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A mulher e o direito cidadePublicado porAutoras Convidadas
Texto de Dbora de Arajo para as Blogueiras Feministas.
Direito cidade um direito coletivo, no qual o interesse comum sobrepe os interesses particulares de
forma que as pessoas possam usufruir de maneira democrtica e digna do espao urbano. Aproveitar o
que a cidade oferece, como parques, praas e at mesmo usar do transporte pblico faz parte das
inmeras vivncias possveis, legitimadas pela ideia de que a cidade, como a moradia, a sade e
educao faz parte do que chamamos de Direitos Humanos. Dessa forma, o espao urbano deveria ser
uma forma de agregar e receber todos os cidados, independente da idade, sexo, orientao sexual, raa,
deficincias fsicas ou restries de mobilidade. Porm, no isso o que acontece.
Esbarramos em uma crescente privatizao do espao pblico que tem como consequncia a segregaourbana, afastando determinados setores sociais da vivncia da cidade, deixando esta a ser aproveitada
apenas por aqueles que possuem maior poder econmico. As pessoas esto sendo cada vez mais
marginalizadas e afastadas do centro das cidades, onde, em regra, acontecem as relaes polticas,
sociais e culturais. Dessa forma, o que era pra ser um espao comum de convivncia, trabalho e lazer se
tornou mais um elemento apropriado pelo mercado.
Quando linhas de nibus que ligam zonas distantes so cortadas em finais de semana h uma clara
mensagem do Poder Pblico de que as pessoas que moram em regies com pouco interesse ao capital
so pouco bem-vindas ao centro da cidade em momentos de cio e recreao, sendo permitida e
viabilizada sua passagem ali apenas para fins de trabalho e/ou comerciais. O fechamento de parquespblicos outro exemplo que acaba por empurrar jovens em momentos de lazer para shoppings e demais
centros comerciais em suas horas de lazer. Tendemos a perceber a cidade como cenrio, mas ela no
esttica, um organismo dinmico e complexo que reflete os valores da sociedade. Ento, se a sociedade
exclui pessoas, a cidade tambm o far de diversas maneiras.
evidente que as pessoas de baixa renda e outros grupos sociais marginalizados no tem sua parcela do
direito a cidade reconhecida. Pessoas com deficincias, dificuldade de locomao ou que utilizam cadeiras
de rodas enfrentam inmeras barreiras para atravessar uma rua. Homossexuais no podem demonstrar
afeto em pblico. Transexuais tem que lutar para utilizar banheiros pblicos. Dentro das diversas barreiras
sociais criadas cada uma tem sua especificidade. o caso da mulher. Se as cidades se mostram pouco
democrticas, a situao para a mulher tambm no boa.
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As relaes de poder e controle comuns do espao privado no sistema patriarcal se reproduzem no espao
pblico. A cidade, em vez de representar a autonomia da mulher, ser o lugar da liberdade como para os
homens, acaba se tornando mais uma forma de opresso de gnero. A vivncia da mulher no espao
urbano diferenciada e mais precria do que a do homem. comum em cidades termos pequenos nichos
de recreao e produo de culturas marginalizadas pela sociedade, como a africana e a LGBT, mas qual
o espao das mulheres? Onde nas cidades em que vivemos podemos de fato criar, ser, viver? Temos
necessidades especficas que precisam ser atendidas, mas devido a sub-representao na poltica egesto das cidades acabamos por ter nossas demandas subjugadas e ignoradas. As cidades no esto
preparadas para receberem as mulheres, e muitas de ns, como consequncia, acabam se excluindo
desses espaos por diversas razes como segurana, mobilidade, infraestrutura, etc.
A questo da segurana pblica central quando falamos de uso do espao pblico. Um dos maiores
motivos pelos quais as mulheres evitam estar nos centros urbanos, principalmente desacompanhadas e
em determinados horrios, o medo da violncia, dos assaltos e principalmente da violncia sexual. Ao
no frequentarmos determinados locais, ou no andarmos sozinhas noite por medo, estamos tendo
nosso direito de ir e vir violado. No basta que possamos, formalmente, estar em certo espao em certa
hora ao contrrio do que acontece em muitos pases preciso que tenhamos condies materiais deo faz-lo. Ruas desertas, escuras, so um obstculo a nossa autonomia nas cidades.
A violncia sexual um problema de dimenses extremas, no qual nenhuma de ns est livre de sofr-la.
Constantemente fazemos escolhas, escolhas que apenas mulheres fazem, de ir em determinado local e se
expor ao perigo ou nos privarmos de fazer algo. As cantadas tambm so um modo de intimidao e
constante lembrete de que no pertencemos a esse espao o pblico. A violao de nosso direito a
cidade acontece todos os dias quando samos para estudar, trabalhar, nos divertir. Nossas experincias
dirias so apenas mais uma manifestao do sistema patriarcal, das relaes de gnero. A violncia
domstica, exclusiva do espao privado, se adapta ao espao pblico as relaes de gnero se
reproduzem independente de onde se encontram. Tambm possvel notar como a segurana disponvelnas cidades projetada para proteger prdios, agncias de bancos e demais construes com valor
econmico do que de fato proteger as pessoas: a valorizao da propriedade privada acima do bem estar e
segurana dos cidados.
Julho/2014 Manifestantes em ato contra o Vago Rosa na capital paulista. Foto de Marlene
Bergamo/Folhapress.
http://noticias.bol.uol.com.br/fotos/imagens-do-dia/2013/08/01/veja-fotos-dos-protestos-em-sao-paulo.htm?fotoNavId=pr10557114#fotoNavId=pr11941242http://noticias.bol.uol.com.br/fotos/imagens-do-dia/2013/08/01/veja-fotos-dos-protestos-em-sao-paulo.htm?fotoNavId=pr10557114#fotoNavId=pr119412427/25/2019 A Mulher e o Direito Cidade
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Os problemas de violncia so intensificados pela precariedade da mobilidade urbana. A ausncia de
transporte pblico de qualidade, acessvel e seguro mais um fator que contribui para a segregao das
mulheres. Pegar nibus, metr, se tornou uma tarefa difcil para as mulheres. Poucas linhas, alto custo da
passagem, pouca infraestrutura e funcionrios mal treinados so algumas das razes que impedem as
mulheres de viver a cidade ao seu mximo. As encoxadas, a forma mais cotidiana de assdio sexual em
transportes pblicos, se tornou a pauta nos veculos de comunicao e nos governos estaduais. A
soluo? Vages exclusivos de mulheres. Diversas cidades, entre elas So Paulo, Rio de Janeiro e
Braslia j possuem esses vages. O que seria a soluo do problema na verdade a segregao demulheres usurias do transporte pblico. A resposta do poder pblico poderia ser diferente, fossem as
mulheres de fato ouvidas na questo. Poderia ser investido dinheiro em campanhas educativas sobre
machismo e violncia sexual, aumento das linhas de metr de modo a comportar todos os usurios de
maneira razovel, funcionrios treinados para lidar com o problema, maior segurana, etc. Porm, essas
solues custam dinheiro, demandam pessoal qualificado e prazos mais longos para ver resultados
pareceu mais proveitoso culpabilizar e segregar a mulher do que implement-las.
Avenidas fechadas, praas pouco movimentadas, ausncia de telefones pblicos para casos de
emergncias uma realidade vivida por todos, mas especialmente custosa a ns, mulheres. O centro
urbano onde acontece o trabalho produtivo, esse que associado ao homem e de contedo financeiro,
ao passo que o trabalho reprodutivo continua sendo exclusividade feminina e do espao privado. Logo, no
de se espantar que as cidades estejam pouco preparadas para nos receber, elas no foram feitas nem
por ns, nem para ns.
Alm disso, temos um problema transversal: cidades que no so preparadas para receber crianas no
so preparadas para receber mulheres. O motivo? Ainda vivemos em uma sociedade que delega a mulher
a total responsabilidade no cuidado dos filhos. Ausncia de creches pblicas, assentos preferenciais para
gestantes e mes de colo criam uma indisposio e condicionam mulheres que so mes a evitarem os
centros urbanos. Fora o preconceito ridculo com quem amamenta em pblico.
Quando falamos de Direito Cidade estamos tambm falando de gesto democrtica das cidades, no qualtodos podem participar na criao e manuteno do espao urbano. Mas no sistema poltico atual,
mulheres e outros grupos sociais marginalizados no tem voz e lugar nessas decises. As pessoas que
decidem sobre os espaos pblicos geralmente no sentiram o medo de andar na rua a noite, ou no
sabem o que um contato ntimo e indesejado em um nibus. Como podemos ter nossos problemas
resolvidos quando no somos ns a diz-los e apontar solues? Nossa participao no sistema politico
est diretamente relacionada ao poder de andar livremente sem temer a violncia sexual, ao pegar nibus
sem que represente um rombo em nosso oramento e mais uma oportunidade de sermos oprimidas. Ter
locais onde podemos levar nossos filhos garante que esses espaos tambm possam ser ocupados por
ns.
A Constituio da Repblica de 1988 foi bem sucedida em enumerar um rol de direitos humanos, com
inovaes tais como o direito cidade, mas falhou ao no criar mecanismos e garantias materiais para
efetivao desses direitos. Lembrando que a prpria existncia formal de tais direitos no texto
constitucional se deve a grande mobilizao e organizao popular. a sociedade civil organizada em
conjunto com movimentos populares que garantem que nossas demandas sejam atendidas pelo Poder
Publico.
Tambm cabe pautar a descentralizao dos centros da cidade. O espao urbano est organizado de modo
que toda produo cultural, econmica e politica, alm dos espaos comuns de convivncia, sejam
centralizados em locais especficos, geralmente distantes das reas perifricas, dificultando o acesso depessoas que dependem do transporte pblico para chegar ao centro das cidades. Dessa forma, feito uma
seleo das pessoas que podem ou no usufruir do que as cidades tem para oferecer.
nossa tarefa pensar e debater o modelo de cidade que queremos. No podemos deixar que a opresso
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28/07/2015
que por sculos nos marcou no espao privado do lar, nos siga quando formos a rua. As relaes de
gnero, marcadas por controle e submisso das mulheres, no podem ser reproduzidas na cidade.
Queremos participar dos processos de deciso para que absurdos como o vago rosa no se repitam para
que a segurana dos cidados seja valorada acima da segurana de prdios. Para isso, o debate da
Reforma Politica surge como uma proposta, uma vez que a sub-representao feminina no sistema politico
a razo de no termos nossas vozes ouvidas, nossas demandas atendidas e nossas bandeiras de luta
efetivadas. Devemos lutar por uma cidade democrtica, segura, onde possamos ir onde quisermos, usar o
que quisermos, fazer o que quisermos, sem que isso nos exponha a alguma forma de violncia e/ouconstrangimento.
Autora
Dbora de Arajo militante do Levante Popular da Juventude e estudante de direito da UFMG.
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Autoras Convidadas
Somos vrias, com diferentes experincias de vida. A gente continua essa
histria do Feminismo nas ruas e na rede.
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