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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3337
“A MULHER SÁBIA EDIFICA A SUA CASA”: PALAVRAS IMPRESSAS DE UMA EDUCADORA CRISTÃ NO ESPAÇO
PÚBLICO METODISTA (1949-1968)
Priscila de Araujo Garcez1
A história das mulheres é, de uma certa forma, a história do modo como tomam a palavra. Mediatizada, de início, ainda pelos homens que, por intermédio do teatro e, mais tarde, do romance, se esforçam por fazê-las entrar em cena. Da tragédia antiga à comédia moderna, elas são, muitas vezes, apenas porta-vozes deles ou o eco das suas obsessões. (DUBY; PERROT, 1993, p. 10)
A citação em epígrafe diz muito sobre o modo como as mulheres foram tratadas ao
longo da História: quase sempre afastadas dos papéis de protagonistas, mantidas no silêncio
da vida doméstica e invisibilizadas na historiografia. Seus atos não integram os registros nos
documentos (substantivo masculino) que divulgam e enaltecem grandes feitos daqueles que
tiveram maior destaque; o que não significa dizer que as mulheres não fizeram ou fazem
História. Ainda que incipientes, os registros de suas ações e formas de pensar aparecem nas
fontes (substantivo feminino) que as escondem nas escritas íntimas de diários, cartas ou
mesmo nas revistas de circulação coletiva, voltadas a um público eminentemente feminino:
“Quantitativamente escasso, o texto feminino é estritamente especificado: livros de cozinha,
manuais de pedagogia, contos recreativos ou morais constituem a maioria.” (PERROT, 1988,
p. 186) Assim, elas se destacaram como escritoras de impressos de moda, religiosos ou sobre
quaisquer temáticas aceitas como concernentes ao universo das mulheres. Ainda, conforme
Perrot (2015), suas escritas apresentam, principalmente, as histórias de si mesmas: “as mãos
falam por elas”, basta um olhar atento às fontes para que se faça o relato que é a história das
mulheres (p. 36).
O modo como Judith Tranjan tomou a palavra em sua relação com os impressos
direcionados às crianças, professores da Escola Dominical2 e às sociedades internas de
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPED/UERJ). Orientanda da Profª Drª Ana Chrystina Venancio Mignot. E-Mail: <[email protected]>.
2 A Escola Dominical é uma prática religiosa e educacional muito valorizada pelos metodistas na organização de suas igrejas e remonta ao protestantismo inglês do século XVIII. Os alunos são divididos em classes de acordo com a faixa etária, sendo produzidos materiais impressos específicos de estudos bíblicos com orientações doutrinárias e teológicas. A análise sistemática das Escrituras Sagradas é conduzida por professores preparados pedagógica e teologicamente para tal fim. (ALMEIDA, 2015).
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mulheres3 revela um pouco da “história de si mesma”, do que era, em parte, considerado
aceitável como “liberdade” de inserção púbica da mulher protestante associado a um modelo
feminino de participação nas igrejas para o aperfeiçoamento intelectual e espiritual de
públicos específicos através, especialmente, das práticas educativas. Nesse sentido, a
metodologia para a produção deste artigo ancora-se, do ponto de vista teórico, na perspectiva
da biografia modal de Levi (2006) que considera a trajetória individual reflexo das
características de um grupo maior: comportamento, status, pensamento, práticas, dentre
outros, integram valores partilhados coletivamente que influenciam nas concepções, escolhas
e práticas individuais. As temáticas dos impressos escritos por Judith demonstram que suas
ações e pensamentos estavam coadunados majoritariamente às do grupo com o qual
professava a mesma fé: os metodistas.
A relação entre protestantismo e educação já tem sido vivenciada desde o movimento
da Reforma, iniciado por Martinho Lutero em 31 de outubro de 1517, na Alemanha, fazendo
uso da imprensa como um dos recursos pedagógicos para as atividades de proselitismo e
instrução da população. De acordo com os protestantes, a palavra de Deus está materializada
na Bíblia Sagrada, desse modo, a imprensa serviu como mais um meio de divulgação de suas
doutrinas e práticas: “A imprensa é o último dom de Deus e o maior. Efetivamente, por meio
dela, Deus quer dar a conhecer a causa da verdadeira religião a toda terra até os confins do
mundo.” (LUTERO apud GILMONT, 2002, p.47)
Martinho Lutero, ao empreender a Reforma Protestante no século XVI, escreveu
propostas para um sistema educacional que criou oportunidades de acesso das mulheres às
palavras escritas. Nas escolas alemãs de orientação protestante, elas estudavam menos tempo
que os meninos para se dedicarem às atividades relacionadas aos cuidados domésticos a fim
de governar a casa e educar bem os filhos. (BARBOSA, 2007) Apesar das disparidades na
organização do tempo escolar, sua iniciativa de coeducação dos sexos pode ser considerada
progressista para a época, levando em consideração as parcas oportunidades de acesso das
mulheres à educação formal. A respeito de uma escola voltada às meninas, na cidade de
Wittenberg, Alemanha, Barbosa (2007) discorre sobre o currículo:
O currículo dessa escola incluía aulas todos os dias na semana, exceto no domingo, sendo que a manhã era destinada para o aprendizado da leitura, a
3 As sociedades internas também são originárias da Inglaterra do século XVIII e agrupam os fiéis por faixa etária, não mais para a catequese e sim para a divisão de tarefas e o convívio social. A Sociedade de Mulheres é dirigida às maiores de 35 anos e ocupa papel de destaque nas Igrejas Metodistas por representarem espaços amplos de participação social e política, além de terem auxiliado na solidificação do metodismo. Demais composições: Sociedade de Homens (homens acima de 35 anos), Sociedade de Jovens (rapazes e moças entre 18 e 34 anos) e Sociedade de Juvenis (meninos e meninas dos 11 aos 17 anos. (ALMEIDA, 2015)
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prática da leitura e a repetição do que havia sido lido, e, após o almoço, elas aprendiam a escrever; em seguida cantavam os salmos e supunha-se que aprendessem os números e algumas noções de aritmética. As manhãs de quarta-feira e sábado eram destinadas para o aprendizado dos Catecismos. (p. 32)
Ao defender o livre exame da Bíblia, Lutero preconizava o acesso às palavras escritas
por meio da democratização da escolarização para melhor interpretação das Escrituras
Sagradas. Para isso, era necessário que os fiéis, independente dos sexos, estivessem
minimamente alfabetizados e, os professores, altamente preparados para o trabalho com a
instrução e catequização dos alunos.
Na esteira do século XIX, nos Estados Unidos, as igrejas protestantes norte-americanas
também valorizavam a formação das mulheres, em especial, das missionárias responsáveis
pela instrução e conversão de infiéis para além do território norte-americano. Entre os
presbiterianos, por exemplo, as mulheres desempenharam papel importante na
evangelização e educação:
As Igrejas Protestantes Presbiterianas do norte dos Estados Unidos, mais progressistas que as do sul, foram pioneiras ao enviarem para o Brasil várias missionárias - educadoras, que começaram a desenvolver seus trabalhos a partir da década de 1870 nas escolas paroquiais que foram criadas com o objetivo de apoiar o trabalho missionário. Essas missionárias, que já participavam ativamente na sociedade dos Estados Unidos como educadoras, trouxeram uma bagagem de sólida formação acadêmica e métodos de ensino inovadores para a época, como o método intuitivo e a coeducação dos sexos, exercendo uma certa influência para modernização do sistema educacional brasileiro, oferecendo às meninas e meninos das pequenas vilas do interior a oportunidade de receber alguma instrução nas escolas paroquiais. Diante da escassez de professoras na época, as missionárias representaram uma contribuição para o desenvolvimento do ensino e, em alguns casos, foram consideradas exemplos, com seus métodos pedagógicos inovadores. (FIGUEIREDO, 2003, p. 2)
Nesse sentido, as estratégias de convencimento dos protestantes iniciaram-se com as
palavras, cabendo ao texto impresso fazer circular o pensamento desse grupo religioso. As
mulheres desempenharam papéis importantes na propagação das doutrinas e conquista de
fiéis, pois tiveram acesso a uma escolarização pensada nas tarefas eclesiásticas a elas
dispensadas. A atuação de Judith Tranjan como escritora de impressos religiosos inseriu-se
nessa lógica protestante de educação que “[...] deixou sua contribuição às mulheres ao
possibilitar sua instrução e profissionalização através do magistério, adentrando os espaços
públicos, uma via de acesso ao poder, a conquista de um meio de reconhecimento
profissional e independência financeira.” (FIGUEIREDO, 2003, p. 5) Nessa perspectiva,
houve um sistema de legitimação, um caminho que facilitou, inicialmente, a inserção de
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Judith na Escola de Professores do Instituto de Educação em 19324, momento no qual as
taxas de analfabetismo da população brasileira eram altíssimas. Formou-se em 1939 e foi
admitida como professora na Escola Primária da mesma instituição, por suas excelentes
notas, em 1940, trabalhando na mesma escola até a aposentadoria. Da mesma forma que
Judith Tranjan (2015) e também seus seis irmãos (duas mulheres e quatro homens) tiveram
acesso pleno à escolarização, podemos supor que, em certa medida, o fato de seus pais
congregarem em uma igreja protestante (Metodista) influenciou no encaminhamento
educacional de todos os filhos, independente dos sexos: “A escolarização das meninas é mais
atrasada que a dos meninos, principalmente nos países católicos. Sob esse ângulo, o
protestantismo, que promove uma leitura da Bíblia pelos dois sexos, é muito mais igualitário.
(PERROT, 2015, p. 43)
Nas denominações5 batista, presbiteriana e congregacional, há registros na
historiografia protestante sobre mulheres que tiveram oportunidades de participação nas
igrejas e fora delas como missionárias, musicistas, humanitárias, poetisas, professoras,
diretoras de escolas, filantropas, escritoras e tantas outras funções consideradas “próprias do
universo feminino.” No metodismo, nomes como Marta Watts (1848-1909), Anna Gonzaga
(1861-1932), Eunice Weaver (1902-1969), Cynthia Kidder (1818-1840), Jennie Kennedy (?-?),
Otília Chaves (1897-1983) e Eula Long (1891-1979) permeiam a literatura metodista como
exemplos de mulheres que se destacaram no espaço público secular e religioso, com
atividades ligadas à educação, missionação e filantropia.
Inicialmente, os homens foram um obstáculo à participação das mulheres na vida
pública através do trabalho missionário. O silêncio das mulheres pregado pelo apóstolo Paulo
era entendido não somente em relação ao púlpito, mas em todos os âmbitos da sociedade. Os
Estados Unidos viviam movimentos de direito das mulheres, de emancipação e de educação
feminina que encontraram resistências dentro das igrejas, com a fala de pastores, escritores,
conferencistas, ministros religiosos e demais indivíduos que consideravam que existia uma
divisão natural de papéis sociais entre homens e mulheres. Algumas mudanças começaram a
acontecer na segunda metade do século XIX na vida religiosa, que passou a ser o centro da
vida comunitária. Os encontros campais congregavam homens, crianças e mulheres, estas
últimas, viam nessas reuniões a possibilidade de sair dos limites domésticos para cantar,
4 Conforme Fausto (2002), o índice de analfabetos caiu de 69,9% em 1920, para 56,2% em 1940. A partir desses dados, podemos inferir que, em 1932, ano que Judith ingressou no Instituto, o acesso à leitura e escrita ainda era privilégio da minoria.
5 O termo denominação é empregado segundo Israel Azevedo (1996) como uma forma específica e histórica que uma igreja protestante assume conforme suas tradições.
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rezar, ou simplesmente se reunir com seus pares. Essas mulheres começaram a desempenhar
trabalhos autônomos de arrecadação de fundos para atividades de filantropia, ajudavam
escolas, hospitais e igrejas. Assim, começaram a adquirir experiência em assuntos
administrativos, políticos e na pregação religiosa. Outro campo de atuação importante foi o
trabalho missionário feminino nas diferentes igrejas; as sociedades missionárias começaram
a ver a necessidade de profissionalização dessa atividade partindo de uma formação que
capacitasse essas mulheres para a evangelização na África, Ásia e América Latina. (SILVA,
2008)
Para Michele Perrot (2015), as religiões monoteístas serviram aos interesses da
autoridade de gênero, atribuindo à vontade divina a dominação “natural” do masculino sobre
o feminino. As mulheres protestantes, em especial, as metodistas citadas podem ser
consideradas, dentro das limitações da época, pioneiras na abertura de uma via de
emancipação feminina. Essas “vozes femininas”, no dizer de Almeida (2014)6, representaram
mulheres que não se contentaram em permanecer caladas e deixaram legados para as igrejas
protestantes e sociedades de suas épocas, especialmente em atividades ligadas à educação e
escrita de impressos.
Educando pelas palavras: uma mulher metodista escritora de impressos
Ainda mais do que o espaço material, é a palavra e a sua circulação que modelam a esfera pública [...] A ideia de que a natureza das mulheres as destine ao silêncio e à obscuridade está profundamente arraigada em nossas culturas. Restritas ao espaço do privado, no melhor dos casos ao espaço dos salões mundanos, as mulheres permaneceram durante muito tempo excluídas da palavra pública [...] Sem o poder, como as mulheres ganharam influência nas redes durante tanto tempo dominadas pelos homens? Primeiro, pela correspondência, depois pela literatura e, por fim, pela imprensa. Ainda que permaneçam restritas a tarefas subalternas, elas se inseriram em todas as formas do escrito. (PERROT, 1998, p. 59)
A participação mais ativa das mulheres protestantes nas igrejas sugere que, em certa
medida, é adequado considerar que não estiveram “destinadas ao silêncio”. Os acessos à
escolarização e ao espaço público eclesiástico representaram um ganho para elas, mas em que
medida proporcionaram uma liberdade plena de pensamentos e práticas?
Para Perrot (1998), a imprensa como última instância de inserção feminina no mundo
das palavras escritas iniciou-se na “Grã-Bretanha, mas também na França e na Itália,
6 Devido às limitações deste artigo, não foi possível enfocar detalhadamente as mulheres protestantes das denominações elencadas, em especial, as metodistas citadas. Para maiores detalhes, consultar ALMEIDA, Rute Salviano. Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro. São Paulo: Hagnos, 2014.
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primeiro na imprensa de moda, como redatoras e até como diretoras” (p.80). Originalmente,
as mulheres escreviam sobre/para mulheres, talvez, por esta ser considerada uma atividade
mais adequada às “características naturais femininas” que cumpria com a conservação da
autoridade masculina, veiculada, principalmente, pelas religiões cristãs.
Na esfera protestante, o projeto educativo da Igreja Metodista entendia que “a eficácia
da utilização da imprensa residia não somente na possibilidade de informação, mas no texto
enquanto veículo social de transmissão de sentido [...]” (ALMEIDA, 2015, p.118) A
participação das mulheres metodistas como escritoras de impressos é bastante significativa,
principalmente naqueles direcionados às crianças e mulheres. Existiam condutas esperadas
dessas mulheres que justificaram sua inserção no mundo dos impressos religiosos e a
consequente transmissão de sentidos aos públicos destinados: a educação dos filhos,
subordinação ao marido, cuidados com o ambiente doméstico e idoneidade moral.
Judith Tranjan seguiu o “protocolo esperado” que a tornou mulher pública
protestante: formou-se na Escola Normal, estudou piano, casou-se em 1950, aos 32 anos e
teve três filhos. Conciliou os afazeres do lar com a docência na Escola Primária do Instituo de
Educação e as atividades na igreja. Suponho que a formação em magistério7 tenha
possibilitado a participação como escritora de impressos para professoras e crianças e, o
casamento8, a produção de textos para as mulheres. Segundo Pinsky (2015), nos anos de
1950, o Brasil viveu um período de ascensão da classe média com o crescimento urbano e a
industrialização pós Segunda Guerra Mundial. Essa conjuntura econômica possibilitou
oportunidades educacionais para homens e mulheres, porém, ainda persistiram claras
distinções entre os papéis masculinos e femininos:
[...] a moral sexual diferenciada permanecia forte e o trabalho da mulher, ainda que cada vez mais comum, era cercado de preconceitos e visto como subsidiário ao trabalho do homem, o “chefe da casa”. Se o Brasil acompanhou, à sua maneira, as tendências internacionais de modernização e de emancipação feminina – impulsionadas com a participação das mulheres no esforço de guerra e reforçadas pelo desenvolvimento econômico -, também foi influenciado pelas campanhas estrangeiras que, com o fim da guerra, passaram a pregar a volta das mulheres ao lar e aos valores tradicionais da sociedade. Na família modelo dessa época, os homens tinham autoridade e poder sobre as mulheres e eram os responsáveis pelo sustento da esposa e dos filhos. A mulher ideal era definida a partir dos papéis
7 Conforme Bastos (2015), as escolas de formação de professoras foram profícuas na produção de impressos periódicos estudantis desde as primeiras décadas do século XX. A esse respeito, podemos supor que a passagem de Judith pelo Instituto de Educação entre 1932 e 1939 a tenha influenciado em sua inclinação para a escrita de textos.
8 Acredito que para escrever para a Revista Voz Missionária naquela época, o casamento era condição sine qua non, visto que era um impresso direcionado às “mulheres”, diferente das “moças” que possuíam uma revista chamada Flâmula Juvenil, direcionada às Sociedades de Jovens.
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femininos tradicionais – ocupações domésticas e o cuidado dos filhos e do marido – e das características próprias da feminilidade, como instinto materno, pureza, resignação e doçura. Na prática, a moralidade favorecia as experiências sexuais masculinas enquanto procurava restringir a sexualidade feminina aos parâmetros do casamento convencional. (p. 608-609)
Foi nesse contexto de papéis especificados que Judith participou como colaboradora de
dois impressos para crianças (Revista do Curso Intermediário da Escola Dominical e revista
Bem-te-vi), um para professores (Revista do Professor da Escola Dominical) e um para
mulheres (Revista Voz Missionária). Essas revistas circularam (as revistas Bem-te-Vi e Voz
Missionária ainda são utilizadas nos dias atuais) nas Igrejas Metodistas de todo o Brasil
divulgando textos com “leituras sadias” que visavam à doutrinação e edificação dos fiéis de
acordo com o destino natural de homens e mulheres.
A Revista do Professor da Escola Dominical (1949 – 1951) era um periódico trimestral,
com viés didático, que continha sugestões pedagógicas para os professores da infância que
atuavam nas Escolas Dominicais. Judith Tranjan foi uma das colaboradoras desse impresso
prescrevendo orientações didáticas para esses docentes que iam desde a criação de um
ambiente facilitador da aprendizagem até o planejamento da aplicação das lições. A Revista
do Curso Intermediário (1949 - 1951), voltada à Educação Religiosa das crianças evangélicas
brasileiras (entre 9 e 11 anos), também era trimestral e apresentava lições bíblicas para as
Escolas Dominicais aliadas às temáticas sobre obediência aos pais e professores, amizade,
gratidão, temperança, esforço, higiene e tantas outras relacionadas à boa conduta das
crianças protestantes. Vinculados ao Programa do Conselho de Educação Religiosa da
Confederação Evangélica do Brasil9, os dois impressos refletiam os ideais de moralização e
civilização norte-americanos com doutrinas relacionadas às mudanças de comportamentos e
condutas com o objetivo de tirar o Brasil da ignorância espiritual e do atraso cultural.
Ninguém melhor do que os meninos para receber a catequização, visto que o versículo bíblico
registrado em Provérbios 22: 6 “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até
quando envelhecer não se desviará dele” explica, em parte, o investimento feito pelos
metodistas na doutrinação das crianças, tendo a crença na educação dos pequenos como
justificativa para embasar projetos e práticas onde se nota a atuação de diversos sujeitos do
meio metodista como educadores, em sintonia com as causas educacionais da sociedade.
9 Fundada em 1934, a Confederação Evangélica do Brasil, sediada no Rio de Janeiro, era um órgão de representação dos protestantes que promovia a cooperação entre as principais igrejas do país, como a presbiteriana, metodista, luterana e congregacional. Em 1964, foi fechada em consequência das perseguições do Regime Militar. Dentre os pontos que englobavam sua missão, três mostravam explicitamente o caráter educativo de seu trabalho: obra de Educação Religiosa, alfabetização de adolescentes e adultos e o ensino religioso evangélico nas escolas públicas.
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O termo “Educação Religiosa”, adotado pela Confederação Evangélica Brasileira, parece
não ter caído no gosto dos metodistas, pois, segundo Lazier (2010), para a Igreja Metodista a
educação sempre se apresentou de três formas: a secular, desenvolvida pelas instituições de
ensino confessionais mantidas pela Igreja; a teológica, que acontece no âmbito das
faculdades de teologia e a intitulada cristã, realizada no interior das igrejas locais e
congregações, seja na Escola Dominical ou em outros segmentos da igreja. Conforme Mattos
(2000), na década de 1930, foi criada a Junta Geral de Educação Cristã, o maior órgão
responsável pela implementação de ações educacionais, motivadoras, mobilizadoras,
articuladoras e organizativas das igrejas metodistas em favor da Escola Dominical, o que
reforça a predileção desse grupo pela palavra “cristã”. O conceito de Educação Religiosa
parece ter tido um sentido mais restrito, vinculando-se às práticas educativas
denominacionais, desenvolvidas de acordo com as especificidades de cada igreja protestante.
O entendimento sobre Educação Cristã adquiriu características mais abrangentes, visto que
cultivava “os ideais ecumênicos do Cristianismo”, considerando cada protestante “membro
da Igreja Universal”. (ANDERS, 1949) Nesse sentido, faço referência à Judith Tranjan como
educadora cristã, levando em consideração a concepção dos metodistas sobre essa categoria
de educação desenvolvida na esfera eclesial, apesar do termo não constar na legislação
educacional da época como modalidade de ensino. Na Constituição de 1946, por exemplo, o
Ensino Religioso era uma disciplina escolar, ministrada no âmbito das escolas, não fazendo
referência a quaisquer práticas desenvolvidas nas igrejas.
A revista Bem-te-Vi foi fundada em 1922, como um periódico voltado ao público
infantil brasileiro, inicialmente. O exemplar da Bem-te-vi de novembro de 1948 contém uma
atividade feita por Judith, intitulada “Carta Enigmática”, composta de uma carta escrita pelo
personagem Joãozinho para a sua mãe contando sobre uma viagem feita à cidade de Belém.
Além de exaltar as belezas naturais da nação brasileira, o texto continha diversas lacunas
para que as crianças preenchessem os antônimos das palavras destacadas entre parênteses. A
partir de 1967, a Bem-te-Vi passou a ser utilizada especificamente para a doutrinação das
crianças metodistas nas Escolas Dominicais e sua abrangência estendia-se para além do
território brasileiro:
Publicada pela Imprensa Metodista, a Revista apresenta um ciclo de vida longo, sendo publicada até os dias de hoje, porém com outro perfil. Quando de seu nascimento, destinava-se às crianças, especialmente às cristãs, independentemente da denominação religiosa. A partir de 1967, o projeto editorial da Revista foi revisto e a Bem-te-vi assumiu um caráter instrumental voltado à catequese metodista, tendo sua destinação especificamente voltada para uso nas aulas das escolas dominicais. De
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acordo com Leila F. Epps, redatora dos anos iniciais da Bem-te-vi, a circulação da Revista atravessava todo o território brasileiro, indo do Amazonas ao Rio Grande do Sul, ultrapassando, inclusive, as fronteiras do país rumo [...] à Argentina, Chile, Bolívia, México, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França, Suíça, Portugal e a África Portuguesa. (PANIZZOLO, 2014, p. 4)
A Revista Bem-te-vi trabalhava com a normatização das condutas infantis a partir de
princípios religiosos pautados em ideais civilizadores, de modo a educar novos
comportamentos dos pequenos:
[...] em suas páginas eram transcritos contos infantis, relatos da mitologia grega, poemas de autores nacionais e, principalmente, de autores norte-americanos e ingleses [...] Obediência, valorização do trabalho e do estudo, cuidados higiênicos e o exercício da caridade eram temas que mais se repetiam nas revistas. (ALMEIDA, 2015, p. 170-171)
Conforme Perrot (1988) a potência civilizadora é atribuída à mãe. Dessa forma,
justificava-se a atuação predominante de mulheres como escritoras de impressos infantis e
para professoras das crianças das Escolas Dominicais. As lições e prescrições escritas por
Judith Tranjan para os impressos em que colaborou apresentam alguns elementos da sua
prática pedagógica como docente na Escola Dominical, prática esta, pautada em parte, no
conhecimento adquirido em uma instituição secular considerada modelo: o Instituto de
Educação.
A professora Judith Tranjan também escreveu para a revista Voz Missionária, criada
em 1929, com sua primeira edição publicada pela Imprensa Metodista, a título de
experiência, em 1930. A revista, direcionada às mulheres metodistas, foi considerada uma
das primeiras exclusivamente femininas da época. O nome Voz Missionária expressava o
compromisso das mulheres com o trabalho missionário, com a missão de evangelizar e
informar. Localizei vinte artigos escritos por Judith, entre os anos de 1952 e 1968, que
abordavam temáticas relacionadas a um ideal de comportamento feminino nas vidas cristã e
secular, sinalizando o lugar de uma mulher que escrevia para outras mulheres. Os textos de
edificação do público feminino mostravam-se prescritivos, em linguagem pessoal, denotando
proximidade com as leitoras.
Ademais, os conteúdos inerentes ao universo das mulheres pressupunham um viés
educativo ao proporem ensinamentos sobre a boa conduta, pontualidade, fofoca, gratidão,
dedicação aos filhos e marido, cuidados com o ambiente doméstico, boas maneiras, dentre
outros que apontavam para o lar como espaço prevalecente de atuação da mulher. Esse lugar
social de subordinação ao marido, aos filhos e afazeres domésticos era justificado pelo
versículo bíblico “a mulher sábia edifica a sua casa, a tola a leva à destruição.” (PROVÉRBIOS
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14:1). Nesse sentido, os metodistas entendiam que a doçura do lar deveria refletir-se no
mundo exterior para propiciar uma sociedade mais civilizada e equilibrada, pautada nos
valores morais cristãos.
O panorama das temáticas dos impressos indica que, ao enveredar pela vida pública
religiosa como professora da Escola Dominical e, principalmente, como escritora, Judith
Tranjan reproduzia comportamentos ideais esperados das mulheres na igreja e sociedade:
docência para crianças, resignação para com a maternidade, educação dos filhos,
responsabilidades domésticas, submissão ao marido e conduta moral ilibada.
A inserção das mulheres protestantes em funções eclesiásticas outrora destinadas aos
homens possibilitou uma liberdade restrita, visto que a projeção no espaço público, uma
importante via de emancipação feminina, na época estava condicionada à diferenciação entre
papéis masculinos e femininos. O modelo ideal cristão para as mulheres coincidia vida
privada e religiosa. Outro modo de vida era mal visto e pernicioso, podendo corromper os
bons costumes e os valores da família. Leila Epss (apud ALMEIDA 2015) afirma que:
[...] a civilidade no país era resultado da conduta de suas mulheres, cabendo a elas grande parte da responsabilidade na elevação ou na depressão moral de um povo. Para o metodista, o padrão moral de uma nação nunca se elevaria acima do padrão moral das mulheres. (p. 173)
Sendo assim, a fatia maior de responsabilidade pela boa moral metodista recaía sobre
as mulheres, que deveriam ser boas mães, donas de casa e esposas. As inserções no
magistério da igreja e em atividades de liderança de crianças, Sociedade de Mulheres,
assistência social, missões, e tantas outras já destacadas na primeira parte deste artigo, eram
admitidas e valorizadas por colocarem a mulher na posição privilegiada de civilizadora ao
educar crianças e outras mulheres. O magistério nas igrejas, em particular, nas Escolas
Dominicais, passou a ser considerado uma tarefa natural de mulheres por associar-se às
práticas “naturalmente femininas”, reflexo do pensamento de uma sociedade que consolidava
os ideais republicanos, na segunda metade do século XX:
Se o destino primordial da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o magistério representava, de certa forma, “a extensão da maternidade”, cada aluno ou aluna vistos como um filho ou uma filha “espiritual”. O argumento parecia perfeito: a docência não subverteria a função feminina fundamental, ao contrário, poderia ampliá-la ou sublimá-la. Para tanto seria importante que o magistério fosse também representado como uma atividade de amor, de entrega e doação. A ele acorreriam aquelas que tivessem vocação. (LOURO, 2015, p. 450)
Os modelos educacionais adotados pelos metodistas e, demais protestantes,
relacionavam-se ao projeto republicano de civilizar com fatores sociais, políticos e
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econômicos incidindo sobre suas práticas religiosas e educativas. (ALMEIDA, 2015) Os
impressos para os quais Judith Tranjan colaborou como escritora, veiculavam discursos
sobre essas práticas e, principalmente, sobre a maternidade, casamento e dedicação ao lar
como integrantes da essência feminina.
Almeida (2014) ao discorrer sobre as protestantes considera que “[...] a educação e a
religião foram fatores importantes para o desenvolvimento social da mulher [...]” (p. 239).
Entretanto, esse novo lugar social ocupado por Judith era justificado contraditoriamente a
partir de velhos conceitos, sua projeção pública e das demais mulheres protestantes pode ser
considerada uma “não liberdade” na medida em que desenvolveu um movimento ambíguo:
de um lado, uma espécie de ruptura com o “silenciamento feminino”, que de algum modo
oportunizou a atuação mais ativa nos âmbitos eclesial e secular; de outro, através do meio
impresso e das práticas docentes perpetuava-se o discurso sobre os papéis inerentes ao
universo feminino no lar e demais espaços da sociedade como genuinamente designados por
Deus.
Em suma, paulatinamente as mulheres conquistaram o acesso à palavra,
primeiramente, como leitoras e, posteriormente, como escritoras. O papel desempenhado por
Judith Tranjan na escrita de impressos para professores, femininos e infantis sugere uma
projeção pública condicionada ao que se esperava dela e, demais metodistas, na qualidade de
mulheres. Para Perrot (1988), até mesmo o lar, espaço privado, não é feminino, pois o poder
principal da família continuava a ser do pai. Podemos considerar que Judith, ainda que
subordinada ao discurso patriarcal da maternidade, da casa e do matrimônio, rompeu,
através da imprensa, as fronteiras entre o espaço privado e o espaço público. Suas palavras
escritas auxiliam a minimizar o preenchimento da lacuna historiográfica sobre o papel das
mulheres protestantes no movimento de emancipação feminina, no período de 1940 a 1960.
Considerações finais
O versículo bíblico “a mulher sábia edifica a sua casa [...]” representava, para os
protestantes, um lugar social da mulher que tinha o lar por referência para a circulação de
prescrições e práticas de teor moral que interferiam, diretamente, nos padrões de
comportamentos e pensamento da sociedade. Como escritora de impressos, Judith atuava
sobre crianças, professores e mulheres por meio da palavra, a partir de discursos veiculados
no âmbito do pensamento protestante, em especial, da Igreja Metodista. Sua atuação pode
ser considerada uma via de projeção pública feminina justamente por reproduzir e perpetuar
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um ideal de mulher aceito entre esse meio religioso. Desse modo, Judith Tranjan esteve
subordinada às práticas e discursos do grupo maior no qual estava inserida.
A partir das temáticas dos impressos dos quais foi colaboradora, podemos depreender
que o conceito de liberdade feminina para Judith Tranjan era restrito, pois foi livre para
escrever o que era esperado dela: práticas civilizadoras (de crianças e mulheres), filantropia,
magistério, submissão ao esposo, cuidados com a casa, os papéis de cada membro na família
e ideais da moral e dos bons costumes, conforme o destino “natural” das mulheres.
Cabe ainda destacar que o fato de Judith e, demais mulheres protestantes citadas,
terem tido uma formação/atuação no campo educacional secular e religioso nos fornece
elementos significativos para pensar o viés instrutivo como importante elemento de coesão
doutrinária, no qual religião e educação apresentavam-se como práticas indissociáveis.
Assim, Judith desempenhava duplo papel enquanto educadora cristã: por um lado, educando
nas páginas de impressos que lhe davam uma projeção pública, e, de outro, reproduzindo o
discurso patriarcal de uma instituição religiosa que ainda conservava aspectos da ordem e do
poder masculinos, na metade do século XX.
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Biblioteca da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo
Revista Bem-te-Vi. São Paulo: Imprensa Metodista, novembro de 1948. Revista Voz Missionária. São Paulo: Imprensa Metodista, 1952-1968.
Entrevista
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