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EDIRIAL A negligência dos médicos em relação ao idioma Carlos R. Soa Di* Não ptendo que os médicos que publicam aigos em nossas revistas cientcas, que pfem confen- cias ou apresentam simples mas livres nos nossos con- gssos ou que dêem aulas nas nossas faculdades sejam também literatos ou professores de pouguês. Mas não é admissível que pessoas que פrtenç a uma classe intelectual, que se propm a transr as suas idéias ou os seus conhecentos sobre assuntos cientcos ou, simplesmente, a ensin medicina aos mais jovens, co- metam tantos e, às vezes, tão elementas es de por- tuguês. Há os que nem sequer são capazes de ansmitir coerentemente os seus pensamentos, oralmente ou por escrito. Infelizmente, esse é um mal muito difundido atualmente no meio médico. Tenho ouvido argumentos, daqueles que não sabem falar ou escver, de que o idioma é dinâmico, deve acompanhar a evolução tecnol6gica, adaptar-se às exi- gências do povo que o utiliza. Meras ntavas de jus- fic a sua imפrdoável ignorância. É cl que, com a evolução da ciência, novos termos precisam ser incoo- dos ao vabulário, assim como muitas. coisas devem ser mudadas com o tempo, se não ainda escveríamos fia com ph. Mas é tamm claro que a evolução do veáculo não pode pautar-se pela linguagem das classes incultas, que, elizmente, predonam no nos- so país. Se sim fosse, ríamos de incoor à gmá- ca expsss como "tem gen que ... ", "eu lhe ", tão a gosto da maioria dos compositores de mdsica po- pular, "há um ano atrás... ", "n6s vai passear", "há me- nas gen" etc. Poderíamos, então, elimin os cursos de pouguês e asent gramáticas. Não, o gumento é falso, insincero. Ptende aפnas masc uma falha que aquele que o usa sabe. possuir mas m pguiça de superar, pois para isso teria de es- tudar. A prova disso é o fato de que essas pessoas ado- tam imediaente certos eos que estão muito em mo- da e que, para os desavisados, dão a impssão de lin- * Livre Docente Oſtag - Esco Pata Medic. Profeor Pno de Oftaolog - Fac. de Cncs Mas - San Ca S Pa 108 guagem edita. Pace muito mais elegante dizer pat logia que dœnça. Dœnça é o "zé povinho" quem diz, o cientista deve dizer patologia:" A ceratite é uma patol gia muito fqüente". Não sabem que patologia é o es- tudo das dœnças e não sinimo de dœnça, enfermida- de ou moléstia. "Devido à opacidade do víeo, não foi possível vi- sualiz a retina" - ouço es como essa com exaspe- nte freqüência. Digo aos que a empgam que eu con- sigo visualiz qualquer retina, mesmo com os olhos fe- chados. Visualiz é ver com a imaginação, indeפn- dente da anspancia do vío. O que o colega quer dizer é que não conseguiu ver, enxergar, lobg ou enver a tina. Imitando discursos de polCticos e radialistas ou arti- gos de joistas desppdos, פte-se a todo mo- mento a expssão "a nível de ... ". Os polCticos dizem "a nível ministeal" ; os oſtalmologistas, "a nível de víto". Em primeiro lug, não se encona "a nível de" em nenhum dicionário, mas "ao nível de" , para de- signar à mesma al, ou ainda em ou no nível. Em segundo lugar, o empgo que dão ao vocábulo nível é muitas vezes inadequado. Por que "a nível do víeo" e não "no vítreo" ? Nível dá semp idéia de horizontali- dade ou de altitude, em sentido sico ou numa esca de vores (pessoa de nível universitáo). Moda que sea até cômica, se não fosse pela gravi- dade do problema, é a de eliminar o igo definido de frases como "sofu um aumatismo em olho dito", "apresenta desepitelização em c6ea". Por que, então, esses colegas não dizem "pus a comida em boca" ou "deitei-me em cama"? Porque, como ouviram tais bar- baridades pfedas por alguém que considem autori- dade, crêem que estão falando editamente. Cii aפnas alguns exemplos: poderia citar muitos mais. Pce que, feliznte, as autoridades educacionais eso tomando consciência desse descalabro, criado por elas mesmas, ao descarem duran tanto tempo o ensi- no do idioma, e estão tentando corgir o eo, exigindo Q. BS. O. 54(3), 1c1 http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19910018

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Page 1: A negligência dos médicos em relação ao idioma - scielo.br · sualizar a retina" - ouço frases como essa com exaspe rante freqüência. Digo aos que a empregam que eu con sigo

EDITORIAL

A negligência dos médicos em relação ao idioma

Carlos R. Souza Dias*

Não pretendo que os médicos que publicam artigos em nossas revistas científicas, que proferem conferên­cias ou apresentam simples temas livres nos nossos con­gressos ou que dêem aulas nas nossas faculdades sejam também literatos ou professores de português. Mas não é admissível que pessoas que pertençam a uma classe intelectual, que se propõem a transmitir as suas idéias ou os seus conhecimentos sobre assuntos científicos ou, simplesmente, a ensinar medicina aos mais jovens, co­metam tantos e, às vezes, tão elementares erros de por­tuguês. Há os que nem sequer são capazes de transmitir coerentemente os seus pensamentos, oralmente ou por escrito. Infelizmente, esse é um mal muito difundido atualmente no meio médico.

Tenho ouvido argumentos, daqueles que não sabem falar ou escrever, de que o idioma é dinâmico, deve acompanhar a evolução tecnol6gica, adaptar-se às exi­gências do povo que o utiliza. Meras tentativas de justi­ficar a sua imperdoável ignorância. É claro que, com aevolução da ciência, novos termos precisam ser incorpo­rados ao vocabulário, assim como muitas. coisas devem ser mudadas com o tempo, se não ainda escreveríamos farmácia com ph. Mas é também claro que a evolução do vernáculo não pode pautar-se pela linguagem das classes incultas, que, infelizmente, predominam no nos­so país. Se assim fosse, teríamos de incorporar à gramá­tica expressões como "tem gente que ... ", "eu lhe amo", tão a gosto da maioria dos compositores de mdsica po­pular, "há um ano atrás ... ", "n6s vai passear", "há me­nas gente" etc. Poderíamos, então, eliminar os cursos de português e aposentar as gramáticas.

Não, o argumento é falso, insincero. Pretende apenas mascarar uma falha que aquele que o usa sabe. possuir mas tem preguiça de superar, pois para isso teria de es­tudar. A prova disso é o fato de que essas pessoas ado­tam imediatamente certos erros que estão muito em mo­da e que, para os desavisados, dão a impressão de lin-

* Livre Docente de Oftalmologia - Escola Paulista de Medicina.Professor Pleno de Oftalmologia - Fac. de Ciencias Mldicas - Santa Casa de São Paulo

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guagem erudita. Parece muito mais elegante dizer pato­logia que doença. Doença é o "zé povinho" quem diz, o cientista deve dizer patologia:" A ceratite é uma patolo­gia muito freqüente". Não sabem que patologia é o es­tudo das doenças e não sinônimo de doença, enfermida­de ou moléstia.

"Devido à opacidade do vítreo, não foi possível vi­sualizar a retina" - ouço frases como essa com exaspe­rante freqüência. Digo aos que a empregam que eu con­sigo visualizar qualquer retina, mesmo com os olhos fe­chados. Visualizar é ver com a imaginação, indepen­dente da transparência do vítreo. O que o colega quer dizer é que não conseguiu ver, enxergar, lobrigar ou entrever a retina.

Imitando discursos de polCticos e radialistas ou arti­gos de jornaiistas despreparados, repete-se a todo mo­mento a expressão "a nível de ... ". Os polCticos dizem "a nível ministerial" ; os oftalmologistas, "a nível de vítreo" . Em primeiro lugar, não se encontra "a nível de" em nenhum dicionário, mas "ao nível de" , para de­signar à mesma altura, ou ainda em ou no nível. Em segundo lugar, o emprego que dão ao vocábulo nível é muitas vezes inadequado. Por que "a nível do vítreo" e não "no vítreo"? Nível dá sempre idéia de horizontali­dade ou de altitude, em sentido físico ou numa escala de valores (pessoa de nível universitário).

Moda que seria até cômica, se não fosse pela gravi­dade do problema, é a de eliminar o artigo definido de frases como "sofreu um traumatismo em olho direito", "apresenta desepitelização em c6rnea". Por que, então, esses colegas não dizem "pus a comida em boca" ou "deitei-me em cama" ? Porque, como ouviram tais bar­baridades proferidas por alguém que consideram autori­dade, crêem que estão falando eruditamente.

Citei apenas alguns exemplos: poderia citar muitos mais.

Parece que, felizmente, as autoridades educacionais estão tomando consciência desse descalabro, criado por elas mesmas, ao descurarem durante tanto tempo o ensi­no do idioma, e estão tentando corrigir o erro, exigindo

ARQ. BRAS. OFrAL. 54(3), 1991 http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19910018

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A neglig2ncia dos midicos em relação ao idioma

mais das escolas quanto ao ensino da Ilngua e aumen­tando o rigor dos exames de português nos vestibulares. Mas isso diz respeito ao futuro, à gemção que se está formando agora. Quanto aos mais idosos, que aí estão tentando degenerar o idioma com o seu exemplo, pouco se pode fazer além de reclamar, como estou aqui fazen­do.

Mas há uma providência saneadom que pode ser adotada pelas revistas da especialidade. Solicitar dos colegas membros dos conselhos redatoriais que, ao le­rem os trabalhos enviados para publicação, se interes­sem também por essa questão, além da parte científica, ou contratem pessoa entendida para fazer as correções. Estou seguro de que isso viria elevar o padrão desses periódicos.

Lembro-me de uma carta que enviei, há algum tempo, à secção "Correspondence" da revista American Jour­nal of Ophthalmology, comentando certo artigo ante­riormente publicado por um autor norte-americano. As­sim como o faz sempre, a revista, antes de publicar a

minha carta e a resposta do autor, enviou-me uma pro­va, para eventual correção. O revisor criticava a palavra "comitant" que eu havia empregado, dizendo estar eu enganado, pois somente podiam encontrar em seus di­cionários o termo "concomitant". Além de expor-lhe os meus motivos para o emprego de "comitant" , citando artigo por mim e pelo dr. Cássio Galvão Monteiro sobre o assunto, nos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia (vol.46(6): 154, 1983), tive de enviar-lhe cópias de tm­balhos publicados pelo dr. Arthur Jampolsky, autorida­de por ele reconhecida, o qual utiliza o termo "comi­tant", para que ele concordasse em publicar a palavra como eu desejava. Isso mostra o cuidado que aquela re­vista, cujo elevado padrão não podemos deixar de reco­nhecer, tem para com a correção idiomática dos artigos que pubIíca. Imitêmo-Ia, pois, e estaremos preservando um valioso patrimônio que é a nossa língua. A comuni­cação entre cientistas exige absoluta precisão, o que somente pode ser conseguido através de um idioma bem utilizado.

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