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A mulher sedutora Não, não pensem necessariamente em peitos e bunda! Sim, eles são levados em consideração, mas sozinhos jamais tornarão uma mulher sedutora. E o mais cruel, eles possuem um auge, mas esse auge passa com o tempo. E o tempo vai passar, todos nós sabemos, alguns fingem não saber. Um corpo escultural desacompanhado de requisitos psicológicos não é mais que uma boneca inflável massageadora de ego e produzida em série nas academias, clínicas estéticas e consultórios de cirurgiões plásticos – o sistema reprodutor do padrão de beleza vigente movido pelo lucro, fazendo de pessoas, objetos. Atenção, aqui me refiro a estética exacerbada além do caráter, como fator único de ascensão social, de destaque, de promoção pessoal. Não ignoro que certos procedimentos ajudam na autoestima, outros são corretivos e necessários, a questão é que tem tanta coisa tão mais importante antes disso, enfim... Penso que uma coisa não exclui a outra, tenham seus corpos perfeitos, mas antes, exercitem o cérebro, malhem nas bibliotecas ou em hobbies culturais, lipoaspirem a ganância e percam os quilos a mais de preconceito, porque estética, sozinha, conduz a uma existência vazia de valores descartáveis, como um orgasmo efêmero e nada mais, nem um carinho depois, nem uma palavra, nem uma risada, nada! Só o silêncio constrangedor marcado pela ausência de sentido e de afinidade, pelo cansaço intelectual de quem sabe que não pode esperar nada além de uma imagem passageira. Ah, sim, você é pós-graduada, lê de Martha Medeiros a Simone de Beauvoir, de Shakespeare a Veríssimo, adora filme francês, não cozinha lá muito bem, mas conhece bons vinhos, sabe que caviar é ova de peixe e por isso tem nojo e que globalização não é um programa de fim de ano da Rede Globo, mas mesmo assim, ironicamente, o seu companheiro insiste em desviar sorrateiramente o olhar quando aquela sósia de panicat passa por vocês! É verdade, ele olha mesmo, sente no âmago o ímpeto de olhar, vem não sei de que gene ancestral essa necessidade, mas acredite também, ele olha, mas está com você, quer estar com você, adora você, te ama. Igualmente é verdade, existem homens idiotas o bastante para eventualmente trocarem você por um protótipo de mulher samambaia ... uns se arrependem, outros não e ainda por

A mulher sedutora

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Crônica sobre uma visão íntima acerca da verdadeira sedução feminina.

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A mulher sedutoraNão, não pensem necessariamente em peitos e bunda! Sim, eles são

levados em consideração, mas sozinhos jamais tornarão uma mulher sedutora. E o mais cruel, eles possuem um auge, mas esse auge passa com o tempo. E o tempo vai passar, todos nós sabemos, alguns fingem não saber.

Um corpo escultural desacompanhado de requisitos psicológicos não é mais que uma boneca inflável massageadora de ego e produzida em série nas academias, clínicas estéticas e consultórios de cirurgiões plásticos – o sistema reprodutor do padrão de beleza vigente movido pelo lucro, fazendo de pessoas, objetos. Atenção, aqui me refiro a estética exacerbada além do caráter, como fator único de ascensão social, de destaque, de promoção pessoal. Não ignoro que certos procedimentos ajudam na autoestima, outros são corretivos e necessários, a questão é que tem tanta coisa tão mais importante antes disso, enfim...

Penso que uma coisa não exclui a outra, tenham seus corpos perfeitos, mas antes, exercitem o cérebro, malhem nas bibliotecas ou em hobbies culturais, lipoaspirem a ganância e percam os quilos a mais de preconceito, porque estética, sozinha, conduz a uma existência vazia de valores descartáveis, como um orgasmo efêmero e nada mais, nem um carinho depois, nem uma palavra, nem uma risada, nada! Só o silêncio constrangedor marcado pela ausência de sentido e de afinidade, pelo cansaço intelectual de quem sabe que não pode esperar nada além de uma imagem passageira.

Ah, sim, você é pós-graduada, lê de Martha Medeiros a Simone de Beauvoir, de Shakespeare a Veríssimo, adora filme francês, não cozinha lá muito bem, mas conhece bons vinhos, sabe que caviar é ova de peixe e por isso tem nojo e que globalização não é um programa de fim de ano da Rede Globo, mas mesmo assim, ironicamente, o seu companheiro insiste em desviar sorrateiramente o olhar quando aquela sósia de panicat passa por vocês!

É verdade, ele olha mesmo, sente no âmago o ímpeto de olhar, vem não sei de que gene ancestral essa necessidade, mas acredite também, ele olha, mas está com você, quer estar com você, adora você, te ama.

Igualmente é verdade, existem homens idiotas o bastante para eventualmente trocarem você por um protótipo de mulher samambaia ... uns se arrependem, outros não e ainda por cima acham bonito, contam vantagem, mas não caia nessa armadilha pós-liberação feminista de que todo homem é igual, ela não corresponde a realidade.

Independente das olheiras pelas noites de insônia e garrafas de Bacardi Big Apple, dos quilos a mais de sorvete e chocolate, dos antidepressivos e ligações desesperadas para as amigas na madrugada, apesar de todos esses e outros efeitos colaterais de fim de relacionamento, não titubeiem em crer... não era pra ser, ou pelo menos não era pra ser mais.

Se foi bom enquanto durou, que bom, mas acabou, não insista, a vida é feita de ciclos; se não foi tão bom assim, comemore e saia pra balada com as amigas. Você terá outra chance e vai tentar, pode demorar uma semana, um mês, um ano, depende de você, mas vai acontecer, você vai tentar novamente, então, não se desespere ou, pelo menos, se desespere com elegância, sem descambar para o melodramático, o lamentável, desmorone sabendo de seu valor, e que o idiota foi ele, ou que não há idiota na história, somos todos navegadores de um mar que conhecemos bem pouco.

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Mesmo porque não vai adiantar fincar pé na trincheira da solidão, do não envolvimento emocional, essa guerra nós, homens e mulheres, perdemos antes mesmo da batalha final. Inadvertidamente vai chegar a hora em que a sua própria companhia, todos os dias, dia e noite, carecerá de outra companhia, e não de qualquer companhia. Os programas com as amigas, por mais divertidos que sejam, começarão a exigir um depois que não seja um urso de pelúcia ou uma transa casual.

Chega uma hora que cansa ter que explicar-se, ainda que rapidamente, por mais despretensiosa que seja a relação de fim de semana, aí você vai querer a compreensão pelo silêncio do olhar.

Enjoa observar hábitos e manias que você odeia e que até mesmo o cafajeste do seu último namorado sabia que tinha que evitar, e ter que dizer, caso você tenha superado certos tabus sexuais e for corajosa, que não é bem ali, é mais pra baixo, mais devagar, agora mais rápido, e tira o dedo daí que você não foi convidado a entrar (ou coloca), ou, o que é mais triste, simplesmente calar-se e partir pra simulação... e, após infrutíferas tentativas, ainda ter que se satisfazer sozinha na penumbra de um quarto vazio!

Você certamente vai encher o saco de ser tida por louca, só porque, depois de umas pegadas calientes e beijos molhados, subitamente mandou o carinha da festa embora e desatou a chorar. Não, você não é louca, só está com a maldita TMP, mas o pobre rapaz não tinha como adivinhar que não era um sórdido joguinho seu. Conhecimento a respeito do outro só vem com o tempo, com jogo limpo e diálogos sinceros.

Então, vejam só, o namoro, o casamento acabou, foi traumático ou nem tanto, ele te traiu ou você traiu ele, não importa, nada disso te define como mais ou menos, você tem que saber quem é, e na complexidade da mente humana, ainda mais da feminina, certamente não foi a ausência de silicone que determinou o fim do relacionamento. Acabou porque incompatibilidades aparecem, nascem, o interesse vai embora, o tesão arrefece, um conjunto infinito de fatores; porque algumas coisas na vida terminam, outras não, inclusive relacionamentos. Faz parte da vida e procurar alternativas não é pecado, é viver. Não há receita infalível, nem fórmula mágica.

Creiam mulheres (porque as meninas não vão acreditar mesmo, pelo menos por um tempo), você são mais do que peitos e bunda.

Então, eis a questão: afinal, o que faz de uma mulher, uma mulher sedutora, irresistível, adorável, linda, interessante?

Como parte desse gênero, dessa manada de cromossomos XX, ouso reafirmar: o buraco é mais embaixo, aliás, neste caso, mais em cima, na cabeça, no cérebro, é pela psique que somos verdadeira e duradouramente fisgados!

Sim, a mulher realmente sedutora sabe, sobretudo, conversar, fala mais que ouve é claro, mas ouve também! Não que seja especialista em futebol (pode até ser), mas tem “peito” suficiente pra dar seu palpite na maior cara de pau, sem fazer a menor ideia do que está falando e também ri daquela coisa idiota que ele disse, mas que foi dita por ele, daquela forma que só ela acha engraçada (bom humor, nos dias de hoje, é fundamental).

Ela sente vontade de dar pra ele ali mesmo, no elevador, no carro, na escada ou, pelo menos, admite, e exige que ele pare num motel ou volte imediatamente pra casa, depois tem vontade de ligar pra dar boa noite e liga (ou envia torpedo), assim como adora receber uma ligação de boa noite (não

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sempre, mas algumas vezes, lembre-se, não há regras infalíveis, não crie estereótipos).

Ela transparece o calor que sente no coração quando ele leva café da manhã na cama, ou flores no trabalho, ou chocolate, ou um beijo na testa q qualquer momento, ela admira e enche os seus olhos de lágrimas quando percebe aquele cara legal que esta com ela discutindo com o vizinho que tratou mal o porteiro, fazendo trabalho voluntário em alguma ONG, catando um cachorrinho de rua ou não jogando lixo no chão, porque, convenhamos, respeito à vida é requisito fundamental, desista de pessoas sem coração, fuja dos arrogantes, evite os esnobes, mande para o capeta os preconceituosos e os que não querem saber de nada e esquecem que vivem num mundo com outras pessoas, animais e plantas, onde deve haver equilíbrio.

A mulher sedutora gosta de pelo menos um gênero de música que ele gosta, ou então nenhum, mas reconhece o esforço desajeitado dele em acompanhá-la no pagode, porque sabe que você adora. Ela não se importa com aquele gracioso ketchup no canto da boca, afinal, a era da aristocracia, das Glórias Kalil já era, não há nenhuma glória em ser superficial e etiqueta é algo que ele gosta de cortar das camisetas, não tem relação nenhuma com educação.

Ela é independente, tem seus planos e objetivos definidos e recebe com prazer o apoio dele para vê-los realizados, tem verdadeira aversão em sequer pensar depender do dinheiro dele e divide as despesas sem achar isso brochante, mas não se importa se, eventualmente, ele fizer questão de pagar tudo, adota a política "uma mão lava a outra". E ela apoia os sonhos e projetos dele da mesma forma.

Ela não gosta, mas sabe lavar uma louça, se for preciso economizar com a diarista. Não se apega a marcas, mas à qualidade (quem tem marca é gado) e prefere ser vista pelo que é, não pelo que aparenta ser.

Deseja chegar a tempo de curtir, não importa se não foi no carro do ano, ou se foi na classe econômica, ela quer a paisagem, o vento, o sol, a onda e pele, e boca! Quer um abraço forte e verdadeiro, como se fosse a única mulher do mundo, mesmo que esse abraço seja dentro de uma barraca em um acampamento e não numa pousada 5 estrelas. Quer um olhar só seu, diante de uma fogueira, ou de uma lareira, e quer o calor do fogo percorrendo o seu corpo em forma de mãos e língua.

Ela seduz com o olhar, a voz e o sorriso mais do que com qualquer outro artifício! Ok, então vamos falar de roupas... Ah, não há Prada, Gucci, Versace mais sensual que um short jeans e uma camiseta que revele seu umbigo, seja numa simples atividade doméstica, estudando sentada no sofá, ou naquele momento em câmera lenta que precede a colisão de dois corpos prestes a fazer amor (sim, é assim que ele enxerga você nessas horas, em slow-motion), ou simplesmente calcinha e a camisa de botão dele... ou nada!

Essa mulher sedutora não está na tela da televisão, embora alguns bons filmes a retratem com honestidade (raramente filmes norte-americanos), ela pertence ao mundo real e muitas vezes esta adormecida dentro de cada mulher, seja pelo medo decorrente dos tombos que se leva na vida, seja por imposições estéticas que poluem nosso senso de beleza, ou em razão de uma sociedade marcadamente machista, que insiste em colocar a mulher numa posição passiva, coadjuvante, de mero deleite e adorno...

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Há, nesse mundo insensato, louco pra tudo, inclusive homens que desejam uma mulher que desempenhe esse papel em suas vidas, e mulheres que se acomodam em desempenhar esse papel.

Não sei... talvez sejam felizes assim, não há regras mesmo e cada um que cuide de sua vida.

De minha parte, isso não me convence, não quero uma sombra, desejo alguém ao lado, não atrás de mim, quiçá brilhando além de mim, iluminando momentos de minha vida, protagonizando um filme em que, por um breve ou longo tempo, atuaremos em várias cenas juntos, criando o enredo, escrevendo o roteiro em coautoria!

Sempre haverá quem diga: Não, mulher custa caro e é pra quem pode! Com o argumento de que elas vocês são delicadas, e merecem o melhor!

Concordo, é encantadora essa delicadeza de forma e de movimento que as caracterizam, mas isso, ao contrário de fazê-las frágeis e submissas, as faz lindas e livres!

As mulheres que sempre me encantaram e que me encantam são assim, possuem asas, um pouco de tudo, são transitórias e permanentes, contraditórias, fortes, perseverantes, em constante transformação, e jamais pertenceram às sombras, não se submetem às contingências, correm atrás de seus amores e desejos e sonhos e se nem tudo ocorre como o planejado, apagam a luz e vão embora, tentar outra vez... porque as mulheres que me encantam são seres de luz própria, não dependem de ninguém... essa é, pra mim, a verdadeira sedução!