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A mundialização do capital Decifrar palavras carregadas de ideologia Capítulo 1 Chesnais, François; Tradução Silvana Finzi Foá – São Paulo: Xamã, 1996. Título original: La mondialisation du capital. O adjetivo global surgiu no começo dos anos 80, nas grandes escolas americanas de administração de empresas, as célebres “business management schools” de Harvard, Columbia, Stanford, etc. Foi popularizado nas obras e artigos dos mais hábeis consultores de estratégia e “marketing”, formados nessas escolas – o japonês K. Ohmae (1985 e 1990), o americano M. E. Porter – ou em estreito contato com eles. Os grandes industriais japoneses, cuja economia continua sendo uma das mais fechadas, mas cujos estão entre os mais internacionalizados do mundo, apoderaram-se dessa expressão para definir sua visão de novo mundo “triádico” que estaria nascendo. Estimular o “globalismo” significa, para eles, fazer o seguinte chamado aos dirigentes industriais e políticos americanos e europeus: vamos parar e brigar por questões menores e bobas, como cotas de importação e e que modo nós manejamos a política industrial, vamos tomar consciência de nossos interesses comuns e cooperar! Termos vagos e ambíguos O termo de origem francesa “mundialização” (mondialisation) encontrou dificuldades para se impor, não apenas em organizações internacionais, mesmo que supostamente bilíngues, como a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas no discurso econômico e politico francês. Isso deve-se, claro, ao fato de que o inglês é o veículo linguístico porexcelência do capitalismo e que os altos executivos dos grupos franceses estão entupidos dos conceitos e do vocabulário em voga nas business schools. Mas também, com certeza, ao fato de que o termo “mundialização” tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos “global” e “globalização”. Entre os países do Grupo dos Sete – EUA, Canadá, Japão, França, Alemanha, Reino Unido e Itália - , os mais fortes julgam ainda poder cavalgar vantajosamente as forças econômicas e financeiras que a liberalização desencadeou, enquanto os demais estão paralisados ao tomares consciência, por um lado, de sua perda de

A Mundialização Do Capital

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A mundialização do capitalDecifrar palavras carregadas de ideologiaCapítulo 1Chesnais, François; Tradução Silvana Finzi Foá – São Paulo: Xamã, 1996. Título original: La mondialisation du capital.O adjetivo global surgiu no começo dos anos 80, nas grandes escolas americanas de administração de empresas, as célebres “business management schools” de Harvard, Columbia, Stanford, etc. Foi popularizado nas obras e artigos dos mais hábeis consultores de estratégia e “marketing”, formados nessas escolas – o japonês K. Ohmae (1985 e 1990), o americano M. E. Porter – ou em estreito contato com eles.Os grandes industriais japoneses, cuja economia continua sendo uma das mais fechadas, mas cujos estão entre os mais internacionalizados do mundo, apoderaram-se dessa expressão para definir sua visão de novo mundo “triádico” que estaria nascendo. Estimular o “globalismo” significa, para eles, fazer o seguinte chamado aos dirigentes industriais e políticos americanos e europeus: vamos parar e brigar por questões menores e bobas, como cotas de importação e e que modo nós manejamos a política industrial, vamos tomar consciência de nossos interesses comuns e cooperar!Termos vagos e ambíguosO termo de origem francesa “mundialização” (mondialisation) encontrou dificuldades para se impor, não apenas em organizações internacionais, mesmo que supostamente bilíngues, como a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas no discurso econômico e politico francês. Isso deve-se, claro, ao fato de que o inglês é o veículo linguístico porexcelência do capitalismo e que os altos executivos dos grupos franceses estão entupidos dos conceitos e do vocabulário em voga nas business schools. Mas também, com certeza, ao fato de que o termo “mundialização” tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos “global” e “globalização”.Entre os países do Grupo dos Sete – EUA, Canadá, Japão, França, Alemanha, Reino Unido e Itália - , os mais fortes julgam ainda poder cavalgar vantajosamente as forças econômicas e financeiras que a liberalização desencadeou, enquanto os demais estão paralisados ao tomares consciência, por um lado, de sua perda de importância e, por outro, do caminho que vão ter de percorrer para “adaptar-se”.“Adaptar-se”, mas ao quê?A globalização é quase invariavelmente apresentada como um processo benéfico e necessário. Os relatórios oficiais admitem que a globalização decerto tem alguns inconvenientes, acompanhados de vantagens que têm dificuldade de definir. Mesmo assim, é preciso que a sociedade se adapte (esta é a palavra-chave, que hoje vale como palavra-de-ordem), às novas exigências e obrigações, e sobretudo que descarte qualquer ideia de procurar orientar, dominar, controlar, canalizar esses novo processo. Com efeito, a globalização é a expressão das “forças de mercado”, por fim liberadas (pelo menos parcialmente, pois a grande tarefa da liberalização está longe de concluída) dos entraves nefastos erguidos durante meio século.Adaptar-se às estratégias privadas das multinacionais?Se o começo do estudo da OCDE dá poucas indicações sobreas características dessa globalização a qual seria preciso adaptar-se, certas, certas passagens seguintes, bem como outros trabalhos dessa organização internacional, têm o mérito de serem absolutamente claros, pelo menos sobre parte dos traços característicos da mundialização.

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Os fluxos de intercâmbio extracorporativo adquiriram importância ada vez maior. O investimento internacional é evidentemente acomodado pela globalização das instituições bancárias e financeiras, que têm o efeito de facilitar as fusões aquisições transnacionais” (OCDE, 1992, p. 21).Um trabalho mais recente da OCDE (1994) adota um enfoque histórico a fim de caracterizar a nova fase da mundialização: “Historicamente, a expansão internacional deu-se sobretudo através através do comércio exterior e sucessivamente, nos anos 80, por um desenvolvimento considerável do investimento direto internacional e da colaboração interempresas.No plano industrial, é então aos novos modos de organização da produção, adotados pelas empresas multinacionais, que deveria se fazer a inevitável adaptação. O problema, já a esse nível, é que a liberalização e a desregulamentação, combinadas com as possibilidades proporcionadas pelas novas tecnologias de comunicação decuplicaram a capacidade intrínseca do capital produtivo de se comprometer e descomprometer, de investir e desinvestir, numa palavra, sua propensão à mobilidade. Agora o capital está à vontade para pôr em concorrência as diferenças no preço da força de trabalho entre um país – e, se for o caso, uma parte do mundo – e outro. Para isso, ocapital concentrado pode atuar, seja pela via do investimento seja pela terceirização.Vantagens da teleinformática para os gruposA teleinformática (às vezes chamada “telemática”) surgiu da convergência entre novos sistemas de telecomunicações por satélite e a cabo, as tecnologias de informatização e a microeletrônica. Ela abriu, às grandes empresas e aos bancos, maiores possibilidades de controlar a expansão de seus ativos em escala internacional e de reforçar o âmbito mundial de suas operações.A teleinformática permite a extensão das relações de terceirização, particularmente entre empresas situadas a centenas de milhares de quilômetros umas das outras, bem como a deslocalização de tarefas rotineiras nas indústrias que se valem grandemente da informática. Ela abre caminho para a fragmentação de processos de trabalho e para novas formas de “trabalho a domicílio”.

Adaptar-se às imposições dos mercados financeiros?A mundialização não diz respeito apenas às atividades dos grupos empresariais e aos fluxos comerciais que elas provocam. Inclui também a globalização financeira, que não pode ser abstraída da lista das forças as quais deve ser imposta a adaptação (irmã gêmea do ajuste estrutural) dos mais fracos e desguarnecidos.Em 1993, só a liquidez concentrada nas mãos dos fundos mútuos de investimento (mutual funds), companhias de seguro e fundos de pensão atingia 126% do PIB dos EUA e 165% do PIB do Reino Unido. No mesmo ano, as administradoras americanas e européias desses fundos (menos de 500, as que realmente interessam) concentravam em suasmãos, sem contar os bancos e fundos japoneses, 8 trilhões de dólares.O ano de 1994 foi marcado por dois acontecimentos da maior importância no plano financeiro. O primeiro foi a alta das taxas de juros americanas.O segundo fato é a queda da taxa de câmbio do dólar.A nova “sabedoria” dos especialistas, infelizmente acompanhada pela maioria dos jornalistas econômicos, com poucas e honrosas exceções, diz que os “mercados” (leia-se os operadores concentrados) “sinalizam” aos governos. Ora, qual seria o sinal da crise do SME (Sistema

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Monetário Europeu) em julho de 1993, tão próxima à anterior? Não seria o anúncio de que os mercados se acostumaram a obter lucros financeiros vultuosos, explorando todas as possibilidades proporcionadas por taxas de câmbio absolutamente flexíveis, e que portanto lhes é intolerável que se mantenha uma faixa de câmbio mesmo que parcialmente regulada , suscetível, eventualmente, de servir de modelo mais geral? E como interpretar o sinal da crise de 1994?México como caso exemplarFortes pressões política externas e internas (abrangendo inclusive as mais do que dúbias condições de Salinas contra Cárdenas, em 1988) foram exercidas durante a presidência de Salinas, para obter do México a total liberalização e desregulamentação de seus mercados monetários e financeiros. Seria fácil sustentar que os operadores financeiros que organizaram os fluxos financeiros para o México e decidiram que tais fluxos assumiriam principalmente (em quase 80%) a forma de compra de títulos (obrigações públicas e privadas e ações), teriam contraído umaobrigação “moral” de estabilidade e de presença duradoura.O desemprego alcançou 25% da população ativa, enquanto os salários sofreram uma perda de poder de compra de 55%,e mais de dois milhões e meio de pessoas caíram abaixo do limite de “pobreza extrema”. Foi esse o preço que os mexicanos pagaram por terem se “adaptado” ao jogo dos mercados financeiros. Mas os “especialistas” de Washington respondem, é claro, que a culpa é só deles, dos mexicanos que não souberam adaprtar-se “bem”, que não entenderam as regras do jogo e que, junto com os outros países em situação parecida, devem ser submetidos a uma tutela ainda mais severa pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) (termos do comunicado final do G7 de Halifax, em julho de 1995).Internacionalização do capital e mundializaçãoEm alta até fins da década de 1970, os trabalhos sobre internacionalização do capital caíram de moda na França, de forma que os estudos anglo-saxônicos sobre “produção internacional” tendem a fazer com que a pesquisa francesa perca a vantagem comparativa que poderia ter obtido com os minuciosos debates anteriores. A ideia subjacente a esta obra é que a mundialização deve ser pensada como uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas.Aspectos importantes da mundializaçãoO IED (Investimento Externo Direto) suplantou o comércio exterior como vetor principal no processo de internacionalização, seu papel é tão importante nos serviços como no setor demanufaturas.O chamado intercâmbio intra-setorial é a forma dominante do comércio exterior. Caracteriza-se pelo intercâmbio intragrupo, no quadro dos mercados privados das multinacionais, bem como por suprimentos internacionis organizados pelos grupos em insumos e produtos acabados.Os grupo industriais tendem a se reorganizar como “empresas-rede”, As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de complexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes grupos a reconciliar a centralização do capital e a descentralização das operações explorando as possibilidades proporcionadas pela teleinformática e pela automatização.O movimento da mundialização é excludente. Com exceção de uns poucos “novos países industrializados”, que haviam ultrapassado, antes de 1980, um patamar de desenvolvimento

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industrial que lhes permite introduzir na produtividade do trabalho e se manterem competitivos, está em curso um nítido movimento tendente à marginalização dos países em desenvolvimento.

A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan.Sem a intervenção política ativa dos governos Thatcher e Reagan, e também doconjunto dos governos que aceitaram não resistir a eles, e sem a implementação de políticas de desregulamentação, de privatização e de liberalização do comércio, o capital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam podido destruir tão depressa e tão radicalmente os entraves e freios à liberdade deles de se expadirem à vontade e de explorarem os recursos econômicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente.A tecnologia e as relações capital-trabalhoBeneficiando-se, simultaneamente, do novo quadro neoliberal e da programação por microcomputadores, os grupos poderam reorganizar as modalidades de sua internacionalização e, também, modificar profundamente suas relações com a classe operária, particularmente no setor industrial.Cada passo dados na introdução da automatização contemporânea, baseada nos microprocessadores, foi uma oportunidade para destruir as formas anteriores de relações contratuais, e também os meios inventados pelos operários, com bases em técnicas de produção estabilizadas, para resistir à exploração no local de trabalho. Em cada fábrica e em cada oficina, o princípio de “learn production”, isto é, “sem gordura de pessoal” (Wornack et al, 1992) tornou-se a interpretação dominante do modelo “ohnista” japonês de organização do trabalho (Coriat, 1992). O sistema “toyotista” de terceirização e o “just-in-time” foram adotados ainda mais rapida e facilmente. Mesmo no Japão, essas técnicas de organização na empresa haviam, desde a origem, servido aos grandes grupos, os que emitem pedidos, para fazer recairsobre as firmas “terceiras” os imprevistos conjunturais e para impor aos assalariados dessas firmas o peso da precariedade contratual, combinado com níveis salariais bem inferiores.A implementação da “produção sem gorduras de pessoal” não elimina o interesse das multinacionais por locais de produção de baixos salários, mas elas não precisam mais deslocar-se milhares de quilômetros para achar esses locais.Evidentemente, os salários no México são superiores aos da maioria dos países do Sudeste Asiático, mas, com a produção flexível e a automatização, os grandes grupos industriais americanos podem “suportar” esse sobrecusto, tendo em contrapartida a imensa vantagem de poderem redirecionar suas operações de terceirização e produção na América do Norte. Na Europa a situação não é diferente.Concentração transfronteiras e oligopólio mundialHá uns quinze anos, a literatura econômica conta com abundância de estudos sobre as imperfeições e ineficiências dos mercados onde os principais operadores são públicos. Queiram nos permitir, neste livro, mudar um pouco o enfoque e apontar os refletores para a concentração à escala da Tríade, bem sobre o oligopólio mundial. Do ponto de vista

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geopolítico, o conceito de oligopólio mundial remete ao que K. Ohrnae (1985) chamou de Tríade, expressão de muito sucesso.Mas o termo “oligopólio mundial” refere-se igualmente ao atual modo principal de organização das relações entre as maiores firmas mundiais. Preferimos defini-lo, não como uma “forma de mercado” ou uma “estrutura de ofertas”, e sim como um “espaço de rivalidade”industrial.É delimitado por um tipo peculiar de relações de interdependência, que ligam o pequeno número de grandes grupos que chegam a adquirir e manter uma posição de concorrente efetivo a nível mundial, em determinada indústria (ou complexos de indústrias de tecnologia genérica comum). Esse espaço é um lugar de concorrência encarniçada, mas também de colaboração entre os grupos.Mundialização e agravamento da polarizaçãoNo enfoque das “business schools”, o termo “global” se refere à capacidade da grande empresa de elaborar, para ela mesma, uma estratégia seletiva em nível mundial, a partir de seus próprios interesses. Esta estratégia é global para ela, mas é integradora ou excludente para os demais atores, quer sejam países, outras empresas ou trabalhadores. A polarização é, em primeiro ligar, interna a cada país. Em segundo lugar, há uma polarização internacional, aprofundando brutalmente a distância entre os países situados no âmago do oligopólio mundial e os países da periferia.Estes não são mais apenas países subordinados, reservas de matérias-primas, sofrendo os efeitos conjuntos da dominação política e do intercâmbio desigual, como na época “clássica” do imperialismo. São países que praticamente não mais apresentam interesse, nem econômico nem estratégico (fim da “guerra fria”), para os países e companhias que estão no centro do oligopólio. São pesos mortos, pura e simplesmente. Não são mais países destinados ao “desenvolvimento”, e sim áreas de “pobreza” (palavra que invadiu o linguajar do Banco Mundial), cujos emigrantes ameaçam os“países democráticos”.À parte o pequeno número de novos países industrializados, que haviam ultrapassado, antes de 1980, um patamar de desenvolvimento industrial suficiente para lhes permitir adaptar-se, com grandes dificuldades (D. Ernest e D. O’Connor, 1989 e 1992), aos novos ritmos de produção de trabalho e se manterem competitivos, bem como uns poucos países associados aos três pólos da Tríade, observa-se uma nítida tendência à marginalização dos países em desenvolvimento.Mas é preciso dar mais um passo e consideerar as implicações das deslocalizações para os países de baixos custos salariais e os fluxos comerciais resultantes. Essas implicações decorrem das relações cuja iniciativa cabe aos grupos industriais e comerciais dos países pertencentes ao oligopólio mundial, que podem assim pôr em concorrência a oferta de força de trabalho em diferentes países.A liberalização do comércio exterior e dos movimentos de capitais permitiram impor, às classes operárias dos países capitalistas avançados, a flexibilização do trabalho e o rebaixamento dos salários. A tendência é para o alinhamento nas condições mais desfavoráveis aos assalariados. As “deslocalizações”, em função das condições que as regem, integram-se ao movimento de polarização e o acentuam, juntando seus efeitos aos da “desconexão forçada” no intercâmbio comercial. Elas não levam a novos “milagres” de tipo coreano. Tais milagres exigem poderosos apoios externos (como a ajuda maciça dos EUA), mesmo quando são passageiros e perfeitamente oportunistas, e sobretudo, intervenções

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ativas, como foio caso da Coréia do Sul.A civilização da mundializaçãoEm seu livro Global Dreams, R. Barnet e J. Cavannagh (1994) esboçam uma análise da civilização do capitalismo mundializado. É a civilização do “bazar cultural mundializado” e do “centro comercial mundializado” (global shopping mall). Isto é certamente importante, para compreender certos aspectos da mundialização; medir o alcance da transformação, ao longo dos anos 80, das chamadas indústrias de “mídia” em campo importantíssimo da valorização do capital (primeiro para os capitais americanos depois para os grupos japoneses). Ao se organizarem para produzir mercadorias cada vez mais padronizadas, sob formas de telenovelas, filmes da nova geração hollywoodiana, vídeos, discos e fitas musicais, e para distribuí-los em escala planetária, explorando as novas tecnologias de telecomunicações por satélite e por cabo, essas indústrias tiveram, ao mesmo tempo, um papel importante em reforçar o nivelamento da cultura e, com isso, a homogeinização da demanda a ser atendida a nível mundial.O condicionamento subjetivo dos habitantes do planeta pela “persuasão” da mídia, bem como o papel especial desempenhado pelos EUA na dominação do imaginário individual e coletivo, leva A. Valladão (1993) a dizer que “o século XXI será americano”. Vai ser preciso esperar algumas décadas para saber se ele está certo ou não. Mas, em termos imediatos, houve, efetivamente, uma notável reafirmação da posição central dos Estados Unidos na dominação capitalista mundial.As raízes do afrouxamento da ordem mundial estão na“incapacidade” – combinada com a recusa – do G7 de oferecer a menor resposta, não apenas aos problemas do desemprego, da miséria econômica e social e da polarização, mas também às profundas perturbações financeiras, que atentam à sua posição de governo de grandes potências capitalistas.A “Grande Transformação”, cinquenta anos depoisEm 1994, Karl Polanyi publicou um livro que teve considerável influência e cuja ressonância ainda é grande.Para Polanyi, o nazismo representava o prolongamento extremado das derivações do sistema. No entanto, seu livro termina com uma grande esperança. No momento em que chegavam ao fim as grandes convulsões da Segunda Guerra Mundial, Polanyi acreditava poder anunciar, com base no keynesianismo e no “new deal”, e também em certos mecanismos da economia de escassez da guerra, o começo de uma nova época.Cinquenta anos depois, estamos nos antípodas das esperanças de Polanyi. Por enquanto, o triunfo da “mercadorização”, isto é, daquilo que Marx considerava “fetichismo da mercadoria”, é total, mais completo do que jamis foi em qualquer momento do passado.O uso da terra, bem como de todos os recursos naturais, renováveis ou não, foi submetido ainda mais estreitamente às leis do mercado e do lucro capitalista. Produtividade é a palavra-chave, mesmo se a CEE (Comunidade Econômica Européia) tem de organizar áreas sem cultivo e desertificadas para abrir o mercado aos concorrentes não-europeus, enquanto milhões de seres humanos não comem à vontade nos países mais ricos e outros milhões de seres humanos passam fome por toda parte nomundo.É verdade que a mercadoria-moeda desapareceu com o desmantelamento de Bretton-Woods (Sistema Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, estabeleceu em julho de 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados do mundo) e a “desmonetização” do ouro. Mas sua substituição por uma “moeda de crédito” -

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que é certamente uma “moeda de espírito”, portanto produção humana – não subtraiu a moeda do “mercado auto-regulador”. Pelo contrário, permitiu-lhe exercer, no campo financeiro, uma tirania sem igual.Organização deste livroA noção de internacionalização tem caráter genérico. Inclui o comércio exterior, o investimento externo direto e os fluxos internacionais do capital que mantém a forma monetária. Hoje pode até ser ampliada, passando a incluir “as entradas e saídas de tecnologias, seja incorporadas aos equipamentos, seja transmitidas e adquiridas de forma intangível; os movimentos internacionais de pessoal qualificado e os fluxos de informações e dados transfronteiras” (OCDE, 1992, p. 232). Não se trata de contrapor as diferentes formas de internacionalização, e menos ainda de excluir esta ou aquela, mas simplesmente de pensá-las como um todo, estabelecendo entre elas uma hierarquia, fundamentada tanto na análise, como nos fatos observáveis e mensuráveis. Aqui, considera-se que o investimento leva a melhor sobre o intercâmbio comercial, que só será examinado em detalhe depois da análise do IED e das operações das multinacionais.