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UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE LETRAS
A Natureza e os seus Símbolos na Pintura Seiscentista Europeia.
Bárbara Dulce Sousa de Pimentel Teixeira
Trabalho para a Unidade Curricular de
História da Arte e Cultura na Época Moderna II
Do Professor Nuno Resende
PORTO
2012
Índice
Introdução 3
I. Principais fontes da iconografia no âmbito do simbolismo da Flora e da Fauna 4
II. Itália 7
II.1. Caravaggio, Ceia em Emaús, 1601 7
III. Espanha 14
III.1. Francisco de Zurbarán, A Casa de Nazaré, 1630 14
III.2. Diego Vélazquez, Los Borrachos, 1629 18
IV. Flandres 21
IV.1. Anthony Van Dyck, Charles V on Horseback, 1620 21
V. Portugal 24
V.I. Josefa de Ayala, Agnus Dei, c.1660-70 24
VI. França 29
VI.I. Hyacinthe Rigaud, Retrato de Luís XIV, 1701 29
VII. Quadro Síntese da Simbologia da Flora e da Fauna 32
Conclusão 33
Bibliografia 34
Índice de imagens 36
2
Introdução
Desde os tempos mais remotos que a representação do mundo natural na Arte
esteve tão intrinsecamente ligada à simbologia religiosa e profana que se torna cada vez
mais difícil ao observador atual a interpretação das obras dos períodos que nos antecedem.
A beleza natural e a fidelidade da representação realista leva o espectador a afastar-
se da mensagem subjacente. O que à primeira vista pode parecer uma simples
representação de natureza morta ou de paisagens pode esconder um complexo significado
iconográfico.
A vasta iconografia da Arte contém uma enorme variedade de representações da
natureza com uma forte simbologia baseada em referências que remetem à antiguidade
clássica, às obras religiosas e ao herbário medieval. A análise destas fontes literárias e dos
variadíssimos estudos desenvolvidos neste campo, permitem-nos descobrir a simbólica
cifrada da fauna e da flora, permitindo uma leitura descodificada das obras de arte.
No Renascimento, o estudo minucioso destas fontes literárias e da própria natureza
levou o artista a uma representação realista da flora e da fauna tirando partido das suas
capacidades decorativas e da sua simbologia como referência metafórica aos atributos
psicológicos do retratado. Tendo já estudado esta simbologia nas obras do período
Renascentista, pretendemos analisar qual a sua aplicação e de que modo evoluíram as
mensagens codificadas no que, à primeira vista, pode parecer uma simples representação
da natureza, frequentemente incluída em retratos e pinturas de temas mitológicos,
religiosos e cenas de género.
Faremos uma breve referência às principais fontes da iconografia no âmbito do
simbolismo da Flora e da Fauna, passando em seguida à análise iconográfica de algumas
obras selecionadas, das regiões com maior produção artística no período em análise, o
século XVII.
3
I. Principais fontes da iconografia no âmbito do simbolismo da Flora e da Fauna.
O Simbolismo botânico teve a sua origem na literatura da antiguidade clássica.
Nessas obras, as plantas eram regularmente usadas em metáforas de virtude ou defeito. Na
mitologia clássica, seres humanos eram transformados em plantas como uma recompensa
ou punição, como na história de Narciso, a lenda que conta a história de um jovem que se
apaixona pela sua própria imagem reflectida na água tendo sido castigado pela sua vaidade
e transformado na flor que, a partir daí, tem o seu nome.
Certas plantas são mencionadas como atributos de deuses, como as uvas para Baco,
deus do vinho, e do milho ou trigo para Ceres, deusa da Terra. Em obras clássicas de
grandes nomes como as Metamorfoses de Ovídio e a Naturalis Historia de Plínio, o Velho,
eram frequentes as referências a esta simbologia. A maioria destas ideias e associações
foram passadas aos estudiosos e aos artistas durante o Renascimento, um período marcado
por um interesse geral pelos textos do mundo greco-romano. 1
Muitas plantas e animais associados a deuses da religião pagã foram posteriormente
assimiladas pela igreja como símbolos cristãos.
Os textos religiosos também continham várias referências ao simbolismo botânico.
A Bíblia e os Evangelhos Apócrifos contêm inúmeras referências a árvores, frutos e flores.
“Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto. Cada árvore se
conhece pelo seu fruto; não se colhem figos dos espinhos, nem uvas dos abrolhos.”2 (Lc 6:
43). A simbologia associada aos frutos foi um tema explorado por muitos estudiosos da
época, estando muitas vezes relacionada com passagens da Bíblia e ao mistério Cristão.
Escritores cristãos desde o início do período medieval até à época moderna,
usaram o imaginário botânico como forma de explicar e interpretar crenças religiosas.
Para além destas fontes literárias, outras obras da época medieval, como a Vita
Christi de Ludolfo de Saxónia, o Speculum Humanae Salvationes (possivelmente do
mesmo autor), as Revelationes de Santa Brígida, o Hortus Deliciarum de Herrade de
1 Cf. MEAGHER, Jennifer. "Botanical Imagery in European Painting". Disponível em: Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000–. http://www.metmuseum.org/toah/hd/bota/hd_bota.htm (August 2007). Acedido em 15/12/12.2 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008. ISBN 972-652-201-3, p. 1681.
4
Hohenburg, a Legenda Áurea de Jacopo de Varazze e os Livros de Horas foram também
importantes fontes gráficas e literárias.
Santa Brígida escreveu as suas Revelationes em finais do século XIV mas a obra é
editada pela primeira vez em 1492, já depois da sua morte em 1373. A obra contêm relatos
até então desconhecidos como cenas da Natividade e da Paixão de Cristo que são descritas
com grande realismo e detalhe, tendo-se tornado uma importante fonte para a iconografia
religiosa, utilizada por vários artistas dos séculos XV e XVI, por exemplo na representação
do tema “Varão das Dores”.
O Hortus Deliciarum é uma enciclopédia de ciências divinas e humanas e relata a
história bíblica desde a criação até ao fim dos tempos. É constituída por um vasto número
de textos sobre a fé cristã ilustrados com diversas iluminuras. Importante fonte gráfica esta
obra influenciou a representação de cenas como, por exemplo, a da “Última Ceia”.
O autor da Legenda Sanctorum (Legenda Áurea), foi o frade dominicano Jacopo da
Varazze (c. 1230-1298). O domínio do latim levou-o à redação da obra numa linguagem
simples e ricamente expressiva, contendo relatos da vida de santos e mártires. Esta obra foi
uma importante fonte literária e gráfica para a iconografia dos santos e a definição dos seus
atributos e símbolos.
O Tratado de Frei Isidoro de Barreira, publicado em 1622 por Pedro Craesbeeck,
teve um papel fundamental na descodificação da linguagem das plantas utilizada na arte e
na literatura protobarroca portuguesa.3
Uma fonte incontornável para este simbolismo das plantas foi os herbários
ilustrados, obras literárias e gráficas que descreviam as propriedades naturais das plantas, o
método de cultivo e o seu uso em culinária e na medicina. Estas propriedades, assim como
a forma, cor, sabor, cheiro e período de floração, levavam a uma conotação específica: a
cicuta representava o mal e a morte, enquanto o trevo, com as suas três folhas, era um
símbolo da Santíssima Trindade.
Uma das obras mais antigas que chegaram até aos nossos dias, é o herbário
ilustrado do filósofo e naturalista grego Teofrasto (372-287 a.C.) intitulada Historia
Plantarum, na qual são classificadas mais de quinhentas plantas.
3 AZAMBUJA, Sónia Talhé - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, p. 33.
5
Em 1544, o médico botânico Andrea Mattioli (1500-1577) publicou em Veneza a
sua obra “Commentari alla Materia Medica di Pecacio Dioscoride di Anazarbeo”, na qual
estão descritas e ilustradas cerca de 1200 plantas de uso medicinal, com pormenorizadas
representações.4 Esta obra foi uma importante fonte gráfica para os
artistas dos séculos XVI e XVII.
Fig. 1- Ilustração incluída na obra de Andrea Mattioli, 1544.
Não poderíamos deixar de mencionar a obra Iconologia, de
Cesare Ripa. Nesta magnífica obra, este autor incontornável para quem
estuda História de Arte, expõe e analisa centenas de personificações e
imagens simbólicas que materializam ideias abstratas como a Verdade ou
a Inocência. A primeira edição (1593) não continha imagens mas, a segunda editada em
Roma em 1603, já continha uma série de xilogravuras de Giuseppe Cesari. “For numerous
painters, graphic artists, and sculptors of the seventeenth and eighteenth century, the
Iconologia presented ways that more than one thousand abstractions should be depicted.”5
Por ordem alfabética, Ripa descreve mais de 1250 alegorias que conhecia ou criou a partir
das suas referências. Na sua obra Iconologia, não se limita a descrever com bastante
detalhe estas alegorias mas explica também as razões pelas quais estas deveriam ser
representadas exatamente como é indicado. A natureza moralizante destas especificações
torna-se evidente nos seus argumentos.6
Fig. 2 – Verità, personificação da Verdade, ilustração de Cristoffel Jeghers na edição holandesa da Iconologia de Cesare Ripa, Amesterdão, 1644.II. Itália
II.1. Caravaggio, n. 1571, Caravaggio, m. 1610, Porto
Ercole.
Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610)
foi, à semelhança de muitos génios da nossa história, celebrado por uns e incompreendido
4 Cf. Los herbários figurados, disponível no site: http://gandia.nueva-acropolis.es/pagina.asp?art=5281, acedido em 14-01-13.5 STRATEN, Roelof van - An Introduction to Iconography. Nova Iorque: Taylor & Francis, 2007, p.29. 6 Idem, Ibidem.
6
por outros. Admirado pelo seu dramatismo e pela sua forma revolucionária de representar
os temas mas, por outro lado também, injuriado pelo seu anarquismo pictórico e
desrespeito pelos cânones da época. Caravaggio introduz um poderoso naturalismo aos
temas religiosos. É admirável a paixão manifesta na forma como aborda os temas,
animados através de uma composição invulgar composta por personagens de uma presença
e vitalidade sem precedentes.
Fig. 3 - Ceia em Emaús, 1601, óleo sobre tela, 141 x 196 cm, Londres, National Gallery.
“E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir,
entregou-lho. Então os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da
sua presença.”7 (Lc 24, 30-31).
Esta passagem do Evangelho de S. Lucas narra um episódio passado no dia da
Ressurreição de Cristo, quando dois dos seus discípulos caminhavam para Emaús, uma
localidade a cerca de duas léguas de Jerusalém. Enquanto conversavam acerca dos
acontecimentos passados, junta-se-lhes o próprio Jesus ressuscitado mas “os seus olhos,
porém, estavam impedidos de O reconhecer” (Lc 24,16). Questionados por Jesus, falam-
7 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p.1725.
7
lhe da Crucificação e da esperança na Sua Ressurreição, mostrando, no entanto, pouca
esperança na sua concretização. Ao aproximarem-se de Emaús, como já estava a anoitecer,
os discípulos convidaram-no a ficar e a partilhar com eles uma refeição. Foi então que, no
momento em que Cristo partiu o pão, eles O reconheceram. A narração de tal facto reflete
a dimensão eclesial da comunidade, apoiada na palavra, no sinal do pão e na
solidariedade.8
Este tema, assim como as restantes passagens bíblicas que tratam a Eucaristia
cristã, mostrou-se terreno fértil para os artistas que, desde os primórdios do cristianismo
até ao século XX, o exploraram segundo diversas variantes que abrangem diferentes
objectivos, estilos, composições e até mesmo diferentes formas de expressar esta
mensagem de fé.
Nesta composição inovadora, Cristo é representado no momento em que abençoa o
pão com a mão direita levantada e a mão esquerda sobre o pão já partido, revelando a sua
verdadeira identidade. Caravaggio opta por uma composição que aproxima o observador,
sentando as personagens numa mesa posicionada em paralelo com o plano da pintura. A
paleta de cores quentes acentua a dramatismo e reforça o intimismo da cena.
A luz intensa, fortemente contrastada, recorta as imagens intensificando o efeito de
chiaroscuro. O foco de Luz ilumina o momento exato do reconhecimento, captando o
clímax da passagem, antes do desaparecimento de Cristo. Esta inovadora utilização da luz
acentua a expressividade da obra conferindo-lhe uma nova qualidade plástica.
O dramatismo expresso na atitude dos discípulos contrasta com a serenidade da
figura de Cristo, assim como a passividade da personagem que aparece pela esquerda, que
parece tentar perceber o que se passa. A vivacidade emotiva dos discípulos é intensificada
pela espontaneidade dos gestos e pela aproximação ao espectador, nomeadamente a mão
da figura à direita, que parece transpor o espaço pictórico, levando o observador a sentir-
se como participante da cena.
No primeiro plano, está representado Cléofas numa atitude de espanto, prestes a
levantar-se da cadeira que, por sua vez, é cortada pelo enquadramento da composição, uma
8 Cf. BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p. 1724, nota 13, acerca do capítulo 24 do Evangelho de S. Lucas.
8
das técnicas usadas por Caravaggio para enfatizar o intimismo da cena. O segundo
discípulo, abre os braços numa atitude de espanto. Os olhos dos discípulos estão abertos
expressando surpresa perante a revelação da identidade da figura com quem partilham a
ceia.
Na obra é dada muita ênfase à natureza morta representada sobre a mesa, por cima
de uma toalha branca estendida sobre uma tapeçaria ricamente lavrada. A cesta de fruta
que ultrapassa a borda da mesa é mais um elemento que reforça a intenção do pintor de
estabelecer uma continuidade entre o plano da pintura e o do observador.
..Figs. 4, 5 e 6 - Pormenores da obra: Caravaggio, 1602. A Ceia em Emaús, referidos como elementos que transpõem os limites pictóricos da representação.
A figura de Cristo é incomum, pois está representado jovem e sem barba. Sebastian
Shutze, refere a hipótese de Caravaggio ter deliberadamente retratado Jesus “com um
aspecto diferente” conforme descrito por São Marcos no seu Evangelho 9, como forma de
justificar o facto dos discípulos não o reconhecerem.
Para a igreja, encomendador da maioria das obras de arte da época, o principal
objectivo era a instituição do sacramento da eucaristia, palavra grega que significa
literalmente “ação de graças” mas que, por metonímica, designa os alimentos da comunhão
que os fiéis agradecem ao Senhor: o pão, corpo de Cristo e o vinho, seu sangue .10 Esta
simbologia foi bastante explorada pelos artistas, tendo sido também muito importante no
desenvolvimento do tema da natureza morta.
A imagem do Trigo, representada na sua forma natural ou já transformada em pão
está intimamente relacionada com a Eucaristia. Durante a Última Ceia Jesus abençoa o Pão
9 Mc 16,12: “ Depois disto, Jesus apareceu com um aspecto diferente a dois deles que iam a caminho do campo.” in, BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p.1660.10 Cf. RÉAU, Louis - Iconografía del Arte Cristiano, Tomo 1/ vol. 2: Iconografía de la Biblia - Nuevo Testamento, p.433.
9
e o Vinho, símbolos do seu corpo e do seu sangue que oferece para a Salvação do
Homem.11
Este símbolo também aparece na cena da Natividade em que, por vezes, o leito de
Jesus está forrado com trigo, uma prefiguração do pão da Eucaristia. O mesmo simbolismo
pode ser encontrado em cenas da infância de Jesus, onde o menino aparece representado
com espigas trigo ou cachos de uvas nas mãos. A representação simbólica de trigo e uvas é
muitas vezes usada em naturezas-mortas com o mesmo significado.
Pellos fructos, que as plantas dam, se entendem na Sagrada Escritura as obras, que cada
um faz: porque se pella arvore se entende o homem, pellos fructos della se devem entender
suas obras.12
Fig. 7 - Pormenor da obra em análise, Caravaggio, A Ceia em Emaús.Fig. 8 - Caravaggio, Cesto de fruta, c.1595-1598, Óleo sobre tela, 46 x 64 cm, Pinacoteca Ambrosiana.
O cesto de fruta representado na Ceia em Emaús remete a uma obra anterior de
Caravaggio, a pintura intitulada Cesto de Fruta, de 1595-1598. De facto, da extensa obra
de Caravaggio, apenas chegou até nós esta natureza-morta, tendo sido muito importante
para o início deste tema como género autónomo. Alguns autores referem a possibilidade
dos seus cestos de frutas serem uma recriação da obra de Zêuxis.
“Caravaggio desenvolve consequentemente a noção de mimesis central na história do cesto de Zêuxis ao apresentá-lo como um trompe-l’oeil e ao incluir o pormenor de uma série de pedúnculos sem uvas. A presunção por trás deste pormenor espirituoso é certamente a seguinte: se os pássaros conseguiram comer as uvas, não estamos na presença de uma pintura, mas sim da “realidade”.13
11 Cf. IMPELUSO, Lucia – Nature and its symbols, p. 20.12 BARREIRA, Isidoro de - Tractado das Significacoens das plantas, flores, e fructos que se referem na Sagrada Escriptura. Lisboa, 1622, p. 27.13 CHERRY, Peter – “A perspectiva das coisas. Dois séculos de natureza-morta na Europa”. In PEREIRA, João Castel-Branco (coord.) – A Perspectiva das Coisas, A Natureza-Morta na Europa . Lisboa: Fundação
10
Em ambas as obras a figura da cesta de vime com frutos é representada com um
realismo analítico. Esta realidade não idealizada é conseguida através da representação de
folhas roídas e ressequidas, assim como pelas frutas manchadas e envelhecidas. As frutas
adquirem um significado ambíguo: fresco e perfumado mas, por outro lado, prestes a
apodrecer; a secar. A representação da fruta envelhecida resulta como uma Vanitas.
Através da maturação das frutas o artista faz uma alegoria à brevidade da juventude e da
existência humana.
Numa tentativa de aprofundarmos mais o tema, recorremos à obra do Frei Isidoro
de Barreira, escrita no séc. XVII, que refere os significados atribuídos a estes frutos, tendo
como base o estudo das Sagradas Escrituras. Optamos por tentar transcrever o texto de
acordo com o que nos é dado a ler no original, pela riqueza das suas expressões e palavras
eruditas, no entanto gostaríamos, desde já, de deixar uma ressalva para a possibilidade de
haver erros na transcrição, dada a dificuldade na leitura e pela fraca qualidade de
impressão da versão que tivemos acesso.
À videira e ao seu fruto, flor e folha, são dedicadas várias considerações (págs. 183
a 203) das quais selecionamos duas que nos parecem relevantes para o tema em análise:
“Considerase ser Chirsto videira pella suavidade de seu fructo, que he dulcíssimo, & suavíssimo. Todos os mais fructos a respeito dos de Chrito sam amargos como o fel. Os cachos da videira que nam he Christo, tem perverso sabor, (...) cachos amargosíssimos & estes ainda que ao princípio pareçam doces, ao longe mostram que amargam muito: mas os de Christo sam sempre a mesma doçura, & suavidade. Fazei sumario de todas as cousas mundanas, que tem aparencia de suavidade, em todas achareis pena, afflicçam de espírito, & vaidade, só em Christo achareis todos os bens verdadeiros descanso, eterna alegria, sustentaçam, & vida de nossas almas.”14
Este primeiro excerto refere-se ao fruto da Videira, comparando-o a Cristo e às suas
qualidades, que levam a nossa alma ao descanso eterno, pleno de alegria. Nesta próxima
passagem é referido o significado atribuído às Folhas de Videira, que depressa secam e
caiem, deixando o seu portador “despido” de esperanças.
"O significado que as folhas de vinha tem de esperanças perdidas devia derivarse de huas palavras que o Profeta Isaías diz em o capitulo 34 (...) Diz pois o Profeta Santo em sentido misterioso, que os Ceos se dobrarão como hum livro: & a mílicia delles
Calouste Gulbenkian, 2010, p.18.14 BARREIRA, Isidoro de - Tractado das Significacoens das plantas, flores, e fructos que se referem na Sagrada Escriptura. Lisboa, 1622. p.188.
11
cahirá, como cahe a folha da vinha; & aponta mais a folha da vinha que de outras arvores: porque esta no seu cahir, tem diferença das mais: porque as outras folhas nam cahem tam depressa, nem secam tam de ligeiro, como as da videira, nem deixam a sua arvore nua tam de repente."15
À Figueira e à sua flor, folhas e frutos, são também dedicadas inúmeras correlações
(págs. 226 -252), das quais selecionamos as que passamos a transcrever. A primeira refere-
se aos figos verdes, simbolizando os Cristãos imperfeitos, que pelas suas fracas intenções
não chegam a realizar nenhuma das obras aos quais estavam predestinados.
“ Três vezes se fala em a divina Escritura em figos verdes, (...) & sam aquelles que vem juntamente com as folhas, & pella maior parte cahem no cham antes que amadureçam, com qualquer vento que os abala; dando lugar a que outros figos creçam, & cheguem a ser maduros, o que elles nam tem. (...) O mesmo Santo quer tambem, que por estes figos verdes se entendam imperfeições, porque assi como aquelles por fruta imperfeita nam chegam a amadurecer, assi os actos imperfeitos nam chegam a prestar, & acquirir o estado de perfeiçam, a que eram dirigidos. Pello que se pode chamar figos verdes, os imperfeitos Christãos, frios em a charidade, tíbios em o fervor do espírito.”16
Neste segundo excerto, que abaixo transcrevemos, é referido um dos significados
atribuído às folhas da Figueira, relacionado com o pecado original de Adão e Eva.
“Pellas folhas de figueira, quer Ireneo que se entenda a penitencia, tirando este significado do segundo capitulo do Genesis, quando Adam, & Eva se vestiram de folhas de figueira, (...). Peccaram ambos indo contra o preceito de Deos, & tendo o ambos offendido trataram de fazer penitencia de seu pecado, mortificando seus corpos com a aspereza do vestido, & lançando olho as folhas das arvores, que avia naquelle lugar de tanta frescura, acharam que entre todas as da figueira eram asperas, & rigorosas, convenientes pera a penitencia que queriam fazer.”17
Por último selecionamos uma passagem que nos diz do significado da maçã,
relacionando este fruto com o Amor que, neste contexto, deve ser lido como o Amor de
Cristo pela Humanidade.
“Commumente se diz que a Maçãa, significa discordia: mas esta se pode ter como aquelles que a tam excellente pomo, dam tam differente significado do que divinas, & humanas letras lhe dam, nam avendo hum sò author, que lhe atribua discordia, & sendo muitos os que o fazem figura do amor (...) A Maçãa quanto mais participa dos raios do Sol, mais fermosa cór tem. O amor quanto mais está a vista do bem a que respeita, mais se inflama, & veste do novo espírito, & fervor.”18
15 Idem, ibidem, p.199.16Idem, ibidem, pp. 234 e 235.17Idem, ibidem, p. 237.18Idem, ibidem, pp. 204 e 205.
12
Partindo para uma leitura pessoal do conjunto de frutas representado neste cesto,
associado ao facto de estar enquadrado no tema da “Ceia em Emaús”, leva-nos a um
discernimento mais amplo da sua simbologia: Os peregrinos eram Cristãos Imperfeitos
(figos), pois apesar das promessas de Deus no Antigo Testamento, de que enviaria o
“Messias” (uvas), para os resgatar do “pecado original” (folhas da figueira), eles não
perceberam as mensagens de Jesus e tinham perdido as esperanças na Sua ressurreição
(folhas de videira). Jesus apareceu-lhes, para que se alegrem e para que creiam que Ele
ressuscitou por amor à humanidade (maçã).
Esta foi uma análise “livre” da simbologia dos frutos representados nesta obra,
tendo em conta a corrente ideológica da época, no entanto sendo Caravaggio um
revolucionário cujos atos chocaram amiúde a sociedade da época, pomos a hipótese desta
escolha não ter sido propositada e que o autor tenha representado frutos com maturação na
mesma época do ano.
III. Espanha
III. 1. Francisco de Zurbarán, n. 1598, Fuente de Cantos, m. 1664, Madrid.
“La fuerza expresiva de su pincelada, añadida a su obediencia a la hora de satisfacer los deseos de sus comitentes, lo convierten en el mejor intérprete de la Reforma católica del siglo de oro español.”19
19 Cf. DELENDA, Odile – Zurbarán, Francisco de, in Enciclopedia online, dísponível no site:http://www.museodelprado.es/enciclopedia/enciclopedia-on-line/voz/zurbaran-francisco-de/Acedido em 01/01/13.
13
Mesmo depois de Madrid se ter tornado o centro da corte espanhola, Sevilha
permaneceu como o mais importante centro económico e cultural de Espanha. Durante as
décadas de 1620 e 1630 Francisco de Zurbáran e a sua grande oficina receberam um vasto
número de encomendas de imagens de santos e santas relacionados com as ordens
religiosas da Andaluzia e da Extremadura. Zurbarán foi o grande pintor da vida monástica
que representou com um naturalismo austero e solene, de grande intensidade mística.
Fig. 9 - Zurbarán, Casa de Nazaré, c. 1630, óleo sobre tela, 165 x 218 cm, Cleveland Museum of Art.
Zurbarán pintou uma série de obras para o mosteiro da Ordem de S. Jerónimo,
dedicado à Santa Maria de Guadalupe, situado em Cáceres, na Extremadura. Esta obra, que
hoje se encontra no museu de arte de Cleveland, fez parte dessa encomenda.
Imagens da infância de Cristo e da sua mãe, Nossa Senhora, tornaram-se bastante
populares durante a contra-reforma pois eram facilmente entendidas pela população em
geral.20
20 Cf. Christ and the Virgin in the House at Nazareth, c. 1640, Francisco de Zurbarán, disponível no site: http://www.clevelandart.org/art/1960.117Acedido em 01/01/13.
14
À primeira vista, esta obra poderia tratar-se de uma simples cena familiar mas, a
partir do estudo da iconografia cristã, podemos identificar claramente as personagens aqui
representadas, através dos seus atributos.
No interior de uma habitação com decoração humilde, Nossa Senhora olha
preocupada para o filho que acaba de se picar num espinho da coroa que tem no colo, uma
prefiguração da sua paixão.
Esta representação da Nossa Senhora com o Menino é tratada com um naturalismo
sóbrio conferindo à cena um ambiente intimista, de um profundo misticismo. Na escola de
Sevilha a Virgem tem uma presença dominante.
É notória a influência de Caravaggio, nomeadamente na utilização da luz
conceptual que incide sobre as figuras sagradas, direcionando o olhar do observador e, ao
mesmo tempo, transmitindo uma mensagem divina através dos anjos representados no halo
de luz.
A surpreendente plasticidade das formas e o uso harmonioso das cores são
características da obra de Zurbarán. Nesta composição aberta os elementos foram
justapostos de forma a possibilitar a sua leitura individual. Apesar da grande escala das
figuras, a leitura horizontal do tema leva o observador a olhar em detalhe para cada
pormenor como, por exemplo, para as lágrimas da Virgem Maria ou para as páginas
abertas do livro em cima da mesa, cujo conteúdo gostaríamos de conhecer.
“O valor emblemático dos bodegones e floreros na iconografia da Contra-reforma
reforçava a leitura das plantas e animais como imagens religiosas, ou seja, como forma de
aproximação ao divino.”21
À Virgem Maria são atribuídos inúmeros frutos e flores que, pela sua doçura,
beleza ou imaculada cor branca, simbolizam e enfatizam as louváveis qualidades morais da
Nossa Senhora, Mãe de Deus.
Desde a antiguidade, a Açucena tem sido representada como atributo às Mães,
devido à sua extraordinária capacidade reprodutiva.22
21 AZAMBUJA, Sónia Talhé - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa. Lisboa: Vega, 2009, p. 39.22 IMPELUSO, Lucia – Nature and its symbols, p. 85.
15
Segundo Sónia Talhé, a partir do Renascimento as representações artísticas da
Anunciação passam a incluir a Açucena (lilium candidum L.), símbolo da pureza e
virgindade de Maria. A açucena no meio de espinhos simboliza a Imaculada Conceição da
Virgem, cuja pureza não foi tocada pelo pecado.23
Na Bíblia Sagrada existem várias passagens em que esta flor é referida, sendo-lhe
atribuídas qualidades de fertilidade, beleza e pureza, como por exemplo, nesta passagem
do Cântico dos Cantos: “Eu sou o lírio dos vales. Ele. Tal como um lírio entre os cardos é a
minha amada entre as jovens.”24 (Ct 2: 1-2).
Fig. 10 e 11 (detalhe) - Zurbarán, St. António de Pádua, c. 1640, óleo sobre tela, 148 x 108 cm, Madrid, Museu do Prado.
Enquanto símbolo de pureza, a Açucena é muitas vezes representada junto a
imagens de Cristo ou sendo oferecida pelo Menino, sendo também atributo de vários
santos, como, por exemplo, de S. José.
A vara com flores de Açucena é um dos atributos de José e está relacionada com o
texto dos Evangelhos Apócrifos acerca da escolha de um marido para a Virgem. Este texto
conta que, após a Virgem se ter negado a contrair matrimónio por estar prometida a Deus
(pelos seus pais) o grande sacerdote, agindo conforme a decisão de Deus, ordenou que
todos os homens da casa e da família de David colocassem a sua vara junto à parede e seria
a do escolhido aquela que ficasse florida. José foi então o escolhido para desposar Maria.
Após esta decisão uma pomba (representando o senhor) pousou sobre a vara.25
23 AZAMBUJA, Sónia Talhé - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, p. 329.24 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p. 1053.25 Cf. Evangelhos Apócrifos, vol. I. Buenos Aires: CS Editiones, 1996, pp. 75-76.
16
A Pomba, também representada nesta obra, simboliza o Espírito Santo e a Pureza
da Virgem Maria. Este simbolismo tem, provavelmente, origem nesta passagem do Cântico
dos Cânticos: “Mas Ela é única, minha pomba, minha perfeita; ela é a única para a sua
mãe, a preferida daquela que a deu à luz. Louvam-na as donzelas quando a vêem,
celebram-na rainhas e concubinas.”26 (Ct 6-9).
A Rosa é outra Flor que, pela sua beleza, é também associada a Maria, “a rosa sem
espinhos” cuja virgindade nunca foi tocada pelo pecado. Uma grinalda de rosas é
geralmente uma alusão ao rosário da Virgem.
Dada a sua doçura é geralmente atribuído à pera um simbolismo positivo, sendo
muitas vezes associada a cenas da infância de Cristo em que o menino aparece com sua
mãe, a Virgem Maria.27
III. 2. Diego Velázquez, n. 1599, Sevilha, m. 1660, Madrid.
Grande parte da obra de Diego Velázquez foi dedicada a retratos da monarquia
espanhola e da corte real, tendo-se destacado pela sua abordagem absolutamente
inovadora. Com vinte e quatro anos é nomeado retratista régio de Filipe IV, tendo servido
o Rei até à sua morte. A pincelada solta e breve de Velázquez transmite o efeito de luz e
cor com um extraordinário naturalismo.
Embora, conforme referido, grande parte da sua obra tenha sido dedicada ao retrato,
Velázquez fez algumas experiências com outros géneros tais como temas históricos,
mitológicos e paisagens. O seu primeiro quadro mitológico foi “O triunfo de Baco”,
26 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p.1056.27 IMPELUSO, Lucia – Nature and its symbols, p. 327.
17
também conhecido como “Los Borrachos”, obra que representou um marco importante no
seu percurso, abrindo caminho para um género que explorou até à sua morte.28
Fig. 12 - Diego Velázquez, O Triunfo de Baco, c.1629, óleo sobre tela, 165 x 225 cm, Madrid, Museo del Prado.
Velázquez pintou esta obra para Filipe IV, tendo sido usada como decoração dos
aposentos de Verão do monarca. O tema é muito raro na pintura Espanhola da época, pois
a embriaguez era vista como vício o termo “borracho” era considerado um insulto”.
Segundo a descrição da obra na “Web Gallery of Art”, a corte tinha como hábito convidar
homens do povo e atores de comédia com o intuito de os embriagar para gáudio dos
nobres.
A pincelada expressiva de Velázquez confere à obra uma forma aberta e difusa que
comunica com o observador, levando-o a movimentar-se ora aproximando-se para se
aperceber dos detalhes, ora afastando-se para captar a leitura total do espaço pictórico.
28 Cf. Mithology and reality, disponível no site: http://www.museodelprado.es/en/exhibitions/exhibitions/at-the-museum/velazquezs-fables-mythology-and-sacred-history-in-the-golden-age/the-exhibitions-layout/mithology-and-reality-los-borrachos/Acedido em 23/12/12.
18
O fundo escuro que recorta as figuras, acentuando o dramatismo da cena e o foco
oblíquo de luz que destaca a figura do Jovem Baco comprovam a influência de Caravaggio
nesta primeira fase do percurso artístico de Velázquez.
O surpreendente realismo das figuras, a paleta rica em ocres e a cuidada
representação dos pormenores de natureza morta são características marcantes na obra de
Velázquez.
Nas representações de Baco, o fruto em destaque é a uva que contém um vasto
significado simbólico. A Uva e as folhas de videira são atributos de Baco, deus do vinho, e
das suas seguidoras, as bacantes, que caçavam à noite e celebravam ruidosamente com
carne, vinho e música. As bacantes eram geralmente retratadas dançando num estado de
excitação associado à embriaguez. Nas representações do Deus e dos seus famosos
bacchanalia, os participantes ostentam coroas de folhas de videira e cachos de uvas. Baco
é frequentemente representado em tronco nu, por vezes enrolado em peles de animais.
No antigo Testamento, no livro do Génesis, encontramos uma passagem que relata
a embriaguez de Noé: “Noé, que era agricultor, foi o primeiro a plantar a vinha. Tendo
bebido vinho, embriagou-se e despiu-se dentro da sua tenda.”29 (Gn 9: 20-21).
O jovem deus homenageia uma das figuras secundárias com uma coroa de hera. Na
sua obra Fasti, Ovídio conta a lenda de Baco que, tendo nascido da ligação clandestina
entre Júpiter e Sémele, foi entregue ao cuidado das ninfas que para o protegerem da ira de
Juno, envolveram o seu berço com heras para o camuflar. Esta trepadeira também é
relacionada com o deus do vinho pela sua propriedade de aliviar o mal-estar provocado
pela ingestão excessiva de álcool (infusão de folhas de hera).
“Na figura do deus, Velázquez segue de perto o Baco de Caravaggio; no entanto,
demonstra no quadro alguma insegurança na pintura do corpo humano (...), que só
conseguirá superar no decurso da sua estada em Itália (1629-31).”30
O Baco de Caravaggio, datado de 1596, não foi representado à imagem de um Deus
Antigo, mas antes como um jovem de aparência comum e efeminada que nos olha de
forma sedutora e contemplativa, enquanto segura uma taça de vinho com os seus dedos
rechonchudos e unhas sujas, detalhe realista que comprova o recurso a modelos do povo. 29 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p.36.30 TOMAN, Rolf – O Barroco. Colónia: Konemann, 2004, p.403.
19
Esta prática era comum na sua obra, tendo chocado a sociedade da época, principalmente
quando retratava figuras sagradas.
Fig. 13 - Caravaggio, Baco, c. 1596, óleo sobre tela, 95 x 85 cm, Florença, Galleria degli Uffizi.Fig. 14 - Pormenor da obra de Caravaggio, Ceia em Emaús, 1601, óleo sobre tela, 141 x 196 cm, Londres, National Gallery.
A natureza morta incluída nesta obra da fase inicial de Caravaggio é representada
em primeiro plano, técnica de ilusão pictórica para aproximar o espectador que é
posteriormente utilizada na sua obra, a Ceia em Emaús e bastante explorada pelos pintores
da época, fortemente influenciados pela sua inovadora forma de representar temas
religiosos e profanos.
IV. Flandres
IV.1. Anthony Van Dyck, n. 1599, Antuérpia, m. 1641, Londres.
Nascido em 1599, em Antuérpia, Anthony Van Dyck era filho de um rico mercador
de seda. Entre 1618 e 1620 trabalhou como aprendiz na oficina de Peter Paul Rubens.
Viaja para Itália, onde foi muito apreciado como retratista. O seu estilo torna-se mais
refinado e elegante, representando figuras idealizadas com posturas erectas e esbeltas. Foi
influenciado pelas obras de Ticiano, Veronese e Bellini, dos quais adota a paleta de cores
vibrantes e ricas. Tornou-se um dos mais requisitados e conhecidos retratistas do séc.
20
XVII, particularmente em Génova. Regressou a Antuérpia onde, entre 1627 e 1632,
trabalhou em retratos e temas religiosos. Em 1632 vai para Inglaterra onde é nomeado
pintor régio da corte do rei Carlos I, tendo aí permanecido até à sua morte em 1641.
Segundo Lucia Impelluso, Van Dyck inclui a figura do girassol no seu auto-retrato, como
símbolo da sua profunda devoção pelo Rei Carlos I de Inglaterra. Devido ao seu hábito de
se voltar para seguir o Sol, o Girassol é relacionado com a devoção.
Fig. 15 - Anthony Van Dyck, Auto-retrato, 1632-33, óleo sobre canvas, 60 x 73 cm, coleção privada.
Ovídio, na sua obra Metamorfoses (4.190-270), conta a lenda da Ninfa Clície cuja
devoção pelo rei Sol Apolo condenou-a a segui-lo diariamente com o olhar, depois de ter
levado à morte a sua amada Leucótoe. Com o passar dos tempos, a ninfa foi-se
transformando numa flor cuja face seguia, dia e noite, o sol. Embora o nome da flor não
seja mencionado na obra, os pintores da época Barroca optaram pelo Girassol como
símbolo de Clície na representação da lenda.31
Van Dyck tinha cerca de vinte anos
quando pintou um dos homens mais
importantes da época e da história da
cristandade, o rei Carlos V. Monarca da família
dos Habsburgos, foi imperador do Sacro
Império Romano-Germânico (como Carlos V) e
rei de Espanha (como Carlos I).
Para este retrato de Carlos V, Van Dyck opta pelo retrato equestre, muito apreciado
pela aristocracia devido à sua ligação simbólica ao poder dos imperadores da antiguidade
clássica.
Para além da imagem do cavalo simbolizar força e vitalidade, era tido como
atributo de nobreza. A famosa escultura equestre de Marco Aurélio, com o seu gesto de
bênção e libertação, tornou-se um símbolo iconológico de afirmação do poder imperial.32
31 OVÍDIO – Metamorfoses – tradução de ALBERTO, Paulo Farmhouse. Lisboa: Livros Cotovia, 2007, pp.110-112.
32 SHNEIDER, Norbert - The Art of the Portrait. Cologne: Taschen, 1997, p. 125.
21
O Rei está retratado envergando uma armadura como se regressasse vitorioso de
mais uma batalha. A faixa vermelha que ondula ao vento confere movimento à cena e
direciona o olhar do observador.
Fig. 16 - Charles V on Horseback, c.1620, óleo sobre tela, 191 x 123 cm, Florença, Galleria degli Uffizi.
O fundo escuro e tempestuoso intensifica o dramatismo da obra, destacando a
figura do cavalo branco que é representado no momento em que para um momento, antes
de continuar a vigorosa cavalgada. A majestosa pose do monarca é intensificada pelo
recurso a uma linha do horizonte muito baixa que nos leva a olhar para cima, técnica muito
utilizada em retratos de nobres, com o objectivo de os engrandecer.
Por cima da figura do rei encontra-se uma águia, incontestável símbolo de poder,
que o condecora com uma coroa de louro, enfatizando a glória do Imperador que uniu
quase toda a Europa sob a égide do Sacro Império Romano.
Rainha dos céus, a imagem da águia é conotada com o poder e a vitória desde a
antiguidade clássica.33 Atributo de Júpiter, Deus foi adotada como símbolo de poder, sendo
impressa nas bandeiras das legiões romanas.
33 Cf. IMPELUSO, Lucia – Nature and its symbols, p. 293.
22
Desde a antiguidade que o Louro foi usado para fazer coroas, tendo sido sempre
associado à honra e à realização de grandes feitos. Os vencedores dos Jogos Olímpicos da
Antiguidade eram coroados com folhas de Louro ou de Oliveira.
Na Roma antiga o louro era sagrado a Júpiter e, por essa razão, os generais
vitoriosos enviavam mensageiros com ramos de Louro para oferecer à estátua do Deus, no
capitólio de Roma. O general entraria depois na cidade com ramos de louro como símbolo
da sua vitória. Durante a Renascença italiana, a figura alegórica da Vitória era representada
pela imagem de uma mulher alada com uma coroa de louros na cabeça ou nas mãos (gesto
de coroação dos vitoriosos).34
V. Portugal
V.1. Josefa de Ayala, dita Josefa de Óbidos, n.1630, Sevilha, m.1684, Óbidos.
“Ao contrário da lenda que se teceu em torno desta mulher-pintora, a respeito, designadamente, de estadas na corte e de viagens a Itália e mesmo à Flandres, a sua vida decorreu no estrito espaço desta região, entre os muros de Óbidos, (...) uma vivência tudo menos tumultuosa, sintomática de uma personalidade eivada de certa beatitude regional.”
Segundo Vítor Serrão, a sua obra foi muito mais influenciada pela arte de seu pai,
Baltazar Gomes Figueira, do que sempre se julgou. Tendo sido, portanto, no seio da
pequena “corte de aldeia” barroca em que se tornou a vila de Óbidos, que Josefa
desenvolveu as suas aptidões de extremosa “miniaturista, hábil de pincel, boa definidora de
34 Idem, Ibidem, p. 38.
23
contrastes claro-escuristas e de acessórios barrocos ‘ao natural’, seguindo cânones
correntes da pintura sevilhana e a partir da orientação de Baltazar.”35
Josefa de Ayala ficou sobretudo conhecida pelas suas pinturas religiosas, mas
também pelas suas naturezas mortas, mostrando uma clara inspiração na pintura tenebrista
da sua época.
Fig. 17 - Cordeiro Pascal - Agnus Dei, c.1660-1670, óleo sobre tela, 88 x 116 cm, Évora, Museu de Évora.
Esta é uma das obras mais emblemáticas de Josefa de Óbidos. O tema aqui
representado está claramente identificado através da inclusão na obra da citação bíblica:
“OCCISUS AB ORIGINE MUNDI” (AP. 13:8), frase em latim que significa literalmente
“imolado desde a origem do mundo”, remetendo porém ao sacrifício de Cristo, Cordeiro de
Deus, pela salvação do Homem.
“No dia seguinte, ao ver Jesus, que se dirigia para ele, exclamou: Eis o cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo!”36 (Jo 1:29).
Desde as representações da iconografia cristã nas catacumbas romanas, que o
cordeiro é utilizado como atributo de Cristo, símbolo do seu sacrifício. Nestas primeiras
manifestações artísticas, Cristo aparece como o Bom Pastor com o cordeiro ao ombros.
35 SERRÃO, Vítor – História da Arte em Portugal, O Barroco. Lisboa: Editorial Presença, 2003, p. 31.
36 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, pp. 1731-1732.
24
Com origem na mesma passagem bíblica, o cordeiro é também um atributo de S. João
Batista, pois foi ele quem proferiu as palavras: “Eis o Cordeiro de Deus!”37 (Jo 1: 36).
O cordeiro com auréola, representado na obra em análise, foi certamente
influenciado pela obra de Francisco de
Zurbarán, datada de 1635-40. A imagem do
“Cordeiro de Deus” foi muito difundida em
Espanha durante o século XVII, tendo exercido
uma grande influência na pintura seiscentista
da época, nomeadamente na obra de Baltazar
Gomes Figueira e na de sua filha, Josefa de
Óbidos.
Esta obra de Zurbarán impressiona pela
simplicidade da composição formada
exclusivamente pela imagem do cordeiro com
as patas atadas iluminado por um foco de luz
simbólica.
Fig. 18. Zurbarán, Agnus Dei, c.1635-1640, Óleo sobre canvas, 35cm x 52cm, Museu de São Diego.
Josefa de Óbidos optou por uma composição muito mais elaborada, em que o
cordeiro se encontra por cima de um altar, pronto a ser imolado.
“Entre ele e o observador interpõe-se no entanto, à maneira dos flamengos Daniël Seghers
e Willeboirst Bosschaert, uma tarja com uma abertura ovalada ao centro a qual funciona
37 Idem, Ibidem, p. 1732.
25
como uma moldura.”38 Este estilo de composição com auréola de flores foi muito utilizada
na pintura barroca dos Países Baixos, sendo utilizada em pinturas de Natureza-morta, em
obras de temáticas religiosas e em retratos.
Fig. 19. Daniel Seghers, s.d., Floral Wreath with Madonna and Child, óleo sobre cobre, 197,5 x 79,5 cm, Ghent, Museum voor Schone Kunsten.
Segundo Luís de Moura Sobral, as imagens de frutos e flores aqui utilizados
entrelaçam simbolismos marinianos e eucarísticos. “A moldura, carregada de símbolos
eucarísticos, funciona como uma janela através da qual, sobre o altar, se apercebe o
Cordeiro de Deus em toda a sua materialidade simbólica.”39
Esta mensagem Eucarística está patente na representação dos cachos de uvas
brancas e pretas dispostos nas laterais da moldura e pelas duas espigas de trigo, em baixo,
quase ofuscadas pelas açucenas, atributo de Nossa Senhora.
“Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Ele corta todo o ramo que
não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda.”40 (Jo 15: 1).
A representação da Uva, da Videira e das suas folhas foi frequentemente utilizada
em motivos decorativos na pintura religiosa e profana, na escultura e na arquitetura,
aparecendo nos frescos das catacumbas, nos mosaicos bizantinos e na decoração
escultórica das catedrais medievais. A videira e o seu fruto, muito referidas nas Sagradas
Escrituras, são considerados símbolos de Cristo, da sua Paixão e da Fé Cristã.
A imagem do trigo e do pão está intrinsecamente associada a Eucaristia. Durante a
Última Ceia, Jesus abençoa o pão e o vinho - seu corpo e seu sangue - que oferece para a
salvação da humanidade. “Tomou então, o pão e, depois de dar graças, partiu-o e
distribuiu-o por eles dizendo: Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós; fazei isto
em minha memória.”41 (Lc 22: 19).
38 SOBRAL, Luís de Moura - Cordeiro Místico (Agnus Dei), Josefa de Ayala. Disponível em site: http://museudevora.imc-ip.pt/pt PT/coleccoes/coleccoes%20pintura/ContentDetail.aspx?id=97Acedido em 26/12/12.39 Idem, ibidem.40 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p. 1760.41 BÍBLIA Sagrada. Lisboa: Difusora Bíblica, 2008, p. 1718.
26
O culto mariano foi muito difundido a partir dos século XVI, em especial na
Península Ibérica. “O cristianismo foi hábil na adopção de ritos religiosos pagãos como
forma de evangelização, em lugar de os eliminar, (...); esta prática foi adoptada para
inúmeras espécies de flora.”42
Conforme já referido, várias foram as flores e frutos associados à Virgem Maria.
Tendo como referência o estudo de Sónia Azambuja, que na sua obra: A linguagem
Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, identificou
as espécies de flora e fauna presentes em inúmeras obras de pintores portugueses da época,
em especial Baltazar Gomes Figueira e Josefa de Óbidos, destacamos na obra aqui em
análise, as seguintes espécies:
Fig. 20 - Lilium candidum L., açucena, cajado-de-São-José.; Fig. 21 - Dianthus caryophyllus L., cravo e Rosa sp L., rosa. Fig. 22 – Jasminum officinale L., jasmim, jasmim-comum. Fig.23 - Anemone coronária L., anémona e Chrysanthemum coronarium L., malmequer. Fig. 24 – Calendula officinalis L., maravilhas.
A Legenda Áurea, com as suas biografias das vidas dos santos, influenciou a Arte
desde a época medieval. No relato da vida de S.Tomás é referido que o santo, não
acreditando na sua ressurreição, abriu o caixão e aí encontrou açucenas e rosas, e por isso
era frequente a representação destas flores em cenas da Assunção da Virgem.43
De acordo com Sónia Azambuja, desde o século XII, altura quando, segundo a
lenda, se deu o milagre do aparecimento da Virgem a Santo Domingo, foi-lhe entregue o
rosário como veículo para a conversão dos pecadores. “A palavra rosário significa ‘coroa
de rosas’; sendo a rosa considerada ‘rainha das flores’, o Rosário é a rosa de todas as
devoções, logo a mais proeminente.”44
42 AZAMBUJA, Sónia Talhé - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, p. 54.43 Cf. IMPELUSO, Lucia – Nature and its symbols, p. 85.44 AZAMBUJA, Sónia Talhé - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, p. 55.
27
O nome da flor Anémona, Anemone coronária L., tem origem na palavra grega
anemos, que significa vento. Na livro X, das Metamorfoses de Ovídio é narrada a lenda do
amor de Vénus pelo jovem Adónis (10.705-739) que, durante uma caçada é morto por um
javali. Segundo a lenda, do seu sangue nasceu a anémona, uma flor frágil. “A sua vida,
porém, é breve. Pois, mal segura e fácil de cair pela excessiva leveza, arrancam-na os
mesmos ventos que lhe dão o nome.”45 Devido à efemeridade da sua vida, a anémona tem
sido associada, desde a antiguidade, à brevidade da vida e à morte.
A iconografia cristã assimilou este simbolismo associando a anémona à
crucificação de Cristo. A cor vermelha que mancha as pétalas brancas da anémona é
atribuída ao sangue de Cristo que pinga das suas chagas, por essa razão, em algumas
representações da cena da crucificação, são incluídas anémonas na base da cruz.46
As Maravilhas são flores usadas na festa da Anunciação da Virgem, a 25 de Março.
O nome científico desta flor, Dianthus, deriva do grego e significa Flor de Deus.
Por esta razão, e pela sua cor vermelha, é por vezes associada à paixão de Cristo.47
Devido à sua floração em Maio, o mês dedicado a Maria, esta flor é associada à
imagem da mãe de Cristo. A sua brancura e o seu perfume delicado simbolizam a sua
inocência e pureza.48
VI. França
VI.1. Hyacinthe Rigaud, n.1659, Perpignan, m.1743, Paris.
45 OVÍDIO – Metamorfoses – tradução de ALBERTO, Paulo Farmhouse. Lisboa: Livros Cotovia, 2007, p. 266.46 Cf. IMPELUSO, Lucia – Nature and its symbols, p. 108.47 Idem, Ibidem, p. 115.48 Idem, Ibidem, p. 101.
28
Fig. 25 - Retrato de Luís XIV, 1701, óleo sobre tela, 277 x 194 cm, Paris, Musée National du Louvre.
Este célebre retrato do rei Luís XIV é considerado por vários autores como um
símbolo do estado absolutista.
Mestre retratista francês, Hyacinthe Rigaud nasceu em Perpignan e, após uma
passagem por Montpellier e Lyon, estabeleceu-se em Paris em 1681, tendo então
despertado a atenção de Le Brun que o convida a trabalhar na corte do rei Luís XIV.
Um retrato do seu irmão Filipe I, duque de Orleães, chamou a atenção do Rei que o
nomeou retratista régio. Nos seus célebres retratos do Rei-Sol, Rigaud demonstrou a sua
mestria como colorista e a sua capacidade de responder às exigências cerimoniais de uma
época em que a Arte estava, mais do que nunca, ao serviço do poder, sendo usada como
símbolo e veículo da mensagem do monarca absolutista.
A intenção não era retratar o carácter individual do monarca mas, transmitir uma
mensagem de poder, pompa e circunstância. “Luís XIV surge nesta pintura de Rigaud
29
como esplendoroso símbolo do poder real, mas também, e muito particularmente, como
personificação da monarquia francesa.”49
Apesar do retrato ter sido realizado como oferta para o rei Filipe V de Espanha, a
admiração do rei por este retrato foi tal que encomendou uma cópia, mantendo o original
em Versalhes.
“A obra obedece á fórmula do retrato real, transmitindo o poder e a autoridade reais
pelo recurso a insígnias de governo e aos símbolos da opulência do monarca.”50
Os sumptuosos panejamentos vermelhos emolduram a composição e contrastam
com as vestes azuis, destacando a figura do rei.
Luís XIV é retratado de pé, a três quartos, numa elegante pose de ligeiro
contraposto. Rigaud opta por uma composição centralizada de orientação vertical, marcada
pela posição do rei e pela coluna, segundo uma linha de horizonte baixa, recurso
perspéctico que eleva a figura em relação ao observador, ao qual o rei parece dirigir
graciosamente a sua atenção. A sua mão direita está apoiada num ceptro rematado com
uma flor-de-lis, enquanto a mão esquerda está apoiada na sua anca, revelando a riqueza do
seu vestuário e da sua espada cravejada de pedras preciosas.
A mestria de Rigaud é demostrada na forma naturalista como representa a
expressão do rei.
“a sua inacessibilidade distanciada não se encontra na idealização neoclássica, mas na candura de uma fisionomia impenetrável e que envelhece. Os lábios estão fechados decididamente com um toque de ironia, os olhos têm um brilho severo, escuro, enquanto o nariz delgado sugere intolerância.”51
O rei é representado em traje de cerimónia. O brocado de veludo azul do seu manto,
também usado no estofo do trono, na almofada e na mesa coberta pelo mesmo tecido, foi
decorado com flores-de-lis douradas da casa de Bourbon. O mesmo elemento é repetido no
ceptro e na coroa que se encontra em cima da almofada.
49 TOMAN, Rolf – O Barroco. Colónia: Konemann, 2004, pág. 427.50 DAVIES, Penelope; DENNY, Walter B; HOFRICHTER, Frima Fox; JACOBS, Joseph; ROBERTS, Ann m.; SIMON, David L. – A Nova História da Arte de Janson. Nona Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p.760.51 BAUER, Hermann; PRATER, Andreas - Barroco. Colónia: Taschen, 2007, p. 58.
30
A Flor-de-lis é emblema heráldico dos reis de França e da cidade de Florença.
Segundo Lucia Impelluso, um rei francês decidiu usar a flor-de-lis como emblema
heráldico depois da sua vitória numa batalha que teve lugar num campo coberto de Lírios.
Em Francês Fleur-de-Lis tem uma sonoridade muito próxima à expressão Fleur de Louis.
Na mitologia grega a Íris era o símbolo do arco-íris, uma ligação entre o céu e a terra,
mensageiro dos deuses, pelo que a flor-de-lis passou a simbolizar a mensagem Divina.
Um dobra no manto do rei revela um ostentativo forro de arminho. Símbolo de
dignidade e realeza, o suave e quente pelo de arminho era muito raro, sendo apenas
utilizado por aqueles nascidos em berço de ouro, incluindo reis e imperadores,
imortalizados pelos artistas através de retratos sumptuosos onde aparecem ostentando
mantos debruados ou forrados com pelo de arminho.
No pano de fundo, está representada uma monumental coluna de mármore, símbolo
clássico do poder, da rectidão e da dignidade. Este elemento axial simboliza, também, a
ascensão aos céus e a ligação direta do monarca com Deus.
VII. Quadro Síntese da Simbologia da Flora e da Fauna
“A interpretação do significado moral da ars naturans, desta linguagem cifrada da
natureza, assenta na tradição que encara a natureza como um sinal divino do mundo.”
31
Sendo assim, segundo Sónia Azambuja, a simbologia da natureza não resulta
somente dos significados inerentes à cultura de cada época, mas parece advir de um
sentido superior que se expressa através dessa mesma natureza.52
O quadro síntese que anexamos a este trabalho, foi elaborado a partir da obra de
Sónia Azambuja - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura
Seiscentista Portuguesa - e da obra de Lucia Impelluso - Nature and its symbols. Também,
segundo as indicações contidas nestas obras, foram consultadas a Bíblia Sagrada, as
Metamorfoses de Ovídio e a magnífica obra de Frei Isidoro de Barreira - Tractado das
Significacoens das plantas, flores, e fructos que se referem na Sagrada Escriptura.
Os significados simbólicos aqui compilados são gerais pelo que devem ser
interpretados no contexto específico de cada obra de arte, tendo em conta o seu autor, a
época e o local e, se possível, o conhecimento do tema representado.
Conclusão
A inclusão de imagens do mundo botânico em obras de arte tem sido transversal e
evidente na história da arte de todas as civilizações. Desde a época medieval a iconografia
52 AZAMBUJA, Sónia Talhé - A linguagem Simbólica da Natureza: a Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, p. 370.
32
botânica é utilizada como parte integrante na representação de imagens de santos e de
temas bíblicos, em retratos, naturezas mortas e cenas mitológicas.
Durante o século XVII, a arte é cada vez mais usada como instrumento do poder,
ora colocada ao serviço da contra-reforma católica, ora utilizada como instrumento de
propaganda das cortes absolutistas para glorificação e enaltecimento dos monarcas. O
simbolismo da flora e da fauna nas obras da pintura seiscentista, veio reforçar a sua
mensagem religiosa ou profana.
Enquanto os protestantes baniam o uso de imagens e ornamentos, a igreja católica
reforçava a importância da representação de figuras divinas, às quais eram associadas
imagens de plantas e animais com uma forte componente simbólica. A arte foi um
importante instrumento de propaganda cristã e de moralização católica, como forma de
alcançar o divino.
No Norte da Europa, as representações da flora e da fauna eram usadas no retrato
como referência às qualidades das pessoas representadas e em cenas de género como
referência ao entorno social. Na pintura de naturezas-mortas, a ilusão de que as plantas
estavam vivas era reforçada pela presença de borboletas e de caracóis.
Durante o Século de Ouro espanhol, houve uma forte tradição do uso do
simbolismo da natureza em temas bodegóns e floreros, em pinturas de género e na pintura
de cenas religiosas como forma de difundir os valores contrarreformistas e de apelar à
piedade cristã. Os Pintores seiscentistas portugueses foram muito influenciados pela arte
espanhola, designadamente por Zurbarán e Velázquez e pelas obras dos artistas da
Flandres, como Rubens e Jan Brueghel, o Velho.
No Barroco, época marcada por fortes contrastes, não existe continuidade
estilística, convivem classicismo e anti-classicismo, religioso e profano. No entanto, o
desejo de persuadir, de influenciar estados emocionais e de apelar aos sentidos do
observador foram objectivos comuns à arte de toda a Europa.
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Índice de imagens
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Fig. 2 – Disponível em: http://alfius.blogspot.pt/2012/11/cesare-ripa-iconologia.html,
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Acedido em: 14/01/13.
Figs. 10 e 11 – Disponíveis em: http://www.wikipaintings.org/en/search/zurbaran/1#supersized-search-198656 , Acedido em: 05/01/13.
Figs. 17, 20, 21, 22, 23 e 24 - Disponíveis em: http://museudevora.imc-ip.pt/pt-PT/coleccoes/coleccoes%20pintura/ImageDetail.aspx?id=97, Acedido em 26/12/12.
Fig. 18 – Disponível em: http://www.sdmart.org/collections/Europe/item/1947.36Acedido em: 22/12/12
Todas as restantes imagens, foram retiradas do site Web Gallery of Art,Disponível em: http://www.wga.hu/, Acedido em: 22/12/12.
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