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7/27/2019 A música não pode ser erudita http://slidepdf.com/reader/full/a-musica-nao-pode-ser-erudita 1/12 1 A música não pode ser erudita 1 Soneto concreto sobre composição planimétrica Montagem de fragmentos de H. J. Koellreutter & Adoniram Barbosa Antonio Herci Ferreira Júnior [email protected] Filosofia – FFLCH/USP Gilbert Garcin 1. Soneto concreto Aos operários, Esteve na prisão comigo, Música não pode ser erudita, Músico pode ser erudito! Eu prefiro dizer o que sempre se dizia: Música clássica e música popular. A música é uma arte que se serve da linguagem dos sons, Nós usamos então metáforas! Fusão do popular e do clássico, Na base da improvisação: Música não pode ser erudita; Músico pode ser erudito! Raro é a realização da personalidade. Cada um é diferente: o círculo se fechou! 1 Submetida ao I Simpósio de Estética e Filosofia da música SEIM-UFGS, Porto Alegre, outubro de 2013 . Peça inédita composta em 2012 e gravada em 2013 . Disponível on-line: https://soundcloud.com/antonioherci/amusicanaopodesererudita

A música não pode ser erudita

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A música não pode ser erudita1 Soneto concreto sobre composição planimétrica

Montagem de fragmentos de H. J. Koellreutter & Adoniram Barbosa

Antonio Herci Ferreira Jú[email protected]

Filosofia – FFLCH/USP

Gilbert Garcin

1. Soneto concreto

Aos operários,Esteve na prisão comigo, Música não pode ser erudita, Músico pode ser erudito!

Eu prefiro dizer o que sempre se dizia: Música clássica e música popular. A música é uma arte que se serve da linguagem dos sons,

Nós usamos então metáforas!Fusão do popular e do clássico, Na base da improvisação: Música não pode ser erudita;

Músico pode ser erudito! Raro é a realização da personalidade.Cada um é diferente: o círculo se fechou!

1 Submetida ao I Simpósio de Estética e Filosofia da música SEIM-UFGS, Porto Alegre, outubro de2013 .Peça inédita composta em2012 e gravada em2013 . Disponível on-line: https://soundcloud.com/antonioherci/amusicanaopodesererudita

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Soneto concretoé uma montagem de frases proferidas pelo compositor e professor Hans-Joachim Koellreutter(1915-2005), com recortes de sua voz original colhida emgravações de aulas, conferências e documentários. (Conf. principalmente:SGANZERLA, 2003).

São apresentadas duas de suas mais marcantes e controversas teses:

a. NEGAÇÃO da dicotomia , ou bi partição, ou classificação da música a partir dos termos ‘erudito’ e ‘ popular’, utilizado na época pela maioria dosacadêmicos e academias.

b. NEGAÇÃO da erudiçãocomo qualidade da música.

Apresenta a ‘erudição’ como algo mais apropriado à qualificação do próprio homem,isto é, do músico; por outro lado recusa a classificação da música segundo uma suposta presença ou ausência de ‘erudição do objeto artístico’, pois a própria delimitação pararepresentar taiscategoriasimplica na divisão entreo que tem e o que não tem erudição,o que seria o mesmo que afirmar que a erudição é vetada ao músico do campo popular. Adelimitação doerudito, dessa forma, seria uma forma de desqualificação do popular.

Propõe, como alternativa, os termos ‘popular’ e ‘clássico’, este últimocompreendendo o universo da música de concerto europeia, a partir do renascimento.(KOELLREUTTER, 1990, 1999a, 1999b e TOURINHO, 1999)

2. Composição planimétrica

A música não pode ser eruditaé uma'obra manifesto': interpreta e defende umatese, não se reivindicando neutra. Seu suporte é uma montagemliteromusicalem dois

planos:1. Trechos de falas, conferências ou documentários de Koellreuter, que compõe o

Soneto Concreto.2. Freagmentos de músicas de Koellreuttere seu contemporâneo Adoniram

Barbosa.

Adoniram – Casamento do Moacir; Despejo na Favela; Morro da Casa Verdade; Mulher patrão e cachaça; Trem das Onze e Véspera de Natal(músicas).

Koellreutter – Anacron; Panta Rhei; Wo-Li; Improviso para flauta; Três peças para piano(músicas). Informação(documentário).

Desseuniverso sonorosão recortados trechos de alguns segundos — ‘ módulos básicos’, material sonoro que vai ser utilizado na montagem.

Osmódulossão organizados embancos de timbres,disparados por teclados econtroladores virtuais, segundo uma técnica planimétrica.

Nas palavras do próprio professor :

PlanimetriaÉ a técnica de composição que organiza os signos musicais em diagramas

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multidirecionais de séries e estruturas. Relação profunda entre som e silêncio,combina predeterminado (composição) e aleatório (improvisação). Valoriza ocorrências acausais e permutações, vivência e percepção do tempo, em campos sonoros. Busca superar o dualismo: consonância/dissonância, melodia/acorde,contraponto/harmonia, forte/fraco, definido/indefinido, correto/incorreto,belo/feio, vida/morte, imanência/transcendência. "Concretion" (1960) foi meu

primeiro ensaio planimétrico. A base é a minha "estética relativista do impreciso edo paradoxal". (Definição de Koellreutter, in: ADRIANO; VOROBOW, 1999,destaque meu. Cf. item 4.)

3. Estéticas e ideologias

O século XX foi marcado por experiências musicais que demoliram tabus efronteiras. Ousadias estéticas que não passaram despercebidas pelos órgãos de censura,durante a repressão que decorria no Brasil sob Ditadura Militar .

Transgredir regrasestéticasacabava inevitavelmente tendo um conteúdocontestatório, pois efetivamente entrava em choque com a própria normalização da vidacotidiana, passada a pente fino pelos aparatos ideológicos: currículos, etiquetas, bomgosto, organização da produção e distribuição musical; ou mesmo em questõesdiretamente ligadas à sintaxe e prosódias, tecnicamente falando.

Koellreutterexpressava um ponto de convergência na expressão dessas vanguardasnos camposclássicoe popular : trazendo inovações técnicas e composicionais — dodecafonia, música aleatóriae planimetria— e abrindo as portas da universidade paraa criatividade e temática social da música popular.

Com o grupo Música Viva [1944], orientou a geração de compositores que veio a

orientar os signatários do Manifesto Música Nova no início da década de 60(Gilberto Mendes, Rogério Duprat, Damiano Cozzella, Willy Correia de Oliveiraetc.); formou, entre outras coisas, toda a geração dos tropicalistas; a geração dossignatários do Música Nova, por sua vez, foi tutora de compositores e gruposvinculados à ECA-USP, como Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, Premeditando o Breque, Terço, Luis Tatit, no campo da música popular, e Silvio Ferraz, Flô Menezes e Denise Garcia, no campo da música eletroacústica.

Era preteridonas rádios, mesmo em programas especificamente de música clássicae sofreu oposição de parte dos acadêmicos, pelo radicalismo estético, abertura para o popular e suas convicções socialistas. Chegou a ser criticado — pela mesma prática dadodecafonia— ora de ‘fascista’, ora de ‘comunista’. (KOELLREUTTER, 1999b)

Alguns músicos ligados ao PCB (Guerra Peixeentre eles) o acusavam de estar impregnando a cultura nacional com elementos estranhos; os censores da ditadura deestar introduzindo, pela estética, um pensamento igualitário e anarquista. (ADRIANO;VOROBOW, 1999 e COSTA, 2006)

Adoniram Barbosa(1910-1982) foi um dos mestres da música brasileira, criador deum estilo falado e improvisado, entrecortado por silêncios e paradinhas (samba de breque) e harmonias vocais — coros de três ou quatro vozes—, em estribilhos muitasvezes onomatopaicos.

Seu maxixe ‘Vai-Da-Valsa’ de1950 foi sumariamente vetado na época [Estado Novo], só chegando ao disco meio século depois. ‘Despejo na Favela’ de1969 , foi

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alvo de implicância dos militares, especialmente devido aos versos: “[...] essagente aí, hein? Cumé que faz?” (MUGNAINI JR., 2002, pág. 124. Destaquesmeus.)

Os censores de plantão ainda vetaram a obra pela “imoralidade dos erros de português” e por utilizar “ palavras proibidas”, como “sargento” e “ polícia”.(MUGNAINI JR., 2002, pág. 132)

4. Técnica e construção da peça

A notação planimétricadispõe signos em um plano, organizados em dois eixos perpendiculares, segundo uma escala mais ou menos rígida, em uma relação, por exemplo, entretempo(horizontal) ealtura (vertical).

Trata-se, aqui, de acrescentar umasemântica: formas para interpretar a maior oumenor expectativa de solução sonoraou relação causal entre os eventos — um dosvalores fundamentais paraKoellreuter (conf. acima [Planimetria]) — numa escala que

varia de estruturas preconcebidas a interrupções bruscas deexpectativa habitualdavivência sonora.São isolados sons característicos e frases marcantes ou recorrentes e decompostos

em unidades — módulos básicos—, racionalizáveis segundo a maior ou menor implicação de fraseado entre um e outro.

São recombinados, compondo novos e inusitados caminhos de expectativas ouinterrupções de expetativas.

I

Adoniram— dois módulos recorrentes notáveis:1. A batida da percussão: (a) do tempo forte (geralmente no grave do surdo) e (b)

contratempo (geralmente no agudo do surdo, pressionando a pele), sua‘soluçãohabitual’:

2. Soluçãodominante-tônica(ousubdominante-tônica) dos fraseados habituais

respectivos, inclusive com suas cadências de engano e interrupções (os‘breques’):

II Koellreutter:

1. Sonscuja expectativa de implicação entre um e outrovenham da disposiçãooriginal da obra:

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2. Sons sem ligação na obra, que dão origem a expectativas atuais:

3. Ruídos e sons indeterminados, com fraca implicação de fraseado:

III1. Interruptores ou terminadores de frase

2. Contínuos

3. Nota ou evento isolado

IV

Ruídos contínuos de alta frequência

1. Camaalta

2. Camabaixa

V

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Planimetria bidimensional.1. O eixo horizontal representa a temporalidade.2. O eixo vertical representa a DISPOSIÇÃO DOS TIMBRES dos fragmentos

sonoros em uma escala qualquer (aqui foi usada a escala cromática). Cada notadispara um som de cada um dos compositores segundo o banco acessado de

timbres. Quando sobre fundo de reticulado, devem ser exclusivos de Adoniramou Koellreutter (respectivamente).

3. O eixo vertical representa AS ALTURAS em improvisos sobre objetos

metálicos.

VI

1.

Frases de Koellreutter, que compõe oSoneto Concreto:

2. Cantarolar — Adoniram, utilizando os recorrentes arranjos para grupovocal ( “lalaiás”, “ joga cascas pra lá” etc.);Koellreutter em polifonia sobre sua

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própria voz (respectivamente);

5. BULA

A partitura é uma INTERPRETAÇÃO PLANIMÉTRICA e pode ser executada emoutros universos sonoros e conjuntos de timbres, que não os apresentados aqui.

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6. Bibliografia

ADRIANO, Carlos; VOROBOW, Bernardo . A revolucão de Koellreutter . Folhade São Paulo - Caderno MAIS , , n. 7 de novembro, 1999.

COSTA, Valério Fiel da . Apenas Koellreutter . 6. dez. 2006.Overmundo . . Blog.Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/overblog/apenas-koellreutter>. Acesso em: 26/7/2013.

KOELLREUTTER, Hans-Joachim . Wu-li: Um Ensaio de Música Experimental.Estudos Avançados , v. 4, no 10, n. 10, p. 203–208, 1990.

KOELLREUTTER, Hans-Joachim . Sobre o valor eo desvalor da obra de arte.Estudos Avan\ccados , v. 13, n. 37, p. 251–260, 1999a.

KOELLREUTTER, Hans-Joachim . Koellreutter fala sobre “Café”. Estudos

Avançados , v. 13, n. 37, p. 265–266, 1999b.MUGNAINI JR., Ayrton . Adoniran: dá licença de contar--.São Paulo: Editora 34.

1a ed ed., 2002.

SGANZERLA, Rogério . Informação H. J. Koellreutter . Documentário, 2003.

TOURINHO, Irene . Encontros com Koellreutter: sobre suas histórias e seusmundos. Estudos Avançados , v. 13, n. 36, p. 209–223, 1999.