adormecido.

FIGURA 34

Ana Cristina, Mãe e filho – Subsistência. Concurso de Presépio 2013 (foto com recorte, peça em

ponto de osso)

Todos os esforços para se obter igualdade com o sexo oposto vem sendo

compensados lentamente. A ideia de fragilidade e incapacidade feminina está a

cair. As mulheres já não são somente as donas de lares, já conquistaram o

mercado de trabalho –não em todas as culturas- e ocupam altos cargos antes

legados somente aos homens.

O projeto Jardim Cerâmico a meu ver celebra a maravilha da vida através do

momento mágico e efêmero representado por 300 flores, de vários estilos e

43

personalidades. Que ficarão expostas somente um dia, quem passar por lá terá

a oportunidade de levar por um valor simbólico (quinze reais) a que flor que

agradar. Esse valor será a semente, que junta a todas a outras serão doadas à

instituição de caridade.

Cada flor criada para esse projeto, guarda uma personalidade, um modo

diferente de ser.

44

4.1.1. Botão de Rosa

A primeira flor da série, é o Botão de Rosa, Figura 35 e 36, a intenção é

remeter à menina moderna, ainda adolescente. Desabrochando para a vida,

cheia de sonhos, desejos. Ela é uma menina cheia de atitude, tem os pés

descalços e a saia remete a leveza do seu caminhar.

O movimento dos pés denota o espírito inquieto, assim como a escultora

Camille Claudel fora em sua época.

FIGURAS 35 e 36

Botão de Rosa. 2014; cerâmica, 2 vistas

45

4.1.2. Copo de Leite

A flor Copo de Leite, Figuras 37, 38 e 39, representa a mulher mãe, aquela

que cuida, nutre e amamenta os filhos. Ela é também a mulher recatada.

FIGURAS 37, 38 e 39

Copo de Leite. 2014; cerâmica; 3 vistas

46

4.1.3. Hibiscus

O Hibiscus, Figuras 40, 41 e 42, representa a mulher livre do convencionalismo

da moda, ela usa um body estilo anos 60 e chinelos confortáveis aos pés.

Frida Kahlo é um exemplo dessa mulher que não se importa com a opinião

alheia e tem estilo próprio.

FIGURAS 40, 41 e 42

Hibiscus. 2014; cerâmica; 3 vista

47

4.1.4. Flor selvagem

O movimento pétalas ressalta a luta, o espírito inquieto e a personalidade

forte das mulheres. A Flor Selvagem, Figuras 43, 44 e 45, homenageia Camille

Claudel, sua coragem e determinação para dedicar ao que mais gostava, a

escultura. Mesmo a contragostro da mãe, por se tratar de ser um trabalho

ligado ao gênero masculino.

A flor selvagem foi inspirada no trabalho da artista Aliny Mirely, Figura 46, que

tem por temática as flores do campo.

48

FIGURAS 43, 44 e 45

Flor Selvagem. 2014; cerâmica; 3 vistas

FIGURA 46

Aliny Mirely. Flor do Mato; 2014; cerâmica

49

4.1.5. Orquídea

A sensibilidade e a delicadeza feminina é representada pela Orquídea, Figuras

47, 48 e 49, lembra-me a obra de Berthe Morisot, em que as cenas domésticas

são trabalhadas com sutil tonalidades

e graciosa pincelada.

FIGURAS 47, 48 e 49

Orquídea. 2014; cerâmica; 3 vistas

50

4.1.6. Margarida

A margarida é uma flor que adapta a vários tipos de solo. A obra Margarida,

Figura 50, 51 e 52, representa a capacidade da mulher em contornar os

problemas da vida. Assim como Frida Kahlo, é o exemplo de superação, essa

artista teve uma vida cercada de dor e sofrimento, mas nunca deixou de lutar.

Pintava seus quadros até mesmo quando estava presa a uma cama.

A bota é para dar a segurança de que pode caminhar em qualquer solo, pois

seus pés estão protegidos.

Margarida, foi a única das 12 flores da série que teve fratura em uma das

pétalas. Fiz uma colagem a frio para a junção das partes, talvez seja também

por esse detalhe que eu tenha relacionado com o nome de Frida, em referência

ao acidente que ela sofrera.

51

Figura 50, 51 e 52, Margarida. 2014

2014;cerâmica; 3 vistas

52

4.1.7. Rosa

A Rosa, Figuras 53, 54 e 55, é uma flor delicada, mas com espinhos.

Representa as mulheres que desafiaram a sociedade patriarcal. Artemísia

Gentilesch lutou para que seu talento fosse reconhecido, numa época em que

o gênero masculino dominava o mercado de arte. Os espinhos são os anos em

que a obra de Artemísia ficou esquecida. A Rosa também remete ao Barroco,

movimento do qual ela fazia parte.

Figuras 53, 54 e 55. Rosa. 2014; cerâmica; 3 vistas

53

4.1.8. Estrelítizia

A Estrelítzia, Figuras 56, 57, 58 e 59, é uma representação que sugere a ideia

de mulher leve, livre e solta, o chinelo dá liberdade para o caminhar. Judy

Chicago é a Estrelítzia, pois deixa de lado o sobrenome do pai, afim de não

carregar sobre si o domínio masculino. Sua identidade é a cidade Chicago,

essa que leva junto ao seu nome.

54

Figuras 56, 57, 58 e 59, Estrelítzia. 2014; cerâmica; 4 vistas

55

4.1.9. Orelha de Pau

Eva, a primeira mulher segundo o livro de Gênesis, tem sua origem a partir da

costela de Adão. Ou seja, só depois do homem é que ela vai existir, denotando

aí sua dependência. A orelha de pau depende de outro organismo para surgir,

a árvore.

A obra Orelha de Pau, Figuras 60, 61 e 62, representa a mulher que ainda

carrega sobre si o domínio do gênero masculino.

56

Figuras 60, 61 e 62, Orelha de Pau. 2014; (argila em ponto de couro); 3 vistas

57

4.1.10. Amor Perfeito

O Amor Perfeito é representado por uma grávida, considero a gestação o

momento mágico na vida de uma mulher. A obra Amor Perfeito, Figuras 63, 64 e

65, é também a síntese do Jardim Cerâmico, pois é a flor fertilizada, símbolo da

vida e da geração dos frutos.

Essa flor, como diz o nome, carrega dentro de si o amor perfeito, o da mãe e o

filho.

58

Figuras 63, 64 e 65, Amor

Perfeito. 2014; (argila em ponto

de couro); 3 vistas

59

4.1.11. Flor Singela

A Flor Singela, Figuras 66, 67 e 68, é uma homenagem a todas as mulheres.

Os pés apoiados um sobre o outro representa conforto, tranquilidade,

segurança e confiança.

60

Figuras 66, 67 e 68, Flor Singela. 2014; (argila em ponto de couro); 3 vistas

61

4.1.12. Tulipa

A Tulipa, Figuras 69 e 70, é a única que está calçando sapatos de salto alto,

símbolo da elegância feminina. Relaciona a uma mulher moderna que trabalha

e cuida da casa. Representa os obstáculos vencidos e a conquista da

igualdede entre gênero no mercado de trabalho.

Figuras 69 e 70, Tulipa. 2014; (argila em ponto de couro); 2 vistas

62

4.2. Do tema ao processo criativo

As imagens seguintes é o início do processo de desenvolvimento do tema para

o projeto.

Figura 71. Estudos de copo de leite e tulipa. Desenho a lápis sobre papel, 2014

63

Figura 72. Estudo para rosa e estrelítzia. Desenho a lápis sobre papel, 2014

Figura 73. Estudo para flores sintetizadas. Desenho a lápis sobre papel,

2014

64

Nas figuras de 71 a 73 estava pensando em flores e sustentação no vergalhão,

detalhes estéticos e harmônicos. Mas o resultado ainda não me agradava,

parecia que faltava algo para completar essas formas. Na figura 74 começo um

ensaio com inspiração na figura humana. Mas é no inverter da figura 74 que

veio a idéia, o vestido lembrava uma flor desabrochando, Figura 75.

Figura 74. Estudos sugerindo formas humanas

Figura 75. Recorte da figura 74 invertida, detalhe da saia sugerindo

uma flor.

65

A partir dessa observação, Figura 76, inseri a imagem da mulher dentro da flor,

como se as pétalas fossem a saia.

Figura 76

Logo no início da modelagem das peças, me veio à mente, a noiva do artista

da cidade de Cunha, Luciano Almeida.

66

5. METODOLOGIA

5.1. Preparação da massa

Foi trabalhada uma série de 12 peças com

aproximadamente 25 cm de altura. O

material utilizado para modelagem das

quatro primeiras foi argila reciclada. As

outras 8 foram modeladas a partir de uma

massa de paperclay1.

O paperclay foi feito com caixa de ovos

picada e argila reciclada.

Pesei 20 gramas de papel seco de caixa de

ovos e adicionei 1,5 litros de água.

Figura 77, liquidificador doméstico

Em um liquidificador doméstico, Figura

77, coloquei o papel e a água e bati por 3

minutos em velocidade baixa.

Coloquei para escorrer em uma peneira,

Figura 78, e deixei até sair o excesso de

água.

Depois de escorrida a água, a polpa de

papel pesava 255 gramas, adicionei 3400

gramas de massa de argila.

1 Massa cerâmica feita a partir de argila e papel moído.

Figura 78, peneira

67

Sovei a mistura de polpa de papel e argila até que ficasse homogênea. Depois

disso, a massa já estava pronta pra modelagem.

Dessa receita, pode se dizer que, a proporção de polpa de papel é 7,5 % da

massa da argila.

5.2. Molde Para que a produção fosse mais rápida, preparei um molde de gesso para a

reprodução das pernas. O molde tem 30 cm, Figura 79, é leve e possibilita ser

apertado com as mãos para a melhor junção das duas partes.

Figura 79. Molde em gesso com 2 tacelos.

5.3. Moldagem A moldagem é feita por prensagem, Figura 80. Primeiro abre-se uma placa com

o auxílio de um rolo de macarrão.

Figura 80, abertura de placa

68

Em seguida, Figura 81, a placa é

colocada sobre o molde e prensada

com o auxílio dos dedos.

Figura 81, prensagem.

Depois que as placas de argila já foram

prensadas sobre as duas partes do molde,

Figura 82, retira-se o excesso com o auxílio

de uma espátula.

Figura 82

Com o auxílio de um fio de corte, Figura

83, retira-se o restante das sobras de

argila.

Figura 83

Com uma escova são feitas hachuras nas

duas partes do molde, Figura 84, para

evitar trincas nas áreas de junção durante

secagem e a queima.

Figura 84

69

Feita a junção do molde, Figura 85,

aguarda-se dez minutos para

desmoldar.

Figura 85

Abre-se o molde e retira a peça,

Figura 86.

Figura 87

A peça recém saída do molde, Figura 87, deve ser apoiada para evitar

deformação.

Figura 86

70

Se após colocar a peça na vertical, Figura 88, e ela se manter estável, já esta

no ponto para acabamento.

Com o auxílio de um fio de corte, Figura 89,

retiro as sobras.

Depois de retirar as arestas,

modelo os pés, Figura 90.

Figura 90

Figura 88 Figura 89

71

Já modelada, Figura 91, coloco para

descansar sobre o apoio de

espumas ou pedaços de argila.

A peça é colocada em um suporte com um pino,

Figura 92, para manter a peça em pé e evitar que

ela se mova durante a modelagem.

A peça já está preparada para

receber as pétalas, Figura 93.

Figura 93

Figura 91

Figura 92

72

Para aperfeiçoar a produção e reduzir o tempo de trabalho, trabalhei junto as

três últimas peças da série. Deixei uma peça já desmoldada descansando e

outra dentro do molde enquanto preparava as pétalas da peça da direita,

Figura 94.

Recortei as pétalas, Figura

95, uma a uma de uma

placa de argila.

Figura 95

Figura 94

73

Hachurada as duas partes, pétala e peça, juntam-nas e coloca um apoio, que

deverá ficar até que a fique firme.

Cada pétala adicionada é apoiada com espuma ou argila, Figuras 96 e 97.

Colocada a terceira pétala,

modelei a beirada das

pétalas e com o auxílio de

uma espátula foi feito os

detalhes.

Figura 96 Figura 97

Figura 98

74

É necessário fazer pequenos furos

com o auxílio de uma agulha, no

caso, usei um arame. Os furos

devem atravessar a peça.

Essa prática evita que a peça

estoure durante a queima, pois se

houver alguma bolha de ar na parede

da peça, ela irá sair.

Depois tampei os furos com uma

espátula até deixar a superfície lisa,

Figura 100.

A peça nesse ponto está pronta pra

aplicar o engobe. Apliquei a cor

marrom só nas pernas, para aproveitar o contraste da cor natural da argila

Figura 100

75

Para a segunda flor, as pétalas já estavam

descansando sobre um molde, Figura 101.

Figura 101

Retirei do molde e fiz um furo

circular no centro da flor, Figura

102.

Figura 102

Cortei um pedaço do corpo da peça, Figura

103.

Figura 103

Hachurei e juntei o corpo à flor,

acomodei as pétalas com espuma e

deixei para secar, Figura 104.

Figura 104

76

Depois da peça seca, foi para o forno elétrico para a queima. A temperatura

atingida foi 980°C, Figura 105.

Figura 105, Margarida. 2014, cerâmica

77

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise da história de vida das artistas, podemos perceber que:

Artemísia Gentileschi, Frida Kahlo, Berthe Morisot e Camille Claudel tiveram o

apoio do pai. Desse modo, vemos que dependeram do aval masculino para

que seguissem a carreira de artistas. Ressalto ainda que se fosse a mãe que

as autorizasse, correriam o risco de serem impedidas pela figura do pai. Nota-

se que o peso poder do gênero masculino foi o fator determinante para que

tivessem oportunidades no mundo das artes.

Artemísia era filha do pintor Orázio Gentileschi e Frida Kahlo filha de um

importante fotógrafo, ambos ligados ao meio artístico, fato que considero

importante na decisão do apoio do pai. Se eles não tivessem algum interesse

em arte as apoiariam?

Nota-se também que as origens para a dominação masculina é derivada da

queda do matriarcado. Nessa época a figura da mulher estava relacionada à

magia, ao encantamento da fertilidade e da reprodução. Sendo assim,

consideradas deusas.

É totalmente estranho imaginar que a mulher de deusa foi considerada bruxa e

queimadas em fogueiras.

Finalizamos, deixando aqui para nosso leitor a fala da artista Mary Beth

Edelson, citada pelo historiador Michael Archer, em Uma História Concisa da

Arte Contemporânea:

“Os símbolos arquétipos ascendentes do feminino desdobram-se hoje na psique da Mulher Comum moderna. Eles abrangem as multiplas formas da Grande Deusa. Retornando através dos séculos, tomamos as mãos de nossas Irmãs Ancestrais. A Grande Deusa, viva e sã, levanta-se para anunciar aos patriarcas que seus 5000 anos estão no fim. Aleluia! Aqui vamos nós.” ( EDELSON, apud ARCHER. 2001 p. 94)

78

Obras Futuras

O trabalho plástico ainda desdobrará em uma próxima série em que irá ser

explorado o movimento e as torções a fim de representar a dor e o sofrimento

que as mulheres tem sido submetidas há séculos.

79

7. REFERÊNCIAS

Livros e Catálogos

GÊNESIS. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 1999. Cap. 2:22-23, p. 4.

I CORÍNTIOS. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Geográfica, 1999. Cap. 14:34-35, p. 203.

ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: Uma História Concisa; tradução Alexandre Krug, Valter Lellis Siqueira. São Paulo; Martins Fontes; 1ª edição. 2001 p.94

HIGONNET, Anne. Berthe Morisot. New York; Ed. Harpe Collins. 1991

JARRASSÉ, Dominique. Rodin, A Passion for Movement. Ed Pierre Terrail

PINACOTECA do Estado. Antoine Bourdelle Esculturas. São Paulo; Imprensa Oficial. 1998. 3000 exemplares

WOOLF, Virgínia. Um teto todo seu. 2ª ed. Rio de Janeiro; Ed. Nova Fronteira. 1985. 152p.

Teses

LEME, Flávia. Mulheres Recipientes: Recortes poéticos do universo feminino nas Artes Visuais. 2009 342f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade do Estado de São Paulo. UNESP. Disponível em: <http://www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto-Artes/dissertacao_flavia_lemealmeida.pdf> Acesso em: 05 de junho de 2014.

Filmes

ORGULHO e Preconceito. Direção: Joe Wright. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul Webster. Intérpretes: Keira Knightley; Matthew Macgagen; Brenda Blethyn e outros. Roteiro: Deborah Maggarch. Reino Unido: Universal Studio, 2005. DVD. Cor. 129 min

RAZÃO e Sensibilidade. Direção: Ang Lee. Intérpretes: Kate Winslet; Emma Thompson; Hugh Grant; Alan Rickmsn e outros. Roteiro: Emma Thompson. Reino Unido: 1995. Cor. 136 min.

80

SHAKSPEARE Apaixonado. Direção: John Madden. Intérpretes: Gwyneth Paltrow; Joseph Fiennees; Jud Dench; Geoffrey Rusch: Tom Wikinson e outros. Roteiro: Marc Norman; Tom Stoppard. Reino Unido: 1998. Cor. 123 min.

RIO da Lua. Direção: Deepa Mehta. Produção: David Hamilton. Intérpretes: Seema Biswas; Lisa Ray; John Abraham e outros. Roteiro: Deelpa Meheta. Canadá/India: 2005. Cor. 117 min.

SAGAN, Carl. Cosmos. Quem pode salvar a terra? Direção: Adrian Malone. Produção: Carl Sagan Productions. Apresentador: Carl Sagan. 1980. 13º Episódio. Série (60min). Disponível em: < http://youtu.be/xh0RHQzjZKU> Acesso em: 02 de junho de 2014.

Websites

BROOKLYN Museum. Disponível em <http://www.brooklynmuseum.org/eascfa/dinner_party/place_settings/artemisia_gentileschi.php> acesso em 20 de junho de 2014

BROOKLYN Museum. Disponível em <http://www.brooklynmuseum.org/eascfa/dinner_party/teachers/Dinner_Party_Edu_resources.pdf> acesso em 20 de junho de 2014

RODIN Musée. Disponível em <http://www.musee-rodin.fr/en/rodin/educational-files/rodin-and-camille-claudel>acesso em 21 de junho de 2014

QUEM foi Frida Kahlo. Época Cultura. Disponível em:< http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT512470-1661,00.html > acesso em 21 de junho de 2014.

CONHEÇA O Veado ferido de Frida Kahlo. Universia Brasil. 2013. Disponível em <

http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2013/07/02/1034150/conheca-veado-ferido-frida-kahlo.html> acesso em 22 de junho de 2014

ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=obra&cd_verbete=3386&cd_obra=1628&> acesso em 21 de junho de 2014

FOUNDATION Mucha. Disponível em <http://www.muchafoundation.org/gallery/themes/theme/advertising-posters/object/52> acesso em 25 de junho de 2014