731
A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber Patrocínio: 2010 Organizadores: May Christine Modenesi-Gauttieri Andrea Bartorelli Virginio Mantesso-Neto Celso Dal Ré Carneiro Matias B. de Andrade Lima Lisboa

A Obra de Aziz Nacib Ab'Sáber

Embed Size (px)

Citation preview

  • A Obra de Aziz Nacib Ab'Sber

    Patrocnio:

    2010

    Organizadores:May Christine Modenesi-Gauttieri

    Andrea BartorelliVirginio Mantesso-Neto

    Celso Dal R CarneiroMatias B. de Andrade Lima Lisboa

  • Ttulo: A Obra de Aziz Nacib Ab'SberPrimeira edio: 2010

    .Beca-BALL Edies Ltda.Rua Capote Valente, 779

    CEP 05409-002 So Paulo SP Brasil

    www.editorabeca.com.brDireo: Murilo de Andrade Lima Lisboa

    [email protected] 2010

    Conselho Editorial:

    Diretor: Murilo de Andrade Lima Lisboa

    Presidente: Celso Dal R Carneiro

    Mediador: Virginio Mantesso-Neto

    Andrea Bartorelli

    Antonio Carlos Robert Moraes

    Benjamim Bley de Brito Neves

    Fernando Flvio Marques de Almeida

    Rualdo Menegat

    Silvia Fernanda de Mendona Figueira

    A Obra de Aziz Nacib Ab'Sber/ organizado por May Christine Modenesi-Gauttieri; Andrea Bartorelli; Virginio Mantesso-Neto; Celso dal R Carneiro; Matias Barbosa de Andrade Lima Lisboa. - - So Paulo: Beca-BALL edies, 2010.

    ISBN: 978-85-62768-05-7 Bibliografia.

    Patrocnio: PETROBRAS

    1. Geografia - Brasil. 2. Geomorfologia. I. Ab'Sber, Aziz N. II. Modenesi-Gauttieri, May C., Org. III. Bartorelli, Andrea, Org. IV. Mantesso-Neto, Virginio, Org. V. Carneiro, Celso D. R., Org. VI. Lisboa, Matias A. L., Org. VII. Ttulo.

    Depsito Legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto n 1825, de 20 de dezembro de 1907.

  • A Obra de Aziz Nacib Ab'Sber

    Patrocnio:

    2010

    Organizadores:May Christine Modenesi-Gauttieri

    Andrea BartorelliVirginio Mantesso-Neto

    Celso Dal R CarneiroMatias B. de Andrade Lima Lisboa

  • A PetrobrAs se sente honrada quando participa da divulgao da obra de brasileiros que dedicam sua vida para o progresso do nosso pas. o caso deste livro, que apresenta a obra acadmica completa do gegrafo Aziz Nacib Ab'sber.

    A notoriedade como gegrafo, geomorflogo e cientista das geocincias no o entrincheirou no meio acadmico; sempre esteve presente nos grandes debates nacionais, sobretudo quando os temas se relacionam com meio ambiente ou, como ele mesmo diz, com "a parte menos aquinhoada da sociedade brasileira".

    Foi laureado com as mais altas honrarias da cincia: Membro Honorrio da sociedade de Arqueologia brasileira, Gro Cruz em Cincias da terra pela ordem Nacional do Mrito Cientfico, Prmio Internacional de ecologia de 1998 e Prmio Unesco para Cincia e Meio Ambiente, Professor emrito da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de so Paulo, Professor Honorrio do Instituto de estudos Avanados da mesma Universidade, Presidente, na gesto de 1993 a 1995, e atual Presidente de Honra da sociedade brasileira para o Progresso da Cincia -sbPC. embora tenha se aposentado compulsoriamente, ainda se mantm em atividade orientando alunos, e intervindo no cenrio poltico nacional com seus questionamentos.

    Cientista renomado, quando entrevistado respondeu: "parto do princpio de que as pessoas precisam entender o que cultura para, depois, entender o que cincia. A pesquisa agrega conhecimento cultura, alimenta a cincia e acelera os processos evolutivos das sociedades".

    Fez isso quando, na primeira metade da dcada de 1980, participou do grupo de especialistas na formulao da estratgia de explorao e produo da Provncia Petrolfera de Urucu, no meio da floresta amaznica uma iniciativa pioneira, que talvez continue sendo o melhor exemplo no mundo de como conciliar o aproveitamento de um bem natural com preservao ambiental e incluso socioeconmica da populao local.

    A PetrobrAs deve seu xito nas atividades exploratrias aos mesmos princpios e se norteia pela poltica empresarial comprometida com o treinamento contnuo, com programas de ps-graduao, e com a integrao na comunidade cientfica, acadmica e industrial.

    A explorao de recursos minerais abre um leque de desafios para os profissionais da rea das geocincias e, sobretudo, cobra dos mesmos a motivao para que esta seja uma atividade econmica indutora de desenvolvimento com incluso social e de forma ambientalmente responsvel.

    Ao Professor Aziz Nacib Ab'sber, as homenagens da PetrobrAs por seu legado intelectual e formao de geraes que trabalham com a Geocincia.

    Guilherme de oliveira estrella

    Diretor de explorao e Produo

  • Muitos dos quase 3.000 participantes do 45 Congresso brasileiro de Geologia, evento onde este livro vem a pblico, podem ter uma certa dificuldade em imaginar uma poca em que todos os gelogos brasileiros se conheciam pessoalmente... eram apenas algumas poucas dezenas!

    Nosso homenageado neste belo livro viveu aquela poca, pois formou-se no curso de Histria e Geografia da antiga Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de so Paulo, em 1948.

    A sociedade brasileira de Geologia ainda engatinhava: criada oficialmente em dezembro de 1945, com cinco (5!) scios, j havia crescido para vinte e cinco (25!) scios quando da eleio da primeira Diretoria, 4 meses depois.

    De 1948 a 2010 passaram-se mais de seis dcadas. Nosso gegrafo, no ambiente do Palacete da Al. Glete, em so Paulo, onde era ministrado o Curso de Geologia, desenvolveu uma conexo com esta cincia ainda quase desconhecida no brasil, e slidos conhecimentos que faziam pontes entre as duas cincias-irms. Comeou a produzir trabalhos, e praticamente no parou mais, vivenciando vrias etapas de crescimento da UsP, com passagens tambm por outras instituies de ensino superior em vrios estados do brasil. Continua escrevendo, fazendo palestras, criando discpulos e admiradores at hoje. sua especialidade principal a geomorfologia, mas boa parte de seus trabalhos cobre temas afins, entre eles a geografia fsica, a geografia humana, o urbanismo, e a preservao do meio ambiente. Alm de cientista, um cidado atuante e participante ativo da discusso das grandes questes que interessam ao brasil. Na sua prpria opinio, como se pode ouvir na entrevista apresentada no DVD anexo, ele se considera acima de tudo um educador.

    este livro apresenta todos os seus artigos at os dias atuais, em reproduo integral, com destaque para diversos deles apresentados por seus colegas em diversas frentes de atuao. Com esse contedo, est seguramente destinado a ser uma obra de referncia.

    A sbG, consciente de suas funes de no apenas alavancar o desenvolvimento das geocincias neste sculo XXI, mas tambm de preservar a memria do seu nascimento e desenvolvimento no brasil, v esses dois objetivos plenamente atingidos nesta obra, e sente-se orgulhosa de dar-lhe o seu apoio.

    Herbet Conceio

    Presidente

    Sociedade Brasileira de Geologia

    Palavras da Sociedade Brasileira de Geologia

  • A beca, com o patrocnio da PetrobrAs, tem o privilgio de publicar mais um livro dedicado integralidade da obra acadmica de um grande mestre das Cincias da terra: Aziz Nacib Absber.

    Devido ao volume de artigos desta proposta editorial, a beca recorre s possibilidades pro-porcionadas pelos novos meios digitais para armazenar dados, acreditando que, mesmo para os mais refra-trios leitura em tela, fundamental o conhecimento desta ferramenta, indispensvel, nos dias de hoje, para a boa pesquisa. Assim, alm da publicao em livro, segue anexo um DVD, parte essencial da obra.

    este gnero de publicao, em que a proposta fundamental apresentar a integralidade da obra de um autor, exige dos organizadores um trabalho rduo de pesquisa. No caso desta publicao em particular, em determinado momento, os organizadores se depararam com a existncia de mais de 400 ttulos, muitos dos quais o prprio Professor Aziz no se lembrava, ou desconhecia o percurso de sua publicao. As republicaes em coletneas, boletins, jornais e revistas acadmicas obrigaram a um exaus-tivo trabalho de reconhecimento e busca do original. Para outros artigos, a dificuldade era a de encontrar um exemplar impresso. medida que o trabalho evolua, se descortinava o amplo terreno de atuao do Professor Aziz, que poucas pessoas conhecem. o agradvel e solcito convvio com o autor deixou claro que sua principal preocupao a educao e a formao de um povo consciente de sua responsabilida-de com a terra e com o prximo. Por isso, a tarefa de reunir sua obra em uma s publicao muito nos honra.

    Cada um dos organizadores teve um papel fundamental para que o resultado desejado fosse atingido, e a beca agradece a todos:

    May Christine Modenesi-Gauttieri, Mestre e Doutor em Geografia Fsica (Geomorfo-logia) pela Universidade de so Paulo. Pesquisador-Cientfico-VI do Instituto GeolgicosMA, atua no presente como pesquisador-visitante e editor-Chefe da revista do Instituto Geolgico. Desenvolve pesquisas nas reas cimeiras do brasil de se, voltadas especialmente s relaes entre intemperismo e morfognese e suas implicaes paleoclimticas e paleoecolgicas. tem vrios artigos publicados em peridicos nacionais e internacionais. Indicada pelo Professor Paulo emlio Vanzolini, foi pea funda-mental na organizao dessa publicao, convidando autores para apresentar alguns dos principais artigos do Professor Aziz.

    Andrea bartorelli, gelogo, autor de diversos livros e artigos tcnicos e cientficos sobre geologia e mineralogia. Coorganizador das outras duas publicaes desta srie e coautor do livro Minerais e Pedras Preciosas do Brasil. Com a colaborao do Professor Aziz escreve, nesta publicao, Dunas do Jalapo: uma paisagem inslita no interior do brasil.

    Virginio Mantesso Neto, gelogo e bacharel em Histria, foi o propositor da ideia e organizador snior do volume que deu incio a esta coleo da editora beca, Geologia do Continente Sul-Americano: Evoluo da Obra de Fernando Flvio Marques de Almeida. ainda autor ou coautor de diversos livros, captulos de livros, artigos de peridicos e trabalhos de congressos focados principalmente na preservao da memria da geologia brasileira e do nosso patrimnio geolgico.

    Celso Dal r Carneiro gelogo, mestre e doutor pelo Instituto de Geocincias UsP e livre-docente pelo Instituto de Geocincias da Unicamp; participou da edio do livro Geologia do Continente Sul-Americano e possui interesse na pesquisa e formao de mestres e doutores na rea de ensino e Histria de Cincias da terra. autor e coautor de livros, captulos de livros e dezenas de artigos tcnicos e de divulgao cientfica em Geologia e ensino de Geocincias.

    Matias b. de A. L. Lisboa, formando em Geografia, foi responsvel pela busca, identificao e organizao dos artigos originais publicados pelo Professor Aziz Absber.

    Nota da Editora

  • IntroduoUma rpida anlise da vasta produo bibliogrfica do Professor Aziz, iniciada em 1948,

    mostra um perodo inicial composto principalmente por trabalhos acadmicos focados em geomor-fologia e geologia, e um pouco em aspectos histricos. os primeiros temas ligados ao meio ambiente e ecologia aparecem no final da dcada de 1960 e incio da seguinte, e se acentuam na dcada de 1980, na qual ele tem tambm crescente participao em grandes debates nacionais, como a Cons-tituinte, a questo da Amaznia e questes ambientais. o sculo XXI v a continuao das mesmas atividades e marca tambm o incio de importante srie de artigos de uma pgina na Scientif ic American Brasil, e participao crescente em temas relativos preservao ambiental, incluindo problemas climticos, alm de coletneas de trabalhos anteriores e a publicao de livros que pode-ramos classificar de monumentais, com belssimas fotos e impresso primorosa.

    toda essa atividade foi entremeada por participaes em eventos dos mais variados tipos, publicaes de artigos, entrevistas, notas, resenhas etc., em peridicos de grande circulao, mas tambm em peridicos de pequeno alcance, ativismo ecolgico, ativismo poltico, participao em programas de televiso etc.

    Naturalmente, tentar catalogar, organizar e reapresentar toda essa riqussima produo intelectual um grande desafio. Nosso objetivo no apenas apresent-la, fazer isso de uma maneira prtica, que permita aos interessados fazer consultas utilizando vrios parmetros e facilite seu acesso s fontes originais.

    este texto mostra como, com a aprovao do Professor Aziz, os organizadores tentaram achar caminhos para atingir a maior parte desses objetivos.

    Critrios de edio e organizaoAo longo de mais de seis dcadas, o Professor Aziz produziu cerca de 400 trabalhos,

    cobrindo vrios campos da Geografia e reas afins. se juntarmos a isso o acervo das obras referidas, veremos que houve muitas variaes na linguagem utilizada (inclusive por vrias reformas ortogr-ficas), nos prprios conceitos tcnicos e na forma de express-los, e nos recursos para sua publicao. Na parte impressa, por exemplo, passou-se desde o papel grosseiro, usado no perodo da segunda Guerra Mundial e por alguns anos aps seu trmino, que impossibilitavam uma boa impresso de fotos (que na poca eram s em branco e preto), at as belssimas impresses a laser em papel couch de alguns de seus livros mais recentes.

    Admitimos que o leitor atual tenha alguma familiaridade com o uso dos recursos de computao, mas que eventualmente no seja um especialista. Assim, para trazer a ele esse grande acervo de informao de maneira prtica, os organizadores tiveram que fazer diversas opes, ten-tando reconciliar e integrar situaes muitas vezes antagnicas e at mutuamente exclusivas. essas opes so difceis de serem definidas, pois cada uma das alternativas tem prs e contras; assim, por exemplo:

    - no texto, deve-se privilegiar o aspecto histrico ou a capacidade de busca da informao? No primeiro caso, haveria que respeitar a grafia original; no segundo, atualizar a grafia para permitir a busca eletrnica por termo, no texto digitalizado. o problema que, eletronicamente, qualquer pequena mudana pode fazer a diferena entre encontrar um termo ou no. Vejamos o caso da cida-de natal do Professor Aziz: so Luis do Paraitinga, ou so Lus, ou so Luiz?

    - as fotos originais dos trabalhos, principalmente dos mais antigos, frequentemente so de baixa qualidade para a impresso. o ideal seria ter uma igual de boa qualidade, mas isso geralmente impossvel, por diversos motivos. Por outro lado, muitas vezes as fotos originais tm, alm de seu valor histrico, a condio de serem as nicas disponveis, ou mesmo de serem insubstituveis, por exemplo por apresentar uma imagem de algo que no existe mais - uma feio natural que foi des-truda, uma cidade que cresceu, ou algo assim.

    Apresentao dos Organizadores

  • As principais opesNesse contexto, e objetivando primordialmente a possibilidade de busca eletrnica por

    termo, os organizadores fizeram algumas opes, das quais as principais vo aqui relatadas:

    1. o texto principal, e as eventuais citaes nele includas, de todos os artigos, foi atuali-zado para seguir o novo Acordo ortogrfico da Lngua Portuguesa;

    2. nas bibliografias, foi mantida a grafia original, para possibilitar a respectiva localizao em bibliotecas (ver tambm item A bibliografia);

    3) a terminologia geolgica seguiu o Glossrio Geolgico da Unb;

    4) a grafia dos nomes de cidades seguiu a lista de municpios do IbGe;

    5) os nomes de localidades menores, no listados no IbGe, seguiram a grafia original utilizada no respectivo texto;

    6) em certos casos, com autorizao do Professor Aziz, foram feitas pequenas alteraes no texto original aqui reproduzido, basicamente para corrigir falhas evidentes da composio tipo-grfica ou para ajustar a pontuao s prticas atualmente vigentes;

    7) as fotos originais foram digitalizadas, melhorando-se sua qualidade grfica na medida do tecnicamente possvel.

    A bibliografiaespecificamente na questo da bibliografia, foram adotados os seguintes critrios:

    - no levantamento bibliogrfico do Prof. Aziz, foram separados os diversos tipos de pro-dues, priorizando a apresentao integral de sua obra acadmica e, para as outras, estabelecendo uma diviso em grandes categorias.

    - a bibliografia propriamente dita segue, em princpio, a norma AbNt. em muitos casos, porm, os organizadores consideraram que essa norma rgida seria um tanto restritiva e limitante para os objetivos da publicao, e adotou-se uma prtica do tipo bibliografia comentada. No caso, isso significa colocar, aps a referncia bibliogrfica tradicional, e entre colchetes, toda e qualquer observao complementar que ajudar o leitor que queira aprofundar seu conhecimento ou seu contato com aquela obra especfica. essas observaes podem incluir, por exemplo, informaes complementares sobre a publicao ou o acesso a ela, comentrios da relao da obra com outros trabalhos etc.

    - a apresentao das bibliografias dos artigos do livro feita de duas maneiras distintas: as referncias bibliogrficas utilizadas pelo Professor Aziz nos trabalhos originais esto listadas, artigo por artigo, apenas nas suas respectivas verses digitais; aquelas utilizadas pelos autores dos textos de apresentao de cada captulo esto tanto na verso impressa quanto na digital.

    A busca por termos nos artigos apresentados no DVDtodos os artigos includos no DVD esto em formato .pdf, com possibilidade de busca

    por termos; a busca feita seguindo as regras especficas para esse tipo de arquivo, e depende parcialmente da verso do programa usado para leitura; em linhas gerais, quanto mais novo o pro-grama, melhores seus recursos de busca.

    Assim, para maximizar os resultados da busca por termos, recomenda-se que o leitor tente se familiarizar com os recursos de seu programa de leitura de arquivos .pdf, e se necessrio - particularmente para encontrar o termo nos ttulos dos itens mais antigos das bibliografias - faa a busca incluindo a grafia antiga das palavras de seu interesse, pois, conforme explicado acima, temos no DVD a convivncia de textos seguindo a ltima reforma ortogrfica com bibliografias nas quais foi mantida a grafia original.

  • sobre o Livroo livro composto por trinta captulos, que trazem artigos escolhidos do Professor Aziz que

    so introduzidos pelos autores convidados, com exceo dos trs primeiros. o primeiro captulo traz o comentrio de um relatrio do Professor Aziz, seguido da sua cpia fac-similar e de sua transcrio. o segundo captulo traz um belo painel da obra do Professor Aziz feito por seu colega Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro. o terceiro captulo, de autoria de olga Cruz, comenta os mapas produzidos pelo Professor Aziz.

    sobre o DVD o DVD, como j ressaltado, parte essencial do projeto, e nele o leitor ter acesso aos textos do

    livro e aos artigos do Professor Aziz, alguns deles inditos, bem como a uma coletnea de fotos e mapas de sua autoria. ter acesso, tambm, a um vdeo que registra o encontro, em agosto de 2010, dos professores Fernando Flvio Marques de Almeida e Aziz Absber.

    sobre o Projeto Como no poderia deixar de ser, o projeto exigiu o trabalho rduo de uma equipe de pessoas que

    se dedicaram com afinco boa concluso da obra. o estabelecimento da lista completa dos trabalhos, a procura em bibliotecas, o escaneamento ou datilografia, o cotejo, a diagramao, a reviso, o tratamento de imagens de um nmero to grande de documentos exigiu de todos grande comprometimento. os organi-zadores agradecem a todos.

    o convvio com o Professor Aziz foi sempre muito agradvel e estimulante, a ele tambm agradecemos.

  • As origens, a infncia e as primeiras lembranas da paisagem nos tempos de menino

    Filho de Nacib, imigrante libans, e de Juventina, brasileira de ascendncia portuguesa oriunda do serto florestal do nordeste de so Paulo, Aziz Nacib Absber nasceu em so Luiz do Paraitinga, nas serranias paulistas das cabeceiras do rio Paraba do sul, em 24 de outubro de 1924. Guarda vivas na memria as lembranas das paisagens do Planalto Atlntico, da serra do Mar e da Plancie Litornea na regio de Ubatuba, que foram de importncia fundamental na sua formao de gegrafo. Quando tinha seis anos, em 1930, seu pai, antes de se mudar de so Luiz para Caapava, no Vale do Paraba, teve a iniciativa de empreender viagem para mostrar famlia o mar do litoral paulista. o trajeto de so Luiz a Ubatuba foi feito a cavalo, ao longo do caminho dos tropeiros que antigamente levavam as sacas de caf para o porto. Aziz e seus irmos, com os filhos de um amigo de seu pai que foi com eles, viajaram em jacs, espcie de cestos, dispostos de ambos os lados dos cavalos. A viagem durou dois dias e ficaram marcados na lembrana de Aziz aspectos da trilha sob a copa das rvores, a umidade da floresta, as frutas nativas, e a deserta cidade de Ubatuba, j no mais um movimentado porto para embarque de caf.

    A segunda viagem foi a mudana para Caapava, quando gravou na lembrana o Morro da samambaia que delimi-tava os meandros do rio Paraitinga em so Luiz. Mais tarde, em visita a so Luiz, quis ver o morro, situado no divisor de guas dos altos Paraitinga e Paraibuna com os rios que drenam diretamente para o rio Paraba, atravessando o domnio de morros baixos e em seguida as colinas de taubat. A lembrana que tinha do Morro da samambaia era como se fosse uma escarpa que descia para o rio, mas a visita quando j adulto revelou-lhe a presena de um pequeno morro, com encostas bastante suaves.

    em Caapava, Aziz foi para o jardim de infncia e a seguir para um grupo escolar, onde sofreu algum preconceito, por ser filho de libans, e teve dificuldades de relacionamento. Cursou o ginsio em cinco anos, divididos entre Caapava e taubat. tinha um aguado discernimento a respeito dos professores, reparando que os jovens professores vindos da recm-

    criada Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de so Paulo tinham boa formao, sobretudo a partir de 1938. era estudioso e dotado de certo pensamento crtico, sem muito interesse pela Geografia, matria em que os professores exigiam que os alunos decorassem muitos nomes de capitais, cidades, rios, sem qualquer meno a cenrios e paisagens. o seu interesse foi despertado pelo professor de Histria, Hilton Friedericci, que situava os episdios no espao, estimulando sua curiosidade pela interface entre o tempo e o espao.

    terminou o ginsio quando tinha 17 anos e, inspirado no professor Friedericci, resolveu ir a so Paulo para um reconhecimento do curso de Histria e Geografia, com especial interesse pela Histria. eram muitas disciplinas que haveria que estudar para o vestibular e, receando no conseguir ser aprovado, entrou em contato com um professor particular de Cincias sociais, com quem teve apenas algumas aulas. Por outro lado, seu forte

    era desenho e aprendeu a desenhar razoavelmente no ginsio, em Caapava, graas a uma professora que admirava. em 1939 mudou-se para so Paulo e foi morar numa penso na Alameda Glete, para prestar os exames. obteve boa mdia e foi aprovado graas s notas tiradas em desenho.

    A universidade e os primeiros contatos com os mestres gegrafos

    No mural com a lista dos aprovados no vestibular, Aziz ficou entusiasmado com uma nota do professor Pierre Monbeig convocando os alunos do curso de Geografia para uma excurso de campo. A ex-curso referia-se a visita para a regio de sorocaba, Itu, salto e Cam-pinas, tendo sido essa excurso a responsvel pela definio do rumo que Aziz tomou. o professor Monbeig foi seu grande inspirador, que mostrou-se um arguto observador. A vida de gegrafo de Aziz co-meou nessa oportunidade, em que ficou observando a paisagem, a sequncia de cenrios nos diferentes espaos, procurando j fazer suas primeiras interpretaes. Comeou a perceber que muitos professores

    PROFESSOR AZIZ NACIB ABSBER

    SmulA BIOgRFICA

  • contrat-lo como assistente snior mas, na falta de vagas, foi contratado como jardineiro. em funo da precariedade das finanas domsticas, Aziz aceitou a contratao. Quando os gegrafos do Departamento de Geografia descobriram que ele era bacharel, licenciado e especialista, e recebia salrios aviltantes de jardineiro, conseguiram nome-lo prtico de laboratrio, cargo que ocupou at defender a Livre Docn-cia, em 1965.

    Assim, na cidade de so Paulo Aziz iniciou sua car-reira acadmica, tendo chegado a concluses importantes quanto geografia e geomorfologia da rea metropolitana. Destacou a importncia do bonde eltrico na estruturao da cidade, pois as linhas irradiavam do centro para os limi-tes com a zona rural, de onde saam caminhos em direo ao interior. Alugou um barco com um colega para navegar pelo rio tiet at o Clube Corinthians. J havia observado a vrzea do rio a partir de reas mais elevadas, como a Vila Maria, onde residia na poca. Associou essas observaes com as realizadas por ocasio do incio da construo da Via Dutra, quando foram expostas sees das vrzeas com solos argilosos escuros muito espessos (helobioma). Por ou-tro lado, perto da Ponte da Vila Maria existiam mataces de granito, que fizeram com que Aziz notasse a grande irregu-laridade do embasamento da bacia de so Paulo.

    Depois disso Aziz passou a se interessar pelos aflo-ramentos rochosos e pelas serras ao redor da cidade, como o Pico do Jaragu, as serras da Cantareira, de so roque e do Japi. Analisou a sedimentao terciria a partir dessas serras, sedimentao que gerou a bacia de so Paulo, onde foi modelado o sistema de colinas do Planalto Paulistano.

    A influncia dos mestres da literatura e da pesquisa acadmica no pensamento de Aziz AbSber

    Aziz se impressionava, ainda no tempo da faculdade, com os mestres franceses, como Pierre Monbeig, roger Dion, Louis Papi e outros, pelos trabalhos que desenvolviam. margem do imprio do caf foi um trabalho de Papi muito apreciado por Aziz e que analisava a zona costeira de so Paulo. Nos fins de semana costumava frequentar a bibliote-ca, alternando com vistas aos arredores de so Paulo. Nessa poca chegou a conviver bastante com o socilogo Flores-tan Fernandes, colega das aulas de Antropologia Cultural e tambm assduo frequentador da biblioteca. A influncia do socilogo foi grande na formao de Aziz, redirecionando-o para os fatos sociais e antropolgicos importantes e ajudan-do-o a assimilar as aulas do Professor emlio Willems. o interesse de Aziz pela interdisciplinaridade foi despertado nas aulas de cincias humanas e fisiogrficas dos grandes mestres, entre eles o prprio Willems, alm de Plnio Ayro-sa e roger bastide.

    Florestan, com suas crticas sociais e anlises das di-ferenas socioeconmicas em so Paulo e no brasil, fez com que Aziz adquirisse uma percepo maior das diferenas culturais e sociais, como os fazendeiros e banqueiros com suas ricas manses na Avenida Paulista e em Higienpo-lis, e o resto da populao, mais sofrida. At a dcada de 1950, so Paulo ainda no possua favelas, apenas alguns

    transmitiam snteses curtas de assuntos de livros importan-tes, e que a biblioteca dispunha de publicaes mais abran-gentes do que as indicadas pelos docentes. Na excurso com o professor Monbeig tomou conhecimento dos diferentes relevos do estado de so Paulo, como o litoral, a serra do Mar, o Planalto Atlntico e a Depresso Perifrica, essa l-tima, mais tarde, objeto de suas pesquisas.

    Aziz adorava a universidade e os primeiros cursos que frequentou foram de alto nvel, particularmente na rea de humanas, com aulas ministradas por professores da misso francesa, como Jean Gag, de Historia, e Pierre Monbeig, de Geografia. Deslumbrava-se com as aulas de Jean Gag, que era um medievalista famoso na europa e veio ao bra-sil como chefe da misso francesa em Cincias Humanas, em substituio a Fernand braudel, que permaneceu pouco tempo. Aziz tinha grande interesse por Histria e apreciava as aulas dessa matria, devido metodologia de ensino, onde no era mais obrigatria a decoreba, como nos tempos de ginsio. os alunos deviam, a partir de datas e eventos hist-ricos, comentar a trajetria dos eventos e no apenas situ-los nas datas histricas. Mas um fato relevante fez com que ele desistisse de Histria e enveredasse definitivamente para a Geografia: o convite do Professor eurpedes simes de Paula para visitar sua biblioteca particular, no apartamen-to onde morava, em santa Ceclia. A vasta literatura sobre Histria exigia a obteno de muitos livros caros, que Aziz no tinha recursos para adquirir, mal conseguindo pagar a conduo do tatuap, onde morava, para a faculdade, na Praa da repblica. seus pais vieram de Caapava e ele foi morar com eles, saindo da penso da Alameda Glete.

    Aziz viajava pela cidade de so Paulo tentando ler a paisagem. Ia at os pontos finais das diversas linhas de bonde e a partir deles andava pelos arredores, procurando entender a regio metropolitana da poca. Cursou durante trs anos Geografia e Histria e mais um ano de Pedagogia e Cincias educacionais, para continuar estudando por mais dois anos e se especializar. o Professor roger Dion, como Aziz, tam-bm gostava de observar os arredores de so Paulo, a partir dos terminais das linhas de bonde. suas observaes foram compartilhadas por Aziz, com referncia passagem direta do ciclo do muar e das carroas para o do bonde eltrico, sem o ciclo intermedirio das carruagens, como aconteceu na europa. No lugar das carruagens, as pessoas mais abasta-das da so Paulo colonial eram carregadas em liteiras pelos escravos.

    Contratao pela Faculdade de Filosofia, Cincias e letras da uSP e observaes geomorfolgicas no incio da carreira de pesquisador

    o ingresso do professor Aziz no quadro da UsP uma histria bastante singular. Quando estava terminando o curso de ps-graduao, seu amigo Miguel Costa Junior indicou-o, elogiando-o muito (talvez no merecidamente, segundo Aziz), ao professor Kenneth Caster, que ensina-va Geologia Histrica. Caster chamou Aziz, que de incio, por timidez e no gostar de favorecimentos, se furtou a um encontro, at que um dia, durante uma aula, Caster pediu a Aziz que o procurasse em seguida. Props-lhe Caster de

  • teixeira Guerra, Pasquale Petrone, Nice Lecoq Mller, Jos ribeiro de Arajo Filho e Ari Frana. Na bahia sobressai-se Milton santos, em Pernambuco so importantes Mrio La-cerda de Melo e Manuel Correia de Andrade, enquanto no Par destacam-se eidorfe Moreira e Leandro tocantins.

    As experincias de viagem e o resultado das observaes de campo

    Nas primeiras excurses de campo, Aziz percebeu que mais importante do que consultar livros era ler a paisagem. empreendeu assim suas primeiras viagens, documentando as paisagens por meio de desenhos, j que desenhava bem e no dispunha de mquina fotogrfica. Principiou a anali-sar as paisagens como um todo, mas logo especializou-se em Geomorfologia, talvez um pouco precocemente, no seu en-tendimento.

    entre 1944, quando obteve o ttulo de bacharel e se licenciou em Geografia e Histria, e 1965, quando se tornou livre-docente, procurou conhecer o brasil, aproveitando a filiao na Associao dos Gegrafos brasileiros, que pro-movia reunies anuais em diversos locais do pas. Como as reunies se davam em pequenas cidades, em lugar de capitais estaduais, houve a oportunidade de desenvolver pesquisas de campo nos arredores dessas cidades. A Associao dos Ge-grafos foi fundamental na vida de Aziz, pois permitiu-lhe conhecer o brasil e divulgar suas observaes em pequenas notas sobre as reas visitadas. Foi assim empreendida viagem pioneira com os colegas de ps-graduao Miguel Costa J-nior e Pasquale Petrone fora dos domnios paulistanos, com destino ao Vale do Paraba e algumas regies de transio para a Depresso Perifrica.

    Nesse contexto foi realizada viagem em 1946, quando tinha 22 anos de idade, com os mesmos colegas, quando Mi-guel Costa Jnior sugeriu que economizassem recursos para viajar a algum lugar distante. Assim, com poucos recursos e ajuda da Fundao brasil Central, Aziz, Miguel e Petrone viajaram a Uberlndia, Aragaras e barra do Garas. essa viagem foi fundamental na carreira de Aziz, que ficou im-pressionado com o brasil Central, os chapades intermin-veis, cerrados e florestas de galeria, conformando paisagem completamente distinta da regio de morros onde havia pas-sado a infncia. resultou dessa viagem seu primeiro trabalho de flego, antes do qual havia publicado apenas notas sobre a geomorfologia do Jaragu e suas vizinhanas. todo seu tra-balho, da em diante, decorreu dessa viagem ao brasil Cen-tral e de outra, feita mais tarde, em 1951 ou 1952, ao Nor-deste, quando teve a oportunidade de transpor o Planalto da borborema no percurso entre Campina Grande e Patos, na Paraba. Foi quando viu pela primeira vez uma serra seca, com cristas elaboradas em camadas quartzticas inclinadas, adentrando a seguir o alto serto rebaixado, ondulado, com caatingas extensivas, rios intermitentes e morrotes bizarros, inselbergs do tipo pes de acar. Foi nessa ocasio que perce-beu estar diante do terceiro domnio da natureza brasileira. Publicou depois, na Cincia Hoje, o artigo os sertes a originalidade da terra, um dos primeiros trabalhos de con-junto sobre a regio dos sertes.

    Nessa primeira fase de sua carreira, Aziz procurou entender a compartimentao topogrfica do brasil, tendo em vista j ter percebido trs domnios integrados de nature-za, hoje denominados domnios morfoclimticos e fitogeo-grficos, e trs domnios de geografia humana, com relaes homem-ambiente muito rsticas e sofridas. seu objetivo era entender o relevo geral do brasil, uma vez que os mapas da poca nada diziam, quando assinalavam, por exemplo, um espigo Mestre, sem esclarecer se se tratava de uma crista ou de um plat divisor. As regies entre o Planalto Central e o Vale do so Francisco e o espao at a Amaznia eram desconhecidas.

    bairros carentes. essa percepo mostrou a Aziz, mais tarde, a dependncia das favelas em relao s atividades da zona central da cidade.

    segundo suas prprias declaraes, Aziz foi influen-ciado, ao longo de sua vida, diretamente ou indiretamente, por Kenneth Caster, Luiz Flores de Moraes rego, Fernando Flvio Marques de Almeida, Josu Camargo Mendes, Jean tricart, orlando ribeiro. Quem mais o impressionou, por meio do livro Geografia Ativa, foi Pierre George, que usava uma metodologia de trabalho afinada com o entendimento de Aziz. Marcou-o, tambm, o discpulo de Pierre George, Professor bernard, que escreveu trabalhos fundamentais, como o intitulado tipologia dos espaos nos Pases subde-senvolvidos. esses dois pesquisadores do grupo de toulouse alertaram-no para o problema de escalas e para a introduo da ideia de geossistema, que possibilita a compreenso da evoluo integrada de paisagens naturais e paisagens huma-nas, essencial na Geografia moderna.

    Alguns grandes romancistas da literatura brasileira atraram a ateno de Aziz, pelas descries dos aspectos geogrficos, como Graciliano ramos, com suas obras Infn-cia, Memrias do crcere, Vidas secas e S. Bernardo. A obra que mais o impressionou, e que no deixa de ser um estudo de Geografia, foi Os sertes de euclydes da Cunha. No captulo A terra h referncias ao relevo e ao clima, com especial ateno s secas, alm de um esboo geolgico e um geo-grfico da regio onde se desenrolou a luta de Canudos. No captulo o Homem descrita a complexidade do problema etnolgico no brasil, a gnese do jaguno e do sertanejo e os antecedentes de Canudos. Nesse captulo consta um mapa de distribuio da flora sertaneja, onde so assinaladas as reas de mata, cerrados agrestes, tabuleiros com campos gerais e caatingas.

    Foram tambm marcantes na formao de Aziz as obras Casa-Grande e Senzala e Ordem e Progresso, de Gilber-to Freyre e, com particular importncia, a obra Geografia da Fome, de Josu de Castro, alm da grande obra Formao do brasil Contemporneo, de Caio Prado Jr.. Aziz enxergava a Geografia tambm em livros como A carne, de Julio ribeiro, em que o personagem, em carta para a amada, descreve em detalhe a viagem para santos, com observaes da baixada, com seus bananais e uns certos boulders. outros autores que atraram sua ateno pela conotao geogrfica so Dalcdio Jurandir, Jos Lins do rego e Jorge Amado.

    Na rea da Geomorfologia (geografia fsica), Aziz se baseava essencialmente na produo cientfica dos franceses, sendo a maior influncia indireta aquela de emmannuel De Martonne, com seu livro Trait de geographie physique, se bem que h tambm alguns autores de origem alem e atuantes nos estados Unidos, como Von engel. Quando surgiu a Re-vista Brasileira de Geografia, em 1939, e o Boletim Geogrfico a seguir, em paralelo com a criao do IbGe, houve uma pro-duo de trabalhos geogrficos muito importantes, sobretudo os de Francis ruellan e orlando Valverde. Coube, ainda, ao Professor Pierre Deffontaines a publicao de artigos impor-tantes sobre a geografia humana do brasil, enquanto a Pierre Monbeig devem-se estudos sobre a expanso do caf, aliada construo de ferrovias e ao aparecimento de cidades nas pontas dos trilhos, a partir de vilas conhecidas como boca do serto.

    estavam se consolidando, na poca, os grandes nomes nacionais da Geografia, destacando-se o embaixador Carlos Miguel Delgado de Carvalho, que publicou um livro sobre o sul do brasil e foi pioneiro com a edio da Geografia do Brasil, para ensino na escola Militar do rio de Janeiro. Logo a seguir surge o clebre professor Aroldo de Azevedo e, no rio de Janeiro, destaca-se o trabalho de Hilgard o reilly sternberg. A partir desses mestres pioneiros, formaram-se discpulos importantes, entre os quais citam-se Lysia Caval-canti bernardes, Nilo bernardes, Caio Prado Jr., Antonio

  • A viagem ao Nordeste, na companhia de Jean tri-cart, Andr Cailleux e Jean Dresch, foi muito profcua para o jovem Aziz. Dresch fez uma observao muito interessante e, sendo um especialista do saara, que conheceu profunda-mente, ao conhecer o Nordeste seco, fez vrias observaes. reconheceu que o serto no um deserto mas, por sua vez, a regio semirida mais povoada do mundo, com muitos problemas devido ao excesso de gente em espao de grande rusticidade. Um dos trabalhos mais recentes de Aziz, publi-cado no boletim 36 do Instituto de estudos Avanados, o dossi Nordeste seco, sertes e sertanejos, o qual iniciado com a observao de Dresch.

    em viagem a Mossor, no rio Grande do Norte, para participar de assembleia anual da Associao dos Gegrafos brasileiros, circunstancialmente Aziz foi convocado para dar um parecer sobre a ocorrncia de petrleo no rio Grande do Norte, pelo diretor da escola de Agricultura da cidade, VingtUn rosado Maia. Aps muita insistncia desse, ten-do em vista que no era gelogo, Aziz emitiu o parecer sob o pseudnimo de Antonio Natrcio de Almeida, proposto pelo prprio VingtUn rosado, que se inspirou nas iniciais do nome verdadeiro de Aziz Nacib Absber. Nesse traba-lho Aziz identificou uma estrutura dmica, com drenagem radial, que mais tarde revelou-se promissora.

    Um sonho de Aziz era conhecer a bahia, tendo sur-gido essa oportunidade durante um congresso da Associao dos Gegrafos brasileiros em Uberlndia, quando conheceu o gegrafo baiano Milton santos, que o convidou para visita a salvador. resultou dessa viagem o trabalho A cidade de salvador, com muitas fotos legendadas. Aziz reconhece um pequeno defeito nesse trabalho, causado por falta de pessoas que conhecessem a situao do Forte so Marcelo, e teve que fazer interpretaes por sua conta, no percebendo que o forte estava parcialmente edificado sobre uma ilhota, e no dentro do mar na baa de todos os santos. A abordagem de Aziz incluiu tambm a escarpa de salvador, perto de Loba-to, onde havia sido descoberto petrleo. Concluiu tratar-se de uma escarpa de linha de falha, dividindo a cidade alta da cidade baixa. em viagens a outros domnios Aziz teve a oportunidade de realizar sobrevoo com monomotor e foto-grafar vrios aspectos do Nordeste, publicando o primeiro trabalho sobre a regio, intitulado o Planalto da borbore-ma na Paraba.

    Aziz no teve chance de viajar ao exterior durante a vida universitria, sendo que apenas em 1972, a convite do Professor Monbeig, foi para a Frana, por intermdio do Conselho de Pesquisa Cientfica daquele pas. De Paris viajou para o sul da Frana, atravessando diversas regies e conhecendo a to estudada bacia de Paris. Impressionou-o a vida urbana da cidade e as pequenas reas rurais de cultivo diferenciado da Frana, com os campos abertos, as vilinhas concentradas no meio das campanhas com agricultura co-mercial, com ocasionais indstrias que, certamente, deviam obter o operariado na prpria regio. J na maturidade, Aziz teve ocasio de saciar sua curiosidade de gegrafo em viagens a Portugal, Mxico, Peru, Colmbia, sua, Cuba e terra de seus antepassados, o Lbano, em 1999. Conheceu ainda a sria e o egito, mais especificamente a cidade do Cairo.

    Assuntos mais significativos abordados por Aziz, aspectos de sua produo acadmica e suas teorias

    Vrios assuntos de abrangncia global e regional cha-maram a ateno de Aziz durante sua vida acadmica. Ainda no tempo de seus estudos de especializao, discutiu-se pela primeira vez no brasil o problema das oscilaes do nvel do mar no perodo Quaternrio, tendo ruellan mostrado a importncia disso na gnese da baa de Guanabara. No tem-po da ltima glaciao, denominada Wrm IV-Wisconsin

    As viagens de Aziz eram feitas sem recursos e sem planejamento, aproveitando oportunidades que surgiam oca-sionalmente, como foi o caso da primeira visita Amaznia. Ary Frana, um dos professores do Departamento de Geo-grafia, tinha um irmo piloto da FAb que tinha que fazer um voo de treinamento de so Paulo a Manaus e sugeriu que pe-gassem uma carona. Candidatou-se para a viagem, tambm, o professor de oceanografia Wladimir besnard, um francs que tambm marcou muito a vida de Aziz. A viagem durou trs dias com pernoites em salvador e belm, e foi feita numa fortaleza voadora americana usada na segunda Guerra Mun-dial e fornecida FAb aps o trmino do conflito. Voaram acantonados no bico do avio, sob a carlinga dos pilotos, du-rante interminveis horas. o segundo pernoite foi em belm, no quartel-general construdo pelos americanos que serviu de trampolim aos avies usados em misses para combater o eixo, no norte da frica.

    Aziz comeou a ver a Amaznia pela primeira vez ainda no avio e conheceu, no destino, um professor manaua-ra, Mrio Ipiranga Monteiro, bom conhecedor dos fatos da Amaznia, que ofereceu-lhe para participar de uma peque-na excurso pelo rio Negro. Nessa oportunidade Aziz tirou fotos que para ele resultaram memorveis. ele e o professor Mrio aproveitaram de tudo para conhecer a geografia hu-mana e social, alm da fsica. As casas de palafitas ficavam no nvel mximo das guas do rio Negro e chegavam at a borda de uma notvel falsia fluvial. Nessa ocasio come-ou a capacidade de Aziz de transpor o que aprendeu sobre a Frana atravs da literatura para o caso da zona equatorial brasileira. Na Frana, aqueles terrenos calcrios que recua-ram muito pela abraso costeira, s vezes recuaram tanto que atingiram a cabeceira de algum rio, deixando no alto o con-torno de um vale suspenso, cujo rio corria para o interior. Viu a mesma coisa na Amaznia, onde notou a falsia fluvial com uma depresso ligeira no topo, de onde saa um rio fluindo ao contrrio, na direo do igarap de Manaus. essa leitura teve grande significado para Aziz.

    Depois dessa primeira viagem teve oportunidade de conhecer outras reas da Amaznia, como Acre, roraima, Amap e norte de Gois, hoje tocantins. esteve tambm no sul e sudoeste da Amaznia, em Cuiab, de onde partiu para a Chapada dos Parecis, ainda em rea com cerrado, e prosseguiu para a regio amaznica pelos rios de cabeceira, bordejando a hileia. Impressionou-se muito com essas reas ao longo do tempo. Perguntou-se como a Amaznia, supe-rmida, pode se encostar no Nordeste seco e, a partir desse questionamento, criou a ideia de que existem faixas de conta-to e transio anastomosadas entre os diferentes domnios de natureza brasileiros, introduzindo a noo de faixas de tran-sio e de contato.

    No ano do Doutoramento de Aziz, houve o Congres-so Internacional de Geografia, no rio de Janeiro, e ele foi in-dicado para ser um dos responsveis para preparar um livro-guia sobre o Nordeste, e para liderar outro livro-guia para o Vale do Paraba, serra da Mantiqueira e regio de so Paulo. Contribuiu para esse segundo guia o gegrafo Nilo bernar-des. As viagens a essas duas regies proporcionaram episdios que Aziz considerou fantsticos. Participaram do congresso gegrafos, biogegrafos e pessoas interessadas em conhecer o mundo tropical da Amrica do sul. Aziz ficou extasiado ao ter contato com aqueles que eram os autores dos livros que lia e consultava, como Max sorre, Jean tricart, Andr Cailleux, Jean Dresch, nomes que marcaram uma mudan-a total em sua vida. Ao acompanhar esses pesquisadores no campo, Aziz mantinha-se muito atento, bebendo a conversa deles sobre as coisas mais diversas. sorre observou a superf-cie dos Altos Campos da bocaina, que j tinha sido identifi-cada por De Martonne no curto perodo que esteve em so Paulo, sem saber que De Martonne j havia reconhecido essa superfcie em 1940.

  • cado para a histria fsica regional. Durante excurso com Jean tricart e seus colegas no Vale do Paraba, em 1956, teve conhecimento das discusses sobre as linhas de pedra e, tam-bm em outra ocasio, quando aos 33 anos foi incumbido por Aroldo de Azevedo para acompanhar tricart em excurso a sorocaba. Nessa oportunidade tricart lhe explicou o signifi-cado das linhas de pedra, que representavam coberturas pe-dregosas semelhantes s do Nordeste semirido, recobrindo superfcies rochosas em tempos pretritos mais secos. Com a tropicalizao do clima, o substrato rochoso alterou-se, vi-rando solo de alterao ou residual de rocha, e a superfcie pedregosa foi recoberta por espessuras diversas de solos colu-viais, deixando no meio a linha de pedras.

    essa interpretao abriu a cabea de Aziz e ele passou a estudar a ocorrncia dessas linhas de pedra desde o Amap e roraima at o Uruguai, incluindo o Nordeste seco e as pro-ximidades do Pantanal. A partir dessa experincia, Aziz es-tabeleceu seu prprio roteiro para a Geomorfologia: primeiro procurar entender a compartimentao do relevo e formas do terreno e definir as feies de cada compartimento; em segui-da h que entender a estrutura, procurando saber um pou-co do passado atravs da estrutura superficial da paisagem; num terceiro nvel, deve-se estudar a fisiologia da paisagem, a influncia do clima e da vegetao e a origem dos cursos dgua.

    o Pantanal atraiu muito a ateno de Aziz e com o aparecimento das imagens de satlite foi possvel esclarecer a histria climtica-hidrolgica e paleoecolgica da Depresso do Pantanal. Num perodo pretrito mais seco houve sada em massa de materiais arenosos, os quais, ao atingir o plaino superior da bacia do Alto Paraguai, formaram grandes leques aluviais onde predominam areias. Posteriormente, os rios que vm da serra de Maracaju atravessaram a pequena escarpa de Aquidauana, mais uma estreita faixa de rochas cristalinas, e se esparramaram em leques. Quando o clima se tornou mais mido, os rios passaram a trazer mais argila do que areia, originando vales rasos com plancies de inundao embuti-das nos lenis arenosos ou entre eles, formando pntanos, os quais no existem sem argila. Antes do advento da ima-gem de satlite, Aziz reconhece ter feito interpretao errada do Pantanal Mato-Grossense. Achou que a histria dos rios pantaneiros por derivao lateral. eram muitos rios, muitas vrzeas, e ora um rio entrava na vrzea de outro, ora retornava para um terceiro, fato que no foi comprovado.

    A maior parte dos rios fica entre lenis aluviais e um deles cruza o maior lenol arenoso da regio e talvez do mundo, o Leque do taquari, no conjunto regional que pos-sui uma rede hidrogrfica extensa e nica, onde permanece-ram vrios ecossistemas e alguns minirredutos de cactceas muito localizados. No espao total regional resultaram trs componentes de ecossistemas (geossistemas): campestre, nas areias; cerrados no muito extensivos; e, em funo da ltima fase mais mida, restaram florestas beiradeiras de diferentes tipos. De forma que o termo ecossistema pantaneiro uma das aberraes mais graves da linguagem pseudocientfica que predominou no brasil durante muitos anos. todas as observaes feitas no resto do brasil, como linhas de pedra, redutos de cactceas, paleocanais cascalhentos, paleoleitos abandonados de rios, lhe valeram para explicar o palimp-sesto pantaneiro. sob o ponto de vista tectnico, foi muito importante a interpretao da origem da Depresso do Pan-tanal feita por ruellan, a partir de uma ampla e suave rea dmica (bouttonnire), que se abateu por falhamento do Qua-ternrio. Com relao tectnica, um dos primeiros estudos importantes de Aziz diz respeito ao controle tectnico da captura do rio tiet pelo Paraba, no limite entre as bacias de so Paulo e taubat. esse estudo foi publicado no Boletim Paulista de Geografia em 1957, sob o ttulo o problema das conexes antigas e da separao da drenagem do Paraba e do tiet.

    superior, entre 23.000 e 12.000 anos atrs, o mar estava de-zenas de metros abaixo de seu nvel atual e, no lugar onde hoje se encontra a baa de Guanabara, havia vegetao de caatinga e uma drenagem que atravessava o boqueiro que existia no estreitamento entre o Po de Acar e os costes de Niteri, a qual ia desembocar no mar recuado muitos quilmetros a leste.

    Aziz imaginou o imenso volume de gua estocado nas geleiras da Antrdida, da regio rtica e das cadeias monta-nhosas, no perodo quaternrio, quando o nvel do mar estava 100 metros abaixo do atual. Multiplicou os 381 milhes de km2 que os mares ocupam na superfcie da terra pela altura de 100 metros, e passou a fazer consideraes cada vez mais detalhadas sobre esses recuos do nvel do mar. Mais tarde in-tegrou esses fenmenos com as correntes marinhas e o clima do passado, procurando explicar por que o clima era mais frio no brasil no perodo Wrm IV-Wisconsin superior. Com a descida do nvel do mar, a corrente fria avanou a latitudes maiores e os ventos midos vindos do Atlntico no conse-guiam trazer grande umidade e precipitaes.

    Por outro lado, houve uma impotencializao da massa de ar equatorial continental, de tal maneira que tam-bm a Amaznia teve modificaes climticas importantes, por uma srie de razes. esses climas subatuais ocorreram no perodo entre 23.000 e 12.000 anos Antes do Presente, afe-tando profundamente o mosaico dos domnios de natureza preexistentes no brasil. entre 15.000 e 11.000 anos Antes do Presente, a secura e seus efeitos sobre a paisagem e as vege-taes aumentaram, ampliaram-se as caatingas e as cactceas ficaram reduzidas aos lajedos e campos de mataces (rupestre-bioma), onde permanecem at hoje, sob a forma de minirre-dutos e redutos de alta resistncia. As florestas voltam a se expandir de 10.000 anos para os nossos dias, mas no numa progresso muito rpida. o retorno da tropicalizao e da aglutinao das florestas que estavam nos redutos no foi ime-diato, tendo-se processado atravs de alguns milnios. esse perodo de mar mais alto fundamental para a geomorfologia costeira, porque ocorreram ingresses marinhas bem visveis nos pontes rochosos do litoral norte de so Paulo. Houve a formao de restingas durante oscilaes do nvel do mar, permitindo avaliar a idade dos manguezais, que s surgem quando os mares costeiros coalhados de argila desceram para cotas mais prximas da atual.

    os sambaquis e stios do brasil foram objeto da aten-o de Aziz no contexto das oscilaes marinhas. ele tornou-se amigo do jornalista e pesquisador Paulo Duarte, que trouxe do Muse de LHomme, em Paris, o casal de jovens cientistas emperaire. Havia a discusso se os sambaquis eram antrpicos ou naturais e o problema deixou de existir quando percebeu-se que sobre o cho constitudo pela restinga foi depositado pelo homem pr-histrico um monte de berbiges, conchas, restos de comida e eventuais vrtebras de baleia, entre outros objetos e materiais. Aziz visitou, em companhia de Wladi-mir besnard, tambm os sambaquis da regio de Canania e em ribeira de Iguape, onde estudou a posio do sambaqui num terrao de construo marinha regional ou restinga, que fica mais alta que o nvel do mar. Publicou com besnard o trabalho sambaquis da regio lagunar de Canania, onde constava a descrio dos objetos encontrados feita por bes-nard e, numa segunda parte, a interpretao de Aziz, que chegou concluso de representarem os sambaquis restos de cozinha dos frutos do mar consumidos pelos pr-histricos, denotando as vrtebras de baleia indcios de terem funcionado miticamente como cerimnia religiosa dos primeiros homens que ali viveram, entre 6.000 e 1.500 anos Antes do Presente. A contribuio de Aziz aos estudos pr-histricos, atravs de seus conhecimentos de geomorfologia, aparece tambm em seu trabalho A geografia humana primria da Pr-Histria.

    outro objeto das pesquisas de Aziz diz respeito s linhas de pedra (stone lines) existentes no solo e seu signifi-

  • estudando a regio de Itu, Aziz estabeleceu a seguinte sequncia de eventos: com o advento do clima seco do Pleis-toceno superior expandiram-se primeiro as caatingas; se-gundo, houve a mudana do clima seco para tropical a duas estaes, responsvel pela chegada do cerrado a so Paulo; por fim, os climas tropicais de planalto deram origem reex-panso das florestas tropicais, criando um palimpsesto muito curioso. esse assunto foi fundamental na histria do pensa-mento interdisciplinar de Aziz, quando aconteceu tambm a parceria com Vanzolini, no Museu de Zoologia, onde se reuniam nos fins das tardes. Vanzolini dizia: Aziz, se que voc est certo, que houve reduo em separado de grandes matas, essas redues significaram refugiaes forjadas das faunas de clima tropical mido. A fauna procurava tambm os ambientes de sombra - ombrfilo quer dizer amigo da sombra. A partir da, concluiu Vanzolini, num reduto hou-ve um processo de evoluo gentica; em outro, um proces-so diferente do primeiro, e assim por diante. No houveram diferenciaes genticas absolutamente iguais e, quando as florestas se recuperaram pela ampliao dos antigos redutos, aquelas faunas que haviam passado por uma evoluo dife-renciada e sofrido subespeciao ficaram em posies an-malas dentro das matas. Isso resolve o problema dos bilogos, e ajudou-os a entender por que existiam alguns conjuntos de espcies com distribuio generalizada, e outros restritos a algumas reas, tidas no passado como endmicas. A gnese dos endemismos mltiplos resultou mais ou menos resolvida pela teoria dos refgios e, assim, as anomalias na distribui-o da biota animal em diferentes domnios passaram a ser melhor entendidas.

    A presena de cactceas em Mucaja, em roraima e em outros lugares a sudoeste da Amaznia, em campestres ocasionais, alm de extensas formaes arenosas de roraima, atravessadas pelo rio branco, com aluvies essencialmente arenosos, levou Aziz a considerar que houve uma poca, tal-vez anterior dos cerrados que predominaram na Amaznia no fim do Pleistoceno, em que os bordos da regio amaznica tambm tiveram caatingas, o que no havia sido notado por ningum. Vanzolini encaminhou para Aziz, por volta do in-cio de 2007, um trabalho dele que trata do assunto, intitulado Florestas versus cerrados da Amaznia, ampliando um pou-co as ideias de Aziz, publicadas em 1983.

    A atuao de Aziz AbSber no planejamento e questes nacionais

    so vrias e importantes as contribuies de Aziz com relao a planejamento e questes nacionais. A de-fesa do meio ambiente sempre foi uma das suas principais preocupaes e, quando esteve pela primeira vez em Manaus, comeou a se interessar pelo problema da poluio das guas por ocupaes irregulares. Comeou a observar tudo que acontecia de errado nas cidades brasileiras: lixo no coleta-do adequadamente, a poluio das praias, dos rios e outros aspectos.

    Um dos maiores problemas com os quais se envolveu refere-se localizao de um aeroporto internacional em so Paulo, no perodo de Paulo egdio Martins, em uma reserva florestal em Caucaia do Alto, a nica grande reserva exis-tente a oeste de so Paulo. Como se tratava de rea pblica, do estado, no haveria custos de desapropriao, existindo a vantagem adicional com a desmobilizao do aeroporto de Congonhas e a possibilidade de loteamento imobilirio da rea ocupada pelo aeroporto. Um plano perfeito de capita-lismo selvagem, nas palavras de Aziz, que foi procurado por pessoas de embu pedindo-lhe que entrasse na luta em favor da proteo da reserva, onde existe um importante reservat-rio de gua. estudando a questo, Aziz constatou o absurdo

    A Teoria dos Redutos

    segundo Aziz as linhas de pedra e a teoria dos re-dutos so grandes aspectos de seus trabalhos fundamentais, desenvolvidos a partir das observaes pioneiras de Jean tricart e Andr Cailleux. estendeu a questo das linhas de pedra para vrias outras partes do brasil, criando a ideia de uma fase fria e seca muito ampla. Na regio equatorial houve mais cerrados e menos matas e na regio oriental houve mais caatingas e, igualmente, menos matas. Numa fase posterior dos trabalhos, Aziz percebeu que nem tudo era caatinga na poca, sobrando redutos de matas, e concluiu que, durante o tempo em que esses blocos de floresta ficaram isolados, a fau-na ombroflica se refugiou tambm. Houve ento um processo isolado de ordem gentica evolutiva. esse trabalho foi desen-volvido pelo zologo Paulo emlio Vanzolini, na teoria dos refgios. Aziz sempre insistiu em dizer que a teoria dos re-dutos dele e a teoria dos refgios de Vanzolini. Acredita que se no futuro for reconhecido como gegrafo, ser pelo seu trabalho com as linhas de pedra e os redutos.

    Ao pesquisar as encostas voltadas para os ventos mi-dos do sudeste, onde no existem linhas de pedra, deduziu Aziz que poderia se tratar de um reduto de florestas tropi-cais midas. seria como se as linhas, ao perder continuidade, apontassem para encostas e serras midas. essas ideias fun-damentais ocorreram na carreira de Aziz entre 1956 e 1961, depois de ter conhecido todos os domnios morfoclimticos e fitogeogrficos do brasil. Foi por causa do pensamento per-sistente para descobrir quais foram os climas que precederam as condies atuais, tropicais midas, intertropicais midas e semiridas regionais do Nordeste, que chegou teoria dos redutos. Aziz concluiu, assim, ter havido uma reduo sinco-pada de florestas em separado, na forma de fragmentos, que teriam proporcionado o retorno das florestas depois que os climas voltaram a ser midos. o mosaico de ilhas de umidade com florestas biodiversas que existem hoje no domnio dos sertes secos do Nordeste um cenrio que poderia ser trans-ferido para visualizar os acontecimentos ocorridos no passa-do, no brasil tropical atlntico.

    Aziz tinha certeza de que algumas ideias como o panglaciarismo de Louis Agassiz no podiam ser aceitas pois, se tivessem existido geleiras em toda a face da ter-ra, como que teriam voltado as florestas biodiversas nas regies tropicais, intertropicais e equatoriais? Do nada no se constri e no se produz nada, concluiu. essa ideia, segundo a qual, para retornar tropicalidade florestada, tinha que ha-ver matrizes preservadas de florestas tropicais biodiversas, as quais, com a umidificao do clima, se ampliaram e coalesce-ram, foi oferecida aos bilogos, que imediatamente percebe-ram a importncia desses redutos florestais como refgios de fauna.

    Do ponto de vista ambiental, a teoria mostra que o qua-dro encontrado pelos povos pr-histricos, formado nos lti-mos 12.000 anos, se deu a partir dos refgios. Foi a biodiversi-dade dos refgios que fez com que, na medida em que o clima foi se tornando mais mido no brasil tropical atlntico e na Amaznia, as ilhas de umidade fossem coalescendo no espao total da Amaznia e ao longo da faixa atlntica brasileira.

    Como Aziz no era bilogo, no pde chegar dire-tamente teoria dos refgios, mas foi analisando a ques-to da teoria dos refgios em reas de arquiplagos e ilhas ocenicas. essas so separadas por canais de diversas natu-rezas, originados por um complexo sistema de desvinculao glacioeusttica. Foi quando Aziz se deu conta de que a teoria dos refgios nasceu com Darwin, intuitivamente, ao tratar do problema das tartarugas gigantes diferenciadas das Ilhas Galpagos. os pesquisadores norte-americanos j haviam aplicado o termo refgio em vales glaciais, com relao ve-getao, mas Aziz prefere usar redutos para vegetao, sendo o termo refgio aplicvel para a fauna acoplada aos processos.

  • a cidade satlite de Parauapebas e, ao saber que no existia nenhum, fez suas sugestes. todo fim de semana deve-se convidar pessoas da cidade do sop da serra, bancrios, ser-vidores, pessoas esclarecidas, para virem at aqui almoar no lugar onde vocs almoam, no bandejo, para saberem que no ilha da fantasia, s um lugar de trabalho diferencia-do. Ademais: toda semana, um grupo de crianas da es-cola deveria vir para brincar com os filhos dos engenheiros, gelogos e diretores; outra coisa: no lugar da cancela entre as duas cidades, seria feito um complexo envolvendo um posto de gasolina - de que as pessoas em trnsito preci-sam - e, ao memso tempo, um bar com mesas, e uma boa sala de espera. Aziz sugeriu ainda mudar o sistema de con-trole das pessoas que precisavam ir at o aeroporto, mos-trando a necessidade de estabelecer um sistema em que as pessoas deixassem seus documentos e recebessem um cra-x, ou qualquer coisa do tipo. esses procedimentos foram adotados mais tarde, mas no houve nem mesmo qualquer agradecimento pela proposta de planejamento.

    Quanto ao estado atual de preservao da Amaznia, ela como um todo ainda est relativamente preservada, cons-tata o professor Aziz, em entrevista publicada na Cincia Hoje, em 1992:

    Mas a parte perifrica, prxima ao cerrado, foi muito facilmente devastada. As pessoas saam do cerrado e iam penetrando mato adentro, devassando florestas e fazendo experincias empricas em solos pobres. Descobriam minrios e dominavam o espao por processos cartoriais: muitos compravam pequenas reas e as registravam como grandes propriedades. Foi o caos! se examinarmos uma imagem de satlite de uma rea crtica da Amaznia ocidental, veremos to-dos os tipos de supresso de florestas, com enormes consequncias negativas para a biodiversidade regio-nal. examinei uma dessas imagens e fiz uma anlise dos diferentes caminhos da devastao. H uma es-trada estadual ligando belm, Marab e Carajs, ao longo da qual h um processo contnuo de destruio. Numa distncia de dois a cinco quilmetros alm das margens dessa estrada no se v qualquer sinal de flo-resta. H tambm a ferrovia Carajs-so Lus - de 890 quilmetros, construda no governo sarney -, em que se destruiu quase tudo entre cinco e 20 quilme-tros, de ambos os lados da ferrovia. o governo per-mitiu que ocorressem barbaridades ecolgicas durante sua construo, at mesmo o apossamento selvagem do espao. esta a maior predao j feita na face da terra, em tempo to curto. o problema era ocupar a Amaznia de qualquer jeito. outro fator de destruio so as estradas oblquas e transversais, que conduzem a colonizao em forma de espinhelas de peixe, a par-tir de todos os tipos de caminhos. elas resultam da venda de pequenos lotes para indivduos que vivem em qualquer parte do pas e pensam que vo fazer uma aventura formidvel na Amaznia. essas espinhelas so tantas que aquilo que era uma trelia no meio da mata se transforma em restos devassados de mata. en-to mentira se algum diz que nessa rea h 50% de matas preservadas, pois j ocorreu uma interconexo da devastao, prejudicando sobretudo as populaes animais, para as quais j no existem nichos ecolgi-cos. os outros fatores de degradao esto relaciona-dos com os rios e igaraps. Ao longo do brao Grande e Alto Capim, v-se a devastao nas duas margens. os mais pobres fizeram o mesmo ao longo dos iga-raps: devastaram, venderam rvores, tentaram so-breviver. As imagens de satlite tambm revelam al-guns linhes que do acesso a grandes propriedades agropecurias ilhadas no corao da floresta.

    de implantar um aeroporto internacional a oeste da cidade de so Paulo, nos altos aplainados de morros acidentados, sem considerar a biodiversidade e aguadas ali preservadas.

    Coligiu todos os argumentos contrrios possveis e en-viou um relatrio para a Aeronutica. Um dia, o Presidente ernesto Geisel, sabendo da controvrsia, veio a so Paulo ver o local onde seria a obra e apoiou os argumentos de Aziz, fazendo com que se desistisse do empreendimento. sugeriu Aziz ento que o novo aeroporto fosse construdo onde hoje, em Cumbica. A partir da comeou a fazer planejamen-tos. Partiu para o exame das construes fundamentais em termos de projeto com a natureza e teve grande satisfao de conhecer as ideias de Garreth eckbo, o mais importante paisagista americano do sculo XX. Concluiu que os bio-mas continentais brasileiros devem ser considerados como os grandes domnios de natureza, como os zonais (Amaznia) e os azonais (Mata Atlntica).

    em 1982 e 1983, quando era diretor do Condephaat, es-tabeleceu uma estratgia para fazer o tombamento de re-as naturais, na linha que j adotara antes, como membro do Conselho, atuando no tombamento da Juria, onde um grupo de empresrios pretendia fazer um ecoturismo agi-gantado. Na sua gesto promoveu os processos para o tom-bamento da serra do Mar quase inteira, uma escarpa de originalidade planetria, alm da serra do Japi, cabeceiras do tiet e Pedra Grande, em Atibaia. Promoveu tambm o tombamento de teatros, como tbC (teatro brasileiro de Comdia), o teatro so Pedro, o teatro oficina e um teatro central em santos. os resultados de anlises de Aziz sobre catstrofes naturais no litoral paulista foram publica-dos sob o ttulo A gesto do espao natural: relembrando Caraguatatuba (1967) para compreender Cubato (1985), na Revista de Arquitetura e Urbanismo.

    Aziz foi ainda um dos componentes do grupo que a antiga Vale do rio Doce formou entre cientistas, o qual mostrou como proteger as florestas, como reduzir e limitar as instalaes que iam ser feitas nos altos da serra de Carajs. sugeriu a implantao de Parauapebas, embaixo da serra, e planejou os componentes principais para a cidade: um hospi-tal regional, j que no havia nenhum num raio de 300 km, uma escola para os filhos dos garimpeiros e outros habitantes, e um centro de triagem de trabalhadores. Defendeu, no ar-tigo em defesa do patrimnio e contra a privatizao, pu-blicado na revista Debate Sindical, a no privatizao da Vale do rio Doce, dando todas as suas razes. A principal delas refere-se ao conhecimento de que nunca mais se encontraria no planeta outro conjunto de minrios, outra provncia mine-ral to concentrada como Carajs.

    o papel de Aziz foi preponderante tambm na ques-to dos garimpeiros de serra Pelada com a Vale do rio Doce. os garimpeiros de serra Pelada, atiados pelo major sebas-tio Curi, que era contra a substituio do garimpo pela mi-nerao mecanizada de ouro pela Vale, planejaram a invaso da serra dos Carajs. ento, 70 caminhes de garimpeiros saram de serra Pelada, foram tentando incendiar as pontes de madeira nas travessias de igaraps e entraram na cidade de rio Verde, nos arredores de Parauapebas. Ali queriam queimar o hospital, a escola, mas foram demovidos por um mdico e uma professora, que os conscientizaram que os pa-cientes e alunos eram garimpeiros e filhos de garimpeiros. Aziz, quando soube desses fatos, foi conversar com as pessoas nas ruas, praas, bares e restaurantes de Parauapebas, fazen-do questionrios de geografia humana, obtendo ainda reve-laes sobre outros fatos e acontecimentos. Depois de ouvir esses relatos, o professor Aziz disse para o pessoal da Vale: vamos pensar em como resolver esse conflito entre a cidade do povo e a ilha da Fantasia, como era conhecida a cidade dos engenheiros no topo da serra.

    Questionou qual o sistema de relacionamento en-tre o pessoal da Vale, do alto da serra, e o de rio Verde,

  • mento no personalizado. poltico em termos de presses para um planejamento correto por parte dos governantes. essa atuao que Aziz gosta de trilhar, sem interesse na par-ticipao partidria.

    o professor Aziz se preocupou sempre com a ques-to social e, em estudos na periferia de grandes cidades, s vezes lhe solicitavam para ensinar como arranjar empre-go, pois achavam humilhante sobreviver de qualquer jeito, emprestando, fazendo parcerias etc. embora cristo e ca-tlico, Aziz no acredita que Deus participe no processo de marginalizao de grande parte da populao brasilei-ra, pois no escolheria lugares to distantes, to rsticos e marginalizados para que crianas nascessem: no se escolhe o ventre onde se nasce, insiste em dizer.

    retornando aos questionamentos polticos do Profes-sor Aziz, ele bastante contundente nas respostas durante entrevista de 2010, criticando a equipe brasileira enviada conferncia sobre o clima de Copenhague, o desconheci-mento do brasil por parte de Marina silva, que acredita no criacionismo, achando que, no governo, apenas os tcnicos mais jovens do Ibama, com auxlio de promotores pblicos tambm jovens, sados de boas universidades brasileiras, tm condies de entender as questes ambientais. repete sem-pre que no brasil h que se aprender a contestar os idiotas.

    em outra entrevista, tambm em 2010, faz severas crticas ao novo cdigo florestal proposto pelo relator Aldo rebelo, que a seu ver bastante nefito em matria de ques-tes ecolgicas, espaciais e de futurologia. salienta que, em face do gigantismo do territrio nacional e da situao real em que se encontram os seus macrobiomas, qualquer tentati-va de mudana do Cdigo Florestal tem que ser conduzida por pessoas competentes e bioeticamente sensveis. Pressio-nar por uma liberao ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade dos cenrios biticos, a diferentes espaos de tempo futuro, favorecendo de modo simplrio e ignorante os desejos patrimoniais de classes so-ciais que s pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um pas dotado de grandes desigualdades sociais.

    o primeiro grande erro dos que lideram no momento a reviso do Cdigo Florestal brasileiro - a favor das classes sociais privilegiadas - a chamada estadualizao dos fa-tos ecolgicos de seu territrio especfico, sem lembrar que as delicadssimas questes referentes progressividade do des-matamento exigem aes conjuntas dos rgos federais es-pecficos, em conjunto com rgos estaduais similares, uma Polcia Federal rural, e o exrcito brasileiro, tudo conectado ainda com autoridades municipais. Fica claro que, na previ-so de impactos a diferentes tempos no futuro, absoluta-mente necessrio focar para o zoneamento fsico e ecolgico de todos os domnios de natureza no brasil. Pelo exposto, Aziz sente-se obrigado a criticar a persistente e repetitiva argumentao do deputado Aldo rebelo que, como polti-co, tem que honrar a histria de seus partidos, mormente em relao aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os inte-resses pessoais de latifundirios. enquanto o mundo inteiro propugna para a diminuio radical de emisso de Co2, o projeto de reforma proposto pela Cmara Federal de revi-so do Cdigo Florestal defende um processo que significar uma onda de desmatamento e emisses incontrolveis de gs carbnico, fato observado por muitos crticos em diversos trabalhos e entrevistas.

    Parece ser muito difcil para pessoas no iniciadas em cenrios cartogrficos perceber os efeitos de um desma-tamento na Amaznia de at 80% das propriedades rurais silvestres. seria necessrio que os pretensos reformuladores do Cdigo Florestal lanassem sobre o papel os limites de glebas de 500 a milhares de km2, e dentro de cada parcela das glebas colocasse indicaes de 20% correspondentes s florestas ditas preservadas. e, observando o resultado desse

    em 1990, Aziz e os professores Werner Zulauf e Leopoldo rodes foram encarregados pela direo do Ins-tituto de estudos Avanados da UsP, por sugesto do rei-tor, Jos Goldemberg, de realizar um projeto intitulado Floram (Florestas para o Meio Ambiente). Nas discusses do projeto, Aziz se inteirou de que no adiantaria plantar rvo-res em quantidade em alguns lugares onde era possvel im-plantar florestas plantadas, pois elas iriam captar um pouco de gs carbnico, enquanto o primeiro mundo continuaria a jogar gases na atmosfera. Concluiu ento que tinham de pensar de outra maneira. Foi a que tomou conhecimento do iderio de social forests e transformou o Floram em um projeto diferenciado de florestas sociais: florestas para a sociedade e a comunidade.

    A ideia central era de, em reas degradadas, incen-tivar a reservar um pequeno setor para rvores de espcies de crescimento rpido em propriedades pequenas e mdias, para reativ-las economicamente. em seguida, aps a es-colha dos locais exatos para criao de bosques plantados, seriam introduzidas espcies nativas ao longo e no entor-no das cabeceiras de drenagem e nos canais de escoamento que desembocam em pequenos rios da regio. A prefern-cia por espcies nativas de crescimento mais rpido, como palmceas, foi apoiada pelo conhecimento a ser obtido por meio da memria dos caboclos, num vis de etnocincias. Fora das reas de cabeceira, poderia haver algumas plantas de espcies dotadas de madeiras nobres, alm de um bom per-centual dedicado s atividades agrcolas tradicionais da regio, eventualmente com melhoramentos. essa metodologia um exemplo tpico de social forest. o projeto tinha tambm um lado educativo, fazendo com que crianas e adolescentes, filhos dos proprietrios, aprendessem a colher plntulas, a obter mudas e a plantar espcies nativas. Infelizmente, nunca houve resposta da rea educacional, pois seria uma maneira de reforar e reci-clar as chamadas escolas rurais.

    Durante o governo Collor, Werner Zulauf foi nomeado chefe da antiga sema (secretaria do Meio Ambien-te) e foi para braslia em 1990, levando o projeto presena do Ministro Jos Lutzemberger, bastante vaidoso e autorit-rio, que simplesmente disse: No li e no gostei. Quando Collor caiu ele sumiu do mapa, mas o Projeto Floram conti-nuou e, em 1998, ganhou o prmio mais importante da eco-logia mundial, que Werner acabou indo receber sozinho em Johannesburgo e nem convidou Aziz, fato que o deixou bas-tante triste, tendo em vista seu grande envolvimento nele.

    Aziz resume sua participao em assuntos ambien-tais com relao a eIA-rimas, s vezes encomendados apenas para a aprovao de projetos duvidosos, como o pri-meiro trecho do rodoanel de so Paulo, discutido em reu-nio no IAb e na oAb. Na verdade, acrescenta, num caso como esse, o gegrafo no pode fazer nada, no tendo poder para modificar assuntos sobre os quais tem entendimento. o professor Aziz tem recebido pedidos para atuar em de-fesa de oleoduto cruzando a selva amaznica, na questo dos invasores de Conceiozinha, no litoral paulista, que precisavam ser realocados, ou ainda com relao ao macio da Juria, sem falar dos problemas criados pelo projeto de transposio de guas do so Francisco. se no teve po-der para transformar, pelo menos os pareceres de Aziz fo-ram sempre independentes. toda vez que o conhecimento geogrfico projetado para equipes que trabalham com pla-nejamento, ele passa e ser altamente tcnico e humanitrio. so os gegrafos que cuidam das relaes entre homens, co-munidades, sociedades e meio ambiente, em que esses com-ponentes bsicos do planeta, junto com a vida vegetal e ani-mal, tm o seu habitat.

    o gegrafo precisa estar sempre bem informado, ne-cessitando de todos os livros, documentos e fatos da histria cotidiana, de todos os espaos de seu pas e, possivelmente, do mundo. o envolvimento poltico dos gegrafos um envolvi-

  • de sorocaba e da escola de Geologia da Universidade do rio Grande do sul, em 1959 e 1960, nico perodo em que deixou provisoriamente os quadros da UsP.

    Quando regressou a so Paulo foi nomeado diretor do Instituto de biocincias, Letras e Cincias exatas, IbILCe, da UNesP de so Jos do rio Preto, no perodo de 1979 a 1982, onde fundou outro grupo de pequenas revistas, como Crton e Intracrton, Vegetlia, Genoma e Interfacies, tendo sido publicados mais de 150 nmeros dessa ltima revista. Aziz acabou com as sebentas, as apostilas dadas pelos pro-fessores, estimulou os professores a publicar nos boletins seus melhores trabalhos, induzindo-os a escrever trabalhos mais bem pensados, em vez de reproduzir apenas um curso que vinha sendo dado h anos. Antes de assumir o IbILCe, Aziz fundou em so Paulo uma srie chamada Paleoclimas, bole-tins geogrficos que foram citados quase no mundo inteiro.

    Ao longo dos anos de 1950 Aziz desdobrava-se entre pesquisas de campo em todo o brasil e aulas em diversos lugares, dedicando-se a trabalhos extras, necessrios para a sobrevivncia de sua primeira famlia e tambm de seus pais, muito empobrecidos. Foi nessa poca que surgiu a oportu-nidade de aceitar proposta de trabalhar na escola de Geo-logia da Faculdade de Filosofia da UFrGs, que aliviava a sua situao econmica. Nessa poca escreveu stio urbano de Porto Alegre estudo geogrfico, publicado no Boletim Paulista de Geografia, em 1965. No campo pessoal, a mulher de Aziz, Dorath Pinto Uchoa, no se adaptou ao rio Gran-de do sul e voltou a so Paulo com as duas filhas, Juara e Janana. Nesse perodo Aziz tambm perdera o pai, o velho Nacib. Foi muito profcuo, por outro lado, o perodo no rio Grande do sul, em que Aziz aprendeu muito. Quando estava para voltar a so Paulo conheceu a jovem gacha Cla Irene Fraenck Muxfeldt e se casou com ela em 1963, tendo com ela trs filhos: tales Afonso, Alexandre e Carin. em 1965 prestou concurso para Livre Docncia e finalmente pde en-trar na UsP como professor e no mais como jardineiro ou prtico de laboratrio.

    Na UNesP de rio Preto, Aziz se preocupou em or-ganizar uma biblioteca de primeira categoria, que servisse instituio universitria e populao interessada. Introdu-ziu a leitura de jornais na biblioteca, defendendo a leitura de peridicos para avaliar o que acontece no mundo e nas dife-rentes regies do brasil. os bons jornais representam a his-tria em processo, o que fundamental, como exemplificam os estudos de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, que estudou o problema da dinmica climtica do sul do brasil consultando jornais ao longo do ano, com dados climticos dirios, e elaborando um dos melhores trabalhos de climato-logia dinmica j escritos em todas as Amricas.

    o professor Aziz se dedicou tambm a publicar livros didticos para o segundo grau, uma vez que no havia pr-ticas de ensino dentro dos livrinhos existentes. Assim, em 1975, acabou preparando um didtico mais aperfeioado, Formas de Relevo, dentro do projeto de uma antiga entidade chamada Funbec. tratava-se de uma espcie de geomor-fologia estrutural, sobretudo, com trs direcionamentos: um livro para o aluno, um guia para o professor e um cader-no de exerccios. o livro nunca foi aplicado nas escolas, a edio desapareceu e a editora fechou. Aziz achava que os livros apresentados aos alunos no tinham muito domnio do conhecimento geogrfico, ou eram dirigidos mais a gradua-dos e no a estudantes.

    Depois de rio Preto, Aziz aceitou ficar na rea de ecologia da UNesP de rio Claro, onde ficou por dois anos. Aziz no apreciou essa fase, em que no gozou de qualquer prestgio, principalmente em relao biblioteca, que aca-bou se desfazendo de todos os livros conseguidos por ele. em todos os lugares por onde passou com cargos de direo sempre procurou implantar bibliotecas. Mesmo em so Luiz do Paraitinga, sua cidadezinha natal, ajudou a revigorar a

    mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da devastao lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastao similares ao que j aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em reas de quarteires im-plantados para venda de lotes de 50 a 100 hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteiro foi total e inconsequente. Por isso Aziz defende a implantao de grandes reservas de biodiversidade no s para o futuro da vida no territrio brasileiro, mas tambm para preservar mundialmente a biodiversidade. Acredita que a partir dessa conscincia que vo surgir novas propostas para a preservao da biodiversidade na Amaznia.

    o professor Aziz foi convidado por Luiz Incio da silva, o Lula, para acompanh-lo em viagem pelo interior do brasil e explicar os problemas dos espaos e ocupao huma-na, e ficou impressionado com a perspiccia do futuro presi-dente. Aziz se diz sem vocao para a poltica, e no deseja ser poltico. Deseja apenas colaborar com as polticas pblicas e com os polticos que merecem seu respeito. Depois de colabo-rar com o governo paralelo do Partido dos trabalhadores, muitos passaram a confundi-lo com uma espcie de candidato a poltico. De modo geral, no aprecia os polticos brasileiros, independentemente dos partidos a que pertencem, e com rara lucidez conhece o poder da gesto pblica. Porm d seu aval para as excees, incluindo entre elas o Lula, "uma das inteli-gncias mais rsticas e criativas do pas". Sente-se fiel servidor do governo e sua participao poltica limita-se a fazer diag-nsticos de situaes e listar boas propostas para o direciona-mento das polticas pblicas.

    Vida acadmica, cargos ocupados por Aziz AbSber e aspectos da vida pessoal

    Aziz comeou a dar aulas no curso secundrio, com ajuda de colegas que arranjaram algumas poucas aulas, s vezes noite, ganhando muito pouco, durante os anos de 1945 e 1946. sua primeira contratao, j terminada a especializao, foi no Departamento de Geologia e Paleontologia, a convite de Kenneth Caster. Aceitou o cargo de jardineiro para ingressar oficialmente no quadro da universidade, mas nunca cuidou de jardim nenhum. o salrio de jardineiro era o menor possvel e, trs meses depois, os gegrafos do Departamento de Geografia, ao saberem que Aziz j era bacharel, licenciado e especialista e tinha sido nomeado jardineiro, acharam aquilo aviltante e conseguiram nome-lo prtico de laboratrio, cargo que ocupou at prestar exame para a livre-docncia, em 1965. Devido a problemas de sade Aziz teve receio de fazer exames mdicos oficiais para um outro cargo mais adequado sua formao. Quando se doutorou, em 1956, continuou como prtico de laboratrio e no podia assinar os boletins e as aulas, o que era feito por seus colegas. o comeo de sua carreira foi trabalhoso, alm de economicamente difcil.

    Depois de dar aulas no sedes sapientiae, Aziz foi tra-balhar nas Faculdades Campineiras, hoje PUC-Campinas, no perodo em que era prtico de laboratrio na UsP e tinha que viajar de madrugada para Campinas. Ali montou uma biblioteca geogrfica inicial a partir de boletins especializa-dos e separatas, deixando em Campinas um trabalho pionei-ro. Foi a seguir convidado para lecionar na PUC de so Paulo pelo reitor, Monsenhor salim. Uma das coisas de princpio de carreira que depois permaneceu na sua vida foi a funda-o de boletins e peridicos geogrficos. Nas Faculdades Campineiras havia fundado Notcia Geomorfolgica e, muito depois, no Instituto de Geografia da UsP, criou uma srie de boletins especializados em diversas reas: geomorfologia, climatologia, geografia urbana, geografia do planejamento. Paralelamente, nessa poca, comearam a aparecer pedidos para trabalhar em outras reas, e Aziz foi ser professor da es-cola de Jornalismo Csper Lbero, da Faculdade de Filosofia

  • Ecos do Sino grande

    Ainda oio. trago na memria.Na noite de so Luizescuto aindaAs badaladas arrastadasDo sino grandeDa matriz.

    Coisa rara: tivemos que sairMinha me, minha madrinha e euPara arejar o pequeno IussefQue estava com tosse comprida.

    ruas desertas. escurido. barro e chuvinhaCheiro do mato vindo da outra bandaDo rio.

    No alto do morroo cruzeiro iluminado que meu pai,Poeta introvertido,Mandou iluminar.Primeiras eltricas luzes,Que antecediamo pontilhado imenso quemarcava as luzes do universo.

    saudades de meninoentes queridos.Lembranas sentidas.e, para completarAs badaladas arrastadas do sino grandeQue saudades, Deus meu!

    biblioteca local, e continua sempre em busca de doaes para bibliotecas comunitrias, que organiza com um pequeno grupo de idealistas, em comunidades carentes, como Capo redondo, no sul da cidade de so Paulo, Conceiozinha, na Ilha de santo Amaro, alm das quadras das escolas de samba de so Paulo, penitencirias femininas e albergues de sem-teto.

    Quando foi diretor do Instituto de Geografia, Aziz reuniu muitos livros e organizou um pequeno museu do livro didtico, para as pessoas perceberem como foi a evoluo. os livros didticos melhoraram, abordando um pouco de geo-grafia econmica, de geografia regional e um pouco de demo-grafia, com muitas ilustraes, despertando mais a curiosida-de dos estudantes. Para Aziz, os livros didticos devem ser feitos sempre por pessoas que j tenham uma consolidao de conhecimentos integrados. o principal desafio do livro did-tico, hoje, compatibilizar conhecimentos de boa qualidade com uma linguagem que se adeque ao nvel de escolaridade de cada faixa etria.

    entre 1988 e 1989, seu amigo historiador, Carlos Gui-lherme Motta, fazia parte de um grupo que estava fundan-do o Instituto de estudos Avanados na UsP, e convidou-o para atuar na rea de Geografia. Nessa poca escreveu um trabalho extenso sobre a regio do Pantanal, intitulado o Pantanal Mato-Grossense e a teoria dos refgios. Na lti-ma dcada tem participado de algumas publicaes de luxo, que sintetizam sua longa trajetria como gegrafo.

    seus escritos mais recentes podem ser lidos na re-vista Scientific American Brasil, graas a convite de Ulisses Capozzoli, superintendente da edio brasileira dessa revista.

    Quase diariamente, ao final da tarde, vai ao seu gabi-nete no Instituto de estudo Avanados, no prdio da antiga reitoria da UsP, onde recebe amigos, ex-alunos e colegas. Foi a que ocorreu a maior parte dos nossos encontros durante a organizao desta publicao. Aziz continua muito produti-vo: nos ltimos meses finalizou quase uma dezena de artigos inditos, que nos entregava manuscritos e que podem ser li-dos no DVD. No momento escreve artigos para montar uma coletnea sobre os bastidores dos seus trabalhos de campo.

    em uma das suas visitas editora, pediu para que ls-semos em voz alta um de seus poemas. Pareceu-nos que seria um bom fecho para esta smula biogrfica:

    Fontes:

    Depoimentos pessoal aos organizadores do livro durante os anos de 2007, 2008, 2009 e 2010.Cynara Menezes. 2007. O que ser gegrafo: memrias profissionais de Aziz Nacib Ab'Sber. so Paulo editora record.temas diversos. Postado por alexproenca em julho 7, 2010. Aziz Absber: Do Cdigo Florestal para o Cdigo da biodiversidade (Internet).Fundao Getulio Vargas: Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do brasil (CPDoC). Absber, Aziz Nacib (depoimento, 1977) rio de Janeiro, CPDoC, 2010. 159 p. (Internet).http://candidoneto.blogspot.com/2010/01/aziz-absaber-aprender-contestar-os.html blog Lngua Ferina. Quarta-feira, 13 de janeiro de 2010. Aziz Ab'sber: Aprender a contestar os idiotas (Internet).http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/txt.php?id=5 Cincia Hoje. entrevista concedida a Carmen Weingrill e Vera rita da Costa. Publicada em julho de 1992.

  • ndiceCaptulo 1 - Andrea bartorelli Comentrios a respeito de um relatrio do Professor Aziz

    Captulo 2 - Carlos Augusto de Figueiredo MonteiroAziz Nacib Absber Gegrafo brasileiro

    Captulo 3 - olga Cruz os mapas de organizao natural das paisagens e o Professor Absber

    Captulo 4 - Antonio Carlos rocha-Campos Aziz Absber e o varvito de Itu 1948 - sequncias de rochas glaciais e subglaciais dos arredores de Itu, so Paulo

    Captulo 5 - olga Cruz sobre "regies de circundesnudao ps-cretcea, no Planalto brasileiro"1949 - regies de circundesnudao ps-cretcea, no Planalto brasileiro

    Captulo 6 - Gerusa Maria Duarte o brasileiro Aziz Nacib Absber 1952 - Geomorfologia de uma linha de quedas apalachiana tpica do estado de so Paulo

    Captulo 7 - Ana Maria Medeiros Furtado Aziz Absber e a Amaznia1953 - A cidade de Manaus (Primeiros estudos)

    Captulo 8 - olga Cruz os estudos do professor Absber em reas costeiras do brasil1954 - Contribuio geomorfologia do litoral paulista

    Captulo 9 - silvia F. de M. Figueira Aziz Absber, a histria das geocincias e o papel da universidade: preocupaes de longa data1956 - Meditaes em torno da notcia e da crtica na geomorfologia brasileira

    Captulo 10 - Cludio riccomini, Carlos H. Grohmann, Lucy G. santAnna, silvio t. Hiruma A captura das cabeceiras do rio tiet pelo rio Paraba do sul1957 - o problema das conexes antigas e da separao da drenagem do Paraba e do tiet

    Captulo 11 - Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro A contribuio de Absber geografia urbana do brasil1958 - o stio urbano de so Paulo

    Captulo 12 - Joo Jos bigarellaDepoimento do Professor bigarella1961 - ocorrncia de pedimentos remanescentes nas fraldas da serra do Iquererim (Garuva, sC)

    Captulo 13 - silvio takashi Hiruma, May Christine Modenesi-Gauttieri Paleopavimentos1962 - reviso dos conhecimentos sobre o horizonte subsuperficial de cascalhos inhumados do brasil oriental

    Captulo 14 - Adilson Avansi de Abreu revisitando um clssico: o relevo brasileiro e seus problemas de Aziz Nacib Absber1965 - o relevo brasileiro e seus problemas

    Captulo 15 - roberto Verdum releitura de o stio urbano de Porto Alegre1965 - o stio urbano de Porto Alegre: estudo geogrfico

    Captulo 16 - Carlos Augusto de Figueiredo MonteiroDomnios e provncias nos quadros de natureza brasileira, na viso de Absber1967 - Domnios morfoclimticos e provncias fitogeogrficas do brasil

    Captulo 17 - Dirce Maria Antunes suertegaray Geomorfologia do rio Grande do sul, o saber de Absber1969 - Participao das superfcies aplainadas nas paisagens do rio Grande do sul

    Captulo 18 - Celso Dal r