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FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E ARTES DOM BOSCO DE MONTE APRAZÍVEL – FAECA RAFAEL TONON A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM: UMA INTERPRETAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E FICÇÃO NO ÁLBUM "TEMPLE OF SHADOWS" DA BANDA BRASILEIRA ANGRA MONTE APRAZÍVEL 2011

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E ARTES DOM BOSCO D E MONTE APRAZÍVEL – FAECA

RAFAEL TONON

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM: UMA INTERPRETAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E FICÇÃO NO ÁLBUM "TEMPLE OF SHADOWS" DA BANDA BRASILEIRA

ANGRA

MONTE APRAZÍVEL

2011

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RAFAEL TONON

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM: UMA INTERPRETAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E FICÇÃO NO ÁLBUM "TEMPLE OF SHADOWS" DA BANDA BRASILEIRA

ANGRA

MONTE APRAZÍVEL 2011

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco de Monte Aprazível, como requisito parcial para obtenção do título em Licenciatura em Letras.

Orientador: Prof. José Carlos Damasceno

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos que me apoiaram e aos que duvidaram da importância do tema proposto no mesmo. Aos amigos, família e professores.

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AGRADECIMENTOS

Aos amigos, Carolina Bueno Garcia, Ana Luiza Nagata, Deise Aparecida, Luciana Rossi,

Gislaine Rosa Fernandes, Flávia de Lima e todos os que estiveram comigo durante estes

quatro anos de faculdade.

Aos professores Maria Aparecida Munhoz de Omêna, Edilene Gasparini, José Carlos

Damasceno, Mariângela Dias, pelo apoio e pelo incentivo, mesmo no último semestre quando

as coisas estavam bem difíceis.

A Erik Martins Barbosa que sempre dizia para eu começar logo a fazer este trabalho antes que

fosse tarde demais e eu nunca começava.

Aos amigos que direta ou indiretamente apoiaram e também aos que não apoiaram o tema

proposto.

Ao amigo Rodrigo “Ninrod” pelos contatos e pelo apoio desde o início.

A Rafael Bittencourt, pelo apoio e pela grande obra realizada com a banda Angra.

A minha família, pela confiança depositada.

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“Deus está morto: mas, considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existirão grutas em que se mostrará a sua sombra.”

Friedrich Nietzsche

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RESUMO

O presente trabalho tem como intuito mostrar, aos interessados, que através da música, podemos aprender e pesquisar sobre assuntos históricos, mitológicos, religiosos e sociais. Como exemplo, foi utilizado o álbum musical “Temple of Shadows” da banda brasileira de heavy metal, Angra. Nele, foram interpretadas por mim, através das letras, as relações entre a história fictícia criada pela banda e os acontecimentos históricos como as Cruzadas e a história de São Jorge de Capadócia. Conjunto a estas relações são apresentadas, com auxilio dos estudos de Antonio Cândido na obra Literatura e Sociedade, a importância do artista abordar assuntos que representam conteúdo literário através da arte, no caso deste, a música.

Palavras-chaves: Literatura, Banda Angra, Cruzadas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................08

CAPÍTULO I – AS CRUZADAS............................................................................................10

I.1 – PAPA URBANO II .............................................................................................11

I.2 A PRIMEIRA CRUZADA (1095-1099).................................................................15

CAPÍTULO II – SÃO JORGE DE CAPADÓCIA.................................................................17

CAPÍTULO III – POR FIM O TEMPLO DAS SOMBRAS...................................................26

CAPÍTULO IV - DA FICÇÃO AO INTERESSE HISTÓRICO LITERÁRIO.....................42

CONCLUSÃO..........................................................................................................................46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................48

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INTRODUÇÃO

Este trabalho analisará as músicas do álbum “Temple of Shadows” da banda Angra, alicerçado

nos fatos históricos e religiosos que envolveram São Jorge de Capadócia, guerreiro das cruzadas e

considerado um dos Santos mais influentes da religião Católica. Nele buscaremos entender a ficção

deste álbum através de seu cruzamento com fatos verídicos ocorridos na Idade Média, na história da

vida de São Jorge. Portanto, tentaremos entender o que existe de semelhança entre a arte e a realidade

e de que forma cada uma delas expressa os seus conceitos e qual resultado acarretará para a percepção

da história através da realidade e da imaginação.

O álbum apresenta um personagem, inspirado em São Jorge de Capadócia, que participou da

primeira cruzada convocada pelo Papa Urbano II, em 1095, para invadir e tomar o poder dos

mulçumanos de Jerusalém. Buscaremos entender, pelos fatos históricos, se este personagem, Shadow

Hunter, que é o eu-lírico mais importante da obra, tem sua história fielmente entrelaçada com a

história de São Jorge.

1. Como a música pode servir de instrumento de conhecimento histórico?

2. O personagem citado no álbum da banda Angra tem as mesmas características históricas com

São Jorge de Capadócia? Ou então, se esse personagem, Shadow Hunter, é fictício, que

finalidade cumpre na obra?

O trabalho será estruturado por capítulos, relacionando o contexto do álbum à história de São

Jorge de Capadócia. O resultado das cruzadas, o discurso frio do Papa Urbano II, o desfecho da trágica

história, porém gloriosa, do cruzado Shadow Hunter (personagem do álbum “Temple of Shadows”)

depois de questionar sua própria religião e, por fim, entender como é possível trabalhar um conceito

histórico através da música de maneira coerente e instigante. Cada música condiz a um trecho da

história do personagem, toda sua trajetória com relação à cruzada, seus conflitos psicológicos, seus

amores, seus delírios, suas dúvidas e o reencontro consigo mesmo culminando em uma nova forma de

se entender a religião.

Sendo assim, podemos entender como a música pode iniciar questionamentos e também pode

servir como aperitivo para a descoberta de fatos históricos e fatos ocorridos no passado que podem ou

não ser peça chave para entendimento da atual religião católica e a devoção de milhares de pessoas

pelo Santo Guerreiro, São Jorge.

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Partiremos do princípio de que a sociedade atual ainda mantém inúmeros conceitos e valores

tradicionais da Idade Média, dentre eles, alguns valores ainda alicerçados na fé católica, haja vista que

a Igreja pouco tem mudado em sua essência, desde seu apogeu na Idade Média, e também buscaremos

através da comparação entre música e fatos históricos entender a relação do enredo conceituado no

álbum “Temple of Shadows” com a história de São Jorge de Capadócia, e, consequentemente,

apresentar o porquê de tanto interesse por temas ainda relacionados às Cruzadas.

Num primeiro momento levantar-se-á a bibliografia pertinente ao tema, seguido de leitura e

fichamento.

Esta pesquisa é qualitativa, pois tentará evidenciar através das canções da banda “Angra” sua

relação com os fatos históricos relacionados à São Jorge de Capadócia. E a mesma será redigida da

seguinte forma:

a) Situar As Cruzadas no espaço relacionado aos aspectos históricos e ideológicos da época através da

leitura de obras relacionadas às cruzadas.

b) Análise da vida de São Jorge, possível personagem das letras da música da banda.

c) Interpretação das letras do CD da Banda Angra para definir as características do personagem das

letras e sua possível relação com o personagem histórico.

c) Conclusão

O presente trabalho poderá servir a alunos da rede oficial de ensino quanto ao estudo da

literatura, mas gostaria de enfatizar que este trabalho vem, apenas, resolver alguns questionamentos

particulares pelo assunto, haja vista que uma dissertação tem por finalidade não apenas convencer

alguém de algum assunto, mas também, dar a conhecer algum assunto.

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CAPITULO I

AS CRUZADAS

Começaremos nossa jornada pelo início do século XI, onde começam os conflitos

entre o Oriente e o Ocidente; período este em que se deu início às Cruzadas.

O enfrentamento entre cristãos e muçulmanos pela posse de Jerusalém se tornou nada

menos que uma das maiores e mais sangrentas guerras que se têm notícias. O motivo não

poderia ser mais óbvio: domínio de territórios e rotas de comércio, que se transformaram em

um ódio que se arrasta até os dias de hoje, como se pode notar nas guerras travadas entre o

Ocidente, fortemente representados pelos EUA e o Oriente Médio. Sabe-se que essas guerras

da atualidade nada mais são que o domínio não só pela passagem entre o Oriente e o

Ocidente, mas também pelo que ainda é a base do desenvolvimento material dos países ricos:

o petróleo.

As Cruzadas, em si, eram movimentos militares oriundos da Europa Ocidental cujo

objetivo era resgatar Jerusalém (Terra Santa) das mãos dos turcos muçulmanos, na época em

que eles dominavam a Palestina. (BERNE, 2005, pág.29)

A convocação de milhares de pessoas para a guerra surpreendeu até mesmo seu

iniciador, o papa Urbano II, e ainda hoje causa espanto pelo seu discurso, como veremos no

próximo capítulo.

Podemos, de forma plena, justificar as condições sociais e econômicas do final do

século XI: alto crescimento demográfico, falta de terras cultiváveis, crescimento da economia

monetária e das trocas comerciais, além do inicio da expansão italiana pelo Mediterrâneo (ID,

IBID,p.30 ). Tais condições contribuíam para que ocidentais (nobres sem terras e pobres em

busca de melhores condições materiais e espirituais) se virassem para o Oriente em busca de

melhorar suas condições. Estas expedições assumiram, portanto, o formato das cruzadas.

A idéia de cruzada, apoiada na profunda ignorância do Oriente, era levar socorro aos

cristãos orientais que estavam sendo oprimidos pelos turcos, segundo se acreditava.

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I.1 – PAPA URBANO II

A primeira Cruzada, única das nove cruzadas, que se seguiram entre os anos de 1095-

1272, a ser citada neste trabalho, foi comandada e iniciada no dia 27 de Novembro de 1095,

na cidade de Clermont, na França, pelo papa Urbano II que, diante de milhares de pessoas,

proclamou suas ordens de guerra através do seguinte discurso:

Povo dos Francos, povo de além Alpes, povo – como reluz em muitas

de vossas ações - eleito e amado por Deus, distinguido entre todas as nações

pela posição de vosso país, pela observância da fé católica e pela honra que

presta à Santa Igreja, a vós se dirige nosso discurso e nossa exortação.

Queremos que vós saibais do lúgubre motivo que nos conduziu até

vossas terras; da necessidade ‒ para vós e para todos os fiéis ‒ de

conhecerem o motivo que nos impeliu até aqui.

Desde Jerusalém e desde Constantinopla chegou até nós, mais de uma

vez, uma dolorosa notícia: os turcos, povo muito diverso do nosso, povo de

fato afastado de Deus, estirpe de coração inconstante e cujo espírito não foi

fiel ao Senhor, invadiu as terras daqueles cristãos, as devastou com o ferro,

a rapina e o fogo. Levou parte dos habitantes como prisioneiros até seu

país, outra parte matou com infames estragos, e as igrejas de Deus ou as

destruiu até os fundamentos ou as entregou ao culto da religião deles.

Derrubam os altares após profaná-los imundamente, circuncidam os

cristãos e espalham o sangue da circuncisão sobre os altares ou jogam-no

nas pias batismais; e àqueles que querem condenar a uma morte vergonhosa

perfuram o umbigo, arrancam os genitais, os amarram a um pau e,

chicoteando-os, levam-nos pelas ruas, para que com as vísceras de fora,

acabem caindo mortos prostrados por terra.

Outros se servem deles como alvo de flechas após amarrá-los a um

pelourinho; a outros, após obrigá-los a dobrar a cabeça, os atacam com

espadas e tentam decapitá-los de um só golpe.

O que dizer da violência nefanda praticada com as mulheres, sobre a

qual é pior falar do que calar?

O reino dos gregos já foi atingido tão gravemente por eles e tão

perturbado na sua vida diária que não pode ser atravessado sequer numa

viagem de dois meses.

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A quem, pois, cabe o ônus de vingá-lo e de reconquistá-lo se não a

vós a quem Deus, mais de que aos outros povos, concedeu a insigne glória

das armas, grandeza de alma, agilidade de corpo, força para humilhar a

fundo aqueles que a vós resistem?

Que a gesta de vossos antepassados vos mova, que excite vossas

almas a atos dignos dela, a probidade e a grandeza de vosso rei Carlos

Magno e de Luis seu filho e de outros soberanos vossos que destruíram o

reino dos pagãos e até eles estenderam os confines da Igreja.

Sobretudo que vos incite o Santo Sepulcro do Senhor, nosso Salvador,

que está nas mãos de gentes imundas, e os lugares santos, que agora estão

por eles vergonhosamente possuídos e irreverentemente profanados com sua

imundícia.

Ó soldados fortíssimos, filhos de pais invictos, não vos mostreis

decadentes, mas lembrai-vos da coragem de vossos predecessores; e se vos

segura o doce afeto dos filhos, dos pais e das consortes, atentai para o que

diz o Senhor no Evangelho: “quem ama o pai ou a mãe mais que a Mim, não

é digno de Mim. Todo aquele que deixar seu pai ou sua mãe, ou a mulher ou

os filhos ou as terras por amor de meu nome receberá o cêntuplo nesta terra

e terá a vida eterna”.

Não vos detenha o pensamento de alguma propriedade, nenhuma

preocupação pelas coisas domésticas, pois esta terra que vós habitais,

circundada por todo lado pelo mar ou pelas montanhas, ficou estreita para

vossa multidão, não é exuberante de riqueza e apenas fornece do que viver a

quem a cultiva. Por isso vós vos ofendeis e vos hostilizais reciprocamente,

vós vos fazeis guerra e com freqüência vos matais entre vós mesmos.

Cessem, pois os ódios intestinos, apaguem-se os contenciosos, aplaquem-se

as guerras e sossegue toda discórdia e inimizade.

Empreendei o caminho do Santo Sepulcro, arrancai aquela terra

àquele povo celerado e submetei-la a vós: ela foi dada por Deus em

propriedade aos filhos de Israel; como diz a Escritura, nela correm rios de

leite e mel.

Jerusalém é o centro do mundo, terra feraz por cima de qualquer

outra quase como um paraíso de delícias; o Redentor do gênero humano a

tornou ilustre com sua vinda, a honrou com sua passagem, a consagrou com

sua Paixão, a redimiu com sua morte, e a tornou insigne com sua sepultura.

Exatamente esta cidade real posta no centro do mundo agora é tida

em sujeição pelos próprios inimigos e pelos infiéis, feita serva do rito pagão.

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¹ Disponível em: <http://www.documentacatholicaomnia.eu/>

Ela eleva sua lamentação e anela ser liberada e não cessa de

implorar que vós andeis no seu socorro.

De vós mais do que qualquer outro povo ela exige ajuda, pois vos

tem sido concedida por Deus, por sobre todas as estirpes, a glória das

armas. Empreendei, pois este caminho em remissão de vossos pecados,

certos da imarcescível glória do reino dos Céus.

Ó irmãos amadíssimos, hoje em nós manifestou-se o que o Senhor

diz no Evangelho: “Onde dois ou três estarão reunidos em meu nome, Eu

estarei no meio deles”.

Se o Senhor Deus não tivesse inspirado vossos pensamentos, vossa

voz não teria sido unânime; e ainda que tenha ressoado com timbres

diversos, foi única, entretanto a sua origem: foi Deus que a suscitou, foi

Deus que a inspirou em vossos corações.

Seja, pois, esta vossa voz, o vosso grito de guerra, posto que ele vem

de Deus. Quando fores ao ataque dos belicosos inimigos, seja este o grito

unânime de todos os soldados de Deus: “Deus o quer! Deus o quer!”

Nós não convidamos a empreender este caminho aos velhos ou

àqueles que não são aptos para portar armas, nem as mulheres; que as

mulheres não partam sem seus maridos ou sem irmãos ou sem

representantes legítimos: todos estes são mais um impedimento do que uma

ajuda, mais um peso do que uma vantagem.

Que os ricos sustentem os pobres e levem a seu custo homens prestes

para combater.

Aos sacerdotes e clérigos de qualquer ordem não seja lícito partir sem

licença de seu bispo, porque esta viagem lhes seria inútil sem esse

assentimento; e nem sequer aos leigos seja permitido partir sem a bênção de

seu sacerdote.

Todo aquele que queira cumprir esta santa peregrinação e que faça

promessa a Deus e a Ele se tenha consagrado como vítima viva, santa e

aceitável, leve sobre seu peito o sinal da Cruz do Senhor. Aquele que, após

ter cumprido seu voto queira retornar, dê meia-volta.

Cumprirão assim o preceito que o Senhor dá no Evangelho: “Quem

não carrega sua cruz e não vem detrás de Mim não é digno de Mim”.

(URBANO II, 1095)¹

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Após o discurso, a reação da multidão foi imediata. Gritos de “Essa é a vontade de Deus”

ecoaram. Em um ato provavelmente ensaiado, o bispo Ademar de Monteil, ajoelhou-se diante

do papa e “tomou a cruz”, resultando assim no ritual de alistamento em que cada futuro

soldado voluntário recebia uma cruz de pano que era costurada na altura do ombro do

uniforme de batalha. Ademar(de Monteil, bispo de Le Puy(1077) foi indicado para liderar a

cruzada, pois sempre fora reconhecido como líder espiritual pelo povo de Le Puy), embarcaria

na primeira cruzada. Dali em diante, aquela cruz passaria a identificar os “soldados de Cristo”

ou “Cruzados”.

O papa era inteligente e, dessa forma, convencia os europeus a participar de sua

Guerra Santa apelando tanto para motivos religiosos como para os instintos mais ambiciosos,

dizendo que “a Terra Santa era mais rica que as terras superpopulosas da Europa”. Além

disso, para os cristãos mais fervorosos, propagou que quem participasse das Cruzadas para

libertar a Terra Santa dos maometanos, seria perdoado de todos os pecados e teria seu lugar

no céu assegurado. Com isso, não foi difícil conseguir um batalhão de voluntários a ingressar

à jornada. Os participantes se autodenominavam “marcados pelo sinal da cruz” e bordavam a

cruz na roupa. Tais expedições ocorreram pelos seguintes motivos:

a) A esperança do povo de obter a salvação eterna, pois era o que a igreja prometia a eles.

b) O desejo de melhorar a vida.

c) Obter riqueza no Oriente.

d) O desejo dos mercadores europeus em aumentar o comércio com o Oriente e obter

assim privilégios nas cidades conquistadas pelos cruzados.

Em pouco tempo a primeira cruzada estava pronta para partir e reuniu cerca de 30 mil

soldados. No total foram nove grandes Cruzadas (a última terminou em 1272). É claro que

houve muitas mortes de ambos os lados, mas elas tiveram uma grande importância na história,

pois colocaram em contato direto culturas que mal se conheciam. Através das Cruzadas, os

europeus ocidentais tiveram contato com as civilizações islâmicas e bizantinas, que naquela

época, eram bem mais avançadas que a Européia (BERNE, 2005, p.32 ).

O papa Urbano II morreu em 1099, apenas duas semanas depois de a Primeira

Cruzada conseguir alcançar Jerusalém. Mas, como naquela época as notícias demoravam a

chegar, ele não soube o sucesso da empreitada.

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I.2 A PRIMEIRA CRUZADA (1095-1099)

Chamada de Cruzada dos Nobres, com a campanha “salvação a todos os mortos em

combate contra os infiéis” do então papa Urbano II em 1095, conquistou um imenso exército

que garantiria um novo foco bélico às forças que já lutavam internamente perturbando a paz

na Europa. Cristãos maltratados no Oriente eram uma boa causa, pois a força poderia ser

dirigida aos verdadeiros inimigos da fé (mulçumanos). O apelo não tinha distinção entre

pobres ou ricos. Porém os ricos e os pobres formaram cruzadas separadas (ID, IBID,p.33 ).

A primeira cidade conquistada foi Antioquia, em 1098, depois de um longo cerco e um

saque terrível. As batalhas se sucederam e a vitória foi conquistada através de um massacre

impiedoso, em que os cruzados massacraram os habitantes, indiferentes à idade, fé, ou sexo.

Não pouparam nem os animais.

Após a vitória, surgiram quatro unidades políticas: O Reino de Jerusalém, o Condado

de Edessa, o Condado de Trípoli e o Principado de Antioquia. Muitos dos combatentes,

inclusive os grandes senhores, foram embora após a conquista de Jerusalém, mas centenas de

cavaleiros e milhares de homens a pé, ficaram. As cidades principais (Antioquia, Edessa)

tornarem-se capitais dessas unidades, mas Jerusalém era o centro político e religioso. O

sistema feudal foi aplicado com algumas alterações: em vez de feudos, os cavaleiros eram

pagos com direitos ou rendas (ID, IBID,p.33 ).

A sobrevivência de tais reinos ficou sob comando das cidades mercantis italianas, pois

de lá enviavam reforços e interceptavam ataques das esquadras muçulmanas. E, por fim, o

Mediterrâneo se tornou novamente um mar navegável pelos ocidentais.

Nos anos que se seguiram, por conta da euforia da vitória, mais voluntários foram para

o Oriente. Eles eram agrupados por nacionalidade, apesar da desorganização. Tinham grande

interesse em ganhar novos feudos, redimir-se de pecados, glória, bênçãos espirituais e por fim

voltar para casa como herói.

Entre 1096 e 1147, ordens de cavaleiros foram formadas para lutar pela libertação da

Terra Santa. Os Hospitalários (1096) e os Templários (1118) eram na maioria francos. Por um

tempo, os reinos cruzados sobreviveram à custa de negociação, conciliação, e de armar atritos

entres os diversos grupos árabes (ID, IBID,p.36 ).

Nos anos seguintes, não foram organizadas cruzadas. O para Urbano II havia morrido

em 1099. Os reinos cristãos no Oriente tiveram de se manter por conta própria. Nessa época,

eles adotam como padroeiro São Jorge da Capadócia (mártir do século IV) e seu brasão de

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armas, a cruz vermelha sobre um escudo branco. São Jorge era um exemplo de cavaleiro

cristão. (ID, IBID,p.39 ).

Por fim, após nove cruzadas, São Luís morre (Cruzado, estadista, guerreiro, homem de

piedade) defendendo as prerrogativas da autoridade real, não só contra insurretos de toda

espécie, mas até contra a Santa Sé. E, em 1291, com sua morte, marcou-se o fim das

Cruzadas. Os reinos reconquistados pelos cristãos acabaram de novo nas mãos dos

muçulmanos, mostrando por tanto que as mortes, as guerras e a revolta acabaram fracassadas.

Contudo, as Cruzadas estimularam contatos econômicos e culturais que beneficiaram a

civilização européia. Aumentando assim o comercio entre a Europa e a Ásia Menor; a Europa

passa a conhecer o açúcar e o algodão. Pode-se dizer que este foi o preparo para o

Renascimento.

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CAPITULO II

SÃO JORGE DE CAPADÓCIA

Jorge (275 - 23 de abril de 303), nasceu na Capadócia (Turquia), membro de família

nobre da cidade, foi criado e foi educado seguindo as tradições cristãs. Quando ainda moço,

fora instituído capitão do exército da Palestina. Após a morte de seu pai, que era oficial do

exército imperial, e devido a sua personalidade e coragem, fora notado pelo Imperador

Diocleciano e então, nomeado Conde e posteriormente, por sua bravura, elevado ao Conselho

Militar aos 23 anos de idade em Nicomédia, logo quando sua mãe faleceu. Jorge acabou

herdando uma grande parte da riqueza da corte. Porém, sendo Jorge um rapaz de bom

coração, e visto o fato de que os cristãos eram tratados com tanta crueldade naquela época

(séc. II-III), distribuiu toda sua riqueza aos pobres. Após este feito tão gratificante a ele, o

Império se voltou novamente contra os cristãos da época e Jorge, como defensor e cristão, se

pôs frente ao imperador Diocleciano e disse as seguintes palavras para tentar converter os

romanos a se tornarem cristãos:

Oh! Imperador e nobres senadores, acostumados a fazer boas leis, que desatino é este tão grande, que não cessais de acrescentar vossa ira contra os cristãos, que tem a certa e verdadeira lei, para que a deixem e sigam a seita que vós mesmos não sabeis se é verdadeira, porque os ídolos que adorais, afirmo que não são deuses, havendo sido homens perdidos. Não vos enganeis: sabeis que Cristo só é Deus e Senhor na glória de Deus Padre, e por ele foram feitas todas as coisas, e pelo seu Espírito Santo todas as coisas são regidas e conservadas. Pois esta é a verdade ele não queirais perturbar os que a professam.

JORGE, em discurso aos romanos.

Todos os presentes se espantaram com tamanho atrevimento com que Jorge proclamou

suas palavras e esperavam uma reação do Imperador. Porém, o mesmo se encontrava

perturbado e através do cônsul da corte, Magnêncio, disse:

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"Dize-me, jovem, quem te deu tamanha ousadia para falar nesta Assembléia? Respondeu Jorge:

"A verdade". Disse o cônsul: "Que coisa é a verdade?" Respondeu-lhe: "A verdade é meu Senhor Jesus Cristo, a quem vós perseguis". Disse o cônsul: "Dessa maneira és tu cristão?" Respondeu-lhe: "Eu sou servo de meu Redentor Jesus Cristo, e Nele confiado me pus

no meio de vós outros, para que dê testemunho da “Verdade." Com estas palavras se turbaram todos. Então, Diocleciano olhou

para Jorge, o conheceu e lhe disse: Sabendo eu há dias de tua nobreza, te levantei ao mais alto grau da

dignidade de minha corte, e agora ainda que falaste tão alto, como sou muito afeiçoado à tua prudência e fortaleza, te aconselho, como pai amoroso, que não deixes o proveito e honra da tropa, nem queiras perder a flor da tua idade com torturas, antes, sacrifica aos deuses e receberá de mim maiores prêmios e recompensas.

Jorge lhe respondeu: Oxalá, oh imperador, que conhecendo tu por mim, o verdadeiro Deus,

lhe oferecesse o sacrifício de louvor, que ele pede e deseja; e eu ficarei por fiador de que ele Senhor de outro mais excelente império do que tens, que é o reino que dura para sempre; porque este que agora possuis, cedo se há de acabar. E sabe de certo que nenhum desses bens que me prometes, poderão de alguma maneira afastar-me de meu Deus, nem algum gênero de tormento que inventares poderá tirar de mim o amor de meu Redentor nem causar em mim temor algum da morte temporal.

Depois da afronta, cheio de ira, o Imperador pediu aos soldados que mandassem Jorge

se deitar fora da Assembléia e o prendessem no cárcere por tamanho atrevimento. E então os

soldados atenderam prontamente ao pedido do imperador. Porém, quando a lança de um deles

tocou a lança de Jorge esta se dobrou como se fosse de borracha. Jorge não parava de dizer

louvores a Deus. Posto ele então em cárcere, deitaram-no por terra, amarraram-lhe os pés e

colocaram uma grande pedra em seu peito, e Jorge continuou suas preces até o dia seguinte

em graças ao seu Senhor.

Na manhã seguinte, o imperador chamou Jorge a si, mesmo atormentado pelo peso da

pedra, disse então o imperador:

"Tornaste já sobre ti, Jorge?". Respondeu então Jorge: "Por tão fraco me tens imperador, que cuidas que um tormento de

meninos e tão pequeno, havia de me afastar de Cristo e negar a verdade, primeiro cansarás tu em me atormentar, do que eu sendo atormentado".

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Disse Diocleciano: "Eu te darei tantos tormentos que te acabarão a vida".

Visto que Jorge seria imbatível e não desistiria de clamar louvores a Deus, o imperador

ordenou que trouxessem uma roda grande e cheia de navalhas e o colocassem lá para que

fosse morto e torturado. Esta roda ficava pendurava encima de muitas pontas agudas,

canivetes de sapateiro. E então puseram-no na roda, amarrado com folhas de loros e cordas,

amarrado tão fortemente que a corda se perdia em sua carne. Mas apesar disso, Jorge sofria e

adorava ao Senhor até adormecer por um tempo.

Diocleciano, considerou Jorge morto, e festejou, louvando a seus deuses questionava

ao corpo: "Onde está o teu Deus, Jorge? Por que não te livrou deste tormento?"

Ordenou-se, então, que o corpo fosse retirado dali, mas em seguida, surgiu nos céus uma

nuvem e um grande trovão ecoou, ouviu-se em seguida uma voz: "Não temas, Jorge, porque

estou contigo".

Logo em seguida, viu-se um homem com roupas brancas encima da roda, muito

radiante estendendo ao Santo Mártir, abraçando-o e este mandou desatá-lo, e então todos

viram que o homem cheio de luz era Jorge, Santo, dando graças a Deus.

Todos os soldados, espantados, correram contar as novidades ao imperador, que não

conseguia acreditar que era Jorge, mas alguém parecido e por seu irredutível temperamento

mandou logo decapitar as cabeças dos que gritavam: "Um só é Deus, grande e verdadeiro, que

é o Deus dos cristãos", fazendo com que muitos se convertessem ao cristianismo mesmo que

sem revelar aos outros por medo de morrer. Porém, o imperador Diocleciano continuava firma

em suas palavras e mandou queimar Jorge em uma fornalha de cal virgem por três dias

enquanto alguns guardas o vigiavam. E Jorge fora levado à fogueira, preso, ainda fazendo

orações a Deus:

"Senhor meu, ponde os olhos de vossa misericórdia em mim, e livrai-me das ciladas do inimigo, e concedei-me que até o fim confesse o vosso santo nome".

"Não digam os meus inimigos por minhas maldades: Onde está o teu Deus? Mandai, Senhor, o vosso Anjo em minha guarda, assim como transformaste a fornalha de Babilônia em orvalho, e os moços que estavam dentro, conservaste sem lhes fazer mal o fogo".

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Jorge fez o Sinal da Cruz em todo o corpo e entrou no forno de cal com toda a alegria

enquanto os executores o olhavam e se retiraram. No terceiro dia, o imperador mandou

chamar alguns soldados para que fosse até o forno e que não se achasse um só osso, queria

que não aparecesse mais ali. Os soldados foram juntos e a grande multidão os seguiam.

Quando chegaram, para espanto, Jorge estava lá, com as mãos para o céu, louvando e

adorando a Deus por suas graças e saindo do forno sem qualquer hematoma, fazendo com que

todos louvassem ao Deus de Jorge.

Intrigado, Diocleciano ficou sabendo do novo milagre e mandou que chamassem

Jorge: “Jorge, com que artes fazes estas maravilhas?” E Jorge disse:

“Oh! Cego imperador, que chamas artes as maravilhas de Senhor, por isso choro tua

cegueira.”

“Agora veremos Jorge, se diante dos nossos olhos fazes milagres.” Disse Diocleciano.

Mandou que trouxessem chinelas de ferro ardente e mandou Jorge calcá-las. Jorge orando

dizia:

“Senhor, olhai o meu trabalho e ouvi os gemidos de vosso preso, porque os meus

inimigos se multiplicaram e me tiveram grande ódio pelo vosso nome; mas vós Senhor, me

sarai, porque todos os meus ossos estão atormentados, e dai-me paciência até o fim, para que

não diga o meu inimigo: “Prevaleci contra ele”.

Então Jorge ia atormentado pelos pregos ardentes que as chinelas tinham pra cima.

Mas Jorge andava tranquilamente como se não recebesse mal algum, “Jorge, as chinelas

foram para ti são refrigério?”. Disse Jorge: Sim, foram”.

E o imperador disse: “Deixa já a tua ousadia e arte mágica, vem para nós e oferece

sacrifício aos deuses, pois de outra maneira serás atormentado com diversos tormentos”.

Respondeu Jorge: "Quão ignorante te mostras, pois chamas feitiços ao poder do meu

Deus e por outra parte dás honras, aos enganos dos diabos que adoras".

O tirano, então, mandou que o açoitassem com nervos de búfalo até que seu corpo

fosse desfeito. E Jorge que não se entregava jamais por seu grande amor a Deus disse:

“Certamente não chamarei a isto obras de virtude, mas arte mágica”.

A isso, Diocleciano ordenou que trouxessem um feiticeiro e mandou que Athanasio ( o

mago) destruísse todos os feitiços de Jorge.

No dia seguinte, Diocleciano mandou vir o mágico ao teatro onde todos veriam o

sofrimento de Jorge. “Seja trazido aqui, Jorge e vereis a força destas bebidas; pois se quereis

que obedeça dêem-lhe de beber o que trago neste vaso. E se quereis que morra dêem-lhe

deste outro vaso”. Disse o mago.

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Diocleciano ordenou que dessem de beber a Jorge de um dos vasos. Jorge obedeceu e

bebeu, segundos depois, nada aconteceu. Ordenou então que bebesse do outro vaso, e Jorge

não ponderou, bebeu, e nada aconteceu para o espanto do imperador e de todo o senado e

também do feiticeiro que acompanhava tudo. Porém, o imperador era incansável em sua

defesa: “Até quando nos há de pôr em espanto com isto que fazes? Por que não acabas de

confessar a verdade? Como escapas tão facilmente do veneno que te dão a beber e como

desprezas os tormentos?”

Jorge: "Não cuides, imperador, que somos livres por alguma humana providência,

mas só pelo poder e virtude de Cristo; e confiados nele, não fazemos caso dos tormentos

seguindo sua "doutrina".

Disse então Diocleciano: "Que doutrina é a de teu Cristo?”

Respondeu Jorge:

"Conhecendo o Senhor, a diligência que vós outros haveis de ter em perseguir os

Santos, não temais aqueles que matam o corpo, nem façais caso das coisas transitórias;

sabeis de certo que um cabelo de vossa cabeça não perecerá; e ainda que bebas veneno não

vos fará mal."

Finalmente prometeu-nos dizendo:

"Aquele que crer em mim fará as obras que eu faço".

"Que obras são essas?

"Dar vistas aos cegos, curar leprosos fazer andar os mancos, abrir ouvidos aos

surdos, expelir os demônios dos corpos, ressuscitarem os mortos e outras coisas semelhantes

a estas".

Atormentado pelos insultos que aquilo tudo causava ao imperador, Athanazio sugeriu

ao imperador que Jorge ressuscitasse o defunto que se encontrava enterrado por ali. O

imperador não hesitou ordenou que Jorge tentasse. Através do cônsul que fora buscar Jorge,

respondeu:

Nobre Cônsul, Deus que todas as coisas criou do nada, poderoso é para, por mim,

ressuscitar este defunto; mas como vossas almas estão cegas, não podereis entender a

verdade; porém, por amor do povo presente, isto que pedis tentando-me, Deus o obrará por

mim, para que o não atribuas a arte mágica. Pois este mágico que aqui o trouxeste, confessa

que nem por encanto, nem pelo poder dos vossos deuses, pode um morto ser ressuscitado, em

diante de todos vós chamo a meu Deus;

E orando em voz alta a Deus, Jorge clamava:

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Oh! eterno Deus de misericórdia, Deus de todas as virtudes, e que todas as coisas

pode, que não frustreis a esperança dos que em vós confiam. Senhor Jesus Cristo, ouvi este

mísero servo vosso, nesta hora, assim, como ouvistes, Santos Apóstolos em todo o lugar,

dando-lhes poder para fazeres milagres e sinais. Dai, Senhor, a esta geração má o sinal que

pode, e ressuscitai este morto para glória vossa, e do Padre e do Espírito Santo. Rogo-vos,

Senhor, que mostreis a estes circunstantes serdes só vós, Deus Altíssimo sobre toda a terra e

que eles conheçam serdes vós Senhor poderoso, a cuja vontade todas as coisas estão sujeitas

e que vossa será a glória para todo sempre. Amém.

Ouviu-se então um som, alto, que fez com que tudo tremesse. Gerado o tumulto,

muitos louvavam a Cristo, dizendo ser verdadeiro o Deus de Jorge

Todos ao lado do imperador se mostravam incrédulos, diziam ser Jorge um grande

mágico e que teria encarnado algum espírito no corpo do defunto, algo desmentido logo, pois

o homem que ressurgira chamava a Jesus Cristo correndo para Jorge, assim como Athanazio,

o mago, que fez o mesmo, encantado pela maravilha que Jorge alcançara, o que fez com que o

imperador se mostrasse ríspido novamente, dizendo que os dois eram cúmplices de um

mesmo ato de magia e que nada que Jorge bebera era veneno, mandando degolar o mago

Athanazio enquanto Jorge voltava ao cárcere agradecendo e louvando ao Senhor pelas graças

recebidas. Jorge então passou a receber muitos que confiavam em sua fé, desrespeitando os

guardas, ajoelhavam a seus pés em nome de Cristo.

Alguns dias de orações, Jorge permaneceu no cárcere, e em uma noite, sonhou com o

Senhor, que o levantava e o abraçava, colocando uma coroa em sua cabeça, dizia: "Não

temas, mas tem forte o coração, pois já és digno e mereces reinar comigo, não tardes em vir

gozar dos bens eternos, que te estão preparados".

Acordando e dando graças a Deus com muita alegria, chamou o carcereiro e disse-lhe:

"Rogo-vos irmão, que deixeis entrar neste cárcere meu empregado, porque me

importa falar com ele".

O carcereiro atendeu ao pedido e o empregado apareceu angustiado pelo sofrimento

que Jorge passava.

"Filho, muito cedo me chamara meu Senhor para si, mas depois que passar desta

vida, tomarás este mísero corpo e leva-lo-ás à Palestina, à casa onde morávamos, e Deus

será guia de teu caminho, e não apartes nunca da fé de Cristo".

E prometendo-lhe o criado com muitas lágrimas, que assim o faria, abraçou-o o Santo,

a mandou-lhe que fosse dali em paz.

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No dia seguinte, Diocleciano mandou que trouxessem Jorge perante si e com calma

disse:

Dize-me, Jorge, não te parece que sou muito humano e benigno para ti? Testemunhas

me sejam todos os deuses como me pesa em extremo de tua mocidade, assim em flor, da tua

gentileza e formosura, como também pelo assento de tua descrição e constância de ânimo. E

desejo muito, se te apartares da fé cristã, que mores juntamente comigo, e seja a segunda

pessoa do meu império. Agora me responde o que te parece.

Respondeu Jorge:

"Razão era, imperador, se tamanho amor e afeição me tinhas que me não perseguisse,

como o inimigo principal, e não executarás em mim tantos tormentos por satisfazer com tua

ira".

Com isso, Diocleciano ofertou:

"Se me quiseres obedecer como pai, eu te compensarei os tormentos que te fiz dar,

com muitas grandes honras que te farei".

Disse então Jorge:

"Se queres, imperador, vamos ao templo a ver esses deuses que vós outros honrais".

Logo, se pôs de pé o imperador com alegria, e mandou que todos viessem ao templo.

Todos compareceram louvando ao imperador pela vitória de Jorge. Este se aproximou da

estátua de Apolo, e estendendo a mão, disse fazendo o sinal da cruz:

“Por que coisa quereis tu que te ofereça sacrifícios como a Deus?”

E então, eis que o demônio que estava dentro do ídolo bradava dizendo: “Não sou

Deus, nem algum semelhante a mim é o Deus a quem pregas. Nós, de Anjos fomos feitos

diabos, e enganamos os homens pela inveja que lhes temos.”

Jorge perguntou-lhe então:

"Pois como ousais vós outros estar aqui neste lugar estando eu presente, que adoro o

verdadeiro Deus?"

Dizendo isto se sentiu um ruído, como choro que saía das estátuas, e caíram todos os

ídolos em terra e fizeram-se em pedaços.

Alguns dos povos se irritaram pelo acontecimento e tomaram Jorge, açoitaram-no

dizendo

"Mate este feiticeiro, oh! Imperador, mate este mágico".

Eis que surge correndo pelas ruas, a imperatriz Alexandra, que não conseguia mais

esconder sua fé no Cristo de Jorge, viu então o alvoroço do povo e Jorge preso, bradou em

alta:

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"Deus de Jorge, ajudai-me".

Com isso, Diocleciano mandou trazer Jorge a si e disse:

"Mau homem, desta maneira agradeces a bondade com que te trato? "Deste modo

costuma sacrificar aos deuses?

Respondeu Jorge:

"Sem dúvida, imperador, que deste modo, aprendi eu a sacrificar aos teus deuses:

daqui em diante tem vergonha de atribuir a saúde que tens a tais deuses, os quais não podem

sofrer a presença dos servos de Cristo".

Diante das palavras de Jorge, a imperatriz consegue se encaminhar ao imperador se

lançando aos pés de Jorge. O imperador, assistindo tal cena, disse:

"Que novidade é esta, Alexandra, que te afeiçoou a este mágico encantador? A bem-

aventurada imperatriz não lhe quis responder, tendo-o por indigno de sua resposta.” Cheio

de ira com as declarações de Alexandra, atribui a ela e a Jorge a seguinte sentença:

“Mando degolar a esse péssimo Jorge, o qual, assim aos deuses como a mim injuriou

gravemente; e o mesmo fez Alexandra, imperatriz, enganada com seus feitiços.”

Os soldados então levaram Jorge para fora da cidade, e junto a ele, a nobre

imperatriz, ambos orando com ânimo a Deus. Pediram então para poderem descansarem. A

imperatriz sentou-se, inclinou a cabeça sobre os joelhos e entregou seu espírito a Deus. Com

isso, Jorge louvou a Deus com grande alegria dizendo:

Bendito sois, Senhor Deus meu, porque não permitistes que eu fosse despedaçado pelos dentes daqueles que me queriam e buscavam, nem consentiste que meus inimigos ficassem alegres com a vitória: porque livraste a minha alma, como pássaro do laço dos caçadores. Pois agora, Senhor, também me ouvi, sede comigo nesta última hora, e livrai a minha alma da maldade dos malignos espíritos; e todos os males que por ignorância em mim executam, lhes perdoai. Recebei, Senhor, a minha alma com aqueles que desde o princípio do mundo vos serviram, e esquecei-vos de todos os meus pecados, que eu voluntariamente, ou por ignorância cometi". "Lembrai-vos, Senhor, dos que recorrem ao vosso Santo nome, porque vós sois "Santo", bendito e glorioso para sempre, Amém.

Por fim, estendeu seu pescoço com alegria e foi degolado, entregando sua alma aos

anjos no dia 23 de abril de 303, provando sua fé e lealdade ao seu Senhor Deus.

Os restos de São Jorge foram transportados para a Antiga Dióspolis, Lidia, onde em

seu sepulcro, o imperador Constantino, que era cristão, mandou um oratório aberto aos fies

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para que o culto ao Santo Jorge fosse espalhado por todo o Oriente. No século V, já havia

cinco igrejas em Constantinopla dedicadas ao Santo, no Egito, construíram-se quatro igrejas e

quarenta conventos dedicados a ele. Em alguns lugares como Armênia, Bizôncio e no Estreito

de Bósforo, na Grécia, São Jorge era um dos maiores Santos da Igreja Católica. Já no

Ocidente, na Idade Média, São Jorge era ícone das milícias das Cruzadas, como Patrono da

Cavalaria. Os Ingleses escolheram São Jorge como padroeiro do país, imitando os gregos que,

também, trazem a cruz de São Jorge na sua bandeira.

A imagem do Santo então foi difundida durante a Grande Guerra (1914-1918) em

forma de medalhas entregues aos enfermeiros militares que se sacrificaram ao tomar conta

dos feridos. E também através da arte, onde em Paris, no Museu do Louvre, Rafael (1483-

1520) tem seu quadro intitulado “São Jorge vencedor do Dragão” exposto dentre outros

quadros do Santo, pitados por Carpaccio (1450-1525) e Donatello (1386-1466).

E ainda hoje, São Jorge é um dos santos que possuem maior número de devotos em

todo o mundo e ainda é um dos maiores Santos da Igreja Católica.

Segundo a interpretação extraída do IV volume do "Flos Sanctorum"

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CAPITULO III

POR FIM O TEMPLO DAS SOMBRAS

Neste capítulo, apresentar-se-á o trabalho da banda de heavy metal brasileira chamada

Angra em seu álbum “Temple Of Shadows”, onde foram cruzadas as histórias contadas nos

capítulos anteriores.

Composto pelo guitarrista da banda, Rafael Bittencourt, o álbum apresenta treze

faixas, onde nelas é narrada a história de um soldado que participa da primeira cruzada entre

1095-1099. Posteriormente, este é tentado por alucinações onde sua mente entra em conflito

diante da situação em que se encontra a igreja Católica, motivo pela qual se alistou na guerra,

e, por fim, é torturado e morto por tentar impor sua verdade a uma nação já devastada pela

ganância e pela violência.

Já na primeira faixa, “Deus le volt!”, do latim “Deus quer assim!”, palavras ditas pelo

papa Urbano II para chamar os fiéis a se juntarem na batalha que viria a se tornar a grande

Cruzada. Desde então, o ouvinte é convocado para embarcar na viagem que se seguirá por

meio das músicas. Apesar de se tratar de uma introdução curta, “Deus le volt!” exprime este

sentido de convocação por se tratar de uma composição crescente e envolvente, introduzindo

a segunda faixa “Spread Your Fire” (Espalhe sua chama) que chega forte e estrondosa

demonstrando o sentimento que havia na época da cruzada, de que os soldados erguessem

suas armas e lutasse com ódio, com gana, por algo que até então os pertencia e fora

“roubado”. No entanto, nesta faixa, a mente do personagem Shadow Hunter (Caçador de

Sombras), que pode ser interpretado assim por ser soldado de uma guerra contra a verdade

que se encontra oculta dentro dele, e essa verdade começa então ser confrontada. Shadow

Hunter é o personagem principal do conceito do álbum. Inspirado claramente na história de

São Jorge como veremos mais a frente, Hunter é um guerreiro cristão e irredutível, até

encontrar um Rabino Judeu, cego, que reconhece o “caçador” como escolhido de Deus que o

entrega um livro de páginas brancas gritando, “Espalhe seu fogo! Queime os templos!”,

fazendo assim com que ecoasse em sua mente por anos. (encarte, p.2) Durante a letra de

“Spread your Fire”, Shadow Hunter passa por questionamentos e conclusões que o fazem

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refletir sobre si e sobre a religião pela qual está lutando e matando, como vemos no trecho a

seguir:

Woke up to life not long ago You think your mind is in control? God will take it back someday It's not so hard to understand They say the world has good and bad Father Universe brings Love and Hate (Spread Your Fire, Angra)

Acordou para a vida há pouco tempo Você pensa que sua mente está sob controle? Deus a pegará de volta algum dia Não é tão difícil de entender Dizem que o mundo tem o bem e o mal O Pai Universo traz o Amor e o Ódio (Espalhe seu fogo, Angra)

E também podemos sugerir às palavras do Rabino no seguinte trecho:

“Glorious - Don't be afraid To lead the way with thy sword Glorious - You are the chosen one. Go!” (Spread Your Fire, Angra) “Glorioso - Não tenha medo De liderar o caminho com tua espada Glorioso - Você é o escolhido. Vá!” (Espalhe seu fogo, Angra)

A faixa seguinte, “Angels and Demons” (Anjos e Demônios), trata de

questionamentos sobre rumores que chegam até o papa Urbano II de que um cavalheiro do

templo enlouqueceu e se diz o novo Cristo. É importante ressaltar que a história contida no

álbum é apenas baseada na batalha verídica descrita no primeiro capítulo deste trabalho.

... For threatening the catholic hegemony he is persecuted, captured, tortured, kept in prison, judged and sentenced to death. In front of the

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cardinals, the culprit humbly explains how Angels and Demons disguise, then he pronounces his famous Theory of Light based on the forgiveness of Satan, the absence of God, the Atheist Love and the Gnosis. "No absolute truth can exist in a conscious mind, because every single thought is submitted to an individual and arbitrary judgment. (encarte, p.3, Temple of Shadows)

... Por ameaçar a hegemonia católica ele é perseguido, capturado, torturado, mantido na prisão, julgado e condenado à morte. Na frente dos cardeais, o réu modestamente explica como os Anjos e Demônios se disfarçam entre si, então ele pronuncia sua famosa Teoria da Luz, baseada no perdão e Satã, a ausência de Deus, o Amor Ateu e a Gnose. "Nenhuma verdade absoluta pode existir numa mente consciente, porque cada pensamento é submetido a um julgamento individual e arbitrário. (encarte, p.3, Temple of Shadows)

Como podemos perceber, a questão apresentada pela sequência de fatos citados,

assemelha-se a história de São Jorge, em que ele, como vimos, se entrega apenas clamando

piedade de Deus diante da incredulidade do Imperador. Ainda em “Angels and Demons”, que

tem um andamento carregado de peso e melodia, como um confronto entre anjos e demônios,

reflete as conclusões feitas por Shadow Hunter quanto aos sonhos e quanto a nós mesmo,

julgados como anjos e demônios cujos sonhos são encarados como sensações que você

acredita serem reais, mas é apenas ilusão. O que se entende, é a questão de que estes anjos e

demônios fazem parte desta ilusão, em que você está destinado a escolher o que você é ou o

que você irá acreditar como verdade, como ter o controle de si.

Sooner or later I'm gonna convince that The truth is a lie There's no Judge when we die Only dust We're just Crawling Angels and Demons disguised The truth you don't know so try to be sure When your Angels and Demons arise But we're still not sure which way we should go When the Angels and Demons disguise Just confusing our brains with their lies Enticing emotions Revolting devotions The Angels and Demons telling me lies (Angels and Demons, Angra) Cedo ou tarde vou convencer que A verdade é uma mentira

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Não há julgamento quando morremos Só poeira Somos somente Anjos rastejantes e Demônios disfarçados A verdade você não sabe, então tente estar certo Quando seus Anjos e Demônios surgirem Mas ainda não estamos certos que caminho seguir Quando os Anjos e Demônios se disfarçam Confundindo nossos cérebros com suas mentiras Atiçando emoções Revoltando devoções Os Anjos e Demônios estão me contando mentiras (Anjos e Demônios, Angra)

Com a guerra em andamento, o soldado Shadow Hunter, em uma das batalhas, acaba

ferido e sendo resgatado por uma família de muçulmanos, o que teoricamente poderia

ocasionar punição mortal ao jovem. Segundo Rafael Bittencourt, guitarrista do Angra e

principal compositor da obra, “o personagem principal, Shadow Hunter, é um soldado que é

ferido numa das batalhas e acaba sendo socorrido por uma família de muçulmanos. Ele entra

num conflito interior, já que a igreja católica, que prega o amor ao próximo, esta impondo sua

verdade matando as pessoas.” De acordo com ele, “Shadow Hunter se apaixona pela irmã das

pessoas que o socorreram, e ele, enfim, entende o que significa o amor.” (MONTEIRO, 2004,

p. 14)

A próxima canção, “Waiting Silence” (Espera em silêncio), trata justamente desta

transição, onde o personagem reconhece o que é o amor e conclui seus pensamentos de

acordo com o trecho abaixo retirado do encarte do álbum em questão:

The man falls in love with the young Muslim lady, and finds himself divided between the warmth and comfort of a humble life and his hunger for wisdom… He is writing his dream and revelations on the empty book given by the Jewish oracle as his two sons are growing up. Four years have passed and his happiness seems to be a gift from God, waving deep into his heart. No other feeling could be greater than to hold and protect his beloved ones. Yet, he isn't complete. Should he share his knowledge and revelations? Would people care? And, as the great meanings of life are unveiling to his eyes, the Shadow Hunter is tormented by an extreme anxiety. The urge for shouting reminds the moments prior to the troops' attack. A disturbing Waiting Silence, hovering seconds before the desperate screams. (encarte, p.4, Temple of Shadows)

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O homem se apaixona pela jovem Muçulmana, e se encontra dividido entre a ternura e o conforto de uma vida modesta e sua fome por sabedoria... Ele está escrevendo seu sonho e suas revelações no livro vazio dado pelo oráculo Judeu enquanto seus dois filhos crescem. Quatro anos se passam e sua felicidade parece ser uma dádiva de Deus, ondulando profundamente em seu coração. Nenhum outro sentimento poderia ser maior do que abraçar e proteger seus amados. Ainda assim, ele não está completo. Deveria ele compartilhar seus conhecimentos e revelações? As pessoas se importariam? Assim, enquanto os grandes sentidos da vida estão se desdobrando frente a seus olhos, o Caçador da Sombra é atormentado por uma ansiedade extrema... A ânsia de gritar lembra os momentos prévios ao ataque das tropas. Um inquietante Silêncio de Espera, plaina segundos antes dos gritos desesperados. (encarte p. 4, Temple of Shadows)

Caught in space and time Like a bird in a cage Cruelly confined In a passing matters state You suddenly realize That the wrong is the right Daring the laws Ready to put up a fight But... Love will drag your heart away To a world where dreams are made Can't hide away When your helpless mind obeys (Waiting Silence, Angra) Preso no tempo e espaço Como um pássaro na gaiola Cruelmente confinado Num estado de preocupações passageiras Você de repente percebe Que o errado é o certo Desafiando as leis Pronto para iniciar uma luta Mas.. O amor arrastará seu coração Para um mundo onde os sonhos são feitos Não é possível esconder Quando sua mente sem ajuda obedece (Espera em Silêncio, Angra)

A espera silenciosa a qual a canção se refere, é justamente o fato de que o soldado

estava confinado na casa de muçulmanos e, portanto, ninguém poderia saber. A repressão

contra os muçulmanos era real como vimos no primeiro capítulo, e um soldado cruzado aliado

aos muçulmanos só traria más consequências ao jovem.

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A história prossegue na faixa “Wishing Well” (Fonte dos Desejos), mostra-nos que o

Rabino fazia parte também dos sonhos do jovem soldado. E em um deles, disse:

The crazy Rabin keeps appearing on his dreams. "It makes no difference if you throw your coins into the Wishing Well, or save your prayers inside a marvelous church filled of gold. All that matters is the faith inside you! If there is a God, He has no home; He is everywhere!

(Encarte, p. 5, Temple of Shadows)

Não faz diferença se você jogar suas moedas na Fonte dos Desejos, ou fizer suas preces dentro de uma maravilhosa igreja cheia de ouro. Tudo o que importa é a fé dentro de você. Se há um Deus, Ele não tem lar; Ele está em todo lugar!

(Encarte, p. 5, Temple of Shadows)

A “Fonte dos Desejos” é usada como tradução metafórica por se tratar de um

sentimento pessoal, assim sendo, a fonte trata-se do lugar onde os desejos estão contidos e as

moedas são as preces neles depositados, de acordo com o Rabino na citação acima.

O que pode trazer certa confusão é a relação entre as religiões. De um lado temos o

catolicismo, que, como vimos pelo discurso do papa, temos a verdade e o amor, porém em

guerra, matando e destruindo em nome de Deus; de outro, o Islão, que os muçulmanos estão

sendo atacados pelos católicos e mesmo assim provando amor ao próximo salvando a vida de

um inimigo, como vimos em “Waiting Silence” e, por fim, o judaísmo sendo base para

reflexões e filosofias nas quais o personagem parece estar se baseando para a conclusão de

seus delírios.

O trecho a seguir relaciona-se a faixa seguinte, intitulada “Temple of Hate” (Templo

do Ódio), mostra a força da guerra e as consequências da batalha na retomada de Jerusalém

pelos cristãos:

July of 1099, Jerusalem was stormed by the army of the Holy Roman Church; which atrociously annihilated every single inhabitant. The poor man's wife and two children were among the dead; cruelly killed by the insane Christian soldiers. (Encarte, p.6, Temple of Shadows) The entire population of the Holy city was put to the sword, Jews as well as Moslems, 70,000 men, women and children perished in a holocaust which raged for three days. In places men waded in blood up to their ankles and

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horsemen were splashed by it as they rode through the streets. Weeping, these devout conquerors went barefoot to pray at the Holy Sepulcher before rushing eagerly back to the slaughter. – Desmond Sweard, The Monks of War. The Reign of Jerusalem was founded upon the fanatic, intolerant and ignorant ideals of The Temple of Hate, against the will of those who lived in the Holy Land before their invasion. (Encarte, p.6, Temple of Shadows) Julho de 1099, Jerusalém é violentamente invadida pelo exército da Santa Igreja Romana; Que atrozmente aniquilou cada habitante. A pobre esposa e os dois filhos do homem estavam entre os mortos; cruelmente assassinados pelos insanos soldados Cristãos. (Encarte, p.6, Temple of Shadows) Toda a população da Cidade Santa foi colocada à espada, Judeus e Muçulmanos, 70.000 homens, mulheres e crianças sucumbiram num holocausto que ocorreu por três dias. Nos lugares, homens molhados em sangue até os tornozelos e cavaleiros eram manchados por ele enquanto andavam a cavalo pelas ruas. Em prantos, os devotos conquistadores foram de pés descalços rezarem no Santo Sepulcro antes de voltar ansiosamente ao massacre. Desmond Sweard, Os Monges da Guerra. O Reino de Jerusalém foi fundado sob os fanáticos, intolerantes e ignorantes ideais do Templo do Ódio, contra a vontade daqueles que viviam na Terra Santa antes de sua invasão. (Encarte, p.6, Temple of Shadows)

Vigente aos fatos, Godofredo de Bulhão, um dos líderes da cruzada, após longo cerco,

conquistou Jerusalém atacando uma guarnição fraca em 1099. A repressão foi violenta.

Segundo o arcebispo Guilherme de Tiro, a cidade oferecia tal espetáculo, tal carnificina de

inimigos, tal derramamento de sangue que os próprios vencedores ficaram impressionados de

horror e descontentamento. Godofredo de Bulhão ficou só com o título de protetor e, após

sua morte, Balduíno, seu irmão, proclamou-se rei. Os cristãos humilharam-se após as duas

conquistas massacrando muito dos residentes, indiferentemente da idade, fé ou sexo. Após a

vitória, era preciso organizar a conquista. Surgiram quatro estados cruzados, conhecidos

coletivamente como Outremer ("Ultramar"), do norte para o sul: o Condado de Edessa, o

Principado de Antióquia, o Condado de Trípoli, e o Reino de Jerusalém. (WILLIAMS, 2007).

Neste terrível evento, o personagem fictício perde sua mulher e filhos. O personagem se

encontra em uma taverna na faixa The Shadow Hunter (O Caçador de Sombras) onde

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encontra uma cigana, que vê em seus olhos e também através das cartas que Shadow Hunter é

o escolhido:

"The words of the old man won't have any sense until you find the morning star", says the prostitute. "Your mission is important, but it is not in the army". (Encarte p. 7, Temple of Shadows) "As palavras do velho homem não terão sentido algum até que você encontre a estrela da manhã", diz a prostituta. "Sua missão é importante, mas não está no exército". (Encarte p. 7, Temple of Shadows)

Ela o enche de dúvidas; dizendo que o amor o iria tirar de seu caminho... Durante a

conquista da Fortaleza de Xerigordon, O Caçador da Sombra é ferido e tem de correr para

escapar das tropas de Kilij Arslan. Perdendo sangue, ele entra em colapso antes de voltar a

Constantinopla. Ele sonha com os pergaminhos perdidos nas ruínas do Templo de Salomão e

dentro de cavernas perdidas no Mar Morto. (BITTENCOURT, 2004, p. 7)

Kilij Arslan, morto em 1107, foi o soberano do Sultanato de Rum de 1092 até a sua

morte, e o refundador do sultanato de seu pai Sulimão ibn Qutulmish, após a morte do sultão

seljúcida Malik Shah I. O seu sultanato incluiu o período da Primeira Cruzada e, pela posição

geográfica dos seus territórios, coube-lhe enfrentar todas as expedições cristãs desta cruzada

assim que estas entraram em territórios muçulmanos. (HASAN; WAHEED, 1974, p. 159)

A partir deste ponto, Shadow Hunter começa a confrontar a ideia destrutiva que sua

religião estava impondo em nome do Deus que até então era o Deus do amor, e na letra da

música podemos encontrar alguns pensamentos relacionados a estes conflitos que agora

tornavam a invadir sua mente.

Running blind against the faith Reason slips away Churches falling like castles on the sand Ends the Holy War Have the good for bad

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(What does a man gain from his work? Under the sun where he labors What is so good for a man in life? During his days he's just like a shadow. (The Shadow Hunter, Angra) Correndo cego contra a fé A razão escapuliu Igrejas caindo como castelos na areia Termina a Guerra Santa Tome o bem pelo mal O que o homem ganha de seu serviço? Sob o sol onde ele trabalha O que é tão bom para um homem na vida? Durante seus dias ele é simplesmente uma sombra (O Caçador de Sombras, Angra)

E em outro momento, Shadow Hunter desabafa sua revolta pelas conclusões em que

chegou quanto ao que sua religião pregava em contradição ao que ela estava fazendo,

destruindo vidas em nome de Deus.

Running blind against the faith Running blind again Church is falling like castles on the sand Ends the Holy War Jesus was a man With a heart, with a mind With a body, with a soul So divine as your own God has no mind, has no heart Has no body, has no soul And no resemblance of you (The Shadow Hunter, Angra) Correndo cego contra a fé Correndo cego novamente A Igreja está caindo como castelos na areia Termina a Guerra Santa Jesus era um homem Com um coração, com uma mente Com um corpo, com uma alma Tão divino quanto você mesmo Deus não tem mente, não tem coração Não tem corpo, não tem alma E nem semelhança de você (O Caçador de Sombras, Angra)

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Vale ressaltar neste momento, o fato de que juntamente às letras das músicas, o

encarte do álbum apresenta citações em latim, o que torna mais intrigante a busca pela

referência histórica:

Justamente com a criação do conceito e das letras, eu fiz uma pesquisa histórica e bíblica. Então em várias músicas existem referencias a passagens bíblicas. Na própria Shadow Hunter tem um coral, que eu inclusive gravei as vozes, onde usei um texto do livro do Eclesiastes que fala sobre a sabedoria de forma um pouco desanimada: não adianta ser um sábio, pois o caminho de um sábio sempre cruza o caminho dos tolos; e o seu caminho nunca é só seu, pois ele é cruzado com o de outras pessoas. Isso é justamente a ideia do álbum, pois não adianta uma civilização ter a sabedoria se todo o resto não o tiver. Então são referencias que encontrei na Bíblia que me ajudaram nas letras e as coloquei em Latim para que cada um, se quiser, possa encontrar o significado na própria Bíblia. Escolhi manter nesta língua para que fique algo mais universal e ambientado. Outra razão de manter o Latim é que as traduções são muito diferentes... As frases estão lá porque, conforme fui pesquisando o tema, eu quis mostrar isso para as pessoas... Não tinha como eu colocar isso nas letras.

(BITTENCOURT, p.23-24, 2004)

A história continua em No Pain For The Dead (Sem Dor Para os Mortos), cuja canção

expressa extrema emotividade, pois retrata a força e o desafio emocional que nosso soldado

teve que passar. Nesta música, ele se encontra enterrando seus próprios filhos e esposa mortos

na guerra. A dor profunda, mas consciente, ele sabe que aquela dor irá acompanhá-lo pelo

resto de sua vida. Porém, enquanto olha para os corpos de seus entes, Shadow Hunter

reconhece que não há dor aos mortos, que esta diante da libertação deles. (Encarte p.11,

Temple of Shadows)

A dor se reflete na letra da canção de forma impactante quando o personagem Shadow

Hunter parece conversar com a Mãe Terra, representação da Natureza que trata da fertilidade,

dos ciclos e do cultivo simbolizados na mãe, adotada desde os povos Neolíticos (ou Idade da

Pedra polida):período que vai desde 8.000 a.e.c. até 5.000 a.e.c². Seu diálogo consiste em

trazer serenidade ao pobre viúvo, como vemos abaixo:

(Triumph for the martyrs of the war Fallen for the causes of the others...

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² Disponível em: http://www.bruxaria.net/

Worth the sacrifice? Heroes are dying now Hearing their mothers cry Heaven is a metaphor Free your mind and spirit) (Mother Earth, No Pain for the Dead, Angra) (Triunfo para os mártires da guerra Caídos por causas dos outros... Vale o sacrifício? Heróis estão morrendo agora Ouvindo suas mães chorarem O Paraíso é uma metáfora Liberte sua mente e espírito) (Mãe Terra, Sem Dor Para os Mortos, Angra)

Seguida então da resposta ao guerreiro, um sinal de redenção ao triste ocorrido:

Mother Earth, do you part take my Soul, oh no! Water, wind and fire... Will take our spirits away (Shadow Hunter, No Pain for The Dead, Angra) Mãe Terra, tua parte pegará minha Alma, oh, não! Água, vento e fogo... Levarão para longe nossos espíritos (Shadow Hunter, Sem Dor para os Mortos, Angra)

Ainda tratando-se de No Pain for the Dead, vemos o cuidado da banda Angra em

enfatizar e intensificar este grande momento na obra com um acréscimo de voz feminina

(Sabine Edelsbacher (Áustria, 20 de maio) é vocalista da banda austríaca de metal melódico

Edenbridge) em contraste com a voz masculina e forte do vocalista Eduardo Falaschi (Angra),

criando então uma interpretação calorosa e envolvente que reflete perfeitamente a dor do

soldado e a delicadeza da Mãe Terra ao confortá-lo.

A próxima canção, Winds of Destination (Ventos do Destino) mostra que apesar da

história ser fictícia, alguns fatos além das Cruzadas e das semelhanças com história de São

Jorge, o álbum nos apresenta vestígios de localizações e mistérios que são de fato verídicos,

como os pergaminhos e tesouros escoltados pelos soldados Templários do Templo de

Salomão, como podemos ver no texto que antecede a música no encarte do álbum:

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In 1123, two noble men from Europe and seven Knights Crusaders were nominated to guard the ruins of the Temple of Solomon and to protect the Christians who came to visit the holy places. They were called Templar. Down the tunnels of the temple wreck they found relics and manuscripts which contained the essence of the secret traditions of Judaism and ancient Egypt, some of which probably went back to the day of Moses. Freedom of intellectual thought and the restoration of one and universal religion was their secret object. To the eyes of God, every life manifestation is the same. There is no special path prepared for us. A human being isn't worth more than a whirlwind carrying fallen leaves. We're all being carried by the same Winds of Destination. (Encarte, p.12, Temple of Shadows, Angra)

Em 1123, dois nobres da Europa e sete Cavaleiros Cruzados foram nomeados para guardar as ruínas do Templo de Salomão e para proteger os Cristãos que vinham visitar os locais sagrados. Eles eram chamados Templários. Pelos túneis dos restos do templo eles encontram relíquias e manuscritos que continham a essência das tradições do Judaísmo e do Egito antigo, algumas das quais remetiam aos tempos de Moisés. Liberdade de pensamento intelectual e a restauração de uma religião única e universal era seu objetivo secreto. Aos olhos de Deus, toda manifestação de vida é a mesma. Não há caminho especial preparado para nós. Um ser humano não vale mais que um redemoinho carregando folhas caídas. Estamos todos sendo guiados pelos mesmos Ventos do Destino. (Encarte, p.12, Temple of Shadows, Angra)

Retoma-se, então, a história do guerreiro Shadow Hunter em Sprout of Time (Frutos do

Tempo), que mais uma vez se assemelha a de São Jorge em determinados detalhes. O Caçador

da Sombra começa uma nova religião, reunindo pessoas ao seu redor para espalhar a verdade

por ele revelada. Palavras de paz e amor foram semeadas no coração dos sábios; mas caíram

sem dar frutos no solo rochoso do coração dos cegos. "O futuro é uma consequência do que

fazemos agora. O presente expõe os Frutos do Tempo". (Encarte, p. 13, Temple of Shadows,

Angra). As semelhanças são postas da seguinte forma: assim como Shadow Hunter, São Jorge

também reuniu seus semelhantes pregando a sua verdade na paz e no amor. Além disso,

podemos vemos que a vida dos dois personagens, real e fictício, se unificam em relação à

felicidade plena que os guiam para essa jornada, onde ambos elevam sua alma de forma a soar

negligente aos que se opõem a atitudes como estas. Este momento de felicidade e talvez de

purificação, pode ser interpretada através do trecho abaixo:

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Hands on heart Embrace each other The dances, the faces, the smiles Behind the past New seasons bring the chance To start again Tall trees will ever last The circles of life (Sprout of Time, Angra) Mãos no coração Abrace um ao outro As danças, os rostos, os sorrisos Atrás do passado Novas estações trazem a chance De começar de novo As árvores altas da vida durarão Os círculos da vida (Frutos do Tempo, Angra)

Shadow Hunter continua, então, sua jornada na música Morning Star (Estrela do

Amanhã) em que ele está sendo carregado por dois mulçumanos em uma espécie de rede, sem

saber o que fazer...

Right above his head, while the sun is dawning, the Morning Star shines in the new day's sky. The six-points-shaped star presents a cross and the trident together as one. He understands the first sign as the wolves are howling. At that very moment, the first prophecy is accomplished. He will find out later, that the two men are brothers. They have decided to carry him to their house since they found him lying stained with blood on the ground. (Encarte, p.14, Temple of Shadows, Angra) Bem acima de sua cabeça, onde o sol está amanhecendo, a Estrela da Manhã brilha no céu do novo dia. A estrela de seis pontas apresenta uma cruz e um tridente juntos como um só. Ele entende o primeiro sinal ao ouvir o uivo dos lobos. Naquele exato momento, a primeira profecia é cumprida. Ele descobrirá mais tarde que os dois homens são irmãos. Eles decidiram carregar o homem até sua casa quando o viram deitado e manchado de sangue no chão. ... Na casa da família Muçulmana, sua adorável irmã Laura vai cuidar dos ferimentos do cruzado. (Encarte, p.14, Temple of Shadows, Angra)

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Nesta mesma faixa, vemos que nosso soldado parece estar pleno de certezas depois de

tudo o que lhe aconteceu, todos os pensamentos, os conselhos. Recorda, então de tudo o que

já passou e se propõe ao seu destino, assim como São Jorge.

All the time I was lost in the desert Counting what was left from the Illusions in my mind Hopeless fights Foolish thoughts we were in heaven Till we die, oh! Death will bring us back Where we belong Now you must decide before the Dawn is brightening up the day Announcing in the sky The Morning Star Nothing left to loose I am going on my way tonight (On my way and...) Shouting to the moon I'll be roaming till I find The Morning Star - Oh!!! (Morning Star, Angra) Todo o tempo eu estive perdido no deserto Contando o que sobrou das Ilusões em minha mente Lutas desesperançadas Tolos pensamentos que estávamos no paraíso Até que morremos, oh! A morte nos trará de volta Para onde pertencemos Agora você deve decidir antes do Amanhecer que ilumina um novo dia Anunciando no céu A Estrela da Manhã Nada mais a perder Estou seguindo meu caminho esta noite (No meu caminho e...) Gritando para a lua Estarei vagando até encontrar A Estrela da Manhã - Oh! (Estrela do Amanhã, Angra)

A história de nosso herói fictício chega ao fim na canção seguinte, Late Redemption

(Redenção Tardia). Nesta faixa, podemos assemelhar novamente Shadow Hunter a São Jorge,

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pois nela, o Caçador de Sombras se entrega então ao julgamento, à tortura, à injúria e, por

fim, à sua morte.

The Angel of Death stretches his arms and offers a comfortable eternal silence. The Shadow Hunter delivers his body and soul, sure of his Late Redemption. (Encarte, p. 15, Temple of Shadows, Angra) O Anjo da Morte estende os braços e oferece um confortável silêncio eterno. O Caçador da Sombra entrega seu corpo e sua alma, certo de sua Redenção Tardia. (Encarte, p. 15, Temple of Shadows, Angra)

Porém, mesmo no seu fim, o soldado prossegue com seus questionamentos com

relação à religião e deixa mensagens como lições para os que ficam e para aqueles que o

seguiram ou mesmo para os que nele viram salvação ou traição.

Please the ones you love Before you miss’em Win my chances back cause Life is short but it’s never late! It’s time to find redemption Only love defies the Resurection Mark my words: God’s abandoned this world! Would I live again? What’s the new religion? Yeah! And what shall be the bread? Really I don’t give a damn! Never wanna live again In this vain emotion Over for me! (Late Redemption, Angra) Dê prazer aos que ama Antes que você os perca Ganho minhas chances de volta pois A vida é curta mas nunca é tarde! É hora de achar a Redenção Só o amor desafia a Ressurreição Marque minhas palavras: Deus abandonou esse mundo! Viverei eu de novo?

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Qual é a nova religião? Sim! E o que deve ser o pão? Realmente eu não me importo! Jamais quero viver de novo Nessa vã emoção Acabou-se para mim! (Late Redemption, Angra)

O álbum termina com a canção instrumental Gate XIII (Portal XIII). O nome da

canção pode ser interpretado como um portal a cada discípulo, e o XIII seria ocupado pelo

personagem Shadow Hunter, mas como vimos, o soldado estava constantemente confrontando

sua religião, suas crenças e até mesmo criando uma nova religião, então podemos associar o

portal XIII como referência a dois livros presentes na Bíblia, Gênesis e o Livro das

Revelações, onde foram destacados no encarte do álbum Temple of Shadows, as duas

passagens a seguir para esclarecimento da canção:

Genesis XIII: homines autem Sodomitae pessimi erant et peccatores coram Domino nimis Revelation XIII: et fecit signa magna ut etiam ignem faceret de caelo descendere in terram in conspectu hominum (Encarte, p. 15, Temple of Shadows, Angra) Gênesis 13: os homens de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o Senhor Apocalipse 13: e ele fez grandes sinais, mesmo fazendo descer fogo do céu à terra, à vista dos homens (Encarte, p. 15, Temple of Shadows, Angra)

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CAPITULO IV

DA FICÇÃO AO INTERESSE HISTÓRICO LITERÁRIO

Guerras, batalhas sangrentas, tortura, santos, demônios, religiões, Idade Média, depois

de todos estes aspectos, refletimos: Qual o motivo de retomar tais assuntos depois de tantos

séculos?

O álbum em questão, Temple of Shadows, da banda Angra, foi lançado no ano de

2004. Porém, podemos ver que neste 2º milênio muitas histórias também confrontaram alguns

dos assuntos citados acima, assim como o Santo Graal, Maria Madalena e Jesus Cristo,

pergaminhos e segredos que a Igreja Católica oculta há séculos, anjos e demônios, dentre

outros. Estes assuntos geram polêmica e mesmo quando tratados em obras fictícias, como no

trabalho da banda Angra, ou mesmo nos livros de Dan Brown (2000 e 2003), dois entre

inúmeros exemplos de trabalhos realizados apenas a partir do 2º milênio, sem contar os

inúmeros que os antecederam, exercem uma função grandiosa e quase libertadora para

muitos, por tratar de assuntos até então esquecidos por grande parte da população mundial, e

também receber críticas nada favoráveis de estudiosos acerca dos mesmos.

Tais obras abriram espaço grandioso para grandes historiadores se erguerem e

reergueram perante os temas abordados, como religião, sociedades secretas, dentre outros

mistérios, e seus trabalhos sempre acabam sendo ligados pela obra em maior destaque, por

exemplo: Após o lançamento dos livros Anjos e Demônios (BROWN, Dan 2000) e O Código

Da Vinci (BROWN, Dan 2003), foram lançados, entre muitos, Os Segredos de Anjos e

Demônios (BURSTEIN, Dan 2005), Iluminando Anjos e Demônios: os Fatos por Trás da

Ficção (COX, Simon 2005), A Verdade e a Ficção em o Código da Vinci (EHRMAN, Bart D.

2005), Quebrando o Código Da Vinci (BOCK, Darrell L. 2004). Podemos ver que todas as

obras são sucessoras das obras de Dan Brown e que se tornaram populares por abordar os

assuntos com convicção e tornarem quase todos os aspectos e dados presentes em suas obras,

reais de fato. Nisso, tais escritores, conseguem fixar suas ideias sobre a história, de maneira

muito bem remunerada por conta da exposição da mídia e do interesse de poucos que vão

além do romance e buscam conhecer a verdade.

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A obra “Temple of Shadows”, da banda Angra, teve seu merecido reconhecimento

dado pela mídia especializada em Heavy Metal, e despertou o interesse em milhares de

pessoas que acompanham a banda e também por quem passou a conhecer um pouco da

história das Cruzadas e de São Jorge por meio da música.

O Heavy Metal é uma vertente do rock, estilo musical marcado por instrumentos de

cordas e percussão, que passam, muitas vezes, nitidamente, as sensações e emoções, sendo,

então, completados pela interpretação do cantor através da letra das músicas. Nessa vertente,

o que podemos destacar é que muitas bandas aderem a esta postura, trazendo, por meio de sua

música, histórias fatídicas ou mesmo fictícias, mas que levam o ouvinte a buscar referências e

aprender mais sobre assuntos como religião, idade média, guerras, sociedade, psicologia,

cultura, folclore, dentre outros, estes são os temas mais abordados pelas bandas do estilo que

estão presentes no mundo todo. Este estilo musical, desenvolvido por volta dos anos 60, tendo

início principalmente e, talvez, primeiramente no Reino Unido e nos Estados Unidos, sendo

esta uma das explicações do porquê de praticamente todas as bandas do estilo, mesmo não

sendo de tais países, adotaram o Inglês em suas letras, como meio de referência e marca do

estilo. (BOWAR) ³

Desta forma, podemos caracterizar a música em seu contexto geral, como uma das

formas de compreensão do mundo, no caso, através da arte, pois através dela, o autor, que

neste caso é o artista ou músico, se empenha em abordar diretamente ou indiretamente

aspectos histórico-sociais por meio de suas obras e as entrega ao deleite do ouvinte ou leitor,

para que estes absorvam da maneira que melhor lhes convêm.

Assim, problemas que desafiavam gerações de filósofos e críticos pareceram de repente facilmente solúveis, graças a um simplismo que não raro levou ao descrédito as orientações sociológicas e psicológicas, como instrumentos de interpretação do fato literário. (CANDIDO, 1957, p. 17)

Talvez por conta deste “simplismo”, a música seja um dos meios mais abrangentes e

que não possui em sua essência discriminação aos ouvintes por ser acessível tanto para a

execução quanto para a audição de qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo e, por isso,

tendem a inserir na música aspectos culturais e regionais, filosofias ou mesmo sem este

intuito, acabam por influenciar pensamentos, ações, sentimentos e estudos com relação ao que

nelas é abordado. Esta forma de influenciar por meio da arte é uma ação milenar, que

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³ Disponível em: < http://heavymetal.about.com/od/heavymetal101/a/101_timeline.htm>

permanece intacta ou talvez mais forte nos dias de hoje pela facilidade do contato com a

música, com a arte e, por consequência, com outras culturas.

O poeta não é uma resultante, nem mesmo um simples foco refletor; possui o seu próprio espelho, a sua mônada individual e única. Tem o seu núcleo e o seu órgão, através do qual tudo o que passa se transforma, porque ele combina e cria ao devolver à realidade. (DIAS, 1957, p. 58)

Porém, não podemos nos render à arte e esperar dela uma verdade única. Não se deve,

nunca, tornar a Sociologia uma disciplina auxiliar, mas sim usar a arte como auxílio, como

atalho para uma possível iniciação a determinado estado social. Apesar de que considerar a

arte como verdade, através de fatos nela citados, tenha sido algo comum e não menos

importante durante o século XVIII por filósofos, escritores, dentre outros. Daí, então, se

iniciou a propagação de análises superficiais aquém desta relação entre arte e os modos de

vida e interesses de determinados grupos sociais. Aliado a isso, analisavam o conteúdo social

das obras, baseando-se em motivos de ordem moral ou política, afirmando que a arte tem seu

valor atribuído de acordo com estes motivos, o que torna a avaliação e a relevância algo

pessoal e apenas importante aos que se adequam aos mesmos. (CANDIDO, Op. Cit, p. 17-

18).

Assim, a primeira tarefa é investigar as influências concretas exercidas pelos fatores socioculturais. É difícil discriminá-los, na sua quantidade e variedade, mas pode-se dizer que os mais decisivos se ligam à estrutura social, aos valores e ideologias, às técnicas de comunicação. (CANDIDO, 1957, p. 20)

O trecho a seguir, parte de uma entrevista com o criador da história do CD da banda

Angra, Rafael Bittencourt, deixa-nos a par da situação encontrada neste trabalho, sendo a

influência de valores e ideologias os pontos adotados pela banda Angra ao representar em sua

obra personagens e acontecimentos que fazem parte da cultura e religião de determinadas

comunidades. E com o mesmo, finalizamos este trabalho, ressaltando que é possível aprender

diversos assuntos distintos com um instrumento chamado “música”, desde que possa ser

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apoiada por fontes verídicas e confiáveis que confirmam a história por trás das letras de

determinado álbum musical ou canção:

Então inventei uma historia em uma época onde a mesma coisa acontecia, pois este absurdo já ocorre há milhares de anos. A mensagem do álbum é tentar que, baseados nos erros do passado, enfim mostremos que somos inteligentes, que sabemos pensar, e tentemos não cometer os mesmos erros no futuro. Coloquei isso há mil anos, quando o ocidente praticava terror para o oriente, quando nós começamos toda essa confusão. Muitas pessoas olham o Bush e o Bin Laden e julgam isso tudo sem pensar no precedente histórico. Acho que é muito importante sabermos a parcela de culpa que o ocidente tem nisso e a parcela de culpa da igreja em apoiar a geração deste pensamento ocidental. A minha principal crítica em relação à Igreja é que hoje em dia mesmo quem não tem nenhum envolvimento com fé ou religião, tem embutido na sua mente a maneira católica de se pensar. Os pilares da filosofia ocidental residem na época de quando a igreja dominava e impôs sua maneira de pensar para a sociedade. Esse pensamento individualista, capitalista, do ‘salve-se quem puder”, é um absurdo. Também acho que a filosofia das principais religiões de que existe um paraíso e que tudo será melhor depois, de que podemos praticar erros que Deus nos perdoara contanto que nos ajoelhemos e outras coisas desse tipo, destroem a possibilidade de um bom convívio entre as pessoas. Isso gera uma atitude individualista de que “vou fazer a minha parte, vou para o céu e que se dane o resto”, e o presente, os problemas reais, acabam ficando sem solução. Acho que foi travada uma guerra contra a luz do conhecimento e sofremos as conseqüências disso. Hoje em dia a minha religião é a luz do conhecimento. Para a igreja Católica, o dragão é o paganismo, o pecado...Uma imagem ruim representando o demônio e varias coisas do tipo. Já nas religiões orientais o dragão é o espírito humano, a vontade num sentido positivo, a fertilidade, a criatividade, a longevidade e coisas assim. Varias coisas que o oriental vê como pureza, o ocidental vê como pecado, como é o caso da fertilidade, vista como pecado, um tabu relacionado ao sexo. A imagem representa a civilização ocidental matando a cultura oriental, ou seja, a força destruindo o conhecimento. Esta é uma das razões para a capa e a outra é que o São Jorge é uma figura histórica, um soldado romano que morreu pelos seus ideais, tentando impedir o império romano de perseguir os cristãos. Com isso ele foi torturado até a morte. Ele ajudou a construir o meu personagem. Não apenas São Jorge, mas também outros personagens históricos como São Francisco de Assis e Joana D´arc. Mas o São Jorge representa bem o ambiente da historia, embora tenha vivido bem antes do século XI. (BITTENCOURT, 2004, p.22 – p.23)

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CONCLUSÃO

Esta monografia teve como objetivo geral, analisar, de forma sucinta, o trabalho

apresentado pelo grupo Angra no álbum “Temple of Shadows”. Nossa intenção foi relacionar

o trabalho musical com os fatos históricos acontecidos durante as Cruzadas que ocorreram

(França-Jerusalém) no ano de (1095-1099), a história de São Jorge de Capadócia (275 em

Capadócia (Turquia) e verificar se as músicas do CD continham, realmente, fatos

relacionados com a História ou se era uma criação do autor a partir de sua imaginação.

Diante dessa intenção, pudemos constatar que o resultado é fatídico, como vimos, apesar de o

álbum ter sido imaginado e criado pelo guitarrista Rafael Bittencourt, ele apresenta os fatos

históricos apresentados nos dois primeiros capítulos deste trabalho.

Acreditamos que um trabalho desse teor cumpre cada vez mais um importante papel

dentro de nossa sociedade, haja vista que a música também é um considerável meio de

comunicação de massa. Vimos que é possível também, principalmente dentro do campo

educacional, utilizar-se de meios diferenciados para que o profissional possa abranger seu

instrumental de trabalho e também, por que não, conscientizar os alunos quanto à necessidade

de se entender todos os processos que envolvem a história de nossa sociedade.

Concluímos que existem diferentes formas de se entender o universo que nos cerca.

Não cabe aqui nenhuma forma de julgamento quanto à qualidade de cada um deles, já que

cada um tem uma função específica, delimitada e delineada por seu campo de atuação.

Destarte, verificamos que os diferentes modos de percepção do nosso universo se dão através

da ciência, da filosofia, do senso comum, do mito e, por fim, da arte.

Apontaremos abaixo um resumo de cada uma dessas formas de compreensão do

mundo.

Entendemos que cada qual das áreas citadas acima atua de modo bastante complexo

dentro dos interesses a que se relacionam. Por exemplo: a ciência tem por finalidade

comprovar através de uma teoria e uma metodologia. O critério de verdade para a ciência é a

experimentação, cujo resultado dessa experimentação é a comprovação de uma determinada

tese de modo sempre objetivo. Neste caso, a relação entre o observador e o ser observado se

dá sempre de modo impessoal, o que cria o chamado mito da neutralidade científica.

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Já a Filosofia tem seu alicerce baseado na razão, cujo objetivo é a discussão de

determinados assuntos até chegar-se a um resultado que contemple todas as diferenças entre si

através da dialética, ou seja, da verificação das partes que compõem um determinado assunto.

A relação entre o sujeito e o objeto se dá pela relação transpessoal, na qual a palavra diz as

coisas. O mundo se manifesta, portanto, pelos fenômenos e é dizível por meio dos logos.

No caso do senso-comum, o que prevalece é a cultura ética e moral, que se sustenta

pela tradição cultural. O único problema se dá não pela busca da verdade, como acontece na

Filosofia e nas ciências, mas através das ideias dominantes e pelos poderes já previamente

estabelecidos pela sociedade.

O que move o mito é, sem dúvida alguma, a fé. Esta fé pode, por sua vez, ser

dogmática, doutrinário e/ou proselitista. Há uma relação suprapessoal, na qual a revelação do

sagrado se manifesta sobrenaturalmente ao profano por meio do rito. Essa foi a forma, muitas

vezes encontrada nos discursos aqui tratados para incentivar as pessoas a abandonarem suas

casas e ir defender os valores estabelecidos pela igreja.

Por fim, a arte busca manifestar-se através da estética. Nessa estética, encontramos a

todo o momento a subjetividade de quem compõe uma determinada arte e essa arte se move

pelo gosto do artista, no nosso caso, pelo gosto do nosso compositor. Há aqui sempre uma

relação pessoal, na qual a criatividade é a percepção da realidade do autor e a interpretação é a

sensibilidade do observador.

Encerramos aqui este trabalho salientando a importância das composições musicais

como um instrumental para a transmissão do saber e acreditamos que com esse instrumental,

rico em sua própria essência, é possível abandonarmos o mundo da ignorância e adentrarmos

num universo repleto de novos caminhos a serem desbravados pela nossa curiosidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGRA. São Paulo: Paradoxx Music, 2004. 1 disco compacto (66:30 min.): digital, estéreo.

1312002-1. Temple of Shadows.

BERNE, Túlio. Sociedades Secretas, São Paulo: editora Escala, 2005, p. 29 – p.32

BITTENCOURT, Rafael. São Paulo: Roadie Crew, edição nº70, ano 07, Novembro/2004,

p.22-24. Entrevista concedida a Ricardo Campos.

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade, T. A. Querioz Editor Ltda. 2000, p. 17- p. 20

DIAS, Gonçalves, Poesias Completas, São Paulo: Saraiva, 1957, p. 58

MONTEIRO, Antonio Carlos. São Paulo: Rock Brigade, edição nº 218, setembro/2004 - p. 14

WILLIAMS, Paul. O guia completo das cruzadas. São Paulo: Madras, 2007.