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Página1 VII Simpósio Nacional de História Cultural HISTÓRIA CULTURAL: ESCRITAS, CIRCULAÇÃO, LEITURAS E RECEPÇÕES Universidade de São Paulo – USP São Paulo – SP 10 e 14 de Novembro de 2014 A NOVA JERICÓ MALDITA: EMBATES E LUTAS CONTRA A INSTALAÇÃO DA COLÔNIA DO IGUÁ, EM ITABORAÍ/RJ (1935- 1938) Luiz Maurício de Abreu Arruda * A pesquisa que desenvolvemos busca analisar os impactos político-sociais ocorridos antes e durante a construção do primeiro e único leprosário do Estado do Rio de Janeiro, privilegiando o movimento de resistência contra sua instalação no município de Itaboraí. A região em destaque alimentou, durante a primeira metade do século XX, a ideia de reflorescimento político-econômico, influenciada por um período áureo de grande pujança econômica, quando ocupou importante papel na economia fluminense durante os séculos XVIII e XIX. Os índices do ano de 1936, referentes às municipalidades destacam que Itaboraí: Município que já completou centúria, teve época de culminante prosperidade, no passado imperial, decaindo com o término do regime escravista. (...)Dia virá, porém, em que voltarão aos áureos tempos. Mesmo porque o renascimento já começou, e se completará com o saneamento da baixada. (Indicador de Legislação e Administração do Estado do Rio de Janeiro, 1944:258) * Mestre em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor da rede municipal de Rio Bonito. Contato: [email protected]

“A NOVA JERICÓ MALDITA”: EMBATES E LUTAS CONTRA A INSTALAÇÃO DA COLÔNIA DO IGUÁ, EM ITABORAÍ/RJ (1935-1938)

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Colônia do Iguá, Itaboraí, Leprosário

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    VII Simpsio Nacional de Histria Cultural

    HISTRIA CULTURAL: ESCRITAS, CIRCULAO,

    LEITURAS E RECEPES

    Universidade de So Paulo USP

    So Paulo SP

    10 e 14 de Novembro de 2014

    A NOVA JERIC MALDITA: EMBATES E LUTAS CONTRA A INSTALAO DA COLNIA DO IGU, EM ITABORA/RJ (1935-

    1938)

    Luiz Maurcio de Abreu Arruda*

    A pesquisa que desenvolvemos busca analisar os impactos poltico-sociais

    ocorridos antes e durante a construo do primeiro e nico leprosrio do Estado do Rio

    de Janeiro, privilegiando o movimento de resistncia contra sua instalao no municpio

    de Itabora.

    A regio em destaque alimentou, durante a primeira metade do sculo XX, a

    ideia de reflorescimento poltico-econmico, influenciada por um perodo ureo de

    grande pujana econmica, quando ocupou importante papel na economia fluminense

    durante os sculos XVIII e XIX.

    Os ndices do ano de 1936, referentes s municipalidades destacam que Itabora:

    Municpio que j completou centria, teve poca de culminante

    prosperidade, no passado imperial, decaindo com o trmino do regime

    escravista.

    (...)Dia vir, porm, em que voltaro aos ureos tempos. Mesmo porque

    o renascimento j comeou, e se completar com o saneamento da

    baixada. (Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de

    Janeiro, 1944:258)

    * Mestre em Histria Poltica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor da rede

    municipal de Rio Bonito. Contato: [email protected]

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    Ao analisarmos a historiografia sobre a formao da cidade de Itabora,

    identificamos a formao de um eixo analtico baseado em um trip que fundamenta a

    ideia de decadncia econmica do muncipio, associado a epidemias de malria1;

    ampliao da malha ferroviria e carncia de mo de obra devido abolio da

    escravatura.

    Por apresentar conexo com a pesquisa que empreendemos, destaco os impactos

    que as chamadas febres de macacu ocasionaram na memria local. A ttulo de

    exemplificao, destaco o discurso feito pelo Prefeito Joo Augusto de Andrade em julho

    de 1949, no momento da inaugurao da instalao do servio de Fora e Luz na cidade

    de Itabora:

    (...) bem certo quando se diz que, talvez de todos os municpios do

    Estado, nenhum houve, como Itabora, cuja decadncia se acentuasse

    tanto. As febres palustres irrompendo como vulco das margens do Rio

    Macacu, derramaram suas larvas malargenas pelas regies

    circunvizinhas, de tal modo que se diz at as rvores, atacadas pelo

    terrvel anofelino, sacudiam trementes os galhos moribundos. (FOLHA

    DE ITABORA, 1949:4)

    Pesquisas recentes relativizam a ideia de decadncia econmica da regio de

    Itabora, assim como as consequncias das epidemias e sua associao ao declnio e

    estagnao econmica da rea. ( COSTA, 2013) . Entretanto, o que interessa ressaltar

    em nosso trabalho, que, na memria e historiografia local, as doenas epidmicas foram

    um elemento primordial para a percepo de decadncia do municpio. E exatamente

    contra a possibilidade de uma contaminao2 pela lepra, provocada pela instalao de

    um leprosrio, que se organizaro as lideranas do municpio, na dcada de 1930.

    Poucas so as informaes que tratam da situao da lepra no Estado do Rio de

    Janeiro na Primeira Repblica. importante destacar que, de acordo com Laurinda

    Maciel, todos os hospitais de lzaros e asilos existentes no pas at o incio do sculo XX,

    1 Trata-se da epidemia de maior impacto registrada por memorialistas e historiadores locais. Inicia-se no

    final da dcada de 1820, denominada de febres de macacu e apontada como uma das principais causas de declnio econmico da regio.

    2 Segundo Charles Rosenberg a viso de contaminao frequentemente se associa ideia de contgio

    pessoa a pessoa. Esta associao to forte que, entre os leigos atravs da histria, o prprio termo

    epidemia e contgio tornaram-se sinnimos. Entretanto, contaminao tambm poderia implicar

    desordem em um sentido mais geral: qualquer evento ou agente que viesse subverter uma configurao

    saudvel estabelecida. (ROSENBERG, 1992:258)

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    eram de iniciativa privada e na sua maioria sob administrao da Igreja Catlica, visto

    seu carter mais caritativo que propriamente curativo. (MACIEL, 2007:34-35)

    At o final da dcada de 1920, no encontramos registros oficiais referentes a

    censo de leprosos no Estado do Rio, com exceo das pesquisas realizadas pelo Dr. Paes

    de Azevedo, que efetuou um levantamento censitrio entre os municpios de Saquarema

    e Cabo Frio em 1916 por serem locais endmicos. (SOUZA-ARAJO, 1956:572-573)

    O ideal profiltico no combate lepra era baseado no cdigo sanitrio de 1923

    (decreto n 16300/1923), que estabeleceu como algumas de suas medidas a notificao

    obrigatria do caso, o exame peridico dos comunicantes e o isolamento do leproso, que

    podia ser nosocomial ou domiciliar. A finalidade desta legislao foi estabelecer um

    protocolo a ser seguido em todo territrio nacional, contudo nem todos os estados

    adotaram essas diretrizes.

    O modelo preconizado pelas principais autoridades mdicas ligadas profilaxia

    da lepra, em termos de isolamento institucional, era o tipo colnia agrcola. O principal

    argumento de seus defensores era transmitir aos doentes a ideia de que ali renasceria a

    esperana como espao de cura e tratamento, atravs de mecanismos que amenizassem

    o sofrimento. Este modelo trazia em seu escopo um projeto de auto-suficincia e

    humanizao do espao destinado ao confinamento dos doentes, aproveitando

    elementos da natureza que conjugariam trabalho, lazer, higiene e conforto. (SOUZA-

    ARAJO, 1956:247-250 & WEAVER, 1939:21-30)

    Apesar de o armamento profiltico do Estado do Rio de Janeiro no oferecer a

    estrutura que o Distrito Federal detinha na dcada de 1930, vlido destacar a iniciativa

    de sanitaristas e leprlogos na consolidao de um sistema de controle da doena que se

    realizou de forma mais objetiva a partir do apoio federal ao Estado do Rio de Janeiro na

    construo do leprosrio do Igu.3

    Alguns atores envolvidos no cenrio poltico estadual se engajaram na luta por

    polticas pblicas capazes de conter o avano da lepra. Nesse sentido, julgo importante

    3 O Estado de So Paulo foi pioneiro no que se refere s polticas de sade relacionadas lepra. Atravs

    de aes que antecedem o Plano Nacional de Combate Lepra em 1935, o estado j havia inaugurado

    cinco instituies para isolamento de leprosos: a Colnia de Santo Angelo em 1928; o Asilo-Colnia

    Pirapitingui e o Sanatrio Padre Bento em 1931; em abril de 1932, o Asilo-Colnia de Cocaes e em

    abril de 1933, o Asilo-Colnia Aymors.

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    destacar a figura de Luiz Palmier4, deputado estadual representante do municpio de So

    Gonalo. Sua campanha em favor do combate doena e, principalmente, na assistncia

    aos filhos dos leprosos se justifica por sua participao na Sociedade Fluminense de

    Assistncia aos Lzaros e Defesa contra a Lepra, entidade filantrpica na qual ocupou

    cargos de direo.

    Em 1932, numa das sesses da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Niteri, Dr.

    Luiz Palmier apresentou pela primeira vez seu artigo O Problema da Lepra no Estado

    do Rio, chamando a ateno para a situao calamitosa na qual se encontravam os

    leprosos no Estado fluminense, especialmente em sua Capital. Considerou, sobretudo, a

    situao de mendicncia, j que desprovidos de qualquer amparo social colocavam em

    risco a populao de modo geral. Segundo seu estudo, nenhum hospital os recebia e

    para muitos a soluo eram as cadeias pblicas. (PALMIER, 1935)

    A soluo do problema veio atravs da iniciativa do Governo Federal, por meio

    do ento Ministro da Educao e Sade Pblica, Gustavo Capanema. Este, no final de

    1934, destinou ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ento chefiado pelo Interventor

    Ary Parreiras, a quantia de 200 contos de ris para aquisio do terreno onde seria

    construdo o leprosrio. (GAZETA DE NOTCIAS, 1935:2)

    Em julho de 1935, ocorreram as Primeiras Jornadas Mdicas do Estado do Rio

    de Janeiro na cidade de Campos, organizadas pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de

    Niteri. Neste evento, foram apresentados vrios trabalhos evidenciando a situao da

    lepra no Estado do Rio. Destacamos a explanao feita pelo Dr. Galdino do Valle Filho:

    (...)A Baixada Fluminense me parece ser a zona mais acometida.

    Cuidam no momento os poderes pblicos de crear no Estado o seu

    leprosario. No se pode regatear aplausos de to iniciativa. Discute-se,

    no entretanto, o local para sua instalao. O ponto lembrado, ao que

    parece, pela Higyene Estadual, a estao de Venda das Pedras da

    Leopoldina Railway, no 5 Distrito do municpio de Itaborahy. Levanta-

    se, porem contra a ida um grande clamor da populao. E foroso

    reconhecer toda a procedncia da impugnao. (Ibidem, 3)

    4 Luiz Palmier foi um poltico fluminense atuante no municpio de So Gonalo. Era formado em

    Medicina e participou ativamente em movimentos intelectuais e filantrpicos do Estado do Rio de

    Janeiro na primeira metade do sculo XX.

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    Chama a ateno o fato de Itabora nesse momento ser apontado como possvel

    escolha para instalao do leprosrio. Reconhecendo a iniciativa do governo estadual,5

    Dr. Galdino enaltece o empreendimento, porm denuncia um grande clamor da

    populao local demonstrando a insatisfao contra a construo do leprosrio. A

    retrica presente neste trecho evidencia sua possvel intencionalidade em dar

    visibilidade ao descontentamento de lideranas locais, pois nenhum peridico da capital

    do Estado do Rio de Janeiro noticiou esses acontecimentos.6

    O municpio que receberia a Colnia j havia sido escolhido 4 meses antes das

    Jornadas Mdicas de Campos, conforme relatrio enviado ao Diretor de Sade Pblica

    do Estado do Rio de Janeiro, em 1 de fevereiro de 1935. Neste documento, consta que o

    terreno a ser adquirido deveria seguir as diretrizes do Plano Nacional de Combate Lepra

    e, para isso, foram consultados os Drs. Ernani Agrcola (chefe dos Servios Sanitrios

    Federais nos Estados), Joaquim Motta (assistente da Inspetoria de Lepra e Doenas

    Venreas no Distrito Federal) e o Dr. Tefilo de Almeida (Diretor do Hospital-Colnia

    de Curupaiti). (Arquivo Pessoal Capanema, FGC.35.09.02: 473)7. As diretrizes

    encontravam pleno apoio na gesto de Gustavo Capanema que logo aps assumir o

    Ministrio da Educao e Sade em 1934, realizou uma mudana na estrutura que

    orientava a sade pblica do Brasil, possibilitando a presena mais efetiva da Unio nos

    Estados.

    No relatrio elaborado pelos mdicos supracitados, so sugeridos trs

    municpios avaliados por aspectos tcnicos presentes em cada regio: Maric, embora

    mais perto da capital, possua superfcie baixa, o que facilitaria a estagnao das guas e

    alm disso possua grandes reas de cultivo; Saquarema tinha a vantagem de ter os

    maiores ndices da doena e estar prximo das estradas de ferro e de rodagens, mas foi

    5 A partir do Plano Nacional de Combate Lepra que comeou a ser delineado em 1934 e concludo em

    1935, foi possibilitada a construo e reforma de leprosrios por todo o Brasil, aumentando ainda mais

    o poder simblico em torno da instituio como soluo para o problema da lepra e assim o Estado

    estaria protegendo os sos e consolando os leprosos.

    6 Era comum a imprensa do Distrito Federal noticiar os assuntos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro

    por diversos fatores. Um deles era devido proximidade geogrfica e muitos polticos atuantes na esfera

    fluminense trabalharem na edio desses jornais. Outra razo seria que as faces oposicionistas

    fluminenses no encontrando espao na imprensa do Estado, veiculavam suas ideias nos jornais da

    capital federal. (FERREIRA & LAMARO, 1985:23-40)

    7 Vale salientar que dos trs mdicos consultados, dois deles participaram da elaborao do Plano

    Nacional de Combate Lepra.

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    recusado por ficar a 3 km de uma usina e possuir lavoura prxima. A regio de Venda

    das Pedras, em Itabora, ofereceu maiores vantagens porque era uma:

    Zona alta, a margem da estrada de rodagem que segue para Rio Bonito

    e a estrada tronco Norte-fluminense; alm disso, h o leito da Estrada

    de Ferro Leopoldina. Possui 2/3 em superfcie elevada, com vegetao

    abundante e tendo prximo o Rio Igu. (Idem, 576-598)

    Os tcnicos apontaram as vantagens de Itabora, principalmente no aspecto da

    localizao geogrfica do terreno, pois alm da proximidade com a capital (40 kms)

    ficava em um posio privilegiada pela facilidade de acesso regio serrana e que

    ligava Saquarema Cabo Frio. Com uma estao de trem prxima e com a estrada de

    rodagem disponvel, o acesso fcil foi um dos principais fatores determinantes da escolha.

    Foi mencionada tambm a possibilidade do Rio Igu ser utilizado como fonte de recurso

    hdrico j que ficava a poucos metros do terreno. As caractersticas topogrficas

    indicavam que 75% do terreno encontrava-se em superfcie plana, favorecendo o

    saneamento e impedindo possveis focos de mosquitos.

    Convm notar que no so apontadas as desvantagens principalmente no que

    se refere ao municpio tambm possuir grandes reas de cultivo para exportao, como

    publicado em documento pblico do mesmo perodo:

    O movimento de exportao dos principais produtos do municpio,

    aguardente e frutas, principalmente abacaxis e laranjas, aumentou

    sensivelmente nos trs ltimos anos, tendo decrescido a indstria

    pastoril. (Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de

    Janeiro , 1936:258)

    O reerguimento do municpio de Itabora ganhava flego na dcada de 1930,

    principalmente pelo investimento de grandes produtores na regio e impulsionado pela

    criao da Comisso de Saneamento da Baixada Fluminense em 1933, sob a direo

    tcnica e administrativa do DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento). A

    tnica principal desta instncia governamental era de solucionar a insalubridade das

    baixadas alagadias, que era um tipo de terreno propcio disseminao das febres

    palustres8, impossibilitando o desenvolvimento de atividade agrcola e agropecuria.

    (GOS, 1939:33-36)

    8 Febres palustres o nome popular dado malria, doena infecciosa febril aguda causada por parasito

    unicelular, caracterizada por febre alta acompanhada de calafrios, suores e cefaleia, que ocorrem em

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    Apesar de o municpio vivenciar nesse momento um papel secundrio no cenrio

    poltico e econmico fluminense, as lideranas locais acreditavam que Itabora poderia

    renascer e voltar a ocupar um lugar de destaque na poltica da velha Provncia. As

    obras de saneamento possibilitariam a retomada do dinamismo econmico e poltico que

    o municpio vivenciou durante grande parte do sculo XIX. Assim, a perspectiva da

    instalao de um leprosrio em Itabora, seria um obstculo diante do movimento de sua

    recuperao.

    A luta contra o leprosrio em Itabora foi capitaneada por Roberto Pereira dos

    Santos, mdico atuante no Distrito Federal e docente na Faculdade de Medicina de

    Niteri. Nutria profunda ligao com sua terra natal, o municpio de Rio Bonito, vizinho

    cidade de Itabora. Ao ter conhecimento que Itabora havia sido escolhida como local

    para a instalao de um moderno leprosrio, Roberto Pereira dos Santos se posicionou

    sumariamente contrrio a esta deciso do governo do Estado, tornando-se o principal

    articulador de um movimento de resistncia. Esta luta o levou, inclusive, a se candidatar

    a uma cadeira na cmara municipal de Rio Bonito nas eleies de 1936. (SANTOS, 1937)

    Roberto Pereira dos Santos se lana em campanha contra o leprosrio,

    convocando luta todos os itaborienses e riobonitenses, como demonstra seu discurso na

    Cmara Municipal de Itabora:

    (...) No politica a finalidade precipua da minha atitude; nem

    interesseira a espontaneidade dos meus tos. Um movimento desta

    ordem no pode macular-se nas trincas das competies partidrias,

    pois indispensvel que no haja dissenses, a-fim-de se no empanar

    o brilho da peleja. Somos todos fluminenses, unidos e coesos em torno

    de um ideal nico e comum. No h aqui, portanto logar para discusses

    de ortodoxias, e muito menos para dissenes de qualquer espcie.

    (Ibidem,17)

    Em pouco tempo atraiu para seu intento a elite local que estava insatisfeita com

    os impactos sociais e econmicos que resultariam para o municpio de Itabora a

    instalao de um espao para tratamento e confinamento de leprosos. Todos aqueles que

    eram contrrios a esta iniciativa, acreditavam que esse propsito estigmatizaria toda a

    regio por conta da possibilidade de contgio do temvel mal. A rpida adeso

    demonstrada atravs de uma carta aberta populao, de autoria do Juiz Pache de Faria,

    padres cclicos, a depender da espcie do parasito infectante.

    http://www.infectologia.org.br/publico/glossario?id=77 ( acessado em 24/11/2014).

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    que manifestou seu apoio causa e prometeu colaborar em todas as instncias para

    conseguir a transferncia do leprosrio para outra localizao. Em suas palavras:

    (...) Ao seu lado est o POVO de Itabora, irmanado com os seus

    conterraneos. A sua palavra autorizada juntamos o nosso esforo moral.

    Em, mim cidado e juiz desta terra j to pobre pela maleita, que a aniquila, e pela verminose que suga, - encontrar toda a solidariedade,

    porque desde os primeiros murmrios sobre a localizao dos

    leprosrios neste municpio, que me coloquei na vanguarda dos

    soldados que a combatem.

    De p, em sinal de sentido, estou ao seu lado, pronto a ouvir e a

    obedecer sua voz de comando. (O SO GONALO, 1936:3)

    Alm do juiz, os polticos locais, superando querelas partidrias, aderiram

    campanha contra o leprosrio, pois dos 11 vereadores que integravam o poder legislativo

    municipal de Itabora, 7 assinaram o documento, alm das principais lideranas ligadas

    ao poder local. Vereadores do muncipio de Rio Bonito, alm dos deputados: Capitulino

    dos Santos; Antonio Leal e Gasto Reis que tambm assinaram o documento,

    discursaram, prometendo buscar alianas em outros muncipios para reverter a deciso do

    Executivo Estadual. (SANTOS, 1937:6-7)

    O prefeito Joaquim Jos Soares e o vereador Manoel Alves de Castro, lder da

    Cmara legislativa de Itabora, que integravam o grupo, eram prsperos fazendeiros e

    produtores de gneros agrcolas, demonstrando que o interesse privado sobrepujava os

    acordos e articulaes polticas firmados em perodo de campanha. (O SO

    GONALO,1940:5)

    A busca por um passado de glria e a crena no ressurgimento econmico do

    muncipio so subsdios utilizados pelos insurgentes contra o leprosrio do Igu. A

    colocao dos acontecimentos locais em evidncia uma tendncia na tradio da histria

    local. comum entre os memorialistas e historiadores de provncia expressarem atravs

    de seus registros que os processos ou acontecimentos ocorridos nos seus municpios so

    da mais alta relevncia. (REZNIK, 2002)

    No entanto, enquanto a resistncia se articulava arregimentando partidrios, as

    obras do leprosrio avanavam e os primeiros pavilhes j comeavam a surgir para a

    infelicidade daqueles que lutavam contra o empreendimento. Em 3 de dezembro de 1936,

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    o Jornal A Noite9 noticiava o avano das construes e nenhum destaque foi dado

    celeuma que ocorria nos bastidores do projeto. A matria enfatizou as questes referentes

    s construes, dando nfase capacidade, infraestrutura e logstica, com total

    silenciamento sobre as repercusses que a construo do leprosrio provocava.

    Diferentemente do jornal A Noite, o Correio da Manh, de 24 de novembro de

    1936, evidenciando total apoio ao governo do Estado, faz severas crticas ao movimento

    contrrio ao leprosrio. Atravs de matria intitulada Uma Cidade de Leprosos no

    Municipio de Itaborahy, deixava claro seu apoio instalao do leprosrio. Inicialmente

    a matria destaca que as edificaes estavam bem adiantadas, com a construo de 6

    pavilhes tipo Carville10. O redator vai pontuando alguns fatos relacionados a construo

    apresentando reflexes como:

    A construo do leprosario do Igu, mereceu desde logo, por parte de

    elementos derrotistas, uma campanha injusta e sobretudo impatriota.

    (...) A campanha derrotista levantada contra o futuro leprosrio do Igu,

    chefiada por um vereador do municipio de Rio Bonito, ferindo at a

    autonomia do seu municipio. O sr. Novaes pertencente a corrente

    poltica do deputado Capitulino Santos, no o acompanha na ingrata

    misso de combater uma obra de tamanho alcance social.(CORREIO

    DA MANH, 1936:5)

    Tendenciosamente, a notcia tem uma clara funo de desmoralizar o grupo que

    lutava contra a instalao do nosocmio, apontado como elementos derrotistas que se

    levantavam contra uma obra de tamanho alcance social. 11

    As negociaes e a diversidade de interesses, por parte dos atores, em torno da

    continuidade do projeto de Igu, demonstram que o perodo posterior Constituio de

    9 O peridico A Noite era propriedade de Guilherme Guinle, que representava um grupo de investidores

    estrangeiros. Em 1936, este jornal alm de outros empreendimentos comandados pelo grupo, aumentou

    consideravelmente sua vendagem, adotando uma poltica situacionista e livre de ataques pessoais.

    (FERREIRA:2001)

    10 O modelo Carville de pavilhes inspirado no Leprosrio Carville, construdo em 1921, entre Nova

    Orleans e Baton Rouge no Estado de Louisiana, EUA. O seu modelo tornou-se referncia pelo propsito

    de abrigar todos os leprosos do pas e a existncia de uma estrutura de cidade, onde todos os setores

    eram divididos para o uso de sos e doentes.

    11 Segundo Carlos Eduardo Leal no possvel assegurar com certeza se a posio do Jornal Correio da

    Manh era coincidente com as diretrizes da poltica varguista, pois desde sua fundao em 1901, por

    Edmundo Bitencourt, o peridico refletiu oscilaes em termos de crticas e apoio situao. mais

    provvel que durante o Estado Novo, o controle da censura sobre a matria publicada fizesse com que

    esta refletisse em todos os momentos os interesses do governo. (ABREU, 2001)

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    1934, proporcionou um palco de imprevisibilidade poltica, evidenciando que o

    legislativo estadual era um espao de confronto de projetos e interesses.

    Em sesso ocorrida na Cmara Municipal de Itabora, o vereador Nilo Torres

    menciona a aprovao de um requerimento feito em sesso anterior, para que se

    telegrafasse aos deputados Federais Adalberto Crrea, Bandeira Vaughan e Prado Kelly,

    agradecendo-os pela elaborao de projeto Cmara Federal que transferia a construo

    do leprosrio do Igu para outra regio. Alm disso, tambm deveria se telegrafar para o

    Presidente da Repblica; o Ministro da Educao e Sade Pblica; Cmara Federal;

    Legislativo Estadual; Governador do Estado; e a Imprensa do municpio de So Gonalo,

    das capitais dos Estados e do restante do pas. Essa articulao local demonstra a

    montagem de uma fora-tarefa para desestabilizar a continuidade das construes.

    No final de outubro de 1936, correspondncias trocadas entre o Ministro

    Gustavo Capanema e o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Protgenes Guimares,

    j evidenciavam graves fissuras na continuidade da construo do hospital Colnia. O

    Ministro chegou a pedir ao Governador do Estado do Rio, a realocao do leprosrio,

    sinalizando as reclamaes locais e indicando que o Governo Federal aceitaria a remoo

    do projeto para outra localidade, a fim de resolver o imbrglio poltico, desde que o

    Governo do Estado arcasse com os custos que j haviam sido gastos. Em menos de trs

    dias, o Governador recusava o pedido, minimizando as insatisfaes locais. (Arquivo

    Pessoal Capanema, FGV. FGC 35.09.02)

    Em novembro de 1936, o movimento atingiu seu momento de maior flego,

    atravs de um projeto federal que buscou modificar sistematicamente o rumo das

    edificaes, transferindo o nosocmio para outra localidade, com aproveitamento do

    terreno e edificaes em uma Estao Experimental Agrcola.

    Na tentativa de equacionar esse desafio, o deputado federal Adalberto Correa e

    seus correligionrios, apresentaram o Projeto 483, que continha a seguinte instruo:

    corrigir uma anomalia na localizao do leprosrio em zona, at aqui, absolutamente

    indme do mal de Hansen. A instalao do leprosrio em local que no apresentava

    incidncia da doena passou a ser a principal argumentao daqueles que se posicionavam

    contra a localizao do leprosrio em Itabora, uma vez que representava um ataque direto

    ao relatrio tcnico. Dados epidemiolgicos que apontavam Itabora e regies vizinhas

    como muncipios isentos lepra, foram a principal arma utilizada pelo grupo que

    apresentou o projeto 483. Alm deste argumento cientfico, as principais lideranas do

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    movimento evocavam as razes econmicas da questo, destacando que a velha

    comuna (Itabora) com as obras de saneamento da baixada voltaria a florescer.

    Em resposta, o Dr. Ernani Agrcola destacou que no se justificava essa reao,

    pois os protestos na verdade estavam vinculados a preconceitos ancestrais, manipulados

    habilmente por aproveitadores. Segundo o leprologista, o estigma em torno da doena

    seria o principal obstculo para a construo de novos leprosrios. Agrcola chama a

    ateno para o interesse poltico neste imbrglio. (Revista de Combate Lepra, 1938:156-

    158)

    Em 11 de maro de 1937, o Ministro Gustavo Capanema foi convocado pela

    Comisso de Sade Pblica da Cmara Federal, para prestar esclarecimentos referentes

    construo do leprosrio de Igu e o Plano Nacional de Combate Lepra. O relatrio que

    resultou da convocao do Ministro demonstra que em maro de 1937, ainda havia

    espaos de questionamento s aes do Governo Federal, panorama fundamentalmente

    modificado a partir da decretao do Estado Novo.

    As manobras polticas para transferir o local de construo do leprosrio bem,

    como a manuteno do projeto, demonstram em uma escala reduzida, que o perodo entre

    a Constituio de 1934 e novembro de 1937, representou um momento de disputas de

    poder na esfera municipal, refletindo-as a nvel estadual e federal. (DELGADO &

    FERREIRA, 2011:31-34). Atravs de anlise do sistema partidrio de um dos municpios

    que compem um aglomerado de 48 do Estado do Rio de Janeiro na dcada de 1930, pode

    ser identificado que mesmo com sua autonomia quase nula, o perodo constitucional

    (1934-1937) demonstrou ser de luta poltica e o poder local mobilizou-se em defender

    seus interesses.

    Em 14/03/1937, o Jornal a Noite noticiou as articulaes polticas para que o

    Projeto 483 fosse vetado:

    Aberta a sesso de hoje da Camara e lida a acta, falou o Sr, Bandeira

    Vaughan. O deputado fluminense, a proposito de retificar aquela acta,

    combateu a atitude do Sr. Protegenes Guimaraes, Governador do

    Estado do Rio, telegraphando aos representantes estaduaes para que

    votem contra o projeto que extingue o leprosario de Igu, no mesmo

    Estado.(A NOITE, 1937)

    O grupo contrrio ao projeto 483, liderado pelo Governador Protgenes

    Guimares, atingiu seu objetivo. O projeto foi rejeitado pela Comisso de Finanas e

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    Agricultura da Cmara Federal, ou seja, o projeto sequer foi colocado em votao, o que

    significou um duro golpe ao grupo que lutava contra a instalao do leprosrio em

    Itabora.

    Com a decretao do Estado Novo em 10 de novembro de 1937, os partidos e o

    Parlamento foram abolidos, destituindo seus interlocutores polticos. O governo federal

    passou a intervir nos estados mediante a nomeao dos interventores, assumindo o poder

    orientado por uma nova Constituio.12

    A partir dessa nova orientao poltica, terminava a continuidade de experincias

    democrticas ocorridas entre 1934 e 1937. E a reboque, veio o silncio sobre as discusses

    em torno do leprosrio do Igu, uma vez que seus principais atores foram destitudos de

    suas funes quer fossem do poder municipal, estadual ou federal. O Jornal O So

    Gonalo que por diversas vezes publicou artigos e atuou como um verdadeiro

    termmetro durante a tentativa de transferncia do leprosrio, no publicou mais uma

    linha sequer sobre o andamento das obras ou sobre as insatisfaes locais por conta de

    sua instalao. O peridico s voltaria a veicular uma pequena nota, informando: No dia

    20 de agosto de 1938, ocorreu em Itabora a inaugurao do leprosrio do Igu.

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